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Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=84201603 Red de Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal Sistema de Información Científica Débora dos Santos, Manuel Morgado Rezende, Rosana Pires Russo Bianco, Graciene Lannes Leite As representações sociais dos familiares frente aos sentimentos dos pacientes queimados hospitalizados Saúde Coletiva, vol. 4, núm. 16, julho-agosto, 2007, pp. 104-108, Editorial Bolina Brasil Como citar este artigo Fascículo completo Mais informações do artigo Site da revista Saúde Coletiva, ISSN (Versão impressa): 1806-3365 [email protected] Editorial Bolina Brasil www.redalyc.org Projeto acadêmico não lucrativo, desenvolvido pela iniciativa Acesso Aberto

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Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=84201603

Red de Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal

Sistema de Información Científica

Débora dos Santos, Manuel Morgado Rezende, Rosana Pires Russo Bianco, Graciene Lannes Leite

As representações sociais dos familiares frente aos sentimentos dos pacientes queimados hospitalizados

Saúde Coletiva, vol. 4, núm. 16, julho-agosto, 2007, pp. 104-108,

Editorial Bolina

Brasil

Como citar este artigo Fascículo completo Mais informações do artigo Site da revista

Saúde Coletiva,

ISSN (Versão impressa): 1806-3365

[email protected]

Editorial Bolina

Brasil

www.redalyc.orgProjeto acadêmico não lucrativo, desenvolvido pela iniciativa Acesso Aberto

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representação social e saúdeSantos D, Rezende MM, Bianco RPR, Leite GL. As representações sociais dos familiares frente aos sentimentos dos pacientes queimados hospitalizados

As representações sociais dos familiares frente aos sentimentos dos pacientesqueimados hospitalizados

Débora dos Santos Enfermeira formada pelo Centro Universitário São Camilo [email protected]

Manuel Morgado Rezende Psicólogo. Professor Doutor do Mestrado em Psicologia da Saúde da Universidade Metodista de São Bernardo do Campo.

Rosana Pires Russo Bianco Enfermeira. Mestranda em Psicologia da Saúde. Docente do Centro Universitário São Camilo e Universidade Paulista.

Graciene Lannes Leite Enfermeira. Mestre em Saúde Pública pela FSP/USP. Docente do Centro Universitário Nove de Julho. Membro do Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva e da Família- NESCOF.

Recebido: 08/12/2006 Aprovado: 18/05/2007

INTRODUÇÃO

A Teoria das Representações Sociais considera a diversidade dos indivíduos, atitudes e fenômenos em toda sua comple-

xidade. Ela objetiva investigar como o ser humano e grupos po-dem construir um mundo estável e previsível a partir da diver-sidade. Utiliza a comunicação pessoal e de grupos como um meio de recriar a realidade1. Também é chamada de teoria do senso comum, pois esse conceitua signifi cados e argumentações aceitas por todos2.Valores, ideologia, contradições são aspectos fundamentais para o comportamento social e as Representações Sociais permitem a detecção destes sem necessitar interferir nas predisposições3.

Na elaboração das Representações Sociais existem dois pro-cessos envolvidos para tentar assimilar o desconhecido e não fa-miliar em percepções fáceis para construção do senso comum:- Ancoragem: processo em que se procura transformar o estra-nho e perturbador em algo que pensamos ser existente, ou seja, familiarizar;- Objetivação: tornar algo óbvio, concreto, formar uma imagem. É um conceito muito mais profundo que a ancoragem4.

O tratamento de queimaduras envolve dor, angústia e poderá ser necessário um período de longa permanência na Unidade de Te-rapia Intensiva (UTI). Essa situação promove distanciamento dos familiares levando-os ao sofrimento e à necessidade de elaborar adaptações para o funcionamento do sistema familiar. O contato com as pessoas signifi cativas ao paciente tem grande importân-cia no processo de restabelecimento. O objetivo deste estudo foi identifi car as Representações Sociais dos familiares frente aos sentimentos do paciente queimado hospitalizado. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, utilizando o Discurso do Sujeito Coletivo à luz da Teoria das Representações Sociais de Moscovici. Os familiares associaram os sentimentos do queimado com tristeza, baixa auto-estima, culpa e solidão, os quais procuraram minimizar estes com manifestações de comportamento positivo quando estavam junto ao paciente, deixando claro que a equipe de enfermagem deve facilitar as relações familiares. Descritores: Representação social, Família, Queimadura.

The treatment of burns involves pain, anguish and possibly it will necessary a period of long permanence in the ICU (Intensive Care Unit). Such a situation promotes separation of the relatives leading them to the suffering and to the need of elaborate adaptations for the ope-ration of the family system. The contact with the signifi cant persons to the patient is very important to the re-establishment process. This study aims to identify the Families’ Social Representations front to the feelings of the burnt inpatient. That is a qualitative research using the Discourse of the Collective Subject to the light of the Theory of the Social Representations of Moscovici. The familiar ones associated the feelings of the burn ones with sadness, low self-esteem, guilt and solitude and tried to minimize these feelings with manifestations of positive behavior when they were next to the patient, clarifying that the nursing must to facilitate the family relationship. Descriptors: Social representation, Family, Burning.

El tratamiento de quemaduras envuelve dolor, angustia y podrá ser necesario un periodo de larga permanencia en la Unidad de Terapia Intensiva (UTI). Esa situación promueve distanciamiento de los familiares llevándolos al sufrimiento y a la necesidad de elaborar adap-taciones para el funcionamiento del sistema familiar. El contacto con las personas signifi cativas al paciente tiene gran importancia en el proceso de restablecimiento. El objetivo de este estudio fue identifi car las Representaciones Sociales de los familiares frente a los sentimientos del paciente quemado hospitalizado. Se trata de una investigación cualitativa, utilizando el Discurso del Sujeto Colectivo a la luz de la Teoría de las Representaciones Sociales de Moscovici. Los familiares asociaron los sentimientos del quemado con tris-teza, baja autoestima, culpa y soledad, los cuales buscaron minimizar estos con manifestaciones de comportamiento positivo cuando estaban junto al paciente, dejando claro que la enfermera y su equipo debe facilitar las relaciones familiares. Descriptores: Representación social, Familia, Quemadura.

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O objetivo deste estudo foi identifi car as representações so-ciais dos familiares de pacientes queimados sobre os sentimen-tos destes, e a possibilidade da contribuição familiar durante o tratamento hospitalar.

A HOSPITALIZAÇÃO E A FAMÍLIASofrer uma queimadura altera o transcurso biográfi co de um indivíduo. Podem ser afetados: equilíbrio psicológico, capaci-dade de adaptação biológica com risco vital, bem como a vida sexual, auto-estima e o autoconceito5. A experiência é vivida geralmente de um modo traumático, porquê o tratamento envol-ve dores excruciantes, angústia, internação longa e freqüentes readmissões para intervenções cirúrgicas reconstrutoras6.

O indivíduo queimado pode necessitar da instalação de alguns sistemas e equipamentos que são fonte de ansiedade e insegurança por parte dos familiares, levando-os por vezes, a tomar atitudes inadequadas. Preparar a família na primeira visita é importante, explicando o que deve ser esperado e acompa-nhado-a até o leito. Estes costumam estar assustados na primeira visita, e permanecem silenciosamente com sentimentos de an-siedade e desesperança crescentes7.

Lesão por queimadura é a terceira causa de morte acidental em todas as faixas etárias de acordo com os dados da National Burn Information Exchange. Dessas, 75% resultam da ação da vítima e ocorrem no ambiente doméstico. Muitas pessoas fi -cam com seqüelas e outras morrem a cada ano por causa da queimadura8. No Brasil, as conseqüências sociais, psicológicas e econômicas são graves em virtude da relativa ausência de pro-

gramas de prevenção específi cos e, da insufi ciência de recursos para o pleno funcionamento dos serviços especializados6.

A família desempenha papel fundamental no tratamento do paciente queimado, contribuindo com o fornecimento de dados referentes ao paciente, suas relações familiares e sociais9. É es-sencial que ambos confi em na competência e interesse da equi-pe10. Então, o enfermeiro deve ter habilidade para se comunicar com pacientes queimados, membros da família e membros da equipe de atendimento11.

Fornecer orientações de enfermagem antes da visitação, res-peitando a interdisciplinaridade da equipe atuante em terapia in-tensiva, tem papel importante no auxílio da diminuição da ansie-dade dos familiares/visitantes. Orientações seguras contribuirão positivamente na qualidade da assistência de enfermagem presta-da. As visitas contribuem signifi cativamente para acalmar os pa-cientes e visitantes, é onde ocorre a transmissão de segurança. A família praticamente vivencia o processo da doença, internação e tratamento, então, a equipe de enfermagem deve analisar atenta-mente para aproximar os interesses do paciente, família e UTI12 .

A participação dos familiares é importante. Freqüentemente, estes são os principais fornecedores de suporte social e, podem se sentir sufocados pelas necessidades emocionais da pessoa desfi gu-rada. O sucesso na reabilitação pode ser infl uenciado de forma cru-cial pela habilidade da equipe em melhorar a angústia psicológica dos familiares, bem como os meios para alcançar esta melhora13.

Grandes queimados apresentavam por vezes, sensações de “gratidão à sorte” por estarem vivos, principalmente se eram portadores de uma rede familiar coesa e prazerosa, que

“O DISCURSO APRESENTOU

PASSIVIDADE, PORQUE INCONSCIENTEMENTE,

ESTE PODE SER O MELHOR

ENFRENTAMENTO, PROMOVE ALÍVIO E ATÉ

MESMO ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADES,

TENDO A POSSIBILIDADE DE ESTAR ASSOCIADO

ÀS ATITUDES DOS PROFISSIONAIS PROVEDORES DE

CUIDADO”

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“ELES SE SENTIRAM REPRESENTANDO O APOIO, O

SUSTENTO, PARA O QUEIMADO. ACREDITARAM QUE A SEGURANÇA

NA BASE FAMILIAR DIMINUI SENTIMENTOS DE SOLIDÃO”

RESULTADOSA amostra foi de sete sujeitos. Sendo que, quatro se declararam irmãos dos indivíduos queimados hospitalizados e três, cônjuges. Cinco faziam parte do convívio na mesma residência, seis pertenciam ao sexo femini-no. A faixa etária variou entre 24 e 59 anos. A visitação fi cou entre uma a sete vezes, onde foi constatada uma média de 3,5 ve-zes na semana.

Quanto a escolaridade dos entrevista-dos, um tinha ensino superior completo, três ensino fundamental incompleto e três ensino médio completo.

A faixa etária dos indivíduos hospitaliza-dos variou de 23 a 62 anos. Destes, foram caracterizados como grande queimado e a profundidade das lesões permitiu a categori-zação em 2º e 3º grau conforme prontuário. As queimaduras por trauma elétrico tiveram três pacientes e três apresentavam comor-bidades e /ou complicações decorrentes da queimadura.

Os Dias Pós-Queimadura (DPQ) varia-ram de dois a 43 dias, assim os pacientes se encontravam na fase imediata ou mediata do tratamento. A média foi de 14,7 DPQ. Quanto aos Dias de Internação Hospitalar

(DIH), a variação se deu entre um a 43 dias, alcançando a média de 12,5. Ambos os itens foram colhidos de acordo com a data de realização da entrevista.

Os Discursos- O DSC sobre os sentimentos do queimado durante a hospitali-zação segundo seus familiares:A família se torna o alicerce... o primeiro sentimento que passa pela cabeça é, de uma pessoa nessa situação é ter as pessoas que ela ama e principalmente a família próximos, a primeira coisa que ela perguntou pra gente foi de todos os irmãos. Há também tristeza, eu acho que ele se sente muito triste... A pessoa fi ca muito deprimida, pessimista. Há um sentimento de invali-dez, fi ca uma pessoa inválida. Afeta o auto-conceito e a auto-imagem... porque ela fi ca pensando que não vai se recuperar, que vai fi car assim pra sempre; e fi ca alheio quanto ao tratamen-to. Está em uma situação que ele não sabe o que aconteceu ... um entra e sai de médico.. a pessoa fi ca com a cabeça perdida. A ansiedade se faz presente porque, eu acho que ele está meio apreensivo por estar na UTI e ansioso pra ir embora. A confusão mental não permite a defi nição de sentimentos, não dá pra sentir nada, porque ele ainda não fala nada com nada, ele não respon-de nem o que a gente pergunta, então não dá pra saber qual sentimento está dentro dele. Eu nem sei se está em condição de discernir, de saber o que está acontecendo, às vezes ele pergun-ta quem eu sou, qual o meu nome, ele pergunta de pessoas que já não estão vivas... Eu não sei qual sentimento, fi ca difícil pra mim, porque se está difícil pra ele discernir a própria movimen-tação que está em torno dele, eu não sei avaliar que sentimento ele tem, ele não sabe direito o que acontece, ele não sabe por-que está aqui, ele não sabe onde está. Eu não sei o que passa na

os incentivavam a permanecerem ativos junto ao grupo familiar, mesmo que com um corpo bastante alterado. No entanto, quando se trata de um acidente em que um único membro da família é o sobre-vivente, sua reestruturação emocional é difi cultada, já que este não conta com o apoio familiar10.

Os familiares podem se sentir culpados porque infringiram uma regra legitimada socialmente: sentem-se envergonhados por impor aos outros a convivência com uma pessoa que foge aos padrões cultu-rais aceitos. Receiam a reação alheia, o que pode estar relacionado pela própria difi culdade em lidar com o problema; o não saber como cuidar; machucar; tocar; das reações do indivíduo queimado ao en-frentar o mundo fora do hospital; das suas próprias reações e perda do trabalho12. As atitudes positivas frente às seqüelas do pa-ciente queimado são importantes para sua recuperação, pois expressam sentimentos de adaptação e apoio e, podem auxiliar na reintegração à sociedade. A formação e organização de grupos de discussão entre familiares de pacientes e equipe de pro-fi ssionais da unidade de queimados para permitir a troca de experiências, precisa ser estimulada14.

METODOLOGIAEste estudo de caráter qualitativo teve os dados analisados à luz da teoria das Representações Sociais de Moscovici, a partir do Discurso do Sujeito Coletivo(DSC)15. O DSC, reúne discur-sos individuais em um só discurso, sendo resposta a um ques-tionamento de sujeitos sociais que fazem parte de uma mesma cultura, de um grupo social homogêneo. É desse grupo que sairá a expressão da Representação Social16.

A amostra é formada por sete familiares de pacientes distin-tos da Unidade de Tratamento de Queimaduras do Hospital do Servidor Público Estadual. As entrevistas foram realizadas no período de agosto a setembro de 2005.

Os critérios de inclusão adotados para a pesquisa foram: indivíduos adultos familiares de pacientes adultos queimados com lesões de 2º e 3º graus, ambos os sexos e independente do grau de parentesco.

O projeto passou por apreciação do Comitê de Ética e Pes-quisa do Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Es-tadual (CEP/IAMSPE), que aprovou e registrou este estudo (Pro-tocolo de Pesquisa no. 029/05, aprovado em 28/06/2005).

Foram elaboradas duas questões norteadoras:– A pessoa queimada está hospitalizada. Que tipo de senti-

mento você acha que passa pela cabeça de uma pessoa nestas condições?

– Você acha que pode auxiliar de alguma forma esta pessoa durante sua hospitalização? Como?

Os depoimentos foram gravados em fi tas magnéticas, após o consentimento dos entrevistados e posteriormente foram transcritos.

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cabeça dele, eu acho que pra cada pacien-te o processo é um. Sente-se culpado, por-que há um sentimento de arrependimento, pelo que ele cometeu, pelo que ele... está sentindo, pelo que ele está passando. É di-fícil determinar a causa do acidente, pois eu não sei se foi ele que se queimou ou se foi acidentalmente. Eu acho que para uma pessoa chegar a esse ponto, ela deve estar com alguma coisa muito forte dentro dela. O apoio de Deus é necessário, eu acho que a pessoa deve crer em Deus, buscar muita força Nele pra enfrentar o problema, por-que não é fácil. O sofrimento existe, mas só Deus tem a resposta, creio que Ele vai tirar a gente dessa situação... porque sofremos junto com ele, isso não é fácil não. Ele está tendo uma recuperação maravilhosa e, dis-se pra mim que todo mundo o trata muito bem, só, não tem explicação. Realmente é o poder de Deus na vida dele.

A queimadura foi o estímulo para sen-timentos como falta de perspectiva, medo das condutas do tratamento, medo da soli-dão e das seqüelas da queimadura e, esteve associada a idéias de invalidez, afetando a auto-imagem da qual o enfrentamento foi a tristeza.

As seqüelas da queimadura podem al-terar o convívio com outras pessoas, sejam elas da família, pertencentes a grupos de trabalho ou convívio social, o que provoca medo nos familiares e pacientes, afetando as relações e levando ao isolamento social13.

Os períodos de confusão mental esta-vam relacionados à quebra de homeostase decorrente das desordens orgânicas dinâmicas ocasionadas pela queimadura, o que gerou a sensação de vazio e este em si é atemorizador, porque embora o profi ssional transmita alguma informação, o familiar perde uma referência da avaliação do tratamento, pois o receptor dos cuidados está impossibilitado de se comunicar. Logo, os discursos revelavam incapacidade de avaliação de sentimentos e difi culdades para determinar a causa precisa do acidente, haviam pormenores que só o indivíduo que estava na situação responderia.

Foi percebido pelos familiares, o arrependimento sentido pelo indivíduo queimado hospitalizado, como também apreen-são ou talvez rancor, e foi notada suspeitas em relação a causa do acidente.

Eles se sentiram representando o apoio, o sustento para o queimado. Acreditaram que a segurança na base familiar dimi-nui sentimentos de solidão.

A questão do isolamento social sentida pelos pacientes, está relacionada com o afastamento de seus hábitos rotineiros, fa-mília e de seu mundo. A presença da família lhe proporciona conforto. Os pacientes relatam confi ança, segurança e sensação de que não estão abandonados, diminuindo o medo12. Devemos lembrar que, quando um membro da família é afetado, como no caso de uma queimadura, ocorrerão mudanças na organização

e funcionamento do sistema familiar como um todo13.

Deus foi apontado pelos familiares como amenizador e solucionador de pro-blemas, tanto que o sucesso alcançado no tratamento foi atribuído a Ele.

- O DSC quanto a atitude dos familiares para auxiliar o queimado durante a hospi-talização:Desejo aprender como ajudar, eu gostaria de saber como eu poderia fazer mais. Não sei como ajudar, eu não sei, eu não sei, eu realmente não sei e gostaria de saber se tem alguma coisa que eu possa fazer pra ajudar de uma maneira mais efetiva, mais efi caz. O horário de visitas mobiliza emo-ções. A visita é importante, nesse período. Acho que todos os pacientes esperam, fi -cam até ansiosos pra saber quem vem, isso ajuda o paciente sim... aumenta a auto-estima... porque a única coisa que a gente pode fazer por ele enquanto estiver aqui é visitar. Trazer um pouco de paz, de ca-rinho... fazer-se presente, porque se ele se sentir abandonado, não resiste. A gente fala que está com problema sério, e que está sozinho num lugar, muitos acabam até se entregando mesmo, às vezes o caso nem é de morte, mas acaba morrendo por se sen-tir sozinho e isso eu não vou deixar mesmo, porque estou do lado ali 24 horas para o que der e vier, estou aqui graças a Deus. Os familiares ajudam bastante. Ter um comportamento positivo, dando forças pra ele sempre que for vir visitá-lo, dar bastante

força, conversar muito, eu posso ajuda-lo dando força... trazen-do notícias boas, ajudando a levantar o astral, não mostrando que estou com pena... por pior que seja o caso. Você tem que entrar sorrindo, sair sorrindo, nem que lá fora você se acabe de chorar. Eu faço isso. Tem que passar muita força falando que ele vai fi car melhor. Eu costumo falar que ele vai voltar pra casa e, pra mim, que ele vai fi car bom, aí ele fala “Ah, desse jeito!”, e eu respondo: “Desse jeito como?” “Assim como eu estou!” “Não, você não está feio, imagina! Você vai melhorar, é questão de tempo”. Tem que ser sempre positiva, passar força, dar notícias de pessoas: fulano de tal queria vê-lo, que gosta muito dele, que muita gente o ama e quer vê-lo bem. É muito importante isso, saber que ele é amado, pra refazer a auto-estima dele. Ser altru-ísta, tanto é que hoje, a gente vem visitá-lo por amor, porque eu principalmente não faço nada por pena, nem por piedade, eu faço porque meu coração pede, por amor ao próximo, podia ser meu irmão, meu amigo, meu vizinho, meu inimigo se eu tivesse, é o amor que eu tenho no meu coração pelo próximo.O apoio de Deus se faz presente porque no momento é só pedir a Deus em primeiro lugar. Está na mão Dele, dos médicos, dos enfermeiros e dos auxiliares. E o hospital graças a Deus é muito bom. Está de parabéns!

No tocante a como os familiares poderiam auxiliar o queima-

“A QUEIMADURA FOI O ESTÍMULO PARA SENTIMENTOS COMO FALTA

DE PERSPECTIVA, MEDO DAS CONDUTAS DO TRATAMENTO,

MEDO DA SOLIDÃO E DAS SEQÜELAS DA QUEIMADURA E, ESTEVE ASSOCIADA A IDÉIAS

DE INVALIDEZ, AFETANDO A AUTO-IMAGEM DA QUAL O ENFRENTAMENTO FOI A

TRISTEZA”

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do durante a hospitalização, alguns relataram sentimentos de im-potência. O discurso apresentou passividade, porque inconscien-temente, este pode ser o melhor enfrentamento, promove alívio e até mesmo isenção de responsabilidades, tendo a possibilidade de estar associado às atitudes dos profissionais provedores de cui-dado que, por vezes, têm a visão demasiadamente turvada por aspectos tecnicistas. Mas os familiares sabiam da importância do horário de visitas, pois tentavam amenizar o quadro clínico com atitudes positivas, tais como: trazer notícias boas, ser companhei-ro, elevar a auto-estima como forma de auxílio ao tratamento. Para relatos de impotência pessoal, a existência de um ser supe-rior, Deus, novamente esteve presente e representou a responsabi-lidade pelos acontecimentos futuros, evidenciando a idéia do ser resoluto e acima de todas as atitudes humanas.

Diante do medo, a ajuda mencionada é pedir à Deus, embo-ra alguns possam interpretar o acidente como uma punição ou advertência Dele, ou mesmo um teste ou forma de aproximar a família. Outros transferiram, momentaneamente, o problema e tentavam minimizar a culpa ou sentimento de impotência, ex-pressando uma possível busca de um cirurgião plástico mun-dialmente conhecido. Foram relatadas estratégias como pedir ajuda a amigos ou parentes que tinham experiência, procurar um profissional (enfermeiro ou psicólogo) e aprender com os enfermeiros do hospital13.

Alguns tentaram amenizar seus sentimentos de tristeza dian-te do queimado no período da visita, mesmo às custas de forma-ção de ilusões e lágrimas após a visitação.

Alguns familiares apresentavam outras formas de cuidar tais como: ajudar a pessoa a esquecer o problema, procurar tranqüi-lizá-la, dar apoio moral, psicológico ou emocional, visando aju-dar no enfrentamento das mudanças corporais, fazer com que o acometido não se sentisse inferior, estimular a levar uma vida normal após a alta13. Como podemos ver, um dos sujeitos res-pondeu: “...Não, você não está feio, imagina! Você vai melhorar, é questão de tempo. Tem que ser sempre positiva, passar força, dar notícias de pessoas... É muito importante isso, saber que ele é amado, pra refazer a auto-estima dele, isso é muito bom pra recuperação!”

Nossas reações aos acontecimentos e respostas aos estímu-los, relacionam-se a determinado conceito comum aos mem-bros da comunidade que pertencemos. A observação familiar

nos diz que não estamos conscientes de algumas coisas bastante óbvias. Isso não se deve a falta de informação, mas a classifi-cação das pessoas e coisas que a compreendem, que é uma fragmentação preestabelecida que proporciona algumas coisas visíveis e outras invisíveis1.

As representações se impõem sobre nós com uma força irresis-tível, que nada mais é que uma combinação de estrutura que está presente antes de começarmos a pensar, e de uma tradição que de-creta o que deve ser pensado. A imposição e a transmissão destas, é o produto de uma seqüência completa de elaborações e mudan-ças que ocorrem com o passar do tempo e, resultam de sucessivas gerações. Cabe acrescentar que, as representações são ainda mais influenciáveis quanto menos pensamos e estamos cientes delas1.

CONCLUSÃOEste estudo permitiu verificar a importância de intervenções de enfermagem que incluam o familiar, porque mesmo inconscien-temente, ele sabe que sua presença pode ser importante durante a internação e reabilitação do queimado. Sua atitude estimulan-te serve de impulso para o hospitalizado. Eles sofrem muito com a internação, que por vezes é prolongada em virtude de compli-cações de ordem biológica e, por passarem poucos minutos do dia em companhia do paciente queimado. No momento da visi-ta, alguns procuram disfarçar ou reprimir sentimentos, voltando para casa com preocupações e dúvidas, por vezes geradas pelo profissional que presta assistência.

Os familiares conseguem identificar e descrever as rotinas inerentes ao setor, embora permaneçam por curto período na unidade, e nestes momentos poucas atividades são desenvolvi-das12. Atitudes adequadas por parte da equipe de enfermagem, geram sentimentos de respeito e credibilidade por parte dos fa-miliares, podendo ser pontuada aqui a importância da comuni-cação efetiva, tanto verbal como não-verbal para uma assistência de enfermagem de qualidade. Deve haver entendimento mútuo entre equipe e paciente/família, em virtude das realidades de ambas as partes12. Embora, por vezes não percebamos, eles es-tão atentos à nossas condutas, descrevem nossa personalidade de acordo com o que vêem durante o período de visitas.

A crença dos familiares deve ser valorizada e respeitada, pois por vezes, torna-se uma medida de enfrentamento ao problema. n

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