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Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013 1 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DOCENTES SOBRE OS OBJETIVOS DA ESCOLA PÁTARO, Ricardo Fernandes (UNESPAR/UEM) CALSA, Geiva Carolina (Orientadora/UEM) Introdução Diante das dificuldades de convivência, dos obstáculos para a obtenção de índices de aprendizagem satisfatórios e até mesmo dos problemas relacionados ao bem- estar de educadores(as), estudiosos apontam para a importância de repensar os objetivos da escola, passando a considerar – mais do que apenas o trabalho com os conteúdos curriculares – a necessidade de uma educação que leve à formação pessoal e social de crianças e jovens (AQUINO e ARAÚJO, 2001; ARAÚJO, 2002, 2003, 2007; PUIG, 1998, 2000, 2007; GARCÍA e PUIG, 2010). Este texto tem como objetivo apresentar resultados de pesquisa acerca das representações sociais que professores e professoras fazem a respeito dos objetivos da educação escolar em nossa sociedade 1 . Adotamos como pressuposto o referencial teórico da Teoria da Complexidade (MORIN, 1990, 1996, 2002, 2010) e das Representações Sociais (MOSCOVICI, 1978, 2011; JODELET, 2001). A Teoria da Complexidade entende a realidade como fruto de inúmeras relações e interferências entre os diferentes elementos que a compõem e a teoria das Representações Sociais destaca que o conhecimento socialmente elaborado não pode ser considerado como uma simples cópia do real, mas antes o resultado de uma apropriação individual em que se relacionam os diferentes elementos a partir dos quais cada ser humano reconstrói a realidade. Para a presente pesquisa, portanto, consideramos que tanto Edgar Morin quanto Serge Moscovici e Denise Jodelet compreendem os processos de conhecimento 1 O presente trabalho foi apresentado no XI Congresso Nacional de Educação – EDUCERE e II Seminário Internacional de Representações Sociais, Subjetividade e Educação – SIRSSE e IV Seminário Intenacional sobre Profissionalização Docente – SIPD/Cátedra UNESCO - 2013, na mesa redonda intitulada “Contribuições das representações sociais para a escola contemporânea”.

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Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013

1

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DOCENTES SOBRE OS

OBJETIVOS DA ESCOLA

PÁTARO, Ricardo Fernandes (UNESPAR/UEM)

CALSA, Geiva Carolina (Orientadora/UEM)

Introdução

Diante das dificuldades de convivência, dos obstáculos para a obtenção de

índices de aprendizagem satisfatórios e até mesmo dos problemas relacionados ao bem-

estar de educadores(as), estudiosos apontam para a importância de repensar os objetivos

da escola, passando a considerar – mais do que apenas o trabalho com os conteúdos

curriculares – a necessidade de uma educação que leve à formação pessoal e social de

crianças e jovens (AQUINO e ARAÚJO, 2001; ARAÚJO, 2002, 2003, 2007; PUIG,

1998, 2000, 2007; GARCÍA e PUIG, 2010).

Este texto tem como objetivo apresentar resultados de pesquisa acerca das

representações sociais que professores e professoras fazem a respeito dos objetivos da

educação escolar em nossa sociedade1. Adotamos como pressuposto o referencial

teórico da Teoria da Complexidade (MORIN, 1990, 1996, 2002, 2010) e das

Representações Sociais (MOSCOVICI, 1978, 2011; JODELET, 2001). A Teoria da

Complexidade entende a realidade como fruto de inúmeras relações e interferências

entre os diferentes elementos que a compõem e a teoria das Representações Sociais

destaca que o conhecimento socialmente elaborado não pode ser considerado como uma

simples cópia do real, mas antes o resultado de uma apropriação individual em que se

relacionam os diferentes elementos a partir dos quais cada ser humano reconstrói a

realidade. Para a presente pesquisa, portanto, consideramos que tanto Edgar Morin

quanto Serge Moscovici e Denise Jodelet compreendem os processos de conhecimento 1 O presente trabalho foi apresentado no XI Congresso Nacional de Educação – EDUCERE e II Seminário Internacional de Representações Sociais, Subjetividade e Educação – SIRSSE e IV Seminário Intenacional sobre Profissionalização Docente – SIPD/Cátedra UNESCO - 2013, na mesa redonda intitulada “Contribuições das representações sociais para a escola contemporânea”.

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como contextuais e complexos, oriundos das circunstâncias e relações que se

estabelecem entre os diversos elementos que constantemente interagem para dar origem

à realidade. São essas relações e circunstâncias que pretendemos investigar com ajuda

do referencial que aqui será exposto.

Tendo em vista que a pesquisa visa problematizar os objetivos da escola sob a

ótica docente, o presente texto abordará, em um primeiro momento, quais são, a partir

do referencial que adotamos, os dois eixos básicos da educação. Em um segundo

momento, apresentaremos a Teoria da Complexidade como uma possibilidade de

entender os objetivos da escola a partir de uma perspectiva de multidimensionalidade.

Em seguida, apresentaremos algumas considerações a respeito da Teoria das

Representações Sociais, a metodologia da pesquisa e a análise dos principais dados

coletados.

Os objetivos da escola – indissociabilidade entre instrução e formação

Para o desenvolvimento de nossa investigação, partimos do pressuposto de que

os objetivos da escola giram em torno de um duplo papel: a aprendizagem dos

conteúdos e a formação pessoal e social. No entanto, nem sempre essas duas dimensões

são vistas como aspectos de uma mesma atividade e, frequentemente, são tomadas como

separadas e/ou mutuamente excludentes. Tal separação pode fragmentar os objetivos da

escola, reduzindo sua função a apenas uma das dimensões citadas. Neste tópico,

apresentaremos a visão de alguns autores sobre a indissociabilidade entre os diferentes

objetivos da escola para posteriormente situar tal visão diante do paradigma pelo qual

entendemos a escola.

Para iniciar, recorremos às ideias de Tardif e Lessard (2011), segundo os quais o

trabalho docente apresenta duas faces simultâneas. A primeira delas é a aquisição, por

parte dos(as) estudantes, de comportamentos que estejam em conformidade a

determinadas regras da escola. A segunda face é entendida como a aprendizagem dos

saberes escolares, relacionados às disciplinas curriculares tradicionalmente trabalhadas

na instituição escolar. Desse ponto de vista, o trabalho docente é aquele no qual o(a)

professor(a) se baseia na manutenção de uma certa “ordem” com o objetivo de ensinar

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os conteúdos aos alunos e às alunas. Segundo Tardif e Lessard, essa “manutenção da

ordem” é, por si só, um aprendizado – que os autores denominam de socialização – que

ocorre concomitantemente ao aprendizado dos conteúdos escolares. Assim sendo, “[...]

o objetivo da escola nunca é simplesmente ensinar aos alunos [...] Desse ponto de vista,

transmissão e socialização, aprendizagem e disciplina, conteúdo cognitivo e princípio

pedagógico são aspectos de uma só e mesma atividade: ensinar.” (TARDIF e

LESSARD, 2011, p. 71).

Tais definições manifestam um sentido mais amplo do termo ensinar –

geralmente visto apenas como o ato de trabalhar com os conteúdos escolares. Além

disso, ao visualizarem duas faces simultâneas para o trabalho docente – a transmissão e

a socialização – Tardif e Lessard atribuem complexidade aos objetivos da escola,

aspecto que será retomado adiante.

Outro autor que embasa suas ideias na perspectiva de simultaneidade e

indissociabilidade entre os objetivos da escola é Araújo (2003). Para o autor, os dois

eixos básicos que caracterizam os objetivos da educação são a instrução e a formação

ética de crianças e jovens. A instrução refere-se aos conhecimentos historicamente

produzidos pela humanidade, geralmente trabalhados na escola por meio das matérias

disciplinares como matemática, geografia, história, língua, ciências, artes, educação

física etc. A formação ética, por sua vez, é a busca pelo desenvolvimento de alguns

aspectos considerados desejáveis para a formação pessoal e social dos(as) estudantes.

Tais aspectos – que se desenvolvem de forma concomitante ao aprendizado dos

conteúdos curriculares – referem-se a “[...] condições físicas, psíquicas, cognitivas e

culturais necessárias para uma vida pessoal digna e saudável e para poderem exercer e

participar efetivamente da vida política e da vida pública da sociedade, de forma crítica

e autônoma.” (2003, p. 30-31).

Segundo Araújo, geralmente as escolas se propõem a cumprir os dois eixos

citados anteriormente, mas acabam se preocupando apenas com a instrução, deixando

de lado o trabalho intencional com a formação ética. Além disso, o eixo da instrução

geralmente é trabalhado sem a preocupação de estabelecer um diálogo entre educador(a)

e educandos(as), instalando-se apenas um vínculo de transmissão de conteúdos. A

conseqüência disso é que um dos objetivos a que se propõe a escola – a instrução de

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crianças e jovens – acaba sendo trabalhado sem relação com a experiência vivida por

alunos e alunas e torna-se fragmentado, separado da realidade e sem conexão com a

vida de crianças e jovens.

Se pensarmos nos diferentes conteúdos trabalhados dentro da escola, por

exemplo, não é raro que os conteúdos sejam apresentados aos alunos e às alunas como

se fossem um fim em si mesmos. Vistos dessa forma, a instrução passa a ser o único

objetivo da educação, sem levar em consideração as relações que tais conteúdos

estabelecem com o mundo em que se vive e com a formação ética que a escola deveria

realizar de maneira intencional. Além da instrução e da formação ética serem

indissociáveis – característica que manifesta a complexidade dos objetivos da escola –

também é preciso pensar em maneiras intencionais de se trabalhar com a formação

ética, para que esse importante trabalho não seja realizado de maneira improvisada.

Para finalizar, recorremos às ideias de García e Puig (2010), que identificam

dois modelos nos quais se baseiam os objetivos da educação atualmente. O primeiro

deles é o modelo da transmissão, para o qual o acúmulo de conhecimentos por parte dos

estudantes é o objetivo da escola, que centra suas atividades exclusivamente na

transferência de informações aos alunos e alunas. O segundo modelo está baseado na

educação e trabalha simultaneamente com os conhecimentos escolares e com a

formação pessoal e social dos(as) estudantes.

Em vista disso, ao realizarem uma distinção entre os termos transmissão e

educação, García e Puig utilizam-se do segundo para propor uma escola que deve estar

disposta a realizar um trabalho de formação concomitante ao de instrução. Nas palavras

dos autores, “[...] não se trata de priorizar o esforço para saber muito, mas para ser uma

pessoa completa.” (GARCÍA e PUIG, 2010, p. 17). O modelo da educação, portanto,

busca um equilíbrio entre os pólos da instrução e da formação pessoal e social citados

anteriormente.

A partir do exposto, podemos afirmar que os autores destacados consideram a

existência de dimensões que são indissociáveis na educação que crianças e jovens

recebem da escola. Não há, portanto, uma separação entre ensinar e socializar (TARDIF

e LESSARD, 2011) ou entre instruir e formar eticamente (ARAÚJO, 2003). Sendo

assim, as duas dimensões do processo escolar devem ser consideradas juntamente. A

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esse modelo que não separa os eixos básicos que compõem os objetivos da escola nós

podemos chamar de “modelo de educação” (GARCÍA e PUIG, 2010), visto que nele

ocorre tanto o tradicional trabalho de instrução quanto a formação pessoal e social de

alunos e alunas. O desafio, portanto, está na busca por estabelecer uma ligação entre

esses pólos frequentemente dicotomizados. Acreditamos que a Teoria da Complexidade

pode nos ajudar nessa tarefa, ao entender que elementos diferentes interagem e

mostram-se complementares e interdependentes, como veremos a seguir.

A Teoria da Complexidade

Neste tópico, discutiremos acerca do paradigma da complexidade sob a ótica do

antropólogo, sociólogo e filósofo francês Edgar Morin. Nossa intenção é argumentar

brevemente quais são as bases do pensamento complexo para, em seguida, situá-lo no

contexto educacional da pesquisa realizada.

Segundo Morin (1990), o pensamento complexo supõe considerar que a

realidade é formada por “uma extrema quantidade de interacções e de interferências

entre um número muito grande de unidades.” (p. 51-52). A ideia de complexidade,

portanto, assinala aquilo que não se pode reduzir e tem por objetivo evidenciar a

insuficiência do pensamento simplificante – aquele em que predominam os princípios

de disjunção, redução e abstração que, segundo Morin, têm a intenção de simplificar a

realidade e reduzi-la a apenas uma das partes ou aspectos que a constituem.

Uma das bases do pensamento simplificante foi formulada pelo filósofo, físico e

matemático francês René Descartes (1596 - 1650) quando propôs o princípio da

disjunção, que sugere dividir a realidade em partes mais simples para entender seu

funcionamento total. De tal princípio decorre a redução, que explica os fenômenos da

natureza a partir unicamente do funcionamento das partes estudadas, ignorando, muitas

vezes, a existência de outras partes não estudadas e promove uma redução de sua

complexidade. Tomadas em separado do todo as partes estudadas sofrem um processo

de abstração, que as separa da realidade em que ocorrem, criando o risco de

descaracterização dos fenômenos estudados (SANTOS, 2005).

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O pensamento cartesiano influenciou alguns cientistas modernos, que passaram

a basear seus métodos nos princípios de disjunção, redução e abstração. Esse modelo de

ciência dividiu o ser humano, a natureza e seus fenômenos em pequenas partes – mais

simples e fáceis de estudar – em busca de leis e verdades absolutas. Acreditava-se, dessa

forma, que ao se estudar e entender as partes entender-se-ia o todo.

O pensamento complexo, por sua vez, aspira à multidimensionalidade e se

contrapõe à ideia de uma ordem e certeza absolutas. Como afirma Morin, a

complexidade “[...] não quer dar todas as informações sobre um fenômeno estudado

[...]” (2010, p. 175), pelo contrário, ao aspirar a multidimensionalidade, comporta

princípios de incompletude e incerteza.

É importante destacar, contudo, que sob a ótica da complexidade adotada no

presente trabalho, a redução da realidade, como afirma Morin, é absolutamente

necessária, embora não seja suficiente. A redução não é censurada, mas entendida em

suas limitações. Para que se estude a realidade é preciso selecionar e reduzir, porém,

essa redução “[...] torna-se cretinizante assim que se torna suficiente, ou seja, pretende

explicar tudo.” (MORIN, 2002, p. 456). Entendemos, portanto, que o pensamento

complexo não pretende ser onisciente e se reconhece situado em um contexto. Isso

significa que trabalhar com a realidade a partir do pensamento complexo demanda

conceber que o conhecimento completo é impossível, ou seja, que o próprio

conhecimento em si, é contextual, incompleto, incerto e agrega contradição.

Conceber a complexidade – em nosso caso, a educacional – é, portanto,

considerar a sua multidimensionalidade e aprender a olhar para as várias facetas que a

constituem, sem privilegiar um único aspecto em detrimento de outros. Sendo assim,

para a presente pesquisa, almejamos considerar que os objetivos da educação

comportam a coexistência de duas dimensões – a instrutiva e a formativa – que são

interdependentes.

Tal premissa nos leva a assumir e reconhecer a não neutralidade da educação –

valorizando, dessa forma, seu caráter formativo – e as ideias aqui desenvolvidas nos

ajudam nessa tarefa. De forma específica, entendemos que os objetivos da educação, ao

serem encarados de uma perspectiva de complexidade, não podem ser reduzidos aos

seus aspectos instrutivos, tampouco formativos. Em nossa opinião, a

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multidimensionalidade constitui a base dos objetivos da educação e esse aspecto

complexo indica que os objetivos de instrução e formação pessoal e social se

relacionam, mantém interações e interferências, constituindo-se mutuamente. Negar

essa simultaneidade e a multiplicidade de papéis que a escola assume é compartilhar de

uma visão unidimensional que nos impossibilita contemplar a realidade a partir de

diferentes pontos de vista.

A indissociabilidade entre instrução e formação é, em nossa opinião, uma das

características da escola que evidencia sua complexidade. Atualmente, vários são os

pesquisadores e pesquisadoras que se dedicam ao estudo da complexidade inerente ao

funcionamento da instituição escolar. É possível encontrar uma série de trabalhos que se

destinam a apontar a importância de olhar para a escola em sua complexidade,

considerando as inúmeras interações existentes entre os diferentes elementos que a

constituem. A intenção desses autores e suas pesquisas é mostrar a escola como uma

instituição multidimensional e complexa, recheada de incertezas, imprevistos,

indeterminações e contradições (ARAÚJO, 2002, 2007; AQUINO, 1999, 2001;

COLOM, 2004; MORENO et al., 1998, 1999, 2002; NAJMANOVICH, 2001; PUIG,

1998, 2000, 2007).

Para a presente investigação, nos interessam as relações de interferência e

interdependência que se mantém entre a instrução e a formação, objetivos da escola

frequentemente vistos como opostos ou mutuamente excludentes. Diante disso,

portanto, interessa-nos saber como geralmente são encarados os objetivos da escola. De

maneira mais específica, a presente pesquisa buscou evidenciar como professores e

professoras em exercício na instituição escolar entendem os objetivos da escola. Para

nos aproximarmos dessa questão, recorremos à teoria das Representações Sociais.

Representações sociais e complexidade

No presente tópico passaremos a discutir as Representações Sociais como uma

teoria que permite considerar a complexidade das apropriações que seres humanos

realizam da realidade. Visto que a presente pesquisa investigou como professores(as)

entendem os objetivos da educação em sua complexidade, consideramos adequado que

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tal entendimento seja visto à luz da Teoria das Representações Sociais, que reserva um

espaço para a complexidade, ou seja, as incertezas, contradições e

multidimensionalidade dos processos de constituição do conhecimento humano.

De forma breve, podemos dizer que a teoria das Representações Sociais – cuja

base foi desenvolvida por Serge Moscovici e aprofundada por Denise Jodelet – busca

entender como um determinado grupo compreende um fenômeno e o compartilha com

os demais. Como define Jodelet, “As representações sociais são uma forma de

conhecimento socialmente elaborado e compartilhado, com um objetivo prático, e que

contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social.” (2001, p.

22).

É importante destacar que esse conhecimento socialmente elaborado citado por

Jodelet não pode ser entendido como cópia da realidade, mas sim como resultado de sua

apropriação pelo indivíduo. Nessa apropriação, relacionam-se diversos elementos

(cognitivos, afetivos, sociais) a partir dos quais o indivíduo reconstrói a realidade e

funda um saber. De acordo com a teoria das Representações Sociais, portanto, a

realidade vivida pelas pessoas é “[...] representada, reapropriada pelo indivíduo ou pelo

grupo, reconstruída no seu sistema cognitivo, integrada no seu sistema de valores e

dependente de seu contexto sócio-histórico e ideológico.” (CHAVES e SILVA, 2011, p.

300). O mesmo nos diz Jovchelovitch ao afirmar que “[...] os processos

representacionais não podem ser entendidos fora das circunstâncias históricas e

psicossociais que os tornam possíveis em primeira instância.” (2008, p. 56).

Diante disso, se nos propomos estudar as representações sociais de grupos ou

indivíduos precisamos interpretar a realidade social situada no contexto particular

estudado e identificar os saberes dos indivíduos, a visão de mundo que empregam ao

agir e se posicionar. Tais “saberes” envolvem representações sociais e, portanto, podem

ser identificados. (JOVCHOLEVITCH, 2008) Essa tarefa de identificação, por sua vez,

implica no estudo tanto dos processos de reapropriação da realidade quanto no estudo

dos resultados dessa apropriação – que acabam por influenciar as ações que os

indivíduos passam a desenvolver a partir das representações que elaboram. Dessa

forma, acreditamos que o estudo das representações sociais coloca o pesquisador em

contato com a riqueza e complexidade dos fenômenos, como nos lembra Jodelet:

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As representações sociais são fenômenos complexos sempre ativados e em ação na vida social. Em sua riqueza como fenômeno, descobrimos diversos elementos (alguns estudados de modo isolado) informativos, cognitivos, ideológicos, normativos, crenças, valores, atitudes, opiniões, imagens etc. (2001, p. 21).

É importante destacar que as representações sociais têm início na vida social e

ali atuam a partir de elementos que interagem, muito embora possam ser estudados de

forma isolada. Essa característica nos leva a acreditar que a Teoria das Representações

Sociais está associada a uma perspectiva de complexidade, já que a tarefa da

investigação científica perante as representações sociais é definida por Jodelet como a

tentativa de explicação das diversas dimensões, elementos e processos que interagem na

constituição de uma representação. Assim, abarcar a complexidade presente nas

representações sociais implica deixar de lado o reducionismo e apreender os fenômenos

em sua totalidade. Isso significa que:

[...] longe de ser cópia ou reflexo do mundo exterior, a representação é uma construção ativa de atores sociais. Ela expressa, em seu modo de produção, em seus elementos constitutivos e em suas consequências na vida social, a complexidade das inter-relações entre mundos interno e externo, entre sujeitos individuais e as coletividades às quais eles pertencem, entre estruturas psíquicas e realidades sociais. O trabalho da representação é multifacetado e se move incessantemente do individual ao social e do social ao individual, constituindo-se, desse modo, em foco privilegiado para a compreensão dos fenômenos psicossociais. (JOVCHELOVITCH, 2008, p. 70).

Diante do exposto, acreditamos que a Teoria das Representações Sociais pode

nos ajudar na tarefa de identificar as tensões pelas quais passam os indivíduos em sua

relação com a sociedade e com tudo aquilo que ocorre ao seu redor, no nosso caso, no

ambiente escolar. Para entender como as representações sociais se definem como

fenômeno mediador entre o sujeito e o mundo recorremos ao conceito de ancoragem.

De forma sucinta, a ancoragem baseia-se no reconhecimento de objetos que são

desconhecidos (não-familiares) a partir daquilo que é familiar ao sujeito. Quando o

indivíduo entra em contato com algo diferente o conceito de ancoragem nos ajuda a

entender que ocorre uma tentativa de reconhecimento, segundo critérios e categorias já

existentes. Esse processo implica:

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[...] lidar com o desconhecido e tornar o não-familiar familiar. As representações constroem a ponte que lida com a distância entre atores sociais e objeto-mundo criando sentimentos, ferramentas e entendimentos que o domesticam e o tornam conhecido. Elas criam familiaridade e respondem a antigas e profundas necessidades de se sentir em casa no mundo. Pode-se dizer que a pulsão em direção ao logos, a pulsão epistemológica, é alimentada por energias psicológicas associadas ao retorno, a tornar um mundo inóspito novamente um lar familiar e seguro. Em toda representação e em todo saber, seja ele a ciência, a crença ou o mito, entre outras formas, há um desejo de capturar, de abarcar e de entender a não-familiaridade do mundo. (JOVCHELOVITCH, 2008, p. 191).

A seguir, apresentaremos a metodologia de nossa investigação. Antes, porém

cabe ressaltar ainda que não pretendemos classificar as representações docentes como

corretas ou incorretas se comparadas, por exemplo, aos conceitos e ideias colocados

anteriormente como pressupostos de nossa investigação. Longe disso, a intenção é

investigar questões que estão relacionadas com a prática docente, na tentativa de

levantar elementos que nos ajudem a entender as representações que constroem a partir

de suas experiências cotidianas.

Metodologia

Para se atingir aos objetivos propostos foram realizados 2 grupos focais com

professores(as) da rede estadual de ensino de uma cidade do interior do Paraná. A

seleção dos docentes participantes se deu a partir do contato inicial com a escola,

mediante interesse, disponibilidade e consentimento livre e esclarecido da instituição e

dos sujeitos. Em um grupo focal, um assunto é discutido a partir das experiências

dos(as) participantes e a coleta de dados ocorre durante a discussão coletiva, momento

em que os(as) participantes interagem dialogando sobre suas ideias acerca do tema

pesquisado (GATTI, 2005).

Gondim afirma que os grupos focais na pesquisa qualitativa “[...] trazem à tona o

processo de formação de opinião, que se dá no jogo das influências sociais mútuas.”

(2002, p. 6) Tais características estão de acordo com as ideias de complexidade e de

representações sociais abordadas anteriormente, visto que o grupo focal tem se

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constituído como recurso para compreender processos de construção de percepções,

atitudes e representações sociais (idem).

Alguns cuidados devem ser tomados na condução dos grupos focais, como

explorar ao máximo um tópico antes de seguir adiante e evitar digressões que

distanciam o grupo do principal. Recomenda-se também (GATTI, 2005) a divisão dos

grupos em três etapas. Na primeira, o observador se coloca disponível a ouvir,

geralmente com um questionamento de aquecimento. Na segunda etapa, com o grupo

mais à vontade, começa a se posicionar frente ao tema a ser desenvolvido, e na terceira

e última etapa o moderador realiza um fechamento, quando se dá uma síntese do

ocorrido. Ao longo de todo esse processo, segundo Gondim, o moderador do grupo, que

pode também ser o próprio pesquisador, tem a oportunidade de formular suas

interpretações e averiguar seus sentidos diretamente com o grupo. Nas palavras da

autora, o(a) pesquisador(a) pode “[...] avaliar a pertinência de suas explicações e

concepções teóricas junto ao próprio grupo. Isto o levará a reorientar ou confirmar sua

interpretação.” (GONDIM, 2002, p. 7).

A partir de tais considerações, a investigação realizou dois grupos focais

organizados em torno dos objetivos/questões norteadoras apresentados a seguir.

1º encontro: - Quais são as dificuldades geralmente encontradas no dia-a-dia escolar? - Como tais dificuldades interferem nos objetivos da educação? - Retomada das questões e fechamento. 2º encontro: - Retomada do encontro anterior; - Quais são os objetivos da educação? Há distinção entre ensinar e educar? - Retomada das questões e fechamento.

Nos dois encontros, professores(as) retrataram o que pensavam sobre o tema

proposto, permitindo a eclosão das características de complexidade presentes no

funcionamento escolar e nos objetivos da escola. A seguir, passaremos à apresentação

dos principais resultados.

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Apresentação dos Resultados

Para organizar os principais dados coletados, centraremos a análise em três

aspectos da discussão ocorrida nos grupos focais. No primeiro momento a ser analisado,

os(as) participantes identificaram dois objetivos da educação, utilizando-se das palavras

“ensinar” e “educar”. Posteriormente, hipervalorizam o “ensinar” e no terceiro e último

momento atribuíram a responsabilidade do “educar” à família. A seguir, apresentamos a

análise norteada por esses três aspectos.

Em primeiro lugar, ao discutirem sobre a educação, os(as) professores(as)

participantes da pesquisa reconheceram a existência de dois objetivos da escola. Nos

termos utilizados pelo grupo tais objetivos foram definidos como “ensinar” e “educar”.

O diálogo abaixo apresenta a discussão entre quatro professores participantes do grupo

focal:

– Nós estamos entre educar e ensinar. [...] Eu tenho que optar muitas vezes, hoje eu vou ensinar ou eu vou só educar. – Eu acredito que todo professor sonha fazer isso [educar e ensinar] a contento. Mas apenas sonha, pois não dá pra educar e ensinar na escola, é muita coisa. – É, não dá. – Eu acho que fica nítida a crise de identidade como profissionais. Por que acima de tudo eu sou um professor e não sou um educador. O educador é todo mundo [...] – O ensinar é transmitir conhecimento. Nós percebemos que essa distância família-escola está muito distante, está muito, muito.

A distinção que surge entre ensinar e educar é uma forma de diferenciar o

trabalho instrutivo (ARAÚJO, 2003; TARDIF e LESSARD, 2011) de um trabalho mais

amplo, de formação pessoal e social (GARCÍA e PUIG, 2010). Os dois objetivos da

educação estão presentes nas falas acima – e também em outras que a limitação de

espaço nos impede de trazer para o artigo. Além disso, há uma diferenciação entre o

papel que seria do professor (associado ao ensinar) e do educador (associado ao educar).

O educador, como representado no trecho anterior, é “todo mundo” e o professor tem

um papel restrito.

Acreditamos que a diferenciação entre “ensinar” e “educar” pode ser útil para

identificar os dois objetivos da escola. Sendo assim, não entendemos que tal separação

seja inadequada, mas precisamos olhar para ela como uma redução da realidade. Em

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uma perspectiva de complexidade (MORIN, 2002), a redução, embora necessária, não

pode ser suficiente para explicar a realidade. Entender os objetivos da escola

unicamente a partir de seu eixo instrutivo é fragmentar seu papel, que está relacionado a

outras dimensões diferentes da instrutiva. Conceber a escola como uma instituição

complexa é aprender a olhar para as várias dimensões que a constituem e considerá-las

interdependentes, sem privilegiar um aspecto em detrimento de outro. O “ensinar” e o

“educar” coexistem e representam diferentes faces da escola que, juntas, compõem um

todo mais amplo. Os termos citados precisam ser entendidos como aspectos

indissociáveis (ARAÚJO, 2003) de uma só e mesma atividade educativa (TARDIF e

LESSARD, 2011). A força prescritiva com que se impõe à representação de que o

objetivo da escola é ensinar/instruir/transmitir o conteúdo, no entanto, “decreta o que

deve ser pensado” (MOSCOVICI, 2011, p. 36), prejudicando o entendimento de que as

diferentes dimensões presentes nos objetivos da escola se complementam, ao invés de

se oporem.

Ainda com relação à diferenciação entre “ensinar” e “educar”, o grupo de

professores(as) reconhece a importância do “educar”, mas gostariam de não precisar

fazer isso. Dessa forma, hipervalorizam a importância do “ensinar” em detrimento do

“educar”:

– A gente mais educa do que ensina e isso não é bom. – A gente queria ensinar, né? – É, eu queria trazer só conhecimento científico [...] – É, mas acabamos cuidando dos alunos.

Professores e professoras centram suas representações em torno da instrução

(ARAÚJO, 2003), associando à palavra “cuidado” os processos mais formativos – tão

importantes para o desenvolvimento ético, pessoal e social de alunos e alunas. Fazendo

uma relação com a “crise de identidade” citada no trecho transcrito anteriormente,

podemos detectar uma conotação negativa ao “educar”, que acaba desvalorizando o

professor, em seus aspectos profissionais. Assim sendo, temos, de um lado, o professor

– profissional que dedica-se ao ensino dos conteúdos, a instrução – e de outro a família,

que deve se dedicar à cuidar e educar os filhos. Qualquer interferência mútua

descaracteriza o objetivo maior da escola: o ensino. É importante destacar que embora

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consideremos a possibilidade da escola formar pessoal e socialmente as crianças e

jovens, entendemos que vários são os elementos que influenciam nesse processo, dentre

eles a família, a religião, os amigos, a cultura, a mídia, entre outros.

Em última instância, o que queremos afirmar é que se comportamentos e valores

são construídos nas relações estabelecidas pelas pessoas, então eles podem ser objeto de

aprendizagem também na escola, ou seja, podem ser aprendidos nas relações que se

estabelecem no interior da instituição escolar, o que chamamos aqui por formação.

Como parte dos objetivos da escola, acreditamos que isso não descaracterizaria os

objetivos da educação. Os trechos abaixo, no entanto, demonstram que os participantes

da pesquisa pensam o contrário:

– Infelizmente a escola está tendo que assumir o papel de educador [...] – O papel de educador e de pai! – Mas também, é o único lugar que eles [alunos e alunas] têm, gente. Vamos pensar aqui. Nós passamos 4 horas com eles. – Só que não devia ser. Não devia ser. – Por que isso aí não cabe a nós [...] é a família que vai ter que resolver.

No trecho acima, porém, percebemos que é atribuída importância ao trabalho

com a formação ao se visualizar que a escola pode acabar sendo o único lugar em que

alunos e alunas teriam acesso a essa formação. Mas a representação de que a escola não

é lugar para isso surge e a família é identificada como a responsável pelas questões

formativas.

Em outros momentos do grupo focal, professores e professoras também

descreveram situações problemáticas do dia-a-dia que vão desde a falta de interesse no

estudo e baixo rendimento escolar até brigas entre alunos. Tais situações problemáticas

exigem o processo de socialização/formação ética (TARDIF e LESSARD, 2011;

ARAÚJO, 2003) entendido como aquele que se ocupa do aprendizado de determinados

comportamentos para que alunos e alunas sigam regras de convivência e aprendam a

participar da vida política e pública da sociedade. Segundo a perspectiva de

complexidade que adotamos, tal aprendizado faz parte dos objetivos da educação,

juntamente com o ensino dos conteúdos escolares.

De acordo com os participantes da pesquisa, no entanto, essa “educação” deveria

ser um elemento trabalhado pelas famílias. Em suma, o descumprimento de regras

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básicas de convivência é visto como aquele que gera desvios no objetivo da escola –

ensinar, segundo os(as) docentes – visto que se a instituição escolar se responsabilizar

por essa formação estará perdendo tempo de trabalho com os conteúdos. Encarados

dessa maneira, os desvios, problemas, conflitos, brigas, etc. não são considerados como

possibilidades para que ocorra a educação no sentido de García e Puig (2010). A

sequência de diálogo abaixo pode ajudar a exemplificar:

– [...] esse objetivo não está sendo alcançado, o conhecimento científico, porque eles [os alunos e alunas] não estão alcançando o aprendizado dos conteúdos [...] – O pai não educa em casa [...] aí nós na escola que temos que dar conta do recado, em tudo, em ensinar e em educar [...] – Por que quando você prepara sua aula, você vai com um objetivo [...] E quando você já entra na sala de aula já separando briga, já na primeira aula, a tua aula já foi pro espaço quer queira ou não [...] porque tudo é nós que temos que fazer. E a sociedade cobra muito [...]

A representação que se faz do processo de formação é de algo que tira espaço do

ensino. Os dois eixos básicos que devem ser considerados como objetivos da educação

– instrução e formação, segundo Araújo (2003) – acabam sendo dissociados, quando

precisariam ser vistos como simultâneos. Quanto a isso, percebemos como as

representações sobre os objetivos da escola – quando giram em torno apenas do ensino

dos conteúdos – acabam por convencionalizar, como afirma Moscovici (2011, p. 34), os

objetos, pessoas e acontecimentos do universo escolar. Assim, as dificuldades citadas

por docentes assumem uma “forma definitiva”, caracterizando-se como impedimento

para a obtenção do ensino. Essa convenção – partilhada pelo grupo de professores(as)

que participou da pesquisa – acaba por associar as dificuldades enfrentadas no dia-a-dia

escolar com um certo prejuízo aos objetivos da escola. Algumas das frases proferidas e

diálogos mantidos durante o grupo focal expressam tais convenções, como vimos

anteriormente.

Com a presente pesquisa, chamamos a atenção para a importância de se detectar

o aspecto de “convencionalização” das representações, visto que aí reside a

possibilidade, destacada por Moscovici (2011, p. 35), de tornarmo-nos conscientes e

escaparmos de algumas exigências que tais convenções impõem sobre nossa maneira de

pensar. No caso da escola e dos(as) docentes participantes de nossa pesquisa, as

representações que convencionalizam as dificuldades e as caracterizam como

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impedimentos acabam por impedir que os problemas sejam tratados como possibilidade

de desenvolvimento, crescimento e formação para todos os envolvidos no processo

educativo. Além do que, as representações que prescrevem que o objetivo da escola é

instruir alunos e alunas impedem que docentes planejem atividades intencionais para

que crianças e jovens se desenvolvam, a fim de que se tornem cidadãos e cidadãs

capazes de participar criticamente da vida política e pública da sociedade.

Considerações Finais

O presente trabalho teve como objetivo apresentar alguns dos resultados de

pesquisa que buscou entender as representações docentes acerca dos objetivos da escola.

A premissa básica da investigação leva em consideração que a escola, enquanto

instituição complexa, tem por objetivos tanto a instrução quanto a formação pessoal e

social de alunos e alunas, aqui tomada também como formação ética. Tais objetivos são

indissociáveis e, como tal, interagem constituindo-se mutuamente.

Foram apresentados os pressupostos teóricos da investigação, discorrendo-se

sobre a Teoria da Complexidade (MORIN, 1990, 1996, 2002, 2010) e Teoria das

Representações Sociais (MOSCOVICI, 1978, 2011; JODELET, 2001). Por fim, foram

discutidos alguns dados coletados na pesquisa, buscando demonstrar que os objetivos da

educação destacados pelos participantes da pesquisa – ensinar e educar – precisam ser

vistos de maneira complementar. Acreditamos que entender os objetivos da educação

apenas a partir do ensino – visto frequentemente como meramente instrutivo e

transmissivo – é fragmentar o papel da escola.

No percurso do presente trabalho, buscou-se uma reflexão sobre a importância

de olhar para a escola e considerá-la como uma instituição complexa, na qual há uma

grande quantidade de interações entre os diferentes elementos que a constituem. Na

investigação aqui apresentada, os elementos que ora destacamos e que interagem

tornando-se interdependentes são os aspectos instrutivos e formativos dessa instituição.

É importante destacar, contudo, que a discussão aqui apresentada constitui-se

um primeiro passo para se repensar os objetivos da escola atualmente. A intenção não é

esgotar a discussão, mas sim abrir portas para que possamos trabalhar junto à formação

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docente no sentido de destacar a necessidade de que a escola desenvolva, para além da

instrução, uma de suas funções essenciais, qual seja, a educação de crianças e jovens.

Afinal, como afirma Moscovici, algumas representações sociais possuem uma

resistência quase material, ou talvez “[...] uma resistência ainda maior, pois o que é

invisível é inevitavelmente mais difícil de superar do que o que é visível.” (2011, p. 40).

Disso resulta a importância de estudarmos as representações sociais, suas propriedades,

suas origens e seu impacto, de maneira que esse estudo possa nos ajudar a questionar e a

continuar aprendendo, redescobrindo e transformando o que parece já conhecido.

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