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especialDOMINGO, 2 DE SETEMBRO DE 2012 -
‘República’ de adultosComuns entre universitários, moradias coletivas viram opção econômica para quem já deixou de frequentar a faculdade
Rebeka [email protected]
A troca de experiências, a economia de dinhei-ro e a possibilidade de morar em espaços
confortáveis e bem localizados têm levado adultos com bons empregos e curso superior a dividir a casa com pessoas que não fazem parte da família e que, muitas vezes, nem se co-nheciam antes da parceria.
É o caso da psicóloga An-drea Cristina, de 27 anos, que vive com mais três pessoas em um sobrado alugado na época em que ela ainda era estudante. O lugar tem duas salas, quatro quartos, área externa com jar-dim e mobília dos anos 1950 herdada do bisavô dela. “Nunca chamei esse espaço de repúbli-ca, é uma casa de família.”
Para Ana Bock, professora de psicologia social da PUC-SP,
dividir uma casa é um proces-so parecido com o casamen-to. “Cada pessoa traz hábitos diferentes, mas, quando estão dispostas a mudar, isso permite a inauguração de uma nova cul-tura”. Segundo ela, morar com outros por opção leva a “deci-sões de crescimento”. “A pessoa vai ser cutucada pela forma de ser do outro. Isso traz movimen-to e mudanças. Ela sempre vai
tomar alguma decisão impor-tante. Vai tolerar, ou conversar, fazer uma grosseria ou mesmo mudar de casa”, diz.
O Brasil já é o principal mercado de aluguel de quartos na América Latina, segundo o EasyQuarto, site para locação de dormitórios pela internet presente em 37 países. O portal recebe 200 mil visitas por mês no País. A procura maior é de
profissionais (52%), seguido por estudantes (41%). “A demanda é muito forte em todas as cidades, e isso deve crescer”, diz Dennis Volkmann, gerente do site no Brasil, acrescentando que São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Ho-rizonte, Curitiba e Porto Alegre são as cidades mais procuradas.
Andrea Cristina conta ter ficado incomodada com a falta de interação dentro da casa
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ORGANIZAÇÃO: No apartamento das oito moças, não há regras definidas, mas até o cardápio (à dir.) é compartilhado
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logo que chegou. “Aqui não é só um lugar funcional para dormir”, define. A estudante de Rádio e TV Amália Viana, de
24 anos, mora com Andrea desde que chegou da Bahia,
há quase 4 anos. “A van-tagem é que a gente se
respeita. Quando dis-cordamos de algo, fa-lamos abertamente”, diz Amália. Andrea reclama que às ve-zes falta iniciativa de alguns morado-res. “O ideal é que todos tenham bom senso, que vai de la-
var a louça a pagar as contas.”
A casa ainda é for-mada pela comunicó-
loga Mirley, de 29 anos, e pelo economista João, de 24
anos, que chegou há 6 meses e já provocou mudanças quanto à integração do grupo. Foi João quem incentivou uma peque-na reforma no local, executada com a ajuda de todos.
Integração é a palavra que define um apartamento duplex
localizado em uma das regiões mais agitadas da capital paulista e habitado por oito mulheres, entre 19 e 29 anos. A moradora mais antiga é a designer gráfi-co Letícia Anguito, de 23 anos, que vive ali há 4 anos. “Quan-do cheguei, minha irmã mais velha já morava aqui com ami-gas. Não sabemos quem trouxe os sofás e a mobília. Até o ano passado, o contrato de aluguel estava assinado por uma ex--moradora que hoje vive na França”, brinca Letícia.
A reportagem da Folha universal foi recebida com um convite para o jantar. O arroz de forno com calabresa e queijo foi preparado pela desig-ner de produtos Natália Yatye,
de 23 anos, na casa desde fe-vereiro. “Nunca tinha morado com tantas pessoas, mas não é difícil como eu pensava. Nin-guém fica sozinha.”
Ivi Silva, de 29 anos, que mora há 18 meses no aparta-mento, tem a mesma opinião. “São várias ideias, vira uma conversa coletiva. Quando al-guém está triste, tentamos aju-dar”. Mas não foi sempre assim, acrescenta Letícia. “Já moramos com pessoas que não pensavam no grupo. Hoje, temos uma for-mação equilibrada, com espírito de coletividade.” Para a psicólo-ga Ana Bock, as moças estão no caminho certo. “A franqueza e o acolhimento sempre ajudam. É mais gostoso quando as pessoas buscam a convivência afetiva.”
Na ampla sala do aparta-mento, as garotas se reúnem para ver seriados na televisão, conversar sobre o dia a dia e or-ganizar festas. O espaço é ocu-pado por quatro sofás, um col-chão de casal, duas mesas com computadores e uma prateleira com livros e DVDs.
A organização, admitem as meninas, é a principal dificulda-de. “São muitas pessoas, acaba ficando bagunçado”, argumen-ta Letícia. Uma faxineira ajuda na limpeza uma vez por sema-na. Quando a bagunça cresce, elas conversam e deixam
Há uma tendência de homens e mulheres permanecerem solteiros por mais tempo, ou se separarem após um relacionamento amoroso. essas pessoas não querem mais ficar na casa dos pais, mas não perdem de vista a possibilidade de compartilhar sua vida
Carla Diéguez, docente da escola de sociologia e Política de sP
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bilhetes. “Na casa dos pais te-mos comodidade. Aqui, se dei-xar bagunçado, vai ficar”, conta a assistente de marketing Thais Avelar Reis, de 23 anos, que está há 1 ano e 8 meses no local e há 90 dias levou a irmã Flávia, de 19 anos, para morar com o gru-po. “É um desafio, mas somos uma família”, declara a desig-ner de produtos Michele Hori Mendes, de 23 anos. Há 2 anos e 5 meses ela mora no local com a radialista Natália, sua irmã gê-mea. “Precisamos ter paciência,
relevar e abrir mão de algumas coisas. Sou mais independente, amadureci”, diz a radialista.
O fator financeiro também pesou na decisão das garotas para dividir a moradia. Ape-nas em São Paulo, o valor da locação de imóveis residenciais subiu 11,87% nos últimos 12 meses, segundo o Sindicato da Habitação (Secovi-SP). O Índi-ce Geral de Preços - Mercado (IGP-M), usado para reajustar a maioria dos contratos de alu-guel, também subiu 1,38% na segunda prévia de agosto, de acordo com a Fundação Ge-
túlio Vargas (FGV). No ano, o índice acumula alta de 6,02% e, em 12 meses, de 7,68%.
Para João Maria Andra-des, professor de Economia Familiar da Universidade Es-tadual do Oeste do Paraná, o compartilhamento é uma boa opção para pessoas que pre-cisam economizar. “Solteiros
e separados podem se juntar em grupos para racionalizar os custos e conviver com in-divíduos em situação seme-lhante. Isso ajuda na inserção social e na relação com os amigos”, analisa.
Foi o que fez a auditora Mauridete Oliveira, de 31 anos, que, após separar-se do ma-
dividir uma casa é um processo parecido com o do casamento. a pessoa vai ser cutucada pela forma de ser do outro e isso traz movimento e mudanças Ana Bock, professora de Psicologia
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superar desafios é a missão diária
No apartamento das oito moças, não há regras definidas e tudo é conversado. Durante a manhã, por exemplo, elas respeitam o horário de trabalho de cada uma para definir a ordem de uso do único banheiro. Todo mês, uma dupla fica responsável por fazer as contas das despesas coletivas. Para facilitar a comunicação, o grupo criou uma conta na rede so-cial Facebook, além de trocar e-mails durante o dia. “Compartilhamos coisas divertidas”, explica Letícia Anguito. Na sala, uma coleção de 100 esmaltes serve de salão de beleza coletivo. As garotas também orga-nizam festas com os amigos. No ano passado, uma confraternização reuniu mais de 70 pessoas e gerou reclamações. “O zelador não gostou e a casa ficou toda suja”, relembra Letícia.
Já no sobrado onde vive Andrea Cristina, uma festa ajudou a arrecadar dinheiro para a geladeira. “Um amigo desenhou o convite, distribuímos na faculdade e trouxemos uma banda”, diz Andrea. A psicóloga conta que outra festa com os atuais mo-radores foi responsável pelo estreitamento dos laços entre eles. As despesas coletivas ficam presas com ímãs na geladeira e o grupo tem uma conta conjun-ta no banco. Andrea reclama de louças mal lavadas. Para resolver, ela criou um sistema de duas buchas: uma apenas para lavar copos, e outra para lavar pra-tos e panelas. Amália Viana também não gosta de su-jeira. “Tem gente que faz coleção de copos na pia”. Para evitar o desperdício de água, Andrea junta as rou-pas de todos na máqui-na de lavar. “Morar junto é um exercício de tolerância, temos estilos diferentes, mas conseguimos uma sintonia”, resume Andrea.
rido, vive há 3 meses com uma colega de trabalho. “Estou gos-tando e me sinto segura. No mês passado, viajei para a China e a casa não ficou abandonada”.
Já o arquiteto Lucas Basa-glia, de 26 anos, divide o apar-tamento de três quartos do pai dele, localizado em uma região nobre de São Paulo, com um administrador e um designer. “Somos muito tranquilos. To-dos deveriam morar com ami-gos para aprender a se organi-zar”, aconselha o arquiteto, que poupa dinheiro para o futuro economizando com a divisão.
A cientista social Carla Di-éguez, docente da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, destaca que o as-pecto econômico é importante, mas algumas mudanças na so-ciedade podem indicar outros motivos. “Há uma tendência
de homens e mulheres per-manecerem solteiros por mais tempo, ou se separarem após um relacionamento amoroso. Essas pessoas não querem mais ficar na casa dos pais, mas não perdem de vista a possibilidade de compartilhar a sua vida”, diz Carla, acrescentando que mo-rar junto é gratificante, mas se a decisão for apenas financeira, problemas podem aparecer.
Na opinião da cabeleireira e maquiadora Camila de Souza Laurindo, de 27 anos, o barato às vezes sai caro. Bem localiza-da e com preço baixo, a pensão onde mora tem regras rígidas e os moradores não se comu-nicam. “Não posso trazer nem minha mãe aqui.” Viver em es-paços de confinamento pode le-var ao isolamento, analisa João Maria Andrades.
vantagens de dividir a casaViver com amigos torna a vida mais leve
COZINhA: um dos pontos de possível conflito na moradia em grupo
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