resiliÊncia e famÍlia: uma anÁlise dos laÇos conjugais … · relação conjugal e...

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UNIVERSIDADE DE TAUBATÉ Mônica Maria Costa Morais Pereira RESILIÊNCIA E FAMÍLIA: UMA ANÁLISE DOS LAÇOS CONJUGAIS AO LONGO DO CICLO VITAL Taubaté – SP 2014

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Page 1: RESILIÊNCIA E FAMÍLIA: UMA ANÁLISE DOS LAÇOS CONJUGAIS … · relação conjugal e consequências desses processos para a família e para seu desenvolvimento humano foi o objetivo

UNIVERSIDADE DE TAUBATÉ Mônica Maria Costa Morais Pereira

RESILIÊNCIA E FAMÍLIA: UMA ANÁLISE DOS LAÇOS CONJUGAIS AO LONGO

DO CICLO VITAL

Taubaté – SP 2014

Page 2: RESILIÊNCIA E FAMÍLIA: UMA ANÁLISE DOS LAÇOS CONJUGAIS … · relação conjugal e consequências desses processos para a família e para seu desenvolvimento humano foi o objetivo

Mônica Maria Costa Morais Pereira

Resiliência e família: uma análise dos laços conjugais ao longo do ciclo

vital

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Desenvolvimento Humano: Formação, Políticas e Práticas Sociais da Universidade de Taubaté, como exigência para obtenção do título de Mestre, sob a orientação da Prof.ª Drª. Marluce Auxiliadora Borges Glaus Leão.

Taubaté – SP

2014

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MÔNICA MARIA COSTA MORAIS PERREIRA

RESILIÊNCIA E FAMÍLIA: UMA ANÁLISE DOS LAÇOS CONJUGAIS AO LONGO DO CICLO VITAL

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Desenvolvimento Humano: Formação, Políticas e Práticas Sociais, da Universidade de Taubaté, como exigência para obtenção do título de Mestre, sob a orientação da Prof.ª Drª. Marluce Auxiliadora Borges Glaus Leão.

Data: ___________________________

Resultado:_______________________

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. ______________________________ Universidade de Taubaté

Assinatura_____________________________

Prof. Dr. ______________________________ Universidade ____________

Assinatura ____________________________

Prof. Dr. ______________________________ Universidade ____________

Assinatura ____________________________

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Qualquer traumatismo nos transtorna e nos desvia

para a tragédia. Mas a representação do

acontecimento nos dá a possibilidade de fazer dele o

eixo de nossa história, uma espécie de estrela do

pastor escura que nos indica a direção [...] A ferida

é, evidentemente, real, mas seu destino não é

independente de nossa vontade porque é possível

fazer algo com ele (CYRULNIK,2005, p. 16).

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AGRADECIMENTOS

À Professora Doutora Marluce Auxiliadora Borges Glaus Leão, minha orientadora,

pelo carinho com que encaminhou suas pontuações e observações sempre tão

precisas e esclarecedoras, sempre encontrando um “tempinho” para mim em meio a

suas múltiplas tarefas.

À Professora Doutora Marilza Terezinha Soares de Souza, pela ajuda no momento

da escolha do tema a ser pesquisado, acendendo luzes onde os desejos eram

muitos, auxiliando nas escolhas feitas.

À Professora Doutora Edna Maria Querido de Oliveira Chamon, Coordenadora do

Mestrado em Desenvolvimento Humano, pela coragem e dedicação empreendidos

para que este mestrado existisse, permitindo, assim, a realização de um antigo

sonho. Agradeço ainda pelo incentivo constante: - Vamos publicar, gente!

À Professora Doutora Ceneide Maria de Oliveira Cerveny, que, tão prontamente,

aceitou participar desta banca, e, com sua presença,alegrou-nos além de que suas

contribuições em muito enriqueceram este trabalho.

A todos os professores do Mestrado em Desenvolvimento Humano, pela dedicação

e incentivos constantes.

À Larissa da Silva Cardoso, pela constante dedicação e paciência,auxiliando

prontamente sempre que precisava tratar de questões de informática.

Às amigas Rosana e Rita, pela força, alegria e angústias divididas durante nosso

percurso, sempre confidentes em comum nesta caminhada de dois anos.

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Às minhas filhas, Raissa e Kiara, amores eternos, pela alegria que trazem

diariamente à minha vida com suas existências e pelo tempo que abdicamos desta

convivência para realizar este projeto.

Ao meu marido Ernani, por me dividir com mais uma atividade diária diante de tantas

já vivenciadas em nossa conjugalidade.

À minha sogra Cleuza que, com carinho, cuidou de minha filha, permitindo minha

presença às aulas noturnas.

À minhas irmãs Iêda e Rosalba e às sobrinhas, tias e primas pelo incentivo e carinho

constante.

A meus pais, José e Isabel (in memorian), pela vida e pelo cuidado para comigo e

pelo exemplo de preocupação com o social. Agradeço, em especial,à minha mãe por

ter sido um exemplo de resiliência diante da vida, fornecendo-me valores e crenças

que muito me auxiliam na conquista de meus objetivos.

Enfim, a Deus, que me concedeu o dom da vida e tem me concedido saúde e

prosperidade.

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RESUMO

Este estudo investiga o constructo psicológico da resiliência nos laços da

conjugalidade, focalizando as formas de superação de casais frente aos desafios ao

longo do ciclo vital; os fatores de proteção e riscos vivenciados por eles nas fases do

ciclo vital da família denominadas de aquisição, adolescente, madura e última,

articulando as estratégias de enfrentamento promotoras de resiliência nos casais, as

questões da conjugalidade, família e desenvolvimento humano. Trata-se de uma

pesquisa qualitativa realizada com oito casais, sendo dois representantes de cada

fase do ciclo vital. A coleta de dados foi feita por meio da entrevista semiestruturada

e sua análise a partir da análise de conteúdo de Bardin, à luz da teoria bioecológica

do desenvolvimento humano, do constructo resiliência e teoria sistêmica da família.

Os resultados indicam que os fatores de riscos comuns aos casais ao longo da

conjugalidade foram: dificuldades de adaptação frente as mudanças da vida,como

dificuldades financeiras e seus desdobramentos.. Os fatores de proteção que

atuaram na superação destes desafios foram: amor e união entre o casal, modelo

das famílias de origem e a espiritualidade enquanto crença. Entre as estratégias de

enfrentamento disponíveis nos vários contextos nos quais os casais interagem

destacaram-se: o apoio e modelos das famílias de origem/colateral e descendente e

o diálogo e a participação em grupos religiosos/sociais contribuindo na dinâmica da

conjugalidade e no desenvolvimento de atitudes resilientes nos casais. Constatou-se

que o processo de resiliência foi fruto das estratégias de enfrentamento utilizadas

pelos casais, resultando em seu fortalecimento e amadurecimento.

Palavras-chave: Conjugalidade. Resiliência. Família. Desenvolvimento humano.

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ABSTRACT

This study investigates the psychological construct of resilience in the bonds of

conjugality, focusing on the ways of overcoming the challenges couples along the life

cycle; the who acted as protection and risks experienced by them in the phases of

the life cycle of the family called acquisition, teen, mature and last. Aimed to identify

coping strategies that promote resilience in couples, articulating them to the issues of

conjugality, family and human development. It is a qualitative research conducted

with eight couples, and two representatives from each phase of conjugality, each of

them addressed only once. For the collection of data using the semi-structured

interview. Data analysis was made from the analysis of content of Bardin, discussed

in the light of the bioecological theory of human development, the systemic theory of

resiliency and construct family. The results indicate that the risks that were common

for couples throughout conjugality were: difficulties of adaptation front changes of life

followed by the financial difficulties and their unfoldings in conjugality. The categories

of protection used for overcoming these challenges were: love and the couple's

union, model of the families of origin and spirituality as a belief. The highlights, in this

research, as coping strategies that if sued involving the risk categories and protection

available in the various contexts in which couples interact: the support and models of

collateral sourceand descendant families, dialogue and participation in social and

religious groups contributing to the dynamics of conjugality and developing resilient

attitudes on couples. It is believed that the results portray the issues experienced by

couples and their confrontation in overcoming the challenges and their repercussions

on the family structure.

KEYWORDS: Conjugality. Family. Resilience. Human Development.

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LISTA DE FIGURAS

Quadro1 - Distribuição das categorias e subcategorias na Fase de Aquisição .................... 74

Quadro2 - Distribuição das categorias e subcategorias na Fase Adolescente ................... 106

Quadro3 - Distribuição das categorias e subcategorias na Fase Madura ........................... 130

Quadro4 - Distribuição das categorias e subcategorias na Fase Última ............................. 149

Tabela 5. Categorias dos fatores de proteção que se mantiveram ao longo do ciclo vital .. 170

Tabela 6. Estratégias de Enfrentamento que se mantiveram ao longo do ciclo vital .......... 171

Tabela 7. Desafios presentes nas fases do ciclo vital ......................................................... 171

Figura 1. Distribuição da população em termos de separação e divórcios em relação ao

número de casamentos, por cidade, estado e país. ............................................................ 202

Figura 2. Subcategorias de proteção prevalentes nas fases do ciclo vital do casamento .. 203

Figura 3. Subcategorias de riscos prevalentes nas fases do ciclo vital do casamento ....... 204

Figura 4 Estratégias de enfrentamento nas fases do ciclo vital do casamento ................... 205

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 12

1.1 PROBLEMA ................................................................................................................. 18

1.2OBJETIVOS .................................................................................................................. 18

1.2.1 OBJETIVO GERAL ................................................................................................ 18

1.2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ................................................................................. 19

1.3 DELIMITAÇÃO DO ESTUDO ...................................................................................... 19

1.4 RELEVÂNCIA DO ESTUDO/JUSTIFICATIVA ............................................................. 20

1.5 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO ................................................................................ 21

2 REVISÃO DA LITERATURA .............................................................................................. 23

2.1 RESILIÊNCIA ............................................................................................................... 23

2.2 FAMÍLIA ....................................................................................................................... 35

2.2.1 A família antiga ......................................................................................................... 38

2.2.2 A família do Direito .................................................................................................... 38

2.2.3 A família hoje ............................................................................................................ 39

2.3 CICLO VITAL DA FAMÍLIA .......................................................................................... 46

2.4 CONJUGALIDADE ....................................................................................................... 51

2.5 TEORIA BIOECOLÓGICA DO DESENVOLVIMENTO HUMANO ............................... 58

3 PROPOSIÇÃO .................................................................................................................... 63

4 MÉTODO ............................................................................................................................ 64

4.1POPULAÇÃO ................................................................................................................ 65

4.2 LOCAL ......................................................................................................................... 65

4.3INSTRUMENTOS ......................................................................................................... 66

4.4 PROCEDIMENTOS DE COLETA DE DADOS ............................................................ 66

4.5 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE DE DADOS ........................................................... 68

5 RESULTADOS E DISCUSSÃO .......................................................................................... 71

5.1 FASE DE AQUISIÇÃO .................................................................................................... 72

5.1.1 CATEGORIAS DOS FATORES DE RISCO PARA A CONJUGALIDADE ................ 76

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5.1.2 CATEGORIAS DOS FATORES DE PROTEÇÃO PARA A CONJUGALIDADE ....... 89

5.1.3 ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO PARA A CONJUGALIDADE .................... 95

5.2 FASE ADOLESCENTE .................................................................................................. 104

5.2.1 CATEGORIAS DOS FATORES DE RISCO PARA A CONJUGALIDADE .............. 108

5.2.2 CATEGORIAS DOS FATORES DE PROTEÇÃO PARA A CONJUGALIDADE ..... 116

5.2.3 ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO PARA A CONJUGALIDADE .................. 123

5.3 FASE MADURA ............................................................................................................. 128

5.3.1 CATEGORIAS DOS FATORES DE RISCO PARA A CONJUGALIDADE .............. 132

5.3.2 CATEGORIAS DOS FATORES DE PROTEÇÃO PARA A CONJUGALIDADE ..... 138

5.3.3 ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO PARA A CONJUGALIDADE .................. 141

5.4 FASE ÚLTIMA ............................................................................................................... 146

5.4.1 CATEGORIAS DOS FATORES DE RISCO PARA A CONJUGALIDADE .............. 151

5.4.2 CATEGORIAS DOS FATORES DE PROTEÇÃO PARA A CONJUGALIDADE ..... 156

5.4.3 ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO PARA A CONJUGALIDADE .................. 164

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 172

ANEXO l – Aprovação Comitê de Ética em Pesquisa ......................................................... 198

ANEXO II – Aprovação da alteração do título da Dissertação pelo Comitê de Ética e Pesquisa .............................................................................................................................. 199

ANEXO IlI – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ................................................ 200

APÊNDICES ........................................................................................................................ 201

APÊNDICE I - Roteiro de Entrevista .................................................................................... 201

APÊNDICE II – Distribuição da população brasileira por estado civil ................................. 201

APÊNDICE III – Subcategorias de proteção prevalentes nas fases do ciclo vital do casamento ........................................................................................................................... 203

APÊNDICE V – Estratégias de enfrentamento nas fases do ciclo vital do casamento ....... 205

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1 INTRODUÇÃO

Muitos são os desafios pelos quais passam os casais em suas

conjugalidades, e as consequências desses desafios ,geralmente, recaem sobre a

família. Buscar o entendimento sobre esta questão e a compreensão de seus modos

de superação faz-se necessário, considerando a conjugalidade como base do

desenvolvimento humano. .

Conhecer os processos de resiliência utilizados pelos casais ao longo da

relação conjugal e consequências desses processos para a família e para seu

desenvolvimento humano foi o objetivo central desta pesquisa. A escuta das

experiências de casais, realizada pela autora desta pesquisa na sua prática clínica

em Psicologia, favoreceu a percepção sobre o potencial das variáveis dos

contextos, o processo e o tempo nos quais estão inseridos e como interagem entre

si, como produtores do desenvolvimento humano, influenciando e sendo

influenciados pela vivência da conjugalidade, impactando, muitas vezes,na vida

familiar.

Os conceitos adotados como base para a compreensão deste fenômeno

são:conjugalidade, resiliência, família e desenvolvimento humano. A resiliência,

enquanto um termo “adaptado ao campo das ciências da saúde, foi relacionado à

capacidade de regeneração, adaptação e flexibilidade” (CERVENY, 2006, p.1),e a

conjugalidade1 como “[...] a ideia de união, de ligação entre duas pessoas, sem

necessariamente a existência de um contrato formal entre elas” (DIHEL, 2002,

p.138). A família é uma sociedade natural formada por indivíduos, unidos por laço de

sangue e/ou de afinidade (DINIZ, 2008). Para a compreensão dos movimentos de

superação utilizados por casais, o constructo de resiliência psicológica se mostra

importante.

O desenvolvimento humano assume aqui o caráter de “um conjunto de

processos por meio dos quais as propriedades do indivíduo e do ambiente interagem

1 Nesta pesquisa, o uso do termo conjugalidade está muitas vezes representado pelo termo casamento.

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e produzem continuidades e mudanças nas características da pessoa e no seu

curso de vida” (BRONFENBRENNER, 1992, p. 191).

Em relação à resiliência da família, Souza e Cerveny (2006, p. 119), após

alguns estudos, afirmam tratar-se de

[...] um processo de adaptação aos eventos estressores que ultrapassa o simples ajustamento, pois envolve a mudança de crenças e de visão do mundo. Enfatizaram que este processo passa pelos recursos internos da família e os externos da comunidade, levando-se em conta ainda o fator espiritual.

Inicialmente,a resiliência foi considerada uma característica inata que

acompanhava a pessoa por toda sua vida, sem nunca sofrer alterações. Depois, sob

a influência da teoria cognitivo-comportamental, o conceito adquiriu o foco de

aprendizagem social, pois se aprendia a ser resiliente e, finalmente,sob uma terceira

perspectiva, a interacionista, a resiliência advém da conjugação de muitos

elementos que oscilam em determinados momentos da vida (BARLACH, 2005).

O que é fundamental na percepção da evolução do conceito de resiliência é o

fato de não ser considerada um atributo do nível intrapsíquico exclusivo da pessoa,

mas que se relaciona com diversas redes de apoio, como a família, os amigos, a

religião, passando a ter um caráter sistêmico e relacional.

O tema resiliência apresenta vasta amplitude, sendo possível referenciá-lo a

partir de muitas perpectivas, como nos explica Barros (1997), que se dedicou ao

estudo sobre mídia, cultura e resiliência, investigando o impacto dos meios de

comunicação de massa na mudança de valores da sociedade contemporânea.

A trajetória das pesquisas sobre a resiliência seguiu os mesmos eixos do

desenvolvimento humano: no sentido vertical, a orientação indivíduo/mundo externo;

e,no sentido transversal, a criança, o adolescente e o adulto e, por último, o idoso.

Da mesma forma, a definição do conceito evoluiu do indivíduo (traços de

personalidade) para a família (construção relacional) e, depois, para as redes sociais

mais amplas (visão ecológica) (ALVAREZ, 1999). Por sua vez, entende-se o

desenvolvimento como um processo contínuo que se estende para muito além dos

primeiros anos, e que resulta de todas as experiências vividas, por exemplo, pelo

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casal e que compõem sua dinâmica conjugal, inclusive o entendimento de toda a

trama social, política e cultural na qual o casal está inserido, como Bronfenbrenner

(1996, p. 30)evidencia:

Os meios ambientes humanos e, ainda mais, as capacidades dos seres humanos de se adaptarem a, e reestruturarem, esses meios ambientes, são tão complexos e, sua organização básica que provavelmente não serão capturados através de modelos de pesquisa simplistas, unidimensionais, que não incluem a avaliação da estrutura e variação ecológica.

A resiliência é um conceito que tem sido explorado e aplicado nas mais

diversas áreas que envolvem o ser humano, seu ambiente de relacionamento e, de

acordo com o momento histórico, a necessidade e o interesse de quem estuda e

pesquisa o assunto.

Nesse sentido, Souza e Cerveny (2006) apontam algumas linhas de estudos

qualitativos e quantitativos que tomam a resiliência como objeto de estudos,

sintetizados em: verificação e compreensão de características pessoais e processos

de superação e enfrentamento; construção de instrumentos e metodologias para a

avaliação da resiliência; compreensão dos significados atribuídos à resiliência e aos

projetos de intervenção visando desenvolver ou fortalecer a resiliência.

Paradigmas, valores e crenças sobre a conjugalidade, considerados imutáveis

e universais, vêm sendo cada vez mais questionados e invalidados. A questão que

se coloca é: em quem o homem vai buscar referências? -visto que algum grau de

permanência é necessário para que se estabeleça um nível de identidade a partir da

qual o sujeito se predisponha a se relacionar com os outros, podendo, a partir disso,

modificar-se e transformar o ambiente em que vive.

A resposta para essa questão talvez encontre suporte no desenvolvimento da

resiliência humana. Diante de um mundo em constantes mudanças, por vezes

abruptas, desde as macro até as micro catástrofes que ocorrem na singularidade de

uma família, no seu núcleo de conjugalidade ou na subjetividade de um único

indivíduo, só a posteriore é passível avaliar, ou seja, somente depois do ocorrido é

que se pode analisar como cada situação afetou os envolvidos.

Todavia a resiliência como possibilidade de superação das situações

desagregadoras e traumáticas deixou de ser uma característica solicitada ao

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homem, só em determinados momentos, e passou a ser um modo necessário para

situações corriqueiras na atualidade. Uma realidade de mudanças rápidas e

constantes,por meio da qual, cada vez mais,as pessoas têm necessidade de contar

com suas próprias forças para continuar buscando apoio dentro de suas novas

realidades.

O que interessou aqui estudar foi como a presença de fatores protetores

resilientes na conjugalidade podem auxiliar os casais, considerando que as

pesquisas apontam a flexibilidade, a boa autoestima,a tolerância e a capacidade de

suportar frustração, como fatores de proteção ao vínculo.Interessou ainda entender

também o modo sobre como tais fatores concorrem para o processo de resiliência e

contribuem para o desenvolvimento dos casais e da família.

Preliminarmente, situa-se aqui a conjugalidade desde uma perspectiva

histórica, quando os parceiros eram escolhidos pelas famílias de origem, de acordo

com múltiplos interesses e sem nenhuma perspectiva de sentimentos ou ruptura

desta situação.

Nas últimas três décadas, fatores como a independência da mulher, questões

de ordem socioeconômicas, descobertas científicas, entre outros, mudaram a forma

de estabelecer esse relacionamento e os sentimentos se tornaram os motores da

conjugalidade, razão pela qual esse conceito passou a existir. Sobre ela foram

depositadas expectativas pessoais de completude e níveis de realização, surgindo

como efeito na pós-modernidade2 o grande paradigma das individualidades versus a

conjugalidade.

O que caracteriza a união contemporânea não é só essa referência ao sentimento amoroso, mas também a importância crescente que assumiram, ao lado de um domínio conjugal em relativa decadência, os domínios e interesses individuais dos que se unem, e também o papel essencial que assume a sexualidade, primeiro, na constituição e, depois, na manutenção da relação conjugal (BOZON, 2003, p. 133-134).

2Entendida aqui enquanto “os modos de vida colocados em ação pela modernidade nos livraram de uma forma bastante inédita de todos os tipos tradicionais de ordem social. Tanto em extensão, quanto em intensidade, as transformações envolvidas na modernidade são mais profundas do que a maioria das mudanças características dos períodos anteriores. No plano da extensão, elas serviram para estabelecer formas de interconexão social que cobrem o globo; em termos de intensidade, elas alteram algumas das características mais íntimas e pessoais de nossa existência cotidiana” (GIDDENS, 1990, p. 21).

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Muitas são as teorias que, ao longo do tempo, serviram de suporte para a

compreensão sobre esse tema, sendo as mais reconhecidas: a Teoria do apego,

que valoriza as primeiras relações do bebê como base para as demais relações; a

Teoria da crise, que foca mais no modo como os casais superam as crises; a Teoria

da troca social, que analisa a superação do obstáculo, mas também as

recompensas e, por último, a Teoria interacionista, que foca nos sistemas da família.

O que todas têm em comum e para onde também convergem as pesquisas nessa

área, é o fato de sempre incluírem em suas análises os contextos, os recursos e os

processos adaptativos.

A família, por sua vez, pode ser considerada a unidade social mais antiga do

ser humano, a qual, historicamente, mesmo antes de o homem se organizar em

comunidades sedentárias, constituía-se em um grupo de pessoas relacionadas a

partir de um ancestral comum ou por meio do matrimônio.

Formar um casal e constituir uma nova família é uma das possibilidades que o

indivíduo tem de constituir vínculos duradouros. Assim, o que chamamos de 'o

nascimento emocional da família' é um processo que implica a construção gradual

de um vínculo que propicie apego e cumplicidade e também independência e

autonomia emocional (CERVENY, 1997).

Esses vínculos podem resultar do casamento, que segundo Whitaker (1995,

p. 22) é: “[...] um modelo adulto de intimidade. É uma espécie de união e separação

que faz parte do modelo adulto de nossa estrutura. Tem as mesmas qualidades de

todos os “casamentos”, para usar esse termo em sentido mais amplo [...]”. É,

também, a união de dois complexos e intrincados sistemas familiares.

A realidade social que se apresenta nos dias atuais trouxe consequências

significativas para a estrutura familiar, especialmente no que concerne à

responsabilidade e criação dos filhos, da qual participam cada vez mais membros

externos como tias, babás e demais cuidadores. À medida que o sistema capitalista

se apresenta como modo de vida, surge cada vez mais a necessidade do consumo

de bens, que vão paulatinamente se tornando imprescindíveis para o alcance da

sobrevivência, instaurando assim, um processo de retroalimentação do próprio

sistema.

Assim, o panorama social, na atualidade, apresenta múltiplas conjugalidades

que se estruturam, desestruturam e se reestruturam, em um ritmo muito acelerado,

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fazendo com que as pesquisas neste campo assumam grande importância para a

compreensão desses fenômenos. Na atividade clínica, o que se verifica é o

sofrimento perante a separação e no recasamento (FERES-CARNEIRO, 2011).

Pensar o desenvolvimento desse modo amplo requer um referencial

compatível no acompanhamento dos avanços ocorridos nos últimos anos nas áreas

das Ciências Humanas, assim como os avanços tecnológicos que transformaram a

relação do humano consigo próprio e com os outros. Nesta lógica, as relações do

homem com um novo mundo não podem mais ficar restritas a determinados

aspectos internos ou externos, mas se processam de modo amplo e dinâmico

asseverando que compreender o fenômeno da conjugalidade é maior que qualquer

teoria ou pensamento sobre ele.

Neste sentido, a Teoria Bioecológica de Urie Bronfenbrenner,selecionada

para nortear a compreensão desses fatos, considera o ser humano em

desenvolvimento constante pelas relações de reciprocidade entre ele e os ambientes

em que vive. Um ambiente que não se limita à unicidade, mas trata-se de um

conjunto sistêmico de contextos que interagem simultaneamente e que sofrem

influências internas e externas (BRONFENBRENNER, 1996).

Essa compreensão de desenvolvimento facilitou a emergência de várias

teorias que procuram reconstituir, a partir de diferentes metodologias, as produções

e representações de mundo e suas vinculações com o momento histórico da

sociedade. Assim, a análise desse desenvolvimento e suas múltiplas facetas são

possíveis por esta teoria, que permite abarcar o fenômeno da conjugalidade em

todas as suas dimensões, pois:

O entendimento do desenvolvimento humano exige mais do que a observação direta do comportamento por parte de uma ou mais duas pessoas no mesmo local; ele requer o exame de sistemas de interação de múltiplas pessoas, não limitado a um único ambiente, e deve levar em conta aspectos do meio ambiente, além da situação imediata que contém o sujeito (BRONFENBRENNER, 1996, p.18).

Pensar a resiliência na conjugalidade e seus impactos para a família é

pensar, de modo interdisciplinar, sobre todos os contextos sociais, afetivos,

históricos e econômicos que perpassam a trajetória destes casais e dos novos

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arranjos que buscam em resposta a essas demandas, modificando a realidade e

sendo modificados.

Por isso, verificar os desafios vivenciados pelos casais ao longo de seu ciclo

vital e os fatores de risco e proteção disponíveis nos contextos aos quais pertençam-

e suas repercussões para a família foi a proposta central desta pesquisa. Acredita-

se que, ao conhecer os desafios que os casais atribuem à vida em comum, assim

como os recursos de proteção,pode-se contribuir para a compreensão deste

fenômeno na conjugalidade. Dessa forma, este estudo soma-se às pesquisas já

existentes que têm como foco as estratégias de superação das famílias perante as

adversidades.

Tendo em vista as diferentes configurações familiares existentes, optou-se

por estudar as famílias constituídas pelo casamento considerando ser este o modo

que mais representa as atuais conjugalidades, embora este cenário venha se

modificando.

1.1 PROBLEMA

Quais são os desafios enfrentados por casais nas várias fases do ciclo vital

do casamento e as estratégias de superação que utilizaram. E quais as

repercussões desses enfrentamentos para a família?

1.2OBJETIVOS

1.2.1 OBJETIVO GERAL

Verificar os fatores de risco e de proteção nos contextos da conjugalidade, ao

longo das várias fases do ciclo vital, e investigar sobre os desdobramentos desses

fatores no desenvolvimento humano da família.

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1.2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Identificar os desafios vivenciados por casais ao longo da relação conjugal;

Verificar os fatores de risco e proteção disponíveis na conjugalidade, na

família e nos contextos nos quais os membros do casal interagem;

Conhecer as estratégias de enfrentamento utilizadas pelos casais nas

diferentes fases do casamento e investigar sobre as repercussões dessas

estratégias para a família;

1.3 DELIMITAÇÃO DO ESTUDO

Os objetos centrais de análise desta pesquisa foram as dificuldades

enfrentadas pelos casais e as atitudes de superação utilizadas por eles nos ciclos

vitais dos casamentos/conjugalidades. Para tanto, selecionou-se uma amostra de

casais residentes em uma cidade do interior no Vale do Paraíba no estado de São

Paulo, tendo em vista os achados do censo do Instituto Brasileiro Geral de

Estatística (IBGE) 2010. De acordo com os dados, a população deste município é de

82. 537 habitantes; 80.173 na área urbana e 2.364 em área rural; 39.858 homens e

42.679 mulheres, com renda média de R$ 2.599,57 por domicílio na área urbana.

Em relação ao estado civil, existem 26.499 pessoas casadas, 3.279 divorciadas e

35.297 solteiros. O censo de 2010 também indica que esta cidade do Vale do

Paraíba paulista apresenta média anual de 597 casamentos, 14 separações e

191divórcios, significando que, em relação à população total, a média é de 0,72%

casamentos, 2,31% de separação e 32% de divórcios. Constatou-se, a partir desses

dados, que há mais casamentos e separações nesta cidade quando comparados

aos números do estado de São Paulo e do Brasil. Mas,divorciou-se em proporções

iguais à média do estado de São Paulo, que é superior a média nacional.

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20

A escolha desta cidade do Vale do Paraíba paulista se deu, também, por ser

onde reside a pesquisadora, facilitando a coleta dos dados.

1.4 RELEVÂNCIA DO ESTUDO/JUSTIFICATIVA

Esta pesquisa pressupõe um aprofundamento sobre fatores que contribuem

para a resiliência na conjugalidade e para a promoção do desenvolvimento humano

de casais, considerando o vínculo da conjugalidade como matriz de estruturação da

família e como base para todo processo de formação da personalidade dos filhos.

Considera a família como promotora e organizadora de grande parte da vida social e

econômica de seus membros.

Espera-se, com os resultados, obter maior compreensão dos fatores de risco

e proteção nas relações conjugais, contribuir como suporte ao desenvolvimento de

ações concretas por parte dos órgãos governamentais, comunidades, ONGs,

entidades religiosas, enfim, de todos que trabalham com casais em seus múltiplos

contextos afetivos, econômicos e sociais. Considera-se importante auxiliá-los na

percepção das problemáticas pelas quais passam, com foco no modo de superação.

Os resultados podem, ainda, viabilizar novos projetos de auxílio a casais

contemporâneos, a partir do conhecimento dos recursos encontrados por meio dos

casais pesquisados.

Percebe-se, diante do tema, que muitas disciplinas são convocadas para a

compreensão do fenômeno em foco, que é interdisciplinar, visto suas interfaces com

áreas como Direito, Medicina, Sociologia e tantas outras necessárias ao

entendimento do ser humano em todas as suas facetas. Há de se ressaltar que a

interdisciplinaridade necessária à compreensão dos fenômenos passou a ser a

condição de permanência para se pensar o homem integralmente, um modo

operante de estar no mundo moderno, pois,

[...] a subjetividade humana se reorganiza de outras maneiras [...]. A concepção de sujeito racional centrado no eu como identidade estática cede lugar a uma concepção de sujeito flexível, paradoxal, em processo de recriação constante, em consonância com o mundo atual permeado por crises de diversas ordens (FURLANETO, 2011, p.47).

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Considera-se que a busca por saberes de outros campos é comum à vida

humana e esta pesquisa visa estimular estudos para o entendimento do fenômeno

da conjugalidade, que é interdisciplinar, considerando: [...] que a interdisciplinaridade deve estar presente na definição de objeto, na discussão dos vários conceitos e nas propostas metodológicas e técnicas. Neste sentido a interdisciplinaridade não configura uma teoria ou um método novo, ela é uma estratégia para compreensão, interpretação e explicação de temas complexos (MINAYO, 2010, p.437).

A questão da superação dos desafios pelos casais em suas conjugalidade já

foi foco de pesquisas anteriores, Jabilonski (2003) e Feres-Carneiro (1998),

apontando para o fato de que atitudes mais realistas perante a vida, maior

capacidade de lidar com as frustrações, menores níveis de exigência consigo próprio

e com o parceiro e individualidade menos exacerbada são os requisitos para se

desenvolverem atitudes resilientes, derivando dessas outras características.

A motivação da pesquisadora para este empreendimento vem do trabalho

clínico com casais que buscam ajuda psicoterapêutica como uma ferramenta para a

compreensão e a superação das crises da conjugalidade.

Por último, espera-se contribuir com os profissionais que trabalham com

casais e famílias, estimulando novas pesquisas por considerar a relação conjugal

enquanto base da estruturação familiar, sendo a família o centro de toda a formação

da sociedade.

1.5 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

O segundo capítulo aborda os temas que fundamentam esta pesquisa,

focalizando o constructo teórico da resiliência, seu histórico, conceitos e vertentes;

em seguida, aborda a questão da família, com seus conceitos ao longo do tempo,

sua evolução e dinâmicas relacionais, além de abordar a correlação entre família e

resiliência. Depois, aborda o ciclo vital da família com suas várias fases de

desenvolvimento, tendo a conjugalidade como ponto central e que inclui seus

conceitos, modos de relacionamentos, vínculos e suas mudanças na modernidade.

Em seguida, traça-se um panorama sobre as pesquisas voltadas à conjugalidade no

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contexto atual. Ao final, evidencia-se a teoria bioecológica do desenvolvimento

humano de Bronfenbrenner, como lente de compreensão do desenvolvimento, com

foco nos processos proximais, partindo de uma análise de sua relação com o micro,

meso, exo e macro contextos.

O terceiro capítulo traz a proposição da pesquisa e, o quarto capítulo,

descreve-se o método da pesquisa, o tipo, a população, os instrumentos e os

procedimentos para a coleta de dados, sendo a análise dos dados realizada por

meio da análise de conteúdo de Bardin.

O quinto capítulo descreve e discute os resultados encontrados e, à guisa de

conclusão, traz no sexto, e último, capítulo as considerações finais.

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2 REVISÃO DA LITERATURA

2.1 RESILIÊNCIA

Há mais de 40 anos a ciência tem se interrogado sobre o fato de algumas

pessoas terem a capacidade de superar as piores situações, enquanto outras ficam

aprisionadas nas malhas da infelicidade e da angústia que se abateram sobre elas.

Algumas se levantam após um grande trauma e conseguem forças para continuar

seu caminho; outras, não.

O campo da Biologia considera que cada ser humano é dotado de um

potencial genético que o faz mais resistente que outros. A Psicologia considera a

importância das relações familiares, principalmente na infância, pois se acredita que

são essas relações que constroem nos indivíduos a capacidade de suportar as

adversidades. A Teologia defende o ponto de vista da necessidade do sofrimento

como fator de evolução espiritual.

Mas o que inquieta os cientistas é o cotidiano de pessoas comuns que

passam por traumas e que retomam a vida após a morte de um filho, a perda de

uma parte de seu corpo, a vivência de doenças graves (físicas ou psíquicas) em si

mesmo ou em alguém da família, ou seja, pessoas que têm experiências e razões

suficientes para chegar ao caos e que, mesmo assim, são capazes de continuar

uma vida de qualidade, sem autopunições, sem resignação destruidora, renascem

dos escombros.

Essas pessoas têm sido chamadas de resilientes pelos que estudam o

fenômeno da resiliência e por todos que se interessam por saber sobre o modo

como o ser humano elabora suas dores, enfrenta suas dificuldades e consegue

responder a essas questões de modo a sair fortalecido das experiências, o que

remete ao conceito do termo resiliência.

[...] originário da física, significa propriedade pela qual a energia armazenada em corpo deformado é devolvida quando cessa a tensão causadora duma deformação elástica, e, no sentido figurado, resistência ao choque. [...] Adaptado ao campo das ciências da saúde, foi relacionado à capacidade de regeneração, adaptação e flexibilidade, qualidades essas atribuídas a pessoas que conseguiam se recuperar de doenças, catástrofes, guerras e outras situações traumáticas abruptas ou duradouras (SOUZA; CERVENY, 2006, p. 01).

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Assim, a resiliência, enquanto termo originário da física, significa a

capacidade dos materiais de resistirem aos choques. No âmbito da Psicologia,

representa a capacidade do ser humano de sobreviver face às adversidades, não

somente guiado por uma resistência física, mas pela visão positiva de reconstrução

da vida, a despeito de qualquer estorno negativo. Portanto, é a capacidade do

indivíduo de garantir sua integridade, mesmo nos momentos mais críticos (SOUZA;

CERVENY, 2006).

O potencial de resiliência passou a ser motivo de estudos e pesquisas em

crianças, adolescentes e adultos, em circunstâncias adversas.

Os primeiros estudos publicados sobre resiliência, no âmbito da Psicologia,

datam da década de 70. Um deles foi a avaliação do impacto emocional de uma

criança com fibrose cística sobre os membros da família, em que os achados não

demonstraram resultados significativos que comprovassem impactos psicológicos

negativos sobre as crianças e suas famílias. Outra pesquisa realizada por Heller

(1982) investigou a capacidade de adaptação dos filhos de sobreviventes do

Holocausto Nazista e do Holocausto Atômico de Hiroshima, que teriam imigrado

para os Estados Unidos. Embora os resultados tenham sido considerados

prematuros, houve evidências de resiliência individual e cultural dessa população

como resposta à situação de extremo estresse (SOUZA; CERVENY, 2006).

A partir disso, os estudos e conceitos sobre resiliência evoluíram ao longo dos

anos. Inicialmente, a resiliência foi considerada como traços de personalidade,

herdados biologicamente e que, supostamente, tornavam invulnerável a pessoa que

os possuía. Esses traços incluíam temperamento fácil, nível mais alto de inteligência

e autoestima e um senso realístico de esperança e controle pessoal. Essas crianças

eram identificadas como aquelas que, mesmo tendo experiência do alto grau de

estresse, não adoeciam, ou seja, uma visão que restringia as qualidades pessoais à

herança genética e oferecia um parâmetro a mais de distinção entre as crianças

capacitadas e as incapacitadas (ANTHONY; COHLER, 1987).

A concepção de resiliência como um atributo pessoal procede da

egorresiliência, que explica a adaptação positiva da pessoa, a partir de seus

recursos internos e de um caráter energético e flexível, que lhe permite se relacionar

de forma positiva com as circunstâncias que a rodeiam. As diferenças entre

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entender a resiliência como um processo ou um atributo de personalidade são duas:

uma é que a egorresiliência não se desenvolve, mas é inerente a alguns seres

humanos; a outra é que essa não requer a presença de adversidade, um dos

elementos centrais do enfoque de resiliência (LUTHAR; CICCHETTI; BECKER,

2000).

As pesquisas de Flach (1991, p.123) apontam o resultado de anos de estudos

sobre o que significaria ser um indivíduo resiliente, cujos atributos são:

Um forte e flexível sentido de autoestima; Independência de pensamento e ação, sem medo de depender dos outros ou relutância em ficar nessa condição de dependência;A habilidade de dar e receber nas relações com os outros, e um bem estabelecido círculo de amigos pessoais, que inclua um ou mais amigos que servem de confidentes;Um alto grau de disciplina pessoal e um sentido de responsabilidade; Reconhecimento e desenvolvimento de seus próprios talentos;Mente aberta e receptiva a novas ideias;Disposição para sonhar;Grande variedade de interesses; Apurado senso de humor;Percepção de seus próprios sentimentos e do sentimento dos outros, e capacidade de comunicar esses sentimentos de forma adequada;Grande tolerância ao sofrimento;Concentração, um compromisso com a vida, e um contexto filosófico no qual as experiências pessoais possam ser interpretadas com significado e esperança, até mesmo nos momentos mais desalentadores da vida (FLACH,1991, p.123).

Este autor segue esclarecendo que a resiliência não ocorre de forma linear e

contínua: [...] nosso nível de resiliência deverá oscilar ao longo do tempo. Nenhum componente da resiliência é parte estável de nossa personalidade [...] as características da resiliência podem estar dentro de nós em graus diferentes, alguns bem desenvolvidos, outros não (FLACH, 1991, p.131).

Apesar da evolução das pesquisas, percebe-se, em alguns trabalhos, a

prioridade da avaliação ou da intervenção, envolvendo apenas alguns aspectos da

resiliência, tais como traços de personalidade, características, resistência e

enfrentamento.

Estudos retrospectivos com pessoas consideradas resilientes ou bem sucedidas, também têm sido realizados, como forma de obter informações sobre os desafios enfrentados e as estratégias e recursos utilizados. Os resultados destes estudos fornecem informações que sugerem novas metodologias e pesquisas, apontando para a importância das crenças e significados, da esperança, espiritualidade e sentido de vida, como fatores que influenciam no processo de avaliação dos eventos estressores, de busca de recursos e ao aprendizado com a experiência aliado à visão otimista de futuro (SOUZA; CERVENY, 2006, p. 123).

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A percepção sobre a dimensão de pessoa e de todos os aspectos envolvidos

que fortaleçam seu eu ultrapassa o âmbito de seus primeiros cuidados e vínculos e

pressupõe pensar as condições gerais que os cuidadores apresentam para se

habilitarem para cuidar. Um exemplo forte disso é o filme “A vida é Bela” (BENIGNI,

1999), em que o pai, com cuidado, busca criar vários mecanismos de proteção para

evitar que a crueldade da guerra afetasse o psiquismo de seu filho, mesmo sabendo

que isso era quase impossível, pelo nível de violência da realidade. Assim, o que se

rediscute em relação à resiliência não é a possibilidade de se tornar inatingível, mas

sim de verificar o destino que se dá ao trauma vivido.

A heterogeneidade, nas diferentes áreas do desenvolvimento humano, remete

à impossibilidade de se esperar uma adaptação resiliente por igual em todas as

áreas de desenvolvimento (LUTHAR; CICCHETTI; BECKER, 2000). A uniformidade

no desenvolvimento humano, a capacidade de adaptação positiva em relação aos

mais diferentes aspectos não ocorre nem mesmo nos casos considerados de

desenvolvimento normal. Nesse sentido, uma consequência comum do princípio da

uniformidade é entender resiliência como antídoto para criar “supercrianças”,

praticamente perfeitas, em cada área do desenvolvimento, apesar de viverem em

situação de adversidade. Esse modelo de “supercriança” concebe o indivíduo como

imune à adversidade, sem considerar seus aspectos de vulnerabilidade e seus

próprios esforços para superar a adversidade (LUTHAR; CICCHETTI; BECKER,

2000). Grotberg (2005) aponta que, diante da ação resiliente, os questionamentos

dos sujeitos são: eu tenho? – referindo-se a todos os recursos externos, desde

vínculos afetivos familiares até condições de vida digna. Eu sou? Referindo-se à

força interior que possui associada a características que o potencializam para viver

de modo harmonioso e, por último, eu possuo? Referindo-se às capacidades

interpessoais e de resolução de conflitos. Nesse sentido, a possibilidade de que a

resiliência possa se fazer presente na pessoa, e também se manter, dependerá

sempre deste conjunto de recursos operando juntos para que ela possa existir e

permanecer.

Mas Tavares (2001 apud CARMELO, 2008, p. 64) alerta para o fato de que

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[...] o desenvolvimento de estruturas mais resilientes não deverá nunca encaminhar-se no sentido do fechamento, mas na abertura ao outro, um dos distintivos essenciais da pessoa, reforçando assim os laços, das relações intra e interpessoais em plataformas autênticas, verdadeiras, mais justas, em que a liberdade, a responsabilidade, a confiança, o respeito, a solidariedade, a tolerância não sejam palavras vãs.

A segunda geração de pesquisadores, adotada por Luthar et al. (2000, p.

543), define resiliência como “um processo dinâmico que tem como resultado a

adaptação positiva em contextos de grande adversidade”. Essa definição distingue

três componentes essenciais que devem estar presentes no conceito de resiliência:

a noção de adversidade, trauma, risco ou ameaça ao desenvolvimento humano; a

adaptação positiva ou superação da adversidade e o processo que considera a

dinâmica entre mecanismos emocionais, cognitivos e socioculturais que influenciam

no desenvolvimento humano.

Segundo Infante (2005), o termo adversidade também é usado como

sinônimo de risco, apontando a possibilidade da ocorrência de vários riscos

concomitantes, como viver na pobreza, ou uma situação pontual, como exemplo, a

morte de um ente querido. Luthar et al. (2000) acrescentam que essa adversidade

pode ser definida objetivamente por meio de instrumento de medição ou,

subjetivamente, pela percepção de cada indivíduo.

Para identificar a resiliência e criar pesquisas e programas para sua

promoção, sugere-se que a definição de adversidade especifique se o risco é

subjetivo ou objetivo e também se há ligação entre adversidade e adaptação

positiva.

A adaptação positiva permite identificar se houve um processo de resiliência,

que ocorre quando o indivíduo alcançou expectativas sociais associadas a uma

etapa de desenvolvimento, ou quando não houve sinais de desajustes. Em ambos

os casos, se a adaptação positiva ocorre apesar da exposição à adversidade,

considera-se que houve uma adaptação resiliente.

Ao se referir a essa adaptação, é necessário recorrer a três aspectos: a

conotação ideológica associada à adaptação positiva; a heterogeneidade nas

diferentes áreas do desenvolvimento humano e a variabilidade ontogenética.

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A principal contribuição dos estudos de Fonagy et al. (1994) foi estudar a

influência do processo de transmissão multigeracional no desenvolvimento da

resiliência, ressaltando a qualidade do vínculo nos dois primeiros anos de vida, a

partir do relacionamento com os pais ou cuidadores, em que a criança desenvolve

expectativas relacionadas a si mesma e aos seus cuidadores,organizando seu

relacionamento com outras pessoas. A presença de pelo menos um modelo positivo

de relacionamento que transmita segurança é suficiente para favorecer a resiliência

na criança, na medida em que o cuidador deve organizar seu relacionamento de

forma segura, servindo como mediador entre ela e as situações difíceis. Mais tarde, foi acrescentada aos estudos sobre a resiliência a questão dos

contextos e das redes de relacionamento como fatores protetores, focalizando o

desenvolvimento individual saudável em condições difíceis, no ambiente familiar ou

em situações ambientais, tais como guerras, imigração, problemas sociais, entre

outras situações similares.

Fonagy et al. (1994) definiram como fatores protetores a apresentação de um

alto nível de inteligência e de habilidades de busca para a resolução dos problemas

como formas de enfrentamento positivos, possuindo, ao mesmo tempo, as

características da autonomia, do controle interno, do senso de autoconceito, de

empatia, de boa vontade e de capacidade para planejar.Em geral, essas pessoas

possuem um bom relacionamento com pais ou figuras parentais, e, no futuro,esse

bom relacionamento se estende a outros vínculos familiares, como esposa, filhos e

amigos, desenvolvendo, a partir disso, uma boa rede de relacionamentos informais,

boas experiências escolares e religiosas e cuidado com a aparência física. Portanto, resiliência é um conceito construído sócio-historicamente,

impregnado de valores e significados próprios da cultura em que se insere. Fatores

de risco e protetores são diferentes dependendo da população e de suas origens. O

significado de resiliência e de fatores protetores e fatores de risco pode ser diferente

entre as populações, da mesma forma que as pesquisas são um retrato dos

problemas enfrentados em cada país ou região, particularmente. A compreensão do modo como a família viabiliza a resiliência se correlaciona,

segundo Walsh (2005), com as relações de apoio que as famílias possuem e se

tornam um fator de proteção para esta resiliência. Se considerar a adaptação à crise

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como um movimento familiar que permita oferecer um sentido à experiência vivida,

essa adaptação pode colaborar ou não com o desenvolvimento da resiliência.

Para Hawley e DeHaan (1996), a resiliência pode variar segundo o contexto

cultural, ou seja, não é um dado a priori, mas responde às estruturas sociais. Esta

perspectiva vai ao encontro da teoria bioecológica de Bronfenbrenner (1996), no

sentido de que o estudo de qualquer fenômeno humano leva em consideração as

várias esferas que influenciam o risco, privilegiando sempre as interações entre o

indivíduo e seu contexto, assim como o modo como a realidade em que vive é

percebida por ele.

Neste estudo, o percurso de compreensão de resiliência familiar vai ao

encontro de sua concepção enquanto

[...] caminho que uma família segue, como ela se adapta e prospera diante do estresse, no presente a ao longo do tempo. Famílias resilientes respondem positivamente a estas condições de maneira única, dependendo do contexto nível de desenvolvimento da combinação interativa de fatores de risco e protetores, e da percepção compartilhada da família (HAWLEY; DEHANN, 1996, p.293).

Assim, é possível pensar na resiliência de modo sistêmico como um processo

que se dá em determinados momentos, variando de acordo com o grau de

características mais ou menos desenvolvidas e de acordo com a problemática a ser

enfrentada. Envolve aspectos sociais e psicológicos, ou seja, aspectos que levam

em conta como todo o sistema absorve os impactos sofridos.

Partindo desse modo sistêmico de pensar e de suas inter-relações,

Bronfenbrenner (1996), como um dos representantes das Teorias

Interacionistas/Sistêmicas, propôs,em 1992,uma análise do processo, da pessoa, do

contexto, do tempo e de como esses elementos interagem mutuamente para

produzir o desenvolvimento humano.

Além disso, percebe-se a possibilidade de que estudos prospectivos

envolvendo a resiliência possam ser desenvolvidos para compreender as crenças e

os significados atribuídos, não só ao presente, mas também ao futuro, bem como o

sentido que a vida possui para as pessoas.

Muitos esforços têm sido feitos no sentido de se construírem instrumentos de

medida da qualidade de ser resiliente, o que é questionável, conforme Yunes (2001)

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alertou, pois, pode-se, com isso, estabelecer uma classificação divisória entre

pessoas resilientes e não resilientes.

Fonagy et al.(1994) definiram a resiliência como sendo o desenvolvimento

normal sob condições difíceis, denominadas fatores de risco. Entre os fatores de

risco, Walsh (1996) classificou aqueles associados à vulnerabilidade 3 e a

predisposições individuais e os ambientais que precipitavam ou potencializavam o

estresse, tais como a pobreza, a discórdia marital, a morte parental, a doença

mental ou física, entre outros. Em relação à criança em situação de risco, a

existência de fatores denominados protetores favorecem seu desenvolvimento.

Segundo Luthar, Cicchetti e Becker (2000) distinguem-se três formas de

adversidade ou risco nos estudos sobre resiliência, descritas a seguir.

A mensuração de risco por meio de múltiplos fatores, em um só instrumento,

geralmente é realizada por meio de uma escala de eventos negativos da vida, a

partir da qual o indivíduo especifica aqueles acontecimentos que estiveram

presentes, como separação dos pais, doenças mental deles, experiência de guerra

etc. O problema com esse método de medição é a validade entre o que o

instrumento define como evento negativo e o que o indivíduo percebe como

adversidade que afetou de forma negativa o seu desenvolvimento. As situações de vida específicas se relacionam à natureza do risco,

determinadas pelo que a sociedade, os indivíduos ou os pesquisadores consideram

uma situação de vida estressante. Considerar essas situações para medir resiliência

mostra a dificuldade de discriminar os fatores que têm direta relação com o risco

daqueles que ficam entre o risco e o resultado esperado.

A medição pela constelação de múltiplos riscos reflete a complexidade do

mundo real, já que considera simultaneamente a interação entre os fatores

provenientes dos níveis social, comunitário, familiar e individual e o modo como essa

interação influi no desenvolvimento e superação da adversidade. A constelação de

múltiplos riscos é o mapeamento das fontes de adversidade, que equivale à

determinada quantidade de pontos. A única dificuldade desse sistema de medição é

3 Etimologicamente vulnerável origina-se do verbo em latim vulnerare, que significa ferir, penetrar. Vulnerabilidade associa-se mais a uma característica do indivíduo com predisposição a desordens ou de susceptibilidade ao estresse (YUNES; SZYMANSKI, 2001).

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determinar se as adversidades consideradas no estudo representam uma fonte real

na vida das pessoas que estão sendo estudadas. Assim, é essencial que essa

metodologia defina o que constitui adversidade para os indivíduos do estudo sobre a

base de valores e crenças da própria comunidade (LUTHAR et al., 2000). Em relação à conjugalidade faz-se importante esclarecer o que se chamou de

risco e proteção. Entende-se por risco uma experiência com alta probabilidade de

desencadear ou associar-se ao desencadeamento de uma determinada ocorrência

indesejada (SAPIENZA; PEDRONÔMICO, 2005). O que é considerado risco em um

contexto pode não ser em outro; o que é risco em uma fase da vida, poderá não ser

em outra, por exemplo, a presença de doenças não é um fator de risco na fase de

aquisição do casal, mas, com certeza, o é na fase última. Assim, a noção sobre o

que é o risco também implica uma interpretação da realidade como organizadora de

comportamentos e práticas construídos socialmente (CHAMON; MORAES, 2011).

Tavares (2001, p.25) defende que “é preciso identificar que processos ou

mecanismos influenciam [...] o risco à consequência em um determinado ponto de

vista do indivíduo”, verificando se esse risco é ambiental/social ou pessoal.

“Os fatores de risco estão relacionados a toda sorte de eventos negativos de

vida que, quando presentes no seu contexto, aumentam a probabilidade do indivíduo

apresentar problemas físicos, psicológicos e sociais” (POLETTO; KOLLER, 2006,

p.31).

Os conceitos de proteção e de risco são bastante amplos e foram

considerados aqui como as predisposições com que o indivíduo conta ao nascer,

associados também àqueles que atenuam ou neutralizam o impacto dos riscos

enquanto variáveis econômicas, socioculturais a que uma pessoa é exposta desde a

sua concepção (SAPIENZA; PEDRONÔMICO, 2005). Ou seja, a compreensão dos

fatores de risco e seus desafios não podem ser concebidos como fatos isolados,

mas sim como partes de contextos complexos que se influenciam mutuamente. Os fatores de proteção correspondem às influencias que modificam, melhoram ou alteram respostas individuais a determinados riscos de desadaptação. Além disso, enfatiza-se também uma abordagem de processos, nas quais diferentes fatores interagem entre si e modificam o percurso do indivíduo, tanto para produzir uma experiência estressora como uma protetora em seus efeitos (POLETTO; KOLLER, 2006, p.31).

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As estratégias para medir a adaptação positiva em pesquisas sobre resiliência

são similares às estratégias descritas para medir adversidade. Luthar e Cushing

(1999) distinguem três formas de definir a adaptação positiva: a) adaptação segundo

fatores múltiplos, b) medida com base na obtenção de metas, c) consideração da

etapa de desenvolvimento da pessoa. Em cada comunidade, o que se define como

adaptação positiva varia, mas o importante é que esteja relacionado à definição de

risco. A ausência de desajuste é um tipo de medição que se utiliza em pesquisa de

resiliência em pessoas com sério risco de psicopatologia.

Nessa direção, a resiliência pode ser entendida como: Capacidade de se renascer da adversidade fortalecido e com mais recursos. É um processo ativo de resistência, reestruturação e crescimento em resposta à crise e ao desafio [...] as qualidades de resiliência permitem às pessoas se curarem de feridas dolorosas assumirem suas vidas e irem em frente para viver e amar plenamente (WALSH, 2005, p. 8-9).

No tocante à conotação ideológica associada à adaptação positiva, Masten

(2001) considera que resiliência implica em uma avaliação qualitativa do

funcionamento do indivíduo, baseada em expectativas de um conceito de

desenvolvimento normal, que varia conforme cada cultura. “Rutter (1987) afirma que

a resiliência é o processo final de mecanismos de proteção que não eliminam o

risco, mas encorajam o indivíduo a se engajar na situação de risco efetivamente”

(POLETTO; KOLLER, 2006, p.31).

A compreensão do fenômeno da resiliência leva em conta a teoria dos

sistemas, com objetivo de olhar esses vínculos como pertencentes a um sistema

maior, compreendendo as redes sociais das quais o casal participa e de as relações

que se estabelecem por processos transacionais. Como nos esclarece Walsh

(2005), o entendimento dos mecanismos de proteção e dos estímulos que mobilizam

a resiliência leva em conta o interjogo dos fenômenos, não só dentro da família, mas

no ambiente social, econômico, político, racial em que essas famílias vivem, lutam

ou prosperam.

A variabilidade ontogenética faz referência à ideia de que resiliência é um

processo que pode ser descontínuo durante o ciclo da vida. Segundo Luthar,

Cicchetti e Becker (2000), se a adaptação resiliente na infância pode contribuir para

a adaptação resiliente na adolescência, então as intervenções seriam mais efetivas

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se cobrissem o ciclo de desenvolvimento humano. Apesar de todos os indivíduos

mudarem ao longo do tempo esses autores demonstraram que crianças que vivem

em situações de risco e se saem relativamente bem continuam tendo resultados

positivos ao longo do tempo.

Esse argumento sugere que se o ambiente, a família e a comunidade seguem

apoiando o desenvolvimento da criança e provendo recursos que supram suas

necessidades para a superação da adversidade, existe alta probabilidade de que o

indivíduo continue se adaptando positivamente através do tempo (WERNER;

JOHNSON, 1999). Essa estabilidade durante o desenvolvimento significa que se o

ambiente provê os recursos necessários para que a criança que vive em situação de

adversidade continue se adaptando positivamente, durante as diferentes etapas do

desenvolvimento, pode-se dizer que a resiliência se manterá como uma capacidade

estável durante a vida.

Dessa forma, observa-se que, para identificar a resiliência, é necessário que

exista a adaptação positiva, que pode ser determinada pelo desenvolvimento de

algum aspecto do indivíduo ou pela essência de condutas disruptivas. Em ambos os

casos, é necessário considerar que o conceito de desenvolvimento normal é

particular para cada grupo cultural e que a resiliência pode ser observada em

condutas ou áreas específicas do desenvolvimento humano.

Rutter (1987) afirma também que os fatores de proteção podem não se fazer

presentes quando não há fatores estressores em jogo, visto que sua função é alterar

a resposta da pessoa quando do enfrentamento de um risco. O autor defende ainda

que: a) nem todo fator de proteção é uma experiência agradável; b) fatores de

proteção só aparecem mediante um risco; c) fatores de proteção são também

qualidades dos sujeitos.

No que se refere à resiliência enquanto processo, entende-se a adaptação

resiliente em função da interação dinâmica entre múltiplos fatores de risco e de

resiliência, os quais podem ser familiares, bioquímicos, fisiológicos, cognitivos,

afetivos, biográficos, socioeconômicos, sociais e culturais. A noção de processo

descarta definitivamente a concepção de resiliência como um atributo pessoal e

incorpora a ideia de que a adaptação positiva não é tarefa apenas da criança, e que

família, escola, comunidade e sociedade devem prover recursos para que ela possa

se desenvolver mais plenamente (WALSH, 2005).

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34

Luthar e Cushing (1999) consideram que a mensuração do processo de

resiliência remete à união crítica entre adversidade e adaptação positiva. Esse

processo é medido de duas formas: uma centrando-se nas variáveis específicas que

conformam o processo, outra se centrando no indivíduo e em sua história ao longo

de seu desenvolvimento.

Para se analisar a resiliência é preciso levar em conta três grupos sociais: 1.

As crenças e os valores; 2. Os processos de comunicações e padrões de

organização que dão suporte para desenvolvimento de grupos saudáveis; 3. A

compreensão do que ocorre em termos individuais (YUNES, 2006).

Em relação às estratégias utilizadas pelas pessoas mediante as situações ou

desafios que se configuram riscos, é necessário lembrar que o termo estratégia

comporta muitos significados. De acordo com Ferreira (1999), trata-se da “arte de

aplicar os meios disponíveis ou explorar condições favoráveis com vistas a objetivos

específicos”. Já Rocha-Coutinho (1994, p. 127) define o termo como “formas de um

agente social levar uma pessoa a pensar, sentir ou agir de um modo que nem

sempre partiria espontaneamente dela”, apontando, com isso, para seu caráter

relacional e que, portanto, se altera em função das pessoas envolvidas e/ou

contextos nos quais as estratégias se apresentam. Assim, diante dos desafios da

relação conjugal, os casais lançam mão de estratégias e aprendem com a

experiência, o que “funciona” e o que “não funciona”. Essas estratégias seriam parte

da linguagem - verbal ou não-verbal - aprendida pelas pessoas no decorrer de suas

vidas, para lidar com situações concretas do seu dia a dia e, como tal, só adquirem

sentido em um contexto, em uma sociedade e em um momento histórico

determinado (ROCHA-COUTINHO, 1994, p. 128-129).

A vertente da psicologia denominada na contemporaneidade de psicologia

positiva tem como foco os fatores protetores que auxiliam no processo de formação

e desenvolvimento da resiliência, e menos a patologia e o risco, a compreensão de

como os indivíduos superam seus desafios/suas adversidades. Neste enfoque,

acredita-se que a interação entre as características pessoais e ações advindas dos

contextos sejam capazes de promover o fortalecimento e o desenvolvimento dos

indivíduos envolvidos nesses ambientes, na medida em que essas ações tenham

uma continuidade ao longo de um tempo (YUNES, 2006).

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As múltiplas definições de resiliência levam em consideração os processos

intrapsiquicos que, dinamicamente, interagem com os sociais e viabilizam a

possibilidade de uma vida equilibrada, mesmo depois de experiências traumáticas.

Nesse sentido, a compreensão do conceito requer o entendimento sobre os fatores

de risco(adversidade) e os fatores de proteção (internos e externos),assim também

como sobre as competências aprendidas e que auxiliam no fortalecimento pessoal,

apesar das adversidades(RUTTER,1987).

Em psicologia, o modo como uma pessoa lida com a adversidade recebe o

nome de coping, termo que sintetiza várias estratégias utilizadas no enfrentamento

de situações adversas ou de riscos. Nesta pesquisa, a autora escolheu por manter o

nome de estratégias de enfrentamento, para designar os recursos utilizados pelos

casais nos momentos das adversidades/crises. E, assim, como a resiliência, as

estratégias de enfrentamento dependem da interação de características individuais,

contextos familiares e sociais. Porém, uma vez estabelecidas, as estratégias

funcionam como um fator fundamental de proteção ao risco, e, se forem eficazes,

produzindo a resolução do problema, proporcionarão a resiliência (GARMEZY;

RUTTER, 1988).

No que diz respeito ao casal, observa-se que a conjugalidade é uma situação

exposta constantemente a inúmeros desafios, evidenciando os riscos e exigindo

fatores de proteção para superá-los. Tais fatores favorecem as estratégias de

enfrentamento, impactando mais ou menos os cônjuges e os membros da família. A

capacidade da família de superar os reveses e/ou se adaptar positivamente

dependerá de sua configuração enquanto sistema dinâmico e permeável, sujeito à

qualidade das interações entre seus membros e vários outros sistemas.

2.2 FAMÍLIA

POEMA DA FAMÍLIA

Família.

Família...

Todos temos,

Dela viemos.

Nela nascemos...

Então crescemos.

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Para uns,

a família é só o pai,

para outros, só a mãe,

muitos só têm o avô...

Mas é família:

sinônimo de calor!

Tem família

que é completa,

repleta,

discreta,

seleta,

aberta...

Outra,

é engraçada,

atiçada,

afinada,

engrenada,

esforçada,

empenhada...

Mas tem família

complicada,

indelicada,

desajustada,

desacertada,

debilitada...

Família...

Família é assim:

lá não temos capa

- nada nos escapa!

Máscaras, como usar?

Não, não dá prá enganar!

Às vezes queremos fingir,

mas isto é apenas mentir...

E, é lá dentro de casa

que surge, cresce, aparece,

o lobo voraz,

o urso mordaz,

elefantes ferozes,

(com trombas e tudo)

leões velozes

com unhas e dentes

inclementes...

Família...

Família é lugar

onde convivem os diferentes:

um é risonho, outro tristonho;

um é exibido, outro inibido;

um é calado, outro exagerado;

um é cabeludo, outro testudo;

um é penteado, outro descabelado...

Família...

Família é assim:

nunca é possível contentar,

pois onde há diferenças,

haverá desavenças.

como a todos agradar?

Mas entre todos os valores

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Cultivados entre nós

Há algo como uma voz

Muito enfática a dizer:

“Cultive a educação,

faça lazer, haja afeição;

dê carinho, tudo aos seus!

Mas o maior valor

– maior até que o amor –

é cultivar Deus!”

(Noélio Duarte)

Este poema foi aqui trazido por entendermos que ilustra grande parte das

questões que serão abordadas sobre a instituição chamada família.

A etimologia da palavra família vem do latim famulus, que significa “as coisas

e pertences do senhor” (BARRETO et al., 2009).

Segundo Andolfi (1981), citado por Feres-Carneiro, “família é um sistema

constituído de varias unidades ligadas no conjunto por regras de comportamento e

funções dinâmicas, em constante interação entre elas e no intercâmbio exterior”.

Faz-se importante a exploração das relações interpessoais nos grupos significativos

aos quais o indivíduo pertence, para que se possa formular intervenções eficazes

(FERES-CARNEIRO, 2011, p.81).

A família é uma sociedade natural formada por indivíduos unidos por laço de

sangue e/ou de afinidade. Os laços de sangue resultam da descendência. A

afinidade se dá com a entrada dos cônjuges e seus parentes que se agregam à

entidade familiar pelo casamento/conjugalidade. O conceito de família, enquanto

abstração indeterminada significa que, em todas as épocas, existiram características

comuns a todas as diferentes formas históricas da família (DINIZ, 2008).

Família, segundo Angelo (1997), é um grupo que se autoidentifica a partir de

dois ou mais indivíduos que se unem por razões especiais, podendo ou não estar

relacionados à consanguinidade ou às leis, mas que possuem uma dinâmica própria

de família, com suas definições de papéis estabelecidos a partir da convivência.

Gomes (1998, p. 35) sintetiza o sentido de família como “o grupo fechado de

pessoas, composto dos genitores e filhos e, para limitados efeitos, outros parentes,

unificados pela convivência e comunhão de afetos, em uma só e mesma economia,

sob a mesma direção”.

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2.2.1 A família antiga

A família pode ser considerada a unidade social mais antiga do ser humano, a

qual, historicamente, mesmo antes de o homem se organizar em comunidades

sedentárias, constituía-se em um grupo de pessoas relacionadas a partir de um

ancestral comum ou a partir do matrimônio. Todos os membros da família assumiam

obrigações entre si, sob a liderança do ancestral comum, conhecido como

“patriarca”, normalmente da linhagem masculina, símbolo da unidade da entidade

social, reunindo-se em uma mesma comunidade todos seus descendentes, os quais

compartilhavam de uma identidade cultural e patrimonial. Essas primeiras entidades

familiares, unidas por laços sanguíneos de parentesco, receberam o nome de clãs.

É fundamental entendermos que as relações interpessoais desempenham um

papel primordial no desenvolvimento do ser humano, facilitando ou dificultando e

“este poder das relações conduz à necessidade de conceptualizar o indivíduo como

parte de uma matriz relacional desde o início de sua vida” (CANAVARRO, 1999, p.

9). E esse modo de constituição faz com que, em cada uma das fases do

desenvolvimento, o ser humano busque seu ponto de equilíbrio entre estar unido a

outros ou ser autônomo.

2.2.2 A família do Direito

A Constituição Federal de 1934 foi a primeira no Brasil a dedicar um capítulo

à família. A Constituição Federal de 1988 reservou um capítulo destacado apenas

para esse ramo do Direito (Capítulo VII do Título VIII, parágrafo 7º).

Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas (BRASIL, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988, p.37).

Além disso, ressalta-se que “[...] o modelo de família [...] é fundado em

preceitos como a igualdade, a solidariedade e o respeito à dignidade da pessoa

humana, [...]” (LOBO, 2009, p. 5).

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A família, constitucionalmente prevista no texto de 1988 (BRASIL, 1988), foi

reconhecida sob três espécies: casamento, união estável e famílias monoparentais,

entendendo que o conceito de família advindo apenas das relações que se

estabeleciam no casamento não servia mais para representar a família na

contemporaneidade. Neste texto de 1988 reconhece-se, então, como entidade

familiar legítima e recebendo a proteção do Estado, o casamento, a união estável

(família constituída pela convivência pública, notória e duradoura entre o homem e a

mulher) e a família monoparental (comunidade formada por qualquer um dos pais e

seus descendentes).

2.2.3 A família hoje

Atualmente esses conceitos têm mudado consideravelmente. São mudanças

radicais que interferem diretamente nas concepções de família. Hoje os novos

parâmetros construídos por meio da realidade social e cultural mudam a forma como

as pessoas se comportam, mas não mudam o essencial, o que une as pessoas em

torno de uma instituição chamada família. Neste sentido, a família pode ser vista

como um sistema em constante transformação, evoluindo graças a sua capacidade

de diminuir sua própria estabilidade e, então, recuperá-la através de uma

reorganização de sua estrutura, com novas bases. A família, como um sistema

aberto, experimenta pressões em direção à mudança, tanto internamente, através

dos papéis de membros individuais da família satisfazendo as exigências de seus

ciclos de vida, como externamente, através das exigências sociais (ANDOLFI et al.,

1984).

Os estímulos internos e externos e a consequente necessidade de mudanças

exigem que os membros da família avaliem continuamente suas relações e

reavaliem o equilíbrio entre unidade familiar e crescimento individual. A ligação entre

necessidades individuais e exigências sociais forçou a integração de diversas

modalidades interpretativas do comportamento humano. Assim, a família como um

sistema relacional vai além do indivíduo e articula entre seus membros vários

componentes individuais, atuando por meio de princípios que são geralmente

usados para sistemas abertos (ANDOLFI, et al., 1984).

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De acordo com Cerveny (1997), na atualidade, a família ainda é marcada por

valores, crenças e ideais trazidos de vários tempos, e que se apresentam ao mesmo

tempo, o que torna a família uma instituição em que se concentram várias

contradições, levando-se em conta que as escolhas de cada uma delas dependerão

de todos os envolvidos.

Tem-se, hoje, uma nova estrutura de convivência familiar na qual os pais

dividem com as mães a atenção dispensada aos seus filhos, pois, na maioria das

famílias, ambos os genitores trabalham e dividem as tarefas do lar, dentre elas o

cuidado com as crianças, o que gera uma maior aproximação destas com os pais.

Cabe aos pais criar, educar e assistir seus filhos. O cumprimento desses deveres

poderá levar a um desenvolvimento emocional, psicológico e social sadios; e, desde

cedo, a criança pode aprender com os pais o que é certo e o que é errado, o que

pode e o que não pode ser feito.

Minuchin (1990) aponta em sua obra que as mudanças vividas pela família

correspondem às mudanças sociais e, na medida em que a família busca responder

as demandas culturais, ela assume ou renuncia as suas funções principais de

proteção e socialização de seus membros. Essas funções são ligadas a dois

objetivos, um do ponto de vista interno, a proteção psicossocial de seus membros, e

outro, externo, que diz respeito a um processo de acomodação e transmissão da

mesma cultura da qual faz parte. A família, enquanto formadora da matriz da

identidade, tem um duplo sentido para seus membros, o de garantir-lhes

pertencimento e o de viabilizar a alteridade, sendo o pertencimento aquele que

garantiria à criança a acomodação aos grupos familiares e aos seus padrões

transacionais, os quais irão acompanhá-los durante os diferentes acontecimentos da

vida. Importante também se faz compreender a família como um sistema aberto que

recebe e envia influências para os demais contextos, buscando sempre se adaptar

às exigências dos estágios de desenvolvimento nos quais se encontra.

Heilborn (2004) reafirma que, enquanto a valorização das ideologias

igualitárias cresce, há uma desvalorização do papel da família. Essa discussão leva

em conta o valor dos apoios fornecidos pela família na construção das identidades e

subjetividades, assim como os danos advindos dessa ausência. Reflete também

sobre a questão ética do profissional no trabalho com casais e família, para que sua

conduta vise à valorização dos modos de subjetivação, agrupamento e dinâmica de

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cada família. Portanto, cabe a todo profissional em suas práticas, verificar qual o

compromisso ético que tem assumido, de modo amplo, para a criação de um mundo

melhor que promova a todos a possibilidade de real desenvolvimento humano.

O que caracteriza essa relação é sua dinâmica de funcionamento,

correspondendo a um conjunto de exigências invisíveis que organizam as

interações. Essas, ao serem sucessivamente repetidas, passam a constituir um

padrão familiar e regular no comportamento de seus membros. Certo grau de

flexibilidade faz-se necessário, congregando padrões alternativos que possam estar

disponíveis aos membros dentro do sistema quando seu uso se fizer oportuno,

mantendo, assim, um vigoroso esquema de referência, auxiliando seus membros em

suas mudanças internas e externas, sem perder a continuidade.

Minuchin (1990, p. 22) afirma que “o todo, formando um organismo

multicelular é em si mesmo uma forma de vida”, ou seja, um sistema é mais que a

soma de suas partes. Essa ideia da autonomia do sistema familiar como organismo

vivo em funcionamento é, assim, considerada por toda abordagem sistêmica de

família, como composta por todos ou outros vários subsistemas: dos pais (parental),

dos filhos (fraternal), do casal (conjugal) (RELVAS, 2000). Todo organismo precisa

sobreviver e prosperar; há que levar em conta seu ambiente e múltiplos subsistemas

nos quais têm diferentes níveis de poder e nos quais aprendem habilidades

específicas.

A família, enquanto um sistema define sua permeabilidade ou não a outros

sistemas, estabelecendo as fronteiras que são as regras que determinam o modo,

quem e como será a participação de cada membro, tendo essas regras a função de

proteger a diferenciação do sistema.

Este processo se inicia na união conjugal, na qual cada um se apresenta com

seus valores e expectativas que devem ser conciliados, perdendo em individualidade

para ganhar em pertinência. É isto que constrói a base a partir da qual se somarão

as experiências de participação em diferentes subsistemas familiares, contextos e

grupos extra familiares, complementaridade entre família e sociedade. Neste

sentido, Walsh (2005) esclarece que as famílias tendem a se desenvolver melhor

quando conseguem encontrar um equilíbrio entre a intimidade e as diferenças; esse

autor utiliza o termo “conexão” para falar do equilíbrio entre a unidade por um lado e,

por outro, a autonomia de cada indivíduo.

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Manter a tradição do antigo modelo familiar está cada vez mais difícil, devido

às várias transformações no âmbito social. Do ponto de vista jurídico, têm ocorrido

mudanças na legislação para dar conta dos vários fenômenos sociais, como a união

livre, os filhos naturais e a legalização da união homoafetiva, mostrando um

movimento no âmbito conjugal e familiar que afeta várias instâncias. Há hoje uma

multiplicidade de modelos familiares, como exemplo: as monoparentais (formadas

por pais e mãe solteiros, cônjuges separados ou viúvos), as famílias de segunda

união, constituindo as chamadas famílias-mosaico 4 e, recentemente, as famílias

homossexuais.

A família monoparental é composta por apenas um dos pais e tem,

obrigatoriamente, características como a afetividade e se fundamentam na afinidade.

A família anaparental5é aquela em que estão ausentes os sujeitos pai e mãe, nas

quais os filhos são criados por tios ou pessoas afetivamente ligadas.

A família Paralela é aquela que se formou em paralelo a outra família já

constituída. Seu reconhecimento deu aos filhos surgidos destas famílias, e

independentemente da origem da união dos pais, os mesmos direitos do ponto de

vista pessoal e patrimonial.

A família homoafetiva refere-se à união estável de duas pessoas do mesmo

sexo e é reconhecida no Brasil desde maio de 2011. Esse reconhecimento torna

legítima a união de duas pessoas do mesmo sexo para fins legais, garantindo a

esses casais os mesmos direitos dados a casais heterossexuais

A família mosaico diz respeito àquelas surgidas dos recasamentos nos quais

cada um dos parceiros, ou somente um, vem trazendo consigo os filhos ou

4 Aquela que, ao se separar, cai aos pedaços levando consigo, filhos, parte do patrimônio, agregados (empregados, afins) e que, logo depois, se reconstitui em outro relacionamento, agregando filhos, enteados, afilhados, formando uma nova figura, uma nova família, agora na forma de um mosaico, que se juntou depois de cair e partir-se em partes (FERREIRA; LIMA, s/d, p.92).

5Etimologicamente, família anaparental quer dizer família sem os pais. “Ana” é prefixo de origem grega indicativa de “falta”, “privação”. A família anaparental ou amparental é aquela em que estão ausentes os sujeitos pai e mãe, mas presentes o afeto familiar e consanguinidade (BARBOSA SILVA, s/d, on-line).

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agregados de outras uniões anteriores. Isso porque se pode definir mosaico como a

arte de unir peças partidas, quebradas ou recortadas, colando-as próximas umas

das outras, produzindo um determinado efeito visual.

Colabora também com as mudanças familiares todo o aparato de

desenvolvimento científico das ciências médicas, com inseminações artificiais,

fertilizações in vitro, doação de esperma e as “barrigas de aluguel”, que ampliam as

possibilidades da constituição de novos padrões familiares.

Esses modelos surgiram em função de novas configurações e de vários

processos como: a globalização, a busca da mulher por seu espaço no mercado de

trabalho, da sua independência, da liberação sexual e o aumento de separações e

divórcios.

Diante de tantas novas configurações, faz-se importante a criação de novos

parâmetros éticos que possam incidir sobre as interpretações dessas novas formas

de vida relacional.

[...] Isto porque a procriação, nestas versões, possibilita a reinvenção da família, da parentalidade e também da relação fraterna. [...] essas e muitas outras questões exigem posicionamentos éticos distintos daqueles que servem aos modelos tradicionais de família (FERES-CARNEIRO, 2011, p. 114).

Se, do ponto de vista legal, os direitos se ampliaram e os critérios para avaliá-

los são facilmente apreendidos, do ponto de vista afetivo muitas são as perguntas

que permanecem sem respostas, propiciando indagações e requerendo várias

pesquisas para respondê-las.

Cabe às famílias buscarem a melhor forma de adaptação a essas demandas,

considerando que essas adaptações, por sua vez, transformam a realidade. Assim,

é possível pensar que

A família é um sistema ativo em constante transformação, ou seja, um organismo complexo que se altera com o passar do tempo para assegurar a continuidade e o crescimento psicossocial de seus membros componentes. Esse processo dual de continuidade e crescimento permite o desenvolvimento da família como a unidade e, ao mesmo tempo, assegura a diferenciação de seus membros (ANDOLFI; MENGUI; NICOLÒ-CORIGLIANO, 1984, p. 18).

A necessidade de diferenciação, entendida como a necessidade de

autoexpressão de cada indivíduo, funde-se com a necessidade de coesão e

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manutenção, com o passar do tempo, da unidade do grupo. Em famílias saudáveis,

a diferenciação individual e a coesão grupal são garantidas pelo equilíbrio dinâmico

entre os mecanismos de diversificação e os de estabilização.

A existência de um sistema pressupõe a comunicação como condição sine

qua non da vida humana e de transmissão da ordem social; por isso, todo o

processo de interação ocorre em termos de uma comunicação verbal ou não verbal.

Todo o sistema de comunicação aponta para um modo de relacionamento, assim

cumprindo, segundo Walsh (2005), duas funções, uma que se refere ao aspecto e

ao conteúdo (fatos, opiniões e sentimentos) e outra que se refere seu aspecto

relacional (habilidades de falar e ouvir, abertura e clareza, respeito e consideração)

e é, exatamente onde estes sistemas de comunicação falham é que aparecem os

problemas familiares.

A família continua sendo, apesar de todas as mudanças vividas, um lugar

para iniciar e desenvolver a vida social, ações essas que deveriam ser realizadas de

forma adequada e equilibrada.

Sem dúvida a família não poderá sobreviver sem a vivência dos valores

como: a flexibilidade pessoal, o amor, a criatividade, a disponibilidade para aprender

e a confiança, valores esses resultantes das experiências vividas com cumplicidade

e que oferecem ao casal as bases e os suportes emocionais necessários aos novos

modelos e possibilidades de estruturação de dinâmicas mais adequadas às

necessidades da família pós-moderna, com filhos pequenos. Tudo isso depende,

ainda, de recursos ou de redes sociais de apoio que os atenda nessa fase em que

as tarefas a serem desempenhadas são muitas e as adaptações necessárias,

difíceis de serem administradas sem apoio. Assim, os profissionais da área de

saúde, devem se manter atentos às dificuldades que o casal enfrenta e, na medida

do possível, devem criar projetos em que se ampliem as redes sociais de apoio para

essas famílias.

Todas essas considerações permitem eleger um genuíno interesse pela

importância que as relações interpessoais têm para a compreensão do ser humano,

interesse muito bem representado pelo conceito de “individualismo sofisticado”

(CANAVARRO, 1999). Trata-se do modo pelo qual cada indivíduo compõe sua

linguagem, sua moralidade, sua lógica e, consequentemente, sua história pessoal,

que é, por isso, única e irrepetível. A família, por sua vez, é,em termos práticos,

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quem viabiliza acessos a conhecimentos, estabelecendo regras morais e sociais e,

em termos internos, apresenta-se como modelo de vinculação e de identificação

para seus filhos.

Nesta pesquisa, que tem a teoria ecológica como forma de análise, considera-

se igualmente importante a questão evolutiva: como as famílias respondem às

situações de risco ou aos eventos estressores, modo este que se diferencia no

decorrer de cada fase do ciclo vital. Deste modo, a análise foca não os problemas,

mas a capacidade que a família tem de enfrentamento e os recursos que possui

para lidar com as dificuldades. A família tem um papel determinante no processo da

resiliência individual na medida em que é nela que se processa a construção da

autoestima de seus membros. Este fator é fundamental para o desenvolvimento

dessa resiliência, assim como as crenças que cada família constrói constituem a

essência de seu funcionamento, podendo ser esta uma força poderosa para a

resiliência, oferecendo combustível para que a família busque por soluções e

crescimentos (WALSH, 2005).

Como a resiliência familiar está diretamente ligada às crenças compartilhadas

que funcionaram como normas, regras e grau de flexibilidade no desempenho dos

papéis, quanto mais os membros assumem as funções uns dos outros, mais o

sistema continua funcionando, mais possibilidades terão diante do enfrentamento de

situações de risco às quais a família pode estar exposta durante seu ciclo vital.

Walsh (2005) traz como processos chaves da resiliência familiar: 1- Sistemas de crenças: consiste em atribuir sentido à adversidade ao vê-la como parte do ciclo

da vida da família e percebê-la como administrável; ter um olhar positivo, com

iniciativa, encorajamento, esperança, visão realista do que é possível mudar ou não;

espiritualidade, ter valores, objetivos de vida, criatividade e crescer pela

adversidade. 2- Padrões de organização: flexibilidade (capacidade para mudanças,

sentido de continuidade); coesão (apoio mútuo, respeito às diferenças, liderança,

reconciliação); recursos sociais e econômicos (mobilização da família extensa,

família trabalhando junto, equilíbrio financeiro). 3- Processos de comunicação: envolvendo clareza (mensagens claras e esclarecimentos de ambiguidades);

expressões emocionais abertas (compartilhar sentimentos, empatia nas relações,

responsabilizar-se pelos próprios sentimentos, interações prazerosas); colaboração

na solução de problemas (boa identificação dos problemas, buscar soluções

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criativas, negociar decisões, colocar focos nos objetivos, pró-atividade).

Compreender os processos de resiliência familiar significa identificar o modo

como esses processos estão funcionando dinamicamente dentro das famílias e

também auxiliá-las a superarem suas dificuldades, para que se fortaleçam

independentemente de a fonte de estresse ser interna ou externa ou que esses se

processem de modos e níveis diferentes, de acordo com os contextos próximos ou

sociais mais amplos.

Nichols e Schwartz (2007) sinalizam que pensar o individual a partir do

familiar, e vice-versa, permite compreender determinadas questões e, como

consequência, trazer aos envolvidos a diminuição dos conflitos, na medida em que

se estabelecem correlações, amplia-se a compreensão dos fatos podendo, assim,

minimizar os sofrimentos decorrentes disso.

Elaborar uma leitura dos fenômenos, a partir deste modo sistêmico, permite

verificar as várias intersecções dos indivíduos com a família, e desta com os vários

níveis sociopolítico e social que a circundam,analisando a conexão entre os

sistemas, subsistemas e macrossistemas.

Minuchin (1990) valoriza a estrutura familiar e sua abordagem dá grande valor

à análise e intervenção nos subsistemas, que são grupos demarcados por fronteiras

internas, como o subsistema fraternal e o conjugal, cujos focos estão

permanentemente nas interações entre os membros da família.

2.3 CICLO VITAL DA FAMÍLIA

A definição de ciclo no Dicionário de Português On-line Michaelis é: “Intervalo

de tempo durante o qual se completa uma sequência de uma sucessão

regularmente recorrente de eventos ou fenômenos”.

O desenvolvimento ao longo do ciclo da vida permite pensar que, em todas as

relações interpessoais, cada indivíduo traz consigo memórias das relações

passadas e perspectivas em relação às futuras, considerando-seque as experiências

passadas têm efeito na vida presente, tanto no sentido de uma revivência, como na

direção de uma mudança (RUTTER, 1995).

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Em relação ao ciclo vital da família, lembra-se antes que o desenvolvimento humano

é marcado por fases comuns a todos, considerando sempre as variações individuais

que são: as diferenças de tempo em que determinados fenômenos acontecem, o

modo como cada indivíduo lida com esses, os contextos sociais e as redes de

suporte com as quais cada um pode contar. Deste modo, é possível pensar o ciclo

da vida humana contendo estruturas de equilíbrio que se iniciam no nascimento e

vão até a velhice, mas que se separam umas das outras por momentos de

bifurcação. Cada uma dessas fases 6 possui características próprias exigindo

mudanças para lidar com elas. A passagem de um estágio para o outro é vivido por

quebra de paradigmas e por crises. Isso implica em um luto pelo que se deixa e a

incerteza diante daquilo que ainda não se estabeleceu, além do fato de se

considerar a intensidade com que cada um vive essas crises (CARTER;

MCGOLDRICK, 2001).

Carter e McGoldrick (2001) apontam que estabelecer um marcador temporal

para esta fase está se tornando cada vez mais difícil, pois os novos rearranjos

familiares têm imposto um prolongamento dessas fases por parte dos filhos, que

demoram mais a sair da casa dos pais. A abertura de novos modelos de família, em

que os avós e tios também fazem parte desta família, traz questões para o casal

sobre e como administrar o convívio de gerações tão diferentes, com demandas, por

vezes, opostas em um mesmo espaço e tempo. Poucas famílias têm recursos

suficientes para recorrer à casa de repouso, pagamento de dois cuidadores

(dia/noite) para os pais idosos. Como as políticas públicas ainda são precárias em

relação a isso, resta às famílias a absorção dos pais idosos em seus núcleos. Em

uma variedade de situações, a família é, sim, a única garantia que têm seus

membros quando se trata de cuidados, por isso a importância dos vínculos com a

família extensa também é fundamental para oferecer suporte à família nuclear em

suas necessidades.

6 O conceito de fases nesta pesquisa tomou como referência a divisão em fases do ciclo vital familiar de Cerveny, que envolve as várias etapas definidas por alguns fatores pertinentes a todas as famílias, determinando alguns acontecimentos esperados de serem vividos e que se formam desde a constituição da família até a morte dos indivíduos que a compõem (CERVENY, 1997).

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Outro ponto importante na vivência das fases da vida é a ritualização que

auxilia na demarcação das passagens do tempo, fornecendo um suporte externo

para uma operacionalização externa. Na sociedade pós-moderna, percebe-se que

esse processo é, muitas vezes, evitado, olhando-se somente para os ganhos, sem

se dar conta da necessidade de saber se despedir do que fica para trás, sendo esta

a melhor maneira de viver de modo integral o que vem como novo.

Sobre as várias fases pelas quais passam as famílias, considera-se que a

passagem do tempo traz algumas características que permitem pensar essas fases

da vida, sendo a permanência de um determinado modo o que caracteriza cada uma

delas. Flach (1991) as conceitua como estruturas homeostáticas que abrangem:

infância, adolescência, juventude e fase adulta de solteiro, início do casamento

(conjugalidade), paternidade, vida de solteiro (prolongamento desta para quem não

se casa/separados/viúvos), meia-idade e velhice.

Na travessia desses estágios, surgem alguns temas que são universais:

A necessidade de nos adaptarmos às circunstâncias externas; reavaliação da auto-imagem, manutenção e restauração da auto-estima; formação de novas amizades e renovação das antigas; desligar das pessoas ou dos objetos que amamos porque morreram ou foram embora; equilibrar nossa capacidade de independência com nossa necessidade de nos relacionarmos com outras pessoas; redefinir ou reafirmar nossos propósitos de vida; a ênfase que cada um desses objetivos vai receber também deverá variar individualmente, em condições de vida diferentes e em variados estágios do ciclo da vida (FLACH, 1991, p. 66-68).

Os conceitos de ciclo vital individual e de ciclo vital da família caminham

juntos, na medida em que a família é o espaço no qual acontece grande parte do

desenvolvimento dos sujeitos, favorecendo a formação da subjetividade individual, a

partir de sistemas maiores (como a família) e outros grupos aos quais o indivíduo

pertença. Do mesmo modo, cada casal constrói e organiza sua história a partir de

momentos estruturantes da relação, marcados por processos que, em grande parte,

estão em função do ciclo vital no qual vivem. Sendo assim: “é impossível pensar em

ciclo vital dissociado de movimento, crescimento, ordenação, etapas e assim por

diante” (CERVENY; BERTHOUD, 2002, p. 23).

O desenvolvimento da díade conjugal apresenta várias transições, e exige do

casal esforços constantes, frente às mudanças, para estabelecer um novo processo

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de adaptação, onde a “questão básica da relação conjugal é a dialética do conflito

entre autonomia e intimidade” (COSTA, 1994, p. 35).

Nessa perspectiva, essa pesquisa optou por exemplos que correspondiam a

algumas fases do ciclo vital da família. Tomam-se esses ciclos como momentos

fundamentais do processo de desenvolvimento humano do casal, na medida em que

suas alternativas apontam para um modo de funcionamento do sistema familiar, mas

também servem de possibilidades para o surgimento de novos rearranjos para um

modo de ser resiliente ou não. Portanto, buscou-se estudar os casais inseridos em

seus respectivos contextos, posto que esses contextos refletem as suas realidades

em relação aos pontos de vista social, econômico e cultural. O modelo de ciclo vital

utilizado foi o proposto por Cerveny em1997.

Essa caracterização coloca a família ao longo do seu ciclo vital em 4 etapas não rigidamente circunscritas que são:1- Família na Fase de Aquisição; 2- Família na Fase Adolescente; 3- Família na Fase Madura; 4- Família na Fase Última(CERVENY; BERTHOUD, 2002, p. 24).

A fase de aquisição engloba desde a união do casal, o nascimento dos filhos

a conquista de patrimônios e a redefinição de novos papéis que ambos começam a

exercer. Saem da condição de filhos e passam a serem pais. Os processos de

negociação de valores, crenças e costumes são fundamentais nesses momentos e

as conquistas de novas estruturações, tanto financeiras como afetivas, ocupam lugar

central nesta fase. O tempo de duração dessa fase é variável, visto que as

demandas do mundo moderno criam necessidades que, muitas vezes, os casais

demoram a atingir. Assim, procurou-se representá-la a partir de casais com média

de dois a cinco anos de união, mas que também poderiam ser representadas por

casais com mais tempo de união, visto que esta fase vem se prolongando para os

casais pelas exigências da modernidade.

Na fase adolescente, estão os casais com filhos que se encontram no período

do início ao final da adolescência. Período de profundas transformações no modo de

relação entre pais e filhos; em que valores e crenças começam a ser questionados,

surgindo a necessidade de novas formas de negociação. Momento de crise para os

filhos, que começam a amadurecer e a alicerçar suas identidades. Essa fase

mobiliza nos casais a vivência de outra crise, em que também reveem a própria vida,

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o que vale a pena ou não, repensando a saúde e o envelhecer. Desse momento

emerge um rearranjo familiar, mudanças na segunda fase e que, dependendo das

possibilidades de adaptação, permitem novos desenvolvimentos. Para representar

essa fase foram entrevistados casais com doze e dezessete anos de união.

A fase madura refere-se ao momento da saída dos filhos para estudar fora

até atingirem a maturidade, com novas mudanças no relacionamento entre pais e

filhos, pois esses agora tendem à independência e o alcance gradativo da gestão da

própria vida, momento que se pode reativar o evento denominado “ninho vazio”, em

que o casal tende a rever suas vidas e estabelecer novas metas, já que os cuidados

diretos com os filhos se esgotaram. Nesta fase, observa-se a entrada de novos

membros na família extensa, aposentadorias por vir e a emergência de

renegociações e padrões. Como representantes dessa fase, estão os casais com

vinte e cinco e trinta e cinco anos de união.

Na fase última aborda-se o fenômeno do envelhecimento do casal e a

presença dos processos que implicam a perda de autonomia em vários aspectos,

como a saúde,a administração autônoma da própria casa, as dependências

financeiras (dos pais para com os filhos) e medicamentosas, trazendo ao casal

novos modos de viver e conviver entre si,com os contextos sociais e como modo

pelo qual essas dependências são absorvidas. Nessa fase, tende a ocorrer uma

inversão de papéis, fazendo com que os filhos, muitas vezes, assumam o lugar de

cuidadores dos pais. Surgem questões no âmbito da moradia de quem oferece

suporte ao casal, visto que, geralmente, eles já não conseguem fazê-lo por si

mesmos, e culminando o ciclo do casal com a viuvez de uma das partes, o que

impõe novas configurações à família extensa. Importante salientar que a vivência

dessa fase irá depender de como o casal pôde constituir as fases anteriores, sua

flexibilidade e adaptação aos limites e, principalmente, como atravessou as

dificuldades impostas pela vida. Para representar essa fase, abordaram-se os casais

com cinquenta e sessenta anos de união, completando-se, assim, o ciclo vital das

vivências de resiliência no casamento/conjugalidade que se desejou pesquisar.

A fase última caracteriza-se também pela aposentadoria de um ou ambos os

cônjuges, a perda da autonomia e a fragilidade física. O casal volta a ficar sozinho,

depois da saída dos filhos, e, dependendo do relacionamento estabelecido, pode ser

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uma oportunidade de encontro ou de solidão compartilhada sobre o mesmo teto

(SILVA et al., 1997).

2.4 CONJUGALIDADE

O termo conjugalidade aqui adotado corrobora a concepção de Dihel (2002, p.

138)

Um neologismo da palavra conjugar, que dá a idéia de união, de ligação entre duas pessoas, sem necessariamente a existência de um contrato formal entre elas. O surgimento de neologismos como conjugalidade se deve, em parte, às amplas e profundas transformações sociais e culturais pelas quais vem passando a família na atualidade.

A conjugalidade, segundo Féres-Carneiro e Magalhães (2000), é

compreendida como uma estrutura composta a partir da individualidade dos

membros de um casal e do interjogo dinâmico do par conjugal, ou seja, seria um eu

conjugal, um sistema com funcionamento autônomo. Para Menezes e Lopes

(2007),uma das características centrais da conjugalidade é a oscilação entre

momentos de fusão e de diferenciação entre os membros do casal. A conjugalidade

na modernidade supõe o conceito de vinculação do adulto como “relações diáticas,

nas quais a proximidade de uma figura, considerada especial e preferida a outras, é

mantida com o objetivo de sensação de segurança” (SHELDON-KELLER, 1994,

p.19).

Esse conceito nos remete a pensar que os modos de vinculação retratam

modelos de funcionamento específicos e que, por sua vez, determinam o

comportamento dos indivíduos em suas relações com essas figuras de vinculações,

já que representam experiências passadas, tendo como referência a primeira

relação de vínculo do bebê com sua mãe ou outras figuras de vinculação próximas

que tenham gerado sensação de segurança e proteção. Nesse sentido, os vários

momentos de transição no ciclo da vida podem servir como possibilidade de

mudanças, oferecendo novos modelos para reconstrução do funcionamento interno;

como por exemplo,as transições da adolescência e da vida adulta em relação a

acontecimentos normativos (casamentos, nascimentos, etc.) e não normativos

(mortes, etc.). É importante conceitualizar que a vinculação é um processo que se

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dá por meio de interações e/ou acontecimentos, ocorrendo nas relações de

intimidade e tendo como característica a segurança e a afetividade saudável.

Conviver sempre foi um desafio para o homem, porém, nas relações de

intimidade, isso fica mais evidente, considerando a sociedade moderna

individualista, que legitima a fragilidade e a descontinuidade das relações afetivas,

resultando em superficialidade e empobrecimento. “Sem contar as várias

dificuldades e contradições que estes modos de relação têm trazido a todos na

atualidade” (FERES-CARNEIRO, 2011, p. 107).

Ao partir, o jovem casal em lua de mel leva suas expectativas, cabendo-lhes a

árdua e difícil tarefa de começarem, dali em diante, a rever essas expectativas frente

ao que o outro possa lhe oferecer e isso exige muito de cada um, considerando que

trazem em suas bagagens internas os modelos de suas famílias de origem e os

registros de como seus pais o educaram, os valores, as crenças, os mitos e a prática

da arte de educar desta família.

Formar um casal e constituir uma nova família é uma das possibilidades que o

indivíduo tem de constituir vínculos duradouros. Assim, o que chamamos de 'o

nascimento emocional da família' é um processo que implica a construção gradual

de um vínculo que propicie apego e cumplicidade e também independência e

autonomia emocional. Numa díade saudavelmente apegada, um casal serve como

base segura ao outro, como uma fonte de abastecimento e de abertura para a

vida,relação que confere a certeza de que a outra pessoa estará sempre lá e é

possível sempre se reabastecer (CERVENY, 1997).

Vários autores trazem a conjugalidade como fonte de bem-estar, na medida

em que a ligação com alguém significativo traduz-se em um ponto de apoio

emocional, aumentando a autoconfiança. Porém, essas vivências dependem do

nível de satisfação que a conjugalidade proporciona, explicando o fato de que a

maioria das pessoas quer se casar, acreditando ser este o melhor espaço para a

satisfação de seus desejos afetivos, de intimidade emocional e sexual (NARCISO,

2009).

Falar de conjugalidade é, necessariamente, falar de gênero e do modo como

esta questão foi sendo redefinida pelos contextos econômicos, históricos e políticos

ao longo do tempo.

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O movimento feminista, iniciado nos Estados Unidos da América e em alguns

países da Europa, emerge no Brasil no final dos anos 70 e início dos 80 (período

que coincide com o processo de redemocratização do país) “[...] E o movimento

feminista, ao discutir o feminino, consequentemente, acabou por rediscutir o

masculino” (MARTINS, 2004, p. 17).

Segundo Jablonski (1995, p. 156), a mudança no papel exercido pela mulher

leva os homens a “um sentimento de perplexidade e confusão”, uma oportunidade

para repensarem seu papel, seja para reforçá-lo seja para reformulá-lo.

Falar das transformações que a conjugalidade atravessa remete ao

entendimento sobre as mudanças do casamento no Brasil e sobre o papel da

mulher, conforme Biasoli Alves (2000), que esclarece sobre as motivações pelas

quais passa o casamento.

Nas duas primeiras décadas do século passado, eram as famílias de origem

que decidiam quando e com quem as filhas se casariam. Nos anos 30 e 40, as

mulheres tinham escolhas, mas precisavam passar pelo crivo do que os pais

consideravam um bom casamento. Só nos anos 50 e 60 é que os pares passam a

ter direito de se conhecer fora do domínio da família de origem, em um movimento

inverso, cabendo aos pais aceitarem a escolha dos filhos.

Em relação à parte legal dos casamentos, Berquó (1998) informa que, na

época do Império, o que determinava o vínculo conjugal era o status religioso,

católico e indissolúvel e, a partir de 1870, deu-se a organização do registro civil

documentado, tendo a igreja que informar ao Estado todos os registros matrimoniais.

Somente no ano de 1890 ocorre a criação da lei do casamento civil, passando a se

desvincular totalmente do casamento religioso e ganhando status de validade

familiar e civil. Depois de meio século, em 1942, no artigo 315 do Código Civil,

estabeleceu-se o desquite, em que se separavam os bens com a quebra do vínculo

matrimonial. Mas foi só em 1977, com a instituição do divórcio, quando se permitiu

aos então divorciados contraírem novo matrimônio, é que surgem inúmeros

recasamentos e novas formas de conceber a conjugalidade, para responder às

emergências sociais.

Embora o número de casamentos seja grande no Brasil, as uniões informais

ganharam espaço. Ainda Berquó (1998) nos esclarece que a união consensual

surge como uma alternativa de verificação da realidade conjugal, sem maiores

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comprometimentos, sendo a questão, em geral, do surgimento de novas formas de

conjugalidade como resposta às necessidades pessoais, sociais e econômicas. Um

dos reflexos da questão econômica na vida dos casais é a redução do número de

filhos, um ou dois, pelos custos como escola, saúde, entre outros fatores.

O que se verifica nas pesquisas (Féres, 1994, 1998, 2003 e 2010; Jabilonski

1995, 1998 e 2003; Goldenberg (2005) e Machado (2007)) é que a conjugalidade

não deixou de ser uma fonte de felicidade para o homem moderno.

Os indivíduos têm se divorciado, não por considerarem o casamento menos importante, mas, justamente porque sua importância é tão grande que eles não aceitam que a vida conjugal não corresponda as suas expectativas. Com o aumento das separações, crescem também em número e em diversidade, as novas configurações familiares (CARVALHO FILHO, 2000, p. 45).

Complementando essas ideias, Paul Jonckeere (2000, p.11) refere-se à

conjugalidade da seguinte forma:

[...] para designar a essência do projeto conjugal e nomeadamente a aspiração profunda, aparecida desde a muitos milênios, de realizar uma união duradoura, apoiando-se numa atração comum, na promessa de fidelidade e de perenidade relativamente ao desejo de fundar uma família.

Tendo em vista que os índices de recasamentos têm aumentado no Brasil

(IBGE, 2010), abre-se o seguinte dilema: se, por um lado, deseja-se manter o

casamento, por outro, o que se espera da conjugalidade? Cezimbra (2003, p.1),

citando Roudinesco, afirma que: “A família não morreu, mas está sendo reinventada

no cotidiano. [...] Ela é ainda amada, sonhada e desejada por homens, mulheres e

crianças, em todas as idades, orientações sexuais e condições sociais”.

A conjugalidade é ainda um lugar em que se depositam projetos e é vista

como fonte de vida e realização do ser humano, mas, como tudo, vem sofrendo

mudanças nos últimos anos. Para a mulher, vem se mostrando fonte de insatisfação,

na medida em que 70% dos processos de separação são deflagrados por elas; os

homens também contribuem para as separações com a questão da infidelidade

como ponto alto, segundo os dados (BERQUÓ, 1998).

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A preocupação com a conjugalidade é antiga, segundo Feres-Carneiro

(2010), citando Terman et al. (1938), que realizou a primeira medida de qualidade

conjugal,utilizando apenas uma pergunta para avaliar a felicidade e a satisfação dos

cônjuges,a saber:“o que diferencia os casais felizes dos infelizes?” Constata-se

não existir ainda um consenso teórico sobre isso,visto que a felicidade conjugal é

uma questão multidimensional, muito subjetiva e sobre a qual variam as teorias que

embasam as pesquisas. Porém, as mais utilizadas, segundo Diehl e Wagner (2002),

são: a Teoria da Troca Social, que afirma serem as variáveis do meio, tanto os

obstáculos como a sua superação, fundamentais para avaliar o relacionamento

conjugal; a Teoria da Crise, que analisa o modo como lidam com as situações

adversas e superam os obstáculos; a Teoria do Apego, que valoriza as primeiras

interações e a quarta é a Teoria dos Sistemas Familiares, que pressupõe a ideia de

família como criadora de um sistema próprio e com dinâmicas específicas. Essas

teorias têm em comum a valorização do contexto, a capacidade de autoavaliação e

de superação dos problemas fundamentais na delimitação daquilo que se possa

chamar de qualidade conjugal, colaborando com a manutenção da relação.

Karney e Bradbury (1995) apontam que a união das três teorias (do apego, da

crise e da troca social) criou um modelo interacionista que valoriza o contexto, os

recursos pessoais e os processos adaptativos como fundamentais para a

conjugalidade. Pode-se concluir, a partir das leituras e pesquisas realizadas, que o

fenômeno da conjugalidade é multidimensional e que os estudos nessa área têm

que ser realizados de maneira interdisciplinar, para que uma compreensão mais

próxima da realidade seja possível.

Ressaltam-se pesquisas de autores como Jablonski (1995); Goldenberg

(2005); Aboim (2009); Oltramari (2009) e Féres-Carneiro (1994, 1998 e 2010) como

as que mais se alinham ao tema pesquisado, apontando, de modo geral, que o

maior impacto da modernidade sobre a conjugalidade é o fenômeno do excesso de

individualismo que começa, historicamente, quando o homem se tornou o centro do

universo,ocupando o primeiro plano e caminhando do Iluminismo até a Pós-

modernidade, quando este grande “eu” ocupa cada vez mais a cena. Hoje, segundo

Hall (2006), questionam-se os efeitos dessa construção subjetiva, considerando que

as mudanças transformam diretamente as identidades, trazendo como consequência

a insegurança e a dúvida; e o que era estável e coerente, passa a ser incerto.

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O que se constata na literatura pesquisada é que a conjugalidade só se

mantém enquanto responde a esses anseios narcísicos, de que os cônjuges sejam

exatamente como se deseja; oscilando entre esperar dos parceiros (as) a

completude (que não existe), abrindo espaços para a frustração e, se isso não

ocorre, os parceiros são descartados por não corresponderem a esse lugar

idealizado (FERES-CARNEIRO, 1994, 1998, 2003, 2010; JABLONSKI, 1995, 1998,

2003).

Sobre esse conflito, Calligaris (1994 apud FUJIOKA, 2009, p.41) lembra que:

[...] em parte essa idéia ao mostrar que o drama dos relacionamentos contemporâneos é que desde que o amor e o desejo passaram a fazer parte do quadro da conjugalidade, as pessoas tornaram-se intolerantes ao fato de que eles podem não se realizar plenamente.

Outro conceito utilizado pelos teóricos da conjugalidade é o de afetividade

líquida, trazido pelo sociólogo Zygmunt Bauman (2005) para explicar a dificuldade

de solidez das relações na atualidade, produzindo não só laços muito frágeis, mas

profundas angústias, na medida em que inviabiliza a credibilidade no ser humano.

Em sua definição de amor líquido, Bauman aponta que, hoje, os relacionamentos

são de “bolso”; só servem se posso carregar de modo fácil e sem esforço algum e

esclarece que já existem condições prévias. Para se travar um relacionamento,

como “primeira condição deve-se entrar no relacionamento plenamente consciente e

totalmente sóbrio. Lembre-se: nada de amor à primeira vista aqui” (BAUMAN, 2004,

p.37).

Isso demanda a satisfação imediata, não permite o tempo necessário para a

construção de uma identidade do casal e nem o amadurecimento de cada parceiro

para aprender a conviver com as faltas e com os limites. Nessa perspectiva, a

rapidez com que os relacionamentos afetivos nascem e são descartados está

diretamente ligada à dificuldade de sair do mundo idealizado em que tudo é

possível, em se distanciar de toda a gama de valores líquidos da sociedade pós-

moderna, entendendo os sentimentos como mercadorias que só se mantêm

enquanto servem ao indivíduo.

Novos modos dessa expressão de relacionamento, de conjugalidade, surgem,

entre eles o “ficar”, como modo de relacionamento e que ganha sentido na

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sociedade urbana contemporânea na medida em que o que “está em jogo é a

autossatisfação e a evitação da frustração que poderia decorrer de um compromisso

afetivo com o outro” (FERES-CARNEIRO, 2011, p. 46). Esse é um dos grandes

engodos da atualidade, pois, a frustração diante das separações não é determinada

pelo padrão legitimado da categoria formal do status da relação, mas sim pela

possibilidade de vínculos e investimentos afetivos a que ela corresponde. Esses,

invariavelmente, são ditados por processos inconscientes, mas, sem dúvida,

representam uma necessidade de controle dos aspectos afetivos humanos, como já

acontece em inúmeras áreas da vida humana.

Feres-Carneiro (2011) lembra, ainda, que os valores que regem os

relacionamentos estão mudando. O que se verifica, na atualidade, é uma prioridade

dos parceiros de iniciarem uma união conjugal da prevalência de bens materiais e

de relações sexuais em detrimento dos sentimentos. Isso deixa entrever o processo

de efemeridade das relações e os altos níveis de depressão na atualidade, pois,

quanto mais ocorre um distanciamento dos reais sentimentos, a capacidade de

vinculação não pode mais ser levada em conta; o que sobra ao homem, então, é o

esvaziamento e a perda de sentido da vida.

Muitos outros autores ratificam o fato de que, na atualidade, o papel da

sexualidade nos relacionamentos a dois vem assumindo um lugar privilegiado no

discurso dos casais, ocupando a cena em vários canais de comunicação como

questão central para a conjugalidade. Todavia, faz-se necessário um olhar mais

abrangente que dê à sexualidade um lugar importante, mas não suficiente para

determinar sua existência. Nesse sentido, a sexualidade “não prova nada, mas

adquire valor validando, confirmando, tornando mais convincente outra categoria de

experiências, experiências que se jogam num plano mais psicológico que físico mais

afetivo que instintivo o das emoções” (CAILLÉ, 2002, p. 362).

Outra perspectiva presente nas relações conjugais atuais é a de que se, por

um lado, essas têm a questão da efemeridade, por outro, se substituem através do

novo, alimentando assim, um desejo profundo do humano que é o de pertencimento

e vinculação. Assim indicam que a sociedade atual é:

[...] uma sociedade em mutação contínua, vertiginosamente criativa, que se alimenta de seus próprios desvios para se auto-renovar e reinventar

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constantemente. Uma vez que tudo é assimilado com muita rapidez, é necessário “reinjetar” o novo sem parar, [...] (LIPOVETSKY, 2007, p. 76).

Aponta-se, pois, para um fenômeno presente nas sociedades capitalistas: a

capacidade de trazer o mesmo revestido de roupagem nova, mantendo assim a

ilusão do novo constantemente. Fenômeno que, além dos objetivos da

comercialização de produtos, “protege” as pessoas de entrarem em contato com os

efeitos da passagem do tempo e, por fim, com a finitude humana.

Nesse sentido, existe toda uma estruturação construída na sociedade e

vendida nas mídias de que existe “a perfeição”, “a completude”. A ideia de

montagem e construção do “outro”, de acordo com os desejos e expectativas de

cada um dos envolvidos, não se baseia na aceitação do outro enquanto alteridade e

diferença e, por isso, o “encontro” pode ser belo. Essa ideia pode ser ilustrada pela

música do grupo Kid Abelha, “Como eu quero”, que diz: “Uh! eu quero você /Como

eu quero!... / O que você precisa/ É de um retoque total/ Vou transformar o seu

rascunho/ Em arte final [...]” (LEONI; TOLLER, 1984).

Pelo potencial explicativo de análise dos fenômenos das relações, tantos nos

aspectos micro, meso, exo como nos macros contextos, com possibilidades de

compreensão que viabilizem ajuda real aos casais em seus desafios, , tomou-se

aqui a abordagem sistêmica de Bronfenbrenner como referencial.

2.5 TEORIA BIOECOLÓGICA DO DESENVOLVIMENTO HUMANO

Para compreensão da Teoria Bioecológica de Urie Bronfenbrenner e de sua

contribuição para a temática da resiliência na conjugalidade, especifica-se o que

nesta pesquisa foi entendido como desenvolvimento humano, dado a complexidade

e amplitude do conceito:

Todo o progresso alcançado por uma pessoa em toda e qualquer área de sua vida e em qualquer dos aspectos biológicos, psíquicos, sociais e históricos, é compreender o homem em todos os seus aspectos, englobando desde o nascimento até a morte (DESSEN et al., 2007, p. 381).

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A obra “A ecologia do desenvolvimento humano: experimentos naturais e

planejados” é a que inicialmente delineia o estudo de Bronfenbrenner (1979) sobre a

compreensão do desenvolvimento humano, demonstrada “através de um conjunto

de sistemas aninhados, denominados de microssitemas, mesosistemas,

exossistemas e macrossistema” (KREBS;COPPETI, 1997, p. 67).

Bronfenbrenner (1917-2005) parece ter sido influenciado pelo local onde foi

criado, tomando-o como fonte de inspiração para teorizar sobre o desenvolvimento

humano. Trata-se de uma instituição para pessoas com problemas psíquicos, local

de trabalho de seu pai, neuropatologista. Ao verificar a interdependência entre os

“organismos vivos e seu ambiente, conscientizado da influência da comunidade na

saúde mental, daí o desejo de desenvolver e implementar políticas públicas que

pudessem contribuir para a melhoria das condições de vida da população”

(NARVAZ; KOLLER, 2004, p. 51).

A grande inovação da teoria ecológica é que os processos psicológicos

passam a ser propriedades de sistemas. O foco da teoria está nos processos e nas

interações, rompendo com a ideia dicotômica entre mente-corpo, pessoa-meio,

sendo essa teoria influenciada pelas ideias de Kurt Lewin, psicólogo social, para o

qual: “O desenvolvimento consiste em um processo de interação recíproca entre a

pessoa e o seu contexto através do tempo” (NARVAZ; KOLLER, 2004, p. 53). Este

conceito, na teoria de Bronfenbrenner, foi reformulado, passando a enfatizar o

processo definido como um

[...] construto fundamental do novo modelo, tendo destaque a ênfase nos processos proximais- formas particulares de interação entre o organismo e o ambiente que operam ao longo do tempo e são “os principais motores do desenvolvimento”(BRONFENBRENNER; MORRIS, 1998, p. 996).

Assim, esses quatro núcleos foram denominados de PPCT (Processo,

Pessoa, Contexto e Tempo). O Processo, enquanto primeiro componente da teoria

bioecológica, tem como destaque as interações “proximais consideradas os

propulsores de todo o processo de desenvolvimento (BRONFENBRENNER;

MORRIS, 1998). Esses autores esclarecem que tais processos ocorrem a partir de

cinco premissas, que são: a pessoa estar inserida em uma atividade; esta interação

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deve ocorrer em base regular de tempo; ir se complexificando ao longo do tempo;

para que sejam efetivos, deve existir reciprocidade das partes envolvidas; o entorno,

objetos, símbolos do ambiente devem buscar estimular a atenção, a exploração, a

manipulação e a imaginação da pessoa em desenvolvimento. Assim, o

desenvolvimento é composto pela

Ontogênese dos processos evolutivos, destacando desde os eventos genéticos até processos culturais, desde os processos bioquímicos e fisiológicos até as interações sociais, com os padrões de adaptação sendo entendidos mediante interações dos níveis internos e externos ao individuo (DESSEN; JÚNIOR, 2005, p.11).

À medida que velhos paradigmas são quebrados e novos se delineiam, o

desenvolvimento humano deixa de ser pensado fora de um contexto, sendo esse

não um item que compõe a análise, mas uma condição sine qua non para a

compreensão do ser humano. O processo se constitui em um instrumento de análise

que permite considerar: “Valores relacionados à idade, ao gênero, ao estágio de

vida, à trajetória ou ao curso da vida; se inseridos em um dado contexto, assumem

certas características que, se analisadas sob outros contextos, dificilmente seriam

iguais” (DESSEN; JUNIOR, 2005, p. 19).

Esta questão remete às características da conjugalidade em determinados

povos, por exemplo, o fato de o homem conviver com várias mulheres, muitas vezes,

dentro de uma hierarquia ou especificidade na relação. Já na cultura ocidental, essa

prática é considerada traição e permite, inclusive, a ruptura dos laços. Desse modo,

a noção sobre o que é normal à conjugalidade é relativa, por isso os padrões de

desenvolvimento humano devem ser considerados levando-se em conta os

contextos.

A pessoa, segundo componente de acordo com Bronfenbrenner e Morris

(1998), tem seu desenvolvimento relacionado às características determinadas

biopsicologicamente e aquelas construídas na interação com o ambiente, mas que

também interagem entre si, de acordo com a estabilidade e a mudança das

características biopsicológicas da pessoa ao longo do seu ciclo vital. Assim, a

análise da conjugalidade como um sistema com o foco nos processos proximais é

fundamental para a compreensão do que ocorre na estruturação das conjugalidades.

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61

Neste sentido, pode-se pensar o quanto a conjugalidade é atravessada pelas

características de cada parceiro que compõe a dupla e que conduzirá esta

conjugalidade com seu referencial interno de expectativas, experiências vividas na

família de origem, empenho, dúvidas, medos, assim como suas determinações

biológicas ou predisposições genéticas que marcaram seus graus de impulsividade.

Pode-se pensar aqui nas mudanças sofridas pelo ciclo vital da conjugalidade, que

geram mudanças na forma como o casal se relaciona em cada fase da vida, repletas

de nuances próprias; como exemplo, a fase dos filhos pequenos, que tem

características próprias e todas as outras subsequentes.

A pessoa, como segundo componente da teoria bioecológica, apresenta três

características: a força, os recursos e as demandas, que favorecem ou obstaculizam

a relação de casal, dependendo de suas características e como interação entre as

partes. A força pode ser considerada como disposições comportamentais que

auxiliam ou impedem o desenvolvimento. Os recursos envolvem toda gama de

experiências vividas, habilidades e conhecimentos, já as demandas relacionam-se

aos atributos da pessoa, que podem provocar ou impedir reações no ambiente ao

qual pertence (POLETTO; KOLLER, 2006).

Já o terceiro componente refere-se ao contexto que compreende a “interação

de quatro níveis ambientais (micro, meso, exo e macrossistema). Tais níveis estão

articulados na forma de estruturas concêntricas inseridas umas nas outras,

formando o meio ambiente ecológico” (NARVAZ; KOLLER, 2004, p. 57).

O microssistema é o contexto no qual existem relações interpessoais

experienciadas (no sentido de como a pessoa percebe a realidade); onde ocorrem

os processos proximais que produzem e sustentam o desenvolvimento. É o lugar em

que ocorrem os aspectos dinâmicos de força, recursos e demanda de cada pessoa e

as interações de seus vários aspectos físicos, sociais e simbólicos. Assim como pela

interação com “outros significativos que vão atuar a partir de seu modo de funcionar

e contribuir como ativadores das relações de reciprocidade para a pessoa em

desenvolvimento” (BRONFENBRENNER, 1995).

O principal foco de análise, neste estudo, foi o sistema familiar, considerando

o casal na sua relação de conjugalidade, sua dinâmica nesse microssistema. O

mesossistema refere-se ao conjunto de microssistemas que a pessoa, ao crescer,

vai ampliando, como escola, igreja, enfim, pequenos grupos que passam a compor a

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vida de uma pessoa. Nesse sentido, é representado por qualquer sistema nos quais

o casal transite (família do cônjuge, vizinho, escola, igreja). O exossistema é

formado pelos ambientes que têm participação indireta na vida da pessoa, mas que

a influenciam, aqui, por exemplo, o trabalho dos pais, a vida social que levam a

comunidade em que a família se encontra. O macrossistema é formado por

influências não mensuráveis diretamente, como crenças, culturas, governos e

subculturas (BRONFENBRENNER, 1996). Por fim, o quarto componente do modelo

é o tempo, que permite verificar os efeitos de continuidade e mudanças, no caso, a

vida conjugal, para o desenvolvimento humano, subdividindo-se em micro, meso e

macrotempo. É importante pensar que a mudança no tempo altera as vivências

pelas quais os casais e as famílias estarão submetidos, verificando-se quais os

efeitos desta passagem do tempo para a construção da conjugalidade.

A análise dos processos proximais permite observar como se estabelece a

conjugalidade, utilizando o tempo como condição, sem o qual a conjugalidade não é

construída, assim como as mudanças que o tempo traz aos casais,quais os

aspectos positivos que podem funcionar com protetores e os que podem operar

como risco para essa conjugalidade.

Importante observar que as mudanças não ocorrem só pela ação do tempo na

pessoa, mas também no ambiente, na cultura, na história. Dentro das influências

sobre o curso da vida existem as chamadas normativas (acontecem normalmente ao

longo da vida, ex.: nascimento, casamento) e as não-normativas (como doenças,

desemprego, etc.). Sobre isso, Bronfrenbrenner (1996) também aborda as

influências dos cuidados, apontando vários estudos de famílias em relação a outros

microssistemas, tais como a escola e outras redes sociais que alteram a estrutura da

conjugalidade e também se deixam alterar.

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63

3 PROPOSIÇÃO

As transformações instauradas nos últimos tempos, em grande parte

gestadas pelas inovações tecnológicas e necessidades advindas das novas

demandas do mundo pós-moderno, trouxeram profundas mudanças no processo de

conjugalidade, demandando novas respostas e outros modos de operacionalização

dos vínculos.

Observa, com isto, novas indagações e formas de lidar com os fenômenos,

que merecem um olhar atento, especialmente da ciência, para não perder o foco

daquilo que verdadeiramente importa para o processo do desenvolvimento humano

(DIEHEL, 2002).

Neste sentido é que foi proposto estudar o tema da conjugalidade por meio da

análise dos desafios enfrentados pelos casais ao longo do ciclo vital do casamento e

dos fatores de risco e proteção disponíveis nos vários contextos aos quais esses

casais pertencem, verificando os aspectos que se mantiveram como proteção em

todo o ciclo vital e que contribuíram para o desenvolvimento da resiliência familiar

como um processo alcançado pelos enfrentamentos das dificuldades.

Para tanto, problematiza como esta questão se apresenta no contexto de uma

cidade do interior paulista em que tal fenômeno suscita uma comparação mais

acurada por parte da ciência.

A seguir, apresenta-se o método proposto para a investigação.

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64

4 MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa; segundo Godoy (1995,

p. 21),

[...] um fenômeno pode ser melhor compreendido no contexto em que ocorre e do qual é parte, devendo ser analisado numa perspectiva integrada. Para tanto, o pesquisador vai a campo buscando “captar” o fenômeno em estudo a partir da perspectiva das pessoas nele envolvidas, considerando todos os pontos de vista relevantes. Vários tipos de dados são coletados e analisados para que se entenda a dinâmica do fenômeno.

A pesquisa qualitativa é aquela que “responde a questões muito particulares,

[...] trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das

crenças, dos valores e das atitudes [...]” (MINAYO, 2009, p. 21).

Por isso, esta pesquisa é qualitativa na medida em que busca responder o

que seu objeto pressupõe, e, nesse sentido:

[...] os métodos e a teoria devem ser adequados àquilo que se estuda. Se os métodos existentes não se ajustam a uma determinada questão ou a um campo concreto, eles serão adaptados ou novos métodos e novas abordagens serão desenvolvidos (FLICK, 2009, p.9).

Esta pesquisa caracteriza-se como sendo de natureza exploratória no que se

refere à categorização inicial do problema, com todo processo de definição e

classificação que o momento requer; sendo sempre o primeiro estágio de toda

pesquisa científica. Abarca momentos importantes da pesquisa, que se estendem

desde a escolha do tema do referencial teórico até a exploração de campo. A

pesquisa exploratória requer uma boa pesquisa bibliográfica que viabilize uma

comunicação possível entre os conceitos e o objeto da pesquisa, estimulando

atitudes de humildade ao perceber que o conhecimento adquirido será sempre

aproximado, provisório e parcial, devendo estar vinculado à vida real e sem perder

de vista o caráter histórico/cultural ao qual está condicionada toda pesquisa relativa

ao ser humano em suas interfaces (MINAYO et al.,2009).

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4.1POPULAÇÃO

Abordou-se o total de oito casais, com tempo de união de aproximadamente

dois a cinco anos (fase de aquisição), dez a quinze (fase adolescente), vinte e cinco

a trinta e cinco (fase madura), cinquenta a sessenta (fase última), perfazendo todo o

período do ciclo vital do casamento (CERVENY; BERTHOUD, 2002). As entrevistas

aconteceram com cada casal separadamente e nestas estavam presentes marido e

esposa ao mesmo tempo. Foram entrevistados dois casais de cada fase,

totalizando, assim, oito casais.

Como critérios de inclusão foram escolhidos casais heterossexuais, por

compreender que, no tempo de união estipulados para essa pesquisa, a união

homossexual oficializada ainda não existia, ou seja, como característica comum a

casais de todas as fases do ciclo vital. Outro critério foi residir na cidade escolhida

para a coleta dos dados. A questão da raça, cor, credo ou a forma de união (formal

ou não formal) não foi fator de exclusão, posto que o interesse foi o de avaliar o

processo de conjugalidade (união) dos casais e suas consequências para a família.

Entende-se que o universo pesquisado, não esgota todas as possibilidades

pelas quais passam os casais, considerando as variáveis intervenientes7a que estão

sujeitos, mas não deixou de expressar um olhar sobre o processo do ciclo vital do

casamento/conjugalidade.

4.2 LOCAL

A pesquisa foi realizada em uma cidade do Vale do Paraíba Paulista, que

possui a população de 82.537 habitantes; registro de 597 casamentos (0,72%), 14

separações (2,35%) e 191 divórcios (32%) (IBGE, 2010); todas as porcentagens

referem-se ao número de casamentos (APÊNDICE III).

7Conjunto de fatores não observáveis, que são as verdadeiras determinantes do comportamento. Esses fatores consistem em processos internos que estabelecem a ligação entre a situação de estímulo e a resposta observada (TOLMAN, 1966).

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4.3INSTRUMENTOS

O instrumento utilizado foi o da entrevista semiestruturada, composta de cinco

pautas que buscaram responder aos objetivos propostos por esta pesquisa

(APÊNDICE I).

A entrevista semiestruturada tem como característica

[...] questionamentos básicos que são apoiados em teorias que se relacionam ao tema da pesquisa. Os questionamentos dariam frutos e novas hipóteses surgidas a partir das respostas dos informantes. O foco principal seria colocado pelo investigador-entrevistador (MANZINI, 2011, p. 02).

Portanto, “[...] favorece não só a descrição dos fenômenos sociais, mas

também sua explicação e a compreensão de sua totalidade” (TRIVINÕS, 1987, p.

146).

O critério utilizado para a criação das questões (APÊNDICE I) foi o

atendimento aos objetivos propostos.

Avalia-se que este instrumento favoreceu atingir o objetivo proposto, dando a

pesquisadora a flexibilidade na condução da conversa com os sujeitos, para (re)

conduzir a temática na direção desejada.

4.4 PROCEDIMENTOS DE COLETA DE DADOS

O projeto foi enviado para apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa da

Universidade de Taubaté, sendo, aprovado sob o número 306/12 (ANEXO II),e só

depois se iniciou o recrutamento, utilizando a técnica Snowball.

A escolha dos casais pesquisados ocorreu da seguinte forma: o primeiro

casal foi escolhido aleatoriamente em um contexto universitário; os seguintes foram

selecionados por meio da técnica de Snowball, também conhecida como Bola de

Neve ou Cadeia de Informantes, que consiste no fato de este primeiro casal indicar

outros casais, respeitando-se os critérios estabelecidos em relação ao tempo de

união e local de domicílio.

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Este modelo de fases foi considerado um norteador, por compreender as

transições pelas quais passam os casais, visto que a ideia de ciclo vital está

intimamente associada a desenvolvimento, crescimento e a uma ordenação dos

fatos em etapas, de acordo com os acontecimentos da vida. A escolha de dois

casais para cada fase se deu para efeito de comparação dos fatos comuns a cada

fase, levando-se em conta a dinâmica envolvida em cada fase e,

consequentemente, a confirmação dos resultados.

Esta técnica é uma forma de amostra não probabilística utilizada em pesquisas sociais onde os participantes iniciais de um estudo indicam novos participantes que por sua vez indicam novos participantes e assim sucessivamente, até que seja alcançado o objetivo proposto (BARDIN et al.,2011,p. 332).

O uso desta técnica garante a neutralidade necessária a toda pesquisa,assim

como a torna dinâmica e complexa do ponto de vista da formação de uma

rede,permitindo uma amostragem variada de credos, classes, perfis distintos

econômica e socialmente. O fato de a pesquisadora chegar até o casal pela

indicação de alguém que já faz parte do meio social desses abre uma via de acesso

positiva para o estabelecimento de uma relação de confiabilidade, fator fundamental

para esta pesquisa, isto é, falar a alguém das dificuldades e superação de algo tão

íntimo como o é a relação de conjugalidade.

As entrevistas foram realizadas no espaço de trabalho da pesquisadora

(consultório de Psicologia), sendo apenas uma delas na casa do casal, pela

dificuldade de acesso de um dos cônjuges, em dias e horários acordados entre as

partes.

Inicialmente, os pesquisados tiveram acesso ao Termo de Consentimento

Livre e Esclarecido (ANEXO III) para assinatura do consentimento de sua

participação e garantia do anonimato das identidades.

Depois de realizados todos os esclarecimentos sobre os objetivos da

pesquisa, o uso da gravação, o sigilo, o tempo em que o material coletado será

guardado (cinco anos) e depois descartado, iniciou-se a aplicação do instrumento.

A entrevista foi gravada, transcrita e analisada. A coleta de dados de cada

casal realizou-se em local que garantiu a privacidade dos sujeitos, com dia e horário

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combinados entre o casal e a pesquisadora. O tempo médio das entrevistas foi de

cinquenta minutos, finalizando quando os resultados eram alcançados.

4.5 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE DE DADOS

A análise de conteúdo é uma técnica que busca viabilizar o método de

investigação. Tem em Laurence Bardin sua maior expressão, pesquisador que

aplicou as técnicas de análise de conteúdo em pesquisas psicossociológicas e

estudos da área de comunicação de massas. Bardin (1977) configura a análise de

conteúdo como um conjunto de técnicas de análise das comunicações que utilizam

procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens.

A análise de conteúdo se estabelece sempre pela prática, escutando a

realidade e estabelecendo um processo de associação de palavras. A aplicabilidade

coerente do método se faz a partir de pressupostos que permitem a interpretação

das mensagens e dos enunciados, organizando-se em torno de três momentos: “1 –

a pré- análise; 2 – a exploração do material e 3 - o tratamento dos resultados tendo

por base a inferência e a interpretação” (BARDIN, 2009, p. 121).

A pré-análise se caracteriza pela organização e sistematização para que o

pesquisador possa conduzir as outras fases. Isto implica na escolha do material a

ser analisado, sendo requisito que este se preste a esclarecer o fenômeno

pesquisado. Pois “nem todo material de análise é suscetível de dar lugar a uma

amostragem, e, neste caso, mais vale a pena abstermo-nos e reduzir o próprio

universo se este for demasiado importante” (BARDIN, 2009, p. 123).

A análise de conteúdo é um método capaz de produzir sentidos e verificar os

significados presentes nas amostras. Hoje sua utilização é bastante ampla e

pressupõe a inclusão de novas perspectivas nas pesquisas de abordagem dialética

e clínico-qualitativo ratificadas por Minayo (1996) e Turato (2003).

A análise de conteúdo possui fases pré-concebidas em seu processo:

1- Fase pré-exploração de material – este momento é também chamado de

leituras flutuantes, pois o pesquisador, após selecionar as partes a serem

analisadas, procede às leituras flutuantes de todo o material, com o objetivo de

apreender quais são os aspectos importantes da próxima fase da análise, e deixa-se

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“tocar” pelas impressões captadas do material. Fazem-se, nesse momento, várias

leituras de todo o material, com o objetivo de captar as ideias principais que vão

emergindo dos conteúdos e de seus possíveis significados gerais. Neste momento,

ocorre contato significativo do pesquisador com o material, aflorando lembranças,

sensações, e percepções que podem auxiliar na condução da análise.

2 -Seleção das unidades de análise - este trabalho realizado permite ao

pesquisador a eleição da seleção das unidades de análise enquanto partes do

conteúdo que buscam responder as perguntas da pesquisa. As unidades de análise

incluem palavras, frases, sentenças, parágrafos ou um texto completo de

entrevistas, diários ou livros. Como na maioria dos interesses por análise temática

escolhem-se sentenças, frases ou parágrafos para análise.

A escolha do tema se dá pelos objetivos da pesquisa e pelo levantamento

feito pelo contato com o material e com as teorias nas quais se embasa a pesquisa,

podendo abranger vários temas em uma mesma pesquisa. Assim, a escolha das

unidades de análise se dá por um processo dinâmico que se concentra, às vezes, na

mensagem explícita e, às vezes, nos significados ocultos ao contexto. Neste

momento, a busca por neutralidade do pesquisador deve-se centrar nos objetivos de

seu trabalho e nas teorias norteadoras que adota. É na reunião desses vários

fatores que surgem as unidades de análise.

3 - Processo de categorização e subcategorização –a categorização pode ser

definida como uma “classificação de elementos constitutivos de um conjunto por

diferenciação e seguidamente por reagrupamento segundo o gênero” (BARDIN,

1977, p.117).

As categorias podem ser consideradas segmentos que podem estar

relacionadas a vários temas, estando mais próximas de exprimirem significados que

atendam aos objetivos, apontando estas para uma visão maior dos temas propostos.

As categorias ainda podem ser apriorísticas ou não apriorísticas (BARDIN, 2009). A escolha por categorias apriorísticas se dá por pesquisadores relativamente

experientes, o que lhes permite um embasamento para escolha das categorias. O

risco deste modelo é o de limitar o surgimento de novos conteúdos importantes.

A escolha da categorização apriorística emerge do contexto da resposta dos

sujeitos da pesquisa, exigindo destes um trabalho mais intenso de ir e vir do material

analisado sem perder de vista os objetivos da pesquisa. O modo como as categorias

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70

podem ser organizadas será por frequência/quase quantitativa (repetição do

conteúdo comum na maioria dos respondentes) ou por relevância implícita, onde o

assunto não se repete tanto, mas possui grande relevância para o estudo.

Os dois modos de agrupamento não são excludentes. Codificar as unidades é

transformar os dados brutos em categorias que permitirão a discussão de

características importantes do conteúdo.

Nesta pesquisa, optou-se pela categorização apriorística de risco e proteção e

reagrupamento dos dados, originando, assim, as categorias e subcategorias, de

acordo com a frequência e o grau de importância.

Este momento da análise exigiu do pesquisador concentração em seus

objetivos, em seu corpo teórico, além de uma análise pormenorizada dos conteúdos.

A transcrição das entrevistas com os casais não se encontram aqui anexadas

por questões de ética. Estando em posse da pesquisadora para quaisquer

esclarecimentos que se fizerem necessárias.

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5 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Para efeito da discussão, os casais foram nomeados de um a oito, pela ordem

de realização das entrevistas(pois foram indicando uns aos outros,

independentemente da fase em que estavam) e seus dados, na discussão, foram

catalogados como: H= homem e M= mulher; M1mulher do casal 1 e H1 homem da

casal 1 e, assim, sucessivamente.

A discussão dos resultados foi ilustrada com alguns relatos dos entrevistados

e ancorada por autores da área. Os casais foram divididos nas quatro fases do

casamento, sendo dois para cada fase, totalizando oito casais. Realizou-se,

também, a exclusão de dados como: nomes, lugares, nomes de estabelecimentos e

locais de trabalho, por considerarmos esta cidade do Vale do Paraíba paulista

pequena, preservando, assim, também a identidade dos entrevistados.

Preliminarmente, apresenta-se o perfil dos casais.

Tabela 1- Perfil dos casais pesquisados

TEMPO DE

UNIÃO CASAIS* IDADES ESCOLARIDADE/PROFISSÃO

NÚMERO DE

FILHOS

FASE 1

2 anos Casal 1 H - 30

M - 24

H – Sup. Incompleto/ Mecânico

M – Sup. Completo/ Adm. Empresas nenhum

5 anos Casal 8 H - 38

M - 33

H – Pós-graduação/ Engenheiro

M – Pós-graduação/ Engenheira nenhum

FASE 2

10 anos Casal 7 H - 37

M - 34

H – Med. Incompleto/ Pedreiro

M – Med. Completo/ Do lar 1 filho

15 anos Casal 6 H - 40

M - 44

H – Fund. Completo/ Soldado

M – Fund. Incompleto/ Diarista 2 filhos

FASE 3

25 anos Casal 2 H - 54

M - 58

H – Fund. Completo/ Eletricista

M – Fund. Incompleto/ Do lar 3 filhos

35 anos Casal 3 H - 63

M - 64

H – Médio Completo/ Aposentado

M – Médio Completo/ Do lar 3 filhos

FASE 4 50 anos Casal 4 H - 79 H – Sup. Completo/ Comerciante 1 filho

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M - 77 M – Sup. Completo/ Aposentada

60 anos Casal 5 H - 80

M - 76

H – Fund. Incompleto/ Aposentado

M – Sup. Completo/ Aposentada 4 filhos

* A ordem numérica dos casais se refere à ordem de realização das entrevistas pela técnica Snowball, aqui agrupados de acordo com o tempo de união, perfazendo as quatro fases do ciclo vital do casamento.

Para melhor compreensão dos resultados, dividiu-se a apresentação das

categorias nas quatro fases do ciclo vital, em relação às quais as características

específicas de cada fase foram agrupadas e discutidas. A análise desses resultados

foi feita sem perder de vista as perguntas que analisavam os contextos e as suas

variáveis, as estratégias de ação/interação, a fim de compreender o caráter

processual do fenômeno (DANTAS et al., 2009).

As fases são apresentadas com suas especificidades,em termos dos fatores

de risco e os de proteção centrais desses momentos. Em virtude de a grande

maioria das categorias serem comuns às várias fases, escolheu-se, aquelas que

apareceram mais vezes.

Para finalizar a discussão, são apresentadas as categorias de proteção que

se mantiveram ao longo de todo o ciclo vital, analisando-se os vários modos pelos

quais as categorias foram se entrelaçando em relação aos desafios encontrados

pelos casais e formas de enfrentamento utilizado para superá-los.

5.1 FASE DE AQUISIÇÃO Como o próprio nome diz, a fase de aquisição se caracteriza pelo momento

da vida do casalem que apresentam preocupações específicas, tal como aponta

Cerveny (1997, p. 50), sobre essas preocupações: [...] casais jovens, para a constituição de sua própria família, tem que se preocupar basicamente com a aquisição de bens materiais, com a construção de suas carreiras profissionais, com a aquisição da independência em relação às famílias de origem e com a construção de uma relação dual na qual sejam definidos papéis e funções de cada um dos cônjuges é um espaço inter-relacional, que satisfaça a ambos.

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73

Nesta pesquisa, a fase de aquisição foi composta pelos casais de número um

e oito, correspondendo aos tempos de união de dois e cinco anos, com idades de 24

a 35 anos, respectivamente, por caracterizarem:

[...] escolha do parceiro, a formação do novo casal, a chegada do primeiro filho (que transforma o jovem casal em uma família) e a vida com os filhos pequenos (CERVENY; BERTHOUD, 1997, p. 49). [...] podemos pensar que o jovem casal efetua mudanças significativas no desempenho de suas funções baseadas com questões de gênero. Notamos que as mulheres ingressam no universo que até então era do domínio masculino – o de provedor. De maneira complementar o homem entrou no universo feminino ocupando-se do lar e dos filhos (CERVENY; BERTHOUD, 1997, p. 191).

A seguir, será demonstrado, através do Quadro 1, as categorias de risco,

proteção,as estratégias de enfrentamento e suas subcategorias pertencentes à fase

de aquisição.

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Quadro1 - Distribuição das categorias e subcategorias na Fase de Aquisição

CATEGORIAS SUBCATEGORIAS SEGMENTOS ILUSTRATIVOS

FATORES

DE RISCO

PARA A

CONJUGALIDADE

1. Acúmulo de papéis para mulher Eu tenho amigas que já se separaram e voltaram para casa da mãe, porque não aguentaram tanta coisa. Filho, casa, trabalho, cozinha, estudo. (M8)

2. Dificuldades de adaptação entre os cônjuges em relação aos novos hábitos e costumes

Cada um pensa de um jeito. Isto é difícil alinhar no começo da relação. Aí a gente vai vendo pelo que compensa brigar no bom sentido ou não. Sabe aquela história de toalha molhada em cima da cama, que é coisa que todo homem faz. E as vezes não compensa o estrago que causa no dia da gente e eu preciso só concordar. (H8)

3. Separação/Saudade da família de origem

Sim, no nosso caso tudo isto que falamos mudança, saudade dos pais e também o fator financeiro. [...] Chegava fim de semana, a gente queria ver os pais, que era do que a gente sentia falta também, por conta da distância. (H1)

4. Dificuldades financeiras

Eu acho que a parte financeira é uma coisa que ajuda a gente a amadurecer bastante, a começar a fazer os nossos planos. [...] mas eu acho que a parte financeira é uma coisa que influencia bastante. Preocupa muito a gente, saber se vai conseguir pagar tudo. (M1)

FATORES

DE PROTEÇÃO

PARA A

CONJUGALIDADE

1. Amor e companheirismo entre o casal

Conviver, por mais que você ame que você goste de uma pessoa, é bastante complicado. Conviver com a parte humana da pessoa, com os defeitos, entender que ela ainda não conseguiu mudar e superar tudo isso. A convivência a dois tem que ser renovada a cada dia. (M1)

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FATORES

DE PROTEÇÃO

PARA A

CONJUGALIDADE

2. Ter objetivos comuns

Ficamos muito preocupados com tudo, mas como não temos filhos e não pretendemos tê-los, decidimos por ir os dois, e eu também aproveitar para estudar e quem sabe, trabalhar. Pedi as contas, pegamos nossas economias e fomos para (país X) (M8)

3. Saber conviver com as diferenças Eu acho que a coisa mais difícil de viver junto é combinar assim, as ideias dela com as minhas. Acostumar a ter como sua ideia, seu modo de ver uma ideia que é do outro. (H8)

ESTRATÉGIAS

DE

ENFRENTAMENTO

PARA A

CONJUGALIDADE

1. Adequação das expectativas ao casamento/conjugalidade

Como neste caso de filhos, se eu escolhi ela para viver tem que ser do jeito que ela pensa. Se não, não dá certo, não é? (H8)

2. Compartilhar tarefas domésticas e despesas

No começo, nos primeiros meses, ele queria me agradar, fazia tudo, chegava em casa a casa estava brilhando, tinha feito arroz, tudo. (M1)

3. Buscar o apoio e modelos das famílias de origem

O que me ajudou foi ver como meus pais viveram as coisas. Sempre juntos, unidos. Nunca vi eles atacando um ao outro, por mais difícil que fosse as situações de casa. Olha que não foram poucas. (M8)

4. Diálogo enquanto atitude de negociação

Nada que eu fiz para ela ou ela para mim. Ao contrário, foi tudo consequência da gente ter querido ficar junto e não se separar. Também o fato da gente conversar para tomar as decisões juntos, um não quer mandar no outro. (H8)

5. Espiritualidade enquanto crença A vida espiritual do casal é muito importante, se não primordial. Uma das coisas que eu fazia bastante questão é que nós tivéssemos uma igreja, um Deus, porque assim se podem superar as coisas mais facilmente. (M1)

* As categorias aqui expostas encontram-se também demonstradas graficamente no APÊNDICE III e IV

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5.1.1 CATEGORIAS DOS FATORES DE RISCO PARA A CONJUGALIDADE 5.1.1.1 Acúmulo de papéis para as mulheres

Dentre as categorias identificadas como centrais na fase de aquisição do

casamento estão o acúmulo de papéis para a mulher. Representa a busca de

conciliação da multiplicidade de tarefas que lhe são atribuídas culturalmente, com a

insurgência do casamento. Dentre elas está a administração de tarefas de casa, os

cuidados com os filhos e a execução das questões profissionais.

O acúmulo de papeis assume aqui a seguinte dimensão: “Quando os micros

sistemas profissional e familiar interagem mutuamente de forma a criar um

mesossistema trabalho-família, cujas relações, podem ser de conflito ou facilitação”

(HILL, 2005 apud SILVA, 2007, p. 26). Independentemente dos anos de união dos

casais abordados nesta pesquisa (2 a 60 anos), as participantes foram unânimes em

afirmar este ponto como o de maior risco para a conjugalidade. Foi interessante

notar que todas as mulheres (mesmo as idosas) vivenciaram esta dupla jornada;

portanto, este fenômeno esteve presente na vida destes casais, embora hoje o

número de mulheres que assume esta dupla jornada seja muito mais representativo

e o trabalho feminino tenha passado de realização pessoal para o que é necessário

ao atendimento das demandas (FERES-CARNEIRO, 2011). Assim, a questão é

mais ampla do que a divisão das tarefas entre o casal e se estende a uma série de

regras ditadas pelos contextos históricos e culturais sobre e como devem ser as

interações sexuais. Mesmo diante dos avanços relativos à participação dos homens

nos cuidados domésticos, ainda cabe às mulheres a responsabilidade pelos

afazeres do lar (JABLONSKI, 2007), o que, na prática, repercute em uma

sobrecarga a ser administrada por elas.

O jovem casal, no entanto, orientado por valores sociais que se apresentam

como ideais e sem modelos ou reais possibilidades de acumular e desempenhar

com eficiência todos esses diferentes papéis, muitas vezes, se desorienta.

Especialmente, a dificuldade de escolha dos papéis a serem desempenhados pode

refletir no relacionamento do casal, gerando conflitos que chegam a comprometer a

unidade familiar.

A história ajuda a compreender que,ao trabalhar fora de casa, as mulheres

tiveram que superar limites e administrar preconceitos, pois:

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[...] a extensão das atividades femininas fora do lar foi acompanhada de um florescimento de discursos que denunciavam seus malefícios. O trabalho das mulheres na fábrica é associado à licença sexual e a degenerescência da família, é considerada degradante, contrário à vocação natural da mulher. E que [...] na burguesia, o assalariamento causa horror como sinal de pobreza (PERROT, 2005, p. 206).

O que foi veiculado como uma representação social daquela sociedade foi: “A

indústria destrói a beleza e, sobretudo, a saúde da mulher e a desvia de sua função

essencial: a maternidade” (PERROT, 2005, p.178). Já ao homem era oferecido o

mundo público, as relações de trabalho e a rede social, afastando-o completamente

de qualquer compromisso com a família, exceto o de provedor financeiro (PARKER,

1991). Desde então, muitas foram as transformações e as dinâmicas, antes

claramente sociais, que se deslocaram para o interior da família.

A partir do século XVlll, com a primeira Revolução Industrial e o advento do

individualismo, o trabalho remunerado, e fora do lar, assumiu um modo de

subjetivação em torno do qual as pessoas se reúnem, fornecendo um sentido à

manutenção das relações na família, no social e com seus pares, sendo um

operador simbólico. Ofereceu um sentido, uma representação social compartilhada

nas subjetividades e repassada para as gerações seguintes. À medida que o

capitalismo crescia, a separação entre trabalho e ganho se fez presente, na medida

em que os ganhos poderiam agora advir somente do capital e não mais da produção

laboral (FERES-CARNEIRO, 2011).

Nesta perspectiva, muitas atividades tornaram-se inoperantes e o conceito e o

valor do trabalho também. Com o surgimento de máquinas e equipamentos que não

dependiam mais de força física, e sim do uso de tecnologias, essas passaram a ser

executadas pela mulher. Hoje, a participação da mulher no trabalho e seu salário

passaram a ser significativos à manutenção da sobrevivência familiar. A solicitação

da participação financeira da mulher nas despesas domésticas veio envolta nas

ideias de independência financeira, liberdade e realização pessoal. Soma-se a isso

o fato de que hoje o dinheiro passou a ter uma representação emocional importante

com possibilidades de determinar comportamentos (FERES-CARNEIRO, 2011). Um

exemplo disso é o trabalho fora de casa,antes visto como polêmico, no início do

século XX, passou a ter sua importância reconhecida na virada deste mesmo século

(BRUSCHINI, 1994; IBGE, 2000)

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Esses fatos, indiscutivelmente, estão presentes como crescimento pessoal,

porém, o que pouco se rememora é que o outro disparador deste fato tenha sido um

modo de vida, que inclui expectativas e demandas às quais só o trabalho do homem

não poderia mais suprir. Todas essas movimentações pessoais criaram na mulher,

em contrapartida, uma expectativa de que a recíproca seria verdadeira, ou seja, de

que aos homens caberia uma maior participação nas tarefas domésticas e na

educação dos filhos. Questão que assume a dimensão de risco nos casamentos,

dependendo da configuração atribuída pelas pessoas, constituindo-se um desafio

aos casais na atualidade. Neste quesito as pesquisas apontam que [...] esse descompasso gera a insatisfação das mulheres no quesito de cuidado com a casa, pois mesmo trabalhando o mesmo número ou mais que seus maridos são as mulheres as responsáveis pela maior parte das atividades domésticas. Fica para o casal a presença do ressentimento neste quesito, pois, o fato é que hoje ambos se sentem muito solicitados refletindo isto em menor satisfação com o casamento. As mulheres sentem que fazem mais que os maridos e estes com crenças antigas com relação a seus papéis, sentem que já estão dividindo de modo justo as tarefas (NARCISO; RIBEIRO, 2009, p.225).

As pesquisas com homens de classes trabalhadoras mostraram que esses,

percebendo a contribuição financeira da mulher na subsistência da casa, mudam de

postura e passam a ter maior participação nas tarefas do lar. Verifica-se, com isso,

que não existe uma concordância das posturas de homens e mulheres, mas sim

uma incoerência entre a prática e o discurso de ambos que, embora desejem uma

atitude igualitária, adota uma prática tradicional (NARCISO; RIBEIRO, 2009). Isso se

deve ao fato de que as mudanças econômicas, ao promoverem mudanças na cena

social, requisitam respostas imediatas, porém, o que é natural no ser humano é que

os valores e crenças mudam lentamente. Mesmo que o trabalho tenha trazido à

mulher ganhos relacionados à autoestima, na prática, sua dupla jornada reativa um

grande cansaço.

O que se espera dos pais modernos é que possam participar mais da vida

dos filhos e estejam envolvidos com todos os aspectos que lhes dizem respeito, e as

pressões sociais pesam para que os casais atribuam valores diferentes com relação

às responsabilidades atribuídas a cada um deles na conciliação trabalho-família

(NARCISO; RIBEIRO, 2009).

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Ainda sobre o trabalho da mulher fora de casa, Rocha Coutinho (2000), em

sua pesquisa,aponta que homens e mulheres consideram difícil que os homens

aceitem o salário ou o nível profissional de suas esposas superiores aos seus.

O acúmulo de papéis para a mulher e sua conciliação na conjugalidade é

expresso nas seguintes falas do casal um desta pesquisa:

[...] Eu não podia dar conta de tudo ao mesmo tempo e eu sou mulher, eu preciso de um tempo para mim, eu tenho que me cuidar, cuidar do meu cabelo, minha unhas, porque que horas eu iria fazer isso? Chegava no fim de semana eu tinha que ficar me matando, limpando casa (M1).

Eu tenho amigas que já se separaram e voltaram para casa da mãe, porque não aguentaram tanta coisa. Filho, casa, trabalho, cozinha, estudo. (M8)

Muitas mudanças se processam na relação conjugal com as múltiplas

demandas que acontecem nas várias fases do ciclo vital. Dentre as esperadas

ocorre que:

[...] ao longo do relacionamento do casal vai havendo uma diminuição das atividades conjugais que se devem a dois fatores. O primeiro devido a chegada e presença dos filhos na vida do casal e que não se restabelece mesmo com o crescimento destes. E o segundo fator a grande carga de trabalho, dos quais não sobram tempo e disposição física para as atividades sexuais (FERES-CARNEIRO, 2011, p. 50).

Portanto, o que se percebe é que o acúmulo de papéis traz implícita outra

subcategoria, o pouco tempo do casal para si, com o volume de responsabilidades

que o casamento impõe, o que é demonstrado na fala da participante do casal oito

também da fase de aquisição. É muito diferente, porque se o pai sai para trabalhar o filho não chora, mas a mãe é só lágrima. A noite para acordar se tiver doente. Enfim, a casa para arrumar, supermercado, é muita coisa na cabeça da mulher [...] Acho que ver isto também me assustou, porque acho que não suportaria ter que viver dia e noite correndo atrás de criança, como eu via minha mãe. Meu pai também sempre estava adoentado, e tudo dava um trabalho danado para minha mãe. (M8)

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Assim, as mulheres que decidem ficar em casa, integralmente, revelaram ter

dois grandes atrativos nesta opção, que eram: o ficar e cuidar pessoalmente dos

filhos e a autonomia para organizar o dia, diminuindo,com isto,os aspectos negativos

da escolha entre trabalho e filhos (NARCISO; RIBEIRO, 2009).

As dificuldades no início do casamento para conciliar as múltiplas tarefas,

mesmo nos casais mais velhos, existiram. O que se tornou diferente foram as

soluções encontradas. Para ilustrar, apresentamos um fragmento do casal de 60

anos de união, no qual comentam que havia um acúmulo, mesmo não se

trabalhando fora de casa. Esta participante só ingressou na profissão quando os

filhos ficaram adolescentes.

Fazíamos queijo. Eu grávida, fazia queijo, cozinhava inhame para dar para porco, cortava ração, apartava o gado. Eu ajudei muito no começo. [...] Embora ele fale isso, no começo eu morei nessa casa que era uma tapera, morei na fazenda, na sede da roça, uns cinco ou seis anos, eu compartilhava da vida dele sim. Fazíamos queijo (M5).

No casal de 35anos de união, havia a queixa de sobrecarga das tarefas

domésticas, além dos três filhos pequenos para cuidar.

Na vida de solteiro, vai, trabalha fora, chega em casa a comida está pronta, comida pronta, casou a responsabilidade vai tudo junto, chegar, ter que fazer comida correndo, trabalhar correndo, horário, porque ele trabalhava em banco. Eu tinha praticamente 1 hora para arrumar almoço, almoçar e voltar para o meu serviço sozinha. (M3)

Para muitas mulheres, a entrada dos filhos na fase da adolescência pode ser

a primeira oportunidade de trabalhar sem as restrições que enfrentam quando são

pequenos, pois desobriga as mães do cuidado materno. O tempo que lhes era

dedicado diminui consideravelmente e alivia a sobrecarga de trabalhos domésticos e

familiares por parte das mulheres (CARTER; MCGOLDRICK, 2001).

Em relação aos ganhos financeiros oriundos do trabalho da mulher, uma

pesquisa realizada no estado do Ceará aponta que nessa população de baixa renda,

a mulher que ganha mais que seu marido deve manter isto em segredo, afim de não

envergonhá-lo perante os colegas e os filhos (BUCHER MALUSCHKE, 2008).

Neste caso, os ganhos da mulher tiveram um viés de vergonha para o homem

e quase de pecado para a mulher. Portanto, as discussões dos dados de pesquisa

devem levar em consideração a região investigada.

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Além das questões de gênero, considera-se que o trabalho, ao oferecer

acesso aos bens de consumo, é um dos elementos mais importantes para o

direcionamento da identidade (DINIZ, 1993; AMMANN, 1997).

Perlin e Diniz (2005) apontam que para os casais contemporâneos, a

satisfação conjugal tão desejada passa, necessariamente, pela questão de conciliar

o trabalho e o casamento por eles; , porém o que precisa mesmo ser repensado é a

mudança da função e do significado dos casamentos na atualidade. Com os

avanços em termos de legislação, assegurando direitos pela união estável e tantas

outras formas pelas quais a conjugalidade e por meio das quais há a garantia da

filiação, resta mesmo repensar a função desses casamentos cada vez mais

reconhecidos como um espaço de desenvolvimento humano e realização em suas

mais variadas formas.

Embora quase todas as mulheres desta pesquisa tenham trabalhado ou

trabalhem fora, o lugar ocupado pelo trabalho na vida delas é muito diferente (entre

as que compõem a fase última e madura e das duas fases mais jovens). Nas duas

primeiras fases, ele aparece ligado à realização pessoal e a uma colaboração com

as despesas, mas que, com a chegada do primeiro filho, sem muita angústia, ele é

abandonado.

Eu parei de trabalhar para assumir minha gravidez. Saí do serviço e não trabalhei mais. E não me arrependo, não (M3).

Para as mulheres atuais, pertencentes às fases “adolescente” e de

“aquisição”, ele assume um caráter de prioridade pelas mudanças estabelecidas na

contemporaneidade e por caracterizar a fase de aquisição como o momento de

construção das demandas materiais. Para os casais na fase de aquisição por eles,

chegou-se ao ponto de inviabilizar a maternidade para um e postergá-la para o

outro;o que tem se mostrado uma forte tendência dos casais na atualidade (IBGE,

2010).

O fato de a maternidade ocorrer no corpo feminino e ainda caber à mulher a

grande maioria dos cuidados com o bebê faz com que a chegada do filho seja uma

questão que impacta os casais. Ao se tornarem mães, as mulheres experimentam

uma ruptura com o profissional, uma demanda inexistente para os homens. Para

eles,não entra em cena o fato de ter que escolher entre profissão e paternidade.

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Esta é uma questão das mulheres, que envolve a negociação constante dos papéis,

com base no que pode ser considerado bom para todos.

Araújo e Scalon (2005) trazem outra vertente desta questão, o fato de tanto

mulheres como homens temerem o impacto da falta da presença materna para os

filhos, principalmente dos pequenos, pela ideia da ausência ou da diminuição do

tempo dedicado aos filhos. A maternidade, como base identitária da mulher, produz

uma quebra na identidade da mulher trabalhadora. Para os homens, a identidade da

mulher está associada a valores tradicionais, na medida em que suas respostas

seguem valorizando mais os papéis de esposa e mãe, formando isto a base que irá

mediar suas ações e expectativas na conjugalidade.

Observam-se, com isso, as várias fissuras que essas visões trazem para a

conjugalidade, pois, de um lado, os contextos pressionam o casal em direção à

aquisição de bens e construção de um lugar ao sol, que se constrói com grandes

investimentos de tempo nas profissões. Com o nascimento dos filhos, essas

demandas só aumentam, visto que os participantes da negociação também

aumentaram. Os pais sentem-se, cada vez mais, com dificuldades de estabelecer

limites aos filhos, pela vivência de culpas que este processo reativa. Por isso, faz-se

importante considerar que:

Os choques de gênero nos casamentos modernos são mais um processo de evolução na medida em que ambos, marido e mulher fazendo um esforço para encontrar novas formas de se relacionar, em resposta à revolução de gênero e não têm um mapa de estradas para fazê-lo (NARCISO; RIBEIRO, 2009, p.212).

Assim, mais importante do que encontrar uma solução que dê conta de tudo é

considerar o movimento de busca e vontade de acertar que existe nos casais. O

olhar dos cuidadores de casais e famílias, mais que encontrar culpados ou

responsáveis, deve percebê-los como submetidos a demandas e processos que

transcendem às suas simples vontades de acertar.

Ao desenvolver um modelo que analisa as diferenças nos intergrupos sobre

as diferenças sexuais, Deschamps (1982) discute o que chama de

[...] universo simbólico comum de valores que serve de referencia a posição relativa de todos os grupos ao dizer que: a identidade social dos dominantes será definida em termos de sujeitos e a dos dominados em termos de

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objetos. Os primeiros não se vêem a si próprios como determinados pelo seu grupo de pertença ou pela sua filiação social. Vêem-se [...] como sujeitos livres a autônomos [...] o caso dos dominados que são definidos como elementos indiferenciados de uma coleção de partículas impessoais (DESCHAMPS, 1982 apud NARCISO; RIBEIRO, 2009, p.174).

Nesse sentido, embora os grupos ditos dominantes não se vejam submetidos,

também o estão, pois precisam reconhecer que toda filiação é paradoxalmente uma

liberdade e uma prisão, que viabiliza a possibilidade de transformação, mas indica

também o movimento de desenvolvimento dos casais e das famílias de

pertencimento versus autonomia, de conjugalidades versus individualidades, pois,

somente quando se dispõe a ver os fatos de vários ângulos é que será possível

efetuar uma escolha e um posicionamento de acordo com a realidade.

Uma contradição desta fase inicial foi o fato de os casais se casarem para

ficar juntos e não terem tempo para estar a dois. Esta subcategoria que aparece

como queixa pode assumir a dimensão de risco, já que diante das demandas de

provisão e solicitação do mundo moderno muitos foram os bens que o jovem casal

precisou adquirir para viver “bem”. Tanto é real que o casal um se preocupou em

comprar a casa própria para se livrar do aluguel e, para tal, por duas vezes adiou a

lua de mel para arcar com as despesas financeiras e questões do trabalho. Isto

demonstra o impacto da realidade do casamento na atualidade para a vida a dois.

Eu trabalhava na (cidade x). Ela entrava no serviço dez e meio da manhã, a gente só se via de manhã, eu entrava no serviço às duas da tarde, chegava dez e meia, os dois cansados, dormia. Estava muito corrido pra gente (H1).

5.1.1.2 Dificuldades de adaptação entre os cônjuges em relação aos novos hábitos e costumes

Outra subcategoria que se apresentou como importante nesta fase foram as

dificuldades no processo de adaptação à conjugalidade no casamento. Nesta fase,

ocorre o reconhecimento de si e do outro, agora sob a égide da nova configuração

da convivência a dois, como nos apontam as falas dos casais:

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O relacionamento, entender um ao outro, porque eu tenho os meus defeitos, ela tem os dela. Tem horas que você tem que ficar quieto e aprender. Não vou poder ficar retrucando, porque é a dois, se for para ficar retrucando sempre, não vai dar certo. Tem que ficar quieto, deixar, acalmar e depois chegar e conversar (H1)

A maior dificuldade é em relação a você aprender a conviver com outra pessoa. [...] Conviver, por mais que você ame que você goste de uma pessoa, é bastante complicado (M1).

Cada um pensa de um jeito. Isto é difícil alinhar no começo da relação. Aí a gente vai vendo pelo que compensa brigar no bom sentido ou não. Sabe aquela história de toalha molhada em cima da cama, que é coisa que todo homem faz. E as vezes não compensa o estrago que causa no dia da gente e eu preciso só concordar (H8).

[...] ao mesmo tempo em que nós nos damos muito bem, nós batemos muito de frente. Muitas vezes por coisa muito boba, mas porque um quer persuadir o outro com a idéia que tem. Isso é uma coisa que nós ainda estamos trabalhando para melhorar (M1). É uma coisa que a gente ainda discute por isso, porque têm coisas que eu não entendo ela e vice-versa. Por exemplo, atrapalha bastante a gente achar que sempre tem razão. E ser cabeça dura (H1).

Os casais que apresentaram dificuldades no processo de adaptação deixam

entrever processos mais ligados a construção das subjetividades e à formação desta

nova identidade a dois.

Sobre isso, Cerveny e Berthoud (1997) pontuam que muitas são as mudanças

que os jovens casais têm que executar com relação à troca de desempenho das

tarefas específicas de gênero que agora estão se mesclando.

No começo, nos primeiros meses, ele queria me agradar, fazia tudo, chegava em casa a casa estava brilhando, tinha feito arroz, tudo. Depois começa a cair no comodismo, teve uma época que eu falei para ele: Nossa, eu vou surtar, se você não me ajudar. Então eu falei: ou você me ajuda, ou se não vai ter que me internar, porque eu vou surtar (M1).

Esses relatos deixam entrever que não existe ainda uma total consciência do

cônjuge homem em relação ao seu papel nas atividades domésticas, vistas como

uma ajuda, uma função da esposa.

De acordo com o discurso midiático, alguns comportamentos são esperados a

partir da formação de um novo casal, mas, na medida em que não

acontecem,trazem dificuldades aos casais na atualidade. O que se colocou como

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questão central da fase de aquisição de busca na construção de um sonho foi o

deparar-se com a realidade das dificuldades financeiras, separação da família de

origem (saudades) e administração de múltiplas tarefas, apontando para o fato de

que “tornar-se um casal é uma das tarefas mais complexas e difíceis do ciclo de vida

familiar” (MCGOLDRICK; CARTER, 1995, p. 184), e que

[...] muito mais do que no passado, os jovens casais vivem um sério conflito entre o discurso moderno e um desejo romântico absolutamente não abandonado subjetivamente. Se por um lado, os valores modernos tão cantados em versos e prosas são aceitos no nível do discurso, subjetiva e inconscientemente, os valores desejados e os possíveis são muitas vezes antagônicos (CERVENY; BERTHOUD, 1997, p. 55).

Sem dúvida, este foi um dos desafios da fase de aquisição, ou seja, a

validação do sonho de que “foram felizes para sempre” das histórias infantis dá

espaço à convivência com os parceiros e realidades possíveis a cada um. Assim,

pensar como está subcategoria de risco dificuldade de adaptação entre os cônjuges

em relação aos novos hábitos e costumes é fundamental, porque traz consigo

mudanças de status, tarefas, ocupações, mas também possibilidade para um re-

casamento diário e contínuo com o outro, como ele é e não como sonhado ou

desejado.

5.1.1.3 Separação e saudade da família de origem

Esta categoria se mostrou presente na fase de aquisição para um dos casais

como questão de grande impacto, como aponta o fragmento.

Estava muito corrido pra gente. Chegava fim de semana, a gente queria ver os pais, que era do que a gente sentia falta também, por conta da distância (H1). Foi bem complicado, porque fim de semana, quando a gente podia, íamos ficar com a família (M1).

O casal, apesar de sofrer com a separação e a saudade, consegue perceber

e administrar as influências que as famílias de origem têm sobre eles, no que

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serefere ao estabelecimento dos limites. Nesse caso, o jovem casal buscou no

amor/união e no diálogo um consenso para conseguir realizar o que seriam suas

próprias vontades e não a dos familiares, como é possível perceber a seguir:

A outra parte da história é que a influencia dos pais é positiva, mas nós temos que, muitas vezes, nos policiar pra não deixar com que os pais façam o que eles queriam fazer na nossa vida. Não que nós não vamos escutá-los, mas muitas vezes temos que colocar um limite. [...]. Começou todo mundo dar opinião da nossa vida. A gente teve que falar: para, tudo bem, vocês já deram opinião, agradeço, mas é a nossa casa (M1).

Para superar o desafio de lidar com a influência da família de origem, o casal

teve que fortalecer seu núcleo familiar, atuando na construção das expectativas e na

forma como os indivíduos se relacionam com o casal. Sobre isso, Carter e

McGoldrick (1995) apontam que os mitos e as atitudes sobre família e casamento

são passados de geração para geração e Menezes e Lopes (2007) investigaram o

grau de influência que os modelos parentais têm e confirmaram a presença desses

no modo de viver a conjugalidade.

Nesta pesquisa, o casal um viveu o casamento/conjugalidade como um

processo de sofrimento em relação à família de origem e que culminou com a

mudança desses para a casa dos pais de M1, a fim de administrarem os excessos

de tarefa se o estresse vivido pelo casal no início de sua conjugalidade, como

expressam:

E não estávamos acostumados à vida a dois e também porque em decorrência do trabalho, dois meses antes de casar, ficamos sabendo que teríamos que mudar de cidade. Tivemos que ir para (cidade x). Tínhamos acabado de comprar uma casa, tivemos que colocar para alugar, fomos morar longe da família, dos amigos, sem conhecer ninguém na (cidade x). Eu, durante praticamente um ano e meio, passei muito sozinha lá em (cidade x), porque o horário que ele trabalhava era meio ruim, ele trabalhava das duas da tarde às dez e meia da noite. [...] Sim, no nosso caso tudo isto que falamos mudança, saudade dos pais e também o fator financeiro (M1).

O casal oito, com cinco anos de união, também teve, no retorno para a casa

dos pais de M5, a solução para administrar, temporariamente, suas dificuldades

financeiras, mostrando que a questão da corresidência vem se tornando uma prática

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comum a que aos casais recorrem a ela em momentos de dificuldades, sendo a

família o maior apoio com que contam em suas conjugalidades.

Em relação à saudade e à separação, o casal um relata ter sido a primeira

vez que se separavam de seus pais. Outro item importante foi a questão da

diferença de idade entre os casais(casal um com 24 (M) e 30(H) anos e o casal oito

com 33(M) e 38 (H)), ou seja, pode-se pensar que as experiências vividas, assim

como os anos, são fatores que contribuem para o processo de amadurecimento e

que podem contribuir para a resiliência na conjugalidade. Assim, o que foi solução

para o casal “um”, voltar a morar com a família de origem, foi vivenciado de modo

mais problemático pelo casal oito, mostrando claramente que os fatos precisam ser

analisados dentro de seus contextos, pois só assim serão significados. Um mesmo

fato, dependendo do momento em que ocorre e da interpretação dada a ele pelos

casais, pode ser vivido como fator de risco ou proteção. Sobre isso, clarifica

Bronfenbrenner (1996) que as características cientificamente relevantes de qualquer

meio ambiente incluem não apenas suas propriedades objetivas, como também a

maneira pela qual essas propriedades são percebidas pela pessoa naquele meio

ambiente.

5.1.1.4 Dificuldades financeiras/ Perda do Emprego

Considera-se aqui a definição de dificuldades financeiras como sendo o

momento em que o dinheiro disponível não é suficiente para cobrir as despesas

(KAYO; FAMÁ, 2010).

Esta foi a subcategoria presente nas fases de Aquisição e Adolescente e

lembrada pelos casais das fases Madura e Última sobre o início de suas

conjugalidades. Constata-se que as questões de ordem financeira há muito são um

desafio para os casais e podem se tornar um risco para a conjugalidade.

Na atualidade, essa questão está diretamente associada a outras categorias,

como o acúmulo de papéis para a mulher; o pouco tempo dos casais para si e a

opção por não ter filhos. Constituir e gerir financeiramente uma família são tarefas

difíceis e que impõem ao jovem casal muitos sacrifícios. Santana et al. (2008)em

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pesquisa com casais sobre os motivos da separação, afirmou que as dificuldades

financeiras estão entre os fatores que mais prejudicam a conjugalidade,tendo em

vista o lugar de destaque do dinheiro na sociedade moderna. Representa sucesso e

influência na autoestima dos casais, podendo, ainda, representar poder na relação

do casal, usado muitas vezes para controlar o(a) parceiro(a). Também Carter e MC

Goldrick(1995) apontam a questão econômica como um problema na medida em

que interfere no ajustamento conjugal.

O casal oito (5 anos de união) fala sobre o que sentiam ao ficarem

dependentes financeiramente, após o desemprego e voltarem ao pais.

Para mim, como homem foi muito difícil ficar totalmente dependente dos outros. De vez em quando eu ia para a casa dos meus pais. Ficava lá um mês para aliviar as coisas. Porque ela é filha, tudo bem, mas eu...(H8). Ficamos duros e então viemos morar na casa dos meus pais na cidade (X). O (referindo-se ao companheiro) ficou nervoso, quase não saia do quarto para nada, era só internet e mandando currículo. (M8)

Em relação à perda de emprego, a literatura aponta que seu significado

depende da equação entre os fatores de risco e de proteção capazes de minimizar

estes impactos, viabilizando ações resilientes. Nesta pesquisa, o casal um, em

função do trabalho, abdicou da lua de mel, viveu situações de solidão e separação

das famílias, lançando mão do diálogo nas situações que se apresentaram. Já o

casal oito viveu o desemprego como vergonha e dependência, se ausentando do

contexto como estratégia perante esta situação.

Parece seguro afirmar que grupos diferentes de indivíduos sofrem o impacto do desemprego, o avaliam subjetivamente, e se adaptam a ele de formas distintas, dependendo de condições particulares significativamente variadas e complexas. Obviamente, a perda de emprego pode gerar muitas conseqüências no indivíduo. O efeito da perda de emprego para o indivíduo é função de sua circunstância particular,[...] especialmente do significado que cada indivíduo atribuía ao emprego que perdeu (ENRIQUEZ, 1999, p. 2,3).

Novamente, vemos que o resultado da vivência será uma somatória dinâmica

entre fatores internos, familiares e sociais. Na contemporaneidade a identidade está

quase sempre atrelada à profissão exercida e à independência financeira, como os

vários contextos interagem para produzir uma resposta a este risco.

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Ainda atrelada à questão financeira, outra subcategoria que se apresentou foi

a renúncia, na medida em que os casais tiveram que abrir mão de muitos desejos

para dar conta de seus projetos. Para exemplificar, o casal um aponta várias renúncias realizadas para

poderem conseguir pagar as contas do casamento e adquirir bens a que haviam se

proposto.

Enfim, não sabíamos disso e tivemos que cancelar nossa lua de mel e pegar o dinheiro para pagar a documentação da casa. Então, assim, nós estávamos muito perdidos com tudo e muitas vezes éramos inseguros. (M1)

5.1.2 CATEGORIAS DOS FATORES DE PROTEÇÃO PARA A CONJUGALIDADE

5.1.2.1 Amor e companheirismo entre casal

Em todas as fases, o amor e a união dos casais foram apontados como

fatores que diminuíram as desavenças e também possibilitaram uma postura

conciliadora da parte dos casais. Vivências que permitem a privacidade, a

solidariedade e o respeito às diferenças também foram considerados fundamentais

para negociar ou administrar as divergências (FERES-CARNEIRO, 2011).

Na nossa sociedade, o que promove a conjugalidade é a união por amor, e

este é, segundo Calligari (2004), o mais intenso vínculo entre as pessoas. Este

vínculo amoroso possibilita o surgimento de proteção da vida à construção do casal,

e, posteriormente, da família e dos grupos. Por isso, a vida conjugal em que os

vínculos amorosos não se façam presentes, geralmente carece de significados e

sentido, conduzindo ao esvaziamento.

As mudanças vividas com a chegada desses sentimentos é representada pela

fala de M1:

Você já começa a se preocupar com coisas mais importantes e começa a achar isso infantil, certas atitudes. Tem certas coisas que agente não se importa mais [...] “Eu acho que isso é uma coisa positiva da vida a dois, você começa a conviver com a pessoa, você vai descobrindo aos poucos(M1).

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A conjugalidade, como todos os demais fatores da vida humana, tem sido

impactada pelos excessos de individualismo peculiares à contemporaneidade e o

amor romântico se fortaleceu, direcionando as relações, enquanto a família se torna

cada vez mais nuclear, em razão da dialética da individualidade x conjugalidade,

onde se estabelece o amor romântico. Porém, a construção de novos modos de

compor esta dialética requer tempo; não é o tempo do “para sempre”, mas, sim, o

tempo presente que se compõe de tempo passado, para construir um tempo futuro

(SOLOMON, 1990).

Isso instaurou um grande viés da modernidade, porque as lutas, antes

direcionadas a instituições, regras familiares e normas sociais, sofreram

deslocamentos para o interior do sujeito, que agora é livre para efetuar escolhas e,

portanto, para assumi-las também. À medida que a modernidade solicita ao homem

uma única coisa – a felicidade – coloca-o na total responsabilidade por sua vida,

inaugura e convida todos para dançarem o baile da vida com um ritmo jamais

apreendido pelas gerações anteriores. O desejo da partilha existe enquanto

necessidade de desenvolvimento humano e memória de uma subjetividade

estabelecida a partir de outra pessoa (CORSO; CORSO, 2005).

Diante dessa dialética, os autores pontuam que “é preciso ter cada vez mais

confiança em si, à medida que se desenvolve um amor partilhado, já que dois seres

só se tornam um quando se mantêm dois” (ANDREAS-SALOMÉ, 1990, apud

NARCISO; RIBEIRO, 2009, p.104).

O amor romântico, descrito por Berscheid (2010), também denominado por

Paixão, Eros, é definido como uma ligação afetiva entre duas pessoas e se faz

representar através do cuidado mútuo e do componente sexual, expresso em paixão

e desejo. Diante dessas vivências, o simples olhar ou o toque entre o casal pode

desencadear a liberação de endorfinas, que, por complexos caminhos, se espalham

por todo o corpo como opiácios naturais, eliminando a dor e oferecendo prazer.

Produzem alterações no batimento cardíaco, na respiração e transpiração e no bem-

estar físico dos amantes. Com esses atributos do amor romântico, ficam claros os

picos de emocionalidade prazerosa, que correspondem ao sentimento de amor

romântico por sua ligação com o desejo, a sensualidade, a excitação e o aumento

de ativação fisiológica, sendo esses marcadores experienciais decorrentes de sua

ligação com a surpresa, a incerteza e o medo. Entretanto, sempre está presente,

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também, a sensação de ameaça, de ruptura da relação e de acontecimentos

interruptivos do amor, o que a torna tão profundamente experienciada (DUARTE,

2012).

5.1.2.2 Ter objetivos comuns

Dentro dos impactos que o mundo moderno impõe às conjugalidades, um

deles é a difícil tarefa de conciliarem seus sonhos. Veja-se o caso do casal oito,

exemplificado pela fala de M8, que abriu mão de seu trabalho para seguir H8 ao

exterior. Caso contrário, o jovem casal teria que ficar morando em países diferentes

por um longo período de tempo, situação difícil de ser administrada. Viverem

separados em função dos sonhos de cada um ou mesmo por necessidades de

sobrevivência é um grande fenômeno do mundo pós-moderno, com o fim do

trabalho fixo e garantido, interpondo novos fatores de risco para os casais.

O casal oito buscou administrar a situação na medida em que se mantiveram

juntos e enfrentaram as dificuldades advindas do desemprego, sem fazer um uso

destrutivo disso para a relação. Através do apoio familiar, da paciência, do diálogo e

das decisões assumidas pela dupla, enfrentaram a realidade de modo a se

fortalecerem.

Porque logo que a gente foi viver junto apareceu uma oportunidade para ele ir para fora do país para expandir a empresa (X) e se aperfeiçoar na engenharia (M8). Aí ficou a questão se só eu pedia demissão deste trabalho para ir, se ela ficava e eu ia. Se ela também deixaria o trabalho para ir (H8).

Outra experiência de sonhos compartilhados foi a do casal um, em que M1,

para dar apoio a H1, decide realizar o mesmo curso superior, a fim de motivá-lo e,

com isto, também realiza um antigo sonho seu.

Decidimos estudar engenharia. Para mim porque eu trabalho em fábrica e para ela também, porque no banco ajuda muito. [...] porque eu estou há uns 10 anos parado, só trabalhando e para eu voltar, engenharia é muito cálculo e ela tem uma facilidade enorme em cálculo, então eu comecei a incentivá-la para ver se ela entrava junto comigo, para poder me ajudar, me incentivar também. Só que depois que nós entramos, eu vi que não é um bicho de sete cabeças (H1).

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Observa-se aqui, que o que permitiu ao casal superar os desafios foi a

verificação de sonhos em comum e, apesar das diferenças, foi possível olhar para

as convergências.

5.1.2.3Saber conviver com as diferenças

Administrar as diferenças foi uma subcategoria manifestada por todos os

casais. Alguns a trouxeram como fator de crescimento e amadurecimento, outros

como fator de risco. De um modo geral, teve no processo do ciclo vital um impacto

maior no início das conjugalidades como grande fonte de insatisfação, pois é o

momento em que as individualidades se fazem mais presentes. Assim, com o passar

dos anos e a convivência, essas diferenças podem fazer movimento decrescente,

mas pode ser que alguns pontos sigam como divergentes e outros até se acentuem

nos casais.

A possibilidade de pensar e sentir de modo diferente sobre as experiências da

vida e poder expressar essa diferença é um dos sinais de saúde das relações

conjugais, uma fonte de enriquecimento para o casal. Assim, a existência de

conflitos não é ruim para a relação, desde que a possibilidade de resolução

contenha também afetos positivos, carregados de humor, acordo, aceitação e uma

escuta ativa(NARCISO; RIBEIRO, 2009).

Os casais trazem a dificuldade na administração dessas diferenças de vários

modos:

[...] A maior dificuldade é em relação a você aprender a conviver com outra pessoa (M1). [...] Não vou poder ficar retrucando, porque é a dois, se for para ficar retrucando sempre, não vai dar certo. Tem que ficar quieto, deixar, acalmar e depois chegar e conversar (H1).

Todas as possibilidades cognitivas, como o raciocínio, a memória, as

percepções e as emoções associadas a um controle relacional vêm sendo

apontados nas pesquisas como variáveis que podem contribuir para a organização

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da conjugalidade. As primeiras porque permitem melhores conexões entre passado,

presente e futuro como também maior percepção entre suas causalidades e as

emoções, ao estabelecerem níveis de dependência moderados, permitindo assim o

surgimento das individualidades necessárias ao estabelecimento de uma boa

relação. Viabilizam ao casal um melhor modo de lidar com os conflitos advindos do

dia a dia, sendo esse um meio importante para se medir o bem-estar conjugal

(NARCISO; RIBEIRO, 2009). Os casais dessa pesquisa expressam o uso que fazem

de estratégias, como a adequação das expectativas às realidades trazidas com o

casamento, compartilhando de modo mais igualitário tarefas domésticas e despesas,

buscando apoio nas famílias de origem, dialogando e acreditando em uma força

cuidadora maior como alavancas, que se processaram através de múltiplas e

contínuas ações, que permitiram melhorar a administração das diferenças, o

amadurecimento e o fortalecimento da conjugalidade.

Eu acho que a coisa mais difícil de viver junto é combinar assim, as ideias dela com as minhas. Acostumar a ter como sua ideia, seu modo de ver uma ideia que é do outro (H8).

Em um mundo repleto de instabilidade, é necessário que, nas relações de

intimidade, a estabilidade se faça presente e, mais que manifestações de medos,

possam os casais se relacionar afetivamente e demonstrar seu amor. As

construções afetivas precisam de tempo e a liquidez das relações modernas não

permite que os casais consigam, minimamente, sair das múltiplas influências da

modernidade para poder se ouvir melhor.

Outra estratégia para construir a tolerância em relação às diferenças é se

concentrar nas formas pelas quais essas diferenças se complementam e as

apresentar como parte daquilo que faz com que a relação funcione. A estabilidade

de um dos parceiros pode equilibrar a atitude aventureira do outro. “[...] As

diferenças podem se tornar um aspecto positivo na relação de um casal, algo de que

os parceiros se orgulhem, em vez de considerarem uma ameaça destrutiva”

(BARLOW, 2008, p. 673).

No processo da administração das diferenças, muitas vezes, ocorrem entre os

casais o estresse que podemos conceituar de duas formas: 1) estresse

experimentado por um parceiro e que afeta o outro e a relação indiretamente; 2)

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estresse experimentado diretamente na relação conjugal (BOLDENMANN et al.,

2005). Ou seja, no primeiro caso as problemáticas se concentram mais no nível

pessoal, embora afete a dupla e, no segundo caso, ele já expressa uma questão do

relacionamento em si. O aspecto mais importante a ser considerado é que o modo

como os casais administram suas diferenças, envolvendo graus distintos de

estresse, está diretamente ligado à influência que as famílias de origem têm na

construção de expectativas e na forma pela qual os indivíduos se relacionam como

casal. A análise e a ajuda oferecida aos casais em suas dinâmicas relacionais não

podem ficar restritas a um olhar simplista dos comportamentos em si, mas requer

olhares mais amplos, envolvendo vários contextos e níveis de interações

(BOLDEMAN et al. 2005).

Assim, dentre os elementos que auxiliam à conjugalidade, como apontado na

fase de aquisição, o amadurecimento, foi comum a todas as fases, produzido pelo

tempo e, como consequência do enfrentamento, tornando-se um fator de proteção

para as próximas vivências. Podendo ser entendido como parte de um processo de

resiliência que permitiu uma vivência mais próxima da realidade, por meio do qual os

casais puderam abrir mão do amor romântico para viverem a construção de um

amor possível. O amadurecimento pode ser, ao mesmo tempo, fruto de um processo

que se dá de modo gradual na trama das relações.

O casal de dois anos de união trouxe o amadurecimento como fruto das

primeiras experiências que tiveram em relação a viver longe das famílias de origem.

Na medida em que puderam enfrentar, juntos, as dificuldades, organizaram seus

recursos e formularam estratégias de enfrentamento que os fortaleceram para os

novos desafios da vida, podendo, com isso, verificar que o processo da resiliência se

constituiu de modo dinâmico e interativo.

Mas foi bom que a gente amadureceu. Essa vida a dois, se morasse na cidade dos pais, tinha a casa dos pais, então qualquer coisa já ia para a casa do pai, da mãe. Lá tudo nós enfrentamos juntos. Esse foi o lado bom, passar os dois juntos, dificuldades juntos, brigas juntos (M1).

Já no casal oito, de cinco anos de união, o amadurecimento consequência

dos enfrentamentos apareceu ligado mais às dificuldades econômicas,requerendo

grande investimento na carreira profissional para responder aos padrões

econômicos desejados. Ao afirmar que:

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Nem acho que as dificuldades financeiras que passamos foram só ruins, serviram para amadurecer e pensar bem antes de tomar uma decisão (H8).

Assim, não por acaso aqui esta categoria apareceu relacionada às duas

categorias de maior risco na fase de aquisição - as dificuldades econômicas e a

separação das famílias de origem. Pois, constituir um novo casal requer dos

parceiros, fundamentalmente, a possibilidade de se separarem das famílias de

origem e, para tal, necessitam de independência financeira que viabilize ao casal se

ver e ser visto pelos outros com recursos e capacidades de autossustentação.

5.1.3 ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO PARA A CONJUGALIDADE

5.1.3.1 Adequação das expectativas às realidades do casamento

Segundo o Dicionário On-line da Língua Portuguesa (2009), expectativa é

definida como “[...] condição de quem espera pela ocorrência de alguma coisa;

perspectiva; estado de quem espera algum acontecimento, baseando-se em

probabilidades ou na possível efetivação deste”.

São as expectativas que “[...] permitem aos indivíduos compreender, prever e

controlar os acontecimentos, e tomar decisões que levem a resultados favoráveis”

ou “desfavoráveis dependendo das próprias expectativas” (NARCISO; RIBEIRO,

2009, p.87).

Outro fator que é preponderante na conjugalidade são as atribuições que

criam expectativas sobre a realidade, muitas vezes percebida de modo distorcido,

tanto no que se refere aos próprios fatos como em relação a suas causas

(NARCISO; RIBEIRO, 2009). Assim também o são as percepções e interpretações

para com os fatos conjugais e o comportamento dos pares que se tornam veículo de

insatisfação, na medida em que distorcem a realidade ou quando essa é realmente

insatisfatória.

Dentre as questões que atravessam a conjugalidade, sem dúvida, um dos

pontos centrais são as expectativas, visto que sobre a conjugalidade pesa a tarefa

de garantir a felicidade dos envolvidos. Portanto, são diretamente ligadas à

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satisfação conjugal, pois as vivências ruins no casamento e as impossibilidades de

solução dos problemas colaboram para uma percepção de que, muitas vezes, não

vale a pena buscar ajuda ou alternativas de melhoria.

As expectativas depositadas no casamento/conjugalidade têm um papel

importante, tanto no momento da escolha do futuro cônjuge, quanto no

estabelecimento da relação conjugal propriamente dita, contribuindo, em nossa

cultura, para uma visão romântica do casamento, “considerado como meio de

libertação e de felicidade total. O indivíduo idealiza que o outro será o responsável

pela realização de seus desejos e pela compensação de suas carências”

(MENEZES; LOPES, 2007).

Importa rever as próprias expectativas,normalmente ligadas às crenças que

cada um traz para a construção da conjugalidade, usadas para balizar os fatores de

risco e proteção presentes nos microcontextos, e adequá-las à realidade, pois o

importante, ao encerrar uma fase e iniciar outra, é verificar que “o casal necessita,

ter condições de suportar o estresse inerente a cada fase, de forma que reste

sempre um ‘quantum’ de energia para reinventar na relação, mantendo o desejo

mútuo de conservar o vínculo” (SATTLER, 1999, p.45).

Dentre as muitas expectativas da conjugalidade está a maternidade e Oliveira

(2007) aponta que postergar a maternidade para a mulher, na atualidade, não

desvaloriza o ser mãe, mas sim,evidencia a busca, primeiramente,pela

independência econômica.

A gente tinha combinado de curtir o casamento primeiro. [...] O homem não tem tanto problema em relação à idade, ele tem 30 anos ainda e eu com 24, acredito que eu ainda posso esperar um tempo. Para mulher o primeiro filho até uns 30 anos, eu acho uma idade aceitável, não que eu vá ter com 30, mas pode esperar um pouco (M1).

Aqui aparece a postergação da maternidade e a necessidade de maior

qualificação, como a expansão da escolaridade, ficando a decisão do momento da

gravidez para a mulher. Rowe (2010) aponta que, quanto maior a consciência das

suas múltiplas tarefas, mais a mulher escolhe esperar o momento propício para a

maternidade, ratificando que, frente a todas essas conquistas, a mulher modificou

também seu modo de pensar e agir.

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De todos os avanços sociais que seguiram em decorrência dos movimentos

feministas e da evolução da ciência, ter escolha diante da maternidade foi uma das

possibilidades mais significativas. Sobre esse aspecto, muitos progressos

aconteceram e, paralelamente, os níveis de exigência para o mercado de trabalho

aumentaram para todos, o que fez com que o salário da mulher se tornasse

fundamental à sobrevivência familiar (ROWE, 2010).

Ao falar das dificuldades econômicas, o casal oito narra que a ausência dos

filhos funciona como fator de liberdade para algumas decisões do casal.

Ficamos muito preocupados com tudo, mas como não temos filhos e não pretendemos tê-los, decidimos por ir os dois, e eu também aproveitar para estudar e quem sabe, trabalhar (M8).

Em seguida esclarece que a opção por não ter filhos está mais relacionada à

expectativa que tem de qualidade de vida para oferecer aos filhos, muito embora

muitos casais realmente façam a escolha por uma vida sem filhos, buscando para si

outras fontes de satisfação e realização pessoal.

Se é para viver uma vida de muitos sacrifícios, eu prefiro não ter. Acho que não suportaria vê-los sofrendo por uma condição que eu não posso dar [...]. Pode até ser que um dia eu mude de ideia. Se a nossa condição melhorar, mas hoje não dá não (M8).

Os dados do IBGE (2010) que sintetizam indicadores sociais sobre a mulher

citam diminuição da fecundidade, maior participação no mercado de trabalho,

maiores índices de escolaridade. Como consequências, surge um novo formato de

famílias intituladas “Duplo Ingresso e Nenhuma Criança” (DINC),que designa os

casais em que ambos trabalham, possuem recursos financeiros e utilizam seu tempo

para o trabalho e lazer.

No PNAD (2008), esses casais representam 3,4% dos domicílios, equivalendo

a 1,9 milhões de casais e a idade das mulheres encontrava-se em torno de 34 anos,

refletindo uma escolha pelo adiamento ou a extinção da maternidade, uma decisão

substancialmente tomada pelas mulheres. Dado que aqui se confirmou,

Eu não penso que isto seja um sofrimento, mas para não causar brigas, eu concordo. Até porque eu vejo que tudo é mais sacrificado para a mulher (H8).

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A questão de ter ou não filhos se apresentou como aberta, pois o casal está

apostando e lutando para transformar a realidade da situação econômica e

melhorar, para que M8 possa, com seus recursos, oferecer uma vida mais próxima

do que desejava a seus filhos, e também abrindo mão de bens materiais, sem que

isto seja visto como insuportável.

De acordo com Barros et al. (2008), a forte concentração dos casais DINC na

região Sudeste ocorre devido às melhores oportunidades de acesso à educação e

emprego, aos métodos anticoncepcionais e lazer,embora este crescimento exista

em todo o Brasil e represente um possibilidade de resposta dos casais frente às

dificuldades econômicas. Os casais caracterizados como (DINC) tiveram um

crescimento de 13,3% para 16,7% em 2008; reflexo das questões sociais advindas

da globalização, do capitalismo e dos processos de industrialização, gerando

grandes transformações na vida das famílias. Mostram que existe uma associação

entre o nível social dos casais e a tendência para a escolha de não ter filhos, tal

como assinala Rowe (2010),de que a dificuldade de educar os filhos e as ofertas de

realização para a mulher na atualidade são respostas dos casais às múltiplas

exigências econômicas do mundo consumista e à manutenção dos processos de

individualidade.

A procriação também não está mais equacionada somente ao casamento, na

medida em que as formas de legitimação da maternidade /paternidade ocorrem hoje

por outras vias legais, não sendo a maternidade um correlato exclusivo da

feminilidade, como também não o são a sexualidade e a procriação. Mudanças

alicerçadas nos progressos da ciência instauraram complexidades para as relações

familiares, viabilizando uma sexualidade sem procriação, e uma procriação sem

sexualidade (RIOS; GOMES, 2009).

Esta questão remete aos efeitos do que Bauman chama de modernidade

líquida e que repercute sobre a escolha por filhos.

[...] o custo total tende a crescer com o tempo, e seu volume não pode ser fixado de antemão [...]. Num mundo que não oferece mais planos de carreira e empregos estáveis, assinar um contrato de hipoteca com prestação de valor desconhecido [...] é provável que se pense duas vezes antes de assinar, e que, quanto mais se pense, mais se tornem óbvios os riscos envolvidos.(BAUMAN, 2004, p. 60)

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Portanto, como o próprio nome já diz, a fase de aquisição se caracteriza pelo

momento da vida do casal no qual existem preocupações específicas, como aponta

Cerveny (1997, p. 50):

[...] casais jovens, para a constituição de sua própria família, têm que se preocupar basicamente com a aquisição de bens materiais, com a construção de suas carreiras profissionais, com a aquisição da independência em relação às famílias de origem e com a construção de uma relação dual na qual sejam definidos papéis e funções de cada um dos cônjuges é um espaço inter-relacional, que satisfaça a ambos.

Os casais buscam se adequar a essas exigências investindo na carreira/

profissão, para o que dedicam grande parte de seu tempo, compartilhando tarefas

domésticas e dividindo despesas. Muitos refazem as escolhas profissionais e, como

crescem as exigências para se manterem economicamente independentes, a fase

de aquisição tem se estendido relativamente nas últimas décadas. Ficando,

inclusive, aos casais que escolhem ter filhos, a postergação da maternidade,

podendo-se dizer que hoje a fase de aquisição se estende até dez ou mais anos de

união, sendo esta uma diferença entre a pesquisa do ciclo vital atual e a

apresentada por Cerveny e Berthoud em 1997.

5.1.3.2 Compartilhar tarefas domésticas e despesas

A quantidade de trabalho que os casais têm que assumir e administrar torna-

se uma grande ameaça à conjugalidade, impondo ritmos e modos de vida nos quais

os sujeitos se veem como meros reprodutores de tarefas, sem muitas possibilidades

de escolhas. Esse fato atravessa a relação dos casais na modernidade, interferindo

em seus modos de vida. Um exemplo disso é a fala de H1 ao narrar sua trajetória de

trabalho e do esforço para conciliar todas essas questões, pois, na medida em que a

mulher acumulou os papéis, necessariamente, isso repercutiu no homem. O trabalho

de apenas um cônjuge é insuficiente para manter as despesas do lar, tendo ainda o

depoimento de H1, que, nas folgas, “faz bicos” para compor o orçamento doméstico,

auxiliando também na execução das tarefas domésticas, pois as despesas

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passaram a ser, na atualidade, compartilhadas pelo casal como resposta a um modo

de viver na pós-modernidade.

Eu trabalhava das duas da tarde às dez da noite, às vezes eu a levava ao serviço, voltava para casa, limpava a casa, passava pano, ajudava dessa forma. Minha folga, lá no outro serviço, era 6x2. Na minha folga, muitas vezes, eu ia para (cidade y) fazer um serviço (H1).

Prossegue apontando que buscou outro trabalho com salário melhor, mas os

percalços para trabalhar culminaram obrigando-os a morar com os sogros, como a

única solução. No entanto, essa solução pode também ser vista como um risco, na

medida em que envolve a administração de outras questões e de dinâmicas mais

amplas, como as do contato com as famílias de origem.

Eu mudei para lá. Eu tinha que sair da (cidade x) às quatro e meia da manhã, vinha de carro, deixava de carro (cidade y) na garagem do ônibus da fábrica e ia até (cidade z) entrava às sete da manhã lá, trabalhava até às três e meia da tarde, chegava de volta na (cidade y) por volta das cinco e ia para (cidade x). Não aguentava, não tinha como, muito cansativo. Passou o quê...? Menos de um mês, não é? A gente já mudou e ficou na casa da mãe dela (H1).

5.1.3.3 Buscar o apoio e o modelo das famílias de origem

Esta subcategoria se fez presente como auxilio para todos os casais. Para o

casal oito, isto se deu morando um tempo com os pais de M8, até se fortalecerem

financeiramente. É importante salientar que algumas estratégias podem também se

tornar um risco como, por exemplo, para este casal que buscou solução na

coabitação, mas que trouxe para H8 constrangimentos, obrigando-o a se retirar para

casa de seus pais em alguns momentos nesta estadia na casa de seus sogros.

No caso do casal um, voltaram a morar com família de origem de M1, no

momento em que conciliar trabalho e família se tornou inviável. Além disso, os pais

do casal foram também modelos do ponto de vista emocional, pela “imagem” que

ambos receberam da relação de seus pais, o que norteou a relação como mostram

estes fragmentos.

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Para mim, o que ajudou bastante foi ver o casamento dos meus pais. Porque meu pai e minha mãe têm trinta e dois anos de casados. [...] Assim, eu acho que o casamento dos pais da gente influencia bastante, em relação ao exemplo que eles dão. São duas vertentes, no meu ponto de vista. O modo com que os meus pais se relacionam, não é o mesmo modo que os pais dele se relacionam e eu tento puxar um pouco do lado que eu vejo dos meus pais (M1).

O casal oito expressou suas vivências neste quesito, respondendo que aquilo

que mais os ajudou em sua conjugalidade foi o que puderam ver e, mais que isso,

viver como experiência com suas famílias de origem. Verem o amor e a união dos

pais foi fundamental para os filhos, comprovando-se uma categoria decisiva na

conjugalidade. Nesta pesquisa, isto foi expresso nas seguintes falas:

O que me ajudou foi ver como meus pais viveram as coisas. Sempre juntos, unidos.Nunca vi eles atacando um ao outro, por mais difícil que fosse as situações de casa. Olha que não foram poucas (M8). Nisto eu penso como ela. Meus pais sempre foram exemplo e força para mim. Sempre apostavam em mim. Com uma palavra de carinho e amor quando eu tava pra baixo. Ver a luta deles e sempre unidos, também ajudou. Minha mãe dizia que a paciência e o perdão são duas coisas que não podem faltar para ter um casamento feliz (H8).

Lançar mão do apoio das famílias de origem, tanto do ponto de vista externo

quanto interno, foi uma estratégia utilizada pelos participantes, a favor da

conjugalidade.

Na fase de aquisição, confirmando Feres-Carneiro (2011), a coabitação como

estratégia de superação foi benéfica a todos e não se configurou como algo que

interferiu negativamente nessas conjugalidades, segundo os participantes. O que

não retira deste fato a característica de risco para a conjugalidade, caso sua

permanência fosse maior ou indicasse dos uma dificuldade maior de convivência

com os grupos familiares.

5.1.3.4 Diálogo enquanto atitude de negociação

O diálogo foi, enquanto atitude de negociação do casal, eleito como a grande

estratégia de aproximação com a realidade,utilizado para expressar com clareza o

que se quer e saber ouvir as justificativas do outro para a compreensão de

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determinados comportamentos. Essa subcategoria foi considerada como fator de

proteção da conjugalidade e se manteve presente ao longo de todo o ciclo vital, de

forma unânime, nos casais entrevistados.

Fez-se presente por meio dos processos de comunicação, em especial pela

palavra, que também pode expressar muitas ideias, em especial sentimentos,

emoções,expectativas, lembrando, ainda, dos diálogos expressos nos gestos, no

corpo, nos tons de voz. A especificidade do fenômeno da conjugalidade requer esta

amplitude para o conceito de diálogo.

É fundamental que, em muitos contextos, o diálogo seja importante como

meio de comunicação, mas, nas relações de intimidade, é a ferramenta através da

qual os vínculos surgem e sem a qual eles não se mantêm. É efetivamente um

marcador do nível de satisfação de uma relação, na medida em que quando um dos

cônjuges se expressa, oportuniza ao seu parceiro (a) entender suas necessidades

de modo mais acolhedor, permitindo, com isso, que os cônjuges se sintam mais

satisfeitos, de modo que, ao receberem uma opinião sobre suas ações, possam

organizá-las de forma a agradar seu parceiro. Expor de modo claro os sentimentos

traz ao casal bem-estar e felicidade. Assim, a existência da empatia quanto do

diálogo entre os cônjuges reflete efetivamente na satisfação conjugal (SARDINHA,

2009).

Como veículo básico de expressão, é muito comum a percepção de que, se o

diálogo não ocorre ou acontece de modo insatisfatório (não expressa os sentimentos

positivos existentes na relação como: elogios, agrados, desejos e uma escuta

disponível), coloca-se em dúvida a razão de existir da própria conjugalidade. Então isso é uma coisa que eu falo para ele que é importante, às vezes pode ser bobeira, porque ele foi criado de uma maneira diferente, mas para mim é uma coisa legal... Fazer uma brincadeira, ou fazer um gesto de carinho, ou falar uma palavra carinhosa, para mim é importante (M1).

O diálogo demonstra alguns processos de comunicação pobre e/ou deficiente,

sendo considerado pelos profissionais da área como um dos pontos de maior

divergência e separação entre os casais (SARDINHA, 2009).

Ax Wilhelm (2011), em sua pesquisa sobre fatores que facilitam ou impedem

a conjugalidade, aponta o amor, diálogo, o consenso e a flexibilidade como

elementos fundamentais, compactuando com os dados desta pesquisa, que trazem

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o amor e a união do casal, o compartilhamento de sonhos, o saber conviver com as

diferenças e a espiritualidade enquanto crença, como fatores eleitos de promoção da

resiliência na conjugalidade na fase de aquisição.

É importante assinalar que o diálogo permite que outros fatores de proteção

possam se expressar, um fator leva a outros fatores, apontando para o caráter

processual da resiliência, e ilustrando a inter-relação conjugal, já que o amor, o

amadurecimento e a espiritualidade podem ser atributos pessoais ou presentes em

apenas um membro da dupla, e os modelos da família de origem são processos que

envolvem contextos do meso e macro ambientes.

A seguir apresenta-se um exemplo de como um dos casais trazem o diálogo

para a resolução de suas dificuldades. O que mais facilitou foi o fato da gente se respeitar bem. Não ficar competindo um com outro e conversar sempre sobre qualquer decisão que a gente vai tomar. [...] O (referindo-se ao marido) me escuta bastante e aceita as minhas ideias (M8).

5.1.3.5 Espiritualidade enquanto crença

Buscar forças em Deus foi também apontado como uma estratégia pelos

casais que veem na espiritualidade um recurso para o enfrentamento de momentos

difíceis, e, na grande maioria das vezes, resultou em um processo de resiliência

para os casais, na medida em que enfrentaram as dificuldades, sentindo-se mais

amparados e extraindo dessas experiências um maior fortalecimento conjugal. Nesta

fase, foi assim expresso:

[...] eu gosto muito de ir na igreja, eu queria também dedicar um tempo e trabalhar na igreja, fazer alguma coisa, porque eu acho a parte espiritual muito importante. Antes eu fazia parte das aldeias. Eu trabalhava lá e eu me sentia muito bem com isso, não só pra mim, mas, independente de religião. Eu prezo muito por isso e é outro ponto. [...] A vida espiritual do casal é muito importante, se não primordial. Uma das coisas que eu fazia bastante questão é que nós tivéssemos uma igreja, um Deus, porque assim se podem superar as coisas mais facilmente. É uma coisa que eu pretendo voltar a fazer, trabalhar na igreja, uma coisa que eu planejo (M1).

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5.2 FASE ADOLESCENTE

A segunda fase aqui abordada foi denominada a fase da família adolescente,

assim chamada por caracterizar-se pela presença dos filhos já adolescentes, fase

em que o casal experimenta a revivência da própria adolescência com toda a gama

de questões próprias deste momento, como a sexualidade e a busca pela

demarcação da identidade, propiciando ao casal enfrentamentos de situações por

vezes adormecidas, como também a oportunidade de ritualizarem coisas que não

foram vividas (CERVENY; BERTHOUD, 1997).

Morh (2002) denomina a fase adolescente como lua de mel, na medida em

que, com a saída dos filhos, o casal passa a ter mais tempo para si mesmo,

podendo utilizá-lo de modo saudável para aproveitar a vida e realizar projetos

postergados.Porém, saber administrar os limites próprios desta fase também é

importante,caso contrário, isso tudo pode trazer angústias e dificuldades ao casal.

Trata-se de uma fase de muitas mudanças para as quais se deve atentar, tendo em

vista a acomodação de novas formas de vida, próprias do desenvolvimento humano.

A ecologia do desenvolvimento humano envolve o estudo científico da acomodação progressiva, mútua, entre um ser humano ativo, em desenvolvimento, e as propriedades mutantes dos ambientes imediatos em que a pessoa em desenvolvimento vive conforme esse processo é afetado pelas relações entre esses ambientes, e pelos contextos mais amplos em que os ambientes estão inseridos (BRONFENBRENNER, 1996, p. 18).

Fase em que a possibilidade de ser menos intransigente, poder ouvir e

conviver com opiniões diferentes, compreendendo as transformações que estão

ocorrendo, passa a ser uma característica essencial a ser desenvolvida para quem

convive entre as gerações (FERES-CARNEIRO, 2011).

Tomando como pressupostos os níveis de interação entre os membros da

família, é comum os pais se identificarem com seus filhos e passarem a se

transformar, se jovializando em relação a roupas, cabelos e até valores. Este mesmo

casal, muitas vezes, tem também que cuidar de seus próprios pais, apoiando o

envelhecer e lidando com outra gama de processos complexos, como a elaboração

das perdas. Repensar esses movimentos possibilita pensar sobre as múltiplas

situações de risco às quais o casal está exposto e, consequentemente, de verificar

com quais fatores de proteção contam nesta fase.

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Com relação às passagens pelas fases, um aspecto importante é a

flexibilização do mundo atual, que alargou as fronteiras e mudou o panorama no

modo de se estabelecer as relações, produzindo uma fluidez constante que, a um

primeiro olhar, pode ser tomada como benéfica e, porque não “moderna”; mas que

no nível de construção dos processos identitários, gera inseguranças, medos e

ausência de referências. Para os casais surge, nesta fase, a crise da maturidade,

envolvendo a análise das satisfações ou frustrações, sob os vários pontos de vista

pessoal, profissional e conjugal, momento de intensas renegociações.

Ao longo do ciclo de vida, o desenvolvimento humano ocorre por meio de processos de interação recíproca, progressivamente mais complexos entre um organismo humano biopsicológico em atividades e as pessoas, objetos e símbolos existentes no seu ambiente externo imediato. Para ser efetiva, a interação deve ocorrer em uma base estável em longos períodos de tempo. Esses padrões duradouros de interação no contexto imediato são denominados como processos proximais. (BRONFENBRENNER, 2011, p. 46)

A seguir serão demonstradas, no Quadro 2, as categorias de risco, proteção,

as estratégias de enfrentamento e suas subcategorias pertencentes à fase

adolescente.

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Quadro2 - Distribuição das categorias e subcategorias na Fase Adolescente

CATEGORIAS SUBCATEGORIAS SEGMENTOS ILUSTRATIVOS

FATORES

DE RISCO

PARA A

CONJUGALIDADE

1. Traição conjugal ...eu não acredito que todo esse tempo que ele me traiu que foi uma vida inteira como ele mesmo falou para mim (M6)

2. Diferença na educação dos filhos

E tem os fatores também, alguma coisa que a gente discorda em casa, questão de filhos... uma vez você fala uma coisa para o filho não fazer e a mãe já fala que é melhor fazer, começa a entrar no x da questão, na verdade a gente se sente contrariado. (H6)

3. Dificuldade financeira/ Perda do emprego

Ai depois que eu fiquei desempregada ele falou pra mim: Olha, agora as coisas vão mudar, você tem que controlar mais, tem que ser mais do meu jeito, porque antes era mais do meu jeito, agora é mais do jeito dele. Ai a gente conversou [...]Foi difícil, mas a gente já superou (M7)

4. Mágoas e ressentimentos Eu não tenho raiva dele, nunca tive, mas é uma mágoa tão grande, mas tão grande, que eu tenho que pedir a Deus todos os dias. (M6)

FATORES

DE PROTEÇÃO

PARA A CONJUGALIDADE

1. Ouvir experiências de outros casais

Fizemos encontros de casais, vimos outras experiências. Nós não somos os únicos, existem outras famílias que têm outros tipos de problemas. (H6)

2. Amor/ Companheirismo/ Amadurecimento do casal

Se ele tá vendo que eu tô precisando de ajuda, que eu não tô bem, ele chega em mim e fala: olha, você não tá bem. (M7)

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FATORES

DE PROTEÇÃO

PARA A CONJUGALIDADE

3. Espiritualidade enquanto crença

Porque a gente, nós somos católicos, a gente vai na missa, a gente pede muito pra Deus ajudar. Dar força pra ele, pra ele não ficar doente, pra mim também ter força, porque se a gente for entrar, ficar pensando “Ai como é que vai fazer?” Não se apegar a Deus, acho que nada dá certo. (M7)

4. Apoio e modelo das famílias de origem

E foi na família dele que eu aprendi o que era família, foi lá que eu vi o esteio de família, achava linda a família dele. Família para mim é importante. (M6)

ESTRATÉGIAS

DE

ENFRENTAMENTO

PARA A

CONJUGALIDADE

1. Ajuda psicológica profissional

Mas eu queria voltar, o psicólogo não vai resolver meu problema, mas vai me instruir para que eu passe melhor por ele. (M6)

2. Renúncia em favor da conjugalidade

É uma luta você estar tentando sobreviver a tudo isso, são renúncias que você tem que fazer, diariamente. Por hoje não, por hoje eu não vou brigar por hoje eu vou ficar quieta, não vou me estressar. (M6)

3. Participar de grupos religiosos/sociais

...fizemos encontros de casais, vimos outras experiências. Nós não somos os únicos, existem outras famílias que tem outros tipos de problemas. (H6)

4. Diálogo enquanto atitude de negociação

é o companheirismo dela que a gente é muito companheiro, a gente conversa bem um com o outro. A gente às vezes tá, por exemplo assim, pensando em fazer alguma coisa. Eu pensando em fazer alguma coisa, eu vou e converso com ela. (H7)

* As categorias aqui expostas encontram-se também demonstradas graficamente no APÊNDICE III e IV

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5.2.1 CATEGORIAS DOS FATORES DE RISCO PARA A CONJUGALIDADE

5.2.1.1 Traição conjugal

Das subcategorias de risco enfrentadas pelos casais na fase adolescente, a

traição vivida pelo casal seis, com 15 anos de união, configurou-se como uma

problemática central de risco neste momento da conjugalidade, não tendo sido

apontada por nenhum outro casal.

Esse casal, há quatro anos, tenta se reconstituir do processo de sofrimento

instaurado pela traição, com as possibilidades de separação e reconciliação se

alternando neste processo de elaboração em que se encontram; marcados pelas

dificuldades de seguirem juntos após a quebra do vínculo de confiança. H8fala sobre

não ter mais autonomia nas pequenas coisas de casa para não desagradar M8 e de

como sua percepção dos fatos foram sendo alteradas com o tempo. Esse casal se

encontra, ainda, em processo, não sendo possível afirmar se alcançarão a

resiliência em sua conjugalidade. O que se pode afirmar é que há um movimento de

busca de superação da dupla e que o resultado dependerá de uma série de

processos dinâmicos internos e externos e dos riscos e proteções disponíveis, assim

como do uso que será feito pelo casal desses recursos disponíveis.

São mais atitude de casa. Não vou fazer, porque se eu for fazer, ela não vai gostar, vai achar ruim, como se eu tivesse que ter um alvará para ter que fazer alguma coisa. Então eu prefiro não fazer e só penso, mas não faço. [...] Não dormia direito, não comia, aquilo foi me consumindo. Fui tentar colocar a cabeça no lugar e percebi que ali era a minha casa, o meu lugar, perto da minha esposa e dos meus filhos e que de lá eu nunca deveria ter saído (H8).

Neste sentido, Reis e Patrick (1997), citados por Narciso e Ribeiro (2009)

afirmam que: [...] lutar, abandonar emocionalmente, ou separar-se causa sofrimento precisamente porque ocorre em relações que foram, são ou deseja-se que sejam próximas, com amor e confiança [...] as relações íntimas podem fornecer um contexto em que acontecem coisas más, mas estas eventualidades deveriam ser percebidas como defeitos na realização do processo, ou como resultado de outros processos cujo impacto é exacerbado por laços emocionais próximos e conhecimento pessoal profundo (NARCISO; RIBEIRO, 2009, p.144).

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Pouco se conhece na literatura sobre instrumentos para medirem os

processos de reparação nas relações; e os que existem são usados apenas para

medirem as estratégias comportamentais para manter as relações. Os dados

mostram que a satisfação na relação vem associada à crença de que

comportamentos como honestidade, inclusão do outro, influência das percepções de

proximidade, abertura, afetividade física, sensibilidade, espiritualidade partilhada e

afeição verbal são importantes para ambos os membros do casal, sendo maior a

satisfação quanto maior a igualdade e a interdependência percebida entre si

(DUARTE, 2012).

O modo como os casais se reconstituem nas crises é bastante diverso,

embora o reconhecimento das razões que as produziram e o desejo de

transformação esteja na base de todos os processos de reconstrução. Aqui H6

aponta como o processo da traição movido por ele aconteceu, conta como se sentia

perante o grupo familiar e afirma que foi o reconhecimento do sofrimento de todos

que promoveu a reflexão.

Então, eu comecei a refletir, bateu muito arrependimento em mim, por ter feito todo mundo sofrer. Eu olhava para os meus filhos, eles super mal, ela nem se fala. Aquilo começou a fazer mal para mim também (H6).

[...] torna-se relevante compreender o modo como subsistema conjugal (tanto a díade como cada elemento) reaja perante a adversidade e é capaz de ser resiliente. [...] O stress afeta certamente a relação [...] e casais que enfrentam em conjunto o stress, tem maior probabilidade de aumentar a confiança mútua, o compromisso e a percepção de si enquanto equipe (BODENMAN, 2005, p.3).

Goldenberg (2006) indica que 60% dos homens e 47% das mulheres

confessaram ter traído seus (suas) parceiros (as). Os motivos apontados para a

infidelidade nos homens, além dos mesmos motivos da mulher (a quebra de

expectativas, divergências de ideias, insatisfações em geral), foram: a natureza

masculina, instinto, oportunidade, atração, desejo, não conseguir resistir, para não

se arrepender de perder as oportunidades. Nesse sentido, os dados desta pesquisa

coincidem com os da pesquisa dessa autora, pois H8 informa os motivos de sua

traição como:

Isso foi coisa minha, mais uma tara. Eu acho que foi isso mesmo (H8).

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A traição, enquanto quebra de confiança, não se restringe às relações

amorosas, ao contrário, estende-se a todos os relacionamentos humanos. Na

medida em que passou a existir uma franca mudança nos valores, o comprometer-

se se tornou um fenômeno raro nas relações humanas em geral, e as relações de

intimidades e proximidades passaram a ser as últimas esperanças de construção da

seguridade e de elaboração de outras já perdidas.

Porém, quando atinge a relação de intimidade de pessoas que se uniram com

o objetivo de serem felizes, depositando no outro seus objetivos de vida, que

comungam seus sentimentos mais íntimos, torna-se “grave e causa frustração,

humilhação, constrangimento, tristeza, baixa auto-estima, sentimentos advindos em

razão da ofensa à honra e à dignidade”(SORROSAL, 2003, p.3). Neste caso a

ruptura pode gerar no traído sentimentos de abandono, de rejeição, surgindo uma

intensa tendência à vingança. A dificuldade de separação faz surgir um processo de

destruição, de desmoralização, de descrédito do ex-cônjuge (FERES-CARNEIRO,

2011). E também de autodestruição, como aponta o segmento abaixo, deixando a

entrever que um risco pode desencadear outro, neste caso se associou ao risco da

bebida.

Hoje eu estou me libertando disso tudo, mas eu acho que estava até em depressão e não sabia lógico, uma mágoa profunda. [...] A não brigar, a não falar do passado. A minha vida era um inferno, as crianças falavam. E eu acabava descontando na bebida, comprava fardinho de cerveja e bebia ai eu esquecia. De primeiro era só fim de semana, depois segunda, quarta e sexta, no final, já estava bebendo todos os dias (M8).

Muitas vezes, as separações se transformam em um processo muito doloroso

por reativarem a condição de desamparo básico do ser humano e alguns fracassos

conjugais estão relacionados a imagens negativas que os homens têm das mulheres

e vice-versa, sendo essas imagens resultantes de suas histórias de vida, o que

também pode ser transmitido aos seus filhos (FERES-CARNEIRO, 2011).

Na ruptura da vida amorosa, a perda do outro como objeto de amor e tudo aquilo que ele representava de promessa de completude e conforto ao desamparo cede lugar ao sofrimento do sujeito de perceber-se só, preterido no projeto existencial do outro. Esse sentimento, muitas vezes, mobiliza no sujeito a vivência de que foi prejudicado pelo outro [...] essa dor de saber-se só (ANDRADE, 2009, p. 34).

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Sobre isso, ressalta-se que pais de H6, bem como os de M6, também já

haviam se separado, indicando um possível processo de repetição de estruturas

familiares. O modo como M6 lidou com essa questão foi marcado pela ausência do

diálogo, pela depressão, pelo abuso de álcool e perda de sono e apetite,

consequências das vivências da traição, mostrando de imediato poucos recursos

pessoais e do casal para lidar com essa problemática. Entretanto, ao lançar mão dos

recursos dos meso-contextos,encontrou apoio para suas dores.

Ao que tudo indica, o desespero de M6 era o de repetir sua história familiar

em seu micro contexto, onde não teve modelos internos saudáveis, conforme ilustra

seu relato.

Assim, foi até que ele pegou a moto dele e foi embora e eu não fiz nada, eu não fiquei esperneando, porque dentro de mim eu já tenho um complexo, porque os meus pais se separaram quando eu tinha seis anos, eu via minha mãe e meu pai brigando e minha mãe gritando para o meu pai não ir embora e eu ficava triste, sem saber que meu pai ia embora, meu pai abandonou minha mãe com cinco filhos e não é assim que eu vou abandonar os meus (M6).

Outro viés da traição é o fato de ela sair do âmbito do casal e se tornar

pública, trazendo ao traído situações embaraçosas e vexatórias e, mesmo que não

se revista de publicidade, traz desconforto, dor, frustração, decepção, sendo

considerada um ultraje,gerando no traído sentimentos de menos valia, baixa

autoestima. É importante compreender que tanto a traição, como as respostas

dadas a ela, é parte de um jogo perverso que mantêm nos casais um modo de

ligação, mesmo que por meio de condutas patológicas, a fim de manter um conflito

(FERES-CARNEIRO, 2011). Os sentimentos expressos por M6ao falar das reações

e medos vividos ao sair de casa e da vergonha que enfrentou ilustram isso.

Eu saía na rua, eu encontrava com as exs. Antes de ir trabalhar eu peço proteção de Deus, para não ver nenhuma delas. Festa (da cidade) eu não posso colocar os meus pés na rua, porque eu encontro as vagabundas, mas eu também não posso me priva meus filhos. Eu não cheguei, não bati, não fiz barraco, nada. Eu não quero daqui há 5, 10 anos, eu passe na rua e alguém comente que a mãe de fulano é barraqueira (M6).

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O que se faz importante é perceber que a subcategoria traição inicia-se entre o

casal, mas se torna um fator de risco para toda a família (filhos, irmãos etc.),

chegando, seus efeitos, ao âmbito social. Mas o casal contou também com os

sentimentos positivos de um para com o outro, o que, associado aos apoios

recebidos, está permitindo a negociação de uma possível reconstrução da

conjugalidade quebrada. Buscaram lidar com esse processo utilizando os apoios

familiares, os institucionais, dos grupos de casais ao qual pertencem, o espiritual

que receberam a partir de diálogos com o padre, na ajuda psicológica profissional

que buscaram, tornando-se, assim, mais fortalecidos para enfrentar sua

problemática.

5.2.1.2 Diferença na educação dos filhos

O que constitui uma família é exatamente a passagem da conjugalidade para

a parentalidade, que ocorre enquanto evento esperado de uma fase da vida e tem

grande impacto para a vida dos casais, por envolver um pequeno ser que demanda

trabalho e grandes expectativas. Porém, quase não se fala sobre os aspectos

desafiadores e de risco para a conjugalidade quando o casal, ou um membro da

dupla, não está suficientemente preparado para esta aventura. A “transposição para

o processo da parentalidade é, ao mesmo tempo, vivido pelos casais como alegria e

desgastes pelas mudanças que têm nos níveis individuais e conjugais” (NARCISO;

RIBEIRO, 2009, p.221).

As questões surgidas desde a escolha do momento de se ter um filho, o que

se considera bom para ele e as melhores formas de atingir o que é melhor para os

filhos são momentos em que os casais se veem diante de desafios para a

conjugalidade.

O processo de educação dos filhos surgiu como um dos múltiplos desafios

aos quais os casais estão sujeitos e, neste estudo, como uma subcategoria presente

em um dos casais desta fase que possuem dois filhos adolescentes. Acontecendo

com este casal uma diferença no processo de educação dos filhos, pois cada um

tentou educar utilizando como base seu próprio processo de educação, o que exigiu

da dupla várias negociações para se chegar a um acordo, assim como a percepção

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das diferenças dos processos de educação de quando eram crianças e do momento

atual. Tiveram que levar em conta as várias transformações ocorridas na

modernidade que não fazem com que o foco de processo de educação se altere,

mas suas formas de intervenção, com certeza.

Sobre isso assim se expressaram:

[...] alguma coisa que a gente discorda em casa, questão de filhos. Uma vez você fala uma coisa para o filho não fazer e a mãe já fala que é melhor fazer, começa a entrar no x da questão, na verdade a gente se sente contrariado (H6). Você já não está bem com o marido e ainda vêm os problemas dos filhos, é problema na escola, é problema com a nota, correria, falta de dinheiro, é tudo em um contexto, não é uma coisa só. É falta de dinheiro, você tem que trabalhar mais, você trabalha em casa, falta alguma coisa, tem que correr atrás, é aquela correria. Você se manter em pé, firme, é difícil, tem que ter uma perseverança maior (M6).

Narciso e Ribeiro (2009) afirmam que, na atualidade, os pais procuram ter

com seus filhos, principalmente os adolescentes, mais carinho e amizade.

Comportamentos advindos das mudanças no processo de educação, mas também

fruto do medo que os pais têm de “perder” os filhos para tantas formas de

alheamento oferecidas pelo mundo atual, como as drogas e os valores distorcidos,

baseadas como sempre nas falsas promessas de felicidade permanente e mínimo

esforço; essas realidades instauraram nos pais uma necessidade de participarem de

perto da educação dos filhos. Subjaz também a consciência de que a paternidade

responsável e participativa faz dos homens pessoas mais completas, constituindo

todas essas mudanças como uma verdadeira revolução nas ações masculinas

(NARCISO; RIBEIRO, 2009).

Importante salientar que a consciência desta proximidade para com os filhos

não tem, na prática, correspondido a um aumento da autoridade dos pais e de suas

posições na vida dos filhos, resultando em grande viés no processo de educação,

pois, ao não se sentirem com autonomia para educarem os filhos como desejam,

comprovam a ideia de adultos inseguros se posicionando como submissos aos filhos

(ZAGURY, 2006).

Somado a tudo isto existem os temores de que atitudes com determinados

graus de severidade possam trazer danos e, com isso, as culpas diante das

tentativas deste tipo. A coexistência de elementos ideais de educação contraditórios

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é notória, pois, se por um lado os pais valorizam o bom comportamento advindo da

educação, de outro eles têm extrema preocupação com os aspectos psicológicos e

afetivos pelos quais se sentem responsáveis e querem evitar qualquer “dano”

(ZAGURY, 2006).

Os pais precisam mostrar princípios morais, tomar cuidado com o que fazem

e com o que falam na frente dos filhos, pois esses são seres em formação e [...] “o

mais persuasivo ensino moral que nós, adultos, podemos dar é pelo exemplo: o

testemunho de nossa vida, nossa maneira de ser, de falar e de nos dar com os

outros” (COLES, 2005, p. 37).

Além das contradições, os autores apontam para uma inexistência de padrões

de regras na educação dos filhos, uma uniformidade entre e dentro de uma mesma

família. O desejo único instaurado pelos pais de que os filhos sejam felizes traz em

seu bojo ideias distorcidas vindas, por exemplo, da Psicologia, postulando uma

prática que coloca a criança no centro do processo educacional. Isso se torna tão

importante que algumas mulheres preferem abdicar do trabalho a delegar ou dividir

a educação dos filhos com outras pessoas.

Um estudo sobre as atitudes maternas aponta que a grande preocupação das

mães é estimular os filhos e que o fazem através de brinquedos e atividades

culturais, com objetivo de desenvolver a autonomia em situações para as quais a

criança não está sequer madura. Há poucas regras em relação às tarefas diárias

com a casa, ficando as restrições exclusivas para os hábitos de higiene e,no que

tange à disciplina, as escolhas são por atitudes de diálogo e não punitivas, sendo as

relações entre pais e filhos de amizade, preocupação em ensinar e não em exigir.

Quando castigam, os pais recuam e se justificam, ao mesmo tempo em que

permitem a criança mostrar suas emoções de desagrado (BIASOLI-ALVES;

CALDANA; DIAS-DA-SILVA, 1989).

5.2.1.3 Dificuldades financeiras/Perda de emprego

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Para o casal sete (10 anos de união) 8, a perda do emprego da mulher foi o

maior desafio enfrentado por eles nos 10 anos de união. Superaram unindo-se,

dialogando e enfrentando juntos e efetuando renúncias.

[...] Ai depois que eu fiquei desempregada ele falou pra mim: olha agora as coisas vão mudar, você tem que controlar mais, tem que ser mais do meu jeito, porque antes era mais do meu jeito, agora é mais do jeito dele. [...] é o que dificultou nossa vida foi eu ter ficado desempregada [...] Porque se ele também fosse ficar bravo comigo, me culpando: ah, tá tudo assim porque você também num trabalha, num procura um emprego. Mas não, ele foi tranquilo e sempre ele fala: tem eu, nunca vai faltar nada. Ontem mesmo ele tava falando isso. Ele falou: pois é, você tá desempregada, mas eu tenho força, eu sou forte, eu vou atrás, não vai faltar nada pra gente (M7).

Observa-se aqui que este casal enfrentou de modo resiliente as dificuldades

relacionadas ao desemprego; M7 começou a fazer pizzas para vender, voltando a

colaborar no orçamento do lar até o momento de conseguir outro trabalho.

O casal seis (15 anos de união) apontou sobre dificuldades financeiras,

mencionando o fato de o casal, morando na mesma casa, quase não se verem,

comunicando-se por telefone e ou internet, devido ao volume de tarefas

desempenhadas para supriras despesas. O segmento a seguir aponta a sobrecarga

a qual a mulher teve que gerir para auxiliar na despesa doméstica. Eu fazia faxina direto, de segunda até sábado. Eu saia de manhã, ele ainda estava dormindo e eu chegava a tarde ele já estava tomando um banho para sair, para fazer um bico, ou para ir para o trabalho (M6).

Pode-se refletir que, para esse casal, as dificuldades financeiras foram, com

certeza, um fator de risco para a conjugalidade e que poderá ter sido um disparador

do problema maior desta conjugalidade, que foi a traição, pois, no tempo que tinham

juntos, administravam os problemas advindos da educação dos filhos.O estresse

mantido por um tempo contínuo, com certeza, trouxe a esse casal níveis de

desgastes para os quais possuíam poucos fatores de proteção, e, por isso,não

superaram completamente sua problemática.

8O tempo de união deste casal foi considerado um viés nesta pesquisa, porque, embora já estivessem juntos informalmente há treze anos, possuem um filho ainda criança e não na adolescência. Esta é uma mudança gerada a partir das alterações do ciclo vital na atualidade, no qual os casais estão cada vez mais postergando a vinda dos filhos em suas vidas.

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5.2.1.4 Mágoas e ressentimento

Pelo Dicionário On-line da Língua Portuguesa (2009), consta a definição:

A palavra mágoa, que tem origem no latim macula, representa um sentimento de desgosto, pesar, sensação de amargura, tristeza, ressentimento. É um descontentamento que, embora frequentemente brando, pode deixar resquícios que podem durar um bom tempo. Por vezes é possível percebê-lo no semblante, nas palavras e nos gestos de uma pessoa.

Nesta pesquisa, a subcategoria mágoa e ressentimento surge como

consequência da traição vivida pelo casal seis, aparecendo como fator de risco para

a retomada da conjugalidade. Na medida em que M6 mantinha-se presa ao passado

e magoada, inviabilizava um recomeço que demorou a acontecer. Apontando que

um risco desencadeia outro.

A mágoa e o ressentimento, enquanto expressões de sentimentos dependem

da percepção do evento que gerou o sentimento de injustiça. Assim, sua intensidade

varia entre pessoas que vivenciaram ofensas semelhantes. Quanto maior a

percepção de uma mágoa e ressentimento, mais a pessoa é levada a focalizar sua

atenção na raiva e na indignação. Portanto, é esperado que a percepção da mágoa

e do ressentimento seja negativamente correlacionada ao grau do perdão.

Constatou-se neste estudo que a mágoa e o ressentimento se fizeram presentes

como categorias de risco e relacionadas à vivência de injustiça

Eu não tenho raiva dele, nunca tive, mas é uma mágoa tão grande, mas tão grande, que eu tenho que pedir a Deus todos os dias (M6).

5.2.2 CATEGORIAS DOS FATORES DE PROTEÇÃO PARA A CONJUGALIDADE 5.2.2.1 Ouvir experiências de outros casais

O casal trouxe como importante para a superação de suas dificuldades, ouvir

casais que passaram pelo mesmo problema. Essa é uma experiência que permite o

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processo da identificação e, consequentemente, de tomar para si um aprendizado,

aquilo que foi usado como recurso pelo outro. Assim, à medida que puderam ouvir e

serem ouvidos, o processo de resiliência foi se instaurando lentamente.

Perceber que o que ocorreu com eles também se deu com outras pessoas

permite trazer os acontecimentos para um plano mais compreensível e de menor

culpabilidade, ou seja, que este acontecimento de suas vidas também se faz

presente na vida de outros casais, trazendo isso para um campo mais comum das

relações da conjugalidade. H6 expressou isto ao dizer:

Nós fomos conversando muito com o padre, fizemos encontros de casais, vimos outras experiências. Nós não somos os únicos, existem outras famílias que tem outros tipos de problemas. Então eu vi o quanto mal eu fiz para a minha própria família e para mim mesmo (H6).

Para este casal, a oportunidade de ouvir outros casais permitiu verem-se

como enfrentando algo que ocorre de fato a muitos casais e para o que existiam

recursos disponíveis, dos quais podiam fazer uso.

5.2.2.2Amor/ Companheirismo/ Amadurecimento do casal

Esta subcategoria se encontra entre aquelas que permearam todo o processo

do ciclo do casamento e é apontada como uma das subcategorias que auxiliou os

casais na superação dos seus desafios sendo, portanto, representativa do processo

de resiliência na conjugalidade e da consequência do processo de enfrentamento e

superação das adversidades.

Diretamente ligada à ideia de desenvolvimento ou como fruto deste, pode ser

traduzida como um movimento de auto-percepção, em que as pessoas se

reconhecem mudadas, reagindo de modo diferente frente aos novos desafios.Nos

casais aqui entrevistados o amadurecimento apareceu como resultado do

enfrentamento das experiências;embora a elas não se restrinja.Pode se dar de

modo gradual diante dos acontecimentos normais da vida,de forma que o sentido

das relações evoluísse com as experiências e a maturidade, trazendo novos modos

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de manifestação das identidades, substituindo os inadequados (FERES-CARNEIRO,

2011). Sobre isso, Loparic (1999, p. 21) que estuda este fenômeno, afirma que:

[...] não pode mais conceber o crescimento como um processo biológico. Só lhe restava uma alternativa: tentar entendê-lo como um problema de amadurecimento pessoal, mais precisamente como um problema de tornar-se si mesmo [...] e que não acontece automaticamente,ele precisa ser facilitado por outros seres humanos.

Neste sentido, o não amadurecimento seria visto como a permanência em

estágios e comportamentos não esperados mais para aquele momento. A literatura

infantil trás um exemplo deste fenômeno, representado por Peter Pan, o menino que

não quer crescer e, por isso, deseja viver recluso em uma terra-do-nunca. Deixar

para traz uma fase implica em ver o que se ganha seguindo em frente, mas, também

o que terá que renunciar para seguir em frente. Assim, é possível compreender que

as fases da conjugalidade são repletas deste fenômeno.

Por exemplo, pode-se pensar em um fenômeno que acontece na vida diária de todo

casal com filhos, que é lindo ver os filhos crescidos, mas, quem não tem saudade do

tempo em que eram crianças e faziam gracinhas? Porém, este é um processo

normal, que implica em amadurecimento e negociações internas, por meio do qual

todo ganho, necessariamente, implica em mudanças que podem ser vividas como

perdas.

Deste modo, é possível compreender que, embora o processo de

amadurecimento pessoal seja uma condição inata do ser humano e que a busca

pela integração seja uma constante, haverá momentos em que isso pode não ser

alcançado na medida em que não é um processo linear e depende de várias

circunstâncias que precisam ser favoráveis. Uma delas é o fato de que ocorrem de

modo cumulativo e necessitam de pré-requisitos para acontecer (MENDONÇA

2008). Donde é possível inferir que todas as pessoas terão seu desenvolvimento

desenhado de modo bastante subjetivo e único, podendo ter áreas com maior e

outras com menor amadurecimento e que, diante do encontro com o outro no

arriscado desafio para formar uma conjugalidade, tudo irá se compor numa dança

sutil e de melodias, ora suaves, ora extremamente agudas.

O conceito de amadurecimento se assemelha ao de resiliência e,mais do que

isso, a resiliência individual também conta com níveis de amadurecimento. A teoria

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do amadurecimento pessoal tem como princípio a concepção de que todo ser

humano tem uma tendência natural e inata para o amadurecimento a uma

integração, porém que esse não é linear, necessitando, algumas conquistas, de pré-

requisitos para se desenvolver, processando-se, assim, uma depois da outra

(LOPARIC, 1999). Nos casais, o amadurecimento surgiu como consequência do

processo de enfrentamento, através do amor e do companheirismo, do ouvir

experiências de outros casais, conversando sobre os pontos de vista diferentes,

cedendo e renunciando quando necessário, enfrentando juntos as situações difíceis

das quais saíram fortalecidos e aprenderam com suas experiências.

5.2.2.3 Espiritualidade enquanto crença

Nesta fase, a espiritualidade também foi considerada pelos casais como um

fator de proteção, por meio do qual buscavam forças para os enfrentamentos das

adversidades. O casal sete evidenciou esta questão, e o casal seis passou pela

ajuda de experiências, companheirismo e também de identificação com a pessoa

que os apoiou, direcionando-os. Confirmando que o processo da resiliência se dá

através dos vínculos por meio dos quais as pessoas se sentem cuidadas, amadas e

respeitadas em suas individualidades. Aqui a presença de apoios do micro se

mesclou aos do meso contexto: igreja, grupos de casais; e pode funcionar em

ambos os casos como fator de proteção da conjugalidade. Os fragmentos a seguir

apontam nesta direção.

Acho que foi a religião. Porque a gente, nós somos católicos, a gente vai na missa, a gente pede muito pra Deus ajudar. Dar força pra ele, pra ele não ficar doente, pra mim também ter força, porque se a gente for entrar, ficar pensando “Ai como é que vai fazer? Não se apegar a Deus, acho que nada dá certo (M7).

Eu me identifico muito com a irmã mais velha dele, ela que nos chamou para participar do grupo de casais. [...] O padre também ajudou, eu conversava bastante com o ele e com a minha mãe, conversei bastante com ela (M6).

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Outro fator trazido pelos casais nas várias fases da conjugalidade foi o perdão

expresso de muitos modos,aqui definido como um

[...] processo intrapessoal, como algo que ocorre internamente no indivíduo, e que traria mudanças nas cognições, nos comportamentos, nas emoções e/ou nas motivações da pessoa ofendida, que pode desdobrar-se mesmo se ela não está mais engajada em um relacionamento com o ofensor, mesmo quando o ofensor não está mais vivo. Pesquisas a partir dessa perspectiva têm se centrado mais na pessoa ofendida, focando os preditores do perdão, os processos através dos quais as pessoas afrontadas perdoam e as consequências do perdão para as mesmas (SANTANA; LOPES, 2012, p. 623).

O perdão aqui apareceu como uma subcategoria de proteção presente nas

várias fases da conjugalidade. Compreende-se o perdão como um componente

pertencente ao nível intrapessoal, mas que repercute na relação do casal e que

pode trazer a possibilidade de ser visto mais como um elemento que restabelece

partes divididas dentro da mesma pessoa. Neste contexto discutido, os sentimentos

que antecediam a dor eram de amor,decorrendo daí a complexidade da situação de

como manter dentro de si sentimentos tão opostos na direção de uma mesma

pessoa. Entra em cena o fato de:

[...] o indivíduo que experiência uma forma extraordinária de perdão pode ter mais probabilidade de responder com perdão quando enfrenta insultos e injúrias mais comuns, presentes em seu cotidiano. Por outro lado, a experiência e a prática com formas ordinárias de perdão, em resposta a ofensas menores, podem estabelecer o estágio para expressões mais profundas de perdão em resposta a traumas de vida maiores que a pessoa possa, porventura, ter vivido ou ainda vivenciar (SANTANA; LOPES, 2012, p.624).

Rique e Camino (2010) citam que o perdão foi apontado como uma estratégia

conciliatória para a resolução de conflitos na história da civilização (ARENDT,

1958/1998; DIGESER, 2001; MCKNIGHT, 2004). No âmbito da Psicologia, os

estudos sobre o perdão são mais recentes (Worthington, 1998, 2005). As

publicações datam de 1968 e mostram um crescimento significativo nas décadas de

1980 e 1990, e vem mantendo um interesse alto desde então. Nesta área, os

estudos sobre o perdão têm sido realizados na direção das relações interpessoais. É

analisado como uma atitude interna motivada pela compaixão e verificada em suas

repercussões para o desenvolvimento moral e social

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Nesta pesquisa, essa categoria nem sempre apareceu citada com o nome de

perdão, mas esteve presente em expressões correlatas, como: esquecer as ofensas,

recomeço, não magoar, dar novas chances expressões que, sem dúvida,

demonstram existência deste movimento interior do perdão, representado nestas

várias atitudes.

Assim, a capacidade de perdoar pode trazer para aquele que a experiência o

desenvolvimento de capacidades que estejam ligadas à resiliência. A vivência do

perdão, segundo Santana e Lopes (2012), possui quatro fases. A primeira é aquela

que se relaciona com ao momento da descoberta do problema, que desperta

vivências de raiva, tristeza e mágoas. A segunda é a da tomada de decisão,

momento em que vai se estabelecendo novos insights que vão auxiliar a reforçar a

decisão, clareando novos horizontes. A terceira é a fase do trabalho,quando, a partir

de uma nova consciência, surge o sentimento de compaixão em relação ao

agressor. A quarta é a de resultados, em que ocorre um aprofundamento, encontra-

se um sentido para si e para os outros no processo do perdão.

É com vistas a este resultado alcançado pelo processo do perdão que ele se

torna importante de ser discutido como uma das subcategorias que se fez presente

em várias fases da vida dos casais. Não está, portanto, ligado a uma questão

específica, mas, como um modo de reação diante de um desafio vivenciado, em que

a ofensa se fez presente. A possibilidade de perdoar, por si só, já aponta para a

presença de níveis de resiliência desenvolvidos. Diante da problemática enfrentada,

este foi um dos recursos utilizados pelo casal seis da Fase Adolescente para

administrar sua crise.

Na medida em que o perdão e a tomada de decisão se transformaram em ato, os

sentimentos começaram a se clarificar:

Eu devo ter surpreendido ele, porque depois que ele falou tudo, eu falei que ia colocar um pano e começar do zero, continuar nossa vida(M6).

Paludo e Koller (2007) também apontam que, na perspectiva da Psicologia

Positiva, os estudos indicam que as características pessoais como sabedoria,

espiritualidade, afeto e perdão colaboram na promoção das condições para um

desenvolvimento saudável e positivo, tanto do ponto de vista biológico, como social

dos indivíduos, enquanto forma de superar os desafios que se apresentam.

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Essa questão também aponta para a influência positiva ou negativa da família

de origem como elemento balizador sobre o núcleo familiar em dificuldade. Para o

casal sete, ver o exemplo dos pais e receber o suporte dos pais foi decisivo para a

forma como lidaram com as dificuldades. Isso confirma a ideia de que sistema

significa processo dinâmico, multifacetado e interdependente, que traz uma nova

epistemologia da ciência apoiada na concepção de mundo e trabalho.

Essas teorias e suas práticas refletem o paradigma de crenças e valores com os

quais estão comprometidos àqueles que o produzem. “O pensamento sistêmico é

uma nova forma de pensar cientificamente. [...] novo paradigma da ciência, ou seja,

como novo conjunto de pressupostos a embasar a atividade científica nos próximos

tempos” (VASCONCELLOS, 2003, p.50).

Esta profunda conexão dos fatos instaurada pelo pensamento sistêmico torna

tudo e a todos responsáveis pelo destino daquilo que os rodeia, mesmo que seja por

meio da omissão, quiçá pelas relações de intimidade. Sendo seu dinamismo

fundamental na forma de processar informações e perceber as relações. Sobre esse

novo modo de pensar, Bronfenbrenner afirma (1996, p.6):

Aqui a abordagem se afasta dos modelos de pesquisa convencionais ainda num outro aspecto: os ambientes não são distinguidos por referência a variáveis lineares, mas são analisados em termos de sistemas. Começando no nível mais interno de esquema ecológico, uma das unidades básicas de análise é a díade ou o sistema de duas pessoas.

O que esse autor afirma é que, a partir do momento em que se estabelecem

certos níveis de interação, esses sistemas passam a ter uma intersecção, e a

mudança em um pode transformar o outro, e vice-versa.

A estrutura do ambiente ecológico também pode ser definida em termos mais abstratos. Como vimos, o ambiente ecológico é concebido como se estendendo muito além da situação imediata afetando diretamente a pessoa em desenvolvimento, os objetos aos quais ela responde ou as pessoas com quem interage face a face. É dada igual importância às conexões entre outras pessoas presentes no ambiente, à natureza desses vínculos e à sua influencia indireta sobre a pessoa em desenvolvimento, através de seu efeito naquelas que interagem com ela em primeira mão. Este complexo de inter-relações dentro do ambiente imediato é conhecido como microssistema (BRONFENBRENNER, 1996, p. 8).

5.2.2.4 Apoio e modelo das famílias de origem

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Na fase adolescente, os apoios familiares não vieram em forma de ajudas

reais, mas estiveram presentes, oferecendo aos casais força para lutar. O simples

fato de saber que podem contar com os pais já trouxe ao casal sete tranquilidade

para encontrar suas alternativas e, para o casal seis, a família serviu de base afetiva

na qual puderam se apoiar,sendo fator de proteção em ambos os casos, expressos

nos fragmentos:

E tem a nossa família também, que o pai dele quando precisa o pai dele ajuda, minha mãe com meu pai também ajuda a gente. Mas não é assim, que a gente tá precisando, pedindo ajuda. Se algum dia acontecer da gente não ter o que... aonde procurar solução, tem eles (M7).

E foi na família dele que eu aprendi o que era família, foi lá que eu vi o esteio de família, achava linda a família dele (M6).

5.2.3 ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO PARA A CONJUGALIDADE

5.2.3.1 Ajuda psicológica profissional

É importante ressaltar que a experiência vivida por M6 foi traumática e teve

consequências psicossociais imediatas para sua vida e a de seus filhos,

caracterizando-se como uma experiência disruptiva. Porém, Benyakar (2000), que

trabalha com a resiliência familiar, afirma que a noção de trauma é inerente à

complexidade da condição humana e que muitas de nossas experiências tornam-se

complexas por serem re-vivências de impactos já evidenciados.

Cyrulnik (2005) também afirma que a possibilidade de elaboração de uma

vivência dolorosa está diretamente ligada à possibilidade de ressignificação que se

dá pela fala. Afirma ainda que a capacidade de reação aos “traumas” também

depende de três fatores: os recursos internos disponíveis desde o nascimento, a

forma como o trauma é assimilado e os suportes institucionais existentes no meio

ambiente próximo.

Assim, a alegria, a empatia, a força interior e a competência social são muito

importantes na construção da resiliência e na adaptação a situações adversas.

Embora todos sejam portadores dessas características, a forma como se combinam

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oferecem resultados muito distintos. Não são os fatos que nos traumatizam, mas o

modo como lidamos com eles. Nesse sentido,quando M6 buscou o apoio

psicológico,permitiu-se fortalecer, ver suas possibilidades e buscar saídas mais

saudáveis para sua vida. Nas falas de M6 apareceram motivos pessoais que a

levaram a se cuidar, o modo como quer ser vista pelas pessoas e aponta o

sentimento que tem pelo marido como outra razão para seguir na sua conjugalidade.

Eu cheguei a passar por psicólogo, mas eu parei, porque não tinha dinheiro [...]. Mas eu queria voltar, o psicólogo não vai resolver meu problema, mas vai me instruir para que eu passe melhor por ele. Eu não quero, um dia, ser lembrada com dor, com choro, lágrima, é isso que eu quero me libertar. Eu quero dar testemunhos de vida mais pra frente [...].O amor, que por mais que ele tenha errado comigo, eu ainda amo ele (M6).

A busca de ajuda psicológica funciona como um dos vários suportes a que os

casais podem recorrer e,segundo Benghozi (2013), os auxilia no processo que

denomina de malhagem, para que, na medida em que superarem o momento da

ruptura /cisão, possam reencontrar novos caminhos.

A 'malhagem' diz respeito ao contexto formado por laços e relações sociais e à transmissão psíquica decorrente nesse contexto. A malha é a rede construída por laços de filiação e de afiliação que, por sua vez, implica relações entre as pessoas ligadas pelos laços (BENGHOZI, 2013, on-line).

A presença de apoios externos à relação, especificamente no microssistema,

pode viabilizar a resiliência na conjugalidade, na medida em que oferecem suporte

que faltaram a cada um dos membros em sua estruturação pessoal ou ao próprio

casal, enquanto sistema sujeito ao longo do tempo a movimentos de forças

contrárias advindas ora do interior da díade ora dos meso ou macro contextos aos

quais pertencem. É preciso, ainda, levar em consideração a questão do tempo e as

mudanças vividas a todo sistema em seu uso, o que pode funcionar como fator de

risco a conjugalidade.

Neste caso, a ajuda psicológica profissional atuou como proteção em M6, o

que permitiu a esta a ruptura com comportamentos autodestrutivos, focando mais no

processo de elaboração e reconstrução. Com isso, permitindo uma diferenciação

entre ela e seu parceiro.

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5.2.3.2 Renúncia em favor da conjugalidade

O conceito de renúncia nessa investigação foi tomado do verbo renunciar,

que significa: “negar ou recusar (algo ou alguma coisa); rejeitar: renunciar os

prazeres da carne. Deixar de acreditar, renegar: renunciar a antigas crenças. Deixar

de possuir alguma coisa; renunciar a uma herança”.

O importante na apresentação do conceito é perceber que é um ato ou atitude

que envolve uma tomada de decisão, deixar algo que já está dado e que é de uma

ordem prazerosa, herdada e presente nas crenças de vida. Assim, envolve um

processo de luto porque, necessariamente, relacionado a perdas daquilo que já se

possuía ou se desejava como projeto de vida.

Os casais aqui entrevistados trouxeram em suas experiências que a renúncia é uma

estratégia que os auxilia nas superações das dificuldades, mas sempre deixam

entrever que os custos internos vinculados a estas tomadas de decisões existem.

Também foi possível pensar que a renúncia é uma moeda de troca, por meio da qual

aquele que renuncia o faz como probabilidade de um ganho que se estabelece com

esse ato; neste caso, a manutenção da conjugalidade. Significando uma escolha e

um bem maior para aquele que renuncia, considerada por todos como um

movimento que torna a conjugalidade possível. Um dos grandes pontos da

conjugalidade na modernidade é o excesso de individualismo, que não permite uma

equação em que cada um possa trazer para a conjugalidade um nível de renúncias

para que todos possam sair vitoriosos enquanto grupo.

Percebe-se que o estabelecimento da conjugalidade requer muito destes

movimentos e que,para ser harmoniosa, deve-se compor como uma dança pelo

equilíbrio dos pares,de modo que as renúncias possam acontecer, ora por um

membro da dupla, ora por outro.

Johnson (2004), ao falar dos modos de ligação do casal, os trazem como

herança da teoria da vinculação infantil e pretende designar o grau de afetividade

desses na construção da segurança, da confiança e da intimidade. Desses três

componentes, a intimidade é a característica mais específica da relação da

conjugalidade,e, na literatura, se compõe de vários elementos, como a aceitação, a

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naturalidade, a autoabertura, a sexualidade, a autonomia e a fusão, a proximidade

emocional, física e intelectual (HELLER; WOOD, 1998).

A intimidade também é um componente importante das relações românticas,

definida como processo relacional (MASHEK; ARON, 2004). Segundo esse modelo,

o processo de intimidade está longe de ser um estado estático, pois apresenta-se

como um “processo na medida em que os parceiros compreendem aspectos

centrais do self, incluindo necessidades importantes, emoções e pensamentos”

(BRADBURY; KARNEY, 2010, p. 22). A intimidade surge como a manifestação da

condição satisfatória elementar para uma relação, num “grupo de diferentes tipos de

necessidades como: intimidade, sexualidade, envolvimento emocional,

companheirismo e envolvimento intelectual” (DRIGOTAS; RUSBULT, 1992 p. 23).

O casal sete expressa a intimidade ao falar da empatia com que lidam no seu

dia a dia. Mas nós dois somos muito companheiros. Se ele tá vendo que eu tô precisando de ajuda, que eu não tô bem, ele chega em mim e fala: olha, você não tá bem (M7).

A intimidade é, assim, uma categoria que contribui com a resiliência na

conjugalidade, fortalece os casais e pressupõe sentir-se aceito, como é assim com a

existência de níveis de alteridade necessária para que haja um encontro. Pode-se perceber que a renúncia ocorre tanto para as mulheres como para os

homens, como ilustra o fragmento de uma das partes do casal de 15 anos de união,

ao discorrer sobre o movimento de retomada após a traição.

[...] a minha parte eu estou fazendo e acreditando sempre que hoje é mais um dia, hoje eu renuncio, hoje eu não vou brigar com ele. [...] A não brigar, a não falar do passado. (M6).

Outro aspecto da renúncia foi apontado por M7 ao falar que a vinda de um

filho impõe mudanças significativas ao casal, desde as condições relativas a

mudanças de hábitos, até as questões internas que implicam em dividir o (a)

parceiro(a) em termos da atenção requerida pelo bebê, tendo o casal, neste

momento, que priorizar a escolha feita por um filho, podendo dar conta de todas as

vicissitudes que impliquem a presença deste na vida do casal.Ilustram isto ao

afirmar:

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A parte mais difícil foi acho que, assim que o neném nasceu, que ai a gente teve que deixar de fazer muita coisa que a gente tava acostumado. (M7)

5.2.3.3Conviver com grupos religiosos e sociais (Grupos de casais) Embora esta subcategoria tenha se apresentado relacionada à espiritualidade

para o casal seis, ela também teve seu papel enquanto presença de outro contexto

meso no qual o casal pode se sentir acolhido ao ingressar em um novo grupo de

amigos. Com esses amigos, passaram a ter novas referências e a se fortalecer;

sendo, para este casal, fator de proteção. Observou-se a importância da rede social

nas quais as famílias podem ser acolhidas,oferecendo-lhes novos modelos de

relacionamento.

5.2.3.4 Diálogo enquanto atitude de negociação

A subcategoria do diálogo apareceu novamente na fase adolescente como

ligada a uma estratégia utilizada pelo casal no enfrentamento das dificuldades

vivenciadas, apontando que uma ação,para ser concretizada, exige conversa entre a

dupla, pois, as mudanças sem dúvida afetam o casal e têm consequências para a

família toda.O uso do diálogo assume um efeito de proteção à conjugalidade, assim

como de elemento capaz de viabilizar a negociação diante de qualquer impasse.

[...] bom, é assim, é o companheirismo dela que a gente é muito companheiro, a gente conversa bem um com o outro. A gente às vezes tá, por exemplo assim, pensando em fazer alguma coisa. Eu pensando em fazer alguma coisa, eu vou e converso com ela. O que você acha? O que a gente pode fazer? (H7)

Da mesma forma, a ausência do diálogo, enquanto estratégia de

enfrentamento, não contribui com os casais em relação à administração de suas

diferenças. Nesta pesquisa, o diálogo se fez presente sempre como alternativa na

busca por solução, inclusive para o casal seis, como estratégia de proteção ao

vínculo que não foi suspenso, mesmo no momento de crise, permitindo ao casal

encontrar suas soluções.

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5.3 FASE MADURA

Para situar as características desta fase, é importante assinalar que as

modificações demográficas das últimas décadas trouxeram mudanças no cenário

mundial, com consequências múltiplas no âmbito social. Dentre as principais,podem-

se citar a maior longevidade humana e a diminuição do tamanho das famílias, o que

alterou o modo e a relação dos laços familiares,como relacionamentos mais

duradouros,com acúmulo de experiências e a possibilidade da vivência de vários

papéis entre seus membros.E, nesta pesquisa, os casais aqui entrevistados já se

encontravam com mais de 60 anos, portanto, pertencentes ao chamado grupo de

idosos.

Segundo o IBGE (2010), estima-se que, em 2020, a população com mais de

sessenta anos no país deve chegar a trinta milhões de pessoas, o que equivaleria a

13% do total. Para Feres-Carneiro (2011, p. 79) “[...] O IBGE também traz um dado

estatístico bastante relevante: 27% dos idosos são responsáveis por mais de 90%

do rendimento familiar”.

Um fenômeno que se observa na fase madura, geralmente como fruto da

perda do trabalho fixo e dos níveis de exigência do mercado de trabalho, é a

existência das co-moradias na vida dos idosos, situações nas quais convivem várias

gerações, muitas delas sustentadas, integralmente, pelos próprios idosos.

A coabitação tem sido um modo de sobrevivência bastante utilizado pelas

famílias em vários Países da América Latina, pelas classes mais desfavorecidas

socialmente. Porém,o que está se observando é que esse arranjo nas classes

médias tem como consequência as restrições econômicas que dificultam aos mais

jovens a aquisição de habitação, que optam por conviver com os demais membros

da família em sistema de coabitação (FERES-CARNEIRO, 2011).

Se, por um lado, os idosos dependem da família descendente, essa também

depende dos idosos ,pois estes lhes oferecem suporte.

A fase madura tem como característica o ciclo vital no momento em que os

filhos não dependem mais dos cuidados diretos dos pais, mesmo que dependam

financeiramente, e os pais também são adultos e independentes (CERVENY, 1997).

Pode ser considerada como a fase que costuma servir de suporte e equilíbrio

para os desequilíbrios das fases anteriores e posteriores, esta fase traz como

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129

características adultos saudáveis, na maioria das vezes já aposentados ou em vias

de fazê-lo, com filhos já crescidos e independentes, com disponibilidade de tempo

maior para amparar os próprios pais idosos e os filhos no início de suas

conjugalidades. Sobre isso,Sommerhalder e Nogueira (2000), citados por Feres

Carneiro (2011, p. 82):

[...] as diferentes gerações necessitam adotar uma postura flexível diante da vida e estabelecer diálogo para adaptarem-se às mudanças e conviverem de forma positiva. Isso não significa que devam concordar em tudo; as discordâncias podem e devem ocorrer, porém, é importante a disposição para reavaliar posições. Esta postura será ainda mais necessária nas gerações que convivem juntas.

A perspectiva do trabalho sistêmico coma família introduz o conceito de

Ritual de Passagem como o que facilita a modificação da percepção das relações

dos indivíduos e das famílias entre si, e também define o pertencimento ao grupo.

Podem-se ter rituais de pertencimento, de redefinição de uma determinada situação,

de celebração (COSTA, et al., 2007). O que caracterizaria na atualidade um ritual de

passagem das duas primeiras fases para a terceira, chamada fase madura, com

toda gama de mudanças que supõe para a conjugalidade. É complexo, pois, cada

família irá responder a isto de acordo com o que os contextos lhes permitem. No

entanto, as transformações da sexualidade, as aposentadorias e os ninhos vazios

fazem parte da grande maioria das mudanças que se estabelecem na fase adulta.

Neste contexto é também importante pensar como os casais se despedem de

uma determinada fase para adentrar em outra. Considera-se que as fases não estão

mais tão rigidamente estabelecidas em função dos impactos que as descobertas

científicas e as tecnologias trouxeram para a vida das pessoas como o

prolongamento do tempo de vida e da juventude, por assim dizer, e hoje, ao entrar

para a fase madura, os casais podem,neste momento, realizar sonhos postergados,

como cursar nova carreira, viajar e iniciar novas relações afetivas, em função da

viuvez ou separação.

A seguir serão demonstradas, através do Quadro 3, as categorias de risco,

de proteção, as estratégias de enfrentamento e suas subcategorias pertencentes à

fase madura.

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Quadro3 - Distribuição das categorias e subcategorias na Fase Madura

CATEGORIAS SUBCATEGORIAS SEGMENTOS ILUSTRATIVOS

FATORES

DE RISCO

PARA A CONJUGALIDADE

1. Dificuldades de adaptação (frente às mudanças ocorridas nesta fase)

Fiquei dez anos lá, sem gostar e voltei e fiquei feliz da vida. A gente viveu lá também e lá foi melhor pra gente, muita coisa que ele fazia ele largou de fazer. (M2)

2. Ninho vazio/ mãe protetora Eu acho que nós somos carentes em relação aos filhos, assim, no meu caso. Parece que um pouco de atenção que não dá, já acho que me esqueceu. (M2)

FATORES

DE PROTEÇÃO

PARA A

CONJUGALIDADE

1. Buscar qualidade de vida e cuidados com a saúde

Eu acho assim. Eu, graças a Deus, não tenho vício nenhum. Não bebo, não fumo, não saímos para nenhuma quebrada, sempre estamos em casa, em família, com os filhos. Hoje, querendo ou não, na sociedade, nós somos o espelho para os parentes... (H3)

2. Amor e companheirismo entre o casal

O que facilitou foi a união da gente, não é? Saber enfrentar os dois juntos. Nunca falei para ele resolver sozinho uma coisa e nem ele falou para mim. Nunca. (M3)

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ESTRATÉGIAS

DE

ENFRENTAMENTO

PARA A

CONJUGALIDADE

1. Participação em atividades de grupos religiosos/sociais

Eu fui confessar, eu gosto de confessar, tirar um monte de dúvidas com o padre e eu sempre tive na igreja e um fato que me chamou atenção é que tudo que eu pedia, eu era atendido... (H3)

2. Apoio e cuidado das famílias colateral e descendente

A filha ajuda muito a gente, é uma menina de ouro. (M3)

3. Diálogo enquanto atitude de negociação

A gente sempre faz as coisas, mas em comum acordo, a gente entra em um acordo, conversa. Partilha as coisas e não é possessiva as coisas. Como casal a gente não usa a palavra "meu", é sempre o nosso. Não tem divisão. É em comum acordo. (H2)

* As categorias aqui expostas encontram-se também demonstradas graficamente no APÊNDICE III e IV

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5.3.1 CATEGORIAS DOS FATORES DE RISCO PARA A CONJUGALIDADE

5.3.1.1 Dificuldades de adaptação (frente às mudanças ocorridas nesta fase da vida)

Uma das mudanças possíveis nesta fase é a perda financeira/profissional,

pelas constantes demandas do mundo moderno em que, para manter-se

empregado, há que se efetuar diversos investimentos.

As últimas décadas foram marcadas por uma mudança total de relação entre

indivíduo e trabalho. Na contramão do aumento significativo de bens de consumo, o

trabalho fixo e estável praticamente está desaparecendo, cedendo lugar à prestação

de serviços que servem à resolução imediata de um problema, seja ele de que

ordem for. Com a perda do trabalho estável e a necessidade de especializações

constantes, a estruturação das identidades profissionais atravessa uma crise. A

identidade profissional ainda é, socialmente, a primeira que define o sujeito. Os

efeitos deste processo geram muitos desdobramentos,

Na cultura ocidental moderna que já há muito atingiu também o Oriente, o trabalho tem sido um bem simbólico que articula ordem individual e ordem coletiva em laço social. Quando esse laço é abalado, desamarrado por políticas e medidas econômicas nacionais, internacionais ou empresariais que rompem ou esgarçam esse contrato, o valor trabalho, enquanto bem simbólico, também entra em derrisão. O que não fica imediatamente aparente é que os sujeitos estão profundamente marcados por esse valor enquanto constitutivo de sua própria identidade. Esses efeitos subjetivos são difíceis de medir a curto prazo, mas parece que estão se revelando nos números epidêmicos presentes nas estatísticas das últimas décadas (JARDIM, 2011, p.90).

Um fato interessante relacionado ao casal três (35 anos de união) é que

M3decide deixar um trabalho de doze anos para cuidar dos filhos, pois o marido

trabalhava em um banco e era bem remunerado. Mas esta estabilidade não se

sustentou e, ainda com filhos pequenos, H3 perdeu seu trabalho. A perda repentina

do trabalho gerou um grande desafio para o casal, que narra as estratégias que

usaram para administrar as dificuldades presentes neste momento de sua

conjugalidade.

Nós passamos apuros bem apertados. Quando ele trabalhava no banco, no natal ele ganhava muita bebida, garrafas de Uísque importado. Teve tempo que ele levava essas garrafas no bar e vendia para comprar biscoito para as

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crianças comerem (emocionada), porque desempregado, ele não podia. [...] Foi uma época muito difícil. E cobrador na porta, cobrando.... Nós tivemos que vender carro, nós tínhamos carro, tinha casa, tinha dois filhos, uma casa bonitinha, uma vizinhança boa. Perdemos casa, perdemos filho, perdemos carro, perdemos tudo. Começamos do zero com dois filhos. Foi uma época muito difícil. [...] A gente era moço, não é? Tinha força. Eu lavava roupa da minha irmã. Era um dinheirinho. (M3)

No casal três, apareceu o amor como fator de proteção e a crença religiosa

para superarem as dificuldades financeiras. Uniram-se, apoiaram-se e trabalharam

bastante. Assim, a forma como um casal lida com suas dificuldades depende de

vários fatores, o que é problema para um casal, pode ser administrado com

tranquilidade por outro.

Outra mudança na fase madura é a aposentadoria ou sua proximidade.

Aposentadoria significa a parada do desempenho de uma atividade formal que foi

realizada durante trinta anos ou mais e que pode gerar uma crise (SILVA, 1997), do

ponto de vista individual, familiar e social.

A aposentadoria aparece como fenômeno específico a partir da fase madura,

sendo representativo do fechamento de um ciclo da vida. Neste, a maioria dos

casais já conta com a ausência dos filhos e as questões de um maior cuidado com a

saúde, que não se restringem às doenças, mas também à sua prevenção. O que se

percebe é que a necessidade de trabalhar prossegue até mais tardiamente, e,

mesmo se aposentando, as pessoas seguem trabalhando de modo alternativo.

Primeiramente, porque se sentem úteis, e depois porque precisam da renda para

ajudar em suas próprias despesas e de seus descendentes que hoje permanecem

por mais tempo com os pais. Sua chegada, às vezes, vem associada a doenças,

como exemplifica este fragmento:

Teve a depressão dele e eu quando parei de trabalhar também tive depressão. Agora eu entendo que ele não quer parar com o (comércio), mas tem que ver até quando dá para ir com o (comércio)” (M4).

A aposentadoria também representa perdas salariais significativas para o

idoso, que fica sozinho frente à família extensa, com pouca disponibilidade de

tempo, pois todos trabalham.

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O lugar do dinheiro na atualidade faz com que a aposentadoria seja vista, em

muitas situações, como benéfica e, em outras, como não desejada. A saída do

trabalho também pode trazer como consequências perdas afetivas para o casal ou

para um dos membros. Sobre isso, Rodrigues et al. (2005, on-line) afirmam que:

Em nossa sociedade; densamente imbuída pela lógica capitalista, o trabalho não se constitui apenas como uma fonte de renda para o homem. É por meio desta atividade essencialmente humana que o sujeito organiza seus horários e sua rotina, estabelece planos, metas e aspirações, constrói seus laços afetivos, exerce sua atividade, garante sua independência e expressa sua produtividade.

A seguir, H4 traz um exemplo do efeito positivo trazido por uma conquista

fruto de seu trabalho.

Adquirimos nossa casa, tudo que eu fazia e sobrava, eu colocava na poupança para guardar, tinha essa reserva, nós compramos a parte da herança que ela tinha parte, nós compramos a outra parte e ficamos com a casa. Então, tudo bem, tudo tranquilo. (H4).

Dessa forma,o modo como cada casal e cada elemento da dupla reage

diante dos desafios afeta as relações, e os casais que são capazes de enfrentá-los

juntos, geralmente, se fortalecem melhorando, com isso, sua auto-percepção

enquanto equipe, aumentando a confiança e o compromisso mútuo (BODENMAN,

2005).

5.3.1.2 Ninho vazio/ mãe protetora

Arriagada (1997), em uma classificação feita para famílias latino-americanas,

define como “ninhos vazios” as famílias formadas por um casal, cujo cônjuge tem

mais de 35 anos e os filhos não residem junto, seja por já terem constituído as suas

famílias, seja pela busca da independência ou pela migração.

A saudade da família descendente, e o ninho vazio, foi uma subcategoria que

se manifestou com frequência na fase madura, sendo representativas de situações

de risco para a conjugalidade. Esta subcategoria foi expressa pelo casal dois, pela

vontade de ter os netos por perto ao dizer:

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[...] tenho vontade de ficar perto de neto, de o neto ter acesso, não assim de ser visita, eu queria ter os netos próximos mesmo, de entrar em casa, ter liberdade como se fosse um filho mesmo. Eu queria ter essa chance de ter neto assim e agora acho que eu vou ter, porque vai ficar perto (M2).

A saudade dos filhos exemplifica a questão do “ninho vazio”, que na literatura

coincide com uma desaceleração nas atividades da vida do casal e com a chegada

da aposentadoria, expressa na fala de M2:

Porque a vida nossa é meio mansa. Não acontece nada sério. Financeiramente a gente nunca atrasou, nunca ficou devendo. Faz as coisas na possibilidade que a gente pode (M2).

Fase que permite espaço para novas expectativas que, normalmente,

envolvem os filhos.Como exemplo,M2 fala de como será viver junto da família do

filho,que, por dificuldades econômicas, voltará a morar no fundo da casa dos pais.

Os filhos meus são só visita, vem visita, passa tempo e vai embora. Agora são três crianças. Então a gente tá vivendo uma expectativa, não sei se é receio, não sei se é prazer (M2).

Foi possível observar que, para M2, não se tratava só do ninho vazio, embora

a saudade estivesse claramente presente, mas, de uma mãe insegura, visto que,

diante de uma ausência de ligação, já pensa estar sendo esquecida pelos filhos e

também ao afirmar que a chegada dos netos aponta para questões de dúvida sobre

como ficará a vida tranquila e com liberdade que vive hoje junto de seu parceiro.

Momento delicado para todos, em que a proteção pode se tornar um risco

dependendo de como essa nova convivência familiar for administrada.

Já no casal três, esta questão não aparece, porque os filhos ainda residem

com o casal e uma neta que já criam. Mas tudo bem. Ela teve uma filha, ela era solteira. Desde que nasceu ela mora comigo, faz quatro anos mês que vem(M3).

Com todas as mudanças de papéis e a saída dos filhos de casa parece sobrar mais tempo para ao menos lançar um olhar para o casamento; além disso, como já citamos anteriormente, o casamento dos filhos provoca uma revisão nos valores no casal de meia idade (CERVENY, 1997, p.116).

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Nos casais entrevistados, o olhar para o casamento/conjugalidade se faz ao

mesmo tempo em que se buscam,nas conquistas dos filhos, uma rememoração da

própria vitalidade. Aqui,o apoio aos filhos assume o sentido de ajuda para que não

passem pelos mesmos sofrimentos que os pais passaram.Aparece a crença na

cultura, nos investimentos, nos estudos para garantir uma melhoria geral das

condições de vida pelas oportunidades que isto oferece.

Hoje está outra vida, a filha está casada, a filha formou advogada... [...] Meus filhos são todos formados (H3). A filha ajuda muito a gente, é uma menina de ouro. O mais velho trabalha na (empresa x), no Rio, o caçula é jornalista e trabalha na (empresa y). (M3)

Esta é uma crença fundada no trabalho como possibilidade de um

pertencimento a determinados grupos de ascensão social. O diploma e o trabalho

são valorizados como passaportes e garantias de acesso a outras camadas da

sociedade, questão hoje bastante controvertida.

A questão da coabitação aparece nesta investigação em apenas um dos

casais da fase madura, acolhendo seus descendentes. Confirma ser a fase madura

aquela em que, dependendo do desenvolvimento biológico e financeiro dos

descendentes, o lar volta a ser habitado pelos filhos e seus familiares (esposas e

descendentes) ou retardam a ser desocupados como cita M3. As dificuldades

econômicas dos filhos são objeto de discussão de Feres-Carneiro (2011), pois,

inviabilizam a saída da casa dos pais.

Recente agora é que o meu filho que mora em (cidade w), paga aluguel, a minha nora tem deficiência, tem duas crianças, está grávida de novo, está com dificuldade de serviço e com as crianças [...] ela (nora) está pra vir agora. [...] Como tem dois cômodos no fundo, ela tá querendo vir pra ficar. Então é uma coisa temporária para mim, que pode ser que eu tenha liberdade de sair. [...] Então eu não sei, porque assusta. Nós passamos sozinho um tempo [...] (M2).

Este extrato aponta os vários desafios vividos pelos idosos diante do retorno

dos filhos, sentimentos contraditórios, pois, se por um lado há alegria de ver a casa

ser coabitada, especialmente pelos netos, de certo modo retomando o passado e

evitando o “ninho vazio,” por outro, entram em cena a perda da quietude e da

liberdade que implica em estar sem os filhos, a perda do próprio espaço com seus

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ritmos e costumes que começam a ser negociados para atender às múltiplas

necessidades. Neste momento, o retorno do filho torna-se um desafio para o casal,

que terá que administrar novas situações de modo que isso não se torne um risco.

Outro aspecto a ser considerado é que, diante das dificuldades dos filhos para

se estabelecerem na vida, recaem sobre os pais sentimentos de culpa, no sentido

de cogitarem sobre o que mais poderiam ter feito, a rever nos filhos suas próprias

impossibilidades. Deste modo, a culpa, enquanto movimento paralisante, os

inviabiliza de ver o que fizeram e, por outro lado, de promoverem nos filhos atitudes

de maior enfrentamento diante das dificuldades, não simplesmente retornando à

casa dos pais. Sobre isso, Camarano (2006) aponta que a co-residência parece

beneficiar mais as segunda e terceira gerações do que as gerações dos avôs. “[...]

Alguns esperam, ansiosamente, o momento em que [...] (os filhos) alcancem a sua

independência, embora afirmem que vão sentir falta dos netos” (FERES-

CARNEIRO, 2011, p. 91).M3 explica a dificuldade do genro em conseguir trabalho e

da ajuda que eles ofereceram à filha e à neta afirmando que: Começou a trabalhar, já mandaram ele para Londres para fazer um curso lá e graças a Deus. Agora, a única coisa é que minha filha vai embora para o Rio. Mas tudo bem. Ela teve uma filha, ela era solteira. Desde que nasceu ela mora comigo, faz quatro anos mês que vem. Depois ele arrumou esse estágio, arrumaram casa, moram em uma casa na (cidade x), os três (M3).

Por isso, o casal dois, diante da saída dos filhos aponta movimentos

contraditórios, ora gostando da quietude e da liberdade que implica em estar sem os

filhos perto, ora desejando a volta desses na figura dos netos, como modo de

retomar um momento do passado, não ficando mais o ninho vazio. Este quadro

remete aos desdobramentos do fenômeno da pós-modernidade, ou seja, seus

reflexos sobre a estrutura família, pois quando o casal entra na fase de estarem

sozinhos em casa, sem seus filhos, este cenário rapidamente se modifica com o

retorno deles à casa dos pais.

A família em desenvolvimento já não comporta mais, na fase madura, a

mulher somente como dona-de-casa e o homem como provedor total, compondo-se

dos filhos que, ao crescerem, começam a colaborar ou depender novamente dos

pais.

Este movimento apontou outra contradição da família atual, que oscila em

opostos, ora com grande indefinição de espaços vivendo todos juntos, ora trazendo

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para a cena uma questão da atualidade, que é o excesso de individualismo e das

relações líquidas, como afirma Bauman (2004). Na medida em que as novas famílias

não se sustentam, fica para as famílias de origem a missão de complementaridade,

mostrando a diferença de postura entre gerações, o que foi vivenciado por M3 ao

decidir parar de trabalhar para assumir os filhos, fato possível pelo apoio dos avôs

na criação dos netos. Mas este apoio também vem se redesenhando, pois os casais

moram distantes de suas famílias de origem e as avós ainda estão trabalhando ou

retornam ao mercado de trabalho para ampliar a renda familiar, fazendo com que os

casais modernos tenham que contar apenas com o auxilio das redes de apoio

públicas ou particulares existentes próximas as suas moradias para os cuidados

com os filhos.

O importante é a percepção sobre o quanto um mesmo acontecimento

apresenta interfaces e sobre o fato de que as soluções ou intervenções requerem

um olhar para o desenvolvimento de modo interdisciplinar para a compreensão do

fenômeno.

Na fase madura, há transformações e mudanças que, na melhor das

hipóteses, recoloca o casal frente a si mesmo para restabelecer novos contratos de

vida. Assim, a única maneira de lutar contra a degenerescência está na regeneração

permanente, na aptidão do conjunto da organização para regenerar-se e para

reorganizar-se, fazendo frente a todos os processos de desintegração (MORIN,

1990).

Importante também citar que as mudanças ao longo do ciclo vital implicam na

capacidade de adaptação ao novo. Neste sentido, Walsh (2002) apresenta o

conceito de adaptabilidade, que é a busca de equilíbrio entre a manutenção de uma

estrutura que é estável e que, ao mesmo tempo, precisa ser flexível para responder

às mudanças da vida, constituindo um dos princípios para o funcionamento

harmonioso de um casal e de uma família. A cada mudança de fase da vida

conjugal, o contrato inconscientemente estabelecido tem que ser reconhecido e

renegociado, confirmando Minuchin (1990) quando afirma ser a família um sistema

aberto em constante transformação pela troca que estabelece com outros sistemas.

5.3.2 CATEGORIAS DOS FATORES DE PROTEÇÃO PARA A CONJUGALIDADE

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5.3.2.1 Buscar qualidade de vida e cuidados com a saúde

Outro fator de proteção a ser considerado na fase madura é a questão da

qualidade de vida.Para a Organização Mundial de Saúde (GRUPO WHOQOL),

qualidade de vida é definida como “a percepção do indivíduo da sua posição na vida

no contexto de sua cultura e dos sistemas de valores da sociedade em que vive e

em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações” (FLECK,

1999, p.199).

Várias pesquisas com idosos têm demonstrado uma grande relação entre a

qualidade de vida e a presença de depressão, quer pela abrangência quer pela sua

magnitude nos escores totais. A depressão está diretamente relacionada aos

significados e possibilidades que, na vida, se instauram,estando fortemente ligada à

qualidade de vida mais que ao estado de saúde em si. Nos “idosos mais idosos” é

bastante significativa, especialmente nas mulheres, devido a sua maior longevidade

(ROCHA et al.,2002).

Nesta pesquisa, os casais da fase madura estavam mais voltados para os

cuidados com os filhos, preocupados em ajudá-los, e gozavam de boa saúde física e

mental, embora demonstrassem preocupação voltada para os cuidados com a

saúde. Quando você está com saúde, é uma beleza. Ela teve dengue o ano passado. Quando você fica doente, dá um desespero na gente. Nossa senhora! (H3)

Eu estou apavorada porque se eu pegar de novo pode ser aquela hemorrágica, ai complica. Então eu sou de alto risco, se eu pegar dengue de novo, pode ser complicado para mim. (M3)

A ajuda aos filhos e netos funcionava para esses casais como fator de

proteção, na medida em que viam nas realizações dos filhos suas próprias

realizações.

Assim, a busca pela qualidade de vida, na presença ou não da doença parece

ser uma constante na dinâmica dos casais na fase madura.

5.3.2.2 Amor e companheirismo entre casal- amor ágape

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Sobre a subcategoria amor e união entre casal, foi possível verificar que o

amor apaixonado ou romântico não é exclusivo do início dos processos amorosos,

mas continua ao longo das relações e é essencial para a construção de um sentido

de identidade partilhada, para a satisfação e para a estabilidade conjugal

(NARCISO; RIBEIRO, 2009).

A construção de dois fenômenos, o amor e a união, para designar uma

mesma categoria, se deu pela estreita relação entre ambos. Aqui apareceram

interligados, tornando-se impossível abordar um sem que o outro não estivesse

presente, o que se observou nos depoimentos coletados, como segue: A gente está com cabelo branco e ainda está desse jeito, mas eu acho legal, porque quando a pessoa não incomodar mais a gente, acho que é pior. Eu acho que enquanto está assim, tem vida. No momento que você não se importar mais com a opinião do outro, eu acho que é pior, então vamos continuar assim e a gente mesmo dá risada (M2). Porque se eu não gostasse dele e ele de mim, primeira coisa que acontece, um vai para um lado e o outro para o outro, mas tem que ser teimoso, tem que continuar ali, porque a gente tem que saber resolver (M3).

O que facilitou foi a união da gente, não é? Saber enfrentar os dois juntos. Nunca falei para ele resolver sozinho uma coisa e nem ele falou para mim. Nunca. Nós sempre resolvemos juntos (M3).

Tudo indica que as pessoas que têm sucesso nas suas parcerias íntimas

estão dispostas a fazer sacrifícios e relatam satisfação do sacrifício em si. Em

momentos de conflito, o sacrifício assume funções de recuar para considerar ações

que tenham sido positivas ao longo prazo (WHITTON; STANLEY; MARKMAN,

2002).No relato do casal três,é possível perceber quantos sacrifícios tiveram que

superar para seguir na vida e em sua conjugalidade.

Foi uma época muito difícil. E cobrador na porta, cobrando. Nós tivemos que vender carro, nós tínhamos carro, tinha casa, tinha dois filhos, uma casa bonitinha, uma vizinhança boa. Perdemos casa, perdemos filho, perdemos carro, perdemos tudo. Começamos do zero com dois filhos. Foi uma época muito difícil (M3).

Os autores também apontam que a possibilidade de superação está diretamente ligada ao nível de satisfação que a díade tem de sua parceria. Os parceiros mais satisfeitos, no início da relação e, com maior investimento, desenvolvem respostas mais construtivas como discutir

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problemas, comprometer-se e adotam uma orientação ativa de resolução de problemas. (RUSBULT; ZEMBRODT; GUNN, 1982, p. 20 - 21)

Nunca jogamos nada na cara um do outro e também não tinha envolvimento de terceiros. Não se envolviam, não tinha envolvimento de pessoas, só coisas cotidianas. Agora, se entrar terceiros no meio, já dificulta. O casamento tem que ser vivido dia a dia. Dia a dia trabalhado. Se você fez alguma coisa que desagradou, tem que corrigir (H2).

Outro ponto trazido pelos casais da fase madura foi expresso nesta fala sobre

a fidelidade,fator importante na proteção da conjugalidade.

Uma coisa importante no casamento, para mim, é a fidelidade, tem que ser fiel e tem que ter amor. Eu penso comigo mesmo, que dá vontade de sair com outra mulher, para ver como é que é, dá vontade. Mas depois você senta, medita, reflete. A primeira coisa, eu acho que você tendo a fidelidade, você tem o amor e um respeitando o outro, você chega a uma vida a dois (H3).

Para este homem, existe o reconhecimento da atração, mas, a consideração

da relação existente na conjugalidade tem um peso maior e, diante disso, efetua

uma escolha. Considera-se que, a partir do uso de sua liberdade, cada um aciona

seu sistema de crenças e valores e que isso norteia as tomadas de decisões.

Neste sentido a fidelidade pode significar [...] o reconhecimento de que ser fiel não depende da vontade dos deuses, é uma decisão que cabe simplesmente a nós, e temos que tomá-la não uma única vez, mas constantemente [...]. Algumas pessoas casadas, maridos e mulheres, que nunca foram infiéis, tiveram de decidir, repetidas vezes, manter-se fiéis, tiveram de reafirmar a si mesmos – ante a poderosa tentação – que é importante resistir a ela (VIORTS, 2003, p. 173).

Nesta mesma direção, M3apontapara o movimento presente no processo da

conjugalidade, onde não existem garantias a priori, mas processos de construção

contínuos, por meio dos quais as escolhas são refeitas diariamente.

A vida não é um mar de rosas, a vida é assim, igual esses gráficos de fábrica, que sobe e depois desce. Tem horas que a gente está lá em cima, daqui a pouco dá uma caída e fica mais tempo pra baixo. Pra mim, todo casamento tem isso. A pessoa que fala que nunca brigou, um é cega e o outro é surdo, porque não é possível. Tem as desavenças entre a gente, mas temos que saber controlar, isso faz parte (M3).

5.3.3 ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO PARA A CONJUGALIDADE

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5.3.3.1 Participação em atividades religiosas/sociais

Nesta pesquisa, a subcategoria espiritualidade esteve atrelada à participação

em atividades religiosas e sociais, deixando antever que a maturidade traz

mudanças de percepções da vida, de modo de se relacionar e, principalmente, de

objetivos. Assim, os grupos em que os casais pertencem foram também sofrendo

alterações. Se na fase de aquisição os grupos ainda são os dos amigos dos casais

quando solteiros, na adolescente vai se alterando e passam a ser os dos pais dos

amigos dos filhos, dos amigos de trabalho. Com a saída dessas situações da

vida,resta ao casal reconstruir novas dinâmicas baseadas em expectativas de vida e

objetivos comuns. Neste cenário, é que surgem os grupos sociais, muitas vezes de

ajuda social ou grupos religiosos. Com um olhar também para as limitações da vida

e do tempo de vida, os grupos religiosos têm objetivos mais próximos da realidade

de vida atual; tendo como função manterem os casais socialmente integrados.

Funcionam como estratégia na qual se apoiam para proteger a conjugalidade e a

saúde física e mental dos participantes, como aponta os segmentos a seguir:

Eu trabalho para os pobres da igreja, nós fomos festeiros na (igreja x), depois fomos para a (igreja y), e (igreja z). Essa semana, Semana Santa, eu estava conversando com o padre, confessando e eu fiquei imaginando que se hoje eu morresse e chegasse perto de Deus, eu veria todos os pecados que eu fiz, mas tem que pesar as coisas boas que eu estou fazendo também (H3).

Dentre as muitas funções dos grupos, Rutter (1987) cita: 1. Os grupos

colaboram para diminuir os impactos dos riscos a eventos estressores; 2. Reduzem

as reações em cadeia de uma vivência de risco; 3. Mantém a autoestima através de

relações seguras de afeto e, 4. Ativa a criatividade na medida em que viabiliza

espaços para o uso destas em atividades lúdicas em setores públicos que reforçam

e valorizam o contato social.É importante salientar que não basta a existência de

atividades sociais oferecidas pela rede de apoio, mas a importância dada para essas

participações pelos envolvidos.

O exercício da espiritualidade foi apontado pelos casais como uma

subcategoria que contribuiu para a superação das dificuldades. Aqui foi definida

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como “encontro de autoconhecimento do ser com sua dimensão mais fiel e bela - a

espiritual - que possibilita uma conexão consigo mesmo e com o Cosmo, onde se

atinge recursos inigualáveis que podem influenciar a vida humana e suas relações

com o universo” (DEZORZI, 2006, p.20).

Este autor afirma que pessoas que acompanham de perto o sofrimento de

pacientes em hospitais observam os familiares e pacientes utilizando-se de objetos,

orações e das mais variadas crenças para buscar o bem-estar e a força no

enfrentamento das situações difíceis.

Outro ponto sobre a espiritualidade é o crescente número de pesquisas que

trazem em seu bojo questões relativas a esse assunto, expressando uma busca por

um campo de permanência e seguridade, tão em falta neste mundo em

transformações rápidas e constantes. Além disso, a espiritualidade apresenta a

representação de uma visão mais ampla e complexa do homem frente a seu lugar

no universo, a partir da qual o homem possa sair fortalecido. O reconhecimento de

que o progresso e o desenvolvimento da ciência alcançado na atualidade deixou as

pessoas carentes de valores e sentimentos, de sentido para a vida.

Outro ponto importante na questão da espiritualidade é o fato de não se

revestir de um vínculo religioso específico, mas é o modo de se subjetivar que define

o caráter da espiritualidade. Ou seja, mesmo em pessoas que não apontem a

religiosidade (enquanto prática da espiritualidade) como suporte, não significa que

essa não se faça presente de outros modos.

A espiritualidade objetiva o desenvolvimento de um propósito maior para a

vida, e é refletida no nosso modo de contato com os outros e com a natureza em

geral. Existe um consenso dos autores com relação à subjetividade do conceito de

espiritualidade, por isso não é possível encontrar uma definição definitiva e

universal. Mas as pessoas que apontam ter uma espiritualidade desenvolvida a

narram como força e paz interior, derivada de uma união com um Ser, um Deus,

uma Realidade transcendente ou tudo o que a pessoa valorize como supremo em

sua vida (DEZORZI, 2006). Nesta pesquisa, M3 expressa a importância da

espiritualidade para o casamento.

Eu acho que, como ele falou, é a fé, que a gente não pode desanimar, porque se desanimar no primeiro problema, o casamento vai embora. (M3)

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Um dos casais da fase madura também trouxe a subcategoria ouvir outros

casais como presente em suas vidas, ratificando suas ações. Além disso, observa-

se aqui a presença de meso contextos como importantes na vida dos casais, pois,

funcionam como apoio,segurança e pertencimento.

Eu não sei, quando a gente vai para a igreja e escuta outros casais; quando vai uma pessoa mais velha, uma psicóloga dar um conselho, a gente vê que fez aquilo que eles tinham falado sem a gente saber (M2).

5.3.3.2 Apoio e cuidado das famílias de origem/colateral e descendente

Na fase madura, pode-se perceber que os modelos vivenciados pelos casais

através de suas famílias de origem estão presentes em suas crenças e valores,

criando predisposições nos casais com relação ao modo de perceber e se posicionar

frente às adversidades, ou seja, lançam mão desses modelos para se organizar de

modo a ter atitudes mais resilientes para com seus pares,como aponta M3.

Não, mas ele se espelhou na família dele, eu me espelhei no meu pai, minha mãe, que eu nunca vi meu pai levantar a voz para a minha mãe, nunca vi meu pai brigar na nossa frente, nunca. Se brigaram, brigaram escondidos, porque eu nunca vi, até a hora que os dois eram vivos, eu nunca vi o meu pai perder a linha (M3).

[...] com certeza, se não fosse isso eu não sei se estávamos juntos ainda, não sei o que iria acontecer. Seguimos o exemplo dos nossos pais. [...] Foram os exemplos mesmos, e o nosso modo de viver (M3).

A filha ajuda muito a gente, é uma menina de ouro. O mais velho trabalha na (empresa x), no Rio, o caçula é jornalista e trabalha na (empresa y). (M3)

Nesta fase, os casais entrevistados, embora aposentados, eram bastante

ativos e atuantes, não manifestando necessidades de cuidados específicos por parte

dos filhos ou colaterais.

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5.3.3.3 Diálogo enquanto atitude de negociação

O diálogo se mostrou presente como uma estratégia para os casais da fase

madura, como uma dinâmica estabelecida entre a dupla, como um mecanismo que

funciona como proteção da conjugalidade,expressando, ao mesmo tempo, ser fruto

de um processo de aprendizagem entre o casal. É importante assinalar que são

muitas as formas de diálogo, indicando que a comunicação é mais ampla do que o

que se expressa pelas palavras, podendo o silêncio estar a favor da comunicação

em determinados momentos da relação.

[...] o que ficou entre nós é o diálogo. Ficou positivo entre nós. Nós conversamos bastante. Tudo o que nós fazemos fica decidido entre nós dois. Eu faço a vontade dele e ele faz a minha vontade. Não precisa a gente falar, só de ele falar que não eu já acabo aceitando, ou eu bato o pé e quero mesmo. Às vezes ele abre mão, às vezes sou eu....isso aí é o equilíbrio entre a gente (M2). [...] Nunca falei para ele resolver sozinho uma coisa e nem ele falou para mim. Nunca. Nós sempre resolvemos juntos (M3). A gente sempre faz as coisas, mas em comum acordo, a gente entra em um acordo, conversa. Partilha as coisas e não é possessiva as coisas. Como casal a gente não usa a palavra "meu", é sempre o nosso. Não tem divisão. É em comum acordo. Tem problemas como todo casal, briga, discute (H2).

O diálogo também foi compreendido como viabilizador dos processos

de amadurecimento, sendo este o fruto de desafios superados e que resultaram em

crescimento e aprendizagem para o casal, favorecendo a conjugalidade.

Alguns exemplos disso são vistos pelo casal com 25 anos de união, ao

reconhecerem o benefício de mudarem de cidade devido à transferência do trabalho

do marido, o que, inicialmente, foi visto como um risco, porém, ao ser superado,

resultou em processo de maturidade por meio do qual puderam retirar experiências

positivas para toda família.

Eu achei que lá que uniu mais a gente, família, filhos. Foi bom porque lá nessa coisa de locomoção, ele interagiu mais com as crianças, ficava junto, porque antes era só eu (M2).

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O casal três, de 35 anos de união, o expressou quando reconhecem suas

dificuldades, e compreende isso como um movimento próprio da vida e que exige

desafios.

Dificuldade todo mundo tem, às vezes, não tem dificuldades financeiras, mas têm outras que talvez seja até pior que a financeira. A nossa dificuldade foi dificuldade financeira (M3).

5.4 FASE ÚLTIMA

A fase última representa o fechamento de um ciclo e também pode explicar as

contradições e lacunas da trajetória familiar (CERVENY, 1997).

No Brasil, as estimativas apontam que, em 2025, teremos 34 milhões de

idosos, com prevalência daqueles com mais de 80 anos (NUNES; MENEZES;

ALCHIERE,2010 apud MELO; SILVA, 2013, p.15). Envelhecer faz parte de uma

etapa da vida e se processa pelas mudanças físicas, psicológicas, sociais e, que

ocorrem a todas as pessoas que vivem muitos anos (CIOSAK et al., 2011, apud

MELO, SILVA, 2013, p.15). Tendo em vista a possibilidade de maior longevidade

das pessoas,estudos com idosos relacionados a seus vínculos familiares ainda são

inexpressivos, se comparados a outras questões do envelhecimento, pois nunca

houve, na história, um período de convivência tão longa entre idosos e seus

descendentes (MORAGAS, 1997).

Camarano (2003) afirma que 86% dos lares onde residem idosos são

chefiados pelos idosos, possuindo residência própria e renda representativa. E que,

em muitos lares, há idosos que cuidam de outros mais idosos. Outro fenômeno a ser

observado nesta fase é a predominância de idosas que chefiam famílias,

comprovando a “feminização da velhice” (FERES-CARNEIRO, 2011).

Esses dados remetem ao questionamento sobre como as famílias brasileiras

com idosos estão se organizando para fazer face ao envelhecimento populacional, à

maior dependência econômica dos jovens e ao próprio enxugamento do papel do

Estado em relação ao suporte a eles, em vários níveis.

A queda da fecundidade, os processos de urbanização, a industrialização e o

aumento do trabalho feminino faz com que as famílias sejam cada vez mais

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requeridas para cuidarem dos seus membros “vulneráveis”. Assim, os suportes

intergeracionais têm sido cada vez mais importantes como estratégias de

sobrevivência, embora sob a forma de arranjos familiares diferenciados.

Nesse sentido, as mudanças demográficas e sociais estão afetando as

relações entre gerações em várias partes do mundo, mas o seu impacto parece não

ter enfraquecido as relações familiares, percebendo-se que a família tem se

mostrado uma instituição “resistente”. Pobreza, desemprego, epidemias como HIV-

AIDS juntam os entes,mostrando que a família, enquanto instituição, sobrevive aos

efeitos não esperados; a ausência de algumas políticas públicas ou efetivação de

outras tem contribuído para o fortalecimento das famílias.

Um desses efeitos é a questão da co-residência entre idosos e filhos como

uma prática generalizada nos arranjos domiciliares. Algumas vezes, os beneficiados

são os idosos e, em outras, os filhos e netos. Sobre esta "co-residência" Camarano

e El Ghaouri (2003) apontam não ser este um fenômeno brasileiro, mas mundial e

os fatores que têm contribuído para isto são: o prolongamento da permanência dos

filhos em casa devido à necessidade de investimento em sua formação para

enfrentar um mercado de trabalho muito competitivo,associado à precariedade do

trabalho e à instabilidade das relações afetivas, ocasionando o retorno dos filhos à

família de origem, muitas vezes, trazendo seus descendentes também para serem

cuidados pelos idosos. Assim, os trabalhos de saúde e intervenções sociais

passam,necessariamente, pela compreensão e análise dos contextos familiares e

sociais aos quais esses atores pertencem, para serem eficazes e realmente

atenderem as suas necessidades.

A análise da fase última pressupõe que a compreensão desta se dá a partir de um olhar amplo sobre como foram vividas as fases anteriores. Na medida em que o desenvolvimento humano é visto como um processo em que os valores e as características de cada fase foram marcantes. Situações que ora uniam ora separavam, apontando para a cultura da variabilidade, caracterizando a permanência de antigos valores e o acréscimo dos novos trazidos pelas gerações mais novas (KEMP, 2007 apud FERES-CARNEIRO, 2011, p. 91).

Os dados aqui apontados refletem uma mudança demográfica importante,

pois, na medida em que os casais em função das dificuldades financeiras próprias

das demandas do mundo moderno optam por uma diminuição do número de filhos,

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senão pela sua ausência, a família nuclear fica cada vez menor e a pirâmide

populacional sofre um processo de inversão.

Nesse sentido, repensar as configurações familiares faz-se urgente, pois, em

todos os momentos da vida, a convivência com a família é fundamental, pois

representa para seus membros proteção e segurança, e permanecer em seu

ambiente favorece a possibilidade de um maior reconhecimento do que nos circunda

(NETTO, 2005).

Autores como Tavares et al. (2008) e Santos et al. (2010) salientam que as

mudanças advindas do processo de envelhecimento são consideradas fatores de

risco. Vilela et al. (2006) apontam que é na vivência familiar que os eventos

inesperados como divórcios,mortes inesperadas,doenças e desemprego são

percebidos e que esses eventos alteram, muitas vezes,a estrutura das relações,

dificultando as tarefas de superação e união próprias do grupo. Em situações de

estresse, cada família encontra modos próprios de enfrentar situações semelhantes,

obtendo, portando, resultados diferentes. Não se pode desconsiderar que o impacto

emocional das adversidades vividas por um membro da família é, antes de tudo,

uma experiência que recai no grupo familiar.

A seguir serão demonstradas, através do Quadro 4, as categorias de risco,

proteção, as estratégias de enfrentamento e suas subcategorias pertencentes à fase

última.

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Quadro4 - Distribuição das categorias e subcategorias na Fase Última

CATEGORIAS SUBCATEGORIAS SEGMENTOS ILUSTATIVOS

FATORES

DE RISCO

PARA A

CONJUGALIDADE

1. Presença de doenças (Depressão, AVC, Parkinson)

Vou falar para ela... Ele tem Parkinson, ele está tratando. Então a preocupação minha também, é isso também. [...]A gente tem preocupação e essas coisas da idade. É claro que nessa idade as pessoas ficam assim, excessivamente falando, vigiando, tomando conta. (M4)

2. Dificuldades de adaptação frente às perdas e transformações da idade

A dificuldade agora da gente é não ter mais aquela coisa do sexo, a gente vai acabando o entusiasmo, mas não a amizade, o amor. A gente lida buscando entender e aceitar é assim com todo mundo que envelhece (M4)

3. Morte dos colaterais e descendentes

Então, foi aquele sofrimento de ver sua filha morrendo dia a dia e a nossa família hoje se resume a esse filho que está vivo, que está tomando conta da fazenda, aos netos, as duas bisnetas... (M5)

FATORES

DE PROTEÇÃO

PARA A CONJUGALIDADE

1. Apoio e cuidado da família colateral e descendente

Essa irmã dele se dedica muito. Nos seis anos que minha filha ficou doente, ela

largou tudo, ela tem filhos adultos já e ela é viúva. (M5)

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FATORES

DE PROTEÇÃO

PARA A

CONJUGALIDADE

2. Amor e companheirismo entre casal/Cuidado mútuo

Vai ficando a amizade que nós temos o tempo de conhecimento, o tempo de amor. Um amor que não é platônico, um amor de amizade profunda. Uma amizade que, para nós, não termina nunca, vai terminar com a morte. Isso não acabou entre nós. (M4)

ESTRATÉGIAS

DE

ENFRENTAMENTO

PARA A

CONJUGALIDADE

1. Participar de grupos religiosos/sociais

Eu faço parte de um grupo de senhoras, como eu assim, e nós fazemos roupas para crianças carentes. Estamos agora terminando conjuntos de flanela, pijaminhas e só com dinheiro de bingo entre nós e nós costuramos para os bairros mais pobres. Toda semana nós estamos levando, são mais ou menos 30 pessoas. Frequentei muito cineclube aqui na (faculdade X), cinema na Casa da Cultura, procuro preencher o máximo possível. Isto ajuda muito. (M4)

2. Tolerância com as limitações próprias e do parceiro

Tolerância, minha mãe era muito tolerante e nos passou essa tolerância muito grande. Tanto que em algumas impaciências, porque vai surgindo dificuldade... (M4)

3. Fortalecimento da autoestima ... me aposentei e agora, como ele falou, eu estou na (instituição x ).Dela eu sinto muito, mas eu não abro mão, porque é onde eu me realizo, me sinto bem e sei que ali eu estou fazendo alguma coisa pelas crianças. (M5)

4. Sentirem-se úteis no diaadia

Então eu acho que lá, eu posso fazer alguma coisa para redimir um pouco, porque eu acho que eu não fiz muita coisa de errado, mas em todo caso, eu me identifico muito com as crianças da (instituição). Hoje em dia eu brinco que a minha cachaça é a (instituição), o dia que eu não vou lá, eu sinto falta.(M5)

* As categorias aqui expostas encontram-se também demonstradas graficamente no APÊNDICE III e IV

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5.4.1 CATEGORIAS DOS FATORES DE RISCO PARA A CONJUGALIDADE

5.4.1.1 Doenças

Dentre os principais riscos advindos da velhice constam as doenças, nesta

pesquisa consideradas como: “processo e ou estado causado por uma afecção num

ser vivo, que altera o seu estado ontológico de saúde” (DICIONÁRIO ON-LINE). Sua

compreensão, no entanto, remete a um processo histórico e político para verificação

de suas implicações e de seus determinantes, que, muitas vezes, ficam reduzidos,

pelo contexto de educação simplista, à mera interação de um agente etiológico-

hospedeiro (BORUCHOVITCH, 1991).

A doença também é vista como um processo social, pois a transformação e a

erradicação de determinadas doenças não podem ser explicadas somente pela

atuação da medicina, pois devem ser pensadas a partir de seu caráter social. Por

exemplo, a erradicação de algumas doenças infecciosas se deve a sucessivas

medidas de prevenção que envolvem saneamento básico, vacinação em massa,

educação da população (LAURELL, 1997).

Para o casal cinco (60 anos de união), a depressão apareceu relacionada a

múltiplos processos de perda e de precariedade da saúde de H8, processos esses

ligados à idade, como um AVC que trouxe limitações para sua vida cotidiana. A

doença afetou diretamente a relação do casal, na medida em que alterou o modo de

perceber a vida e, principalmente, as possibilidades de organização interna de H8,

dificultando a superação das dificuldades.

Nesta pesquisa, a doença na fase última foi um elemento de risco que

perpassou a conjugalidade, especialmente do ponto de vista de saúde mental, pois

apareceu na forma da depressão9.

9 A depressão pode se apresentar como um sintoma, quando o afeto é a tristeza, ou como uma síndrome ou transtorno, quando apresenta um grupo de sintomas que aparecem juntos, com a tristeza fazendo parte de um grande elenco de problemas, que pode incluir a perda de interesses nas atividades, sentimentos de desvalia, perturbações do sono, mudanças do apetite, entre outros (LIMA, 2004, p.12).

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A depressão foi uma subcategoria presente na fase última, atrelada à

categoria doenças. Os principais transtornos mentais presentes nos idosos são as

demências e a depressão; de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS),

a depressão ocupa o quinto lugar como problema de saúde, afetando 120 milhões

de pessoas. A estimativa é que em 20 anos ocupará o segundo lugar, atrás somente

das doenças cardíacas (PINHO; CUSTÓDIO; MAKDISSE, 2009).

H5, ao relatar sobre seu estado de depressão, argumenta: Nós estamos lutando, mas não está fácil não. Sei lá se compensa essa luta que nós estamos levando, não está com nada não. [...] É aquela luta. Uma hora está bom, outra hora está ruim e a gente vai tocando. Tem que ser meio artista para aguentar, porque não é fácil não. [...] Então, para mim, qualquer coisa está servindo, tanto trabalhar, como não trabalhar. Eu estou com quase 80 anos. Eu já lutei bastante. Então eu estou perdendo a fé, porque melhorar mais que isso, não vai melhorar mesmo, vai só piorar. “Não adianta ficar fazendo força, mais do que eu fiz e não adiantou” (H5, p. 3, 4 e 6).

Esta colocação parece indicar um quadro depressivo de H5, somado a

fatores como: a idade (80 anos), ter tido um AVC e a perda de três filhos adultos.

A depressão foi trazida pelo casal quatro como um desafio vivido junto à

aposentadoria:

Teve a depressão dele e eu quando parei de trabalhar também tive depressão. Agora eu entendo que ele não quer parar com o (comércio), mas tem que ver até quando da para ir com o (comércio)(M4).

Assim, a presença das doenças é um sério desafio para a conjugalidade, no

sentido que se soma às demais perdas impostas com a limitação da idade,

tornando-se fundamental o apoio das famílias colateral e descendente, funcionando

como contextos paralelos que podem tornar esta fase mais saudável para os idosos,

na medida em que se sintam protegidos e cuidados, ou seja, um fator de proteção.

5.4.1.2 Dificuldades de adaptação frente às perdas e transformações da idade

Embora a subcategoria conviver com as limitações da idade tenha se

apresentado desde a fase madura em pequenos quesitos, foi na fase última que ela

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se fez presente nos casais, quando as limitações já se apresentam em muitos

setores da vida. Ao relatar as dificuldades,os casais trazem questões específicas de

como lidam com os limites impostos pelo envelhecimento físico.

Eu gosto de pescar e eu vou a (cidade x), ela tem receio, mas eu tenho cuidado. Houve um negócio, eu deixei o carro engatado, sabe a subida que tem para entrar na (rua x)? Parou um ônibus e outro carro, o carro da frente parou e eu tive que parar imediatamente e deixei o carro engatado, quando deu batida, eu tirei o pé do freio e bateu no outro carro (H4).

Ontem mesmo ele já caiu na rua. Eu fico danada com ele, as brigas são essa [...] Sim, as intolerâncias, impertinências (M4).

Sabe aquela pista de bicicleta na principal? Eu desci, quando eu fui subir, eu tropecei, quando tropecei, fui de peito no chão, mas apoiei com a mão e só machuquei o joelho, mas só arranhei o joelho. (H4).

Perceber como as situações se apresentam, considerando as alterações

pessoais sofridas com a idade é fundamental para vivenciar de modo mais adaptado

o envelhecer,atuando como fator de proteção, na medida em que não se expõe a

determinados riscos. O grau de flexibilidade do casal para interagir com as

dificuldades é fundamental, pois, na medida em que “o estresse vivido nas fases

evolutivas do ciclo vital se cruzam com os legados transgeracionais e com as causas

externas”, maiores são os esforços a serem requeridos por todos os envolvidos na

condução da busca por soluções (TORRES et al., 2009, p.26).

A ruptura com o trabalho, por exemplo, pode afetar inclusive, a relação do

idoso com a alimentação, segundo Campos, Monteiro, Ornelas(2000), que postulam

sobre as mudanças advindas da aposentadoria, retirando o idoso de um contexto de

convivências com pessoas e lugares com os quais já estava adaptado, remetendo-o

a um contexto de alimentação, por vezes solitário e recluso, desencadeando,entre

outros sintomas, uma perda significativa alimentar.

Dentro desses contextos não se pode esquecer dos riscos de perdas

advindas da interrupção do funcionamento cognitivo ligado a atividades produtivas,

que mantêm a pessoa ativa, uma função que se estende aos aspectos biopsíquico e

sociais e está diretamente correlacionada à qualidade de vida. H8, que está com

quase 80 anos e trabalha até hoje, pretende fazê-lo até quando puder, embora

reconheça a preocupação que isto é para a família. É possível verificar a

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representação do trabalho como símbolo de vitalidade, realização pessoal e porque

não de virilidade para os homens. Isso posto, é importante perceber que a

aposentadoria tem que ser planejada para ser vivenciada como fim de um ciclo e

abertura de outro. Isso se faz através da organização de plano com base nas reais

possibilidades dos sujeitos e dos contextos aos quais estes pertençam.

O fechamento de ciclo para os casais nesta fase muitas vezes envolve a

ausência dos filhos, a aposentadoria e as questões de maior cuidado com a saúde.

E, em muitos casos, porque precisam do trabalho para ajudar em suas próprias

despesas e também seus descendentes. Este fragmento aponta para a importância

do trabalho na vida de H4 e sua relutância para lidar com os limites impostos pela

idade.

Pois é, vamos ver até quando você poderá ir com a sua firma. (M4)

Se Deus quiser, eu podendo fazer, eu faço, se não puder mais eu entrego os pontos, mas ele ainda dirige aqui na cidade, mas a gente tem preocupação. Eu vou até quando não der.(H4)

Outra dificuldade apontada por um dos casais foi a mudança das questões

sexuais, trazida por um dos casais da fase última expressando um saudosismo pela

sexualidade, hoje transformada em companheirismo, ao dizer:

A dificuldade agora da gente é não ter mais aquela coisa do sexo, a gente vai acabando o entusiasmo, mas não a amizade, o amor. A gente lida buscando entender e aceitar é assim com todo mundo que envelhece (M4).

5.4.1.3 Morte dos colaterais e descendentes

“A morte faz parte do desenvolvimento humano significando e ressignificando

a vida” (KOVÁCS, 2008, contra capa).

A categoria morte dos descendentes se fez presente em um dos casais da

fase última.

Pensar na morte como uma possibilidade de desenvolvimento humano torna-

se fundamental, na medida em que é um momento de crise e, na maioria das vezes,

impõe aos que ficam reformulações de lugares, papéis, modos de conceber suas

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próprias existências a partir deste fato. É um evento esperado no processo do ciclo

da vida, porém, neste contexto em que os pais perderam três de seus quatro filhos,

ela pode ser considerada um evento não esperado,deixando ao casal de idosos uma

multiplicidade de questões abertas. Entre elas, porque os filhos partiram e não eles,

reativando talvez certa culpabilidade por estarem vivos.

Alarcão (2006, p.2,4) afirma que: “Lidar com a morte é uma questão difícil,

muito pior quando ocorre com um filho, isso porque a morte de um jovem é uma

situação que não é naturalmente pensada pela família, pois o normal seria que os

pais morressem antes na perspectiva do ciclo vital”. Seu processo de elaboração

supõe uma “intensa magnitude do apego às lembranças e à memória que elas

carregam, sobretudo em relação ao filho, as quais são revividas intensamente, não

importando quanto tempo tenha se passado”. Como exemplifica M5 ao pontuar:

A nossa vida foi sempre cheia de golpes. A diferença para a morte da (filha x) para o (filho z) não passou de dois anos. Então, em menos de dois anos, nós perdemos dois filhos adultos (M5).

A vivência da perda traz dor e tristeza para os que ficam mobilizando nesses

a necessidade de redirecionar seus afetos e suas representações intrapsíquicas da

pessoa que se foi. Mobilizam um intenso e doloroso trabalho de luto, pois é penoso

esquecer alguém que se amou (FREITAS, 2000). Junto à doença ou morte de um

membro da família surgem vários sentimentos, alterando o núcleo familiar em sua

estrutura e dinâmica, solicitando um novo modelo de funcionamento (BOTELHO,

2005).

Dezorzi (2006), ao citar a literatura sobre a perda dos filhos, afirma que a fé, a

religião e o poder divino tornam tolerável aquilo que é insuportável, trazendo força

para os que continuam vivendo. A restauração da vida após perder um filho é um

grande desafio, também para os profissionais de saúde, que devem considerar a

relação entre a espiritualidade e o enfrentamento das perdas. Relação essa que

muitos profissionais negligenciam.

A forma como a morte é vivenciada pelos familiares em muito colabora no

processo de enfrentamento. Assim como os rituais de despedida funcionam como

motores que auxiliam na mediação da dor, servindo como espaços de

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compartilhamento de vivências e sentimentos para aqueles que ficam (KOVÁCS,

2008).

Diante das fragilidades impostas pela idade, não foram estas mortes

sucessivas demasiadamente pesadas para o casal. A literatura aponta que o

desenvolvimento da espiritualidade assume várias funções no processo das

estratégias de enfrentamento

[...] a religião também gera alívio ao sofrimento, oferece o conforto que toma o espaço da fatalidade. E que a perda do ente querido é dolorosa para quem a experimenta [...]pelo sentimento de impotência gerado (KOVACS, 2008, p. 425).

O casal cinco trouxe, além da morte de três dos seus quatro filhos, um AVC

de H5 e dificuldades nunca superadas pelo casal,o que acabou gerando uma

separação de projetos de vida e distanciamento. Podendo, inclusive, abrir o

questionamento na seguinte direção: este casal conseguiu estabelecer uma

conjugalidade? Pois a separação de sonhos, projetos aconteceu de fato, apontando

para o fato de que, talvez, este casal tenha continuado a morar juntos, mas a

conjugalidade tenha se rompido em algum momento de suas vidas. Como aponta o

segmento a seguir:

Nós dois, é completamente diferente o ramo de vida. Então não bate. [...] Nós dois é completamente diferente. Ela leva a vida dela e eu levo a minha. Então não coincide. Na hora da apuração, desvia um para um lado e o outro para o outro (H5).

5.4.2 CATEGORIAS DOS FATORES DE PROTEÇÃO PARA A CONJUGALIDADE

5.4.2.1 Apoio e cuidado da família colateral e descendente

Nesta pesquisa, a presença dos familiares (neste caso colateral e dos

descendentes) aparece como importante fator de proteção, fornecendo sentido à

própria vida dos idosos, pois esse foi o sentido no início da vida conjugal, a

construção de uma família, e permanece na medida em que é pelo olhar do outro

que cada um se constitui e se revigora. Observa-se aqui que os vínculos afetivos

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são o motor da existência humana, não sendo possível pensar o desenvolvimento

humano sem eles.

No estudo desenvolvido por Penna e Santo (2006), ter uma boa velhice é a

possibilidade de se adaptar e aprender com os ganhos e perdas, visando encontrar

a integridade e o bem-estar. Mas essa integração social e a autonomia pessoal só

são possíveis através da “segurança propiciada por um ambiente acolhedor, assim

como a autonomia permitida por um ambiente estimulador são, ambas, necessárias

ao bem-estar do idoso” (TEIXEIRA, 2002, p.105). Da mesma forma, ter projetos de

vida para que por meio desses haja sentido e significado para a vida.

Penna e Santo (2006) também apontaram a importância da presença e d

deles a proximidade com a família “descendente e colateral”, oferecendo ao idoso

conforto e pertencimento, pois, com o passar dos anos a família se torna quase que

exclusivamente o centro das suas relações e, ao cuidarem, conferem ao idoso ajuda

evitando a sensação de solidão e abandono; normalmente mobilizadores de

depressão na velhice.

A sensação de prazer e bem-estar é expressa de vários modos. Aqui, a

senhora do casal cinco relata a falta que sente quando a filha morava junto,

amparando-a. A (filha x) era aquela companheira, morava aqui comigo. Meu genro também foi muito bom nesse período todo. (M5)

O apoio recebido da família de origem e colateral foi um fator de proteção

para os casais. Para o casal cinco, o apoio recebido principalmente da irmã de H5,

oferecendo um sentido e suporte para a vida, foi expresso da seguinte forma:

Eu tenho uma irmã que me ajuda muito, se não já tinha feito até uma besteira qualquer para acabar com essa vida, porque não adianta teimar. Ela é a caçula da turma. Nós somos doze irmãos e essa é... Eu não sei o porquê disso, esses dias eu até perguntei para ela. Não sei por que ela se interessa tanto por mim, ela larga as coisas dela, para vir me escorar. Ela diz que os filhos dela gostam muito de mim. Então, sei lá, se eles dão essa força (H5).

Essa irmã dele se dedica muito. Nos seis anos que minha filha ficou doente, ela largou tudo, ela tem filhos adultos já e ela é viúva. Ela cuidou da minha filha, levava para Campinas duas vezes por semana, depois levava para fazer radioterapia. Com a doença dele, ela larga todas as coisas dela, porque ela tem filhos, netos, e está sempre aqui, olhando, cuidando dele, leva sempre em médico para ver como ele está (M5).

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É possível afirmar que, desde o início, M5 mostrou-se resiliente, e luta até

hoje, apesar dos fatores de risco aos quais este casal esteve exposto.

Casei por amor, gostava dele e fomos viver a nossa vidinha, no começo muito difícil, como tem sido difícil até agora. Fomos morar em uma casinha de taipa, ali na Mantiqueira, que não tinha água, luz, não tinha nada. Quando minha filha nasceu, em 1956, nós morávamos lá. (M5).

Constata-se que a superação dos riscos requer o acionamento de uma rede

de apoio a qual os indivíduos pertencem. Que a família é um sistema interligado e

complexo, em que a mudança de um altera o sistema todo, e que a flexibilidade e a

plasticidade são características, dentre outras, que permitem a família à absorção

dos impactos, alterando-se para se recompor, no momento seguinte, de um outro

modo possível. Esta é a condição para que ela continue a existir, o que, no caso do

casal 5, o risco ultrapassava a própria conjugalidade e se estendia à própria vida.

O casal 4 também aponta para o apoio da família colateral como proteção

desde o início da conjugalidade.

Foi meu cunhado, meu cunhado trouxe a nossa família. Primeiro veio eu, minha mãe e minha madrinha, que morava junto com a gente. Depois veio meu pai, meus irmãos (H4).

Esta questão dos riscos remete ao movimento próprio da resiliência. Sobre

isso, Cyrulnik esclarece que

[...] enquanto o trauma opera em nós o seu sentido, permanece-se aturdido, atônito por um turbilhão de informações contrárias que nos tornam incapazes de reagir. Mas, na medida em que a vida segue,somos despertados a dar sentido aos fatos e objetos que nos “falam”, e que a melhor forma acabar com a neblina trazida por um trauma é através do relato. A transformação do acontecimento em relato se faz por meio de uma dupla operação: a primeira é a de colocar os acontecimentos fora de si (falando deles) e a segunda a de situá-los em um tempo (passado) (CYRULNIK, 2005, p. 27).

Os acontecimentos críticos e o estresse afetam a família, como também cada

um dos seus membros e as interações entre eles (WALSH, 2002). A forma como a

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díade responde ao estresse mobiliza o desenvolvimento das forças ou fragilidades,

afeta os membros do casal e repercute no subsistema conjugal (ALARCÃO, 2006).

Diante da pergunta sobre o que mais sentiram como apoio, os casais da fase

última, responderam:

[...] primeiro, acho que a formação que nós tivemos de família. Quando ela (mãe) via que eu era ríspida com ele, ela falava: Isso não se faz. Ela morreu com 104 anos (M4). A minha mãe era muito amável e morreu com 102 anos. Foi uma mulher muito tolerante. Então, para mim foi isso (H4). Toda família dele, embora seja aquela família que não esteja todos os dias, eu acho muito bonito na família dele. [...] Eles não são de estarem todos os dias, todas as horas, mas qualquer coisa que aconteça, aparece todo mundo. Então, a família dele tem cooperado, principalmente essa irmã dele que sempre está olhando (M5).

Nesta pesquisa, a categoria do apoio e modelo das famílias de origem,

colateral e descendente, foi considerada um pilar para o processo da conjugalidade

na medida em que o apoio viabiliza ao casal sentirem-se fortalecidos nas fases

iniciais, quando ainda lhes faltam recursos materiais, e de maturidade, para

enfrentarem suas dificuldades. Os modelos fornecem sentido, exemplos a serem

seguidos com relação à forma de como vincular-se, administrar os conflitos e

superar os desafios. Em um movimento circular da teoria dos sistemas, estes casais

que apoiaram seus filhos ou ainda o fazem, mantêm agora este sentido através da

vinculação com os descendentes (netos) e colaterais (irmãos, cunhados) buscando

nestes a razão para se fortalecer, pois:

O modo como os casais e as famílias vivenciam as fases do ciclo evolutivo, as facilidades ou dificuldades para administrar as demandas próprias do crescimento é explicada, na grande maioria, pelos aspectos de ordem emocional que receberam como heranças de seus antepassados (FERES- CARNEIRO, 2011, p.21).

5.4.2.2 Amor e companheirismo entre casal /cuidado mútuo

Nesta fase, embora o amor e a união do casal permaneçam como uma

subcategoria forte de proteção da conjugalidade, o amor aqui expresso é definido

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pelos casais como amizade ou gostar intenso. O amor constitui a forma fundamental

através da qual as relações românticas se iniciam e se intensificam entre os

parceiros através do compromisso (BERSCHEID, 2010). Está relacionado à

satisfação na relação, e,com o tempo, numa relação amorosa, o amor romântico vai

sendo substituído pelo amor companheiro (DUARTE, 2012).

As relações amorosas possuem um caráter dinâmico e próprio, a partir das

quais despertam e desenvolvem processos de trocas em vários níveis (cognitivo,

afetivos, neurofisiológicos e comportamentais) em cada membro da dupla “eu”, “tu” e

o “nós”. Na medida em que as pessoas mudam com o tempo, é necessário que as

relações também se modifiquem. Assim, para satisfação do casal em por eles uma

relação, é necessário manter uma boa condição de convivência, o que resulta, de

modo geral, da avaliação positiva pelos casais para viabilizar o processo de

manutenção da relação.

“Apesar de irem surgindo divergências entre os parceiros, quando as suas

perspectivas ou necessidades pessoais colidem, e algumas dessas situações

levarão a danos relacionais aos quais se impõem processos de reparação”

(DUARTE, 2012, p. 18).

Contudo, não é a ausência de divergências que identifica o nível de satisfação

de uma relação a dois ,assim como não o é a inexistência de risco ou desafios, mas

a possibilidade de encontrar resoluções em que cada um dos parceiros se sinta

minimamente atendido, trazendo de volta o equilíbrio à conjugalidade com seus

eventuais desdobramentos para a família. É que eu gosto demais dela e também é o seguinte, eu sou também tolerante, eu gosto das coisas direitinhas (H5). Nós temos nossas desavenças de vez em quando, sempre tivemos, mas não posso dizer para você que minha vida foi um mar de rosas, foi uma vida de espinho, muito espinho, muita erva daninha, mas graças a Deus estamos juntos e eu posso dizer que nós vencemos (M5).

Narciso e Ribeiro (2009) afirmam que, para pesquisadores como Pretto,

Maheirie, Toneli, o amor é o resultado de múltiplas vivências prazerosas na vida,

construído pelos resultados de trocas e acordos satisfatórios, que trazem como

resultado experiências de alegria, admiração, atração, paixão, desejo, solidariedade,

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cumplicidade. Porém, ao contrário do que se pensa, estas são vivências construídas

pelos casais em suas práticas através do cuidado mútuo, do carinho, da

preocupação e do companheirismo. Constituem-se no micro-contexto familiar com

interdependência de todos os meso-contextos dos quais fazem parte, expressando-

se na particularidade do casal com base no que desejam para seu futuro.

A demonstração desta construção afetiva está expressa por M4, ao afirmar:

Não me lembro de nada que tenha passado que nos distanciou nada, nada. Agora, todo mundo conhece a vida de idoso e tem questões, é uma vida que um tem que ter tolerância (M4).

O cuidado mútuo também foi um apontado pelos casais como expressão das

vivências amorosas, pois,

[...] implica em uma tarefa para a qual toda a criatura é chamada, e para qual cada uma é vocacionada. Expressa uma necessidade de todo ser humano e é uma tarefa e uma atitude gratuita. Cuidar implica em preocupação, desvelo, solicitude para com a pessoa necessitada, em atenção, e, especialmente, em cura. O cuidar também contempla o consolo, o conforto, o ensino. O cuidado atento, ético, que oferece sossego, respeito, apoio, repouso, amizade, é cuidado que cura e que salva. O cuidado reserva uma dimensão crítica de renúncia ao poder dominador, percebe a presença do espírito em cada coisa, em cada movimento da vida; coloca-se ao lado da natureza em postura de coexistência (ROESE, 2010, p.158).

Esta subcategoria de proteção emergiu em todas as fases porque permeou

toda a conjugalidade; os casais viram o cuidado como significado e demonstração

de amor. Na fase última, apareceu de modo mais expressivo, pois surgem

relacionadas às limitações próprias da idade.

Com a ausência dos filhos e do trabalho, os casais passam a viver novamente

“um para o outro”. Os cuidados podem ser expressos de muitos modos, mas, em

geral, inicia-se, nesta fase, uma maior frequência de idas aos médicos e tempo livre

para atividades que, agora, diferentemente de outros momentos, podem ser feitas

em conjunto. A categoria do cuidado mútuo tem, neste momento, a tarefa de

oferecer segurança e pertencimento, já que em outros setores da vida esses

começam a se fragilizar.

O suporte social e o apoio mútuo em situações de estresse são componentes

essenciais para as relações amorosas na vida das pessoas, levando à outra

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definição de amor, o amor compaixão, altruísta ou ágape. Estes compõem o

desenvolvimento de comportamentos que levem ao bem-estar do outro, percebidos

como futuros benefícios para o self10(BERSCHEID, 2006; 2010). Um exemplo de

manifestação amorosa é quando um dos parceiros vive um estresse e o outro se

oferece como força, dando-lhe um apoio social (DUARTE, 2012).

A transformação do amor sexual em outro (ágape) é claramente explicada por

M4 ao dizer: Vai ficando a amizade que nós temos o tempo de conhecimento, o tempo de amor. Um amor que não é platônico, um amor de amizade profunda. Uma amizade que, para nós, não termina nunca, vai terminar com a morte. Isso não acabou entre nós. Na vida de casais idosos, tem que ter a maior tolerância possível, não é fácil (M4).

Receber apoio emocional, sentindo-se amado, compreendido, valorizado,

respeitado e perceber o cuidado, a atenção, a preocupação e a proteção dos outros

é um dos mais importantes ingredientes que compõem as relações de intimidade,

significando uma das maiores fontes de bem-estar psicológico e de saúde física

Assim, vários estudos demonstram que casais com nível mais elevado de

apoio emocional estão mais satisfeitos com a relação, “[...] e que a falta deste apoio

conjugal, é apontado como uma das principais fontes da insatisfação entre os

casais” (NARCISO; RIBEIRO, 2009).

Os casais aqui representantes da fase última abordam isso de muitos modos,

como a expressão de cuidado da mulher do casal quatro, de 50 anos de união.

Eu fico brava com ele e até que ele não fica bravo comigo. Eu também caí igual a ele, em frente à Caixa Econômica Federal, onde passa bicicleta. Eu falo para ele tomar cuidado, esperar todos os carros passarem, a rua onde ele tem o (comércio) é mão dupla (M4).

Todas as pessoas, e, preferencialmente no início e fim de suas vidas,

necessitam de cuidado e o modo como o cuidado ocorre define a sua qualidade de

vida. O amor é mais do que oferecer cuidados, mas sem dúvida isto é um dos

10Self visto como um discurso, uma construção social, produto das práticas discursivas nas quais as pessoas dão sentido ao mundo e a suas próprias ações (GUANAES, 2003).

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principais componentes do amor. É colocar um valor no outro na mesma proporção

que vê seu próprio valor (NARCISO; RIBEIRO, 2009).

A alegria com que M4 percebe o cuidado de seu único filho ao dizer:

Meu filho, o (X), é super prestativo, super atencioso, preocupadíssimo com a gente, morre de medo da gente ficar doente (M4).

É fundamental que o cuidado mútuo seja uma expressão do vínculo

emocional construído durante toda a conjugalidade, envolvendo gestos de

solidariedade e gratidão. Caso a relação não tenha sido construída em bases

amorosas, o cuidado pode ser vivido como mera obrigação, tornando-se mais um

fardo a ser administrado na velhice.

O cuidado mútuo foi também expresso por meio da boa comunicação entre o

casal, sendo apontado como uma proteção utilizada pelos casais na superação nas

adversidades. O conviver bem é o instrumento pelo qual vários fatores de proteção

conseguem ser demonstrados.

O casal quatro aponta a boa comunicação como sua conhecida de longa

data:

Estou quase nos 80. Então, dificuldade de desavenças grandes, nunca. Nunca dormimos sem um falar com outro. Havia brigas, discussões do dia a dia, mas nunca dormimos zangado, sem falar, nunca. No início da nossa vida de casados passeamos muito, com sacrifício, mas passeamos. Conhecemos muitas cidades do Brasil, até acampando (M4).

A sequência da fala deste casal traz a questão de que possa existir uma

relação direta entre o modo como os anos vão sendo vivenciados pelos casais e a

possibilidade de utilizar essas estratégias como suporte para as situações difíceis do

presente, somadas também ao fato de não acumularem mágoas e se utilizarem do

perdão como forma de administração das situações difíceis.

Para o casal cinco, com sessenta anos de união, representante da fase

última, o diálogo entre eles diante a dor as perdas se fez, muitas vezes, mediado

pelos netos e demais familiares. Verificou-se, com isto, a importância dos apoios

recebidos dos familiares e de outros meso contextos, trazendo ao casal suporte

quando as forças não foram suficientes.

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M5 exemplifica isto ao falar da importância que tem em ver os netos

presentes em sua vida, como representantes da continuidade da vida. Eu vejo os meus netos, lembro dos meus filhos. A minha neta esteve aqui esse fim de semana, com a filhinha dela, isso tudo nos dá um pouco de alento [...]... nós temos oito netos e temos atualmente duas bisnetas, uma com 1 ano e outro com 9 meses. Isso compensa um pouco, embora nós sentimos muita falta.(M5)

5.4.3 ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO PARA A CONJUGALIDADE

5.4.3.1 Conviver com grupos religiosos e sociais

Dividir as mesmas crenças e, portanto, se reunir com grupos para expressá-

las foi considerado uma estratégia de enfrentamento das adversidades. As crenças,

por sua vez, surgiram nesta investigação associadas diretamente às questões da

família de origem e definidas como: “Um conjunto de pressupostos que a família

define em relação ao que é certo ou errado e, com isto, o que deve ser seguido ou

não pelos seus componentes” (WAGNER, 2005, p.32).

A forma como o casal percebe a conjugalidade é determinada, em grande

parte, pelas vivências obtidas junto a seus pais, instaurando um modo de ver e

responder as questões de risco vividas na conjugalidade, ou seja, construindo

crenças e valores que foram direcionando seus objetivos e suas ações frente aos

desafios.

Dentre as crenças, as de ordem religiosa serviram de possibilidade para

agregar os casais da fase madura em torno de seus grupos como: quermesses,

bingos, encontros de casais, passeios. Grupos que permitiram aos casais um tipo de

inserção social e, ao mesmo tempo, o fortalecimento em torno da fé professada,

auxiliando-os a se fortalecerem para enfrentar com apoio os riscos surgidos na fase

madura, como a interrupção da atividade produtiva, ninho vazio, etc. Esses grupos

atuaram como fatores de proteção neste momento para o casal. Para os casais da

fase última, os grupos tiveram uma função também de inserção social, e de sentido

para própria vida, protegendo contra a depressão e a solidão.

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5.4.3.2 Tolerância com as limitações próprias e do parceiro

No Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado

(2007), o verbo tolerar vem do latim tolerare, que significa levar, suportar um peso,

um fardo, sofrer, persistir, manter e resistir. Ser tolerante implica que se aceite que

os outros pensem de maneira diferente de nós. Podemos ser tolerantes dentro do

mesmo grupo, por exemplo, face aos pequenos defeitos e diferenças de caráter, ser

tolerantes face aos que não pertencem ao nosso grupo e tolerar as convicções e

crenças dos outros que sejam diferentes das nossas.

A tolerância foi apontada pelos casais como importante no processo de

continuidade das relações conjugais e, nesta pesquisa, foi definida como: constância

a suportar, resistência; paciência (MACHADO, 2007). As falas do casal quatro

refletem a importância desta subcategoria que explica a possibilidade de conviver

com a diferença,regra muito importante para qualquer relação humana, mas que,

nas relações de intimidade,torna-se fundamental pela constância e pela

profundidade da convivência. Agora, todo mundo conhece a vida de idoso e tem questões, é uma vida que um tem que ter tolerância com o outro e claro por que começam as dificuldades sexuais. A gente tolera, temos passado bem. (M4).

Essa tolerância, eu acho que é a tolerância, porque minha mãe foi muito tolerante. [...] Ele é mais tolerante que eu. Embora minha mãe passasse essa tolerância, ele ainda é mais tolerante. [...] Tem que haver tolerância, que a gente herda ou não herda. Acho que nós herdamos, porque se não estávamos juntos (M4).

Esta estratégia esteve presente aliada ao diálogo como condição/regra de

existência das relações, sem a qual, não conseguiriam tempo suficiente para se

desenvolver. A tolerância não deve ser confundida com submissão, visto que é uma

ação diante de um problema, no qual se efetuam determinadas escolhas e tem-se

bem claro que acontece com vistas a um objetivo maior a ser alcançado. Pode-se

perceber que esta fase esteve associada à compreensão e à forma de lidar com os

processos de envelhecimento. E, portanto, está diretamente relacionada ao

amadurecimento propiciado pelas vivências cumulativas da própria vida e pela

percepção da forma como os próprios pais viviam.

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Na fase última, o amadurecimento apareceu ligado à adaptação do casal ao

longo do tempo, na medida em que buscavam, pela aceitação, encontrar um ponto

de equilíbrio. No segmento a seguir, M5 aponta como se deu o processo de

resiliência na relação deste casal que, embora não tenha se tornado uma

conjugalidade, pôde se tornar um modo de conviver e administrar as diferenças e,

neste sentido,tornou-se um processo de resiliência pessoal,no qual cada um deles

efetuou mudanças, a fim de encontrar alternativas para suas vidas.

Nós fomos nos adaptando. Ele foi aceitando meu modo de ser, que eu tive que mudar bastante, minha maneira de ser e ele foi se adaptando, se moldando um pouco ao meu modo de ser. Foi uma reciprocidade que nós tivemos de entendimento, um com o outro (M5).

Constata-se aqui que o amadurecimento e a integração como processos contínuos

do desenvolvimento humano, que se encaminham do nascimento à morte

(LOPARIC, 1999, p. 21), pois, amadurecer significa compreender o que

verdadeiramente é possível de ser esperado como processo de mudança do

parceiro tornando, assim, a relação mais próxima da realidade, portanto, maiores

chances de se desenvolver. Significa também a possibilidade de renunciar a um

processo de exclusiva individualidade para que o nós, enquanto casal, possa se

desenvolver.

A senhora de 80 anos (60 de união) aponta as renúncias que fez para

assumir sua escolha ao se casar.

Foi uma vida de grande adaptação, de muitas renúncias, da minha parte. Eu estava acostumada, eu era caçula de 11 irmãos e meu pai era engenheiro e eu fui criada com certas mordomias que eu passei a não ter, no momento em que me casei (M5).

5.4.3.3Fortalecimento da autoestima

As condições ambientais e a influência hereditária, social e cultural

influenciam a escolha e o modo de vida dos idosos. Em todas as etapas do ciclo da

vida, o ambiente familiar é fundamental, pois o contato com a família permite que os

indivíduos se mantenham próximos ao seu ambiente natural. Além disso, o contato

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familiar preserva o autoconhecimento, os valores e os critérios de vida (NETTO,

2005). Por isso,

[...] o ciclo vital se torna um dos aspectos mais importantes para se entender e trabalhar com famílias, uma vez que as fases do ciclo delineiam a história intergeracional de uma família, revelando suas famílias, revelando suas crenças, valores, padrões morais, mitos, segredos e lealdades (CERVENY, 1997 p. 18- 19).

Vilela et al. (2006) afirmam que a família é um sistema dinâmico em que os

membros mais velhos enfrentam os desafios importantes frente à velhice. Os

modelos de relacionamentos com familiares, tanto do passado como do presente,

são determinantes para a resolução psicossocial desse estágio, no sentido de

fornecer uma identidade e o pertencimento a um grupo. Neri (2001) afirma que

muitos dados de pesquisa trazem a importância das crenças de autoeficácia como

determinantes para o desempenho fisico e intelectual, como também para a

sensação de bem-estar na senescência e senilidade. H3 expressa, em sua fala, a

importância da autoestima e da confiança em si e em Deus como elementos que o

ajudam a superar os desafios.

Eu sempre acreditava e acredito até hoje que: Eu vou conseguir! Eu vou conseguir! Tanto que para mim, o caminho das pedras não foi muito longo. Eu sempre penso que eu vou conseguir em tudo que eu faço se Deus quiser. Acredito em mim e sempre em Deus (H3).

Ter boa autoestima é um forte indicador de resiliência frente à adversidade

determinante no processo de enfrentamento, potencializando ações positivas na

direção do objetivo proposto e minimizando as derrotas, utilizando-as como

processo de aprendizagem. Esta característica está diretamente ligada por eles à

possibilidade de uma percepção adequada da realidade, com níveis de exigência

reais.

Segundo Capitanini (2000), pode-se viver sem o isolamento e sem a solidão.

Os relacionamentos sociais são de extrema importância para o bem-estar físico e

mental na velhice, mesmo existindo a probabilidade da vivência de solidão nesta

fase da vida, em função das mudanças dos ciclos da vida e das separações dos

filhos como apontado na fase anterior .

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A relação direta, estreita e duradoura com a família vem sendo apontada

como fator decisivo no êxito da participação social, na medida em que é a principal

fonte de suporte, especialmente nos domicílios multigeracionais. Assim como a

qualidade das relações familiares está diretamente associada à qualidade do

cuidado e às condições de vida dos idosos.

5.4.3.4 Sentirem-se úteis no dia-a-dia/engajamento social

A subcategoria de proteção sentirem-se úteis, nesta pesquisa, apareceu

atrelada ao engajamento social e se manifestou através das diferenças nos modos

das mulheres e dos homens de conviverem com o envelhecimento. Enquanto as

mulheres estão buscando, nos contextos sociais, modos de sentido e resignificação

da vida, fazendo disso um fator de proteção, os homens estão fisicamente mais

abalados e com maiores dificuldades no processo de lidar com o envelhecimento

em si.

Nesta pesquisa, observou-se que os dois homens da fase última, embora com

idades próximas às de suas parceiras, estão adoentados como relatados

anteriormente nos discursos. Um com Parkinson (que não quer deixar o trabalho

(H4)) e outro com AVC, a este se soma a depressão (H5). Como expressam os

fragmentos a seguir: Então, para mim, qualquer coisa está servindo, tanto trabalhar, como não trabalhar. Eu estou com 80 anos. Eu já lutei bastante. Então eu estou perdendo a fé, porque melhorar mais que isso, não vai melhorar mesmo, vai só piorar (H5).

Hoje em dia eu brinco que a minha cachaça é a (instituição), o dia que eu não vou lá, eu sinto falta (M5). Ele tem Parkinson, ele está tratando. Então a preocupação minha também, é isso também sim. [...].Frequentei muito cineclube aqui na (faculdade X), cinema na Casa da Cultura, procuro preencher o máximo possível. Isto ajuda muito (M4).

Um item apontado pelos pesquisadores sobre processos de envelhecimento

é o da relação entre a saúde e a educação: quanto maior a compreensão cognitiva,

maior a busca por instrução e cuidados com a saúde (SCHAIE; WILLIS, 1996).

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Nesta pesquisa com casais na fase última, o casal com melhor índice de

instrução apresentou uma melhor condição de saúde e de vida em geral, o que

parece atuar como um fator de proteção à conjugalidade.

Sentirem-se úteis, segundo os casais, é uma forma de manterem-se

engajados e atuando em várias direções. As atividades sociais que mais relataram

foram as da área social, relacionadas a reuniões e participação em instituições sem

fins lucrativos, diferentemente da fase madura, em que isto esteve mais ligado a

grupos religiosos.

Eu faço parte de um grupo de senhoras, como eu assim, e nós fazemos roupas para crianças carentes. Estamos agora terminando conjuntos de flanela, pijaminhas e só com dinheiro de bingo entre nós e nós costuramos para os bairros mais pobres. Toda semana nós estamos levando, são mais ou menos 30 pessoas. (M4).

[...] eu estou na (instituição x). Dela eu sinto muito, mas eu não abro mão, porque é onde eu me realizo me sinto bem e sei que ali eu estou fazendo alguma coisa pelas crianças. [...]. Então eu acho que lá, eu posso fazer alguma coisa para redimir um pouco, porque eu acho que eu não fiz muita coisa de errado, mas em todo caso, eu me identifico muito com as crianças da (instituição). (M5).

Constata-se que a capacidade de interagir socialmente é fundamental para

os idosos, para a conquista e a manutenção das redes de apoio social para

enriquecer suas vidas com novos contatos e para sentirem-se integrados nos meso

contextos aos quais vão se integrando, obtendo, assim, maior qualidade de vida. Por

isso, os casais entrevistados apontaram a necessidade de trabalhar até mais

tardiamente, mesmo aposentados, pois isso faz com que continuem a se sentir úteis. Quanto maiores os níveis das perdas físicas e sociais maior a importância das

redes de apoio social para o idoso, que devem ser de sua livre escolha e abranger

as relações com os cônjuges, familiares e, em especial, pessoas da mesma

geração, favorecendo o bem-estar físico, psíquico e social, representando ganhos

na qualidade de vida em geral (NERI, 2001). A solidão, em contrapartida, parece ser um risco para aqueles que já não têm

mais total autonomia sobre suas vidas e precisam de outros. Na conjugalidade esta

questão pode gerar preocupação e brigas um com outro, como aponta o segmento

do casal 4:

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Da pessoa chegar a um limite, querendo acontecer muita briga, a gente começa a silenciar deixa passar. [...] A gente tem preocupação e essas coisas da idade. É claro que nessa idade as pessoas ficam assim, excessivamente falando, vigiando, tomando conta. Mais eu dele do que ele de mim, porque ele sabe que eu faço direitinho (M4).

Para a idosa de 60 anos de união, permanecer trabalhando foi vivido como

modo de superação diante da perda do filho. Assim, o uso que cada pessoa faz do

trabalho é absolutamente subjetivo, e aposentar-se é muito mais que parar de

trabalhar. Mas, sentirem-se úteis favorece o enfrentamento das dificuldades, como

aponta o fragmento a seguir.

Eu voltei a trabalhar e fui criticada por algumas pessoas: nossa, ela nem sentiu a morte do filho, já está trabalhando. Eu trabalhava na (cidade x) nesta época, mas para mim, é o que me dava força, para eu não esmorecer diante da morte do meu filho, porque foi uma coisa de acidente, foi muito difícil. O trabalho foi o que manteve, porque, de vez em quando, a gente baqueia, baqueia sim, porque não é fácil. (M5)

5.5 CATEGORIAS DOS FATORES DE PROTEÇÃO AO LONGO DO CICLO VITAL

Apresentadas pela ordem de importância que foram citadas pelos casais

Tabela 5. Categorias dos fatores de proteção que se mantiveram ao longo do ciclo vital

CATEGORIAS DOS FATORES DE PROTEÇÃO QUE SE MANTIVERAM AO LONGO DO CICLO VITAL

Amor e companheirismo entre o casal

Modelo das famílias de origem

Espiritualidade enquanto crença

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Tabela 6. Estratégias de Enfrentamento que se mantiveram ao longo do ciclo vital

ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO QUE SE MANTIVERAM AO LONGO DO CICLO VITAL

Participação em grupos religiosos/sociais

Diálogo enquanto atitude de negociação

Apoio das famílias de origem/colateral e descendente

Tabela 7. Desafios presentes nas fases do ciclo vital

DESAFIOS PRESENTES NAS FASES DO CICLO VITAL

Fase de Aquisição Dificuldades financeiras e de adaptação aos novos parceiros, separação das famílias de origem.

Fase Adolescente Dificuldades financeiras e as diferenças na educação dos filhos.

Fase Madura Dificuldades de adaptação frente às mudanças ocorridas nesta fase (aposentadorias, menopausa, ninho vazio).

Fase Última Dificuldades de adaptação frente às perdas e transformações da idade (morte dos colaterais e descendentes e presença de doenças).

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados encontrados neste estudo vão ao encontro das pesquisas

apresentadas anteriormente sobre a resiliência na conjugalidade, nas quais a

conjugalidade é vista por todos como uma fonte de vida, de realização e de grande

investimento afetivo, fenômeno das relações humanas que está longe de deixar de

existir, ocorrendo na contemporaneidade a busca por relacionamentos que

propiciem melhores condições de manutenção das identidades e que permitam o

desenvolvimento psicológico e emocional dos parceiros (FERES-CARNEIRO,

1998),o que tem exigido dos casais a administração das categorias de risco

permeadas pelas categorias de proteção, frente os desafios advindos ao longo do

ciclo vital.

Estudar os desafios vivenciados pelos casais em suas várias fases da

conjugalidade e as categorias de risco e proteção disponíveis em seus contextos,

assim como as suas estratégias de enfrentamento e seus desdobramentos para o

desenvolvimento humano da família,foi o objetivo central desta pesquisa.

Para responder ao objetivo geral, os resultados encontrados permitem dizer

que os desafios vivenciados pelos casais ao longo da relação conjugal foram muitos,

nas diversas fases nas quais se apresentaram.

Na fase de aquisição,os desafios estiveram relacionados às dificuldades

financeiras e de adaptação ao novo parceiro e às implicações de se separarem das

famílias de origem.

Na fase adolescente, os desafios ligados às questões financeiras se

mantiveram, somando-se às diferenças para com a educação dos filhos pré-

adolescentes, o que envolveu mudanças nas condutas dos cônjuges para lidar com

seus filhos.

Na fase madura, os desafios foram a adaptação dos cônjuges entre si, que se

mantiveram, porém agora relacionados às mudanças específicas desta fase da vida,

como menopausa, aposentadoria e o fato de estarem novamente sozinhos, o que

permitiu efetuarem novas escolhas de vida, pois, encerraram o ciclo de cuidados

com os filhos e metas de trabalho, mas ainda apresentam vitalidade para novos

projetos.

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Na fase última, os desafios se concentraram nas dificuldades de adaptação

vindas com a idade, e que envolvem a ocorrência de doenças e a elaboração da

perda de filhos e parentes.

Pode-se verificar que, em muitos momentos, alguns desafios se tornaram um

risco para a conjugalidade, na medida em que os casais não se sentiam fortalecidos

para enfrentá-los.

Para enfrentar esses desafios, os casais desta pesquisa contaram com a

interação dinâmica entre as categorias de risco/proteção e as estratégias de

enfrentamento com as quais puderam contar nos micro, meso, exo e macro

contextos aos quais pertenciam.

Em relação ao enfrentamento dos riscos vivenciados na fase de aquisição,

temos que esses riscos foram caracterizados pelo acúmulo de papéis advindos das

dificuldades em administrar as novas tarefas surgidas com o casamento, as

dificuldades de adaptação derivadas da convivência com o novo parceiro, e o

afastamento da família de origem e as dificuldades financeiras para ambos os casais

desta fase. Os casais contaram como proteção como amor e a união entre eles, os

sonhos e projetos em comum, com isto, amadureceram e, apesar das divergências,

aprenderam a conviver com as diferenças, buscando forças em suas crenças

espirituais e nos valores familiares aprendidos. Para isso, utilizaram das estratégias

de enfrentamento, de revisão das próprias expectativas, da otimização da divisão

das tarefas do lar, da busca pelo apoio nas famílias de origem; o diálogo foi o

veículo para alcançar resultados satisfatórios na conjugalidade.

Na fase adolescente, os riscos para os casais se concentraram em torno da

traição vivida por um dos casais, o que gerou dificuldades na educação dos filhos e

muitas mágoas por parte de um dos cônjuges. As dificuldades financeiras se

mantiveram, mas agora associadas à perda do emprego e, para a superação desse

risco a consequência foi o pouco tempo do casal para si, tendo que trabalhar e

estudar mais. Aqui os casais utilizaram como proteção a força advinda da

espiritualidade, os modelos familiares internalizados, a audição de grupos de casais,

pelos quais foram apoiados, o que gerou amadurecimento. Como estratégias de

enfrentamento, recorreram à ajuda psicológica profissional, a atitudes de renúncia,

ao diálogo e à participação em grupos religiosos/sociais.

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Na fase madura, os riscos de modo geral foram as dificuldades frente às

mudanças da vida, relacionadas à saída dos filhos de casa (ninho vazio) e questões

advindas de aposentadorias, agora já concretizadas. Como aspectos de proteção,

buscaram mais qualidade de vida, cuidaram-se mais apoiados no amor e na união

do casal. Utilizaram, como estratégias, o diálogo, a participação em atividades de

grupos religiosos/sociais para dar sentido à vida e o apoio e o cuidado para com a

família colateral/descendente.

Na fase última, os riscos estiveram relacionados às questões de convivência

com os limites da idade, às dificuldades de adaptação a essas perdas e também as

advindas das doenças e da morte dos colaterais/descendentes, em que um dos

casais pesquisados perdeu três de seus quatro filhos. Como fatores de proteção,

buscaram o amor e a união do casal, sentimentos que envolviam o cuidado mútuo e

a proximidade com a família colateral e descendente como forma de sentirem-se

protegidos. As estratégias de enfrentamento utilizadas foram a participação em

grupos sociais com interesses humanitários, de modo a sentirem-se úteis. Buscaram

melhorar a qualidade de vida e recorreram à tolerância como forma de lidar com as

limitações próprias e do parceiro

Assim, as subcategorias que se mantiveram como proteção ao longo do ciclo

vital foram o amor e a união do casal (que geraram o processo de amadurecimento

e a busca por uma maior qualidade de vida), os modelos da família de origem e a

espiritualidade enquanto crença para se fortalecerem, sendo essas subcategorias

balizadoras da resiliência na conjugalidade.

O apoio e modelo da família apareceram nas duas fases iniciais ligados à

família de origem. Já nas duas últimas, esse mesmo quesito apareceu, porém, em

relação à colateral e descendente. Observou-se aqui que uma vez internalizados os

modelos das famílias de origem, ocorre a circularidade do funcionamento dinâmico

dos processos familiares. Portanto, os modelos aprendidos na infância pelos

cônjuges sugerem ter sido responsáveis pelos sistemas de crenças, valores,

expectativas e formas de comunicar as experiências vividas e expressas por esses

casais.

As estratégias de enfrentamento utilizadas pelos casais presentes em todas

as fases da conjugalidade foram o diálogo, a participação em atividades religiosas e

sociais e o apoio das famílias de origem/colateral e descendente. As estratégias de

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enfrentamento viabilizaram o crescimento do amor e da união do casal, trazendo o

amadurecimento e o fortalecimento da dupla, o que contribuiu para o processo de

resiliência na conjugalidade e para o desenvolvimento humano dos envolvidos. E,

para suas famílias, os posicionamentos entre os cônjuges, colaboraram na

manutenção dos vínculos afetivos e seu enriquecimento, expressos nos cuidados e

na proteção aos filhos gerados nestas conjugalidades, oferecendo modelos de amor,

estabilidade e afetividade que, uma vez vivenciados, poderão ser aprendidos pelos

filhos e repassados aos seus netos.

O equilíbrio buscado pelos casais transitou por meio de movimentos

contínuos/descontínuos, como se apresenta todo processo de desenvolvimento.

Caminhando da estabilidade para a desorganização diante das crises para depois se

reestruturar novamente, mas sempre partindo de um patamar maior do que o

anterior, superando as adversidades por meio das aprendizagens e usando de

resiliência no que se refere àquele aspecto já vivenciado.

Constatou-se, assim, que as mudanças presentes na contemporaneidade

geraram desafios e ansiedades aos cônjuges, assim como para suas

conjugalidades, solicitando novas respostas frente às transformações sociais rápidas

e contínuas. Os enfrentamentos foram possíveis no micro contexto, apoiando-se nas

famílias e no meso contexto, como a igreja, os grupos sociais e as instituições nas

quais trabalham alguns dos cônjuges, no exo contexto, pela criatividade de um dos

cônjuges (esposa), que começou a fazer pizzas para colaborar no orçamento e o

retorno ao trabalho de um pai que esteve desempregado, restaurando melhor

condição de vida familiar. No macro contexto, por exemplo, os cônjuges idosos

puderam contar com políticas públicas que lhes permitiram ter um salário suficiente

para garantir qualidade de vida por meio dos cuidados com a saúde, repercutindo

em independência financeira da família.

No macro contexto, portanto, constatou-se que as políticas públicas do

governo federal, estadual e municipal têm suas interferências nas interrelações e na

estruturação da sociedade, refletindo nos costumes, nas crenças e na cultura das

pessoas.

Faz-se importante assinalar, também, que a resiliência para os casais é um

processo multidimensional e que compreendê-lo exige pensar na interação de

muitos fatores. Nesse sentido, o modelo bioecológico permitiu analisar este

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fenômeno em relação às características biológicas e psicológicas da pessoa; como

se processaram as interações interpessoais nos contextos e na rede de apoio social,

comunitário e cultural a qual a pessoa participou. O modo como estas se processam

ao longo de um tempo, construindo significados formadores e, por último, o nível

temporal que considera toda gama de relações presentes em um tempo específico.

Do ponto de vista do nível temporal ou cronosistema (micro, meso e macro

tempo), observamos no micro sistema a questão da continuidade versus a

descontinuidade das relações do casal, que se dão no ambiente estável da família

no tempo presente. Trata-se das rotinas diárias que envolvem o casal, e,

normalmente, os filhos, em que o tempo foi um importante fator de construção das

relações proximais.

O meso tempo, enquanto intervalos do tempo com marcadores que ocorrem

de modo mais amplo, (dias, semanas, meses e anos em que os episódios do micro

tempo se estruturam), por exemplo, a regulação dos processos de escolaridade dos

filhos que se dá, anualmente, e o macro tempo,como fatos que ocorrem de modo

amplo na sociedade, delimitaram os eventos esperados (casamento dos filhos) e os

inesperados (morte dos filhos) dos ciclos de vida do casal, e estiveram presentes na

conjugalidade.

Constatou-se que as relações vivenciadas com a família de origem foram

importantes na vida dos casais, fornecendo-lhes a base para os comportamentos na

conjugalidade. Além disso, as características biológicas, cognitivas, emocionais e

comportamentais da pessoa processadas durante o ciclo sugerem ter produzido, de

forma dinâmica, a maneira como se estabeleceram as relações no processo da

conjugalidade. Ou seja, a ocorrência dos processos proximais como aqueles em que

as relações de afetividade experimentaram a troca de energia entre os cônjuges e

em várias direções na vida do casal (como participar de grupos de casais ou realizar

atividade solidária).

Esses processos proximais configuram-se como componentes essenciais do

modelo bioecológico, na medida em que possibilitaram o processamento das

relações dos cônjuges entre si, e com os vários outros sistemas aos quais

pertencem. Os desafios dos casais não administrados no nível micro e, expostos por

longos períodos de tempo produziram desgastes na conjugalidade, repercutindo,

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também, para os outros sistemas próximos, em especial o familiar, como é o caso os

filhos, por exemplo.

Os resultados desta pesquisa confirmam os achados de Bronfenbrenner

(1996, 1998) sobre a premissa de a família ser a principal fonte de apoio bio-afetivo

e social da pessoa.

Espera-se que este trabalho possa contribuir alertando para as necessidades

dos múltiplos apoios institucionais requeridos pelos casais e suas famílias em

relação aos desafios, em face das vulnerabilidades as quais estão submetidos,

como as financeiras, mas não se limitando a estas e que, além do suporte social,

pressupõem apoio psicológico e acolhimento para que os casais possam se

fortalecer.

Verificou-se que muitos são os desafios e os riscos enfrentados pelos casais

em suas conjugalidades, mas o desenvolvimento de ações resultou em resiliência,

permitindo aos casais a continuidade de suas conjugalidades e vínculos conjugais

mais saudáveis, permitindo movimentos de aprendizado, partilha e solidariedade, o

que refletiu para a família no oferecimento de segurança aos descendentes.

Apesar de terem sido entrevistados apenas oito casais, acredita-se que as

questões aqui apresentadas trazem certa universalidade implícita na relação de

qualquer casal, portanto, espera-se que esses resultados contribuam para maior

compreensão sobre a questão da resiliência no processo da conjugalidade e de

suas repercussões para a família, permitindo reflexões para novas pesquisas sobre

o modo como os casais superam suas adversidades e a identificação dos

mecanismos pelos quais os riscos podem ser atenuados. Esta pesquisa teve como

limite o fato de ter sido realizada em um único contato, não favorecendo um

acompanhamento longitudinal das vidas dos sujeitos da pesquisa.

Os resultados aqui encontrados podem ser verificados também junto a casais

de segundas e/ou outros modos de união. Nesta pesquisa, pela escolha da técnica

Snowball, a seleção resultou, coincidentemente, em casais de primeira união.

Acredita-se que as problemáticas aqui encontradas estarão presentes em qualquer

outra proposta de união a dois.

Para esta pesquisadora, a análise da resiliência por meio do ciclo vital do

casamento permitiu a oportunidade de crescimento pessoal e a confirmação da

importância e do lugar da família na constituição das subjetividades, sendo a

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conjugalidade uma possibilidade de amadurecimento e enriquecimento, confirmando

também que a resiliência se faz por meio de vínculos, sendo estes os formadores e

manutentores de desenvolvimento psíquico saudável. E que os resultados

encontrados na pesquisa confirmam a prática clínica de atendimento aos casais.

Reconhecer os mecanismos que atuam como proteção em cada fase do ciclo

vital do casamento é ferramenta fundamental para o planejamento de ações efetivas

que visem minimizar a vulnerabilidade as quais os casais e as famílias estão

expostos, com vistas a oferecer suporte à redução de suas problemáticas.

Encerro estas considerações com as palavras de uma das pesquisadoras em

resiliência familiar, palavras essas que sintetizam a essência desta pesquisa:

[...] os pesquisadores descobriram que a resiliência é obtida a partir de relacionamentos fortes - com outros que se importam e acreditam em você, que oferecem suporte e incentivam seus melhores esforços e seu potencial. Eu vejo isso como a linha vital para a resiliência – em toda a rede familiar, na comunidade e nas escolas (WALSH, 2007, on-line).

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ANEXO l – Aprovação Comitê de Ética em Pesquisa

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ANEXO II – Aprovação da alteração do título da Dissertação pelo Comitê de Ética e Pesquisa

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ANEXO IlI – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Você está sendo convidado (a) para participar, como voluntário (a) em uma pesquisa que está sendo conduzida por uma aluna do Mestrado em Desenvolvimento Humano, da Universidade de Taubaté (UNITAU). Após ser esclarecido (a) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do estudo, assine ao final deste documento, que está em duas vias. Uma delas é sua e a outra é da pesquisadora responsável. Em caso de recusa, você não será penalizado (a) de forma alguma.

INFORMAÇÕES SOBRE A PESQUISA:

Título do Projeto: “Resiliência e Família: uma análise dos laços conjugais ao longo do ciclo vital”

Pesquisadora Responsável: Mônica Maria Costa Morais Pereira

Telefone para contato: (12) 3152-6904

Orientador (a) Responsável: Prof (ª). Dr.(ª) Marluce Auxiliadora Borges Glaus Leão

Trata-se de um estudo descritivo, com abordagem qualitativa, cujo objetivo é conhecer e compreender o processo de resiliência. Os dados serão coletados por meio do uso de uma entrevista (semiestruturada), na qual você terá que responder a questões abertas.

As informações serão gravadas em mídia digital, analisadas pela pesquisadora, que, após transcritas, serão destruídas. Todo material transcrito será guardado por cinco anos. O anonimato será assegurado em todo o processo de pesquisa e de divulgação dos dados e publicação em periódicos e/ou apresentação em eventos científicos. Os entrevistados terão o direito de retirar o consentimento a qualquer tempo. O material em seguida será analisado e essa participação dará a possibilidade de ampliar o conhecimento e compreensão de como as pessoas superam os desafios ao longo da vida no casamento, o que poderá contribuir para a construção de indicadores que alimentem ações de prevenção comunitárias e governamentais a todas as redes de auxilio e sustentação que contribuam para o desenvolvimento de atitudes resilientes do ponto de vista pessoal, fortalecendo os casais em seus desafios perante a vida. Os resultados da pesquisa podem ser encontrados em relatório na Biblioteca da UNITAU (Universidade de Taubaté) a partir de dezembro de 2013.

Mônica Maria Costa Morais Pereira________________________________________

CONSENTIMENTO DA PARTICIPAÇÃO DA PESSOA COMO SUJEITO

Eu, -----------------------------------------------------------------------------RG-------------------------- e -----------------------------------------------------------------------------RG-------------------------- abaixo assinado, concordo em participar do estudo “Resiliência e Família: uma análise dos laços conjugais ao longo do ciclo vital”, como sujeito. Informo que fui devidamente informado (a) e esclarecido (a) pela pesquisadora Mônica Maria Costa Morais Pereira sobre os objetivos da pesquisa, os procedimentos nela envolvidos, assim como os possíveis riscos e benefícios decorrentes de minha participação. E, ainda, foi-me garantido que posso retirar meu consentimento a qualquer momento, sem que isso leve a qualquer penalidade.

Lorena ____/____/____

Assinatura:_____________________________________________

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APÊNDICES

APÊNDICE I - Roteiro de Entrevista

Me conte sobre a vida a dois de vocês.

Houve situações difíceis neste período?

Como lidaram com elas?

O que os ajudou neste momento?

Fazendo um balanço, o que consideram que mais facilitou ou dificultou a vida a dois? Como e por quê?

APÊNDICE II – Distribuição da população brasileira por estado civil

CENSO de 2010, IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de casamentos em relação à população da cidade do Vale do Paraíba paulista, no estado de São Paulo e no Brasil.

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Figura 1. Distribuição da população em termos de separação e divórcios em relação ao número de casamentos, por cidade, estado e país.

Na cidade do Vale do Paraíba paulista, temos 82.537 habitantes e 597

casamentos que correspondem a 0,72% em relação à população. O número de

separações e divórcios em relação ao casamento é respectivamente 14 (2,35%) e

191 (32,0%).

No estado de São Paulo, com uma população de 41.262.199, sendo 264.542

de casamentos e que correspondem a 0,64% em relação à população. As

separações e divórcios em relação ao número de casamentos são respectivamente

1.925 (0,73%) e 84.111 (31,8%).

No Brasil, há uma população de 190.732.694, sendo 961.069 de casamentos,

o que corresponde à 0,50% da população. As separações e divórcios em relação ao

número de casamentos respectivamente são 6.790 (0,71%) e 249.776(26,0%)

0,00%0,10%0,20%0,30%0,40%0,50%0,60%0,70%0,80%

CIDADE DO VALE DOPARAÍBA PAULISTASÃO PAULO

BRASIL

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APÊNDICE III – Subcategorias de proteção prevalentes nas fases do ciclo vital do casamento

Figura 2. Subcategorias de proteção prevalentes nas fases do ciclo vital do casamento

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APÊNDICE IV – Subcategorias de risco prevalentes nas fases do ciclo vital do casamento

Figura 3. Subcategorias de riscos prevalentes nas fases do ciclo vital do casamento

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APÊNDICE V – Estratégias de enfrentamento nas fases do ciclo vital do casamento

Figura 4 Estratégias de enfrentamento nas fases do ciclo vital do casamento

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