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______________________ DELEUZE, Gilles. Proust e os signos. 2. Ed. Trad. Antonio Carlos Piquet e Roberto machado. Rio de Janeiro: Forense, 2006. ___________________________________________________________ _ FÁBIO COIMBRA Graduando em Filosofia pela Universidade Federal do Maranhão ____________________________________________________________ Proust e os Signos é um clássico da literatura filosófica sob a autoria de um dos mais renomados filósofos da atual contemporaneidade, a saber, Gilles Deleuze. Em princípio, um alerta para os leitores que objetivem encontrar neste clássico apenas reflexões sobre os signos precisa ser dado: para além do mundo dos signos, o autor põe-se em busca daquilo que aqui poder-se-ia chamar de “a razão de ser de um signo”. Filosoficamente, a razão de ser de uma coisa é aquilo que faz com que uma determinada coisa seja aquilo que, de fato, ela é sem a mínima possibilidade de ser outra coisa a não ser ela mesma. E isso que faz com que uma coisa seja o que ela é em si mesma em todos os tempos e em todos os lugares é quilo que, do ponto de vista da filosofia, ousou-se denominar de essência. A essência de uma coisa é, portanto, aquilo que – permanecendo – nessa mesma coisa está dado como sendo a sua própria razão de ser. Nesse sentido, se o signo existe e, portanto, é uma coisa no mundo, logo, ele tem uma essência, uma razão de ser. Se hipoteticar-se o mundo como uma singularidade constituída a

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Resenha da obra de Gilles Deleuze

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______________________DELEUZE, Gilles. Proust e os signos. 2. Ed. Trad. Antonio Carlos Piquet e Roberto machado. Rio de Janeiro: Forense, 2006.____________________________________________________________ FBIO COIMBRA Graduando em Filosofia pela Universidade Federal do Maranho

____________________________________________________________Proust e os Signos um clssico da literatura filosfica sob a autoria de um dos mais renomados filsofos da atual contemporaneidade, a saber, Gilles Deleuze. Em princpio, um alerta para os leitores que objetivem encontrar neste clssico apenas reflexes sobre os signos precisa ser dado: para alm do mundo dos signos, o autor pe-se em busca daquilo que aqui poder-se-ia chamar de a razo de ser de um signo. Filosoficamente, a razo de ser de uma coisa aquilo que faz com que uma determinada coisa seja aquilo que, de fato, ela sem a mnima possibilidade de ser outra coisa a no ser ela mesma. E isso que faz com que uma coisa seja o que ela em si mesma em todos os tempos e em todos os lugares quilo que, do ponto de vista da filosofia, ousou-se denominar de essncia. A essncia de uma coisa , portanto, aquilo que permanecendo nessa mesma coisa est dado como sendo a sua prpria razo de ser. Nesse sentido, se o signo existe e, portanto, uma coisa no mundo, logo, ele tem uma essncia, uma razo de ser. Se hipoteticar-se o mundo como uma singularidade constituda a partir da pluralidade dos signos, ou ainda, como a unidade da multiplicidade, necessariamente ser preciso admitir que esse mundo um mundo povoado de essncia, ou essncias. Sobre esse mundo que se constitui como o habitat da essncia, que Deleuze discorre no obstante, em Proust e os Signos o tema a busca da verdade mediante o aprendizado e ao qual se pe a procurar na obra que aqui se resenha.Cumpre, em princpio, relevar que da obra Proust e os signos ser resenhada apenas a primeira parte, intitulada Os Signos. No todo, a obra constituda de duas partes, sendo o tema da segunda A Mquina Literria, a qual no ser tratada aqui. Quanto a estrutura, a parte a ser resenhada compe-se de sete captulos e uma concluso cujos ttulos se lem, respectivamente: primeiro captulo, Os tipos de signos; segundo, Signo e Verdade; terceiro, O Aprendizado; quarto, Os Signos da Arte e a Essncia; quinto, Papel secundrio da memria, sexto, Srie e Grupo; e, por fim, o stimo captulo, O Pluralismo no sistema dos signos. Aps esses sete captulo, Deleuze fecha essa primeira parte com uma concluso intitulada A Imagem do Pensamento. No primeiro captulo Os tipos de Signos Deleuze argumenta que os signos so de quatros espcies e, ao discorrer sobre eles, demonstra, ento, que cada um deles possui algo que lhe especifico e, portanto, particular. Esses quatro tipos de signos so: os signos mundanos, os signos sensveis, os signos do amor e os signos da arte. A esse ltimo ele confere maior nfase, tanto neste capitulo, quanto nos demais. O ponto de partida de Deleuze no primeiro captulo uma pergunta que ele faz pela unidade da busca do tempo perdido. Em que consistiria, ento, esse tempo perdido de que fala Deleuze? Se partirmos do princpio de que o tempo perdido a mesma coisa que tempo passado, a resposta a essa questo tornar-se-ia tendenciosa na medida em que introduzir-se-ia a idia de que falar do passado no somente remete como requer o uso da memria enquanto caixa preta das experincias vividas que so revividas na medida em que so lembradas. Entretanto, no parece, para o autor, se tratar exata e necessariamente disso. Segundo ele, ela [a unidade da busca pelo tempo perdido] no consiste na memria, nem to pouco na lembrana, ainda que involuntria. [1] No decorre do captulo, Deleuze insinua haver um platonismo em Proust. Esse platonismo de Proust, tal como apresentado pelo autor parece est atrelado noo de conhecimento ou aprendizado. Em Plato, como sabido, conhecer despertar para aquilo que j estava dado na idia. A prender, nesse sentido, seria relembrar, e aqui a memria apareceria como elemento fundamental. Mais por mais importante que seja seu papel [diz Deleuze] a memria som intervm como o meio de um aprendizado que a ultrapassa tanto por seus objetivos quanto por seus princpios. [2] Neste ponto, o autor faz transparecer que a memria parece no comportar tanta relevncia para a busca do tempo perdido. Para esclarecer melhor isso, Deleuze assevera: A obra de Proust baseada no na exposio da memria, mas no aprendizado dos signos. Dos signos ela extrai sua unidade e seu surpreendente pluralismo. [3] Est claro, portanto, de que trata a obra (Proust e os Signos). Os signos so apresentados por Deleuze como sendo a matria do mundo [4]. Como no h um signo, mas signos, dado que cada um deles constitui um universo diferente, ento, nesse sentido, buscar o tempo perdido seria exatamente o empenho ou esforo empreendido pelo indivduo visando a uma investigao detalhada a cerca desses mundos. A questo da pluralidade e da unidade dos mundos, ao que parece, existe simultaneamente. A unidade, diz Deleuze, [...] est em que eles formam sistemas de signos emitidos por pessoas, objetos, matria [...], mas a pluralidade [...] consiste no fato de que estes signos no so do mesmo tipo, no a aparecem da mesma maneira, no podem ser decifrados do mesmo modo [...]. [5] questo da decifrao dos signos atrela-se a da interpretao. Ambas so relevantes dado que representam uma possibilidade de desvelamento dos signos. Entretanto, a interpretao e a decifrao diferem de um signo para outro. Isso significa dizer que tambm a interpretao e a decifrao existem em termos de pluralidade, pluralidade essa que decorre da primeira, ou seja, da pluralidade dos signos. Em outros termos significa dizer que da pluralidade dos signos que surge a diversidade de interpretao e formas especificas de deciframento. Uma questo relevante que Deleuze coloca e que cabe realar diz respeito evoluo dos signos. Essa evoluo justamente aquilo que faz com que eles venham a ser substitudo por outros. Ou seja, os signos mantm uma dinmica na qual existem num dado momento para deixar de ser, talvez no necessariamente, no outro. Quanto aos signos, Deleuze comea por considerar os signos mundanos, mostrando a partir de que eles surgem e de que se tratam. Nesse sentido, ele refereO signo mundano surge como o substituo de uma ao ou de um pensamento, ocupando-lhes o lugar. Trata-se, portanto, de um signo que no remete a nenhuma outra coisa, significao transcendente ou contedo ideal, mas que usurpou o suposto valor de seu sentido. [6]

A primeira impresso que se pode ter do signo mundano a de que ele no significa nada na medida em que substitui a ao e o pensamento, expressando assim um vazio. Nessa perspectiva, poder-se-ia aqui questionar: mas em que consiste o sentido desse signo dado que no se vale nem da ao nem do pensamento para sua manifestao? Segundo Deleuze, esse vcuo que constitui o signo mundano justamente aquilo que lhe diferencia dos demais e faz com ele seja perfeito. Portanto, a perfeio do signo mundano consiste justamente no vazio que ele expressa ao substituir a ao e o pensamento pelo nada. Mas, ainda assim argumenta o autor: somente os signos mundanos so capazes de provocar uma espcie de exaltao nervosa, exprimindo sobre ns o efeito das pessoas que o sabem produzi-los. [7] O que se percebe aqui que o signo mundano produto de uma ao, a qual consiste na eliminao de si prpria. Parece que o vazio que define o signo mundano pressupe uma determinada ao. Se assim o , ento, ele aparenta ser paradoxal na medida em que para ser vazio tem que ser ao. O segundo tipo de signo o do amor. Esse, sua vez, si distingue do primeiro na medida em que no substitui a ao nem o pensamento. Dotado de carter potico, o signo do amor se desenvolve a partir da relao entre o amante e a amada. Mas, preciso ressaltar que por traz dessa relao h algo mais interessante que a prpria relao. Trata-se das verdades que se ocultam e que no se do a conhecer a no ser mediante um rduo esforo do amado que, instigado pelo cime, pe-se em busca dessas verdades recnditas. O amor como tal, se constitui como um mundo cujo deciframento consiste na busca pelo conhecimento daquilo que lhe prprio. E aquilo que lhe prpria a verdade oculta. Nas palavras de Deleuze, amar procura explicar, desenvolver[8] esses mundos desconhecidos que permanecem envolvidos no amado [...] [9]. Nesse sentido a arte de amar arte de desvendar os mistrios presentes naquele ou naquela a que se ama. Entretanto, importante salientar que o esforo empreendido no desvendamento do mistrio, em se tratando do amor, no d nenhuma certeza de que o mistrio venha, de fato a ser desvendado. E por isso no se tem nenhuma certeza a cerca das verdades que se podem encontrar. Para elucidar melhor isso, cabe considerar o que diz Deleuze a cerca do problema: O amante deseja que o amado lhe dedique todas as suas preferncias, seu gestos e suas carcias. Mas os gestos do amado, no mesmo instante em que dirigem a ns e nos so dedicados exprime ainda o mundo desconhecido que nos exclui. [10] Nesse sentido, Deleuze assevera haver certa contradio no amor. Essa contradio reside justamente nesse estar dentro de um mundo, que o mundo da/o amada/o e ao mesmo tempo est fora do mesmo. Essa contradio fica mais explicita quando o autor fala do cime. Em se tratando do cime, a contradio reside no fato de que como diz Deleuze os meios de que dispomos para preserva-nos do cime so os mesmos que desenvolvem esse cime [...]. [11] Portanto, o mistrio permanece. Em uma comparao do signo do amor com o signo mundano, o autor afirma Os signos amorosos no so como os signos mundanos: no so signos vazios que substituem o pensamento e ao; so signos mentirosos que no podem dirigir-se a ns seno escondendo o que exprimem, isto , a origem dos mundos desconhecidos, das aes e dos pensamentos desconhecidos que lhe do sentido. [12]

Deleuze assinala, portanto algumas diferenas entre os signos mundanos e os amorosos. Em suma, essas diferenas resumem-se no fato de que enquanto o signo mundano vazio, o do amor mentiroso. Um paradoxo do signo do amor que aqui pode ser percebido diz respeito ao fato de que ele s pode aparecer na medida em que se esconde. como se o esconder-se fosse a condio de sua revelao. Cumpre ressalta, contudo, que isso que ele esconde justamente aquilo que constitui a sua razo de ser. E como se o amor nada mais fosse que uma mentira, diz Deleuze: O interprete dos signos amorosos necessariamente um interprete de mentiras.[13] O terceiro tipo de signo tratado por Deleuze so os signos sensveis. Esses, por sua vez, j so de carter mais prtico que os outros dois apresentados. Como a razo de ser de um signo o sentido de sua existncia, uma questo relevante de ser aqui assinalada vai dizer respeito ao fato de que os signos sensveis, nesse caso, esto mais prximos de ter o seu segredo desvendado, dado que se ligam ao mundo real, do que os signos supracitados. Mas, tambm, Deleuze chama a ateno para ao fato de que os esforos empreendidos na busca pela revelao do que eles sejam esto sempre sujeitos ao fracasso. [14] Ora, se por um lado os signos sensveis comportam essa desvantagem, que a possibilidade do fracasso na busca pelo seu desvelamento, por outro eles tambm possuem um fundo de verdade que os outros, talvez, no possuem e que, portanto, lhe distingue dos demais. Para elucidar melhor isso cabe considerar o que diz Deleuze.As qualidades sensveis ou as impresses, mesmo bem interpretadas, no so ainda em si mesmas signos suficientes. No so mais signos vazios, provocando-nos uma exaltao artificial, como os signos mundanos. Tambm no so signos enganadores que nos fazem sofrer, como os do amor, cujo verdadeiro sentido nos provocam um sofrimento cada vez maior. So signos verdicos, que imediatamente nos do uma sensao de alegria incomum, signos plenos, afirmativos e alegres. So signos materiais. [15]Fica evidente, destarte, a essncia dos signos sensveis, bem como suas diferenas em relao aos signos mundanos e aos signos do amor. Em suma, os signos sensveis no so vazios, no enganam e no fazem sofrer. Sendo materiais, eles promovem maior alegria que os do amor e os mundanos que, pode-se dizer, so abstratos. Um ponto interessante dessa reflexo que merece destaque quando Deleuze alude que o sentido material no nada sem uma essncia ideal que ele encarna. [16] Neste ponto, Deleuze j est chamando a ateno e preparando o solo para comear a tratar da quarta e ultima espcie de signo, a saber, o signo da arte. O que, segundo ele, [...] permite agora ao interprete ir mais alem. [17] Os signos da arte, como tais, so signos abstratos, so os signos da essncia, nele que est a verdade. Desmaterializados [18], os signos da arte, diz Deleuze, encontram seu sentido numa essncia ideal. [19] Esses signos, por sua vez, mantm certa relao com os signos sensveis na medida em que os sensveis, sendo materiais, encontram seu sentido numa determinada essncia que ideal. Nesse sentido, Deleuze refere:Compreendemos ento que os signos sensveis j remetiam a uma essncia ideal que se encarnava no seu sentido material. Mas sem a arte nunca poderamos compreend-los [...]. por esta razo que todos os signos convergem para a arte [...]. No nvel mais profundo, o essencial est nos signos da arte. [20]A arte representa aqui, ao que parece, a nica maneira, ou possibilidade pela qual os signos podem ser compreendidos ou decifrados. Como tal, ela (a arte) a referncia de todos os outros signos (os mundanos, os do amor e os sensveis). Sendo referncia para os outros e a razo de si mesma, logo, pode-se dizer que ela auto-referencial. Em suma, nos signos da arte que a verdade se faz presente e nos quais, ao contrrio dos outros, ela pode ser encontrada. No segundo captulo, intitulado Signo e Verdade Deleuze argumenta que a revelao da verdade se d pela inteligncia, e que a verdade tem uma relao direta com o tempo. Sendo assim, alega Deleuze: Na verdade, a Recherche Du temps perdu [leia-se: a busca do tempo perdido] uma busca da verdade. Se ela se chama busca do tempo perdido apenas porque a verdade tem uma relao essencial com o tempo. [21] Essa inseparabilidade entre verdade e tempo, justamente aquilo que faz com que cada um dos tipos de signos mundanos, amor, sensvel e arte tenham uma temporalidade que lhe inerente. E o problema de Proust, segundo o autor est diretamente ligado questo da verdade. Um detalhe importante que chama a ateno quanto questo da verdade, diz respeito ao fato de que a busca da verdade no ocorre naturalmente, ou seja, ningum busca a verdade por espontaneidade, ou porque ela seja bonita, mas porque algo o fora a busc-la, e isso que por fora leva o indivduo a busca da verdade o que Deleuze chama de violao do pensamento, ou violncia a um signo. Quanto a isso considere-se o que ele diz: Ns s procuramos a verdade quando estamos determinados a faz-los em funo de uma situao concreta, quando sofremos uma espcie de violncia que nos leva a essa busca.[22] Ora se o signo possui uma temporalidade prpria, e se a verdade mantm uma relao direta com o tempo, a verdade, nesse caso, mantm uma relao direta com o signos. Entretanto, isso no suficiente para que ela venha a lume, ou para que ela se manifeste por si mesma. Pelo contrrio, sendo o signo a sua morada, dado que ela pertence a um determinado tempo e este, sua vez, prprio de cada signo, ento o signo sendo o seu lcus ao mesmo tempo o lugar no qual ela se oculta. O seu desvelamento sempre resultado de um esforo que se faz para alcan-la quando um signo violado. Da a razo pela qual diz Deleuze: H sempre a violncia de um signo que nos fora a procurar, que nos rouba a paz. [23] manifesto, portanto, que a busca da verdade sempre decorrente da violncia a um signo. Um exemplo disso, no caso do amor, o ciumento. Quem o ciumento? aquele que busca a verdade, diz Deleuze, sob a presso das mentiras do amado [24]. Ou seja, s buscamos a verdade quando algo nos leva a isso. E o que motiva a verdade justamente a violncia a um signo. De alguma forma essa concepo da verdade enquanto resultado da violao de um signo que leva um determinado indivduo a busc-la se contrasta em certos aspectos com algumas concepes, ou teorias filosficas a cerca da verdade. Nesse sentido, Deleuze aponta aquilo que aqui aparece como um suposto erro da filosofia. Diz ele: O erro da filosofia pressupor em ns uma boa vontade de pensar, um desejo, um amor natural pela verdade. [25] Sendo essa leitura deleuziana a cerca de Proust, fica claro, ento, que Proust tem uma posio contrria filosofia em se tratando da busca pela verdade. Nisso Deleuze refere: Um dos temas em que Proust mais insiste este: a verdade nunca o produto de uma boa vontade prvia, mas o resultado de uma violncia sobre o pensamento. [26] Clara est, ento, a definio de verdade na tica de Proust. Percebe-se, destarte, que a busca da verdade depende de uma determinada situao. E essa busca s se d quando a isso se coagido. Essa coao justamente o que torna necessria a interpretao, a decifrao e a explicao do signo. importante notar que Deleuze no fala de verdade, mas de verdades (no plural). A razo disso, ou seja, a pluralidade da verdade decorrente da pluralidade do tempo que decorre da pluralidade dos signos. Por isso, o autor afirma: [...] h verdades do tempo perdido e verdades do tempo redescoberto [27] O que deve ser assinalado aqui que a verdade sempre verdade do tempo, ou de um tempo e que o nico meio pelo qual se pode chegar a ela se d atravs dos signos. Para se chegar a ela, entretanto, um esforo h de ser feito. Esse que se esfora justamente o aprendiz, e A revelao final de que h verdades a serem descobertas nesse tempo que se perde [diz Deleuze] o resultado essencial do seu aprendizado. [28] O aprendiz sempre aquele que busca formas inovadoras de pensamento de tal forma que em nada repita as j prefixadas. O seu ponto de partida no deve ser, em hiptese alguma, pressupostos filosficos, da mesma forma como no deve ser os cientficos. O que seria, ento, aprender nesse sentido? Seria criar o ainda no criado. Portanto, o aprendizado, pode-se dizer, no deixa de ser difcil num mundo onde tudo est dado, tudo est pronto e acabado. Para ilustrar melhor isso, cabe considerar Deleuze:Nunca se sabe como uma pessoa aprende; mas, de qualquer forma que aprenda, sempre por intermdio de signos, perdendo tempo, e no pela assimilao de contedos objetivos. [...] Nunca se aprende fazendo como[29] algum, mas com[30] algum que no tem relao de semelhana com o que se aprende. [31]Est claro, portanto, a complexidade do que seja aprender. Nota-se que o aprendizado sempre mediado pelos signos. Isso significa que o ponto de partida do aprendiz pode se d a partir de algo que j passou num tempo que se perdeu, embora, no necessariamente. Um detalhe importante e que deve ser notado aqui a distino que Deleuze estabelece entre aquele que ensina e a coisa a que ensina. Isso fica evidente nas duas ultimas linhas da citao. Um conceito que aparece aqui o conceito de inteligncia, o qual deve ser explicado. Argumentando sobre a verdade do tempo perdido, a pergunta de Deleuze justamente esta: Porque Proust chama essas verdades de verdades da inteligncia? [32] A primeira impresso que se tem ao se considerar a relevncia da inteligncia na vida de um aprendiz a de que a descoberta da verdade, no caso do tempo perdido, se d pura e necessariamente por meio dela a inteligncia. Todavia, diz Deleuze, Em arte ou em literatura, quando a inteligncia intervm sempre depois, [33] nunca antes. [34] Entretanto, mesmo vindo depois ela se torna relevante na medida em que somente por meio dela que se pode extrair a verdade do tempo perdido. A razo pela qual ela deva vim depois, talvez seja pelo fato de que, como diz Deleuze: As idias da inteligncia so muitas vezes sucedneos do desgosto. [35] Tambm ela depois porque a sua ativao para a busca da verdade sempre posterior violao sofrida pelo pensamento. Cumpre relembrar que da violao de um signo que se inicia no indivduo a busca pela verdade daquilo que est no signo, verdade essa que no se revela a no ser mediante um imperioso esforo empreendido rumo a isso. Para cada signo h uma verdade e para cada verdade, um tempo. Nesse sentido, Deleuze refere, A cada espcie de signo corresponde, sem dvida, uma linha de tempo privilegiada. Os signos mundanos implicam principalmente um tempo que se perde; os signos do amor envolvem particularmente o tempo perdido. Os signos sensveis muitas vezes nos fazem redescobrir o tempo, restituindo-o no meio do tempo perdido. Finamente, os signos da arte nos trazem um tempo redescoberto, tempo original absoluto que compreende todos os outros. [36]

Percebe-se que dentre os signos destaca-se os da arte que sendo absoluto engloba os demais. Portanto, os signos pertencem a um determinado tempo, assim como as verdades que so sempre verdades dos signos. O terceiro captulo (O Aprendizado) demonstra em que consiste o aprendizado. Obvio fica, ento, que o aprendizado consiste na compreenso da essncia. Sendo assim, pode-se dize que ele tambm se d pela arte e pelos signos. Para ilustra melhor as etapas do aprendizado, Deleuze comea por uma decomposio dos signos. Nesse sentido, ele alude:Cada signo tem duas metades: designa [37] um objeto e significa [38] alguma coisa diferente. O lado objetivo o lado do prazer, do gozo imediato e da prtica: enveredando por este caminho, j sacrificamos o lado da verdade. Reconhecemos as coisas sem jamais as conhecermos. Confundimos o significado do signo com o ser ou objeto que ele designa. [39]

A impresso que Deleuze d a de que o individuo sempre foca quilo que o signo designa que justamente um objeto. Parece que esse lado objetivo designa uma maneira pela qual se pode desfrutar de benefcios imediatos. O problema que surge consiste no fato de que esses benefcios podem, ao mesmo tempo, se converter em prejuzos na medida em que no contribuem para o alcance da verdade. Cabe ressalvar aqui que prprio da natureza do homem descobrir os segredos de uma coisa a partir daquilo que elas manifestam, ou, no mnino, ir em busca dessa descoberta. No entanto, neste caso, parece que em Deleuze, em matria do que est sendo tratado o lado objetivo do signo oculta o seu significado. A questo que aqui cabe suscitar a seguinte: no seria o significado do signo a verdade que nele se oculta? Certamente, estar-se aqui diante de um problema que precisa ser solucionado, e quanto novamente aparece, ento, a inteligncia. Nas palavras de Deleuze, A inteligncia deseja a objetividade, como a percepo do objeto. [40] Significa isso que por si mesma a inteligncia no busca a verdade, a no ser sob presso de alguma coisa. A inteligncia, como tal, aparece ater-se quilo que mais objetivo possvel, nesse sentido. Ratifica-se aqui, portanto, que em se tratando da busca da verdade, quando a inteligncia intervm, sempre depois, nunca antes. [41] Ou seja, o esforo da inteligncia converge para uma apreenso somente da parte objetiva dos signos, mas nunca daquilo que ele realmente signifique, a no ser sob coao. Aqui Deleuze faz uma pergunta fundamental: O que o heri da Recherche [leia-se: a busca] no sabe no incio da aprendizagem? [42] e responde, portanto: No sabe que a verdade no tem necessidade de ser dita para ser manifesta, [43] e que podemos talvez colh-la mais seguramente sem esperar pelas palavras e at mesmo sem lev-las em conta [...]. [44] Duas impresses surgem aqui: a primeira a de que Deleuze parece argumentar em prol de uma verdade que por si mesma. A segunda impresso a de que ele parece dizer que a verdade pode se revelar de outras maneiras, o que exclui a possibilidade dela se manifestar apenas e exclusivamente pelas palavras. Uma vez que a inteligncia se prende, ou tende, para as coisas objetivas [diga-se: materiais], ela atrela-se a noo de valor, ou valores, como ressalta Deleuze: Diversos so tambm as coisas, os empreendimentos e os valores aos quais tende a inteligncia. [45] Quanto a isso Deleuze ainda faz o seguinte questionamento: De que valem essas verdades objetivas que resultam de uma combinao de trabalho, inteligncia e boa vontade, mas que se comunicam na medida em que so encontradas e so encontradas na medida em que so recebidas?. [46] Em princpio, como j ficou explicito, as verdades nada mais so do que tipos de temporalidades em particular. Ou seja, elas possuem um tempo que lhe inextrincvel. As verdades, entretanto, no surgem do nada, mas partem de um princpio para constituir-se em um sentido que lhes do a sua razo de ser. Por princpios, aqui, no deve se entender associaes preliminares das quais as verdades possam advir, mas, sim condies novas que possibilitem de algum modo que elas sejam descobertas. Ainda no terceiro capitulo, Deleuze discorre tambm sobre as decepes que o aprendiz pode ter no ato de aprender. Nesse sentido, ele refere: A decepo um momento fundamental da busca ou do aprendizado; em cada campo de signos ficamos decepcionados quando o objeto no nos revela o segredo que espervamos. E a decepo pluralista, varivel segundo cada linha. [47] Ao contrrio do que aqui se poderia supor, Deleuze otimista em relao decepo do aprendiz. Sendo ela um momento fundamental, como ele mesmo diz, a impresso que se tem a de que ela seja, em algum momento, necessria. Talvez, a razo disso decorra do fato de que os signos no podem, ou no devem ser interpretados a partir do relacionamento com os objetos a que designam da, a razo pela qual a expectativa de se desvendar o segredo seja frustrada. Outra razo disso tambm decorre do fato da inexperincia do aprendiz, no seio da qual a ele no possvel discernir o signo e o objeto. Em outras palavras, significa dizer que o aprendiz ainda no consegue, em princpio, distinguir o signo do seu significado, to pouco pode se d conta de que o signo composto de duas partes, como j foi dito (designa um objeto e significa alguma coisa diferente). A experincia inicial do aprendiz tambm no deve ser uma simples associao de idias. Quanto s etapas do aprendizado, Deleuze faz a seguinte considerao: Cada linha de aprendizado passa por esses dois momentos: a decepo provocada por uma tentativa de interpretao objetiva e a tentativa de remediar essa decepo por uma interpretao subjetiva, em que reconstitumos conjuntos associativos. [48] H, por conseguinte, uma tentativa, ou um esforo que visa a uma compensao para a decepo. Isso, todavia, na medida em que se d pela associao no parece compensar a decepo dado que Deleuze no aceita verdades que derivem de associaes. Essa tentativa de compensar parece constituir o outro lado da decepo assumindo assim, que a decepo composta de uma dupla face: primeiro, o fracasso no esforo da interpretao, que decorre da falta de experincia do aprendiz, e, segundo, o reforo (ou a repetio) do fracasso na medida em que a compensao se d pela via da associao. Essa dificuldade, cabe destacar, decorre da prpria estrutura do signo, cuja profundidade no pode ser superada nem pelo interprete, por mais engenhoso que seja, to menos pelo objeto a que designa. O signo, como tal, uno e essa unidade lhe afirmada pela essncia. Cumpre aqui elucidar isso com as palavras do prprio Deleuze. a essncia que constitui a verdadeira unidade do signo e do sentido; ela que constitui o signo como irredutvel ao objeto que o emite; ela que constitui o sentido como irredutvel ao sujeito que o apreende. Ela a ultima palavra do aprendizado ou a revelao final. [49]

Aqui poder-se-ia questionar: e como que se d essa descoberta da essncia? Como ou de que maneira, o aprendiz pode chegar a ele? Quanto a isso, Deleuze objetivo: pela obra de arte, pela pintura e pela musica, e, sobretudo, pelo problema da literatura, que o heri da Recherche atinge essa revelao das essncias. [50] Sendo o signo da arte o nico capaz de revelar a essncia, fica manifesto, portanto, que os outros trs, a saber, o mundano, o sensvel e o do amor o mximo que podem fazer promover uma aproximao do aprendiz essncia ou a verdade sem, no entanto, jamais atingi-la. Deleuze ainda refora o que acima fora dito ao dizer: apenas no nvel da arte que as essncias so reveladas. [51]No captulo quatro (Os Signos da Arte e a Essncia) Deleuze demonstra a razo principal pela qual os signos da arte so superiores aos demais. Essa superioridade residiria, ento, no fato dos signos da arte no serem dotados de matria. Nesse sentido, a pergunta que Deleuze faz a seguinte: Qual a superioridade dos signos da Arte com relao a todos os outros? [e responde] que todos os outros so signos materiais. [52] Quanto s razes pelas quais os outros signos so matrias parecem consistir em que eles surgem atrelados ao objeto a que designam. como se eles, para sua existncia, necessariamente tivessem que estar envolvidos num determinado objeto. Se assim, de fato, fosse deveramos convir que a superioridade do signo da arte residiria tambm no fato deles gozarem de uma liberdade na medida em que no se prendem a nenhum objeto material. H tambm, segundo Deleuze, outras razes pelas quais os signos que no so os da arte possam ser considerados materiais. Sobre isso ele refere: Os outros signos so materiais, no apenas por sua origem e pela maneira como permanecem semi-encobertos no objeto, mas tambm por seu desenvolvimento ou sua explicao. [...] De tal modo que, cada vez que intervm a memria, a explicao dos signos comporta ainda alguma coisa de material [53]

A memria, nesse sentido, aparece como um dos meios pelos quais os outros signos se tornam materiais. Isso decorre do fato de que a explicao necessita da memria na medida em que essas explicaes se do a cerca do que, sobretudo, j passado. A explicao deve ter por finalidade a busca do sentido, e justamente aqui que est o problema. A matria permanece quando descobrimos os sentidos dos signos com outra coisa. A explicao do passado pode ser entendida como explicao de coisas materiais dado que s a matria passa, enquanto que a essncia permanece. A essncia nesse sentido no pode ser nem passado, nem presente, e to menos futuro. Pois ela o que . E sendo o que e por si mesma, no pode deixar de ser. Aquilo que por si mesmo perfeito. S o perfeito idntico a si mesmo. O imperfeito no pode ser igual nem a si, nem com relao aos demais porque busca a perfeio. E na medida em que busca a perfeio ele (o imperfeito) salta de um grau a outro, por isso no pode ser seu igual nem igual a outrem. Mas a essncia no precisa fazer esse esforo, pois, ela j atingiu o patamar mximo de perfeio que poderia alcanar. E o seu esforo simples porque, no estando presa a nem um objeto, livre para ser o que, de fato, . Fica evidente, portanto, que a superioridade dos signos da arte sobre os demais decorre exclusivamente do fato de que enquanto os da arte so imateriais e, portanto, espirituais, os outros so materiais dado que esto diretamente ligados matria.Para definir melhor a essncia, Deleuze comea pela questo O que uma essncia, tal como revelada na obra de arte? [responde, portanto] uma diferena, a diferena ultima e absoluta. [54] Neste ponto, j se est diante de um conceito chave no corao na obra de Deleuze que o conceito de diferena. A diferena justamente aquilo que, como diz o autor, constitui o ser [55]. Como tal, a diferena sempre mvel; ela no se fixa em um determinado lugar, mas, vive se deslocando de um lugar para outro o tempo todo e interminavelmente. Sendo assim, a essncia uma diferena absoluta que s existe na obra de arte, pois s na obra de arte a essncia livre para se deslocar dado que imaterial. esse movimento da essncia na arte que permite com que os signos da arte sejam decifrados. Ao se movimentar, a diferena de divide, e ao se dividir muda de natureza. Essa repartio da diferena, ou esse movimento da essncia justamente aquilo que faz com que o real ao se desprender do ser seja desse liberto. Em outras palavras significa dizer que todo esse engenho no mundo da arte consiste nada mais nada menos que numa tentativa de desmaterializao da matria. Enquanto diferena, ainda no fica claro o que vem a ser a essncia. Essa clareza, entretanto, comea a se manifestar quando nas palavras de Deleuze, fazendo aluso a Proust diz: Proust nos d uma primeira aproximao da essncia quando diz que ela alguma coisa em um sujeito, como a presena de uma qualidade ultima no mago de um sujeito [...]. [56] comea a se esclarecer, ento, que a essncia no algo para alm do sujeito, mas algo que est nele sem, no entanto, estar presa a ele. Permanece nele, mas permanece livre ao mesmo tempo. Mas, quando da sua liberdade ela se movimenta e sai do ser, embora permanea nele, essa sada s se d por meio da arte, ou da interveno artstica. Esse sair de si o que permite o sujeito ver em si mesmo aquilo que os outros vem a cerca dele do seu universo, e que, por conseguinte no o seu. Nesse sentido, Deleuze refere: Cada sujeito exprime o mundo de um ponto de vista. Mas o ponto de vista a prpria diferena, a diferena interna e absoluta. Cada sujeito exprime, pois, um mundo absolutamente diferente e, sem dvida, o mundo expresso no existe fora do sujeito que o exprime (o que chamamos mundo exterior apenas a projeo ilusria, o limite uniformizante de todos esses mundos expressos). [57]

Fica claro, portanto, que uma coisa o sujeito e outra, o mundo que ele expressa. O mundo expresso pelo sujeito no expressa a essncia do sujeito, mas a essncia do seu ser. Cumpre ressaltar que, segundo Deleuze, h um envolvimento das essncias. Na sua concepo, o ser criado justamente a partir desse enrolar das essncias umas nas outras, o que, criando o ser, cria tambm a subjetividade. Essa subjetividade, por sua vez, s pode ser conhecida pela arte. Para ilustrar melhor o que est sendo dito, Deleuze afirma: No so os indivduos que constituem o mundo, mas os mundos envolvidos, as essncias, que constituem os indivduos [...] a essncia no apenas individual, ela individualizante. [58] Em suma, diz: [...] a revelao da essncia [...] s pertence ao domnio da arte [...]. [59] No captulo cinco (Papel Secundrio da Memria), Deleuze discorre tambm a cerca do papel da memria involuntria. O autor comea por demonstrar a necessidade da inteligncia para a decifrao dos signos do amor e dos mundanos. Entretanto, ressalta, como foi j fora dito, que ela (inteligncia) sempre depois. Em se tratando da memria propriamente dita Deleuze afirma: [...] a memria no sendo solicitada diretamente, s pode fornecer uma contribuio voluntria e precisamente porque a penas voluntria vem sempre muito tarde com relao aos signos a decifrar. [60] Sendo assim, fica claro, ento, como o papel da memria se torna secundrio no que diz respeito decifrao dos signos: exatamente pelo fato dela nunca ser chamada em primeiro plano para a execuo dos trabalhos. De algum modo, isso insinua que a memria no o elemento mais fundamental para se decifrar um signo, e por razes que j foram dadas anteriormente. No caso dos signos amorosos, por exemplo, a memria s intervm voluntariamente. Um ponto que esclarece melhor o que e para que, ou quem, serve a memria involuntria quando Deleuze questiona: Em que nvel, ento, intervm a famosa memria involuntria?[61] [e responde] Ela s intervm em funo de uma espcie de signos muito particulares: os signos sensveis. [62] Deleuze, distingue dois tipos de signos sensveis, a saber, as reminiscncias e as descobertas [...] [63] As reminiscncias so justamente aqueles que so relembrados dado o seu arquivamento na memria. Embora a memria involuntria possa contribuir para o fornecimento dos segredos dos signos, uma vez que sempre vem em segundo plano, diz Deleuze: [...] essa memria no possui o segredo de todos os signos. [64] Os signos sensveis que no se explicam pela imaginao se tornam, nesse caso, superiores aos sensveis. Na viso de Deleuze, os signos sensveis na medida em que se explicam pela memria formam, na verdade, um comeo de arte, eles nos pem no caminho da arte. [65] Como os outros signos respectivamente, os do amor e os mundanos tambm se explicam, por alguma razo, por meio da memria, dado que a memria est diretamente ligada ao passado e esses so signos do tempo perdido, enquanto que os da arte no o so, logo, preciso convir que os trs signos, a saber, mundano, sensvel e o do amor abrem caminhos que conduzem para arte. ou seja, h uma pretenso de busca da essncia tambm por parte desses signos. O que fica em jogo aqui a possibilidade deles alcanarem esse nvel que o da essncia, dado que esto presos ao nvel do material e dele precisam no somente para existir, como tambm para se explicarem. Uma das preocupaes de Proust, segundo Deleuze, consiste em saber se as reminiscncias[66] so favorveis ou no obra de arte. Desse modo, Deleuze afirma, que As reminiscncias so metforas da vida; as metforas so reminiscncias da arte. [67] A impresso que se tem aqui que, num primeiro momento, a vida se alimenta das lembranas do passado. Ou ainda, ela atualiza o passado por meio da representao que dele faz atravs do uso de figuras, por exemplo. Num segundo momento, parece que essas figuras do passado que so atualizadas por meio das lembranas se tornam, novamente, passado quando entram no campo da arte. como se aquilo que real para a vida fosse abstrato para arte. Isso deve ficar mais claro quando Deleuze afirma que [...] s a arte realiza plenamente o que a vida esboou. [68] como se a arte conclusse um trabalho que a vida iniciou, mas no deu conta de levar adiante. O que garante essa superioridade da arte justamente o fato de que, como diz Deleuze, Os signos da arte de explicam pelo pensamento puro como faculdade da essncia. [69]Em se tratando da memria voluntria, o autor argumenta que ela vai de um presente atual a um presente que foi. [70] Significa dizer, portanto, que a memria voluntria flutua, ou desliza entre o presente e o passado. Tambm significa que a memria voluntria, no se prende nem ao passado, na medida em que estando nele pode vir para o presente, e nem ao presente, dado que pode sair dele e se dirigir para o passado. Nesse sentido Deleuze argumenta que Proust restringe a memria voluntria percepo consciente. Isto quer dizer que na memria voluntria h uma pretenso de descobrir o segredo da coisa a partir das reminiscncias. Ao fazer isso, ela incorre na impossibilidade de captar a essncia do objeto, dado que a essncia no se alcana por outros meios a no ser a arte, a msica, a pintura e outras formas de interveno artstica. Nas palavras de Deleuze em matria do que aqui se trata eis o problema de Proust: Proust coloca desta maneira a questo: como resgatar o passado tal como em si? [71] Esse , portanto, o grande problema ao qual Proust busca resolver. Ao final do captulo quando volta a tratar do aprendizado, Deleuze refere:Aprender relembrar, mas relembrar nada mais que do que aprender, ter um pressentimento. Se, impulsionados pelas etapas sucessivas do aprendizado, no chegssemos revelao final da arte, permaneceramos incapazes de compreender a essncia, at mesmo de compreender que ela j estava na lembrana involuntria ou na alegria do signo sensvel [...] necessrio que todas as etapas conduzam arte e que atinjamos sua revelao [...]. [72]A razo pela qual as etapas do aprendizado devem conduzir arte reside no fato de que apenas, e exclusivamente, a arte que revela a essncia. No capitulo seis (Srie e Grupo) Deleuze mostra como a srie ultrapassa a experincia e se torna transubjetiva. Em principio, retomando a questo da essncia, ele argumenta que ela tem dois poderes e demonstra quais so. Diz ele:A encarnao das essncias persiste nos signos amorosos e at mesmo nos signos mundanos. A diferena e a repetio permanecem, ento, como os dois poderes da essncia, [73] a qual continua irredutvel tanto ao objeto que porta o signo quanto ao sujeito que o sente. [74]Deleuze volta, ento, a tocar no conceito fundamental do seu pensamento que a diferena, atrelado agora ao conceito de repetio. Uma questo que ele suscita neste capitulo de suma relevncia para se entender como a essncia pode se transformar em outra coisa, o que seria nada mais nada menos que uma espcie de encarnao. E essa encarnao da essncia no uma encarnao que se d em qualquer coisa, mas uma encarnao que se d nos signos, especificamente, os signos mundanos e os signos amorosos. A questo a seguinte: [...] como conciliar a idia de uma presena da essncia com o carter mentiroso dos signos do amor e com o carter vazio dos signos do mundanismo? [75] Significa, resumidamente, que a preocupao de Deleuze consiste justamente em unir a essncia que alguma coisa, qual seja, a verdade que se revela pela arte ao vazio e mentira. O que poderia resultar dessa unio? Um submergir da essncia nessas duas classes de signos. Jogada no vazio do signo mundano, a essncia continuaria sendo o que, de fato, . Por outro lado, lanada no mundo da mentira que o signo do amor, como verdade, ela arruinaria a mentira fazendo-a ruir, portanto. Mas, o que, de fato, isso significaria parece ficar mais claro quando Deleuze refere que As essncias podem, portanto, se encarnar nos signos amorosos exatamente como as leis gerais da mentira, e nos signos mundanos como as leis gerais do vazio. [76] O que aparece haver aqui uma pretenso de transformao das essenciais em leis. Como lei a essncia no somente se manteria inaltervel como tambm subordinaria os outros signos e seus respectivos sentidos. Quanto aos poderes da essncia, Deleuze diz que Nos signos do amor, os dois deixam de estar juntos. [77] E isso ajuda a entende melhor a essncia enquanto lei. De acordo com ele, [...] as diferenas esto contidas em uma imagem primordial do universo, que no cessamos de reproduzir em diversos nveis [...]. [78] O que entra em questo aqui a possibilidade da repetio ser, de fato, a lei. Nesse sentido, a essncia enquanto lei seria apenas o resultado, ou o desdobramento do processo de repetio. E ao invs da afirmao pela permanncia da essncia, dever-se-ia afirmar que o que h uma repetio constante, mediante a qual a essncia se encarnaria em todos os signos. A diferena, enquanto tal estaria, sua vez, contida no ciclo da repetio. A diferena, nessa perspectiva, seria o fluxo contnuo do vir-a-ser de processos no cerne da repetio. Aqui, alguns questionamentos cumprem ser feito: seria a diferena aquilo que torna as coisas inteligveis ligando-as a uma lei? E o que seria a repetio? Seria a repetio a lei da diferena? Ou seria a diferena aquilo que, por ser diferente, faz a repetio a vir-a-ser? A repetio, como tal, tambm seria a lei da srie, fazendo com que a srie dessa forma se desenvolvesse. o desenvolvimento da srie que permite ao sujeito se reaproximar da diferena. A repetio que se d, atravs da memria, que ao arquivar permite que a repetio acontea nada mais que o esquecimento da memria, donde se concebe que o esquecimento leva a memria repetio. A repetio tambm aquilo que faz perceber, via inteligncia, que as coisas, por exemplo, o sofrimento no depende de outros objetos, mas do prprio sujeito. Sobre isso, Deleuze diz: Ns nos apercebemos de que nossos sofrimentos no dependiam de objeto, eram rodeios ou farsas que preparvamos para ns mesmos, ou melhor, armadilhas e coquetismos da Idia, alegria da essncia. [79] Descobrir isso, entretanto, seria um trabalho exclusivamente da inteligncia, claro, pressionada por alguma coisa. Pois, como j fora dito, a inteligncia sempre vem depois. Nesse sentido, Deleuze afirma:O trabalho da inteligncia consiste em, sob presso da sensibilidade, transmutar nosso sofrimento em alegria, ao mesmo tempo que o particular no geral. Somente ela pode descobrir a generalidade e ach-la alegre, encontrando no final aquilo que j estava presente desde o comeo, necessariamente inconsciente. [80]Ou seja, primeiro a inteligncia depois da violncia do signo descobre a essncia, e, segundo, ao descobrir a essncia, a inteligncia percebe que a causa do sofrimento, por exemplo, no o objeto, mas o prprio sujeito. Em suma [diz Deleuze], a essncia assume a generalidade de um Tema ou de uma Idia que serve de lei srie [...]. [81] Como lei da srie, a essncia que determina a subjetividade de cada ser. pela essncia que o sujeito se distingue dos demais. Em outras palavras significa que pela subjetividade de cada sujeito enquanto expresso de sua essncia que cada ser aquilo que, de fato, , ou que s ele pode ser. No capitulo sete (O Pluralismo no Sistema dos Signos) Deleuze mostra que o sistema de signos pluralista em razo de pontos de vistas distintos. Para esclarecer melhor isso ele refere logo no incio do captulo conforme se l:A Recherche [leia-se: a busca] do tempo perdido se apresenta como um sistema de signos. Mas esse sistema pluralista, no apenas porque a classificao dos signos utiliza critrios mltiplos, mas tambm porque devemos sempre conjugar dois pontos de vista distintos no estabelecimento desse critrio. [82]So os pontos de vista, portanto, o que fazem com que os signos sejam pluralistas, e, desse modo, a busca tambm deve ser. Os critrios que permitem uma classificao dos signos decorrem justamente da juno entre os diversos pontos de vistas. Duas etapas para a conjugao dos pontos de vistas so apresentadas por Deleuze: Por um lado, devemos considerar os signos do ponto de vista do processo de um aprendizado. [...] Por ouro lado, devemos considerar os signos do ponto de vista da revelao final. [83] Ou seja, o que se pretende, em suma, a conciliao entre o aprendizado e a arte, dado que a arte que compete a revelao final do signo, aquilo que a essncia do mesmo. Se o aprendizado resulta de um esforo empreendido pelo aprendiz rumo a descoberta do segredo do signo, esse aprendizado deve ser direcionado no sentido de descobrir a essncia. Na obra, como Deleuze deixa perceber, o signo sempre ocupa o lugar equivalente evoluo do aprendizado. A explicao final, diz ele, recebem [...] das caractersticas que ento apresentavam. [84] Se as caractersticas de uma coisa so, em algum aspecto, um meio pelo qual essa coisa possa ser explicada, a explicao dos signos nesse sentido, est contida no seu prprio ser dado que as caractersticas so sempre caractersticas de um ser. Voltando a considerar os quatro tipos de signos, Deleuze refere:Os signos mundanos so mais materiais por evolurem no vazio. Os signos amorosos so inseparveis da fora de um resto, da textura de uma pele, da forma e do colorido de uma face: coisa que s se espiritualiza quando a criatura amada dorme. Os signos sensveis tambm so qualidades materiais, sobretudo os aromas e os sabores. Somente na arte que o signo se torna imaterial, ao mesmo tempo que seu sentido se torna espiritual. [85]

O que se percebe aqui uma ratificao da superioridade da arte sobre os demais tipos de signos, tal como j fora demonstrado. Pode-se aqui arriscar em dizer que o que h, de fato, uma reduo dos signos em dois grupos: os materiais (que so os mundanos, os sensveis e os do amor) e os imateriais (que so os signos da arte). Quanto a explicao dos signos Deleuze estabelece a seguinte ordem: a inteligncia explica os signos mundanos e os amorosos; a memria e a imaginao explicam os signos sensveis; e o pensamento explica os signos da arte. [86] Tambm neste captulo, Deleuze mostra que h uma diviso do tempo em quatro linhas, a saber, o Tempo que se perde, tempo perdido, tempo que se redescobre e o tempo redescoberto. [87] Se dentre esses tempos h um que determina todos os outros, esse tempo, pode-se dizer, o tempo da arte. Nas palavras de Deleuze, , portanto, nas linhas do tempo que os signos interferem uns com os outros e multiplicam suas combinaes. [88] Essa interferncia se d atravs da extenso do tempo. Por exemplo, o tempo que perde desemboca no tempo perdido, e o tempo perdido, sua vez, resulta do tempo que se perde, ou se perdeu. Assim tambm se d com o tempo que se redescobre, e se redescobre no tempo redescoberto. Este, por sua vez, , ento, o tempo da arte e como tal, diz Deleuze, engloba e compreende todos os outros, pois, unicamente nele que cada linha do tempo encontra sua verdade, seu lugar e seu resultado do ponto de vista da verdade. [89] Para explicar melhor como isso se d Deleuze volta a tratar da essncia. Nesse sentido ele argumenta que [...] apenas no nvel mais profundo, no nvel da arte, que a essncia revelada [...]. [90] Em outras palavras significa dizer que primeiro a essncia se revela por meio da arte; segundo, depois de revelada, ela desce srie do tempo; e terceiro, depois da sua descida, ela d a cada uma das quatro linhas do tempo a verdade que lhe corresponde. [91]Aps refletir sobre Os Signos ao longo dos sete captulos iniciais da obra aqui resenhada, Deleuze, finalmente, chega concluso da primeira parte discorrendo sobre A imagem do Pensamento. Nesta parte, Deleuze se apresenta como crtico de toda e qualquer pretenso de verdade absoluta que derive do pensamento puro. Assim, a imagem do pensamento nada mais que a interpretao e traduo que o pensamento faz de um signo. Em principio, ele faz a seguinte elucidao: Se o tempo tem uma importncia fundamental na Recherche, porque toda verdade verdade do tempo. A Recherche , antes de tudo, uma busca da verdade, em que se manifesta toda a dimenso filosfica da obra de Proust [...]. [92] Significa isso que buscar o tempo perdido a mesma coisa que buscar a verdade. Inversamente, buscar a verdade significa mergulhar no tempo a fim de poder encontr-la. Cumpre destacar tambm a critica que Deleuze tece filosofia enquanto amizade, quando volta a tratar das foras que foram o pensamento a procurar a verdade. Diz ele: [...] a filosofia como amizade, ignora as zonas obscuras em que so elaboradas as foras efetivas que agem sobre o pensamento, as determinaes que nos foram a pensar. Ratifica-se, portanto, a idia de que sempre a partir da violao que sofre que o pensamento se pe em marcha a busca da verdade. justamente essa uma das razes pelas quais Deleuze rejeita a verdade que deriva do pensamento puro. A verdade, nessa tica, no reside propriamente no pensamento, mas naquilo que pe o pensamento em movimento, ou seja, naquilo que faz pensar. E aquilo que pe o pensamento em movimento seria justamente a verdade, em busca da qual o pensamento se desloca uma vez atingido por ela. Pensar, nesse sentido significa converter uma coisa material em seu equivalente espiritual. [93] Em suma, Deleuze argumenta que O ato de pensar no decorre de uma simples possibilidade natural; , ao contrrio, a nica criao verdadeira. [94] Como criao verdadeira, portanto, o pensamento s existe em vista de uma violao feita a ele mesmo.

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