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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO CURSO DE PEDAGOGIA MARA CLEIDE PEREIRA DE OLIVEIRA QUERINO REPRESENTAÇÕES DE PERSONAGENS MENINAS NA LITERATURA INFANTIL NEGRA Natal - RN 2019

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE EDUCAÇÃO

CURSO DE PEDAGOGIA

MARA CLEIDE PEREIRA DE OLIVEIRA QUERINO

REPRESENTAÇÕES DE PERSONAGENS MENINAS NA

LITERATURA INFANTIL NEGRA

Natal - RN

2019

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MARA CLEIDE PEREIRA DE OLIVEIRA QUERINO

REPRESENTAÇÕES DE PERSONAGENS MENINAS NA

LITERATURA INFANTIL NEGRA

Natal - RN

2019

Monografia apresentada ao Curso de Pedagogia do Centro de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial para obtenção do grau de Licenciada em Pedagogia.

Orientadora: Profa. Dra. Marly Amarilha

Coorientadora: Profa Ma. Kívia P. de Medeiros Faria

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Mara Cleide Pereira de Oliveira Querino

REPRESENTAÇÕES DE PERSONAGENS MENINAS NA

LITERATURA INFANTIL NEGRA

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de

licenciado em Pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte,

aprovada pela comissão formada pelas professoras:

Profª Drª Marly Amarilha – Orientadora

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Prof.ª M.a. Kívia Pereira de Medeiros Faria – Examinador Interno

Núcleo de Educação da Infância – Nei-CAp/UFRN

Prof.ª M.a. Simone Leite da Silva Peixoto – Examinador Externo

Secretaria Municipal de Educação – Natal/RN

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Aos meus sobrinhos Carolina, Cecília, Letícia e o Pedro,

por não me deixarem esquecer que a fase de criança passa muito rápido,

mas a infância fica para sempre.

Ao meu marido, Edvaldo Querino por acreditar nos meus sonhos.

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AGRADECIMENTOS

A Deus

A minha Família

Ao meu Esposo

A minha querida orientadora Marly Amarilha

Aos Professores do Curso de Pedagogia

A professora Alessandra Cardozo de Freitas

A minha coorientadora Kívia Pereira de Medeiros Faria

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento e Pesquisa (CNPq),

pela bolsa de Iniciação Científica

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RESUMO

Este estudo bibliográfico se propõe a discutir as representações verbo-

imagéticas das personagens negras meninas em livros de literatura infantil,

buscando responder à seguinte pergunta: Como são representadas as meninas

negras na Literatura Infantil Negra? Este trabalho se apresenta como um afluente

do plano de trabalho “Literatura Infantil Negra: debatendo a cor do silêncio por

meio da ilustração de personagens meninas – 1ª etapa” no âmbito do Programa

Institucional de Bolsa de Iniciação Científica – CNPq/PIBIC/UFRN, vinculado ao

projeto de pesquisa matriz “Literatura Infantil Negra: debatendo a cor do silêncio

na sala de aula” (AMARILHA, [CNPq, 2018-2022]). Objetivou-se conhecer

aspectos da cultura africana, por meio da representação de meninas, em livros de

Literatura infantil, de maneira a valorizá-los e fazer face à discriminação e

preconceito étnico-raciais e, assim, fortalecer uma educação antirracista em

nossas escolas. Para tanto foram selecionadas as seguintes obras: Obax

(NEVES, 2010); As tranças de Bintou (DIOUF;EVANS, 2004); Menina-rainha do

Livro Os reizinhos de Congo (PEREIRA;LIMA, 2007) e Bruna e a galinha d‟angola

(ALMEIDA;SARAIVA, 2016). Os resultados mostram que cada uma das

personagens representa um aspecto da cultura africana, são meninas que vivem

seus destinos como protagonistas portadoras de valores que identificam

pertencimentos sejam eles territorial, religioso e cultural. O estudo sugere que

essas personagens podem ser lidas e valorizadas pela “ousadia” que

representam, de que, mesmo crianças, são protagonistas de suas histórias e de

seus destinos. O contato do leitor mirim com essas obras favorece à uma

formação distante de estereótipos, preconceitos e discriminação.

Palavras-chave: Literatura infantil negra; personagens meninas; cultura africana.

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ABSTRACT

This bibliographical study proposes to discuss verbal-pictures

representations of black girls characters in books of children‟s literature, seeking to

answer the following question: How are black girls represented in Black Children‟s

Literature? This work is presented as an afluente to the work plan “Black

Children‟s Literature: debating the color of silence by means of illustration of girls

characters – 1st phase” in the contexto of the Institutional Program of Scientific

Initiation Grant - CNPq/PIBIC/UFRN, linked to the main research Project “Black

Children‟s Literature: debating the color of silence in the classroom” (AMARILHA,

[CNPq, 2018-2022]). This work has as a goal to get to know aspects of african

culture by means of the representation of girls in books of Children‟s Literature as

a way to value them and confronting ethnical-racial discrimination and prejudice,

therefore, to strengthen an anti-racism education at our schools. For this reason

we selected the following works: Obax (NEVES, 2010); As tranças de Bintou

(DIOUF;EVANS, 2004); Menina-rainha do Livro Os reizinhos de Congo

(PEREIRA;LIMA, 2007) e Bruna e a galinha d‟angola (ALMEIDA;SARAIVA, 2016).

The results show that each one of the characters represent na aspect of african

culture, they are girls who live their fates as protagonists who bear the values that

identify a sense of belonging, be it territorial, religious or cultural. The study

suggests that those characters might be read and valued by the boldness they

represent, even though, they are children, they are protagonists of their stories

and their fates. The contact of the child-reader with those works favors an

education away from stereotypes, prejudice and discrimination.

Key-words: Black children‟s literature; girls characters; African culture.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Capas dos livros analisados

34

Figura 2 – Obax

36

Figura 3 – Obax, observadora

39

Figura 4 – Rainha-menina em dois momentos

43

Figura 5 – A lua e a Rainha-menina

44

Figura 6 – Reunião feminina

47

Figura 7 – Dois personagens correm

50

Figura 8 – Essa é Bintou

51

Figura 9 – Grande pano

53

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SUMÁRIO

1

INTRODUÇÃO

10

2

ABORDAGEM TEÓRICO-CONCEITUAL

13

2.1 LITERATURA INFANTIL

13

2.2

LITERATURA INFANTIL NEGRA

16

2.3

A PERSONAGEM

18

2.4

LIVRO ILUSTRADO

20

3

REPRESENTAÇÃO E PERSONAGENS NEGRAS

23

3.1 AS REPRESENTAÇÕES DA PESSOA NEGRA

23

3,2 A REPRESENTAÇÃO DAS PERSONAGENS NEGRAS NA LITERATURA INFANTIL BRASILEIRA

28

4 ANÁLISE DAS PERSONAGENS E SUAS NARRATIVAS

33

4.1

OBAX: uma pequena contadora de histórias

35

4.2 RAINHA-MENINA: realeza e religiosidade

40

4.3

AS TRANÇAS DE BINTOU: tranças e sonhos de criança

45

4.4

BRUNA E A GALINHA D‟ANGOLA: herança cultural e infância

51

5

CONSIDERAÇÕES FINAIS

56

6

REFERÊNCIAS

59

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1 INTRODUÇÃO Este estudo bibliográfico se propõe a discutir as representações verbo-

imagéticas das personagens negras meninas em livros de Literatura Infantil, de

modo especial, do acervo do Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE).

Nesse contexto, buscamos responder à seguinte pergunta: Como estão

representadas as meninas negras na Literatura Infantil Negra?

Este trabalho é um afluente do plano de trabalho “Literatura Infantil Negra:

debatendo a cor do silêncio por meio da ilustração de personagens meninas – 1ª

etapa”, realizado no âmbito do programa Institucional de Bolsa de Iniciação

Científica – CNPq/PIBIC/UFRN, vinculado ao projeto de pesquisa matriz

“Literatura Infantil Negra: debatendo a cor do silêncio na sala de aula”

(AMARILHA, [CNPq, 2018-2022]).

Para alcançar nosso objetivo, selecionamos livros da literatura infantil que

contemplassem em seus enredos, histórias e personagens oriundas de temáticas

que remetessem aos povos negros na África ou na diáspora. Esta delimitação tem

como meta maior conhecer aspectos da cultura africana, presentes na literatura

infantil, de maneira a fazer face aos problemas étnico-raciais como racismo,

preconceito e discriminação que se manifestam em nossa sociedade em relação

ao negro e, dessa maneira, fortalecer uma educação antirracista em nossas

escolas.

Para a seleção dos livros analisados adotamos como critérios que a

personagem menina negra atuasse na obra como protagonista e que a história

tivesse evidente ligação com elementos da cultura africana e/ou afrodescente.

Assim, foram selecionadas as seguintes obras: Obax (NEVES, 2010); As tranças

de Bintou (DIOUF; EVANS, 2004); Menina-rainha do livro Os reizinhos de Congo

(PEREIRA; LIMA, 2007) e Bruna e a galinha d‟angola (ALMEIDA; SARAIVA,

2016).

As dificuldades de docentes e discentes em trabalhar essa temática, em

sala de aula, justificam esta investigação, já que vários estudos, tais como os de

Amarilha; Campos, 2018; Campos, 2014; Costa, 2007; Cavalleiro, 2007, dentre

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outros, mostram que é no ambiente escolar que, desde muito cedo, as crianças

começam a sofrer preconceito, discriminação em função do racismo que subjaz

na nossa sociedade.

Nesse contexto, sabemos que, não existe nada mais humano que

contar/ouvir e ler histórias. Elas permeiam o imaginário de todos os povos e

civilizações desde tempos remotos até os dias atuais; onde há grupos humanos,

há histórias a serem contadas.

Todas as sociedades possuem um repertório de narrativas que podem

contar muito sobre seus povos, seus valores e, essas, são passadas geração a

geração. Além do mais, é a cultura de um povo que irá, de certo modo, determinar

aspectos fundantes dessas narrativas, tais como: personagens e suas

composições, os espaços onde as ações se materializam e, as marcas possíveis

do tempo no qual se desenvolve o enredo, entre outros aspectos.

Essas narrativas, em sua grande maioria, constituídas de muita imaginação

e criatividade revelam uma das mais notáveis atividades criativas humanas,

todavia, se constroem a partir do mundo real e dos materiais nele captados. Já

que, conforme assegura Vigotski (2014), toda atividade criativa humana se

alicerça no substrato do mundo real.

Assim, a leitura e audições dessas narrativas ficcionais nos asseguram o

direito de adentrar num mundo diferente ou similar ao nosso, como também,

capacita o outro a adentrar no nosso mundo interior, produzindo encontros dos

quais, inevitavelmente, saímos sensibilizados e, não raramente, transformados.

Nesse âmbito, assegura Amarilha (2013), ler literatura é uma atividade

experiencial que possibilita ao leitor vivenciar situações, sentimentos e emoções,

que propiciam a construção de um conhecimento a partir do lido. Porém, tais

mundos e seres ficcionais só podem ser experimentados, vivenciados, percebidos

se o leitor aceitar o convite para ir ao mundo da imaginação, ao universo da

literatura.

Foi assim, com a cabeça povoada por essas ideias e o coração aberto ao

novo, que percorremos caminhos e desbravamos novas veredas para adentrar

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em narrativas ficcionais cujas histórias nos permitissem ter um olhar particular

para a memória, os costumes e a cultura dos povos africanos e afro-descentes.

Para apresentar tal intuito, dividimos este trabalho em quatro seções:

Na primeira seção, abordamos aspectos da história da Literatura Infantil em

que apresentarmos os principais conceitos que orientam este trabalho sobre

Literatura Infantil Negra, alicerçados pelas contribuições de Amarilha; Campos

(2018) e Campos (2014). Ancoramos nosso conceito de personagem conforme

apresentado por Beth Brait (2017). Fazemos uma pequena explanação sobre o

livro ilustrado, o suporte das narrativas, considerando as contribuições de Sophie

Van Der Linden (2011).

Na segunda seção, exploramos o conceito de representações advindo de

Louro (1997) e Freitas (2014) como também, fazemos uma breve retrospectiva de

narrativas cujas personagens eram mulheres-meninas negras ao longo da história

brasileira, até o ano 2003, por meio dos estudos de Andréia Lisboa de Sousa

(2005). Apresentamos um breve recorte a partir de Abramovich (1989) de como

as personagens negras eram representadas na literatura.

Na terceira seção, adentramos nas narrativas Obax (2010), As tranças de

Bintou (2004); Menina-rainha do livro Os reizinhos de Congo (2007) e Bruna e a

galinha d‟angola (2012), buscando identificar como essas personagens estão

representadas por meio das narrativas textuais e imagéticas.

Na última seção, apresentaremos nossas reflexões sobre o estudo e sobre

a importância de utilizar narrativas ficcionais inseridas no que chamamos de

Literatura Infantil Negra para desvelar aspectos da cultura dos povos advindos da

África, no entendimento de que ao conhecer essa cultura é possível combater o

preconceito, a discriminação e o racismo sofrido por esse povo em nossa

sociedade.

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2 ABORDAGEM TEÓRICO-CONCEITUAL

Nesta seção, nosso objetivo é alicerçar precedentes teórico-conceituais

que se constituam em fundamentos para entendermos, especialmente, a

Literatura Infantil Negra, personagens e livros de literatura ilustrados para infância

no contexto de uma epistemologia para uma educação antirracista.

2.1 LITERATURA INFANTIL

Uma literatura destinada ao público infantil começa a se firmar com o

conceito mais específico do que seja a infância a partir do século XIX.

Embora, ao longo de toda a história humana, as crianças sempre tenham

existido, a noção de infância nasceu no seio da sociedade moderna. Todavia, a

infância não é percebida e concebida de forma uniforme pelas sociedades e, as

divergências podem existir dentro de uma dada sociedade. Sabemos que “[...] as

visões sobre a infância são construídas social e historicamente: a inserção

concreta das crianças e seus papéis variam com as formas de organização

social.” (KRAMER, 2007. p.2).

Atualmente, compreendemos que a infância é um momento de

especificidades e singularidades. Esse período da vida do ser humano

compreende o primeiro dia de vida do indivíduo até, aproximadamente, o décimo

segundo ano. O entendimento do que seja infância, hoje, teve o seu nascedouro

recentemente na história do homem.

A literatura para esse público nasce reforçada pela necessidade de se

educar uma nova geração nos moldes civilizatórios cunhados pela Revolução

Francesa e imersa no processo de industrialização que absorvia toda a Europa.

Assim, em um contexto onde o lúdico é utilizado como recurso instrucional,

nasceu a literatura Infantil com caráter didático (AMARILHA, 2012).

A literatura adjetivada de infantil implica em afirmar que os textos têm um

destinatário certo: a criança. Cadermatori (1991) afirma que essa adjetivação

supõe que seus temas, suas linguagens e os pontos de vista são destinados a

esse público/leitor específico. Deste modo, destinada a um público dependente do

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adulto e com forte função instrucional essa literatura passou a ter status de menor

valor. Todavia, a literatura infantil não ficou estagnada nos objetivos pedagógicos,

informativos e instrucionais presentes em seu nascedouro, embora encontremos

esses traços até os dias de hoje.

Acreditamos que todos os povos têm necessidade de imaginar, de manter

contato com a fantasia, com o universo fabulado e, é a literatura, entre outras

artes, que se apresenta de forma singular estimulando a fantasia e a imaginação,

desde as manifestações mais espontâneas às mais sofisticadas que propiciam

essas experiências. “A literatura é o sonho acordado das civilizações. Portanto,

assim como não é possível haver equilíbrio psíquico sem o sonho durante a noite,

talvez não haja equilíbrio social sem literatura.” (CANDIDO, 1995, p. 242-243).

A criança se sente atraída pela literatura, principalmente pelo jogo lúdico

proposto pelo texto literário tão similar à brincadeira; comum a essa fase da vida.

Vigotski (2014) assevera que é nas brincadeiras que os processos criativos,

particularmente, se manifestam na infância. Desse modo, a vontade de fantasiar é

manifestação mais evidente da atividade criativa na criança, como também

acontece na atividade lúdica. Na infância, a brincadeira ocupa o lugar central na

vida da criança.

A atenção das crianças é capturada pelo caráter lúdico da literatura e,

como toda atividade lúdica provoca um distanciamento do real, isso se faz

necessário, mesmo que temporariamente, para que possamos adentrar no

universo das narrativas e dos poemas e, nos distanciarmos desse mundo que nos

cerca. Desse modo, por meio do jogo dramático vivido quando se lê ou se ouve

uma narrativa, a criança torna-se capaz de vir a vivenciar situações e

experiências do mundo, que de outro modo seria quase impossível (AMARILHA,

2012).

A leitura de literatura na infância propicia às crianças uma organização das

percepções do mundo possibilitando uma nova ordenação das experiências

existenciais. A convivência com textos literários as impulsionam na formação de

novos padrões e no desenvolvimento do senso crítico (CADEMARTORI, 1991, p.

19).

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O texto desafia o seu leitor, a criança, a decifrá-lo por meio do brincar com

as palavras, signos linguísticos que se materializam no papel ou na tela, mas

ultrapassam em significado para além dos limites desses suportes. E, como numa

brincadeira de adivinha, a criança vai adentrando num mundo ficcional. Todavia,

como em todo jogo, a imaginação da criança vai sendo orientada pelas regras

estabelecidas pelo próprio texto.

A criança ao entrar no jogo ficcional passa a ser instruída nos

procedimentos de ajustamento intelectual permitindo que ela possa lidar com

fatos reais e fatos imaginários comparativamente. Assim, a literatura proporciona,

por meio da brincadeira e da atividade lúdica um ensaio geral podendo viver

situação e personagens que de outra forma não seriam possíveis. Tudo isso lhe

permite que possa se relacionar de maneira mais assertiva e segura com

situações sociais, emocionais e psicológicas no universo infantil, tanto quanto nas

do futuro.

No Brasil, assegura Campos (2016), a literatura infantil aparece muito

posteriormente às discussões nesse campo na Europa, após a proclamação da

república envolta nas preocupações com a instrução pública. Todavia, seguiu a

visão institucional e moralizante, tal qual sua ancestral europeia, aspirando

ensinar a submissão das crianças aos adultos. A criança só passaria a ter suas

especificidades valorizadas, pensamento e voz próprios no início do século XX,

com a chegada ao cenário das publicações para esse público de escritores como

Cecília Meireles (1901-1964) e Monteiro Lobato (1882-1948).

Contudo, a representação dos negros, adultos ou crianças, em textos para

crianças, nas primeiras manifestações no Brasil, carregavam ideias

preconceituosas e perspectivas eurocêntricas, imprimindo na literatura infantil

brasileira um discurso de naturalização das relações raciais. Essa condição iria

perdurar ainda por várias décadas, até que fortalecida pelos movimentos sociais

negros que pretendiam dar visibilidade a esse povo tão fundamental para

estruturação da sociedade do nosso país, começou a surgir uma produção que

buscava valorizar a presença dos negros em todos os campos da nossa história.

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2.2 LITERATURA INFANTIL NEGRA

A literatura Infantil negra nasceu, mesmo que tímida e inexpressivamente,

dentro desse contexto.

Para adentramos numa conceituação do que seja uma Literatura Infantil

Negra se faz necessário explicarmos que o nosso entendimento da palavra

negro/a neste trabalho é sociocultural e não biológica.

A propósito, gostaríamos de ressaltar que neste trabalho consideraremos e

utilizaremos a nomenclatura Literatura Infantil Negra corroborando com as ideias

de Campos e Amarilha (2018, p.1), “para fazer frente ao preconceito

epistemológico associado à palavra „negro‟ ou „negra‟, assumindo uma postura de

desvelamento do silêncio que ainda predomina sobre a cultura negra no Brasil”.

Assim, acompanhando Campos (2016, p. 56-57) entendemos “[...] como

literatura infantil negra o conjunto de obras literárias produzidas para a infância

que representa como tema central aspectos das histórias e das culturas dos

povos negros, seja na diáspora ou no continente africano”. Essa demarcação

epistemológica tem a pretensão de colaborar para um esvaziamento do encargo

semântico conceitual que pejorativamente ressoa nas palavras “negro” e “negra” e

seus derivativos em nossa sociedade.

Assim, visamos vincular a conceituação da LIN à trajetória histórica de

lutas dos movimentos negros por visibilidade e valorização das culturas de raiz

africana que fazem parte das matrizes fundantes da história desse país. A esse

respeito, destacamos a atividade pulsante do grupo Quilombhoje que publica,

desde 1978, no mercado editorial brasileiro a coletânea “Cadernos Negros” que

tem possibilitado tanto no campo estético, quanto sob forma de resistência

cultural uma inegável importância social.

Inteirados estamos de que, atualmente, no Brasil, a maioria das pesquisas

faz a opção por usar a expressão literatura afro-brasileira, muito provavelmente,

por influência da Lei 10.639/2003, que adotou a nomenclatura quando tornou

obrigatório “o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira” nas escolas do país.

No entanto, o uso não chega a ser um consenso, pois também encontramos a

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expressão Literatura afrodescendente, dentre outras que possam ser

encontradas. Todavia, o debate está posto e vem repercutindo, assim, alguns

autores vêm defendendo o uso do termo literatura negra, que desde o final da

década de 1970, vem se sistematizando (CAMPOS, 2016).

Tal tendência visa fazer uma conexão direta com o discurso histórico de

lutas dos movimentos negros brasileiros pelas diversas formas de liberdade,

igualdade, visibilidade e valorização das culturas africanas e o fortalecimento

contra o preconceito, discriminação racial e do racismo que ainda são

persistentes em nossa sociedade. Para esses grupos a utilização do termo “afro”,

de certo modo, retira da temática central das discussões o combate ao racismo e

favorece ao enfraquecimento da questão quanto à discriminação racial.

Nesse momento, faz-se necessário destacar os conceitos de racismo,

preconceito e discriminação advindos do texto “Orientações e ações para a

educação das relações étnico-raciais” (BRASIL, 2006, p. 222), que são

fundamentais neste trabalho. De acordo com esse documento, o racismo é “[...]

um conjunto de teorias, crenças e práticas que estabelece uma hierarquia entre

as raças, consideradas como fenômenos biológicos”.

O preconceito é entendido como “[...] uma opinião que se emite

antecipadamente, a partir de informações acerca de pessoas, grupos e

sociedades, em geral infundadas ou baseadas em estereótipos, que se

transformam em julgamento prévio, negativo” (BRASIL, 2006, p.217).

A discriminação racial se configura no “[...] ato de distinguir, excluir ou

restringir, baseado em uma visão preconceituosa acerca da diversidade étnico-

racial, que procura atualizar o sistema racista de pensamento e organização

social.” (CAMPOS; AMARILHA, 2018, p.2).

Isso ocorre quando o racista exterioriza sua posição racista e

preconceituosa e pratica uma ação que de várias formas poderá prejudicar uma

pessoa ou um grupo de pessoas.

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2.3 A PERSONAGEM

Quando uma pessoa, adulto ou criança, se dispõe a ler literatura, ele adere

a uma atividade que propicia experimentar sentimentos, vivenciar emoções e

situações, na maioria das vezes, nunca vividas no mundo real e sobre as quais

passa a ter algum conhecimento (AMARILHA, 2013).

Para que essa experiência realmente aconteça é impreterível que o leitor

tenha empatia pela personagem, esse ser ficcional que permite a vivência, por

meio da ficção, de novas aventuras e/ou desventuras. A personagem, afirma

Antonio Candido (2002. p.54) “[...] representa a possibilidade de adesão afetiva e

intelectual do leitor, pelos mecanismos de identificação, projeção, transferência

etc”.

Mas o que seria esse ser, do qual nos aproximamos de forma tão real que

nos parece mesmo existir efetivamente no nosso mundo? Beth Brait (2017)

assegura que para além das palavras do texto, elas não existem, que embora

possam ser inspiradas em pessoas e situações reais, “as personagens

representam pessoas, segundo modalidades próprias da ficção” (p. 19).

As personagens fazem parte do universo da linguagem, esse espaço

mágico e especial, e só materializam suas existências quando abrimos as páginas

de um livro e desvendamos seus segredos para além do código linguístico. Essas

criaturas e seus espaços ficcionais são uma invenção humana que, de diversas

maneiras, buscam reproduzir e definir suas relações com o mundo, sendo pois,

um simulacro da realidade. Tudo isso, para estabelecer e manter um

relacionamento baseado na sensibilização do leitor.

Segundo Smith (1989), o poder que a leitura proporciona é enorme, já que

dentre outras possibilidades, permite-nos entrar em contato com pessoas

distantes, temporal e/ou espacialmente, conduzindo-nos a mundos, que de outro

modo, não estariam acessíveis e passíveis de serem experimentados ou nem

mesmo existiriam. Podemos afirmar que isso se dá quando o leitor aceita o jogo

ficcional e adere à personagem passando a conhecer seu mundo, sua história.

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Nesse processo, o leitor passa a concordar ou interrogar atos, ideias e

ações das personagens, e dificilmente, fica indiferente. A personagem é o ponto

central de qualquer história, já que, sem personagem não existe história.

Nesse contexto, as personagens, suas histórias e seus espaços, nada mais

são que, construções linguísticas e seu existir cumpre as determinações do texto

estabelecidas pelos autores, sejam esses romancistas, contistas ou poetas.

E esses mundos e seus personagens só se abrem para nós com a leitura,

desse modo, concordamos com Sant‟anna (2002. p. 210) ao afirmar que, “Ler um

livro é tomar a palavra alheia, vesti-la, habitá-la por certo tempo”.

Esse efeito de realidade gerado no leitor pelo texto se dá por um elemento

fundamental do discurso literário: a verossimilhança, que de modo geral, é o efeito

de realidade gerado nos leitores pelas narrativas ficcionais. Que não precisa ser e

não deve ser uma verdade factual, pois não cabe à narrativa, assegura Beth Brait

(2017), reproduzir o que existe, mas compor as suas possibilidades.

Amarilha (2013. p. 64) afirma que é “[...] a presença da realidade ficcional

faz com que o leitor estabeleça, necessariamente, relação entre os dois

universos: aquele do seu cotidiano com aquele proporcionado pela ficção”.

Neste trabalho, estudamos livros de literatura infantil ilustrado e a

personagem enquanto ser ficcional que só existe segundo as modalidades da

própria ficção, ou seja, um ser que não existe fora desse universo. Assim sendo,

no caso do livro ilustrado essa personagem é uma construção linguístico-

imagética. Portanto, personagens são criações que também podem ser

representadas por meio das imagens e, assim, se constituem em um todo

linguístico-imagético.

Nessa conjuntura, temos de advertir que ler um livro ilustrado não é um ato

ingênuo, como se pode pensar a princípio, mas requer um olhar apurado para

compreender uma narrativa que exige a leitura de duas linguagens. Assim, se faz

necessário exploramos um pouco sobre o assunto.

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20

2.4 LIVRO ILUSTRADO

Primeiramente, é preciso assinalar que, ler um livro ilustrado infantil não

dispensa uma formação específica de quem o lê, muito menos sua leitura se

limita a leitores iniciantes.

Ler um livro ilustrado não é apenas ler as imagens e, obviamente, o texto,

mas ler uma narrativa verbo-imagética num suporte pensado para esse gênero

específico. Lindem (2011) assegura que “o texto do livro ilustrado é por natureza,

elíptico e incompleto (p.9)” e devemos “afinar a poesia do texto com a poesia da

imagem, apreciar os silêncios de uma relação à outra” (p.48).

Nesse encadeamento, compreendemos o livro ilustrado como sendo uma

obra em que “ [...] a narrativa se faz de maneira articulada entre o texto –

imagens” (LINDEM,2001.p. 24). E esse conjunto de texto, imagens e suporte

deve ser/ter interações coerentes e afinadas.

Assim, a leitura de imagens exige tanto quanto a leitura das palavras, de tal

modo que, requer vigilância na interpretação da história, fazendo idas e vindas

entre o discurso do texto verbal e o da imagem, ou vice e versa, para que possa

ser feita uma leitura compreensiva que contemple uma visão integral da narrativa

em lente.

Os livros de literatura infantil ilustrados podem ser espelhos nos quais as

crianças se veem e saboreiam imagens e representações vinculadas às suas

próprias vidas e experiências. Eles também são janelas que possibilitam aos

jovens leitores a conquistar novas perspectivas culturais ao observarem mundos

de outros (BISHOP, 1990; BOTELHO; RUDMAN, 2009).

É olhando que começamos a ler os textos com narrativas imagéticas,

assim, mergulhamos no mundo da imaginação.

O olhar é a primeira linguagem social. A percepção visual é a principal fonte de acesso às informações que nos servem para construir representações do mundo e de nós mesmos, povoando o pensamento de imagens mentais que auxiliam na estruturação de nossos vínculos com o mundo exterior.[...] A visão sintetiza nossas experiências e atua como mediadora de outras impressões sensoriais. Nenhum outro sentido age de forma tão

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veloz quanto a visão, fornecendo ao indivíduo os dados necessários para reconhecer o ambiente, formar dele uma imagem globalizada para daí planejar sua inserção e caminhar pelo mundo (BINNES, 2010.p. 67).

A leitura de narrativas verbo-imagéticas de livros de literatura infantil

ilustrada pelos leitores iniciantes pode capacitá-los a pensarem sobre si, sobre o

outro, sobre o mundo que os cerca, sobre mundos distantes, auxiliando-os a se

reconhecerem e se historicizarem, daí a importância das representações de

personagens negras nessas obras.

Para Amarilha (2012), a leitura de textos literários propõe ao leitor uma

viajem no tempo dando a ele a possibilidade de conhecer o coletivo passado e

coletivo presente, podendo construir por meio de suas referências e inferências

uma (re)significação do momento presente vivido e, não se limitando a esse,

lançar novos olhares para o futuro. O ato de ler gera todo esse processo cognitivo

quando se apresenta para o leitor como uma oportunidade de se conhecer ou se

reconhecer fazendo parte de uma trajetória para além da história ficcional.

Assim, reconhecemos o quanto pode ser danoso o ocultamento das

histórias trazidas e vividas pelos africanos e pelos seus descendentes e a

representação dos personagens para além da condição de escravizados que lhes

foi imposta, nos livros de história, na literatura, nas artes e na cultura de modo

geral. Nessa perspectiva, concordamos com Ferro (1983. p. 57) apud Oliveira

(2017. p. 6) ao argumentar que “a imagem que nós temos dos outros povos ou de

nós mesmos está associada à história que nos foi contada quando éramos

crianças”.

Nessa confluência, a literatura infantil impulsionada pelo aparato de

instrumentos legais instituídos na primeira década desde século vem descortinar,

narrativas e personagens que buscam representar as histórias do povo negro

constituidor deste país. Assim, as canetas de vários autores e os pincéis dos

ilustradores buscam representar por meio de palavras e imagens esse povo com

tanta riqueza cultural e que muito nos tem por dizer sobre o mundo e sobre si

mesmo.

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22

Mais uma vez, a literatura infantil brasileira, tal qual em outros momentos,

se apresenta nesse cenário sociocultural como espaço de visibilidade, resistência

e crítica social, no qual se discutem temas como poder, injustiças e minorias. E

que, agora também se conscreve nesse âmbito mais voltado para cultura negra,

na qual nossa história está embebida.

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3 REPRESENTAÇÃO E PERSONAGENS NEGRAS

Nesta seção, objetivamos discutir alguns precedentes a respeito da

representação feminina negra nas narrativas literárias brasileiras, buscando

alinhá-la com a literatura para a infância. Para tanto, colocamos em tela o

conceito de representação conforme a entendemos neste trabalho, com também

traremos recortes de reflexões que reforçam a forma preconceituosa e racista

como o/a negro/a ainda é tratado na nossa sociedade hoje.

3.1 AS REPRESENTAÇÕES DA PESSOA NEGRA

Nos últimos anos, é factível verificar que na produção de obras literárias

para crianças no Brasil houve uma ampliação significativa de livros que trazem no

seu enredo personagens negras tanto masculinas, quanto femininas. É provável

que isso seja consequência dos instrumentos legais que instituíram o ensino da

cultura e da história afro-brasileiras nas escolas.

Mas como o negro e essa negra, criança ou adulta, estão sendo

representados nas narrativas ficcionais?

Ao longo da nossa história brasileira, tanto no espaço literário, quanto nos

livros de História a voz desses povos oriundos do continente africano e de seus

descendentes foi silenciada. Assim, suas histórias, suas memórias, seus

costumes não foram representados de forma valorativa na grande maioria das

narrativas. O que mostravam sobre eles eram seus corpos na condição de

escravizados.

Mesmo após o período escravista quando eram incorporados em narrativas

históricas e literárias, na maioria das vezes, tais representações eram perpetradas

de forma pejorativas, estereotipadas, inferiorizadas não respeitando a riqueza

cultural desse povo partícipe das matrizes fundantes da cultura brasileira.

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Nesse horizonte, sabemos que, a representação é “uma forma de produção

e de divulgação de saberes sobre os sujeitos e sobre os diferentes grupos

culturais” (FREITAS, 2014. p. 184). Ainda conforme a autora, a representação,

assim, compreendida como “apresentações” são “formas culturais de referir,

mostrar ou nomear um grupo ou um sujeito” (LOURO, 1997, p.98 apud FREITAS,

2014, p. 184). Nesse enquadramento, onde o outro é nomeado, dito e

apresentado em diversos espaços e artefatos, a representação coloca em foco a

linguagem, para assim se referir à produção de saberes sobre o outro (FREITAS,

2014, p. 184).

Segundo Fanny Abramovich (1989) que, ao pesquisar nos livros infantis

como as personagens eram representadas, nas décadas finais do século

passado, constatou que o/a negro/a, de modo geral, era quase sempre

coadjuvante, e se ocupava somente das funções de serviçal, seja na esfera

privada ou na pública, sendo representados comumente de uniforme profissional,

quando não os apresentavam como desempregados.

A mulher negra era, quase sempre, empregada na esfera doméstica

ocupando a função de cozinheira, lavadeira, babá. Em sua aparência física, eram

representadas como mulheres gordas, de traseiro largo. Quando humanizadas,

tinham um ótimo coração e um colo amigo disponível aos outros personagens da

trama. Todavia, essas personagens nunca eram belas, audaciosas, vaidosas ou

elegantes.

Esse contexto de representações a respeito dos negros e especialmente

das negras construídas ao longo da história estão contidas e ainda hoje são

avivadas no imaginário popular. Desse modo, grande parte dos leitores agem com

certa estranheza quando encontram nas narrativas ficcionais protagonistas

negras, na posição de princesa, valorizando e destacando sua cultura, seus

costumes e cabelos, e também, atuando com orgulho de seus valores.

Essa “estranheza” com ficcional está intimamente relacionada com o modo

como vemos o/a negro/a no mundo real. E, infelizmente, atitudes de

discriminação, preconceito e racismo são frequentes no cotidiano social. E,

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mesmo em crianças muito pequenas, podemos identificar atos e ações

imbricados de atitudes negativas e depreciativas.

Pesquisas recentes nos confirmam tais posicionamentos, como as de

Campos (2016), Costa (2007) e Cavalleiro (2007). Exploremos como exemplo a

pesquisa de Costa (2007), cujos sujeitos eram crianças da educação infantil em

contexto escolar. O estudo tinha como objetivo identificar os mecanismos pelos

quais na oferta de práticas lúdicas, a escola contribui para delinear a autoimagem

da criança no que se refere às diferenciações culturais étnico-raciais e de gênero.

Nessa pesquisa foi ofertada a dois grupos de crianças uma variedade de bonecos

e bonecas com diferentes tamanhos e cor de pele para o momento da

brincadeira.

Desde muitas questões levantadas na pesquisa, aqui, só iremos enfatizar a

rejeição sofrida por uma boneca bebê negra mais escura do grupo de bonecas e

bonecos. As crianças demonstraram desinteresse em brincar com a tal boneca e

quando perguntado o motivo da não inclusão da boneca nas brincadeiras, a

resposta incidiu sobre o fato de ela ser “negra” e por isso, era “feia”. Em outro

momento, a boneca teria sido “motivo de chacota”, as crianças chegaram a

verbalizar que ela era feia e tinha o cabelo ruim.

O que mais nos chamou atenção, a respeito da reação das crianças com

brinquedos, foi um fato relatado durante uma brincadeira que consistia em

esconder as bonecas do lobo mau. Assim, quando alguém gritava, “o lobo já vem”

todas as crianças tinham pressa de esconder suas filhas [as bonecas] do tal lobo.

A boneca negra, nesse contexto, não apenas foi desprotegida, como foi retirada

do local onde todas se abrigavam e jogada no chão fora do esconderijo (COSTA,

2007).

A autora enfatiza que as crianças, tanto da escola pública, quanto da

privada, os dois lócus da pesquisa, demonstraram agudo poder de observação

das práticas sociais, como também, demonstraram grande sensibilidade para

absorver os valores presentes na sociedade. E, que diferenças raciais se

manifestam em brincadeiras, gestos e falas denotando um valor depreciativo em

relação à cor negra. Segundo a autora, outras bonecas com nuance de cor de

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pele mais clara não foram rejeitadas pelas crianças, apenas o bebê mais escuro

não foi aceito nem pelas crianças brancas, nem pelas crianças negras. “Este dado

é sugestivo de que, no imaginário infantil, as características étnicas do negro

estão subvalorizadas, pois até mesmo crianças negras rejeitaram o bebê negro”

(COSTA, 2007, p. 46).

Em pesquisa Cavalleiro (2007) demonstrou como o racismo, presente na

sociedade brasileira, interfere no processo de socialização das crianças,

especialmente, as negras, afetando sua identificação e seu pertencimento social.

Para o estudo em tela foram realizadas três entrevistas com crianças de 8

anos, moradoras da cidade de São Paulo, que estão no 2º ano do ensino

fundamental numa escola pública. As entrevistas foram realizadas no ambiente

doméstico e para a composição dos dados também foram obtidas informações

advindas de entrevistas com as mães e avós das crianças.

Destacamos, aqui, apenas um recorte de uma das entrevistas do garoto

Célio que em função do racismo sofrido deseja ser branco. Ele alega num

determinado momento da entrevista, que como não dá para ser branco, gostaria

de ter o cabelo liso, pois, conforme explica ao entrevistador, seria mais fácil cortar

e sempre iria ficar bonito.

Em outro momento da entrevista, dessa vez em grupo, Célio se encontrava

junto com Samuel (branco) e Luís (negro). O menino Samuel afirma que todo

mundo diz que não gosta de negro. Ao ouvir o amigo dizer isso, Luís diz sobre

Célio “Ele é um escravo”. Nesse momento, narra o entrevistador, Célio olha para

o amigo com ar de assustado, parecendo não esperar tal comentário, mas não diz

nada, não se defende. Para amenizar a situação, Samuel fala que Célio é um

amigo legal. Mesmo assim, Luís reforça sua ideia inicial dizendo que Célio tem

“cor de escravo” (CAVALLEIRO, 2007, p.127).

Entendemos que, mesmo depois de 131 anos do dispositivo legal que

encerrou a escravidão negra em nosso país e após as muitas lutas dos

movimentos negros por espaço e valorização, ainda vemos fortes vestígios desse

período nefasto e suas consequências na vida dos negros e das negras em nosso

país. O que mais assusta é que tais posicionamentos possam vir de uma geração

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tão jovem. E, infelizmente, atitudes de discriminação, preconceito e racismo

podem ser identificadas em crianças cada vez mais novas.

Em Campos (2014), o recorte que traremos à tela será da fala de uma

diretora de uma escola, lócus da pesquisa, quando o entrevistador pergunta sobre

as ações que estão sendo feitas pela escola no sentido de fazer cumprir a Lei nº

10.639/2003. A diretora informa que apesar de sugerir às professoras que

desenvolvessem projetos sobre o tema, não sentiu muito interesse por parte delas

e prossegue dizendo,

E, como a gente não tem alunos negros, a gente nem percebe muito isso, mas é uma necessidade, mesmo sem ter negros, porque eles convivem com outras pessoas, que têm que respeitar. A gente procura trabalhar no sentido da ética mesmo, de respeitar os outros. Mas, o conteúdo em si eu não sei como as meninas vêm trabalhando, não. Eu acho que elas continuam trabalhando como toda escola, dentro da História do Brasil, da época da escravatura, em que chegaram os negros [...] (CAMPOS, 2016, p. 184; grifos nossos).

No estudo de Campos (2016) investigou-se a formação leitora em

articulação com a formação das identidades culturais por meio da identificação

dos alunos dos anos inicias do ensino fundamental com personagens ficcionais

da literatura infantil negra.

Em sala de aula, por meio da mediação das leituras de vários livros de

literatura infantil, a voz dos alunos se fez mostrar que preconceito e racismo se

apresentam contra os povos negros, sejam esses sujeitos ficcionais ou reais. Isso

só mostra o quanto o problema está sendo elipsado das ações socioeducativas

que deveriam combater o racismo em nossa sociedade.

Em nosso trabalho, acendemos apenas uma luz sobre alguns pequenos

recortes dessas pesquisas, mas adiantamos que vale à pena fazer leituras

atenciosas sobre elas para conhecer as discussões por várias abordagens,

todavia muito pertinentes, em relação às questões sobre o preconceito, racismo e

a discriminação de povos negros.

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3.2 A REPRESENTAÇÃO DAS PERSONAGENS NEGRAS NA LITERATURA

INFANTIL BRASILEIRA

Nesta seção, apresentaremos exemplos que possibilitam visualizar a

presença de personagens meninas negras nos livros de literatura infantil negra

até o primeiro momento da vigência da Lei 10.639/2003, que institui a

obrigatoriedade do ensino da cultura e história afro-brasileira e africana.

Na literatura adulta a mulher negra pode ser encontrada em livros literários

desde o século XVII, porém de forma estereotipada, geralmente sensualizada

e/ou marginalizada. E, mesmo após a lei que acabava com a escravidão, no

Brasil, sua posição social era fortemente marcada pela inferioridade e

desprestígio em relação às mulheres brancas.

A seguir, alicerçados nos estudos de Souza (2005), apresentamos algumas

personagens femininas negras representadas em narrativas, ao longo dos

séculos, sem a intenção de esgotar o repertório de obras que podem ser

englobadas nesse recorte temporal.

A pesquisadora Andréia Lisboa de Souza (2005) relata que a figura da

mulher negra se materializou pela primeira vez na literatura brasileira nos versos

de Gregório de Matos no século XVII. Todavia, mesmo que, em algumas

configurações a negra seja apresentada como sendo um ser de bons

sentimentos, de alegria e vigor físico, suas habilidades positivas se ancoravam

em qualidades domésticas e/ou culinárias. E outros casos, ela também era

representada como a própria tentação, um objeto sexual, restando à personagem

negra a depreciação e o aviltamento (SOUSA, 2005).

Durante séculos, a população negra, de modo geral, permaneceu na

literatura brasileira recebendo associações com qualitativos negativos,

depreciativos, inferiorizados e até maléficos. E sobre a mulher negra recai, ainda,

uma carga de exacerbada sensualidade.

Cabe ressaltar que, a literatura adulta era pensada e escrita por homens, o

que implicou uma predominância do masculino sobre o feminino, apresentando

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nas narrativas uma relação de hierarquia e/ou conflito entre as personagens

desses gêneros (SOUSA, 2005).

Antes de adentrarmos no universo de obras infantil, não poderíamos deixar

de destacar três escritoras negras que compuseram personagens negras em seus

romances. Certamente, as mais conhecidas são Maria Carolina de Jesus (1914-

1977) e sua obra mais famosa “Quarto de despejo” (1960) e Conceição Evaristo,

que dentre suas obras, destacamos “Ponciá Vicêncio” (2003).

Nesse cenário, também destacamos a escritora ludovicense Maria Firmina

dos Reis (1822-1917), que em pleno romantismo publica “Úrsula”, em 1858,

primeiro romance escrito por uma mulher e, além do mais, com temática

abolicionista. Nesse romance, as personagens negras, mesmo escravizadas,

ganham voz e são conscientes de sua condição, do seu passado e de sua cultura

africana, a exemplo da personagem Suzana que em uma passagem fala da

travessia da liberdade para escravidão (ROSA, 2018).

Davam-nos água imunda, podre e dada com mesquinhez, a comida má e ainda mais porca: vimos morrer ao nosso lado muitos companheiros à falta de alimento e de água. É horrível lembrar que criaturas humanas tratem a seus semelhantes assim e que não lhes doa a consciência de levá-los à sepultura asfixiados e famintos! (REIS, 1988, p. 117 apund ROSA, 2018).

Palavras fortes que ganham significados únicos na voz de uma

personagem negra, escravizada. Essa escravização dos corpos negros irá marcar

a representação desse povo tanto na literatura, quanto no imaginário popular.

As personagens negras voltadas para o público infantil apareceram nas

narrativas revestidas das seguintes “qualidades”: não possuíam conhecimento do

mundo da escrita, na condição de doméstica ou babá, na maioria das vezes eram

retratadas com um lenço na cabeça e um avental colorido sobre o seu corpo

gordo. O exemplo mais proeminente é a personagem Tia Nastácia presente em

vários livros de Monteiro Lobato.

Muitas personagens negras foram constituídas por autores brancos, desde

a época da escravidão até a década de 1970, e infelizmente de forma

estereotipada e racista. Como a personagem Negrinha de conto homônimo

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publicado por Lobato em 1920. Nesse enredo pode-se observar como era a vida

de uma menina negra órfã “adotada” que morava na casa de uma viúva branca

sem filhos, cuja abolição da escravidão não lhe fazia sentido. A senhora branca

trata uma criatura miúda e desprotegida com intolerância, xingamentos, maus

tratos e castigos com punições cruéis para quem nada fizera, a não ser nascer

negra.

Mas aqui, vamos nos deter em personagens negras cujos livros são

destinados ao público infantil e juvenil.

Só a partir de 1975 temos registro de uma representação mais realista,

porém não menos preconceituosa e racista. Isso ocorre em “E agora?” de Odete

B. Mott (1974), no qual a personagem principal Camila filha de pai branco e mãe

negra, não aceita sua origem negra, chegando a negar a si mesma. Nessa obra,

há valorização da aparência da personagem negra quando apresenta traços

brancos, e se destaca o preconceito sobre as religiões de origem africana.

Em “Nó na garganta” de 1979, a autora Mirna Pinsky, apresentam-se os

conflitos raciais vividos pela personagem Tânia, uma garota negra que gostaria de

ser branca. Na narrativa, a personagem enfrenta a discriminação e o desprezo de

seus colegas em virtude de sua cor, que é associada à falta de inteligência. Ao

final a personagem reconhece sua identidade negra com orgulho.

Nessas últimas narrativas, os enredos são permeados por conflitos étnico-

raciais combinados com as condições socioeconômicas desfavoráveis, as

personagens femininas negras sofrem discriminação social e racial e apresentam

uma postura subserviente.

Na década de 1980, Geni Guimarães lança em 1989 a obra “A cor da

ternura”, cuja personagem principal também se chama Geni, que por ter a pele

negra sofria preconceito e discriminação étnico-racial na escola.

Duas obras, durante a década de 1980, abrem espaço para enredos que

retratam as religiões africanas e/ afrodescendentes. São elas: “Rainha Quiximbi”

(1986) de Joel Rufino dos Santos, em que o autor resgata o mito da Iemanjá. E,

em “Na terra dos Orixás” (1988), de Ganymedes José, em que há três

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personagens, sendo uma menina chamada Carolina “moreninha, de olhos negros

e pele clara” que juntamente com Lakumi “africano de pele bem preta” e Sandro

“menino louro, de olhos verdes” vivem uma aventura de conhecer o mundo dos

orixás.

Na década de 1990, Júlio Emílio Braz lança a obra “Felicidade não tem cor”

(1994), que conta a história das aventuras de Maria Mariô uma boneca negra,

personagem narradora da história e Rafael um negro que, por ser discriminado na

escola, deseja ser branco.

Em 1998, é lançado o livro “História da Preta” de Heloísa P. Lima. Preta,

como é chama a menina protagonista, gosta muito de ler e tem profundo

conhecimento sobre as etnias, costumes e riquezas de alguns países africanos. A

escola também é o espaço onde a personagem percebe a discriminação contra o

negro. Preta traz aos leitores uma reflexão do que é ser diferente e, entre as

histórias que relata, outras personagens femininas aparecem como sua avó Lídia,

sua tia Carula e sua mãe. Nessa narrativa é possível visualizar a implicações e a

complexidade do racismo no Brasil.

No ano 2000, é lançado o livro “Luana, a menina que viu o Brasil neném”

(2000), de Aroldo Macedo e Oswaldo Faustino. A personagem é Luanda menina

que joga capoeira e mora numa vila que já foi um Quilombo. A narrativa traz a

forte presença da ancestralidade por meio das referências aos avós. Como

também, se refere ao quilombo como espaço de liberdade, trabalho e acolhida

aos negros, brancos e índios de todas as idades.

O livro “Bruna e a galinha d‟angola” (2000) de Gercilga de Almeida

apresenta a personagem da menina Bruna que, quando se sentia só pedia para

sua avó contar histórias africanas. A avó Nanã conta-lhe a lenda da criação do

mundo na qual a personagem é uma galinha d‟Angola chamada Conquém.

Em “A fada que queria ser madrinha” (2002), de autoria de Gil de Oliveira,

tem como personagem Aninha uma fada madrinha negra e obesa que não tinha

afilhados. Uma mistura de conto de fadas com lendas brasileiras em terras

tropicais. Em 2003, Célia Godoy publica “Ana e Ana”, sobre duas irmãs gêmeas

idênticas que buscam identidades próprias.

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A partir de 2003, o mercado editorial irá fazer um grande movimento para

suprir a lacuna para ter em seu portfolio títulos que venham atender à Lei nº

10.639/2003 e, posteriormente, a Lei nº 11.645/2008. Assim, uma procura por

autores que estivessem dispostos a enveredar pela temática africana e afro-

brasileira, o que nesse trabalho chamamos de Literatura infantil negra, invade as

prateleiras das livrarias e bibliotecas. E, consequentemente, chegam às mãos de

professores e alunos em sala de aula.

Então, na próxima seção, vamos conhecer as protagonistas das histórias

que selecionamos para analisar a personagem menina-negra da literatura infantil

negra.

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4 ANÁLISE DAS PERSONAGENS E SUAS NARRATIVAS

Nesse percurso, em busca das narrativas ficcionais para infância que nos

permitam desvelar os silêncios, as ausências e os eclipsamentos a respeito das

histórias dos povos africanos e seus descendentes, priorizamos histórias que

contemplassem em seus enredos personagens negras-meninas. E, para além,

que a trama anuísse revelar e estabelecer ligação com elementos da cultura

africana seja em território brasileiro ou africano. A finalidade dessa busca recai,

também, na possibilidade de podermos acessar temas espinhosos tais como:

racismo, preconceito racial e discriminação para com os povos negros.

Assim, o repertório de literatura, objeto deste estudo foi selecionado tendo

em vista respeitar o pensamento infantil que se motiva diante do texto e, a ele

responde. Assim, primamos por “[...] uma literatura que se esteie sobre esse

modo de ver a criança tornando-a indivíduo com desejos e pensamentos próprios,

agente de seu próprio aprendizado” (PALO; OLIVEIRA, 1996. p. 8).

A criança, sob esse ponto vista, seja na narrativa ficcional ou no mundo

real, não é um totalmente dependente do adulto, nem é um miniadulto, mas

aquele que caminha no mundo adulto, com os adultos, pelas veredas da infância.

E, como criança que é, se deixa manifestar nas especificidades do seu modo de

pensar por meio da linguagem seu lado mais lúdico, espontâneo, intuitivo,

relacionando-se, assim, com o mundo que a cerca de forma concreta e singular.

Os livros de literatura infantil estão cada vez mais sofisticados, coloridos e

atrativos para o público infantil. Com ilustrações primorosas, projetos gráficos

requintados e que estão colaborando de forma efetiva com a compreensão da

narrativa. Nesse contexto, por meio da diversão e da ludicidade “[...] temas

difíceis – como o preconceito e o racismo – podem ser mais fácil e

produtivamente abordados” (KIRCHOF; BONIN; SILVEIRA 2015, p. 391). Mas,

alertamos que, nem sempre trazer personagens negras em narrativas ricamente

ilustradas é garantia de se estabeleça uma discursividade que facilite a

compreensão de temas espinhosos.

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Por isso, as personagens que elegemos são apenas meninas – negras

protagonistas de suas histórias e em seus enredos vivenciam e se expressam

com elementos e aspectos pertinentes e pertencentes à cultura africana e / ou

afro-brasileira. A seguir apresentamos os quatro livros escolhidos:

Figura 1: Capas dos livros analisados

Fonte: Capa de Obax. Disponível em:

<www.amazon.com.br>. Acesso em: 11

jun.2019.

Fonte: Capa de Os reizinhos de Congo.

Disponível em: < www.paulinas.org.br>. Acesso

em: 11 jun.2019.

Fonte: Capa de As tranças de Bintou.

Disponível em: <www.saraiva.com.br>.

Acesso em: 11 jun.2019.

Fonte: Capa de Bruna e a Galinha d‟angola.

<Disponível em: www.saraiva.com.br>. Acesso

em: 11 jun.2019.

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4.1 OBAX: uma pequena contadora de histórias

Para entendermos a trajetória da personagem do livro “Obax” (Neves,

2010) julgamos ser relevante situar o espaço em que vive essa menina negra,

visto que o território constitui aspecto fundamental da identidade (HALL, 2006).

No coração da savana africana, enquanto um lugar de vivência do povo negro e

da personagem dessa história, apresentam-se a paisagem, a fauna, a flora e o

modo de vida do grupo social a que Obax pertence. É ali que ela vive sua

trajetória.

Já no título “Obax”, o livro chama atenção do leitor que experimenta certo

estranhamento com essa palavra, que não é usual da língua portuguesa. Em

acréscimo ao título, na capa do livro, há a imagem de uma menina olhando para

algo no chão (Figura 1). Colocar a imagem.

Na abertura da história, o narrador contextualiza o ambiente onde se passa

a narrativa, mostrando por meio das imagens e do texto verbal o clima, a

vegetação, o modo de vida dos que ali residem; além de imageticamente

apresentar ao leitor a forma de organização sócio-espacial do grupo que habita

aquele lugar. Só então, no momento seguinte, o narrador informa que era ali

morava a pequena Obax, revelando que esse era o nome da personagem. Ao ver

a figura de Obax ficam evidentes seus traços étnicos, quais sejam: a cor de sua

pele, o tipo do cabelo e a forma como está arrumado.

Outro dado que merece destaque é que a história da personagem Obax se

passa em seu contexto nativo no território africano, não tendo nenhuma relação

com o universo colonizador e escravista com o qual, possivelmente, o leitor

[brasileiro] possa estar familiarizado. Assim, a pequena Obax vivencia as práticas

sociais e simbólicas que são exercidas nesse espaço vivido e habitado pelo povo

africano.

A menina Obax não tem muitos amigos e sua brincadeira favorita era

inventar histórias com a fauna e flora da savana. Mas, elas não só as inventava,

também gostava de contar as histórias às crianças e aos adultos da sua

comunidade. Certa vez, contou que vira uma chuva de flores. Todos riram dela,

exceto sua mãe, que acolhia e reconhecia o potencial criativo da filha. A mãe de

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Obax sempre valida de forma carinhosa e acolhedora o que a filha narra de suas

aventuras nas veredas da savana africana.

Porém, Obax queria o reconhecimento do seu grupo e, embora tenha

ficado triste por não ser reconhecida, demonstra que está determinada a provar

que sua “chuva de flores” é verdadeira. Assim, decide empreender uma aventura

na busca para provar que pode chover flores ali. A interpretação dessa atitude da

personagem é possível pela imagem que ilustra a passagem, em que podem ser

observados seu olhar e postura desafiadores diante da atitude de descrença de

seu grupo. Observe, na figura 2, no recorte ampliado de Obax, retirado da página

13 no livro Obax (2010), quando ela conta ao seu grupo sobre a “chuva de flores”.

Figura 2: Obax

Fonte: Neves (2010, p. 12 - 13).

Obax é dona de uma imaginação poderosa capaz de transformar uma

pequena pedra que encontra na savana, em um grande e forte elefante, um

amigo ao qual ela dá o nome de “Nafisa”. Junto com esse amigo, ela decide dar a

volta ao mundo para provar que realmente pode haver uma chuva de flores. Em

cima do elefante, sentindo-se forte e capaz, Obax encontra vários tipos de chuva:

de água, de pedras, de estrelas, de folhas, nos lugares mais frios, chuva de flocos

de algodão; menos a chuva de flores.

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Encantada com as aventuras que viveu, Obax volta para casa e conta suas

histórias aos membros de sua comunidade, uma vez mais, eles desdenham do

seu relato.

- Você deu a volta ao mundo nas costas de

elefante? – duvidam os mais velhos.

- E ele veio com você? – debocharam as

crianças. (NEVES, 2010, p. 24)

A despeito dessa hostilidade, agora Obax sabe que tem alguém que vai

comprovar tudo isso: Nafisa, mas ele é só uma pedra.

Nesse momento, desolada, aborrecida e sozinha (pp. 26-27) ela resolve

enterrar sua “pedra” (Nafisa) no chão, assim nunca mais ninguém iria zombar de

suas aventuras, de suas histórias. Mas, algo de fantástico acontece: aquela pedra

enterrada transfigura-se em uma semente, que, durante a noite, cresce e se

transforma em um imponente e frondoso baobá, bem no meio da aldeia de Obax.

E, naquela manhã quando os pássaros que se abrigam no “Baobá” batem

suas asas, uma chuva de flores se faz, cobrindo com um tapete perfumado toda a

aldeia. Todos os membros da comunidade viram e quase não acreditaram e, a

partir daquele momento, todos passaram a prestar atenção e ouvir as histórias de

Obax.

A narrativa textual e imagética do livro Obax transporta o leitor,

imaginariamente, ao território africano com suas tradições, seus costumes, sua

cultura. Essa narrativa não se trata de reconto de lendas e histórias africanas.

Conforme afirma o autor André Neves, essa é uma história - uma ficção -

ambientada na África, fruto de muita pesquisa e do olhar cuidadoso e carinhoso

do autor. As ilustrações revelam as paisagens, as cores, as formas, as pessoas,

os animais, dentre outros, que configuram as aldeias da África Ocidental no

mundo real (NEVES, 2010).

Analisando o conto, no plano da ficção, é possível inferir de forma muito

expressiva dois traços marcantes da cultura africana, os quais ressaltamos: os

contadores de história, griot e griottes, e o baobá, árvore milenar e icônica da

cultura africana.

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Embora, como afirma Sébastien Joachim (2011. p.54) “Os personagens de

ficção [sejam] suscetíveis de múltipla interpretação”, a narrativa textual e

imagética de “Obax” permite inferir que a pequena protagonista é uma Griotte em

processo de formação.

Os griôs gozam de grande importância e prestígio junto às comunidades da

África. Conforme assegura Maria Aparecida Garcia Gonçalves:

Em algumas regiões da África Ocidental havia grandes contadores e cantadores de histórias, assim denominados Griots. Os Griots possuíam uma importância tão grande na cultura africana que eram poupados pelos próprios inimigos nas situações de guerra, pois sua função era a de transmitir as lendas, os ensinamentos, as histórias de vida de uma geração à outra. Quando um Griot falecia, seu corpo era sepultado dentro de uma enorme árvore, o Baobá, para que suas canções e histórias, assim como as folhas da árvore continuassem a germinar nas aldeias ao seu entorno (GONÇALVES, 2009, p. 170).

A função de Griot era designada a um ancião de uma tribo e ou aldeia, que

pela sua sabedoria deveria percorrer as demais tribos, transmitindo oralmente ao

povo as histórias, as tradições, as lendas, as cantigas, os mitos. Uma verdadeira

biblioteca humana, um preservador da palavra e dos costumes que eram

passados de geração para geração. Mulheres também podem ser griottes,

entretanto, gozam de menor prestígio do que os homens.

A personagem Obax, nesse conto homônimo, depara-se com a herança da

ancestralidade das histórias contadas e se coloca nesse destino cultural, de ser

essa contadora de histórias do seu grupo, uma griotte. Entretanto, enfrenta o

desafio de ser legitimada pelo seu grupo, provavelmente, por ser criança e

menina.

Essa personagem, Obax, resulta da interseção entre a linguagem verbal e

a imagem que por mais real que pareça é sempre um universo ficcional. Os traços

que configuram a personagem são de singular importância, pois desvelam seu

corpo e sua identidade de criança. A propósito, observa-se que sua cabeça se

apresenta de forma maior do que seu corpo, aparentando ter se desenvolvido

mais do que restante do corpo. É fato que uma característica das figuras

humanas de Neves é a cabeça proeminente, o que sugere o valor que o próprio

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artista atribui ao desempenho do intelecto, da imaginação na constituição de seus

personagens. Podemos, então, hipotetizar que Obax tem a cabeça grande porque

é ali que ela fabrica todas essas aventuras fantásticas em que vive e depois

narra.

Outro traço imagético a destacar são os olhos da personagem, que sempre

estão abertos, vivos e observadores do seu entorno e deixam transparecer que

ela enxerga bem mais que o visível, conforme imagem da figura 3. Outro ponto

que merece observação diz respeito ao próprio nome “Obax” que, originário da

África Ocidental, significar flor, deixando inferir que as flores que caem do baobá

sobre a aldeia, são possivelmente as histórias da própria Obax, que caem sobre

sua aldeia, seu povo, seu território.

Figura 3: Obax, observadora

O grande desafio de Obax é ser ouvida diante do seu grupo social, na

condição de criança e menina, de ser valorizada pelas histórias que inventa e

conta, perpetuando a ancestralidade dos griots. A imaginação e a capacidade

criativa da personagem se fazem explicitas durante toda a narrativa. Essas

Fonte: Neves, 2010, p. 9

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histórias se tornam memória que se preserva através do tempo na oralidade do

contador griot e da contadora griotte.

A memória é fertilizadora, traz beleza, traz leveza, traz cores. Fato que só

se torna realidade na vida da personagem quando ela ata sua imaginação ao

baobá. Pode-se inferir que as histórias inventadas por Obax são sementes, que

ao fertilizarem o solo e fazerem crescer um baobá, funcionam como agregadoras

do povo, pois sob a árvore se reúne a comunidade. É esse desfecho que viabiliza

a aceitação das histórias da personagem e a legitima como alguém que,

independe de ser criança-menina, precisa ser ouvida e em quem se deve prestar

atenção, pois é portadora de histórias.

4.2 RAINHA-MENINA: realeza e religiosidade

O conto intitulado Rainha-menina está inserido no livro Os reizinhos do

Congo (PEREIRA;LIMA, 2017), composto ainda pelo conto “Reizinho de Congo”,

assim alocando duas versões da mesma história, ou seja, a versão feminina e a

masculina da coroação dos Reis de Congo.

No Brasil, a coroação de reis e rainhas negros por ocasião das festividades

da festa de Nossa Senhora do Rosário é uma tradição popular antiga, que

perdura até os dias atuais. Em Portugal, escritos religiosos datados de 1496 já

registravam que os africanos escravizados que foram levados para Lisboa

manifestavam a devoção ao catolicismo por meio da aceitação de Nossa Senhora

como sua padroeira. Assim, muitas ordens católicas incentivavam a criação de

irmandades de pessoas escravizadas por motivos devocionais e piedosos. Mas

tal como as confrarias europeias, essas instituições também tinham funções

sociais mais amplas (O BRASIL, 2011).

Essas irmandades exerceram um papel importante na reorganização social

dos escravizados, já que, permitiam a reconstrução de comunidades que

lembrassem as constituídas no continente africano, mesmo que, agregassem

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escravizados advindos de vários lugares e com culturas e línguas maternas

diferentes (O BRASIL, 2011).

Para os sacerdotes da igreja católica, essas irmandades se constituíam um

caminho para que, africanos e seus descendentes abandonassem suas crenças e

costumes e aderissem à cultura alienígena. Representavam também uma

possibilidade para que esses escravizados se sentissem partícipes de uma

sociedade que os tratava como objetos (O BRASIL, 2011).

Todavia, o abandono às crenças não se efetivou por parte dos

escravizados. E como a religião católica acolhia festejos profanos nas

comemorações litúrgicas, o inverso ocorreu. Ou seja, essas irmandades afro-

brasileiras e suas manifestações serviram para ocultar a sobrevivência das

manifestações religiosas e culturais dos povos africanos. E, assim, na maioria dos

estatutos das irmandades estava expressa a autorização que permitia a escolha

de reis-negros em festas do Rosário e de outros santos católicos (O BRASIL,

2011).

Nesse contexto, foram instituídos os folguedos que, até hoje, se encontram

espalhados por todas as regiões brasileiras, mesmo com variantes formas de

manifestação e variadas nomenclaturas tais como: Cambinadas; Congadas;

Maracatus rurais, Moçambique; Pretinhas do Congo; Rei caringo; Reis de Congo;

Reis-negros; Taieiras; Ticumbi e outros (O BRASIL, 2011).

O conto em foco, “Rainha-menina”, encontra raízes nesses folguedos.

Assim, analisando a narrativa podemos inferir que, o narrador dessa

história é um espectador de uma dessas manifestações populares, já que, vozes

advindas dos participantes do cortejo, invadem e perpassam a narrativa com suas

cantorias, apresentadas em forma de estrofes, a exemplo do que ocorre nos

primeiros momentos da narrativa:

Ô de fora, ô de dentro,

a mesa ainda é pequena.

Mas de um pouco

se faz muito, ô morena. (PEREIRA,LIMA, 2017, p.14)

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O narrador do conto tem pleno conhecimento do que se passa na

exterioridade e na interioridade dos acontecimentos e traz referências do passado

a respeito da história dessa personagem.

Para descrever a personagem menina, o narrador se utiliza de muita

poesia metáforas e comparações. A ilustradora por sua vez, apresenta a

personagem em três ilustrações que nos parecem retratos tirados em diferentes

momentos. Essas imagens trazem informações que foram ocultadas no texto, ou

seja, o leitor só acessa tais informações por meio das imagens. Nesse âmbito, a

ilustração complementa o texto verbal, demonstrando que é fundamental que o

leitor articule imagem e palavra para poder desenvolver o processo de leitura de

maneira integral.

A rainha-menina de Congo sai do ventre da noite, essa “noite grávida de

sílabas”, assim, como “Antes dela, sua avó e sua mãe surgiram do ventre da noite

(pág.14)”. A noite é a África e as sílabas representam as palavras, ou seja, a

importância da oralidade para a constituição de uma memória coletiva, passada

pelas gerações dos membros mais velhos de uma comunidade às novas

gerações. Assim, permitindo que a tradição, os mitos, as crenças, a memória e as

histórias perpetuem a cultura. A menina, nesse caso, sintetiza esses aspectos

culturais.

O tempo da narrativa nesse conto, no qual essa menina é coroada rainha

não está nem no passado africano, nem no período da escravidão no Brasil, muito

provavelmente, é uma personagem contemporânea.

No trecho “A rainha-menina veio desse novelo, por isso dá voltas no

escuro./ O medo não é seu cobertor, nem a miséria a sua blusa (p. 14)”, o

“novelo” aqui pode se relacionar ao tempo, que remete à sua ancestralidade

africana. Já o “escuro” pode ser relacionado ao período que esse povo foi

escravizado. Ela não tem mais “medo”, pois é livre e “a miséria não é mais sua

blusa”, indica que ela é dona do próprio corpo, podendo se vestir da forma que

melhor lhe convier.

Nesse contexto, não se torna rei e rainha por hereditariedade como nas

monarquias tradicionais, mas pela corrente das “histórias” contadas por sua avó.

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Essa personagem anciã é quem guarda a tradição, a memória, tecendo suas

histórias ao longo do tempo e, é ela que tece a teia e torna a neta rainha.

Porém há uma condição para se revestir da realeza, a menina tem de

escutar “as histórias do vento” e, é o vento que conta para a menina de onde vem

a tradição de coroar ano a ano uma menina-rainha. O vento conta uma história

bem antiga, que explica o surgimento dessa tradição de se coroar todos os anos

uma rainha-menina. O mito mostra reverência a uma divindade, representada

pela lua, um elemento da natureza celestial.

A narrativa apresenta também a entrega espontânea da filha do rei que se

ocupa de cuidar da casa da lua, para que outras crianças possam ter, ao nascer,

à lua como madrinha. O aceite da missão de cuidar da casa da lua pela filha do

rei, se ausentando da vida junto aos seus parentes, dá a sua comunidade a

chance de continuar sua descendência.

Figura 4: Rainha-menina em dois momentos

Pelas imagens da figura 4, correspondente às páginas 15 e 17, podemos

comparar a rainha-menina coroada na primeira ilustração da história como o

sincretismo religioso entre o catolicismo e as crenças africanas. Observemos que

o corpo da personagem está adestrado, as mãos não aparecem e o semblante

está calmo e sereno. Mas, a cabeça negra está coroada e os cabelos com várias

Fonte: PEREIRA; LIMA, 2007, p. 15 e 17.

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tranças que parecem se movimentar todas enfeitadas conforme a tradição

africana. É uma indumentária que mistura santidade católica no corpo e a cabeça

que não se deixa doutrinar.

Na segunda imagem (p. 17), a personagem está totalmente vestida com

trajes tradicionais africanos, seus braços estão para cima, suas mãos indicam que

está festejando, o seu sorriso expressa alegria; tudo está em festa. Tal imagem

pode expressar a felicidade de poder expressar sua religião, celebrar seus cultos

e tradições sem nenhum impedimento ou concessões, fazendo menção à

libertada religiosa assegurada na constituição brasileira.

Na figura 5, a rainha-menina está recebendo graças da lua. Essa imagem

dessa lua, que está no alto, no céu, apresenta no seu interior uma figura de

mulher, sugerindo um ser mítico. A lua sorri olhando fixamente para a

personagem Rainha-menina demostrando estar feliz e lhe sobrepõe as mãos,

como se a abençoasse por sua escolha.

Figura 5: A lua e a Rainha-menina

Fonte: PEREIRA; LIMA, 2007, p. 19.

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Para concluir, a personagem não é nomeada, ao longo do conto, ela é

chamada de rainha-menina, o narrador brinca com o leitor dizendo:

Quem quiser saber o nome da rainha-menina tem que inventar sete segredos. Depois achar as respostar e guardar com muito zelo. [...] Quem quiser saber o endereço dessa menina tem que sair à noite e olhar o sete-estrelo.[...] escutar o que vento está dizendo. Em qualquer língua que seja, basta o aceno da lua para ver a rainha de Congo (PEREIRA, 2007, p.21).

A ausência de um nome próprio para a Rainha-menina tem relação com o

fato de que todos os anos coroam uma menina diferente. Assim, seguindo a

tradição e atendendo um antigo desejo do Rei, que saudoso de sua filha que foi

morar com a Lua, “mandou coroar todo ano uma rainha-menina”. De todas as

personagens meninas negras, aqui analisadas, essa é a que expressa mais

fortemente a religiosidade africana e o sincretismo a que foi submetido.

4.3 AS TRANÇAS DE BINTOU: tranças e sonhos de criança

A personagem Bintou do livro As tranças de Bintou (DIOUF/EVANS, 2004),

à primeira vista, podemos dizer que é uma menina cheia de sonhos que não

gosta de seus cabelos, que provavelmente, tem entre 8 e 10 anos e como muitas

meninas no mundo real sonha em adentrar num mundo que só pertence aos

adultos, aspirando entrar na adolescência, sendo as tranças “[...] enfeitadas com

pedras coloridas e conchinhas” o passaporte para abandonar a infância.

Numa trama muito bem construída a história apresenta um discurso

imagético que valoriza o enredo. Nesta narrativa, a articulação palavra e imagens

colabora na compreensão da história, preenchendo vazios e dando pistas para

que o leitor possa apreender nuances sutis sobre a cultura de povos africanos de

forma poética e alargadora de horizontes.

Há algumas considerações que gostaríamos de fazer, especialmente sobre

aspectos singulares que se encontram nesta bela e singela obra.

Primeiramente, vamos focalizar o cabelo que se faz presente desde o título

do livro até o desfecho da narrativa. O enredo não deixa dúvidas que esse é o

elemento desencadeador da trama. Ele transporta para as páginas do livro por

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meio do texto e da imagem uma carga simbólica desse elemento cultural muito

importante no universo da personagem: o cabelo.

Vejamos que, no texto, em dois momentos, é o cabelo que configurado de

diferentes maneiras informa sobre a transição das etapas da vida nessa cultura:

no batizado do irmão de Bintou, de apenas 8 dias, quando um membro da família,

a Tia Safi, raspa o cabelo da criança para que assim ele esteja preparado a ser

apresentado ao grupo e quando Bintou fecha os olhos antes de dormir e sonha:

“nessa noite, sonho que sou mais velha, que tenho dezesseis anos e uso tranças

com conchinhas e pedras coloridas” (p.10), que representa o seu desejo de ser

mais velha.

Essa exigência etária para o uso das tranças, já havia sido informada e

reforçada por sua avó Soukeye por meio de uma história contada à neta. Nessa

história, as meninas não podem usar tranças para não se tornaram vaidosas e

egoístas se esquecendo de viver a infância; “as crianças não usariam tranças, só

birotes, porque assim elas ficariam mais interessadas em fazer amigos, brincar e

aprender” (p.9).

Os cabelos são em muitas culturas de povos africanos símbolo de status,

etnia, classe social e, como em Bintou demarcador de etapas da vida.

As formas variadas de penteá-los, os desenho deixados pelos

enlaçamentos dos fios, a altura dos penteados, as diferentes maneiras de compor

arranjos e dispor os enfeites dizem muito daqueles que o usam, traçando uma

verdadeira grafia identitária da sua cultural no próprio corpo, na cabeça. Essas

verdadeiras cartografias valorizam a beleza das mulheres desses grupos,

exaltando o feminino, o belo e marcam os diferentes status.

Isso nos leva a nossa segunda observação: esse enredo privilegia o a

mulher, a maternidade, a vaidade feminina em todas as idades, mas acima de

tudo evidencia que essa é uma sociedade matriarcal.

Vejamos quantas mulheres aparecem no texto em relação aos homens. Os

homens nesse enredo são coadjuvantes, as ações são praticadas por

personagens femininas: começando pela protagonista Bintou, e as mulheres de

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sua família: a mãe, a vovó Soukeye, a irmã Fatou modelo de beleza para a

personagem principal; Maty a irmã mais velha e inteligente; a tia Aida das tranças

incontáveis; tia Safi que prepara os bebês para o ritual de apresentação; tia Awa

que se disponibilizou a fazer tranças em Bintou; Mariama amiga da família que

estuda na cidade e traz consigo a personagem Teresa, garota brasileira que

também usa tranças. Todas essas meninas são responsáveis por uma ação na

trama.

Vale também destacar que várias outras mulheres se juntam a essas

meninas, às quais a personagem principal chama de “amigas da mamãe”. Em

determinada cena, Bintou observa, escondidinha atrás da mangueira, sem ser

vista, pois aquele era um espaço social no qual ela ainda não estava autorizada a

entrar, a representação de uma reunião feminina, conforme é possível ver na

figura 6.

Figura 6: Reunião feminina

Segundo o escritor malês, Baba Wagué Diakité, autor de “O Dom da

Infância: memórias de um garoto africano” (2012) ao relatar o comportamento

social das mulheres afirma que

Fonte: DIOUF;EVANS, 2004

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“[...] para as africanas, todas as mulheres compartilham problemas comuns e devem levantar o moral uma das outras. Diferentemente, dos americanos, as mulheres e os homens na África formam grupos separadas – mesmo durante eventos sociais – com intuito de manter esse vínculo” (p.124).

Esta explicação pode bem se aplicar ao comportamento social das

mulheres no enredo da história de Bintou, pois arrumar os cabelos é uma dessas

atividades que agrega as mulheres.

Quanto ao espaço onde se passa a trama, no livro não é feita nenhuma

menção a um lugar específico do continente africano, diferente de outras histórias

que destacam determinados povos, regiões, países e etnias, esse conto se isenta

de tais questões. Então, o podemos inferir sobre o espaço e tempo onde se passa

essa história?

Observando as pistas e informações deixadas implícitas ou explicitamente

na narrativa textual e imagética chegamos à seguinte conclusão: a comunidade

onde vive a pequena Bintou está afastada da cidade, mas não está ligada à

savana, estando numa área litorânea, ligada ao mar, provavelmente na costa

ocidental do continente.

Isso fica comprovado quando a protagonista diz: “Ando pela praia, como

sempre faço, quando quero ficar só. O lugar é muito sossegado. Escuto apenas o

barulho das ondas, o vento nas palmeiras e os pássaros” (p. 20). Sua

comunidade está ligada à pesca, pois há pescadores e na alimentação são

colocados na mesa pratos à base de peixe que são preparados para a festa de

Abdou, irmão de Bintou.

Quanto ao recorte temporal, podemos afirmar que, essa história se passa

na contemporaneidade. Os indícios dessa demarcação temporal são

apresentados no trecho onde aparecem as personagens Mariama (membro da

comunidade de Bintou) e Teresa (amiga de Mariama) que estudam na cidade,

possivelmente fazem faculdade juntas. Teresa é uma afro-brasileira que retorna

ao continente da sua cultura matriz, na cabeça ela tem longas tranças que

chegam à cintura.

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Bintou é protagonista e narradora da história e talvez por ser criança ela

não descreva características do lugar e das pessoas além de seu raio de visão e

interesse. Esses detalhes foram esteticamente e estrategicamente apresentados

na narrativa imagética. As ilustrações mostram um colorido forte e rico em

detalhes, que auxiliam o leitor a compreender o contexto em que se passa a

trama e ir além do que está verbalizado.

Uma interrogação deixada pelo texto, desvendada pela representação

imagética da personagem, é “o que são birotes?”, que é uma forma de arrumar

cabelos crespos e curtos, que se parecem com ninhos de pássaros.

É por meio da narrativa visual que conhecemos a aldeia de Bintou, seus

moradores, seus contornos. As ilustrações mostram o colorido desse povo alegre

e as diferentes formas de fazer e enfeitar as tranças, tão desejadas pela nossa

protagonista.

Outro dado importante só fornecido ao leitor pelas imagens é o fato de não

haver outras crianças meninas com idade próxima à de Bintou. Na aldeia,

conseguimos identificar muitos adultos e, só aparece, além do irmão recém-

nascido da menina, outro personagem criança masculino brincado com uma roda,

porém meninas não são vistas.

A infância como importante fase da vida dos membros pertencentes à

comunidade é assinalada ao longo de toda narrativa. Na fala da irmã Fatou

“Meninas não usam tranças” (p.4) e, especialmente na atitude da personagem da

Vovó Soukeye para com a menina Bintou, há demonstração de grande afeto e

respeito por essa fase da vida. A sabedoria do membro mais velho da família de

Bintou busca fazer a garota entender a importância de ser criança, um tempo

destinado à construção de amizades, brincadeiras e aprendizados.

Embora a nossa personagem menina tenha grande desejo de ser adulta

simbolizado pelo desejo de usar tranças que, a autorizaria a adentrar no mundo

adulto, ela vai perceber que ainda não está preparada para esse universo adulto.

Por meio da metáfora do “bolinho apimentado”, que ela prova, achando-se capaz

de conviver com adultos de igual para igual, entretanto ao experimentar a

guloseima ela percebe que “queima minha língua” (p. 15). Nesse momento da

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história, fica evidente que, o fato de queimar a língua é a representação simbólica

que nos permite inferir que a língua não suporta o calor/ardor da pimenta,

portanto, a menina ainda não está preparada para a vida adulta. Assim, Bitou

retorna às comidas destinadas às crianças, com sabor de infância “bolinhos fritos

açucarados” e frutas macias como papaias.

No que se refere às imagens, quase todas são de páginas duplas, sempre

mostrando uma cena em primeiro plano e, em plano secundário, elementos

esclarecedores do texto verbal. Nesse contexto, elegemos como imagem (Figura

7) chave que antecipa o grande desafio de Bintou.

Figura 7: Dois personagens correm

Os dois personagens que passam correndo ao fundo, sem chamar a

atenção da protagonista, são os mesmos que estarão se afogando no momento

seguinte, quando Bintou estará passeando sossegadamente na praia.

Esse é o grande desfecho da trama. A decisão rápida e acertada que

Bintou toma para ir pedir ajuda na aldeia para salvar os meninos, vai conduzi-la a

um patamar de maturidade não esperado para sua idade.

Sua mãe até cogita a possibilidade de lhe dar as tranças tão desejadas,

mas numa sociedade onde a opinião dos mais velhos tem muita importância, vovó

Fonte: DIOUF;EVANS, 2004, p. 19.

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Soukeye, a matriarca da família toma a decisão, irá lhe conceder um sonho: o de

ter pássaros nos cabelos.

Figura 8: Essa é Bintou

E, a menina, que ainda tem muito a desfrutar da infância, ao se ver refletida

no espelho, não enxerga a menina feia e sem graça da primeira cena da

narrativa, mas sim, se vê linda e, importante, por ter agora pássaros no cabelo.

4.4 BRUNA E A GALINHA D‟ANGOLA: herança cultural e infância

A menina Bruna, personagem do livro “Bruna e a galinha d‟Angola”

(ALMEIDA/SARAIVA, 2016) à primeira vista, pode parecer a mais simples das

personagens apresentadas, contudo, nos parece ser a mais complexa.

Trata-se da história de uma menina que se sentia muito sozinha e triste.

Essa tristeza só passava quando ia para casa da sua avó Nanã para ouvir suas

histórias. Até que, conhece a história de “Conquém”, uma galinha d‟angola

pintada num “panô”. Essa descoberta vai fazer com que Bruna se sinta feliz e

passe a valorizar suas raízes. O contato com essa narrativa muda muitas coisas

na vida da personagem. Verificamos que, o contato com a rica cultura africana,

representada por um elemento, tão simples como uma galinha pintada, ganha

importância e preenche a vida solitária de Bruna.

Fonte: DIOUF;EVANS, 2004, p. 29.

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O tempo da história é linear, os eventos vão ocorrendo e a narrativa vai

sendo contada por um narrador em 3ª pessoa, que podemos considerar ser um

narrador do tipo: “onisciência seletiva” (FRIEDMAN apud LEITE ,1997). Esse

narrador adere à personagem Bruna e narra a história a partir do sentido,

percebido e vivenciado pela personagem.

Do ponto de vista das ilustrações, as imagens são apresentadas

separadas do texto, em quase todo obra, elas servem apenas para ilustrar o que

está sendo verbalizado. Não havendo, portanto, uma narrativa imagética, e sim,

imagens que ilustram a narrativa verbal (LINDEN,201).

Quanto ao nome da personagem Bruna, identificamos que é um nome

facilmente encontrado no Brasil, porém, sua origem não é brasileira, mas

germânica, advinda da palavra brun, que significa “de pele escura”, “queimado”,

esse nome era utilizado para designar pessoas com a cor da pele, os olhos e

cabelos castanhos.

Então, se partimos desse princípio, o nome da personagem indica a cor da

sua pele, fato que só pode ser observado pelo leitor pelas imagens, pois nenhuma

característica física é citada no texto. Como também, que Bruna é brasileira, já

que a espacialidade onde se passa o enredo fica suprimida no discurso.

A imagem da capa do livro (figura 1) replica a informação colocada no

título, pois nela aparece uma menina de tez escura brincando com uma galinha

de angola.

A propósito, a obra apresenta a personagem na versão imagética em três

ilustrações e, em uma delas se repete a mesma imagem da capa. As ilustrações,

colocadas em todo o percurso da narrativa, parecem imagens feitas, na maioria

das vezes, com recortes de tecidos, que compõem inclusive a própria

personagem.

Essa estratégia plástica possivelmente foi pensada para destacar um

aspecto visual da cultura africana, já que a história que é contada para Bruna está

registrada imageticamente no pano.

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Figura 9: Grande panô

Ao ter contato com essas histórias contadas por sua avó por meio do

“pano”, Bruna se transforma, de menina solitária, aprende como fazer amizades.

Bruna vivia muito feliz com sua galinha d‟angola, que a seguia por toda a aldeia. Enquanto ela fazia suas galinhas de barro, Conquém ciscava por perto. Para sua grande surpresa, as outras meninas da aldeia, que não brincavam com Bruna, foram se aproximando e pedindo a ela que as deixassem também brincar com a Conquém. Foi assim que Bruna arranjou muitas amigas (ALMEIDA; SARAIVA, 2016).

Ao que tudo indica, Bruna desconhecia suas raízes africanas e, esse fato

dificultava a possibilidade de fazer amigos.

Como na narrativa textual não temos características da Bruna para além

das psicológicas (sentir-se sozinha e triste) e sociais (não tem amigo/as para

brincar, mesmo morando num lugar onde vivem outras crianças), vamos retomar

a construção imagética de Bruna.

Fonte: ALMEIDA; SARAIVA, 2016. (sem paginação)

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Bruna usa um vestido vermelho de bolinhas brancas e nos pés um par de

sapatos preto fechado com uma tira, chamado de “sapato de boneca” e, no

cabelo tem duas tranças amarradas com um laço vermelho, que ladeiam o seu

rosto. Toda essa caracterização nos pareceu mais uma menina negra arrumada

como menina branca, nos moldes europeus, modelo também adotado para

crianças brasileiras.

O que nos permite inferir isso é que Bruna vive em uma aldeia (conforme

cita o texto), passa a vida a modelar barro e brinca com galinhas no terreiro.

Mesmo assim, veste-se como se fosse a uma ocasião mais formal. Além do que,

embora as tranças sejam um elemento importante para as mulheres africanas, as

tranças de Bruna não trazem traços da cultura africana, pois não se inspiram na

geometria, como também não começam rente ao couro cabeludo.

Analisemos o sapatinho nos seus pés, no estilo boneca. Esse tipo de

calçado é conhecido como sendo o preferido das inglesas. Todavia, é uma

criação americana do início do século passado, que até os meados dos anos de

1950 era objeto de desejo das crianças e era confeccionado na versão masculina

e feminina (PIRES, 2015). Nos anos vinte, foi adaptado para mulheres adultas,

como também, ao longo do tempo, ajudou a compor os uniformes das escolas

mais tradicionais. O fato é que, até hoje, é lançado e relançado pela indústria de

calçados no mundo inteiro, com novos formatos, saltos e versões atualizadas de

acordo com a moda, e atende o público feminino de várias idades e gerações.

Diante disso, o para de sapatos nos pés de Bruna nos leva a inferir que ela

não estaria conectada às suas origens africanas, pois estaria calçada por outra

cultura. A menina Bruna precisa entrar em contato, impreterivelmente, com suas

raízes africanas, pois a personagem “se sentia muito sozinha e triste”, e aparenta

sentir que, alguma coisa lhe faz falta. Uma vez que a tristeza só passava quando

ela ia à casa da sua avó e lhe pedia para contar as histórias de sua terra, por

meio do pano, um tecido onde os elementos ali pintados contavam a história do

seu povo.

A personagem que irá apresentar a cultura africana à Bruna é justamente a

sua avó por meio da oralidade, utilizando o “panô” e a “galinha d‟angola”. A

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materialização dessa cultura será realizada quando “Conquém”, a galinha

d‟angola e Bruna acharem de forma despretensiosa um antigo “Baú” perdido da

mudança de sua avó. Assim, ao desenterrarem o tal “baú” cheio de “panôs” que

contam histórias de um povo africano, Bruna e toda aldeia serão transformados

num ateliê da cultura africana.

O “baú” que continha as histórias antigas contadas em “panôs” é o

elemento que abarca toda essa ancestralidade e que irá possibilitar materialmente

que a anciã transmita toda essa cultura para sua neta, e consequentemente, para

sua comunidade (aldeia) e as próximas gerações.

Após toda uma apreciação, chegamos à conclusão que a menina Bruna

carrega a herança da ancestralidade por meio da contação de histórias de

personagens registrados nos “panos”. Bruna é, então, uma menina herdeira de

sua cultura.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após atravessarmos oceanos, adentrarmos em uma cultura, que embora

tão intrínseca à nossa, ainda nos é desconhecida e nos ancorarmos nas histórias

contadas no território da Literatura Infantil Negra, podemos inferir algumas

considerações a respeito da representação das personagens meninas negras nos

livros selecionados para este estudo.

Esse movimento de olhar a história do negra/a, em nosso país, é

incentivado pelos novos modos de olharmos a nossa cultura e a nossa história.

Isso, sem dúvida, impulsionado por dispositivos legais que fomentam estudos,

dentre outras áreas, na literatura infantil, vem desvelando um universo de

conhecimentos a respeito da cultura de raízes africanas. Essas quatros

personagens, meninas, negras e protagonistas têm muito a dizer a esse respeito.

Obax, Bintou, Rainha-menina e Bruna são personagens criadas e vividas

nos alicerces da cultura africana.

Na análise realizada, observamos que cada uma das personagens

meninas representa um aspecto da cultura africana. São meninas que vivem seus

destinos como protagonistas portadoras de valores que identificam pertencimento

seja ele territorial, religioso, cultural.

Obax, desafia a desconfiança de sua comunidade e insiste em ser

contadora de histórias. Enfrentando dupla discriminação, de ser menina e criança,

não desiste do seu desejo de continuar a tradição de contar histórias. Sua

persistência transforma a visão que a comunidade tem sobre ela e transforma

suas atitudes para com a inventividade, a imaginação. O baobá centraliza toda

essa transformação que só traz alegria a todos que dele se acercam: os

pássaros, as crianças, a comunidade.

Bintou também é uma personagem desafiadora. Inconformada com a

interdição para usar tranças, insistentemente, pergunta e deseja ter seus cabelos

penteados àquela maneira. Entretanto, prevalece na narrativa a preservação do

valor tradicional: tranças são para mulheres adultas. De maneira estratégica, a

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narrativa contorna o confronto entre as gerações, encontrando uma resposta a

meio caminho. Bintou tem seu penteado modificado, acrescentado com outros

adornos, assim, nem deixou de estar apresentada como criança, tampouco

rompeu com a tradição de usar tranças antes do tempo. Ainda que Bintou tenha

sido manipulada, sua persistência provocou um pequeno avanço, pois agora usa

outros adornos, tornando-se uma criança mais contente consigo mesma. Bintou

representa a vitalidade da cultura que se modifica a cada geração.

A rainha-menina apresenta uma personagem dividida entre as obrigações

que herda e a influência da nova cultura. A narrativa celebra a menina que

incorpora traços da ancestralidade religiosa, na condição de rainha-menina, e a

adesão à nova cultura. Nesta narrativa, o narrador dá pouco a conhecer do

interior da personagem, entretanto, as ilustrações mostram o sincretismo religioso

que se apresenta na sua imagem. Vestida como rainha-menina a personagem

traz elementos tanto do catolicismo como das raízes africanas. Esta é uma

personagem de menina que representa também de maneira ambivalente a

convivência entre passado e presente, sua representação imagética carrega esse

aspecto de forma bastante evidente, conforme ficou demonstrado.

Bruna, que pela ilustração parece mais uma boneca, restaura sua alegria

de criança a partir do momento em que tem conhecimento de sua raiz africana.

Assim como nas outras narrativas, um adulto é responsável pelo rito de

passagem desta personagem, que adentra o universo das histórias de terras

distantes de outra cultura por meio da voz de sua avó. Ao contrário das outras

personagens que de alguma forma se confrontam com sua cultura ancestral,

Bruna é levada a conhecê-la e essa jornada lhe traz alegria, sentimento de

pertencimento. Por meio das histórias desencadeadas pelas imagens em panôs,

narradas por sua avó, Bruna descobre caminhos para fazer amigos e agregar sua

comunidade, esse é um aprendizado vindo de seu passado cultural.

Conforme foi nossa intenção, as histórias dessas personagens são

exemplos de narrativas em que a criança negra vive seu destino em ambientes

que lhe são próprios, seja em território africano ou outro, representam meninas

que protagonizam seus destinos. Essa perspectiva busca olhar para a cultura

africana, negra como plena de valores humanos, civilizatórios, distante de uma

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visão escravista. As meninas destas narrativas são portadoras de uma outra

história do povo negro, seja na África ou na diáspora.

É nosso desejo que essas personagens possam ser lidas e vividas pela

“ousadia” que representam, de que, mesmo crianças, serem protagonistas de

suas histórias e de seus destinos. Que a cor da pele, o tipo de cabelo, a cultura

que elas vivenciam em suas narrativas, sejam um elemento captador dos olhares

e mentes, para que possamos enxergá-las como alguém tão parecido com nós

mesmos, longe de uma visão estereotipada que, as diminuem e nos diminuem

como seres humanos.

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