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História do Fado Ricardo Nicolay
CARVALHO, Pinto de. História do Fado. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2003.
“Cada livro a sua história e as múltiplas maneiras de ser lido1”. Esta obra faz
parte de uma considerável gama de publicações relativas à origem, surgimento, raízes e
variações do fado, um gênero musical tipicamente lusitano. Desde a primeira publicação
de História do Fado, em 1903, diversos autores se dedicaram ao estudo e a um maior
entendimento sobre o fado.
Em a História do Fado, Pinto de Carvalho2 dividi em sete capítulos a história, o
caráter social, os personagens, as lendas e mitos fundadores, as fases e a evolução
história de um gênero que, desde o século VIX chama a atenção de estudiosos e
apreciadores até os dias atuais.
Quando pensamos em fado logo nos remetemos a Portugal. Para Carvalho, as
canções populares têm papel importante ao descrever uma nação, e como ela é vista
pelo mundo.
“É pelas canções populares que um país traduz mais lidimamente o seu caráter
nacional e seus costumes. A música, a necessidade de cantar, de dizer alto sua
alegria aos homens e às coisas, é uma questão de latitude, uma questão de sol.
Quanto mais para o sul, mais se ouve cantar.”
As canções nacionais presentes em muitos países europeus, como França, Espanha e
Portugal, são formas de expressão cultural que caracterizam uma determinada
sociedade. Não querendo dizer que esse povo se identifique com estas canções, masinternacionalmente são as marcas de alguns países.
A formação de uma identidade, processo intimamente relacionado à construção
de memória, é sempre um campo de disputas, e com o fado não é diferente. Os
discursos ideológicos fazem parte de sua produção bibliográfica, e estes discursos
1 Joaquim Pais de Brito no prefácio do livro “História do Fado, 2003. 2 José Pinto Ribeiro de Carvalho nasceu em Lisboa em 1858 e faleceu na mesma cidade em 1930. A
primeira vez que História do Fado foi publicada se deu em 1903. Esta nova edição pertence a coleçãoPortugal de Perto da Biblioteca de Etnografia e Antropologia, dirigida por Joaquim Pais de Brito,publicada em 2003.
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apontam opiniões favoráveis e desfavoráveis. Uns atestando a sua decadência e outros
seu ressurgimento, uns considerando música de fracassados e outros de vitoriosos, ora
usado como arma contra o regime de exceção ora utilizado pelo próprio regime para
tornar seu governo mais próximo da população.
Segundo o musicólogo Rui Vieira Nery, a evidência de que o fado se constituiu
enquanto símbolo da nação portuguesa no decorrer do século XIX é inegável. Segundo
ele:
“Não pode haver dúvidas de que o Fado tem vindo a romper progressivamente, em
particular desde o pós-guerra, todas as barreiras sócio-culturais a que
tradicionalmente estava sujeito: conquistou de uma vez por todas o território da
poesia erudita, desde o patrimônio trovadoresco e renascentista à criação literária
contemporânea; é uma presença frequente na programação das salas de espetáculos
mais prestigiadas, dentro e fora do País; algumas de suas figuras mais emblemáticas
converteram-se em verdadeiros ícones das artes do espetáculo portuguesas e em
símbolos da respectiva modernidade estética; dialoga abertamente, em pé de plena
igualdade, com outros gêneros performativos poético-musicais, tanto populares
como eruditos; é hoje uma das correntes em maior afirmação no âmbito da chamada
“World Music”4 internacional e no seio desta é cada vez mais olhado como uma
matriz identitária de nosso País [Portugal]”. (Nery: p.3, 2004)
Canção nacional ou não, os debates se acirram ainda mais quando se trata
de explicar a origem e o surgimento do fado. Fala-se que em finais do século XVIII
ainda era desconhecido em terra, constituindo-se como uma canção dos mares.
(...) Para nós, o fado tem uma origem marítima, origem que se lhe vislumbra no seu
ritmo onduloso com os movimentos cadenciados da vaga, balanceante como o jogar
de bombordo a estibordo nos navios sobre a toalha líquida florida de fosforescências
fugitivas ou como o vaivém das ondas batendo no costado, ofeguento como o arfar
do Grande Azul desfazendo a sua túnica franjada de rendas espumosas, triste como
as lamentações fluctívogas do Atlântico que se convulsa Glauco com babas de prata,
saudoso como a indefinível nostalgia da pátria ausente.(...) (CARVALHO: 42, 2003)
O início da discussão sobre origem e fundação do fado datam de finais do século
XIX, prosseguindo até a década de 30, quando novas hipóteses param de ser formuladas
e antigas hipóteses começam a ser revisitadas.
Do ponto de vista sócio-antropológico, discutir a qualidade da origem do fado comosendo brasileira, africana, moura, provençal ou do balanço e da cadência do mar é
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pouco. Interessa-nos observar sua evolução ao longo do tempo e entender sua ascensão
social e sua participação nas esferas micro e macro da sociedade portuguesa.
No livro Lisboa, o fado e os fadistas, Eduardo Sucena mostra algumas
conclusões do musicólogo Ernesto Viana acerca dos locais e estilos que deram origemao fado:
“1° - O Fado só é popular em Lisboa; para Coimbra foi levado pelos estudantes, e
nem nos arredores destas duas cidades ele é usado pelos camponeses, que têm as
suas cantigas especiais e muito diferentes.
2° - Nas províncias do Sul, onde os árabes se conservaram por mais tempo e os seus
costumes e tradições são ainda hoje mais vistos, o Fado é quase desconhecido,
principalmente entre a gente do campo.
(...)
4° - A poesia com que, invariavelmente, quase se canta o Fado é uma quadra
glosada em décimas, forma poética duma antiguidade pouco remota, de uma origem
nada popular e sem relação alguma com a poesia árabe.” (Sucena, 2003, p. 9)
O fadista e seu estereótipo também evoluíram com o tempo. Das ruelas de
Lisboa para os altos salões da aristocracia. Como ilustra Eça de Queirós, o fadista e sua
música eram marginalizados, e considerados como sendo a cristalização dos pecados
capitais.
“O Fado...Fatum era um Deus no Olimpo; nestes bairros é uma comédia. Tem uma
orquestra de guitarras e uma iluminação de cigarros. Está mobilada com um
enxerga. A cena final é no hospital e na enxovia. O pano de fundo é uma mortalha.”
O salto social das ruas para os salões é em parte explicado pelo “mito fundador”
do fado, personificado na prostituta Maria Severa. Segundo muitos trabalhos e relatos,
Severa foi um importante instrumento para a evolução social do fado porque se
envolveu com o Conde de Vimioso, chefe de uma das famílias aristocráticas mais
distintas do país. O Conde levava Severa para os grandes salões, onde ela cantava e
tocava o fado.
É preciso lembrar que foi após a sua morte que Severa se tornou um símbolo do
fado. Desde então os autores de fados sempre a relembram com letras em sua
homenagem, celebrando a força de uma mulher de baixas condições que ultrapassou
“umbrais” da fama, levando o fado para um novo universo social.
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A leitura de História do Fado, obra fundamental para a compreensão da gênese
e da evolução do fado, nos leva a esse instigante descobrimento deste estilo musical
com uma história tão sui generis, passando por diferentes universos sociais, culturais e
políticos, e que está presente até hoje na sociedade portuguesa.
Bibliografia:
BRITO, Joaquim Pais de. O Fado: etnografia na cidade. In VELHO, Gilberto. (Org.).
Antropologia Urbana. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006.
CARVALHO, Pinto de. “História do Fado”. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2003.
NERY, Rui Vieira. Para uma História do Fado. Lisboa: Público, 2004.
SUCENA, Eduardo. Lisboa, O Fado e os Fadistas Volume 1. [s.l]: Multilar, 2003.
SUCENA, Eduardo. Lisboa, O Fado e os Fadistas Volume 2. [s.l]: Multilar, 2003.