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i
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
ESCOLA DE ENFERMAGEM ANNA NERY
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA CIDADANIA E
SEUS NEXOS COM A SAÚDE
E O CUIDADO DE ENFERMAGEM
RAQUEL COUTINHO VELOSO
Rio de Janeiro
Dezembro de 2006
ii
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA CIDADANIA E SEUS
NEXOS COM A SAÚDE E O CUIDADO DE ENFERMAGEM
RAQUEL COUTINHO VELOSO
Escola de Enfermagem Anna Nery
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Mestrado em Enfermagem
Orientadora:
Profª Drª Márcia de Assunção Ferreira
(Doutora em Enfermagem)
Rio de Janeiro
Dezembro de 2006
iii
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA CIDADANIA E SEUS NEXOS COM A
SAÚDE E O CUIDADO DE ENFERMAGEM
Raquel Coutinho Veloso
Dissertação do mestrado submetida ao corpo docente da Escola de Enfermagem Anna Nery da
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção
do grau de Mestre.
Rio de Janeiro, 21 de dezembro de 2006
APROVADA POR:
_______________________________________________________________
Profa Dr
a Márcia de Assunção Ferreira, Prof. Titular EEAN/UFRJ
(Presidente)
_______________________________________________________________
Profa Dr
a Ângela Arruda, Prof. Adjunta IP/UFRJ
(1a examinadora)
_______________________________________________________________
Profa Dr
a Maria da Luz Barbosa Gomes, Prof. Adjunta EEAN/UFRJ
(2a examinadora)
_______________________________________________________________
Prof. Dr.Antonio José de Almeida Filho, Prof. Adjunto EEAN/UFRJ
(Suplente)
_______________________________________________________________
Prof. Dr.Enéas Rangel Teixeira, Prof. Titular EEAAC/UFF
(Suplente)
iv
Veloso, Raquel Coutinho.
Representações sociais da cidadania e seus nexos com a saúde e o
cuidado de enfermagem./ Raquel Coutinho Veloso. Rio de Janeiro:
2006.
xi,131 f.
Dissertação (Mestrado em Enfermagem)
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Enfermagem
Anna Nery, 2006.
Orientadora: Profª Drª Márcia de Assunção Ferreira.
1. Enfermagem. 2. Cuidado de Enfermagem. 3. Representação
Social – Cidadania. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Escola de Enfermagem Anna Nery, Programa de Pós-Graduação em
Enfermagem. III. Título
CDD 610.73
CDD 610.73
v
Agradecimentos
A todos aqueles que de maneira direta ou indireta contribuíram para a
realização deste trabalho.
Com destaque para:
- A minha Mãe Celeste, pela energia positiva, apoio, paciência e carinho;
- O diretor e a vice-diretora da policlínica que permitiram a realização desta
pesquisa na referida unidade de saúde;
- Os usuários da policlÍnica, pois sem eles não teria sido possível realizar este
trabalho;
- A professora Márcia Assunção pelo seu apoio, dedicação, confiança,
compreensão, enfim por ter vivenciado todos os momentos deste percurso
contribuindo para o meu crescimento;
- O Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq) pelo financiamento desta pesquisa a partir de agosto de 2005;
- As pessoas que encontrei ao longo do mestrado e que através de um contato
afetuoso “recarregavam as minhas energias”.
Muito Obrigada!
“Om Mani Padme Hum”
vi
SUMÁRIO
Pg.
RESUMO ................................................................................................................................ viii
ABSTRACT ........................................................................................................................... ix
RESUMEN ............................................................................................................................. x
Considerações iniciais
Meu interesse pelo assunto .....................................................................................................
02
Cidadania e saúde: implicações para o cuidado de enfermagem ............................................
08
Construindo o objeto de estudo .............................................................................................
11
As questões norteadoras ......................................................................................................... 14
Os objetivos ............................................................................................................................ 14
Importância e contribuição do estudo ..................................................................................... 17
Capítulo I – Bases teórico-conceituais
Teoria das Representações Sociais .........................................................................................
19
A cidadania ao longo da história da humanidade: da Grécia até os dias atuais .....................
23
Capítulo II – Metodologia
A trajetória do estudo
Tipo de estudo e abordagem metodológica.............................................................................
31
Operacionalização da coleta dos dados...................................................................................
34
Organização, análise e interpretação dos dados .....................................................................
36
Capítulo III – Caracterização dos sujeitos
Descrição do perfil dos sujeitos...............................................................................................
41
Capítulo IV - Determinantes e origem da cidadania .........................................................
45
Capítulo V - Relação entre cidadania e saúde....................................................................
73
vii
Considerações finais
As representações sociais da cidadania pelos usuários de um serviço ambulatorial de saúde
95
Representações sociais da cidadania: possibilidades de nexos com a saúde e o cuidado de
enfermagem ............................................................................................................................
100
REFERÊNCIAS....................................................................................................................
106
APÊNDICES
APÊNDICE A: Instrumentos de coletas de dados ............................................................
114
APÊNDICE B: Solicitação de autorização à instituição de saúde ..................................
116
APÊNDICE C: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido .......................................
117
APÊNDICE D: Perfil sócio-demográfico ...........................................................................
119
APÊNDICE E: Quadros A, B e C .......................................................................................
123
8
RESUMO
VELOSO, Raquel Coutinho. Representações sociais da cidadania e seus nexos com a saúde e
o cuidado de enfermagem. Rio de Janeiro, 2006. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) –
Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2006.
O objeto desta pesquisa é as representações sociais da cidadania pelos usuários de um serviço
ambulatorial de saúde. Aplicou-se a Teoria das Representações Sociais. Os objetivos são:
caracterizar as representações sociais da cidadania pelas pessoas usuárias de um serviço
ambulatorial; analisar as relações que os sujeitos estabelecem com o serviço de saúde a partir
das representações sociais sobre cidadania; e discutir as implicações que tais representações
sociais e relações estabelecidas com o serviço de saúde trazem para o cuidado de
enfermagem. Os sujeitos foram os integrantes de um grupo de educação em saúde que
funciona em uma Policlínica da rede pública de Niterói. A técnica de coleta de dados foi a
entrevista semi-estruturada. A análise de conteúdo temática levou à organização de três
grandes linhas: os determinantes da cidadania; a origem da cidadania; e a relação entre
cidadania e saúde. As representações sociais da cidadania se organizaram baseadas nas
dimensões valorativa e normativa na orientação dos sujeitos em suas ações cotidianas de
exercício da cidadania. A expressão da cidadania no atendimento dos serviços de saúde foi
representada à luz da interação entre os clientes e os profissionais de saúde. A dimensão
valorativa-afetiva marcou esta interação na medida em que os sujeitos desejavam um cuidado
que valorizasse a sua condição humana. Concluiu-se que é preciso entender as representaçõs
sociais dos sujeitos sobre a cidadania, pois as suas ações/reações respondem por estas
representações. Este entendimento pode nos levar a traçar metas que se configurem em
possibilidades transformadoras da dinâmica da vida e do atendimento à saúde dos cidadãos.
9
ABSTRACT
VELOSO, Raquel Coutinho. Social representations of the citizenship and their connections
with health care and the care of nursing. Rio de Janeiro, 2006. Dissertation (Master‟s Degree
in Nursing) - Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro,
2006.
The object of this research is the social representations of the citizenship by the users of a
service of an ambulatory health service. It was used the Theory of the Social Representations.
The objectives are: to characterize the social representations of the citizenship by the clients
of an ambulatory health; to analyze the relations that the subjects establish with the health
service from the social representations about citizenship; and to discuss the implications that
such social representations and the relations established with the health service bring for the
care of nursing. The subjects were the members of a group of education in health that
functions in a public Policlinic in this city of Niterói. The technique of data collection was a
semi-structured interview. The analysis of thematic content led to the organization in three big
lines: the determinants of the citizenship; the origin of the citizenship; and the relation
between citizenship and health. The social representations of the citizenship were organized
based on the dimension of values and normative dimension by the orientation of the by the
orientation of the subjects in their daily actions in exercising their citizenship. The expression
of the citizenship at the health service attendance was represented by the interaction between
the clients and the health care professionals. The affective dimension and of the values
marked this interaction in the measure in that the subjects desire a care that values their
human condition. It was concluded that it is necessary to understand the social representations
of the subjects about the citizenship, therefore their actions/reactions answer for these
representations. This understanding may let us define goals that will be configured in
transformer possibilities of the dynamic of the life and of the health service attendance of the
citizens
10
RESUMEN
VELOSO, Raquel Coutinho. Representaciones sociales de la ciudadanía y sus nexos con la
salud y el cuidado de la enfermería. Rio de Janeiro, 2006. Disertación (Maestría en
Enfermería) – Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro, 2006.
El objeto de esta investigación aborda las representaciones sociales de la ciudadanía a través
de los usuarios de un servicio ambulatorio de la salud. Se aplicó la Teoría de las
Representaciones Sociales. Los objetivos son: caracterizar las representaciones sociales de la
ciudadanía por las personas usuarias de un servicio ambulatorio; analizar las relaciones que
los sujetos establecen con el servicio de salud a partir de las representaciones sociales sobre la
ciudadanía; y discutir las implicaciones que tales representaciones sociales y relaciones
establecidas con el servicio de salud traen para el cuidado de enfermería. Los sujetos fueron
los integrantes de un grupo de educación en salud que funciona en una Policlínica de la red
pública de Niterói. La técnica de recolección de datos fue la entrevista semi-estructurada. El
análisis de contenido temático llevó a la organización de tres grandes líneas: los determinantes
de la ciudadanía; el origen de la ciudadanía; y la relación entre la ciudadanía y la salud. Las
representaciones sociales de la ciudadanía se organizaron tomando como base a las
dimensiones valorativa y normativa en la orientación de los sujetos en sus acciones cotidianas
de ejercicio de la ciudadanía. La expresión de la ciudadanía en la atención de los servicios de
salud fue representada a la luz de la interacción entre los clientes y los profesionales de salud.
La dimensión valorativa y afectiva marcó esta interacción en la medida en que los sujetos
deseaban un cuidado que valorara su condición humana. Se concluyó que es necesario
entender las representaciones sociales de los sujetos sobre la ciudadanía, pues sus acciones /
reacciones se relacionan a estas representaciones. Este entendimiento nos puede llevar a
planificar metas que se configuren en posibilidades transformadoras de la dinámica de la vida
y de la atención a la salud de los ciudadanos.
11
“A VIDA HUMANA É MAIS DO QUE A
SIMPLES SOBREVIVÊNCIA FÍSICA, É A
VIDA COM DIGNIDADE, SENDO ESSE O
ALCANCE DA EXIGÊNCIA ÉTICA DE
RESPEITO À VIDA”.
Dalmo de Abreu Dallari
(Extraído do livro Bioética e Direitos Humanos, 1998, p.232.)
13
Trata-se de um estudo
sobre as representações sociais da
cidadania pelos usuários de um
serviço ambulatorial de saúde.
Meu interesse acerca da
temática em questão vem desde o
meu trabalho de conclusão do
curso de graduação em
Enfermagem, realizado na
Faculdade de Enfermagem da
Universidade do Estado do Rio
de Janeiro (UERJ), em 2001,
quando estudei os direitos e
deveres dos clientes
hospitalizados. Naquele estudo,
abordei a questão da cidadania no
contexto da hospitalização.
Na referida pesquisa,
pude constatar que os clientes
apresentavam dúvidas acerca de
seus direitos, e tais dúvidas
estavam relacionadas com sua
condição de saúde, mas não
restritas ao cenário hospitalar.
Um ano após essa
pesquisa, fui trabalhar como
14
enfermeira do Programa Saúde da
Família (PSF) em uma
comunidade, localizada em
Casimiro de Abreu, no estado do
Rio de Janeiro. Comecei, então, a
observar no dia-a-dia, que os
moradores da região, clientes da
unidade básica de saúde do PSF,
não tinham informações plenas
sobre seus direitos sociais1,
principalmente aqueles ligados às
suas condições de saúde. Sendo
assim, uma pessoa nessa situação
pode vir a ter limitações no
exercício da sua cidadania e tais
limitações podem até reduzir o
nível de qualidade de vida.
Qualidade de vida
entendida “como uma condição de
existência dos homens no seu
viver cotidiano, „um viver
desimpedido‟, um modo de „andar
a vida‟ prazeroso, seja individual,
seja coletivamente” (MENDES,
1999, p.237). Portanto, para tal
modo de viver, é necessário
15
pressupor que haja um
determinado nível de acesso a
bens e serviços econômicos e
sociais, sendo que para tal acesso
é necessário que o cidadão saiba
dos seus direitos e como
__________________________
1 Artigo 6o da Constituição Brasileira de
1988: “São direitos sociais a educação, a
saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a
segurança, a previdência social, a
proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados, na forma
desta Constituição” (Brasil, 2002, p. 20).
usufruí-los.
Atualmente, quando
alguém faz algum tipo de
reclamação ou reivindicação, é
bastante usual receber como
resposta a seguinte orientação: -
“vá procurar os seus direitos!”.
Geralmente, esta frase é dita para
as pessoas que não se sentem
contempladas por algo que ainda
não têm certeza, mas desconfiam
ter direito. No entanto, a dita
“orientação” raramente vem
acompanhada de informações
16
sobre onde e como procurar pelos
tais direitos.
Neste sentido, destaco
Barbosa (2003, p.142) quando
afirma não ser “raro encontrar
pessoas que, embora acometidas
por doenças graves, mutilantes ou
incapacitantes, continuam
pagando algo que não devem, pelo
desconhecimento dos seus
direitos”. Nesse caso, a autora
refere-se aos direitos e benefícios
previstos pela legislação
brasileira, que quando são
desconhecidos podem interferir
diretamente no estado de saúde
das pessoas.
Levanto como exemplo, o
direito ao transporte gratuito
municipal frente a determinadas
doenças. Tal direito varia de
acordo com o município e pode
interferir na freqüência dos
usuários no serviço de saúde, pois
existem pessoas que deixam de ir
às consultas médicas por falta de
17
dinheiro da passagem, ou gastam
dinheiro com a passagem e deixam
de comprar algum medicamento
ou algo importante para o seu
tratamento.
Sendo assim, quem tem
acesso a esta informação pode vir
a conseguir exercer este direito.
Neste caso, a informação pode ser
ou não difundida, ou ainda, sê-la
de modo distorcido, dificultando
que o exercício da cidadania seja
pleno. Pode-se falar, que ao ser
exercido, o direito, muitas vezes,
torna-se, de certa forma, um
privilégio, pois para quem não
teve acesso à informação, tal
direito não chegou a ser
reconhecido.
Retrato, então, a questão
da transformação dos direitos em
privilégios, na medida em que há
no país “o fortalecimento da
lógica da relação em oposição à
impessoalidade das leis que
retrata a face moderna da
18
organização social brasileira”
(OLIVEIRA; OLIVEIRA, 1996,
p.95). Penso ser interessante
abordar o que se entende como o
famoso “jeitinho brasileiro”,
expressão cultural que significa
um certo modo peculiar de
negociação para garantir a
obtenção de algo que se tenha
direito e/ou para usufruir de
privilégios através das relações de
amizade, de cunho pessoal, ou da
barganha e/ou sedução.
Isto quer dizer que as relações pessoais, conforme afirma DaMatta2, podem ter
mais peso que as próprias leis. Deste modo, não há direitos e sim privilégios, na medida
em que se utiliza de mecanismos que não são passíveis de legitimação no âmbito da lógica
universalista - característica da esfera pública. Neste sentido, DaMatta prossegue
afirmando que a valorização da esfera privada - “casa”, onde se tem “pessoas”; em
detrimento da esfera pública - “rua”, onde se tem “indivíduos”, configura o que ele chama
de privatização do espaço público (op.cit.).
Acrescento ainda a essa linha de pensamento, a questão da cordialidade brasileira
da qual fala Holanda (1995) quando diz que o “homem cordial” pensa que a intimidade
torna as relações mais fáceis. Assim, é como se não houvesse distinção entre o espaço
público e o privado e todos seriam amigos em todos os lugares. Isso não tem nada a ver
com polidez ou civilidade, mas sim com as emoções.
19
Nesta perspectiva, nem sempre o outro pode ser reconhecido como um sujeito de
direitos. Portanto, entendo ser o movimento em busca dos direitos o que constitui a
cidadania. Logo, cidadania não é algo dado que está acabado por si só, e sim está em
constante processo de (re)construção no cotidiano social de uma determinada sociedade.
Dulce Pandolfi realizou uma pesquisa entitulada Lei, justiça e cidadania, na região
metropolitana do Rio de Janeiro, entre 1995 e 1996 e constatou que as pessoas entendem a
palavra direitos - predominantemente usada no plural - relacionada com os benefícios
previstos nas leis trabalhistas e previdenciárias. Logo, evidenciou-se a valorização
dos
________________
2 DAMATTA, R. Cidadania: A questão da cidadania num universo relacional. In: ___. A casa e a rua. Rio
de Janeiro: editora Guanabara Koogan, 1991.
direitos sociais em detrimento dos políticos e civis. Direitos estes que não são percebidos
como resultado de uma ação política e sim, como dádivas (LUCA, 2003).
Considero interessante comentar que tive a oportunidade de estar no setor da
perícia médica da previdência social, na zona norte da cidade do Rio de Janeiro, em 2003,
ao acompanhar uma amiga. Pude conversar com algumas pessoas e identifiquei que elas
não tinham noção dos seus direitos, face às queixas de saúde que apresentavam.
Sofriam, numa espera que parecia não ter fim, como se fossem “receptores de favores”,
“reféns” de uma cidadania doada por um Estado protetor.
Aproveito este momento para acrescentar que, em pleno século XXI, identifico
propagandas midiáticas de movimentos e ações que ofertam serviços assistencialistas à
população brasileira como expressão de garantia do exercício de cidadania. Penso que tais
ações, entretanto, não promovem este exercício, mas sim representam uma lógica de
oferta benevolente de serviços à população que os consomem de forma indiscriminada e
20
acrítica, em um movimento de imposição e recepção, sem dialogicidade entre a parte que
recebe e a que oferece, e sem garantia de seguimento das ações.
Destaca-se que, muitas vezes, as pessoas participam destes movimentos/ações e
realizam exames de saúde simplificados como, por exemplo, detecção de níveis de glicose
e colesterol sanguíneos (na maioria das vezes feitos sem preparo prévio), aferição da
pressão arterial e acuidade visual. No entanto, ao receberem os resultados, não há garantia
de seguimento do atendimento.
Não se pode deixar de pensar que é a partir dos direitos sociais que se torna mais
evidenciada a ligação entre as mudanças sociais, em uma determinada sociedade/época, e
a mudança nas práticas dos direitos. Isto pode ser exemplificado quando há uma exigência
pela sociedade para uma maior proteção aos idosos, e tal fato só se dá em virtude do
aumento do número de idosos, assim como do aumento da longevidade, o que pode ser
atribuído aos progressos da medicina, como também, às mudanças nas relações sociais
(BOBBIO, 1992) que, de certa forma, interferem no estilo e qualidade de vida das
pessoas.
Sabe-se que em 1988 foi elaborada a nova Constituição Federal Brasileira, que
expressou a aspiração por uma sociedade mais democrática e mais igualitária,
consagrando o ideário da universalização das políticas sociais. É considerada uma das
constituições mais completas do mundo, no que diz respeito ao estado de bem-estar social.
No entanto, a previsão dos direitos sociais em lei por si só não é suficiente. É preciso que
estes sejam difundidos, respeitados e que haja condições mínimas para que a população
possa usufruí-los e exercer a sua cidadania.
A realidade hoje é que vivemos em um mundo capitalista, onde cada um torna-se
valorizado por aquilo que possui – bens materiais - , isto é, pela capacidade de consumo e
de sustento. Logo, quando não se exerce atividade remunerada, ou quando o que se recebe
21
é incompatível com o custo mínimo para se ter uma vida digna, vive-se na dependência de
algum tipo de oferta de assistência que possa garantir a sobrevivência e o acesso aos
serviços sociais. Daí o grande sucesso de público dos movimentos/ações de algumas
campanhas, principalmente junto às camadas mais carentes da população.
Os serviços sociais podem ser vistos como resposta às dificuldades individuais,
objetivando garantir a sobrevivência das sociedades, fazendo parte, então, do que se
chama Welfare State – Estado de Bem-Estar Social – que apareceu nos países europeus
devido à expansão de um Estado Nacional visando a democracia, sendo uma resposta à
demanda por serviços de segurança sócio-econômica.
Penso também, que para compreender melhor o cenário de um país é preciso situá-
lo economicamente e socialmente no mundo. Logo, o Brasil é um país periférico, que
sofre com as conhecidas políticas de ajuste estrutural impostas aos países do terceiro
mundo. Estas políticas de ajuste contribuem para que haja cortes substanciais de recursos
nas políticas sociais, enfocando quando necessário, apenas os programas sociais
emergenciais (SOARES, 1999).
De certo modo, pode-se então afirmar que os direitos sociais quando não são
garantidos em nossa sociedade, podem contribuir para que o cidadão se aliene de sua
condição de sujeito. Isso significa que a falta ou baixa qualidade da educação, trabalho,
moradia, lazer, enfim, condições de vida insatisfatórias podem conduzir a uma alienação,
favorecendo a perda do sentido, da valorização da vida. Desta forma, ele pode não
conseguir se sustentar na condição de indivíduo que representa a sociedade e que pode
transformá-la.
E o Brasil constitui-se em uma sociedade fortemente verticalizada determinada
pela estrutura hierárquica do espaço social (CHAUÍ, 2004), de modo que as diferenças são
22
revertidas em desigualdades, evidenciando cada vez mais que quando alguém manda, o
outro obedece, pois manda quem tem poder e obedece quem luta para sobreviver.
Entretanto, este mesmo cenário também pode apresentar uma imagem que
desfigura diferenças, desigualdades e conflitos, isto é, despojada de dimensão ética e
transformada em natureza. Quem nunca ouviu falar do Brasil como Terra Maravilhosa, de
natureza linda e serena (sem vulcões, terremotos, por exemplo). A pobreza, então,
transformada em natureza, podendo provocar a compaixão, e não a indignação moral
frente a uma regra de justiça violada (TELLES, 1999).
Pode-se dizer que tal pensamento existe desde o Brasil-Colônia, e destaco Arruda
(1998, p.39) quando afirma que “os recortes que desenham a exaltação ou a dissecação do
meio natural, fazem o biombo que encobriu as lacunas da cidadania, da unidade nacional e
o próprio descaso pelo meio natural”.
Sendo assim, a seguir, comento um pouco sobre as lacunas da cidadania
identificadas no contexto da saúde no Brasil.
Cidadania e saúde: implicações para o cuidado de enfermagem.
Fazendo uma breve retrospectiva histórica, sabe-se que, na década de 80 do século
XX, aconteceram transformações profundas no sistema de saúde brasileiro, no qual
destaco: 1. A proposição das Ações Integradas de Saúde (AIS), as quais apresentavam
como meta a universalização, a integralidade das ações e a unificação dos serviços; 2. A
realização da VIII Conferência Nacional de Saúde, que foi um marco histórico na Saúde
do Brasil com grande participação de todos os segmentos da sociedade, em março de
1986, em Brasília; 3. A implementação do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde
(SUDS) em 1987, que se pautava na descentralização de gestão, atendimento integral e
23
participação da comunidade, diretrizes estas asseguradas na Constituição Brasileira, no
artigo 198. Em 1990, foi decretada a lei orgânica do SUS (lei 8080), que regula as ações e
serviços de saúde no país (CORDEIRO, 1991).
A despeito do que se preconiza na lei, cotidianamente assistimos, através da mídia
- jornal e televisão -, exemplos de decadência na qualidade da oferta dos serviços públicos
de saúde no estado do Rio de Janeiro e também em outras localidades do país, com
demonstrações, por vezes extrema, de total desrespeito à vida. Causa indignação o fato de
os usuários, para terem atendimento médico-ambulatorial, precisarem chegar de
madrugada para pegar uma senha de acesso aos serviços que, via de regra, se iniciam pela
manhã, a partir das oito horas. Em determinadas instituições, as pessoas chegam a passar a
manhã inteira numa fila para, no final, poderem, até mesmo, não serem atendidas.
Quando há necessidade de uma internação e não há leito disponível no hospital de
referência, muitas vezes é o usuário o qual tem que se responsabilizar por buscar uma
vaga de leito hospitalar, e quando não há ambulância para tal transferência, ele tem que ir
por meios próprios. Tais situações representam uma total falta de respeito com o outro,
destituindo o sujeito da sua condição cidadã. O direito à saúde, enquanto direito
fundamental do ser humano, está previsto em lei, mas na prática nem todos o têm
garantido.
Esta contradição entre a teoria (lei) e a prática mostra que muito ainda nos falta até
que se implante plenamente os princípios da universalidade, da resolutividade e da
humanização do atendimento previsto na Lei 8080 de 19/09/1990 (BRASIL, 2001).
Nos dias 13 e 14 de março de 2006, houve, no Rio de Janeiro, um fórum
denominado “Saúde e democracia: uma visão de futuro para o Brasil”, no qual se
reuniram profissionais e estudantes da área de saúde, políticos e representantes da
24
sociedade. O evento foi promovido pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde
(CONASS) e pelo jornal O Globo3.
Destaco, dentre os inúmeros assuntos que foram discutidos, a questão do controle
social, na medida em que foi debatido que os usuários do SUS não têm conhecimento
sobre as responsabilidades das três esferas de governo (municipal, estadual e federal), não
sabendo então, a quem devem reivindicar quando se sentem desrespeitados (GUEDES,
MATTA E LEMGRUBER, 2006).
Assim, o controle social é de extrema importância na operacionalização dos
serviços de um sistema de saúde que tem como um dos princípios norteadores a
participação da comunidade - prevista na Lei 8.142 de 28/12/1990 (BRASIL, 2001). As
modalidades de participação - Conselhos e as Conferências Municipais, Estaduais e
Nacional de Saúde - representam um espaço legítimo para o exercício da cidadania na
medida em que podem promover discussões amplas sobre os direitos e deveres de todos
os envolvidos no sistema: gestores, profissionais e usuários.
Conforme afirma Mendes (1999), a cidadania exige um espaço democrático para
ser construída, propiciando a formação de atores sociais que são muito mais que
participantes sociais ou titulares de poder político, sendo portanto ativos, portadores
de demandas e
________________
3Um dos objetivos deste encontro foi sensibilizar os candidatos à presidência da República sobre o tema
“Saúde e democracia”, pois 2006 foi um ano de eleições.
reivindicações.
Entretanto, a minha experiência de participação nas reuniões do Conselho de
Saúde do município, na qualidade de enfermeira do PSF, mostrou que para haver uma
efetiva participação dos usuários, faz-se necessário o emprego de uma linguagem que faça
25
parte do cotidiano deles, e não uma linguagem puramente técnica, restrita ao entendimento
dos profissionais da saúde.
Quando se fala de direito à saúde, é preciso lembrar que o princípio deste direito
como um direito de cidadania universal e como expressão das lutas e conquistas sociais
foi consagrado na VIII Conferência Nacional de Saúde (CORDEIRO, 1991).
Carvalho (1997, p.33) menciona que tal direito “implica o direito à assistência de
enfermagem”, pois a enfermagem pode ser entendida como “um serviço organizado,
orientado e dedicado ao bem-estar humano e como tal um empreendimento social”.
Neste sentido, enfatizo a contribuição do Conselho Federal de Enfermagem
(COFEN) e da Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn) que, juntos, elaboraram um
documento para o debate da VIII Conferência Nacional de Saúde, o qual representou o
posicionamento de tais entidades, ressaltando ser importante o direito à assistência de
enfermagem como extensão do direito à saúde (COFEN; ABEn, 1986).
Tal documento reforça que cabe aos diversos setores sociais fazer uma análise
crítica das diretrizes de saúde no país e suas conseqüências para a população. Destaca-se,
portanto, a responsabilidade da enfermagem que, por sua natureza ético-profissional no
campo da saúde, não pode se furtar aos debates sobre os direitos sociais (nos quais se
inclui a saúde) e sobre a cidadania. Assim como, também, cumpre analisar a função que
compete a cada grupo social, pois o empenho deve ser de toda a sociedade brasileira, em
busca de uma ordem social mais justa, prescrita por uma sociedade democrática.
Construindo o objeto deste estudo
Face a esta problemática, atual e emergente da minha vivência como graduanda em
enfermagem e da minha experiência profissional no PSF, penso ser importante conhecer o
26
que os sujeitos, usuários de um serviço ambulatorial da rede básica de saúde, pensam
sobre cidadania.
Esta escolha não se deu por acaso, mas porque há um ano, atuo junto a um grupo
de educação em saúde voltado para pessoas que apresentam doenças crônico-
degenerativas, principalmente hipertensão e diabetes mellitus em uma policlínica
comunitária4.
Por ter sido professora substituta da área de Saúde Mental da Escola de
Enfermagem Aurora de Afonso Costa (EEAAC) da Universidade Federal Fluminense
(UFF) e pela experiência de trabalho com grupos de educação em saúde no PSF, fui
convidada por uma professora desta Escola para discutir com o referido grupo desta
policlínica, o tema “cidadania e qualidade de vida”. A discussão versou sobre o que estes
usuários fazem no seu dia-a dia para melhorarem a sua qualidade de vida enquanto
cidadãos, dotados de direitos e deveres.
No início, percebi que as questões que surgiram estavam relacionadas com os
cuidados com o corpo por conta das doenças - diabetes mellitus e hipertensão arterial. No
primeiro encontro, o grupo estava composto por apenas seis pessoas. Uma destas pessoas
comparecia ao grupo pela primeira vez, e apresentava dúvidas acerca do diagnóstico que,
na sua avaliação, havia sido comunicado pelo médico de um modo “frio”, isto é, sem
expressão de emoções e rápido. Segundo o cliente, o médico dirigiu-se a ele e disse: “-
você tem que saber que é diabético e vai ser sempre assim”. O cliente apresentava muitas
dúvidas acerca da doença como, por exemplo, o que poderia comer ou não e quais seriam
as possíveis complicações que poderia vir a desenvolver.
_____________
4Policlínica Comunitária localizada em
Niterói - Rio de Janeiro.
27
Num primeiro momento,
houve necessidade de
esclarecimento das principais
dúvidas
sobre as doenças até chegarmos a
discutir sobre o tema qualidade de
vida, e o que poderia ser feito para
melhorá-la. Fiquei surpresa
quando, em determinado instante,
um cliente retirou do bolso um
recorte de jornal que continha
uma lei do município de Niterói,
que prevê aos pacientes portadores
de doenças crônico-degenerativas
a gratuidade da passagem nos
transportes públicos. Tal cliente
relatou que iria “correr atrás”5 do
seu direito, já que era portador de
diabetes. O restante do grupo não
sabia da existência desta lei e
demonstrou não acreditar que esta
pudesse ser cumprida.
Ressalto a influência que
a mídia exerceu, naquele
momento, sobre a questão da
cidadania, na medida em que tal
28
informação se deu através de um
meio de comunicação - o jornal
impresso – difusor de informações.
A partir daquele momento, as
pessoas teceram comentários e
emitiram opiniões sobre o assunto
trazido à pauta, sendo possível
perceber que estavam elaborando
um pensamento sobre a questão
dos direitos/deveres, à luz da
dimensão subjetiva (psíquica) e
social (contexto).
Identifiquei como é
importante e necessário o
compartilhamento de informações
entre os elementos do grupo, pois
a experiência do outro pode
contribuir para cada um refletir e
tomar decisões sobre questões de
sua própria vida, seja de forma
individual ou coletiva. Dessa
forma, penso que ao estarem
trocando informações, podem vir a
tomar conhecimentos dos direitos
e deveres inerentes à condição
29
cidadã e (re)construírem uma
representação sobre a cidadania.
Para Moscovici (1978, p.
67) “a informação – dimensão ou
conceito – relaciona-se com a
organização dos conhecimentos
que um grupo possui a respeito de
um objeto social”. E de acordo
com Barreto (2002, p.6), nos
momentos de passagem da
informação de um sujeito ao outro
é “que o fenômeno da informação
apresenta sua característica mais
bela, pois
_________________
5 “Correr atrás” é uma expressão popular
que significa que alguém está indo em
busca de algo que deseja alcançar.
transcende ali a solidão
fundamental do ser humano: o
pensamento se faz informação e a
informação se faz conhecimento”.
Solidão fundamental do
ser humano é considerada por
Barreto (op.cit.) como o momento
de privacidade em que a pessoa,
enquanto ser pensante, projeta a
criação da informação antes de
30
codificá-la. Através desta
informação e por meio de um
sistema de signos, o ser humano
procura compartilhar sua
experiência vivenciada e
experimentada apenas por ele,
com outras pessoas. Sendo assim,
tal experiência é deslocada então,
para uma esfera pública de
significação, de modo que esta
esfera seja coletiva e desejada pela
pessoa (op.cit.).
Gauderer (1995, p.18)
afirma que um indivíduo bem
informado passa a apresentar
mais possibilidades de realizar
escolhas, pois “a informação soma,
proporciona interdependência com
as pessoas e o mundo à sua volta,
autonomia, relação de igualdade,
liberdade e até mesmo de prazer,
perpetuando relações
democráticas, abertas e flexíveis”.
Nesta linha de raciocínio,
Barreto (2002, p.05) prossegue
comentando que a informação
31
pode modificar a consciência do
homem e que devidamente
apropriada, produz conhecimento
e modifica o estoque mental de
saber da pessoa, trazendo
benefícios para o seu próprio
desenvolvimento e para a
sociedade em que ele vive. Na
perspectiva de harmonizar o
mundo, constitui-se a condição da
informação. A informação torna-
se um elemento que promove
organização, na medida em que
leva o homem ao seu destino
“desde antes de seu nascimento,
com sua identidade genética, e
durante sua existência pela
capacidade em relacionar suas
memórias do passado com uma
perspectiva de futuro”,
favorecendo assim, que sejam
estabelecidas diretrizes que o
propiciarão ser uma pessoa ativa e
criativa, no espaço e no tempo.
Neste sentido, penso ser a
cidadania um objeto passível de
32
ser estudado pela via das
Representações Sociais (RS), pois
considero ser importante
identificar o que os sujeitos
pensam e como pensam a
cidadania, na medida em que
trocam e adquirem informações
sobre seus direitos e deveres, em
seu contexto sócio-cultural, e as
traduzem à luz de suas marcas e
vivências pessoais. Desta forma,
compartilham idéias e experiências
com outras pessoas do seu
convívio social que orientarão
suas decisões e seus modos de agir.
A prática cotidiana e seus modos
de agir expressam o que os sujeitos
pensam sobre a condição cidadã.
Entretanto, apesar da
ênfase dada à informação, esta
sozinha não fornece uma
panorâmica do conteúdo e do
sentido de uma representação
social. Há também a atitude e o
campo de representação ou
imagem, as quais constituem as
33
dimensões das RS. Portanto, as
pessoas pensam, organizam seus
conhecimentos e assumem uma
determinada posição em relação a
um objeto social, assim como
também, procuram elaborar uma
imagem a fim de se aproximar do
objeto, de torná-lo mais tangível
(MOSCOVICI, 1978).
O objeto a ser pesquisado,
então, é as representações sociais
da cidadania pelos usuários de um
serviço ambulatorial de saúde,
com vistas a, a partir daí,
entender as ações de tais sujeitos
no que tange à relação com os
serviços de saúde.
Sendo assim, as questões
norteadoras são as seguintes:
Como os usuários de um serviço ambulatorial de saúde pensam a cidadania?
A partir de tais representações, como agem em relação aos serviços de saúde?
A fim de responder estas perguntas, lanço os seguintes objetivos:
- Caracterizar as representações sociais da cidadania pelas pessoas usuárias de um serviço
ambulatorial;
34
- Analisar as relações que os sujeitos estabelecem com o serviço de saúde a partir das
representações sociais sobre cidadania;
- Discutir as implicações que tais representações sociais e relações estabelecidas com o
serviço de saúde trazem para o cuidado de enfermagem.
Torna-se oportuno dizer que entendo a enfermagem como uma prática social, isto é,
como “ciência e arte de ajudar às pessoas, aos grupos e comunidades na provisão de cuidados
à saúde e que na prática, requer consciência crítica, posicionamento político, liberdade de
pensamento” (CARVALHO, 2004, p. 810).
Também considero as enfermeiras como difusoras de conhecimentos científicos ao
exercerem o cuidado ao cliente, principalmente quando é um cuidado representado por uma
ação educativa, na qual transitam informações cujo propósito é a melhoria da qualidade de
vida do cliente.
Ocorre que, muitas vezes,
a transição de informações não se
dá em uma via de mão dupla, mas
de forma verticalizada,
unidirecional e multifacetada,
fragmentada nos diversos serviços
os quais o cliente é atendido
(enfermagem, medicina, serviço
social, psicologia etc.). São
informações por vezes,
incompletas, contraditórias,
abstratas e/ou pouco aplicáveis
que, na malha cognitiva do sujeito
serão processadas e se
35
transformarão em algo que faça
sentido para ser aplicado.
A saúde pensada como
um “produto social resultante de
fatos econômicos, políticos,
ideológicos e cognitivos”
(MENDES, 1999, p.237) é
“determinada pela dinâmica das
relações sociais que se reproduzem
historicamente, entre indivíduos e
grupos populacionais existentes
no território” (op.cit., p. 249),
como fruto de relações sociais.
Torna-se necessário
romper com a idéia de um setor
saúde que atue de forma isolada,
para que haja uma articulação
deste com outros campos do
conhecimento
(interdisciplinaridade) e com
outras práticas sociais
(intersetorialidade), valorizando
assim, a importância de um
diálogo entre diferentes setores
sociais, inclusive com os usuários.
36
Assim, nesta pesquisa, as
relações estabelecidas entre o
objeto RS da cidadania com a
enfermagem implicam na ética e
no direito à informação6, o qual
deve ser respeitado nos serviços
de saúde. Desta forma, a
enfermagem pode contribuir para
melhor qualidade de vida dos
clientes, na medida em que,
através de uma educação em
saúde dialógica, pode despertar a
crítica reflexiva do sujeito,
compreendendo-o como ativo na
forma de lidar com sua saúde.
Abordo, então, um
cuidado de enfermagem que não se
restringe a uma perspectiva
técnica, assistencialista, pois
abrange a dimensão ética e
estética. Ética porque envolve o
compromisso com o outro e com o
meio, respeitando a dignidade,
sendo um compromisso contínuo
com a valorização da vida.
Estética porque, de acordo com
37
Teixeira (2001), pode abrir espaço
para o sensível, a pluralidade e os
sentimentos humanos.
Entendo, o cuidado de
enfermagem como uma ação que
age sobre a vida, que por sua vez
produz ações e reações no sujeito,
conduzindo-o a um processo de
conscientização enquanto sujeito
no mundo. Portanto, constitui-se
em uma ação que pode levar à
autonomia e à expansão da pessoa
em seu meio social, favorecendo a
alegria de viver, o bem-estar e a
saúde.
Para Bellato e Pereira
(2005, p.22) “a empatia e a
solidariedade precisam ser
componentes fundamentais de
uma prática ética, advinda desse
olhar ético, que considera o outro
que é cuidado como alguém igual
a mim, ou seja, somos sujeitos em
uma relação simétrica, sendo o
outro portador dos mesmos
direitos que eu”. Logo, não se
38
pode olhar o outro como um objeto
de ação da enfermagem e sim como
sujeito, responsável pela sua
história de vida, ativo e
construtor de conhecimento.
Deste modo, torna-se
fundamental para a enfermagem,
“a aprendizagem de novos
princípios - de participação
política, de economia e de
jurisprudência - pertinentes aos
_____________ 6
A lei do SUS prevê no capítulo II - dos princípios e diretrizes, art. 7o, item V: ―o direito à informação,
às pessoas assistidas sobre sua saúde‖ (Brasil, 2001, p.401).
direitos à saúde”(CARVALHO,
2004, p.810). Entendo que
abordar os direitos à saúde
implica em identificar seus
requisitos fundamentais como:
paz, educação, habitação,
alimentação, renda, um
ecossistema estável, justiça social
e equidade, constantes da Carta
de Ottawa escrita na I
Conferência Internacional sobre
Promoção da Saúde, em 1986,
39
realizada no Canadá (MENDES,
1999).
Portanto, a importância
deste estudo reside no
entendimento de que a tecnologia
do cuidado possa ser ampliada,
favorecendo a construção de um
saber e fazer no cuidado de
enfermagem que esteja voltado
para o fortalecimento da
cidadania dos clientes. De modo,
então, que poderá contribuir para
um cuidado de enfermagem que
ajude o sujeito a tomar decisões, a
ser ativo, a ter uma ação mais
participativa, não apenas no
âmbito dos serviços de saúde, mas
também em outros setores que
fazem parte de seu contexto
social, consciente de seus direitos e
deveres, sendo capaz de
transformar sua qualidade de vida
para melhor.
Logo, ao discutir as
representações dos usuários sobre
cidadania, penso poder estar
40
contribuindo para acrescentar
conhecimentos aos estudos que
visam fortalecer o campo teórico
do cuidado de enfermagem, assim
como também, possa contribuir na
área do ensino. Identifico a fase
de formação e qualificação
profissional como um momento em
que se deve despertar para a
dimensão da cidadania de quem
cuida e é cuidado.
Considero, então, que
esta pesquisa se insere na Linha
de Pesquisa “Fundamentos do
Cuidado de Enfermagem” 7, na
medida em que tal linha
contempla na sua ementa: os
direitos da pessoa em sua
trajetória vital e enfermagem
como arte, prática e ciência na
construção do conhecimento.
______________
41
7 Desenvolvida no Núcleo de Pesquisa de
Fundamentos do Cuidado de
Enfermagem (NUCLEARTE), do
Departamento de Enfermagem
Fundamental, da Escola de Enfermagem
Anna Nery da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ).
Capítulo I
Bases teórico-conceituais
42
Teoria das Representações Sociais
Sobre a origem da Teoria das Representações Sociais (TRS) destaca-se que
a mesma foi proposta por Moscovici, no campo da psicologia social. Esta teoria
desdobra-se em outras correntes complementares, lideradas por Doise que
apresenta uma perspectiva mais sociológica; e a outra, liderada por Abric, o qual
enfatiza a dimensão cognitiva-estrutural das RS (SÁ, 1998). Nesta pesquisa, utilizo
a abordagem processual mais fiel à teoria seminal proposta por Moscovici e
desenvolvida por Denise Jodelet.
A divulgação da teoria das Representações Sociais (TRS) aconteceu no
início da década de 60, na França e a partir daí passou a ser aplicada por Jodelet e
Claudine Herzlich em estudos sobre o corpo, a saúde e a doença, ganhando maior
visibilidade tanto na França como no Brasil, a partir da década de 80.
Especificamente no Brasil, as pesquisas em RS só vieram a eclodir a partir da
década de 90, com maior ênfase no campo da saúde e da educação.
Moscovici (2003) afirma ter percebido como uma área de estudo possível e
interessante, a transformação do conhecimento científico em conhecimento do
43
senso comum. O autor diferencia senso comum de outros gêneros de
conhecimento, como a ideologia e a ciência.
Moscovici considera que há dois tipos de universos de pensamentos: o
consensual e o reificado. O consensual tem a ver com as atividades intelectuais da
interação cotidiana, e por tais atividades são produzidas as RS. E o reificado é o
universo da ciência, onde se produz o conhecimento voltado para a objetividade,
para o rigor lógico e metodológico. É preciso entender que ―a matéria-prima para a
construção dessas realidades consensuais (...) provém dos universos reificados‖
(SÁ, 1995, p. 29), e que a teoria ―se preocupa com os saberes produzidos no e pelo
cotidiano‖ (JOVCHELOVITCH, 2001, p.25). Sendo assim, na teoria, as verdades
são produzidas a partir das pluralidades do senso comum; diferente do paradigma
positivista, de onde o que é considerado verdade vem apenas da ciência.
No estudo do senso comum, Moscovici (2003) chama a atenção para o fato
de as pessoas não apresentarem uma única maneira de pensamento, pois o
conhecimento é polifásico. Tal fato é regra e não exceção, pois uma mesma pessoa
pode utilizar racionalidades diferentes, em determinados momentos, para pensar
sobre um mesmo objeto. Este fenômeno é chamado de polifasia cognitiva.
Moscovici assumiu que ao criar o conceito de representação social se
inspirou no conceito de representação coletiva, de Durkheim. Sperber apud
Guareshi (1995) faz uma analogia com a medicina ao diferenciar a representação
coletiva da social. A representação coletiva é comparável a uma endemia, por ser
estática e tradicional, sendo mais apropriada ao tipo de sociedade mais cristalizada.
Enquanto a social, compara-se a uma epidemia, porque apresenta dinamicidade e
historicidade.
44
Neste sentido, a definição de Jodelet (2001, p.22) de que a Representação
Social ―é uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com um
objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum a um
conjunto social‖ adere-se muito bem aos estudos próprios à sociedade
contemporânea, complexa e multifacetada, que exige um olhar mais centrado nos
grupos sociais que a compõem.
Para Moscovici, o conhecimento não deve ser reduzido a um acontecimento
intra-individual, onde o social age de forma secundária, pois o social refere-se a
forma de construção dessa representação (SAWAIA, 1995). Para Jodelet (1988,
p.04), o processo de RS pode sofrer intervenções do social, por diversas maneiras:
―pelo contexto concreto onde estão situados pessoas e grupos; pela comunicação
que se estabelece entre eles, pelos quadros de apreensão fornecidos por sua
bagagem cultural; pelos códigos, valores e ideologias ligados às posições ou
participações sociais específicas‖.
Conforme diz Arruda (2005) amparada em Moscovici (1978), a teoria das
representações sociais é como uma antropologia do mundo contemporâneo, na
medida em que lida com os modos como os grupos sociais, que para se
comunicarem e funcionarem cotidianamente, estão dando sentido ao real,
elaborando e explicando este real para si mesmos.
De acordo com Moscovici (2003, p.35),
“nenhuma mente está livre dos efeitos de condicionamentos anteriores que lhe
são impostos por suas representações, linguagem ou cultura. Nós pensamos
através de uma linguagem; nós organizamos nossos pensamentos, de acordo com
um sistema que está condicionado, tanto por nossas representações, como por
nossa cultura”.
45
Sendo assim, a dimensão
ativa e criativa do sujeito no
processo de construção do
conhecimento indica que ele não é
mero expectador e nem incorpora e
aplica o conhecimento que “vem
de fora”, mas coloca sua marca
pessoal, sendo capaz de processar,
transformar aquele conhecimento
em outro, num processo de
significação e ressignificação dos
objetos. Há uma tentativa do
sujeito em entender o mundo e se
fazer entendido e reconhecido,
assim como a agir no/sobre o
mundo a partir do seu universo de
significados, que integra o
contexto sócio-cultural. É
portanto, a TRS, um saber
prático, na medida em que estuda
o conhecimento que orienta para a
ação.
Neste momento,
acrescento Ferreira (1999, p.20)
quando cita que:
46
“as experiências que vivemos captadas pelos órgãos dos sentidos (dimensão
sensível) são classificadas e codificadas (dimensão inteligível) que, por sua vez,
vinculam-se ao processo social. Ao processar as informações, o sujeito estabelece
contrastes, diferenças, rupturas e atribui um sentido à experiência. Esta
atribuição de sentido é a representação”.
Entretanto, representar
algo não significa desdobrar,
repetir ou reproduzir, e sim
reconstituir, retocar e modificar
(MOSCOVICI, 1978). Para essa
modificação ocorrer, não basta
que haja apenas traduções de
idéias, e sim, é preciso que estas
idéias tenham encontrado um
“gancho no acervo emocional e
cognitivo” do sujeito (ARRUDA,
1998, p.39).
Sendo assim, as
representações sociais “devem ser
estudadas articulando-se
elementos afetivos, mentais e
sociais e integrando-os ao da
cognição, da linguagem e da
comunicação” (JODELET, 2001,
p.26). Portanto, a teoria tem a
marca do sujeito que é
cognoscente, ativo e criativo, e
47
tem também a marca da sociedade,
da cultura, pois há uma
integração da condição de
pertença e de participação
cultural e social dele.
Portanto, ao aplicar a
TRS na elucidação dos objetos, o
que se propõe é a psicossociologia
do conhecimento, uma vez que é:
“na fronteira entre o psicológico e o social, que se focaliza a noção de
representação social. Ela concerne, em primeiro lugar, a forma pela qual nós,
sujeitos sociais, apreendemos os acontecimentos da vida corrente, os dados do
nosso ambiente, as informações que aí circulam, as pessoas de nosso círculo ou
longínquo” (JODELET, 1988, p.04).
Para a TRS, o
conhecimento do senso comum se
constrói a partir da influência da
sociedade e da influência
individual (subjetividade) do
sujeito. Sendo assim, “quando se
estuda o senso comum, o
conhecimento popular, nós
estamos estudando algo que liga a
sociedade, ou indivíduos à sua
cultura, sua linguagem, seu
mundo familiar” (MOSCOVICI,
2003, p.322).
48
Para Moscovici, (op.cit.,
p.61) o objetivo de todas as
representações seria transformar o
não-familiar em familiar, isto é,
transformar o desconhecido em
algo que se possa ter domínio. A
transformação do não-familiar em
familiar se dá através de dois
processos formadores das
representações sociais que são: a
objetivação e a ancoragem.
Objetivar consiste em
“transformar algo abstrato em
algo quase concreto, transferir o
que está na mente em algo que
exista no mundo físico” e ancorar
“é classificar e dar nome a alguma
coisa”.
No que diz respeito à
familiarização do desconhecido, é
preciso compreender que “o mundo
mental e real se torna sempre um
outro e continua sendo um pouco
o mesmo: o estranho penetra na
brecha do familiar, e este abre
49
fissuras no estranho”
(MOSCOVICI, 1978, p.62).
Para Moscovici (op.cit.) a
representação apresenta duas
faces que são como páginas de
uma folha de papel, não sendo
possível dissociá-las: face
figurativa (figura) / face
simbólica (sentido) e com tais
faces, pode-se fazer uma
correspondência, respectivamente,
com a objetivação/ancoragem.
No entanto, é bom
lembrar que nem todos os
fenômenos psicossociais podem ser
estudados pela representação
social, pois o objeto de pesquisa
tem que realmente emergir da vida
social cotidiana. Sá (1998, p.50)
afirma que “para definição do par
sujeito-objeto de uma pesquisa,
devemos ter em mente que a
representação que os liga é um
saber efetivamente praticado, que
não deve ser apenas suposto, mas
sim detectado em comportamentos
50
e comunicações que de fato
ocorram sistematicamente”.
Assim, penso ser a
cidadania um objeto psicossocial
que pode ser acessado pela via das
RS, na medida em que corresponde
à realidade do grupo estudado,
pois emerge da vida social
cotidiana dos sujeitos em questão,
das suas práticas e exercícios dos
direitos e deveres inerentes ao
cidadão.
A cidadania ao longo da história da humanidade: da Grécia até os dias atuais
A trajetória da cidadania não corresponde a um desenvolvimento progressivo que
une o mundo antigo ao contemporâneo, pois são mundos diferentes, com sociedades
distintas e com palavras como: pertencimento, participação e direitos que assumem
sentidos diversificados (GUARINELLO, 2003).
O conceito de cidadania vem se modificando ao longo da história.
Etimologicamente, a palavra ciuis, que em latim quer dizer “ser humano livre”, gerou a
palavra ciutas: cidadania, cidade, Estado (FUNARI, 2003).
Na Antiguidade Clássica (Grécia), pertencer às cidades-estado que eram territórios
circunscritos, basicamente agrícolas, garantia indivíduos livres, com direitos e garantias
sobre sua pessoa e seus bens. A cidadania era transmitida por vínculos de sangue,
passados de geração em geração. Comunidade era sinônimo de Estado e esta não era
51
harmônica, nem igualitária, e sim escravista e desigual. Cito, por exemplo, a situação da
mulher que não tinha direitos políticos, e sim, restringida em seus direitos individuais,
tutelada e dominada pelo homem e sendo considerada membro, mas como um “membro
menor” da comunidade. (GUARINELLO, 2003). Isso faz pensar nas implicações de
gênero associadas à questão da cidadania, que pode vir a influenciar na construção das
representações sociais do objeto de estudo em questão.
Em Roma, com a unificação das cidades-estado, a cidadania podia ser obtida
através da hereditariedade; alforria ou concessão, individual ou coletiva, aos súditos do
imperador. O conjunto de cidadãos é que formava a coletividade; logo, primeiro vinha a
idéia de cidadão, diferente da Grécia em que vinha primeiro, a noção de cidade e depois
então, a de cidadão. (FUNARI, 2003).
Pode-se dizer que a cidadania antiga (Grécia) tinha um caráter exclusivista, pois
conforme diz Karnal (2003, p. 144): “o termo cidadania foi criado em meio a um processo
de exclusão. Dizer quem era cidadão (...) era uma maneira de eliminar a possibilidade de a
maioria participar, e garantir os privilégios de uma minoria”. Portanto, isso constitui uma
leitura muito diferente da que é feita atualmente, que admite tal conceito como um
processo de inclusão total (op. cit.).
Deste modo, predominava na história, os deveres em detrimento dos direitos, pois
a maior parte das pessoas tinha só deveres e apenas uma pequena parcela era dotada de
direitos. Conforme diz Bobbio (1992, p.03), foi a partir da formação do Estado Moderno
que “passou-se da prioridade dos deveres dos súditos à prioridade dos direitos do cidadão,
emergindo um modo diferente de encarar a relação política, não mais predominantemente
do ângulo do soberano e sim daquele do cidadão (...)”.
Sendo assim, na Idade Moderna, o ponto de partida para o desenvolvimento dos
direitos de cidadania localizou-se no século XVII, com a Revolução Inglesa, considerada a
52
primeira revolução burguesa da história que enfocou o respeito aos direitos do indivíduo,
como proteção de arbítrio de poder. Vale dizer que a cidadania no âmbito liberal também
tinha um caráter excludente, pois diferenciava os cidadãos com posses, dos sem posses
(MONDAINI, 2003). No entanto, a partir dessa época, o referido autor (op. cit., p.116)
ressalta que “a obscuridade de uma Era dos Deveres abre espaço para uma promissora Era
dos Direitos”.
A Idade Contemporânea foi o período em que o homem se construiu como um
sujeito de direitos, pois ocorreu o desenvolvimento dos direitos do citadino, entre o século
XVIII e XX. Pode-se citar a Independência dos Estados Unidos, em 1776, a qual trouxe
implicações que geraram para a história uma nova concepção política, promovendo
transformações importantes nos conceitos de cidadania e liberdade. Nos Estados Unidos
não existia o conceito de cidadania, mas se entendia que a liberdade individual levava à
cidadania (KARNAL, 2003).
Ainda no século XVIII pode-se destacar a Revolução Industrial que trouxe à cena
histórica o proletariado enquanto uma nova classe social, e a Revolução Francesa com os
ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, cujo apogeu foi a Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão, apresentando como primeiro artigo: “Todo homem nasce e
permanece livre e igual em direitos”. É considerada a primeira declaração a abranger o
homem como ser universal e não apenas como membro de uma sociedade em específico
(ODALIA, 2003).
O sociólogo Marshall
abordou a evolução da cidadania
na Europa centro-ocidental
estabelecendo uma relação com a
conquista de três conteúdos de
53
direitos diversos entre si: no
século XVIII, os direitos civis; no
século XIX, os direitos políticos, e
no século XX, os direitos sociais”
(MONDAINI, 2003).
Segundo Marshall8 apud
Kant de Lima (2004, p.49):
―(...) o elemento civil é composto dos direitos necessários à liberdade individual — liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé, o direito à propriedade e de concluir contratos válidos e o direito à justiça. Este último difere dos outros porque é o direito de defender e afirmar todos os direitos em termos de igualdade com os outros e pelo devido encaminhamento processual (...) as instituições mais intimamente associadas com os direitos civis são os tribunais de justiça. Por elemento político se deve entender o direito de participar no exercício do poder político, como um membro de um organismo investido da autoridade política ou como um eleitor dos membros de tal organismo. As instituições correspondentes são o parlamento e conselhos do Governo local. O elemento social se refere a tudo que vai desde o direito a um mínimo de bem-estar econômico e segurança ao direito de participar, por completo, na herança social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade. As instituições mais intimamente ligadas com ele são o sistema educacional e os serviços sociais".
Domingues (2001, p.222) faz um comentário acerca da definição dos direitos
sociais elaborada por Marshall ao compará-los com as definições dos direitos civis e
políticos. O autor afirma que a definição dos direitos sociais é “frouxa e dispersiva e
mobiliza elementos cuja articulação não é imediatamente clara. Mais importante ainda é
saber em que medida possuem, eles, caráter universal e (...) se devem ser atribuídos à
coletividade ou aos indivíduos”. Assim, fica em aberto, por exemplo, se tais direitos
devem atender a todas as pessoas, independente de classe social ou, então, só àquelas que
atravessam dificuldades sócio-econômicas.
54
De acordo com Bobbio (1992), os direitos nascem de forma paulatina e histórica,
não nascendo todos, portanto, de uma única vez, e sim quando devem ou podem nascer.
Os direitos civis têm sua origem da luta dos parlamentos contra os soberanos
absolutos e os
______________ 8 MARSHALL,T. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro, Zahar, 1967.
direitos políticos e sociais surgem dos movimentos populares.
No entanto, reporto-me agora ao cenário brasileiro, para destacar um exemplo de
que a expansão dos direitos sociais nem sempre decorreu do exercício dos direitos civis e
políticos, como foi no caso inglês, relatado por Marshall. Para explicar isso, é preciso ir
até a
época do governo de GetúlioVargas, durante o Estado Novo (1937-1945), em que houve o
cerceamento dos direitos políticos e civis, e a expansão dos direitos sociais, podendo-se
dizer que foi um investimento dos militares, a fim de acalmar “os ânimos”, isto é, evitar
possíveis revoltas populares (CARVALHO, 2002).
A fim de citar mais um exemplo de que nem sempre os direitos ocorreram em
civis, políticos e sociais, isto é, nesta respectiva ordem, me apoio em um exemplo,
situado na esfera internacional, comentado por Lima (2003, p.03):
“No plano internacional, os direitos trabalhistas (sociais) surgiram primeiro do
que os direitos de liberdade, bastando lembrar que a Organização Internacional
do Trabalho (OIT), criada logo após a I Guerra Mundial para uniformizar, em
nível global, as garantias sociais dos trabalhadores, surgiu antes da
Organização das Nações Unidas (ONU)”.
55
Os direitos também foram classificados em primeira, segunda, terceira e
quarta geração. A classificação até a terceira geração foi criada pelo jurista tcheco
Karel Vasak que buscou, metaforicamente, demonstrar a evolução dos direitos
humanos com base no lema da Revolução Francesa (liberdade, igualdade e
fraternidade). Sendo assim, a primeira geração de direitos envolve os direitos
políticos e civis (liberdade); a segunda, os direitos sociais, culturais e econômicos
(igualdade); a terceira, os direitos de solidariedade, em especial, os direitos ao
desenvolvimento, à paz, ao meio-ambiente (fraternidade). Já a quarta geração,
composta pelos direito à democracia, o direito à informação e o direito ao
pluralismo, foi desenvolvida por um professor chamado Paulo Bonavides,
considerado um grande constitucionalista brasileiro (op.cit.).
Essa abordagem de gerações de direitos remete a algumas críticas, no
sentido de que pode passar a idéia de que eles sejam reconhecidos e exercidos,
nesta ordem, ao longo da história, o que não é verdadeiro; assim como também,
pode passar a idéia de que a geração posterior surgiu porque a anterior já se
consolidou ou porque houve uma substituição gradativa de uma geração pela outra.
É necessário entender que os direitos se interligam e se completam, e que na
verdade, não há hierarquia (op.cit).
Neste momento, trago um comentário de Bobbio (1992) que favorece
compreender melhor a dinâmica dos direitos, na medida em que uma coisa é ter um
direito proclamado, outra é poder desfrutar deste direito. Sendo assim, é como se a
linguagem dos direitos emprestasse uma força particular às reivindicações dos
movimentos que demandam para si e para os outros, a satisfação de necessidades
materiais ou morais; exercendo, portanto, uma função prática.
56
Por outro lado, Bobbio (op.cit.) prossegue dizendo que esta linguagem pode
vir a se tornar enganadora, caso obscureça ou esconda a diferença entre o direito
reivindicado e o direito reconhecido e protegido. Ele atenta para a importância em
se estabelecer as condições para que os direitos proclamados sejam realizados,
pois não basta acreditar que por ser uma meta desejável, tais condições sejam
efetivadas. É preciso reconhecer que muitas das condições necessárias não estão
no âmbito da boa vontade dos dirigentes do governo, e sim, às vezes dependem de
uma mudança estrutural no cenário sócio-político-econômico de um país, para
tornar possível a proteção dos direitos desejados.
À medida que os direitos são enunciados, independente do seu maior ou
menor poder de convicção de seu fundamento, quando se passa para a ação,
mesmo com um fundamento não-questionável, podem vir a surgir as restrições e as
oposições. Daí, pode-se dizer que ―o problema fundamental em relação aos direitos
do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um
problema não filosófico, mas político‖ (op. cit., p.24).
Há um avanço no campo internacional, na conquista dos direitos de
cidadania, e Pitanguy (1998) retrata isso ao citar, na década de 90, a Conferência
Internacional sobre Meio-Ambiente, que ocorreu no Rio de Janeiro, em 1992; a
Conferência sobre Direitos Humanos, ocorrida em 1993, em Viena; e a Conferência
sobre População e Desenvolvimento, no Cairo, em 1994; e sobre Mulher e
Desenvolvimento, no ano de 1995, em Beijing. De acordo com a autora, isso mostra
um avanço na especificação e universalização de direitos reconhecidos
internacionalmente como já havia sido indicado por Bobbio.
Compartilho das idéias de Bobbio (1992, p.01) quando afirma que abordar os
direitos humanos implica em falar de democracia e de paz, sendo esta ―o
57
pressuposto necessário para o reconhecimento e a efetiva proteção dos direitos do
homem em cada Estado e no sistema internacional‖, pois ―sem direitos do homem
reconhecidos e protegidos, não há democracia; sem democracia, não existem as
condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos‖. O referido autor discute
democracia como não sendo governo do povo e sim governo de cidadãos, pois a
palavra povo não delimita que parcela de indivíduos está sendo englobada. E na
verdade, as decisões coletivas são tomadas por indivíduos singulares que vivem em
sociedade.
Concluo, então, com as palavras de Pinsky (2003, p.10) ao afirmar que
cidadania ― é a expressão concreta do exercício da democracia‖.
58
Capítulo II
Metodologia
A TRAJETÓRIA DO ESTUDO
Tipo de estudo e abordagem metodológica
Neste momento,
comentarei os caminhos que
percorri para compreender o objeto
deste estudo – as representações
59
sociais da cidadania pelos
usuários de um serviço
ambulatorial de saúde.
A escolha por tal objeto
direcionou para uma pesquisa
descritiva, de natureza
qualitativa, haja vista que Spink
(1995b, p.103) coloca que:
“a pesquisa sobre as Representações Sociais estando comprometida com
situações sociais naturais e complexas - requisito imprescindível para que sejam
acessadas as condições de sua produção -, é necessariamente uma pesquisa
qualitativa”.
A pesquisa foi realizada
em uma Policlínica Comunitária
situada na cidade de Niterói –
Rio de Janeiro e os sujeitos foram
os usuários desta referida
unidade. Na verdade, conforme já
falei anteriormente, não enfoquei
qualquer usuário desta unidade, e
sim os que fazem parte de um
grupo de educação em saúde
voltado para pessoas com
hipertensão e diabetes mellitus,
que são doenças crônico-
60
degenerativas. É importante
comentar que estas pessoas estão
exercendo o direito à saúde, o
direito à informação sobre a saúde
e o direito à assistência de
enfermagem, na medida em que
participam de um grupo de
educação em saúde o qual é
promovido por um trabalho de
extensão da Escola de
Enfermagem Aurora de Afonso
Costa (EEAAC) da Universidade
Federal Fluminense (UFF) desde
1996 .
No que diz respeito à
composição da rede de serviços de
saúde, uma policlínica de saúde
corresponde à atenção secundária.
No entanto, a policlínica em
questão apresenta um caráter
misto, pois corresponde à atenção
primária em saúde - nível que é
representado pelo atendimento
médico em clínica médica,
pediatria e gineco-obstetrícia, de
caráter ambulatorial, constituindo
61
a “porta de entrada” do sistema de
saúde - atende à população que
não é coberta pelo Programa
Médico de Família (PMF) em
Niterói; e também corresponde à
atenção secundária em saúde, por
apresentar serviços médicos
especializados ao nível
ambulatorial como cardiologia,
reumatologia, dermatologia,
psiquiatria, neurologia, geriatria,
endocrinologia, alergologia,
pneumo-tisiologia, homeopatia e
acupuntura. Seu funcionamento é
de segunda à sexta-feira, no
horário de 8 às 17 h, e os serviços
oferecidos são: consultas médicas,
enfermagem, serviço social,
psicologia, nutrição,
fonoaudiologia, fisioterapia,
terapia ocupacional, grupos de
educação em saúde, atendimento
em terapias alternativas como o
Reiki, por exemplo.
Meu interesse pelas
pessoas que participam deste
62
grupo de educação em saúde é
porque ao longo de minha
experiência enquanto discente e
profissional, percebi que as
doenças crônico-degenerativas, de
um modo geral, impõem certas
limitações. Muitas vezes, tais
limitações não se restringem
apenas à esfera física, mas
também contribuem para que
estas pessoas enfrentem
dificuldades para exercer a
cidadania. As pessoas com
hipertensão arterial e diabetes,
por exemplo, precisam ter um
acompanhamento médico com uma
determinada freqüência, o que
exige gastos com o transporte para
ir até à unidade de saúde. Na
medida em que uma pessoa sabe
que tem direito à gratuidade do
transporte e passa a exercê-lo,
suas economias podem ficar mais
disponíveis para outras questões
necessárias, como a compra de
medicamentos, entre outras.
63
Portanto, elegi este grupo
por considerar que nele a questão
da cidadania afloraria nas
discussões em quantidade e
qualidade para os objetivos da
pesquisa em tela.
Como critério de seleção
dos sujeitos tracei, então, os
seguintes: 1) Deveriam ser
adultos, com a comunicação
verbal preservada; 2) Deveriam
integrar o grupo de educação em
saúde voltado para pessoas que
apresentam diabetes mellitus e
hipertensão arterial; 3) Deveriam
aceitar participar da pesquisa.
As reuniões do grupo
ocorrem quinzenalmente, pela
manhã, com duração de
aproximadamente uma hora e
meia, e contam com a participação
de alunos da Escola de
Enfermagem da Universidade
Federal Fluminense, pois o local
funciona como um campo de
estágio para eles.
64
Desde o momento em que
fui convidada a participar de uma
palestra em junho de 2005, passei
a comparecer às reuniões a fim de
criar uma aproximação com as
pessoas deste grupo. Penso que a
convivência possibilitou que elas
me conhecessem mais,
proporcionando que fosse
adquirida confiança, elemento que
foi importante para a coleta de
dados. E para mim, foi
importante para que eu pudesse
me aproximar do fenômeno a ser
investigado.
Utilizei a entrevista
semi-estruturada como técnica
para a obtenção de dados.
Primeiramente, fiz uso de um
roteiro que permitiu traçar o perfil
sócio-demográfico do grupo
(APÊNDICE A). Isto é
necessário, na medida em que a
representação social trabalha com
a forma de pensamento dos grupos
sociais. Então, é importante
65
identificar a pertença social do
grupo para que se possa entender
a sua representação, pois as
pessoas pensam à luz da sua
formação sócio-cultural, de acordo
com o contexto vivenciado. Em
seguida, fiz perguntas abertas
(APÊNDICE A), com o fim de
facilitar os dizeres dos sujeitos.
Sabendo que a literatura
de metodologia da pesquisa
recomenda que seja feito o teste-
piloto com o instrumento a fim de
aprimorá-lo para a coleta de
dados, este foi realizado com três
entrevistados (2 mulheres e 1
homem). A análise do material
gerado após a aplicação do teste-
piloto indicou a necessidade de
inserção de mais duas perguntas,
a de número 6 e 11 e, também, a
mudança da palavra “qualidade”
para “característica” na pergunta
número 4, uma vez que quando
foi perguntado aos três sujeitos
sobre as “qualidades” do cidadão,
66
foi necessário esclarecer que, na
pergunta, a palavra “qualidades”
assumia o sentido de
“características”. Então, após este
esclarecimento, os sujeitos
demonstraram terem entendido a
pergunta e responderam a
questão.
Como não houve
mudança estrutural - nem da
forma e nem do conteúdo das onze
perguntas constantes do roteiro
original aplicado no teste, optei
por não desprezar os conteúdos
gerados pelas entrevistas destes
três participantes, mas sim
retornar a eles para fazer as duas
perguntas que foram
acrescentadas posteriormente: a
de número 6 e 11.
O projeto foi submetido
ao Comitê de Ética em Pesquisa
da Escola de Enfermagem Anna
Nery e Hospital Escola São
Francisco de Assis (HESFA) /
UFRJ. Antes da coleta de dados
67
ser iniciada, foi solicitada
autorização à policlínica em
questão (APÊNDICE B). Após a
aprovação pela direção da
unidade de saúde e por tal Comitê,
apresentei aos sujeitos que
aceitaram participar da pesquisa,
o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE) –
(APÊNDICE C), de acordo com a
Resolução 196/96-MS, pois
assim, assumia meu compromisso
ético na pesquisa. Procurava ler
junto com os clientes o TCLE,
antes da entrevista, a fim de
esclarecer a eles possíveis dúvidas
que poderiam vir a apresentar. As
entrevistas foram gravadas em
fitas magnéticas e transcritas na
íntegra, logo após a sua
realização. Foram usados nomes
fictícios, escolhidos pelos próprios
entrevistados para identificá-los,
preservando sua identidade.
68
Operacionalização da coleta dos
dados
As entrevistas aconteceram nas
dependências da própria
policlínica, nos meses de março,
abril e maio de 2006. Todos os
clientes foram entrevistados com
um prévio agendamento, de modo
que procurava marcar as
entrevistas sempre pensando em
aproveitar os momentos em que
cada cliente já se encontrava na
políclinica em virtude de algum
atendimento em saúde, para então
entrevistá-lo, posterior ou
anteriormente ao atendimento, de
acordo com a preferência deles.
No final de 2005, eu já havia
conversado com a enfermeira que é
vice-diretora da policlínica, sobre
os possíveis locais onde poderia
fazer as entrevistas na unidade.
De acordo com ela, eu poderia
usar o auditório, quando estivesse
disponível, ou então alguma sala
de atendimento médico que
69
estivesse vazia. Destaco, então,
que quando eu chegava à unidade
para realizar as entrevistas,
recebia sempre ajuda de vários
funcionários, desde o diretor da
policlínica até o pessoal que
trabalha em serviços gerais, para
encontrar um lugar onde pudesse
ter privacidade para realizar as
entrevistas. Havia uma
preocupação destas pessoas em
proporcionar silêncio nos
momentos em que as entrevistas
estivessem em curso. Esse
ambiente acolhedor ajudou muito
para um prosseguimento tranqüilo
das entrevistas.
Os entrevistados foram
pontuais com os dias e horários
estabelecidos para a entrevista, e
a maioria das pessoas aceitou a
gravação, de modo que apenas
uma depoente preferiu que seu
depoimento fosse escrito e não
gravado. Antes do início da
gravação, a maioria dos
70
entrevistados relatou a
preocupação em não querer
atrapalhar meu estudo, pois
tinham medo de responderem
errado às minhas perguntas, na
medida em que consideravam não
terem grau de escolaridade
suficiente para participar de um
estudo universitário. Nas
primeiras respostas, ficavam
ansiosos para saber se estavam
respondendo certo ou não. Então,
expliquei que meu objetivo era
ouvi-los e pedi que eles
expressassem o seu saber, a sua
opinião sobre o que lhes estivesse
sendo perguntado. Expliquei,
ainda, que não havia opinião
certa e opinião errada, mas sim
pluralidade de saberes9 e que
todos eram importantes.
O grupo conta com trinta
e cinco (35) pessoas inscritas, das
quais vinte e três (23) são
mulheres e doze (12) são homens.
A idade dos membros varia entre
71
dezessete (17) e oitenta e dois (82)
anos. A média de presença em
cada reunião é em torno de dez
(10) a vinte (20) pessoas, as quais
não são sempre as mesmas,
variando ao longo do ano.
Para efeito desta
pesquisa, foram feitas vinte (20)
entrevistas, sendo cinco (5) com
homens e quinze (15) com
mulheres. Nas reuniões, as
mulheres são mais assíduas que os
homens. Isto explica o fato de o
número de mulheres participantes
do grupo ser duas vezes maior em
relação ao número de homens.
Neste sentido, a participação
dos sujeitos, nesta
______________
9A explicação sobre a “pluralidade de
saberes” foi dada aos sujeitos em
linguagem acessível a eles.
pesquisa, também obedeceu à
relação de predominância de
mulheres, pois participaram o
triplo de mulheres em relação ao
72
número de participantes de
homens.
Portanto, não foi
possível apresentar quantidades
iguais ou aproximadas de homens
e mulheres, de modo que
possibilitasse a caracterização das
representações conforme o sexo,
discutindo à luz do conceito de
gênero.
Organização, análise e
interpretação dos dados
Os dados provenientes do
instrumento de coleta de dados
sobre o perfil sócio-demográfico
foram organizados em tabelas e
sofreram análise estatística por
freqüência simples e percentual
(APÊNDICE D). Este
investimento foi feito no sentido
de se obter a expressão
quantitativa das características
do grupo com o objetivo de
subsidiar a análise qualitativa
73
emergente dos conteúdos das
entrevistas.
Para analisar os dados
verbais foram aplicadas as
técnicas de análise de conteúdo,
do tipo temática. Bardin (2003,
p.105-106) diz que:
“Fazer uma análise temática, consiste em descobrir os „núcleos de sentido‟ que
compõem a comunicação e cuja presença, ou freqüência de aparição podem
significar alguma coisa para o objectivo analítico escolhido.(...). O tema é
geralmente utilizado como unidade de registro para estudar motivações de
opiniões, de atitudes, de valores, de crenças, de tendências, etc.”
Deste modo, os trechos
transcritos foram organizados por
temática, passando em seguida,
para o processo de categorização,
agrupando-os de acordo com a
freqüência de aparições dos temas.
Rodrigues e Leopardi (1999)
consideram a análise temática
como transversal, na medida em
que não é voltada para a dinâmica
e para a organização, mas para a
freqüência dos temas extraídos
dos discursos.
Bardin (2003) destaca os
três pólos cronológicos em que as
74
diferentes fases da análise de
conteúdo são organizadas, que
são: a pré-análise; a exploração do
material; e o tratamento dos
resultados obtidos, a inferência e
a interpretação.
Assim, ao coletar o
material, escutei e transcrevi as
entrevistas, fazendo então uma
leitura flutuante, de modo a
intercalar a escuta do material
gravado com a leitura do material
transcrito a fim de tornar a escuta
mais apurada, possibilitando,
então, que os temas fossem
aflorados de forma que os
investimentos afetivos emergissem
(SPINK, 1995a).
Portanto, diante do
objeto de estudo - as
representações sociais da
cidadania pelos usuários de um
serviço ambulatorial de saúde -
passei a separar os depoimentos,
de acordo com as unidades de
significação identificadas,
75
procurando descobrir os núcleos de
sentido que compunham a
comunicação, onde a presença ou
freqüência dos mesmos pudesse
significar algo para o objeto em
questão.
Ainda sobre o rigor da
análise, Arruda (2005, p.240)
destaca que “a interpretação não
se encerra na leitura dos próprios
dados. Ela precisa sorver o ar da
cultura, da história e da
circunstância em que eles foram
gerados”.
Sendo assim, é preciso
entender que a contextualização
não diz respeito apenas àquilo que
envolve o cenário da pesquisa de
modo imediato. Portanto, não
envolve uma única dimensão e sim
várias dimensões estruturais como
histórica, sócio-econômica,
política, cultural e outras (op.cit.).
A interpretação não se
constitui em algo fechado em si
própria, podendo se abrir a outros
76
olhares, de forma que os dados
possam ser mostrados sob uma
outra luz. Logo, um estudo
desenvolvido em um determinado
momento, pode ser modificado
daqui a algum tempo, ou também
pode ser modificado caso seja
vivenciado em um outro contexto,
por exemplo. Isto faz parte do
caráter dinâmico da interpretação,
como também faz parte do
processo de mudança, de
amadurecimento de quem pesquisa
e analisa (op.cit.).
Após os procedimentos
técnicos de análise, o material foi
organizado em três grandes linhas
que se desdobraram em categorias
e subcategorias conforme
explicitado a seguir:
1agrande linha:
DETERMINANTES DA
CIDADANIA
Dimensão valorativa;
Dimensão normativa;
77
O normativo e o valorativo implicados na construção das tipologias dos cidadãos.
2agrande linha: ORIGEM DA CIDADANIA
Intrínseca (dimensão valorativa);
Extrínseca (dimensão valorativa ou normativa).
3agrande linha: RELAÇÃO ENTRE CIDADANIA E SAÚDE
A expressão da cidadania na saúde:
- Saúde como bem-estar físico que se expressa na atividade do corpo
(dimensão valorativa-afetiva);
- Saúde como direito de todos, privilégio de alguns e dever do Estado
(dimensão normativa);
- Saúde como um serviço médico (dimensão normativa).
A expressão da cidadania no atendimento dos serviços de saúde:
- Interação entre usuários e profissionais de saúde (dimensão valorativa-
afetiva);
- Atendimento dos serviços de saúde como direito/dever (dimensão normativa).
A fim de melhor conduzir a organização das categorias, a interpretação e discussão
dos resultados, foram elaborados quadros (A, B e C) com o mapeamento temático dos
conteúdos por sujeito (APÊNDICE E).
80
Descrição do perfil dos sujeitos
Os sujeitos do estudo foram
vinte (20), sendo cinco (5) homens e
quinze (15) mulheres. Apresentaram
idade variável entre vinte e quatro
(24) e oitenta e dois (82) anos para
as mulheres, com predominância da
faixa etária de sessenta (60) a
setenta (70) anos. Os homens
apresentaram idade variável entre
cinqüenta e seis (56) e setenta e sete
anos (77), com predominância de
setenta (70) a oitenta (80) anos
(APÊNDICE D, tabela1).
81
A predominância do número
de mulheres - na faixa de 60 a 70
anos - neste estudo merece algumas
considerações. Em sua tese de
doutorado, Sá (2004) identificou que
o número de mulheres idosas que
procuram por um atendimento em
saúde é maior do que o de homens e
que as mulheres idosas procuram
programas em saúde direcionados
para faixa da terceira idade mais
cedo do que os homens, pois
objetivam melhorar a própria
qualidade de vida.
Ao longo da história, a
mulher foi educada para cuidar de
outros na esfera familiar. E isto não
se deu por acaso, mas em resposta ao
movimento de urbanização e
industrialização, que levou a
moradia familiar a deixar de ser um
lugar de geração de renda, tornando-
se um local de domicílio e consumo.
Sendo assim, o trabalho doméstico
realizado pela mulher não é
considerado como ocupação
82
econômica, e sim apenas uma
atividade privada. Tal atividade
passa a ser entendida como uma
vocação natural do sexo feminino,
que é ser mãe e esposa (MORAES,
2003). Portanto, mantenedora da
ordem do lar e cuidadora da família,
a ela cabe, então, desenvolver com
mais propriedade este “modo de ser”
cuidadora, e isto se reflete na sua
participação nos serviços de saúde.
Debret apud Sá (op.cit, p.
97) afirma que “no Brasil, os
programas para idosos têm
mobilizado sobretudo as mulheres,
tendo a participação masculina
dificilmente ultrapassado os 10%”.
Neste momento, vale
acrescentar que de acordo com o
censo 2000 ( IBGE, 2002):
“em 1991, as mulheres correspondiam a 54% da população de idosos, passando
para 55,1% em 2000 (...). Tal diferença é explicada pelos diferenciais de
expectativa de vida entre os sexos, fenômeno mundial, mas que é bastante
intenso no Brasil, haja vista que, em média, as mulheres vivem oito anos mais
que os homens”
Deste modo, abordar questões
de gênero envolve compreender
83
que tal conceito tem a ver com a
“cultura social de papéis sexuais
estabelecidos pela sociedade”
(PADILHA; VAGHETTI;
BRODERSEN, 2006, p.293).
Sendo assim, gênero não
representa algo fixo, imutável e
sim, capaz de se transformar,
conforme as modificações pelas
quais passam as relações sociais.
A predominância da
terceira idade neste grupo, exige
que se teça alguns comentários.
Estes clientes são integrantes de
um grupo de educação em saúde,
que ocorre às quartas-feiras, às
nove horas, quinzenalmente, com
duração de uma hora e meia, no
auditório da referida policlínica.
Penso que o horário em
que se dá a reunião não favoreça a
maioria das pessoas que
trabalham, possibilitando maior
freqüência das pessoas que não
estão trabalhando, como é o caso
das pessoas aposentadas ou das
84
que recebem algum tipo de amparo
assistencial pela previdência
social ou daquelas que trabalham
em horários vespertino ou noturno
ou que trabalham por conta
própria e, portanto, podem dispor
melhor da sua carga horária.
No que diz respeito à
situação que gera fonte de renda
dos entrevistados, pode-se dizer
que quatro (4) homens estão
aposentados por tempo de serviço
e um (1) faz parte do mercado de
trabalho informal. Este não é
considerado como autônomo,
porque mesmo exercendo atividade
profissional por conta própria,
sem vínculo empregatício, ele não
é cadastrado pelo órgão
representativo da sua classe de
trabalho e não paga ao Instituto
Nacional de Previdência Social
(INPS). Portanto, classifica-se
como trabalhador informal o qual
presta serviços sem documentação
85
ou qualquer tipo de registro
(BRASIL, 2006a).
Das mulheres, cinco (5)
recebem pensão proveniente do
marido já falecido; duas (2) estão
aposentadas por tempo de serviço;
uma (1) aposentada por idade –
aposentadoria concedida às
mulheres com mais de 60 anos e
homens com mais de 65 anos, após
terem contribuído para a
Previdência Social com um
determinado número de
contribuições; uma (1) recebe o
chamado amparo assistencial ao
idoso - benefício concedido a quem
tem mais de 65 anos e uma renda
mensal per capita inferior a um
quarto do salário mínimo e não
teve condições de contribuir para
a Previdência Social (BRASIL,
2006a); uma (1) é dona-de-casa;
três (3) são trabalhadoras
autônomas e duas (2) com vínculo
empregatício – trabalho em
serviços gerais e como empregada
86
doméstica (APÊNDICE D,
tabela 5).
Sobre o valor da renda
mensal, os entrevistados, de uma
maneira geral, preferiram falar
sobre a renda própria e não sobre
a renda familiar, pois alegaram
não saberem o salário dos
familiares com quem moram.
Portanto, dos cinco (5) homens
entrevistados: três (3) recebem até
dois salários mínimos; dois (2)
recebem de cinco a sete salários
mínimos. Das mulheres, dez (10)
recebem de um a dois salários e
meio; três (3) recebem de três a
quatro salários mínimos, uma (1)
recebe dez salários mínimos e
apenas uma (1) relatou não
possuir renda própria vivendo da
renda da família com quem mora,
estimada em torno de dez salários
mínimos (APÊNDICE D, tabela
6).
No que tange ao estado
civil, três (3) homens são casados,
87
dois (2) são divorciados. Três (3)
mulheres são casadas, cinco (5)
solteiras, cinco (5) viúvas e duas
(2) divorciadas (APÊNDICE D,
tabela 2).
Acerca do grau de
instrução dos entrevistados, três
(3) homens apresentam o ensino
fundamental incompleto, pois
estudaram somente até a quarta
série; e dois (2) apresentam curso
universitário incompleto. Uma (1)
mulher não tem escolaridade –
informou não saber ler nem
escrever; sete (7) mulheres
cursaram até a quarta série do
ensino fundamental; duas (2) têm
o ensino fundamental completo;
três (3), o ensino médio; e duas
(2), o curso universitário completo
- psicologia e pedagogia
(APÊNDICE D, tabela 3).
Abordando a questão da
religião, dois (2) homens são
católicos praticantes - o que
significa freqüentar a missa uma
88
vez por semana, geralmente aos
domingos; um (1) é evangélico;
um (1) faz parte dos Mórmons; e
um (1) refere não ter religião, mas
diz ser místico e ter fé em Deus.
Dentre as mulheres, uma (1) é
católica praticante; oito (8) são
católicas não-praticantes -
freqüentam pouco ou raramente a
missa aos domingos; duas (2)
evangélicas, uma (1) é testemunha
de Jeová; uma (1) é kardecista; e
duas (2) referem não ter religião,
mas têm fé em Deus
(APÊNDICE D, tabela 4).
Sobre a participação em
organizações associativas e/ou
religiosas, apenas dois (2) homens
e duas (2) mulheres informaram
participar de organizações
religiosas - evangélica, mórmons,
testemunha de Jeová e kardecista
- as quais possuem objetivos
voltados para ajudar as pessoas
com muitas dificuldades sócio-
econômicas. Nenhum
89
entrevistado participa de
sindicato, de partido político ou
de algum outro tipo de associação
que não fosse religiosa
(APÊNDICE D, tabela 7).
Acerca do local de
moradia, todos os entrevistados
disseram morar em local com
saneamento básico. Dentre estes,
um homem e uma mulher
relataram morar em favelas, as
quais, para eles, apresentam
condições habitacionais
satisfatórias.
92
Apresentação e análise dos
depoimentos
Para que se possa melhor
conduzir a análise dos depoimentos,
faz-se importante destacar que a
primeira pergunta feita aos
depoentes partia do substantivo
“cidadania” com o intuito de que os
sujeitos falassem livremente sobre
este “objeto”. No entanto, a maioria
dos sujeitos (15) desenvolveu o
pensamento dissertando sobre a
qualificação da pessoa como cidadã.
Isto pode ser devido ao fato de que a
palavra “cidadania” remeta a algo
abstrato que se concretiza no
exercício da vida cotidiana,
objetivando-se na vivência do
sujeito.
Os sujeitos foram
construindo o pensamento, partindo
das suas experiências prévias e, neste
percurso, levantaram os atributos de
um cidadão que, em linhas gerais,
configuraram-se como determinantes
da cidadania. Identifica-se, nos
93
depoimentos, que a construção da
representação dos sujeitos sobre a
cidadania passa por um julgamento
moral sobre a pessoa cidadã. Tal
julgamento pode ser entendido numa
perspectiva valorativa e/ou
normativa, chamada por Bobbio
(2002) de ética das virtudes e éticas
das regras, respectivamente. Ou seja,
na representação dos sujeitos, para
ser considerado “cidadão” é preciso
preencher determinados requisitos de
cunho valorativo e/ou normativo.
As representações dos
sujeitos foram organizadas em duas
grandes linhas que agruparam por
um lado, os determinantes da
cidadania, e por outro, explicaram a
sua origem.
No que tange aos
determinantes da cidadania, a
análise dos depoimentos levou,
então, à identificação das referidas
dimensões: valorativa e normativa.
É importante dizer que na
construção da idéia sobre cidadania,
94
todos os sujeitos (20) marcaram suas
falas com a dimensão valorativa,
pois seis (6) sujeitos trouxeram
somente a marca da ética das
virtudes e os quatorze restantes (14),
a marca da dimensão normativa, – a
ética das regras -, que apareceu
sempre em co-ocorrência com a ética
das virtudes.
Neste sentido, de acordo
com o que pensam os sujeitos desta
pesquisa, o exercício da
cidadania passa, obrigatoriamente,
pela dimensão valorativa, o que nos
faz levantar a hipótese de que esta é
uma marca importante da cidadania
e do que é ser cidadão.
No que se refere à origem da
cidadania, esta pode ser inerente à
pessoa, ou “algo” a ser conquistado
ou recebido “de fora”. Dezesseis (16)
sujeitos veicularam a idéia de que a
cidadania vem “de fora”, ou seja, é
extrínseca ao sujeito; três (3) sujeitos
comunicaram que esta vem de
dentro, sendo intrínseca a eles, e um
95
(1) sujeito informou não saber
responder. Vale ressaltar que nesta
categoria não houve co-ocorrência
dos temas, ou seja, cada “fonte” –
extrínseca ou intrínseca – apareceu
sozinha nos depoimentos dos
sujeitos.
DETERMINANTES DA
CIDADANIA
As implicações do julgamento
moral na formação da representação
social sobre o que é ser cidadão.
Dimensão valorativa – “As
marcas da dimensão valorativa
na construção da idéia de
cidadania”.
Na dimensão valorativa,
o sujeito é entendido como
cidadão na medida em que ele
apresenta atributos como
solidariedade, responsabilidade,
bondade, amizade, honestidade e
respeito ao se relacionar com o
outro. Todos os sujeitos
trouxeram a dimensão valorativa
96
na construção da idéia de
cidadania.
Os entrevistados falaram
muito em solidariedade, isto é, em
ajudar uns aos outros. Habermas
apud Oliveira; Oliveira (1996, p.
117) diz que a solidariedade
"postula empatia e benevolência
para o bem-estar do próximo
(Solidariedade se refere ao bem-
estar dos membros de uma
comunidade que compartilham
intersubjetivamente o mesmo
mundo vivido)". Sendo assim, a
dimensão valorativa equivale a
propriedades (atributos)
individuais que se manifestam
nas relações interpessoais.
Penso que as dificuldades
sociais que o Brasil, de um modo
geral, vem atravessando, acaba
propiciando que as pessoas sintam
a necessidade de se ajudarem
reciprocamente. Além disso, o país
vivencia também o que se pode
chamar de uma crise moral,
97
cotidianamente veiculada nos
meios de comunicação. De acordo
com uma pesquisa do Centro de
Pesquisa e Documentação de
História Contemporânea do
Brasil (CPDOC) da Fundação
Getúlio Vargas (FGV), no Rio de
Janeiro, para 79% dos brasileiros
a corrupção é a marca registrada
do serviço público (HELENA E
GRIPP, 2005).
Helena e Gripp (op.cit.)
referem um estudo desenvolvido
pela Pesb (Pesquisa Social
Brasileira) sobre o que pensa o
brasileiro acerca da cidadania,
participação e instituições
políticas. Este estudo revelou que
os entrevistados consideraram
como fundamental ajudar pessoas
em situação pior do que a sua
(dimensão valorativa), assim
como obedecer às leis (dimensão
normativa) (op.cit.).
Os dados da pesquisa ora
realizada reiteram este resultado,
98
pois ao falarem sobre a cidadania,
os sujeitos desta pesquisa
empregaram palavras que
remetem à dimensão valorativa
da cidadania. A seguir, as falas
de depoentes que expressam a
dimensão valorativa na
construção da idéia do que é
cidadania:
Cidadania é a respeito da amizade,
eu suponho isso, do conhecimento
das pessoas, é a ligação reforçada
que leva à amizade; bem, eu suponho
que seja assim. (...) cidadania tem a
ver com a amizade, o
companheirismo, da maneira que a
pessoa conversa [olha para o chão
com expressão pensativa](...).O
exercício da cidadania é lidar com as
pessoas, umas com as outras, mas
sempre com aquela seriedade (...)
tratar o outro com respeito e não
apenas querer ser tratado. (Patricio)
(...) cidadão, acho que tem que cooperar com o outro, ajudar, né? Eu acho que é por aí, né?
Cidadania é isso, é cooperação.. é por exemplo, um grupo assim, que se junta; cidadão, cidadania é
o todo, né? [risos](...) Eu acho que tem que ter um bom caráter, uma pessoa boa, né, boa índole,
pessoa que saiba ajudar os outros, né? (Neuza)
(...) como ser honesto é um ato de cidadania.(...) é ser educado, de um modo geral com as pessoas
com quem vive, isso é que é importante. Ajudar o próximo, né? Se você pode ajudar, por que não?
(...) tem que ser uma pessoa correta, de integridade moral. (Marta)
99
Olha, eu acho que cidadania é a pessoa ter respeito pelas pessoas idosas; é você chegar num lugar e
a pessoa te dar atenção, você procurou um hospital e a enfermeira te tratar com carinho, com
delicadeza, com amor, entendeu?(...). (Maria)
Ser cidadão é um homem, é uma pessoa, né?.. É íntegro, né? (...) Ser honesto...(...) Saio com a
cabeça erguida em qualquer parte, entro no comércio pra fazer uma compra com aquele orgulho, eu
sou um cidadão! (...) minhas mãos são limpas, meu pensamento maravilhoso, pensa bem, não é de
prejudicar o próximo, é amar todos igual, não é isso? Isso que eu acho, eu acho não, isso que é uma
cidadania. É uma pessoa fazer bem ao outro, atender bem as pessoas, né? Ser humilde, né? Não ter
preconceito.(..) as características... do homem, ele tem que provar, em primeiro lugar.. que ele é um
homem digno (...). (João)
É ser sério, ser honesto com o próximo, com a outra pessoa (...). (D. Maria B.)
(...) poder ajudar as pessoas no que for possível, né? (Zizi)
[Fica em silêncio com o braço direito apoiado na mesa segurando o queixo]. É a pessoa que vive na
sociedade, que faz alguma coisa pra ajudar, isso que eu acho que é ser cidadão, pra ajudar o
próximo. (Matilde)
Pra mim ser cidadã é.. deixa eu ver, eu acho que é ser uma pessoa boa (...) é uma pessoa que não
faz maldade, que só faz as coisas por..., que pensa no próximo, não pensa só em você, que gosta de
ajudar os outros (..) ser honesto, é trabalhador (...). (Neide)
Nesta concepção valorativa, observa-se que os sujeitos falam sempre do ponto de
vista afetivo – “ser cidadão é ajudar o próximo”, “ser uma pessoa boa” - de modo que se
pode dizer que a dimensão valorativa é também afetiva.
Penso em comentar tal concepção levantando a idéia de que os depoentes estejam
voltados para o “mundo da pessoa” – que corresponde aos sentimentos, à relação baseada na
afeição, em detrimento do “mundo do indivíduo” – que corresponde ao mundo das leis, da
relação impessoal, de acordo com DaMatta apud Souza (2001). Assim, o cidadão é aquele
que mantém relações baseadas no afeto para poder garantir sua forma de estar e lidar bem
com o mundo no dia-a-dia.
Desta forma, remeto tais considerações à Holanda (1995) quando fala do “homem
cordial” que se porta com o outro de forma pessoal e íntima, de modo que tal cordialidade
representa um traço definido do caráter brasileiro.
100
Por outro lado, o fato da visão valorativa, que é afetiva, emergir com muita força
nesta pesquisa, possibilita que se levante a hipótese de que esta marca nos depoimentos pode
ser um aspecto de ancoragem relacionado ao ideário cristão que marca a religiosidade
majoritária dos sujeitos. Outra questão que pode ser levantada está relacionada à faixa etária
dos sujeitos, que é bem específica – os idosos.
Sá (2004), ao estudar a representação social da velhice pelos idosos, aponta que
palavras como carinho, ajuda e atenção, por exemplo, marcam significativamente os
depoimentos dos sujeitos, e implicam na valoração que os idosos dão à relação com o outro,
fazendo emergir o cunho afetivo nas suas representações.
O medo de serem excluídos, o qual se sobrepõe a qualquer outro tipo de medo, como
o da morte, por exemplo, faz com que as relações interpessoais sejam muito importantes
nesta faixa etária. (CAPITANINI apud SÁ, op.cit.). Este medo da exclusão pode ter como
explicação o fato de vivermos em uma sociedade de consumo que valoriza a juventude em
detrimento da velhice, que passa, então, a ser discriminada e excluída, na medida em que não
atende aos padrões de beleza culturalmente impostos, assim como também, não é produtiva
no setor econômico (ASSIS, 1998).
Sem contar que há também o medo de se ficar sozinho nesta faixa etária, pois o idoso
acaba lidando com a independência dos filhos – saída do lar, a falta do contato social no
trabalho que não tem mais, a viuvez, enfim condições que trazem para eles a proximidade da
solidão.
Por falar em solidão, retorno a Holanda (1995, p.147), quando fala que “ „no homem
cordial‟, a vida em sociedade é, de certo modo, uma verdadeira libertação do pavor que ele
sente em viver consigo mesmo”. Portanto, este homem que tem o afeto como mediador de
suas relações, simultaneamente, expressa medo da solidão. Nesta obra de Holanda (op.cit.),
não há referência de qual grupo social este homem pertence.
101
É preciso, então, atentar que questões referentes à afetividade fazem parte da
condição humana, podendo se manifestar em qualquer faixa etária.
Deste modo, foi feito um investimento na busca bibliográfica no sentido de melhor
situar esta questão a fim de confirmar a hipótese levantada em relação ao perfil geracional
dos sujeitos. Entretanto, não foi possível encontrar elementos que possam garantir a
afirmação de que a presença forte da dimensão afetiva seja de fato uma marca desta geração
- dos idosos.
Nesse sentido, seria interessante que um estudo semelhante a esse fosse feito com
uma geração mais jovem para que se pudesse, a partir da comparação interna dos resultados,
confirmar ou refutar a hipótese que ora está sendo levantada.
Ainda na perspectiva da ajuda ao próximo, que marcou os depoimentos dos sujeitos,
destaca-se como exemplo de objetivação, quando uma (1) depoente explica o que é
cidadania, personificando-a, lidando com ela como algo tangível:
(...) minha filha, ela fez um curso de cabeleireiro, e de vez em quando a cidadania chama ela pra ir
nos lugares, ajudar as pessoas do morro. (Miriam)
Neste caso, a depoente referiu-se a um projeto social que é propagado pela mídia, o
qual proporciona atividades que são consideradas como representativas da promoção da
cidadania, com oferta de serviços como corte de cabelo, por exemplo.
Ao falar da cidadania e de quem seria cidadão - a pessoa que é honesta, trabalhadora,
solidária -, os sujeitos fizeram um contraponto com a situação do país, no sentido de
demonstrarem indignação com a corrupção no Brasil envolvendo os dirigentes políticos,
como dizem as entrevistadas:
(...) antes as pessoas lutavam pelos seus direitos, porque as pessoas podiam confiar nos seus líderes;
hoje em dia, você não pode confiar em seus líderes, você pode confiar? Que líderes? São ladrões e
102
corruptos que tão aí, né?(...) eu fico decepcionada de ser brasileira, porque existe desorganização
em todos os países, mas aqui no Brasil é demais [fala enfatizando as sílabas], no Brasil é demais, e
pior de tudo, as pessoas não lutam pelos seus direitos, é o pior de tudo, que antes da revolução [64],
as pessoas lutavam, agora de lá pra cá [mexe com a cabeça expressando negação]. (Zizi)
(...)Isso aí é um desrespeito ao cidadão, mora num lugar que passa um esgoto, que passam coisas,
quer dizer ninguém merece, não é? Pode ser pobre, pode ser tudo, mas pode ter uma vida digna, não
é? Agora, culpado disso também é os governantes que fica aí roubando, que às vezes, vou te ser
sincera[risos], roubar eles roubam mesmo, todo mundo sabe, né? Pessoal toda hora tá falando na
televisão, é por isso que fica desse jeito, entendeu, os caras roubam mesmo, escandalosamente e
você vai lá, onde o cara prometeu isso, prometeu aquilo e não faz nada (...). (Maria)
Tal situação causa decepção em quem deseja um país melhor, levando-os a
considerar o Brasil como o pior lugar que existe no mundo, diante da falta de perspectiva de
um futuro promissor. A fala a seguir enfatiza como o contexto brasileiro é entendido por uma
depoente:
(...) no Brasil basta ter cachaça, futebol, mulher e carnaval, e o pessoal tá satisfeito; ninguém
nunca tem os seus direitos, e o governo já sabendo disso, o que que ele faz? Ele bota futebol, bota
isso e aquilo e o Brasil cada vez mais tá se afundando. E no Brasil, hoje em dia, só vence quem é
traficante, quem é pastor evangélico, quem é jogador de futebol, porque no fundo, você trabalha,
você trabalha, você trabalha e você não consegue nada, você fica nessa, vai morrer pastando
(...).(Zizi)
Desta forma, é como se o governo aproveitasse o quadro de alienação, e ainda
oferecesse mais condições para manter este quadro vigente. Assim, isso pode ser entendido
como uma forma de controle a fim de evitar possíveis reivindicações.
Dimensão normativa - “As
marcas da dimensão normativa
na construção da idéia de
cidadania”.
Na dimensão normativa há o
enfoque dos direitos e deveres, das
103
normas estabelecidas e
compartilhadas pela sociedade
vigente a fim de favorecer a
justiça aos membros que dela
fazem parte. Habermas apud
Oliveira; Oliveira (1996, p. 117)
afirma que “a justiça enquanto
princípio moral „postula
igualdade de respeito e de direitos
para o indivíduo‟ („no sentido
moderno se refere à liberdade
subjetiva da individualidade
inalienável‟)”.
(...) Aonde essa pessoa for, qualquer coisa que a pessoa fizer é saber entrar e saber sair [fica em
silêncio]. (...) Comprar, saber pagar [fica em silêncio]. (...) Cidadã é andar direito com a sociedade
(...) não dever; comprar, pagar direito, saber fazer as coisas, corrigir o erro que fizer. (D. Maria)
Cidadania pra mim é o ato de poder ir e vir (...) poder falar o que eu acho e o que eu não acho (...) é
um direito como pegar o ônibus ali na esquina e o motorista ser educado, parar porque é uma lei
[passe livre para os idosos] e eu acho que a gente tem que utilizar a lei (...) poder ter o meu salário,
ter a minha pensão, poder ter as minhas coisas em casa sem muito tendo que desejar, né? Quer
dizer o extremamente necessário para sobrevivência, poder ter meu leite, um pão, o meu alimento,
né? (...) é ter o mínimo necessário pra sobreviver com dignidade, né? (...) ser cidadão, também é
cumprir com os deveres de cidadão, votar, declarar imposto de renda, né? (...). (Marta)
(...) as pessoas que se considerem cidadão, pagando tudo direitinho conforme manda a lei, né?(...)
pagando as suas contas, não deve a ninguém (...). (Maria)
Cidadania é um direito inalienável da pessoa (...) sabendo os direitos e os deveres, entendeu? Pra
chegar a uma conclusão do que realmente se trata a cidadania; é um direito que deve ser preservado
(...). (Edson)
Eu tenho direito, meus documentos são limpos (...). (João)
104
(...) cumpridor dos seus deveres, que tem seus documentos em dia (...). (D. Maria B.)
É participar, procurar seus direitos, né? Lutar pelos seus ideais (...). (Zizi)
É tudo que se refere ao cidadão (...) é o cidadão, que faz parte da cidadania, da cidade, daquele povo
(...) uma pessoa que ela age de acordo com as normas da cidadania (...) age de forma responsável
(...). (Glória)
Os trechos destas falas ilustram a dimensão normativa; porém, seu aparecimento
nesta pesquisa sempre se deu em co-ocorrência com a dimensão valorativa. Isto pode ser
entendido pela noção da reciprocidade desenvolvida por Mauss apud Oliveira; Oliveira
(1996) para compreender o direito e a moral, na medida em que o equacionamento da moral
envolve simultaneamente direitos e valores (op.cit.), isto é, dimensões normativa e
valorativa, respectivamente, da eticidade.
É nessa perspectiva que Mauss (apud op.cit., p.153) tece o comentário: "A sociedade
quer reencontrar a célula social. Ela investiga, ela cerca o indivíduo de um curioso estado de
espírito em que se mesclam o sentimento dos direitos que ele tem e outros sentimentos mais
puros: caridade, serviço social, solidariedade".
Ter seus direitos, fazer seus deveres e viver em harmonia com a família.(...) é a pessoa honesta,
cumpridora dos seus deveres normalmente, viver como se diz, em paz com a sua família (...)
respeitar o próximo, saber que os outros têm os mesmos direitos que todo mundo, respeitar o direito
alheio, né? (...).(Oti)
Ter o direito reconhecido numa relação interpessoal implica em um reconhecimento
mútuo entre os membros, de que são dignos de parceria. Sem este valor - dignidade - haveria
uma deficiência de sentido e uma perda de inteligibilidade dos direitos (op. cit.). A idéia de
dignidade está ligada aos ideais de igualdade das democracias modernas, podendo ser
compartilhada por todos (TAYLOR apud op.cit.).
Ressalto nestes depoimentos a presença dos deveres e não apenas a dos direitos.
Concordo com Gauderer (1995) quando afirma que direitos e deveres fazem parte da mesma
105
moeda e que é necessário haver um meio-termo entre estes. No entanto, penso que tal
aparecimento dos deveres possa ser explicado porque está muito mais marcado no ser
humano, ao longo da história, do que os direitos, na medida em que a maioria das pessoas só
tinha deveres, conforme comenta Mondaini (2003). A prioridade dos direitos só começou a
existir a partir da Idade Moderna (BOBBIO, 1992), podendo ser considerada, então, como
recente quando comparada aos deveres.
O normativo e o valorativo implicado na construção das tipologias dos cidadãos
Esta subcategoria surgiu a partir dos depoimentos dos entrevistados que levantaram
diferentes tipologias de cidadãos ocasionadas pelas diferenças raciais e/ou sócio-econômicas,
ou por comportamentos de cunho valorativo ou normativo, marginalizados pela sociedade.
Tais diferenças são fortalecidas, muitas vezes, pelo preconceito e desmoronam a
legitimidade da igualdade perante a lei. Trago, portanto, a questão de Bobbio (2002, p.18):
"Se todos são iguais por que diferenciá-los? Se todos são diversos por que igualá-los?”
Bobbio (op. cit.) prossegue comentando que em uma civilização democrática, estas
duas questões precisam ser respondidas em harmonia, na medida em que cada uma tem uma
dose de razão, pois os homens são iguais e ao mesmo tempo, diversos. Como exemplo, cada
um tem direito à diversidade religiosa, isto é, direito de escolher sua própria religião, e ao
mesmo tempo, diante de tal diversidade, co-existe a igualdade de cada pessoa frente aos
direitos do homem.
Sendo assim, cada pessoa cria seu próprio estilo de vida, tem um modo de viver
singular, apesar de todos os indivíduos terem os mesmos direitos previstos pelas leis. Nessa
perspectiva, os relatos a seguir evidenciam que todo mundo é cidadão:
106
Pra mim, todo mundo é cidadão.Todo mundo é um ser humano e o ser humano é um cidadão (...).
Há diferença da pessoa, da maneira que ela foi criada, tem a parte genética também (...) porque
você tem uma idéia e eu tenho outra (...). (Patrício)
(...) Todos são cidadãos, mas tem sempre uma diferença. (...) nem na nossa casa, nós não somos
iguais, cada um é: filho, é mãe, é pai... É completamente diferente e olha que é difícil ser igual,
igual, né? Tem sempre uma diferença. (Neuza)
(...) nenhum cidadão é igual, ele tem os mesmos direitos, tá, mas ele tem pensamento diferente. Eu,
pelo menos, penso assim, ele tem as suas opiniões, cabe a mim aceitar ou não, e não contrariar, é a
opinião daquela pessoa, eu tenho que aceitar, posso discordar, posso até comentar e discordar, mas
nunca fazer com que a pessoa mude a sua opinião. (Marizete)
Eu acho que todo mundo é… É cidadão, dentro da medida do possível, embora com várias falhas,
né, você vê aí pessoas que é cumpridora dos seus deveres, procurando um ajudar os outros, eu acho
que um ajudando o outro o que tá acontecendo agora no momento; o governo não faz nada, só faz
tirar o nosso sangue (...). (Alfredo)
(...) Não vejo esse lado de que pra ser cidadão tem que ser honesto, tem que ser sincero, tem que ser
o homem perfeito, não, não tem isso não. Acho que cidadão é a pessoa com todos os predicativos e
também com todos os defeitos, também. Ele, de qualquer maneira, ele nunca vai deixar de ser
cidadão. (Glória)
Por outro lado, mesmo todos sendo cidadãos, pode-se dizer que há diferentes tipos de
cidadãos, conforme fala a depoente:
(...) porque todo mundo tá aqui, somos cidadãos, agora eu não sei o tipo de cidadão, mas tem que
ser considerado cidadão, eu acho, qualquer ser humano... Tem que ser respeitado, e todos os direitos
dele, tudo que lhe é de direito, entendeu?(Carminha)
Isso se deve porque no cotidiano das relações sociais, o exercício da cidadania não se
manifesta de forma igual para todos, sendo determinante certas condições que favoreçam
uma maior ou menor efetividade deste exercício – como se algumas pessoas tivessem mais
ou menos direito. Isso gera a classificação de mais cidadão / menos cidadão ou até mesmo, a
de não-cidadão – esta última refere-se a uma exclusão feita pelos depoentes quando há um
desfalecimento das virtudes e/ou um descumprimento das normas impostas pela sociedade.
107
No entanto, percebe-se que tal classificação não é rigorosamente estabelecida pelos
sujeitos desta pesquisa, pois alguns depoimentos estiveram presentes em mais de uma
tipologia de cidadão, conforme será possível identificar daqui por diante.
- Mais cidadãos / menos cidadãos
Nesta classificação há uma gradação qualitativa ocasionada pelas marcas sócio-
econômicas e culturais do sujeito.
(...) Uma periferia dessa aí [Brasil], você vê que tem muita gente aquém do cidadão. Ele não tem
nada, nem direito a uma cidadania. Por que ele vai pedir pra quem? O problema pra mim, tá no
social, como a gente diz, no social, porque tem gente que não tem nada, não tem nem o que comer;
então estes estão aquém do cidadão. (Marta)
(...) os direitos que todo o cidadão tem, colocados na Constituição, pra nós idosos, no Estatuto dos
Idosos, acho que é isso, direito a se expressar, fazer tudo que tá lá escrito: ir e vir, ter saúde, ter
moradia, todas essas coisas (...). Então, há uma diferença [entre um cidadão e outro], se você tem
dinheiro, você compra guarda [polícia], você compra isso, compra aquilo; há diferença sim..
(Nely)
Considera-se menos cidadão aquele que é rebaixado pela sociedade, tendo em vista as
condições sócio-econômicas, raciais ou de gênero que levam à marginalização; e mais
cidadão aquele que é supervalorizado diante das condições citadas.
O depoimento a seguir evidencia que nesta perspectiva o importante é “o ter” e não
“o ser”, pois as pessoas em nossa sociedade são reconhecidas por aquilo que possuem – bens
materiais - e não por aquilo que são – valores pessoais:
O cidadão tem que ter aquelas características, entendeu? Que seja sempre aquela afirmação, não
muda a mentalidade e, ao mesmo tempo, às vezes, por questão de modismo, muda o conceito quando
é pessoal, ele,, ás vezes, ele tem o sapato mais escuro do que o outro, e acha quanto àquilo que
torna-se cidadão, entendeu? É uma questão de sustentar, criar... É querer se afirmar como cidadão.
A maioria da sociedade, infelizmente, escolheram esta tese, de que tem que ter e não ser. (Edson)
Torna-se interessante comentar que na Idade Moderna, a cidadania apresentava um
caráter excludente, na medida em que os cidadãos eram diferenciados em cidadãos com
108
posses e sem posses (MONDAINI, 2003). Neste caso, vigora o pensamento do “ter” em
detrimento do “ser”.
O depoimento abaixo também ilustra tal pensamento:
As pessoas que têm mais dinheiro, mais condições sociais, a questão da cor, né? Essas pessoas têm
mais direitos, né? Uns são mais que outros... acho que isso faz parte do sistema (...). É porque abre
as portas, por exemplo, um jogador de futebol, né? Ele pode... É... Existe discriminação, mas se ele é
preto e ele tem dinheiro, todo mundo atende ele, né? Ele entra em qualquer lugar. E se ele não tem
dinheiro, já não acontece isso, né?Eu acho assim. (Naná)
Neste contexto pode-se comentar a questão do preconceito trazida pelos sujeitos desta
pesquisa. Bobbio (2002, p.103) afirma que o preconceito "pertence à esfera do não racional,
ao conjunto das crenças que não nascem do raciocínio e escapam de qualquer refutação
fundada num raciocínio". Pode-se dizer que o preconceito acaba por favorecer conflitos entre
as classes sociais desiguais. Para o autor (op.cit), a conseqüência principal do preconceito é a
discriminação; e a segunda conseqüência é a marginalização social.
(...) o nosso país, ele... Brasil é um país, como se diz... Com vários costumes (...) existe preconceito
racial, preconceito econômico (...). ( Marizete)
Vamos dizer, um preconceito racial, às vezes, certas pessoas, tanto faz o branco com negro, o negro
para o branco, entendeu? A pessoa olha ele como outro tipo de cidadão, infelizmente. (...) pode ser
racial (...) pode ser por questão de posição sócio-econômica, a pessoa, às vezes, quer criar uma
casta. (Edson)
O depoimento de Carminha, transcrito a seguir, mostra que a aparência que uma
pessoa apresenta ao estar bem vestida, faz deduzir que esta tem uma condição sócio-
econômica melhor, o que vai de certo modo dirigir o pensamento do outro, no sentido do
reconhecimento de sua cidadania.
(...) Eu tiro por exemplo, eu gosto de me arrumar... Assim, não sou rica, não tenho dinheiro, sou
uma assalariada, mas eu gosto, é o meu jeito, me arrumo (...). Você chega num hospital público,
vamos falar assim, cheguei com a minha filha, eu tava arrumada e tava em greve, mas eu fui
atendida; mas se fosse um outro pobre qualquer não ía ser atendido; eu não aceito este tipo de
109
coisa, somos todos cidadãos (...) você tá bem arrumada, tá com uma aparência de doutora, eu não
sou doutora, eu sou uma... Eu não tenho nem graus de instrução, eu tenho o primário, muito mal
[risos]. Mas é isso que vale [aponta para si, mostrando que estar arrumada é o que vale](...) Eu acho
que todos têm que ser iguais, mas aqui [Brasil] existe uma diferença muito grande (...). (Carminha)
Diante deste reconhecimento, destaco DaMatta que se refere ao termo supercidadão
frente às relações pessoais que têm mais peso que as leis, e que através da amizade e da
familiaridade pode-se conseguir transformar o que antes seriam direitos em privilégios no
cenário brasileiro (OLIVEIRA; OLIVEIRA, 1996).
De certo modo, o fato de estar bem vestida constituiu-se em um “passaporte” para
conseguir algo que é um direito, mas que se transfigurou em um privilégio.
Neste contexto da construção das desigualdades, a depoente a seguir comunica que a
expressão da solidariedade também obedece a uma certa “classificação” das pessoas, pois
quem tem alto poder aquisitivo não precisaria de solidariedade. Neste sentido, é como se a
solidariedade ganhasse uma conotação de ajuda aos mais necessitados e não de um sentido
moral de ajuda a outro ser humano, pela própria condição de sê-lo.
(...) eu acho o Brasil é o pior de todos, eu não sei, pra mim, eu só conheço isso aqui [risos], não sei,
mas eu acho uma desigualdade muito grande pra tudo e é difícil você estender a mão (...). Pra esse
entendeu?[faz uma expressão com a mão que indica a pessoa que tem dinheiro, tem alto poder
aquisitivo]. Para muitos têm, mas pra outros, é muito difícil um atendimento [de saúde]. (Carminha)
Assim, a idéia veiculada é a de que as pessoas que possuem alto poder aquisitivo têm
acesso mais fácil aos serviços de saúde, na medida em que podem pagar por um serviço
particular e, assim, não precisam da ajuda de ninguém. No entanto, para os que não possuem
condições financeiras satisfatórias, há muitas dificuldades para a aquisição destes, já que o
serviço público de saúde encontra-se em crise. Há graves deficiências que proporcionam um
serviço que não atende, na maioria das vezes, às necessidades da demanda, não permitindo a
efetivação do exercício da cidadania.
110
Nesta linha de pensamento, Domingues (2001) discute a definição de Marshall sobre
os direitos sociais, conforme já foi comentado nas bases teórico-conceituais desta pesquisa,
pois não fica claro se estes direitos são para todos - universal - ou se são apenas para quem
precisa, que passa por dificuldades sócio-econômicas, de fato.
Ainda na tipologia de mais cidadão, o relato do depoente Patrício chamou a atenção
ao expressar que "a mãe é mais cidadã" quando comparada ao pai, no cenário de uma relação
familiar.
(...) a mãe é em primeiro lugar, sempre fica; agora o pai, vem com a convivência (...) tudo é a
mãe(...). E nesta parte, a mãe é mais cidadã que o homem. Porque o homem é mais liberal e a mãe,
ela sabe quanto custou a ter, sabe?(...) O pai, não vou dizer que ele não tem amor pelos filhos. Ele
tem, mas num sentido, pois é a mãe que dá banho a eles, troca fraldas, dá comida, leva no colégio;
aí vem amigo, ela bota sanduíche. Tudo isso eu dou valor às mães [Fica com os olhos cheios d`água].
(Patrício)
Nesta fala observa-se que esta supercidadania se dá na esfera da maternagem, na
medida em que a mulher é cumpridora de seus deveres de mãe ao prestar cuidados ao filho.
Entende-se que acerca das questões de gênero, o que vai sempre existir entre homens
e mulheres é a diferença natural e não a diferença social. No entanto, na medida em que não
se reconhece que a desigualdade natural se agrava ao sofrer uma superposição de uma
desigualdade criada pela sociedade, tal desigualdade é considerada ineliminável. (Bobbio,
2002). Sendo assim, vivemos numa sociedade onde a mulher ainda luta para conseguir ter
seus direitos respeitados e em pé de igualdade com os homens.
- Não-cidadãos
O surgimento do não-cidadão nas falas a seguir se dá pela infração às leis que para os
depoentes representam a perda da condição de ser cidadão, porém não de forma definitiva.
(...) Eu fui visitar, lá na cadeia e disse pro bandido: “- Olha, meu querido, aqui não é lugar pra você
não. Aqui não é lugar de homem”. Ele olhou fazendo pouco, eles olham assim, né? Ele já tá perdido,
ele é nada, ele é um João-Ninguém, infelizmente. Mas nós podemos, mas nós podemos transformar
111
aquilo, aquela, aquela,... Aquele espírito mal que tá encarnado naquela, naquele corpo. A gente,
através dessas leituras [religiosas], através desta sabedoria, nós podemos tirar aquilo tudo dele,
mostrar a ele que ele tem direito ao sol, que ele é filho de Deus. Por isso que ele pode virar um
cidadão (...). (João)
(...) o bandido às vezes é jogado na vida do crime, não por índole, como muitos acham, por
circunstâncias do destino [faz expressão com as mãos demonstrando amplitude] e se ele tiver uma
boa orientação, ele pode se tornar um homem decente, direito, correto, cumpridor das leis, ele pode
se tornar um cidadão; enquanto ele ficar à margem, é mais difícil (...). (Nely).
Não, nem todo mundo é cidadão. Os fora da lei não são cidadãos, né? Lá em Brasília [Congresso
Nacional] tá cheio, né? Quem não cumpre os seus deveres, não é cidadão, né? (...) Um bandido
dependendo do que ele for, ele pode se regenerar e ser até um cidadão futuramente, perante a
sociedade, mas quando ele tá roubando, ele não é um cidadão, porque um cidadão não pensa
inescrupulosamente. (Oti)
É andar certo com a sociedade [fica em silêncio]. Saber ir e voltar. Tem que ser assim, andar direito,
se não andar direito, não pode ser cidadão.(D. Maria)
Acho que pessoas assim, que tem... De mau caráter [fica em silêncio]. (Miriam)
Olha, a pessoa que não é cidadã, é a pessoa que mata, que rouba, que é ruim, eu acho que isso aí
não é pessoa cidadã; é egoísta, que pensa só em si, não pensa mais em ninguém. É porque tem
muita gente ruim [enfatiza as sílabas] no mundo, eu acho que uma pessoa dessa que mata, que
rouba, não é uma pessoa cidadã. (Neide)
Observa-se nos trechos das falas acima que a partir do momento em que houver o
retorno do respeito às normas, o indivíduo, até então marginalizado, volta a ser cidadão. Essa
reintegração à condição de cidadania pode ser favorecida pela solidariedade das pessoas para
com quem está sendo excluído.
Esta solidariedade pode ficar evidente através de práticas religiosas, como mostra a
fala do depoente João, que trouxe a religião como fonte de salvação da pessoa que está
seguindo uma vida fora das regras da sociedade. É como se a religião, através das leituras e
orações, fizesse uma purificação no indivíduo e o tornasse apto a ser um novo homem, um
cidadão.
A desigualdade social também leva ao surgimento do não-cidadão de acordo com os
depoimentos a seguir:
112
(...) porque um pé-rapado, ele não é nem considerado, tadinho, um cidadão (...) fica aí largado,
jogado, ninguém se preocupa com ele; imagina tratar como cidadão, ninguém vê, mas eu vejo,
entendeu?(...). (Carminha)
Porque a sociedade, é o preconceito, é... Como é, essas coisas, monetariamente, né? Muita diferença
de... Um ganha um dinheirão, o outro ganha pouquinho, quer dizer, a pessoa não pode ser cidadã,
não tem um emprego, não tem um rendimento por mês, não tem nada. Você viu aquela reportagem
daquele menino, o Falcão10
? Você quer coisa mais triste do que isso? Pode ser um cidadão, um
garoto que você pergunte: - O que você quer ser? - Eu quero ser um bandido. (...) todo mundo é
cidadão, mas poucos são considerados. (Maria)
Os entrevistados também nomearam de não-cidadão aqueles que se enquadram nos
casos em que não há reconhecimento de cidadania pelo Estado, em virtude da falta de
______________ 10
A depoente referiu-se ao documentário “Falcão: meninos do tráfico apresentado no programa Fantástico da
Rede Globo de televisão. No caso, a palavra “Falcão” referia-se à denominação dada a uma determinada
categoria de crianças que participavam do tráfico de drogas nos morros do Rio de Janeiro e não, a um menino
em si.
legitimidade. O ato de ser registrado em cartório no país onde nasceu legitima o
reconhecimento pelo Estado, por exemplo, conforme explicitaram as depoentes a seguir:
(...) acho que todos deveriam ser cidadãos, só os que não têm registros não são considerados,
embora na vida prática, na vida em família, eu acho que todos somos, independente do registro ou
não, porque nasceu passa a ser um cidadão (...). (Marta)
(...) Na realidade, mesmo sem registro, ele é um cidadão; ele pode não ser, como é que diz,
reconhecido como um cidadão, mas ele a partir do nascimento dele, ele é um cidadão (...). (Glória)
A ausência da certidão de nascimento, na verdade, representa a inexistência da pessoa
no país, pois é como se não tivesse nascido. E, no Brasil, a questão do não-registro de
criança é um problema muito sério. Quando trabalhei em uma cidade do interior do Rio,
conforme já falei anteriormente, conheci várias famílias em que as crianças até cinco anos de
idade não tinham nenhum documento. Quando a equipe do PSF identificava esta situação,
113
comunicava ao serviço social do município que se articulava com o cartório da região para
gerar a certidão.
As crianças para serem vacinadas em unidades de saúde precisam apresentar a
certidão de nascimento, pois o setor da saúde assim como o setor da educação (entrada na
escola) exigem tal documento. Atualmente, há uma preocupação do governo federal em
proporcionar o registro civil aos recém-nascidos em maternidades de hospitais públicos a fim
de garantir tal legitimidade.
Portanto, o fato de nascer e ser registrado em um país implica na garantia de
determinados direitos como aborda a depoente abaixo:
(...) ser cidadã é... Nasceu aqui, por exemplo, eu nasci aqui no Brasil, sou uma cidadã brasileira,
então, tenho meus direitos (...). (Maria)
No entanto, ter direitos de cidadania não significa que estes sejam exercidos. O
depoimento a seguir remete ao direito à educação que não foi exercido por falta de
oportunidade, de orientação e incentivo. Como resultado, a depoente relata vivenciar uma
situação de dependência em relação aos outros para poder se relacionar melhor com o mundo
a sua volta, na medida em que não sabe ler. Tal falta de privacidade fere a autonomia e a
liberdade individual, levando-a a se considerar uma não-cidadã:
(...) mas eu não sou cidadã porque eu não sei assinar. (...) A pessoa que não sabe, todo mundo sabe
da vida dela.(...). (D. Maria)
A depoente prossegue falando sobre a carteira de trabalho assinada, um outro direito
previsto em lei e que também não foi respeitado.
Porque desde que a pessoa não tem o documento assinado [carteira de trabalho] naquela casa,
não é cidadã. (D. Maria)
114
Esta depoente trabalhou como empregada doméstica há mais de quarenta anos sem
carteira assinada. Na verdade, trabalhar quarenta anos sem ter carteira assinada remete ao
questionamento sobre a ética das normas e a ética dos valores. Identifica-se falta de
solidariedade, respeito, amizade; assim como o não-cumprimento das leis trabalhistas. Neste
caso, emerge uma situação social que “castra” a cidadania do sujeito e reflete-se em sua
auto-valoração.
Ainda na categoria das tipologias, na classificação de não-cidadania, ressalta-se o
relato de uma (1) depoente que aborda a importância do conhecimento e esclarecimento
sobre os direitos para, então, poderem ser exercidos.
(...) muita gente não procura os seus direitos, talvez por não ter esclarecimentos, né? Eu não sei, eu
acho que o certo seria todo mundo ser cidadão, né? Mas... (Zizi).
Assim, para que os direitos sejam entendidos é preciso que haja condições para
ocorrer uma transformação daquilo que não é familiar - que não é conhecido, que não faz
parte do cotidiano de um certo grupo social, - em algo familiar, que faça parte do universo de
conhecimento destas pessoas. Nesse sentido, é fundamental que haja acesso ao conhecimento
e esclarecimento dos direitos, com uma linguagem de fácil entendimento, de modo que as
informações sobre os direitos sejam traduzidas à luz de suas marcas e vivências pessoais.
No contexto da falta de esclarecimento, um entrevistado expressa que a condição para
ser cidadão brasileiro é não possuir laços de parentesco com qualquer pessoa não-brasileira,
isto é, não pode haver mistura de nacionalidades na família.
(...) sua pátria que você nasceu, tem documentos com ela; não é ser filho de português, filho daquilo,
este é o cidadão mesmo, um cidadão brasileiro (...) é que não tem ninguém de outro país na
família, este é o cidadão mesmo brasileiro (...). (Oti)
Para este depoente não basta nascer no Brasil; é como se fosse preciso ser “puro”
para ser cem por cento (100%) brasileiro e, então, ser considerado cidadão.
115
Nesta pesquisa, os entrevistados foram perguntados se conheciam algum
setor que esclarecesse sobre cidadania, e a maioria respondeu não conhecer.
Todas as pessoas (6) que remeteram a cidadania à dimensão apenas valorativa
responderam não conhecerem nenhum setor que pudesse esclarecer sobre a
condição cidadã. Tal resultado pode ser explicado partindo do entendimento de
que na medida em que são os valores que garantem a condição de cidadão, e
valores estão “dentro” da pessoa, não se consegue, então, perceber o que está
“fora”.
Dos quatorze (14) entrevistados restantes que remeteram a cidadania à
dimensão normativa, oito (8) disseram não conhecer algum setor que
esclarecesse sobre a cidadania, e seis (6) depoentes apontaram como
esclarecedores os seguintes setores: PROCON – órgão de defesa do
consumidor; defensoria de pequenas causas; posto de saúde; igreja (Mórmons);
rádio e televisão – os quais atuam de forma indireta, na medida em que
orientam sobre lugares que dão informações sobre os direitos do cidadão; setor
de transporte - Fundação Leão XIII; e setor dentro do trabalho como, por
exemplo, a Marinha, que tem um setor que aborda sobre os direitos do cidadão,
enquanto trabalhador (quadro A - APÊNDICE E).
- Bom cidadão X mau cidadão
116
Neste momento, vale ressaltar que diante das classificações abordadas houve
depoimentos com a denominação de “bom cidadão” para se referir, na verdade, ao cidadão,
isto é, à pessoa que cumpre seus deveres, exerce seus direitos e apresenta valores de boa
moral, ao contrário do “mau cidadão”.
(...) Ah, o mau cidadão pra mim, é eu nem pensei, talvez eu falei assim, tão assim, como se diz...
mecanicamente, que talvez o mau cidadão sejam as pessoas no crime, que não... tem uma linha, tem
uma reta, né? (...) então talvez, o mau cidadão seja esse, que infringe as leis, que esteja no crime, mas
nem por isso, deixa de ser cidadão, porque ele tem amparo da lei, entendeu? (...) (Marizete)
Agora assim, as diferenças é que... Tem uns que são melhores, outros já são piores, uns já gostam de
trabalhar, outros já não gostam. Então, é isso aí, né? Uns faz o bem, gostam de estar ajudando o seu
próximo e já tem outros que ficam na sua, só pra eles, é por aí. (..)Tem cidadãos bons, mas tem
cidadãos ruins [risos]. (Neuza)
(...) eu acho que o bom cidadão é esse, quando é...[se emociona, e fica com os olhos cheios d‟água]
íntegro, amigo, família, né?(...) O homem íntegro, aquele que a palavra dele valia muita coisa. Então,
este é um perfeito cidadão (...) O bom cidadão eu acho que é isso, aquele que além de se respeitar a si
próprio, respeita o próximo, né? (Marta)
Tem um cidadão que não é honesto e tem outro cidadão que é honesto (...). Ser uma pessoa boa, a
honestidade e lealdade com si próprio e com nosso Pai Verdadeiro. Primeiro ele, depois vem... Se eu
não for honesta com você, a gente não pode ser honesta com a gente. (...) pra ser uma pessoa
humana, precisa ser um cidadão mesmo, completo, bom e não mau. (D. Maria B.)
Os entrevistados também foram questionados sobre quais ações de cidadania são
exercidas e o que sentem quando seus direitos não são atendidos (quadro A, APÊNDICE E ).
No que diz respeito aos sentimentos quando os direitos não são atendidos, três (3) mulheres
afirmaram conformação/indiferença; quatro (4) mulheres e um (1) homem disseram sentir
revolta; uma (1) mulher disse sentir raiva; um (1) homem disse sentir-se irritado; e um (1)
homem disse sentir ódio; um (1) homem e uma (1) mulher referiram sentir tristeza; e uma (1)
mulher referiu sentir raiva e tristeza; três (3) mulheres referiram sentir humilhação; um (1)
homem referiu sentir-se magoado e prejudicado; e duas (2) mulheres referiram sentir-se mal.
117
Das três depoentes que apresentaram conformação/indiferença, uma (1) depoente
descreveu uma situação em que tentou fazer valer o seu direito, por meio do uso do poder,
isto é, por meio de uma situação que gerava privilégio, como mostra a fala a seguir:
(...) Então, liguei pro Lino e disse que estávamos ainda em Aparecida [município em São Paulo],
meia-noite e aí eu disse pra ele ligar pra rádio Globo ou dar uma carteirada, porque ele é da
Marinha. Aí então, depois, eu chamei a polícia que quando chegou não acreditou no que a empresa
fez.(...). (Marizete)
No Brasil, a cultura do “jeitinho brasileiro” cria privilégios, pois de acordo com
Moscovici (2003)
o nosso pensamento se organiza conforme o sistema o qual está
condicionado, que pode ser pela nossa cultura ou pelas representações que formamos. Sendo
assim, o pensamento desta depoente ao falar da “carteirada” reflete a cultura do poder da
representação dos militares que são privilegiados no exercício de sua cidadania.
Esta situação remete à frase “Você sabe com quem está falando?”, a qual DaMatta
refere representar „o esqueleto hierarquizante de nossa sociedade‟. O termo esqueleto é
usado por DaMatta para denominar algo que está escondido, porém não significa que não
seja importante (SOUZA, 2001, p.169). No cotidiano, esta famosa frase objetiva manter a
hierarquia social, na medida em que cada pessoa precisa reconhecer a posição social que
ocupa, isto é, identificar o seu devido lugar na sociedade e a partir daí ser capaz de
reconhecer se pode fazer valer os seus direitos usufruindo de privilégios.
As outras duas (2) depoentes referiram conformismo / indiferença, seja por cansaço
de lutar e não conseguir nada, ou mesmo, por total falta de perspectivas de melhora.
Porque esse negócio é muito sacrifício, fica na fila e chega na hora, não resolve nada.(...) Só aqui
no médico [na unidade de saúde - policlínica], a gente chega de madrugada e quando não tem mais
ficha, a gente tem que voltar pra casa, tem que chegar antes das cinco horas; por isso que é bom
médico particular, você não tem este aborrecimento (...). (Fabiana)
118
Olha, minha filha, eu não sou de me esquentar muito com as coisas não [risos]. Eu já acho tudo tão
difícil, que eu vou levando, não parou o ônibus pra mim, eu espero outro, entendeu? Não brigo, não
faço denúncia(...). (Maria)
Por outro lado, dos que referiram revolta, raiva, ódio ou irritação – no total de oito (8)
sujeitos - apenas dois (2) referiram não apresentarem nenhum tipo de ação para mudar, isto
é, não brigam, não fazem denúncia e nem buscam nenhum tipo de solução, seja por sentirem-
se bem assim, ou por pensarem que não adianta fazer nada.
Ah, eu me sinto revoltado, é... Eu não sou de falar, de ficar reclamando, e isso não é bom, é... Eu
prefiro evitar a discussão, é uma coisa que é de cada um.(Patrício)
É, minha filha, eu não posso fazer nada, né? Fico com raiva e pronto. O que que a gente vai fazer?
Não adianta fazer nada. (Neuza)
Dos entrevistados que relataram sentir tristeza, humilhação, mágoa/sentir-se
prejudicado, sentir-se mal ou sentir raiva e tristeza – no total de nove (9) sujeitos - dois (2)
depoentes referiram apresentar como ação lutar pelos seus direitos e uma (1) depoente disse
ter como ação procurar primeiro entrar em contato com pessoas que tenham a informação
correta para, então, depois poder reivindicar o que não foi atendido. Do restante, um (1)
depoente informou só reivindicar em casos graves, e caso não conseguisse, “entregaria para
Deus”, uma (1) depoente não referiu ação; três (3) depoentes informaram não fazerem nada;
e uma (1) depoente disse rezar muito.
Pode-se pensar que rezar ou “entregar para Deus” são ações que expressam o desejo
de alcançar a resolução de uma questão por meio de forças consideradas maiores ou
especiais comparadas às forças humanas, quando há uma total falta de perspectiva.
Por exemplo, de ônibus, é muito humilhante. Depois que eu fiquei idosa, é muito humilhante. A gente
já foi novo, como diz, já foi elegante.(...) agora que a gente tá com idade, não querem nem
saber.[ônibus não pára no ponto, passa direto] A gente se sente humilhada.(...) Dá vontade de xingar
aquela pessoa, muita vontade, mas deixa pra lá... Deixo pra lá, entendeu? Ele vai ter uma mãe, vai
ter uma consciência, Deus vai botar uma consciência nele e ele vai parar pra pensar. (Maria B.)
119
Eu só faço é rezar [risos], pedindo a Deus que me ajude, pra ver se eu consigo alguma coisa (...).
(Matilde)
Portanto, diante do que foi comentado pode-se dizer que com sentimentos como
revolta, raiva, ódio ou irritação, a tendência maior é a de agir para reverter a situação quando
comparada aos sentimentos de tristeza, humilhação, mágoa / sentir-se prejudicado, sentir-se
mal ou sentir raiva e tristeza, em que a tendência maior é a de não agir e se resignar. Os
primeiros sentimentos mais citados mostraram-se mais mobilizadores para a ação.
As seis (6) pessoas que remeteram a cidadania exclusivamente à ética das virtudes
não brigam, não reclamam e não agem em busca de seus direitos quando não atendidos.
Pôde-se identificar neste trabalho que apesar de expressarem a definição de cidadania
numa perspectiva valorativa ou normativa, nem sempre houve uma congruência entre esta
definição e a ação que os faz sentirem-se cidadão. Houve situações, como as apresentadas no
depoimento de quatro (4) sujeitos: João, D. Maria B., Alfredo e Fabiana em que na definição
sobre cidadania apareciam as normas, mas na ação estas não se evidenciaram , mas sim só os
valores. Apenas uma depoente (Neuza) expressa o contrário, isto é, na ação há normas, mas
na definição, só os valores morais. (quadro A, APÊNDICE E).
ORIGEM DA CIDADANIA Trata-se da segunda grande linha na qual os entrevistados expressam o que pensam a
respeito da fonte da cidadania (quadro A, APÊNDICE E).
Sendo assim, a cidadania pode ser:
Extrínseca ao sujeito - adquirida pelo sujeito, na medida em que a cidadania tem como ponto
de partida a família (âmbito privado, particular), a sociedade, o povo, a escola ou o Estado
(âmbito público, coletivo), podendo ser expressa em um movimento de recepção do que vem de
fora sem haver um processamento interno no e pelo indivíduo ou, então, haver uma elaboração
120
pelo sujeito a partir do seu mundo interno, do que vem de fora e acaba sendo usufruído. Aparece
na esfera normativa ou valorativa, como se pode ver a seguir:
- Família / educação / formação
[Fica em silêncio, olhando para o chão] Cidadania vem dos princípios, da educação. (...) Princípio
da formação da pessoa, do jeito que ela vem. A gente sabe que a criança nasce de uma mãe (...).
(Patrício)
(...) Eu acho que quando nós nascemos, ela já começa por aí, a cidadania. (...) se não fosse isso (...)
o nascimento, eu acho que não teria isso.(...) A gente quando nasce é pequenininho e conforme vai
vendo os outros, vai crescendo; os pais dando educação, dando estudo, a pessoa ali vai se formando,
né?Aí, já tem mentalidade do que é bom e do que não é, né?(...) Eu acho que vem de casa, a
educação, coloca na escola ... Os professores. Se não for de casa [fica em silêncio]. Tem que vir de
casa. A pessoa tem que ter educação, os pais ensinarem e tudo pras pessoas irem evoluindo, né?
(Neuza)
(...) acho que vem da família, não é? (...) porque a família assiste os primeiros passos, as primeiras
palavras, o primeiro você é você, né?(...) minha mãe dizia: “- Você não é outra pessoa, então você
tem que seguir o que é , você não pode se deturpar pra ser igual ou pior do que fulano, você tem
que ser o que você é.(...) quando começa uma cidadania, que eu sou eu, a cidadã, que não tenho
nada a ver com os outros, mas que tenho tudo a ver com todo mundo. (Marta)
Penso ser interessante tecer um comentário diante do depoimento de Marta quando
diz que é uma cidadã e não tem nada a ver com outros - refere-se ao âmbito privado,
individual, particular; mas que ao mesmo tempo, afirma que tem tudo a ver com todo
mundo - quer dizer que não vive isolada, pois, no cotidiano, ela faz parte de uma rede de
relações sociais, de modo que as ações de cada pessoa sempre repercutem na vida de outras
pessoas - o âmbito público, coletivo.
(...) do próprio lar, vai criando conceitos que lhe são transmitidos a fim de seguir o certo. Ele tá
sendo formado como uma pessoa, ele vai através de imitações dos pais, né? A convivência nas
escolas.(...) o cidadão de hoje quando ele tá em formação, ele tem conceito do que é cidadão e com o
desenvolver de vida, na escola da vida, vai tendo outra conceituação do que é cidadania, são fases.
(Edson)
(...) a cidadania vem quando a pessoa nasce, cresce, recebe as informações em casa, tem as
informações do que é ser um bom cidadão [risos], saber que tudo não é só ser uma pessoa egoísta, a
pessoa tem que ser uma pessoa também fazendo o bem pra outras pessoas, ajudando também as
121
outras pessoas (...). Acho que a pessoa adquire [a cidadania] através principalmente dos pais, acho
que a educação vem de casa, depois da escola (...). A pessoa nasce com caráter (...) eu penso assim,
caráter você não obtém, você já nasce com ele; agora você educar é diferente, às vezes, a pessoa é
mal-educada e você pode educar, você pode ensinar que aquilo é errado, que o certo é isso.
(Marizete)
O cidadão é desde quando a gente nasce (...) os pais dão esta cidadania pelo nome que a gente tem
(...) o primeiro registro (...) que os pais dá e ele passa a ser um cidadão (...) mas é gente que tem que
ter a honestidade no nome da gente, conservar o nome da gente. (D. Maria B.)
Da formação da pessoa, né? Do modo que a pessoa se comporta, do jeito que foi criado; e aí que a
pessoa se torna um cidadão (...). Não, dá não [cidadania], a pessoa pode ajudar instruir a pessoa
(...) melhorar de condição de vida (...). (Matilde)
Quando os depoentes referem que a cidadania é transmitida pela família, tal
pensamento pode ser remetido à Antiguidade Clássica (Grécia) - conforme comentou-se nas
bases teórico-conceituais desta pesquisa – onde a cidadania era passada de geração em
geração, por vínculos de sangue, de acordo com Guarinello (2003).
- Leis / governo
Na Grécia - Antiguidade Clássica, veiculava-se a idéia de cidade em primeiro lugar, e
só depois vinha a noção de cidadão (FUNARI, 2003). O depoimento a seguir expressa um
pensamento que remete a tal época:
Cidadania... Cidade, né? Vem das cidades (...). Aí entra a lei do Estado, essa coisa toda, eu não sei
(...). (Alfredo)
Quando as depoentes a seguir comunicam que a cidadania é dada por representantes
políticos do governo, pode-se reportar a Roma, como comenta Funari (op.cit.), onde a
cidadania era dada aos súditos do imperador através de alforria ou concessão individual ou
coletiva.
122
É dada por alguém [mexe com a cabeça no sentido afirmativo](...) Ah! Pelos governantes, né?(...)
desde o tempo do Império sempre existiu [cidadania] (...). ( Zizi)
Eu acho que, sei lá, é o prefeito, o vereador, o senador, eu acho que são eles que dão [cidadania],
né? (Neide)
As falas que se seguem abordam a questão das leis que são feitas em um
determinado território e que expressam uma conquista no processo de construção da
cidadania. Apenas nascer e fazer parte de um determinado lugar não garantem que as leis
sejam cumpridas. Daí ser necessário lutar e ir contra as injustiças sociais vigentes.
É dada porque quando você, por exemplo, registra uma criança, a partir daquele momento que a
criança for registrada, passa a ser cidadã. (...) as leis, as leis do país que faz isso, que cria as leis do
homem. As leis que o homem faz é que cria a cidadania. (Glória)
(...) olha, talvez do povo mesmo, que tem lutado pelos seus direitos (...). É do povo, é o povo que vai
acabando exigindo seus direitos, se rebelando contra as injustiças, talvez seja isso.(...) educação
você dá, mas cidadania, não; é um direito quando você nasce em determinado lugar, você ganha
esse direito de ser cidadão, desse país, dessa cidade, desse estado. (Nely)
(...) Ninguém dá, né?[cidadania]. A pessoa impõe o que tá na lei, depende da lei. É um direito que
todo mundo tem, ser cidadão. (Naná)
Intrínseca ao sujeito - quando nasce com o indivíduo, é inerente a ele. Aparece apenas na
esfera valorativa, conforme mostram os trechos dos depoimentos a seguir:
Da pessoa [fica em silêncio](...) tá com a gente, vem com a gente. (...) Desde quando a pessoa faz
parte, desde que a pessoa começou a crescer, criança. (...). A pessoa tem que andar direito, não
mentir (...). (D. Maria)
Ela nasce da gente mesmo, né? Ela nasce da gente. (...) A partir de quando você começa... A
adolescência, você começa a se desabrochar (...) a pessoa já vem com um dom. Ó o jogador de
futebol, tem que vir com ela [a bola], com a bola no pé, se não vir, não joga nunca.(...) Deus(...)
Como que Ele dá?Você vem de uma criação (...) Você nasceu ali, você vai crescendo ali, e vê seus
vizinhos, você vai crescendo (...). Tem pessoas que nascem lá no morro, descem e é doutor,
advogado... Aquilo é uma coisa de Deus, é uma coisa da pessoa (...) Deus dá, isso eu tenho certeza.
123
Eu vou dizer uma coisa pra você, a fé... Você é um Deus. Por que? Porque você tem fé, ele é um
espírito (...). (João)
Ah, eu acho que é do caráter da pessoa, né? Pessoa que tem no caráter vergonha, acho que ali já é
um cidadão, já com princípio de formação de cidadão.(...) Acho que vem do caráter da pessoa, da
formação, de pai e de mãe, a doutrinação que ele teve da família, tudo é um começo de um cidadão
(...) Não [não se dá a cidadania] isso aí é característica própria de cada um cidadão, de cada pessoa,
né? (...). ( Oti)
De modo geral, para dezesseis (16) sujeitos, a origem da cidadania é extrínseca;
sendo que para sete (7) depoentes é extrínseca no âmbito valorativo; e para nove (9),
extrínseca no âmbito normativo. A origem é intrínseca para três (3) depoentes. Apenas uma
entrevistada (1) informou não fazer idéia sobre a origem da cidadania.
Sendo assim, a origem da cidadania quando apresenta caráter valorativo pode vir de
dentro da pessoa (intrínseca) ou de fora (extrínseca) - quando os valores são recebidos e
usufruídos, com a participação de pessoas no âmbito particular ou público. Porém, quando a
origem apresenta caráter normativo, só aparece vindo de fora. Isso significa que as normas
não estão dentro das pessoas, mas sim, fora.
126
RELAÇÃO ENTRE CIDADANIA E SAÚDE
Nesta grande linha buscou-se estabelecer os nexos entre cidadania e saúde, partindo-
se de duas questões centrais. Foi perguntado aos sujeitos se a saúde tem a ver com a
cidadania e se o atendimento em serviços de saúde está ligado à cidadania. A primeira
pergunta gerou respostas mais ligadas à concepção dos sujeitos sobre saúde, e a segunda
levou os sujeitos a desenvolverem o pensamento sobre a interação que se estabelece entre os
usuários e os profissionais em uma perspectiva valorativa-afetiva; e sobre o atendimento dos
serviços em uma perspectiva normativa.
A expressão da cidadania na saúde
Para oito (8) depoentes, a saúde é entendida como um bem-estar físico que é
representado por um corpo ativo; e para cinco (5) destes, este corpo ativo possibilita o
exercício de uma ação solidária com o outro, o que evidencia o pensamento dos sujeitos
veiculados na primeira grande linha, quando foi discutida a questão da dimensão valorativa
que marca de forma expressiva a representação da cidadania por eles.
Para seis (6) depoentes, o enfoque nesta relação está voltado para saúde como um
direito de todos e dever do Estado; e quatro (4) depoentes destacam a saúde como um serviço
médico. Apenas duas (2) depoentes informaram não saberem responder.
- Saúde como um bem-estar físico que se expressa na atividade do corpo
Os depoimentos a seguir mostram a saúde entendida como um bem-estar físico que se
manifesta em um corpo ativo, isto é, um corpo capaz de interagir bem com o seu meio social;
enquanto que sem saúde - doente - e portanto, inativo, ficam restritas as possibilidades para
trabalhar, fazer amizades e ajudar o próximo, por exemplo.
127
(...) Se a gente tem saúde, a gente transmite bons princípios, agora, a gente sem saúde, não tá
transmitindo cidadania pra ninguém, porque a gente tá sem força (...). (Patrício)
(...) Porque se ele é um cidadão, é um homem tranqüilo que aceita as coisas que vêm, um homem que
é... portanto tão poderoso, tão cidadão que ele diz “- Poxa, eu vou ajudar fulano, eu vou fazer pelo
meu amigo, eu vou fazer pelo meu compadre, pelo meu irmão, meu irmão tá mal, tá precisando de
um médico mais profissional” (...). (João)
(...) se você não tiver uma boa saúde, você não pode trabalhar, você não pode ver uma pessoa no
hospital, ser caridoso com o outro, não pode ser um cidadão, se você não tiver uma boa saúde, não
pode, entendeu?(...) (D.Maria B.)
(...) Porque sem saúde você não faz nada, não é? Como você iria ajudar?(...) (Alfredo)
(...) viver em paz, viver bem, fazer amigos, é isso que eu acho que é bom pra saúde e pra cidadania
(...).(Matilde)
A relação entre a saúde e a atividade do corpo, e a doença com a inatividade foi
apontada por Herzlich (1975) em seu estudo sobre as representações sociais da saúde e da
doença na França. Dentre os resultados, evidenciou-se que a inatividade em conseqüência da
doença faz com que a participação social do sujeito se extinga e dessa forma, sua identidade
social fica ameaçada. Em outro estudo, sobre as representações sociais do corpo, Ferreira
(1999) também encontrou resultados que guardaram nexos com os de Herzlich (op.cit.). O
corpo sadio vincula-se ao trabalho ganhando sentido na idéia de utilidade. Logo, a saúde é a
condição para que o corpo-sujeito seja ativo, produtor e útil; ao passo que na doença, o corpo
ganha sentido na idéia de inutilidade, uma vez que, em contraponto com o corpo-sadio, o
corpo doente é não-produtor e inútil porque é inativo.
Relacionar a cidadania com a saúde através da idéia de bem-estar físico traduzido em
um corpo ativo faz sentido no âmbito geral dos resultados até aqui apresentados. Se os
sujeitos deste estudo representam a cidadania em uma dimensão valorativa-afetiva traduzida
em comportamentos e práticas de solidariedade, é mister que o sujeito se lance à ação em
uma perspectiva de participação social (para sentir-se útil), salvaguardando, assim, a sua
128
identidade social como cidadão. Esta é uma das vias explicativas para a relação que os
sujeitos estabeleceram entre os objetos cidadania e saúde.
Os depoentes também foram perguntados sobre os fatores que os influenciam a ter
uma saúde melhor. Doze (12) deles citaram a alimentação ou uma boa alimentação, uma
alimentação correta ou adequada como um fator fundamental e seis (6) depoentes citaram o
atendimento médico como um fator que contribui para uma saúde melhor. É importante
lembrar que estas citações não foram excludentes e sim sofreram co-ocorrência.
Tais respostas podem ser discutidas na mesma linha argumentativa que a anterior,
pois a alimentação é uma necessidade humana básica que mantém a funcionalidade do corpo,
ou seja, é o combustível para a manutenção de um corpo em atividade; e o atendimento
médico apareceu nos depoimentos com um cunho de expressão da necessária solidariedade
que se deve ter entre o profissional e o seu cliente. O exemplo a seguir ilustra a referência
que o depoente fez ao médico como cidadão, na medida em que este profissional cuida da
sua saúde (corpo) e o entende:
(...) porque quem cuida dela [saúde] se não for um cidadão [médico] (...) Tem que ser um cidadão
pra cuidar daquele paciente, pra saber e entender ele melhor, entendeu?(Oti)
Citar o atendimento médico para representar a relação entre cidadania e saúde não
chega a causar surpresa, haja vista que vivemos em uma sociedade que tem o médico
representando uma figura hegemônica na área da saúde. Penso que tal hegemonia prevalece
porque é no médico que o usuário encontra resolutividade para os problemas que o levam a
buscar o serviço de saúde, uma vez que, na maioria das vezes, a busca pelos serviços se dá,
não para se promover saúde e prevenir doenças, mas sim quando a doença já está instalada e
precisa ser diagnosticada e tratada.
A prevenção citada na Constituição, art. 198, n.II. que afirma “atendimento integral
com prioridade para atividades preventivas” (BRASIL, 2002, p. 137), via de regra, não é
129
implementada no que pese a realidade da Saúde Pública no Brasil. Esta questão, inclusive, é
evidenciada por uma das depoentes deste estudo:
(...) Eu acho que o governo sempre perde na parte da saúde porque ele não faz prevenção da
saúde, ele quer tratar a doença, né? Isso é dado verídico, porque você vê que nós temos um país
cheio de gente doente (...) você vê cheio, lotado, é muita doença (...). (Marta)
Em menor freqüência, apareceram como fatores que contribuem para uma saúde
melhor: ter paz em casa; situação financeira suficiente para atender às necessidades básicas;
viver em um ambiente limpo, com condições dignas de moradia; possuir bom estudo para
poder conhecer a própria saúde; fazer amigos; participar de grupos de educação em saúde nas
unidades de saúde; saber usar o Sistema Único de Saúde (SUS); ter acesso a remédios
gratuitos e receber esclarecimento sobre doenças nas unidades de saúde; ser solidário;
praticar atividade física; e condutas políticas dos governantes. Esta última citação apareceu
em um depoimento, na medida em que os políticos têm responsabilidade no que diz respeito
ao andamento das políticas sociais em uma cidade, estado ou país. Neste sentido, suas
condutas políticas implicarão diretamente nas questões ligadas à saúde, pois, como pode ser
visto, os fatores promotores de saúde são amplos, levando-se a inferir que os sujeitos têm um
conceito de saúde que não a coloca em oposição à doença, mas a entendem como um
estado/resultado de várias condições dignas de vida.
A alimentação, a saúde, a educação e a moradia correspondem aos direitos sociais
previstos na Constituição Brasileira de 1988. Tais direitos sociais podem ser considerados
como determinantes sociais da saúde – estes são elementos de ordem sócio-econômica que
afetam o quadro de saúde de uma população. O trecho do depoimento de Zizi expressa tal
raciocínio.
(...) a saúde nossa depende da demanda da educação, de um salário (...). (Zizi)
130
É importante destacar que diante das iniqüidades presentes nas condições de saúde da
população, o diretor geral da Organização Mundial de Saúde (OMS) propôs, na Assembléia
Mundial de Saúde, de 2004, a criação de uma comissão para trabalhar em prol da melhoria
destas condições. Neste sentido, em março de 2005, foi criada pelo governo brasileiro a
Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS) que estará em vigor até
2008 (BRASIL, 2006b).
É preciso que a saúde seja entendida à luz do paradigma da produção social da saúde,
de modo que o conceito de saúde não seja mais ausência de doença - algo estático - mas sim
seja dinâmico na medida em que é um produto das relações sociais de modo a exprimir
qualidade de vida. Neste processo, há então a valorização do coletivo – da vida em grupo - e
o foco deixa de ser curativo para ser preventivo (MENDES, 1999).
Pode-se dizer que a qualidade de vida está implícita nos depoimentos dos sujeitos que
participaram deste estudo, na medida em que ao relacionarem saúde com cidadania
apontaram condições para se viver melhor. No entanto, somente uma (1) depoente fez alusão
ao termo “qualidade de vida”:
Sim, pra poder ter qualidade de vida, então se a pessoa não tiver uma boa saúde, não tiver uma boa
alimentação, como ela vai ter qualidade de vida?(...) (Marizete)
Entretanto, não se pode pensar nas condições promotoras da saúde de forma isolada,
pois quando se pensa em ter boa alimentação, por exemplo, é preciso que se tenha dinheiro
para comprar os alimentos, assim como, para se atender às outras necessidades como
moradia, entre outras. Caso a pessoa não tenha uma renda suficiente para seu sustento, não
terá como prover as condições para ter uma boa saúde, pois se a relação entre cidadania e
saúde está centrada no bem-estar físico/atividade do corpo, cujo fator preponderante para a
promoção deste é a alimentação, quem não a tem em quantidade e qualidade comprometerá a
atividade do corpo e afetará a integridade de sua cidadania.
131
- Saúde como direito de todos, privilégio de alguns e dever do Estado
De acordo com a Constituição Brasileira, a saúde é um direito de todos e um dever do
Estado. O direito à saúde envolve o direito a ter acesso e atendimento aos serviços de saúde.
À luz dos depoimentos dos sujeitos, este entendimento parece estar bem difundido, conforme
se pode constatar a seguir:
Ah sim, eu acho que saúde é um direito que toda a pessoa tem, né? (...). (Marta)
(...) Eu acho que esse negócio de cidadania é uma forma de organizar melhor, tá entendendo?
Como o homem vai viver, é um tipo de organização. O homem tem direito à saúde, como tem direito
ao trabalho, e isso é uma forma de organização (...). (Glória)
(...) Eu acho que tem sim, tem que ter, é obrigação do Estado, da Nação, da União, que exista
médico, hospital, posto de saúde, ambulatório... Tudo é um direito sim e o Estado que dá (...).(Nely)
No entanto, a falta de recursos materiais e humanos no campo da rede
pública de serviços de saúde evidencia um total descaso para com o cidadão,
conforme comentado pela depoente:
Tem, mas também, não é respeitada, né? Porque quantas pessoas precisam e não tem médico? Não
tem nada, os hospitais tão tudo abandonado, então a gente praticamente não tem este direito, né?
(Neide)
A crise na saúde acaba por se refletir na qualidade do atendimento nos serviços, tanto
que ser bem atendido passa do direito ao privilégio, conforme ilustra a fala a seguir:
Porque todo mundo tem direito a ser atendido, né ? À saúde, né ? Ir a médico. Mas eu acho que nós
vemos aí, é que nem todo mundo tem este privilégio, né ? De ser bem atendido... (Naná)
No que diz respeito aos direitos, os sujeitos foram perguntados se saberiam dizer
sobre algum direito que está relacionado com o estado de saúde, isto é, como a pessoa está
passando de saúde. De imediato, só três (3) depoentes souberam responder: uma (1) abordou
132
o direito do paciente com câncer e do paciente com cardiopatias letais de não mais
declararem imposto de renda; o direito ao transporte gratuito - passe-livre – não só para
maiores de 65 anos de idade, mas também para pessoas com algumas doenças de tratamento
prolongado; e também comentou sobre o direito que a pessoa com mais de 65 anos tem ao
acompanhante quando estiver internada. As outras duas (2) depoentes falaram do direito à
assistência médica pública e o direito a ter acesso à farmácia popular para quem tem mais de
65 anos.
O restante dos sujeitos (17) não souberam responder. Então, lhes foi perguntado sobre
o conhecimento deles acerca da lei da gratuidade da passagem de ônibus – passe-livre – para
pessoas com determinados problemas de saúde. Estes depoentes informaram conhecer este
direito; no entanto, nove (9) enfocaram que este direito é voltado para pessoas com
deficiência física; dois (2) deles citaram que seria para pessoas com problemas psiquiátricos,
além das pessoas com deficiência física; e duas (2) referiram não saber em quais casos de
doença é válido tal direito, questionando se elas próprias também teriam este direito,
conforme aparece nas falas a seguir:
(...) A gente que tem assim problema de pressão alta, nós temos direito? Eu não sei se temos, uma
vez, eu ouvi dizer que até pode também, pode, né ? Eu não sei.(Miriam)
(...) porque eu quero saber se eu tenho direito, porque se eu tiver direito, eu vou correr atrás. Eu sei
que tem certas doenças que dão gratuidade ao ônibus coletivo, né ? E eu queria saber, eu gostaria
de saber. (Zizi)
Na verdade, o que acontece é que nos casos em que a pessoa necessita ir várias vezes
à unidade de saúde durante um determinado período para realizar tratamento, o serviço de
assistência social da unidade pode vir a encaminhar este usuário - junto com um laudo
médico que explica a sua situação de saúde - para alguma instituição social (prefeitura)
vinculada à Secretaria Municipal de Assistência Social. A esta cabe a formulação da política
133
pública de atendimento ao “portador de deficiência” da respectiva cidade e execução de
ações neste sentido.
Portanto, não é o tipo de doença o único determinante para conseguir este direito, mas
sim outras condições que são avaliadas por profissionais – assistente social e médico – de
uma unidade de saúde.
Infelizmente, nenhum usuário fez referência a um órgão chamado Defensoria
Pública da União - órgão federal - que pode garantir o atendimento e tratamento em saúde em
qualquer esfera – municipal, estadual ou federal – quando não cumpridos. Por exemplo, se
uma pessoa não tem condições de comprar um determinado medicamento solicitado pelo
profissional de uma instituição pública de saúde, ela pode, através desse órgão, saber como ter
acesso a tal remédio. Este órgão também informa quais direitos sociais a pessoa tem diante do
seu estado de saúde.
Ao serem perguntados se receberam algum tipo de informação ou viram cartazes
ou participaram de palestras sobre direitos relacionados ao estado de saúde, nas unidades de
saúde, só quatro (4) depoentes responderam que receberam informações: duas (2) receberam
informações durante uma consulta médica e as outras duas (2) pela assistente social. Nenhum
dos depoentes referiram ter visto cartazes ou ter participado de palestras que tivessem este
tema em questão.
Acerca dos meios que constituem fontes de informações sobre estes direitos,
apenas três (3) depoentes informaram não saber responder. É importante ressaltar que as
citações sobre estas fontes não foram excludentes, ou seja, houve co-ocorrência dos meios os
quais os depoentes obtêm informações. Deste modo, sete (7) depoentes citaram o rádio e/ou
televisão; seis (6) depoentes citaram pessoas consideradas “conhecidas”, isto é, que fazem
parte das relações sociais já existentes, de modo que estas pessoas conhecidas já haviam
passado ou estavam passando por alguma experiência no que diz respeito a tais direitos
134
sociais relacionados ao estado de saúde; duas (2) depoentes disseram terem obtido
informações através de usuários da unidade de saúde que aguardavam a consulta médica ou
encontravam-se na fila de medicamentos na própria unidade - de certa forma, estes lugares
agrupam pessoas que apresentam situação de saúde parecida; e dois (2) depoentes citaram a
fila de banco e/ou fila de mercado que são lugares de interação entre pessoas que não se
conhecem, cujos encontros não se dão de forma intencional, mas sim ao acaso, no dia-a-dia.
Esta situação é evidenciada na fala a seguir:
(...) no cotidiano da vida, a gente escuta comentários de um e de outro. (Edson)
Nestas interações cotidianas, as informações circulam e as pessoas vão emitindo
opiniões, debatendo idéias, construindo e (re)construindo suas representações sobre diversos
objetos sociais ao longo da vida.
Para Moscovici (1978, p. 28):
“A comunicação jamais se reduz à transmissão das mensagens de
origem ou ao transporte de informações inalteradas. Ela diferencia,
traduz, interpreta e combina, assim como os grupos inventam,
diferenciam ou interpretam os objetos sociais ou as representações de
outros grupos”.
Portanto, as pessoas, ao trocarem informações, processam o novo conhecimento
transformando-o à luz de suas vivências pessoais, isto é, de seu contexto de vida e, assim
atribuem um sentido para de fato, como diz Moscovici (op. cit), não ficarem de fora daquilo
que está circulando coletivamente.
- Saúde como um serviço médico
Esta subcategoria revela a saúde como um serviço médico de atendimento às pessoas -
cidadãos - de acordo com os trechos dos depoimentos a seguir:
135
(...) tomar o remédio certo [prescrito pelo médico], tudo certinho. (D. Maria)
Tem, mas não exerce, entendeu? A saúde [setor] tem que olhar a cidadania, vamos dizer,
conscientizando melhor os pacientes, a sociedade, a comunidade em torno da unidade que tá lá
médica, enfim é esse o meu conceito.(Edson)
Porque é onde a gente procura saúde, na área médica, essas coisas todas [risos]. É o atendimento a
todos, pra uma melhora (...) Pro atendimento das pessoas que necessitam, se tratarem como
pessoas. Olha, neste ponto, eu acho que tem, porque este negócio da saúde tá muito ruim. O cidadão
precisa, às vezes, de fazer um tratamento, de correr a um hospital, mas ele não tem. E aí como a
pessoa vai fazer? Pra quem não tem, corre ali, não tem remédio, não tem uma internação, não tem
não sei o que, quer dizer, então o cidadão sofre por isso (...).(Neuza)
No tocante à ênfase da saúde ligada à área médica, penso que seria necessário
promover discussões entre o setor saúde e a população para que todos pudessem refletir sobre
a importância da integração da medicina com outras áreas da saúde - enfermagem, nutrição,
fisioterapia por exemplo. Além disso, é preciso haver, de fato, uma integração na prática
destes serviços, de modo que o usuário possa vivenciar esta realidade e entender a
importância de receber um atendimento integral em saúde.
Lamentavelmente, a realidade nas instituições de saúde mostra cada serviço
trabalhando separadamente, havendo deste modo o predomínio da multidisciplinaridade em
detrimento da interdisciplinaridade.
Além da interação entre os serviços de saúde, é preciso haver também a interação do
setor saúde com outros setores sociais como meio-ambiente e trabalho, por exemplo, na
medida em que se percebe que o sujeito faz parte de uma rede social para (sobre)viver.
Caso contrário, o setor saúde acaba tendo que dar conta da conseqüência de
problemas que estão diretamente ligados com a condição de vida das pessoas. Como
exemplo, um indivíduo que está desempregado, sem se alimentar bem, vai à unidade em
busca de solução para problemas físicos e/ou psíquicos que vem apresentando. Na verdade, a
causa do seu problema não pode ser resolvida no setor da saúde, mas este acaba tornando-se
136
um „„salvador da pátria‟‟, como revela o depoimento a seguir, na medida em que a demanda
que chega às unidades de saúde tem que ser atendida:
(...) Porque o povo que precisa deste povo [profissionais de saúde] que tem este coração, esta
mentalidade de se enfiar num estudo desse para poder salvar a pátria (...).(João) .
Neste caso, o atendimento em saúde passa a apresentar um caráter paliativo, pois
enquanto a causa do problema não for resolvida, o usuário ainda pode retornar muitas vezes
à unidade de saúde.
À luz dos depoimentos dos sujeitos, o serviço médico corresponde a um dever, e quem
cumpre este dever exerce a cidadania; assim como o usuário tem o dever de cuidar da sua
própria saúde e ao buscar atendimento e recebê-lo, exerce um direito.
Portanto, a relação entre cidadania e saúde sendo entendida no âmbito do
direito/privilégio dos sujeitos e dever do Estado está voltada para a dimensão normativa, na
medida em que enfoca a questão dos direitos e deveres . Então, as normas sendo cumpridas
evidenciam o exercício da cidadania, conforme a discussão desenvolvida na primeira grande
linha deste estudo.
A expressão da cidadania no atendimento dos serviços de saúde
Ao relacionar a cidadania com o atendimento dos serviços de saúde, as idéias
veiculadas pelos sujeitos também comunicaram as marcas das dimensões valorativa-afetiva e
normativa. A primeira se expressou na importância atribuída pelos sujeitos à interação entre
usuários e profissionais de saúde (doze depoentes); e a segunda se expressou no atendimento
dos serviços de saúde (sete depoentes). Apenas uma depoente informou não saber responder a
esta questão.
137
A perspectiva valorativa-afetiva se expressou na interação entre os usuários e os
profissionais de saúde. Os depoentes consideraram que no atendimento, a relação/interação
dos profissionais deve ser permeada pela afetividade e por virtudes morais como, por
exemplo, carinho e respeito, respectivamente. Tal concepção vai ao encontro do que
entendem por cidadania, quando voltada para uma dimensão valorativa-afetiva, conforme
ficou evidenciada na primeira grande linha deste estudo.
Em sua teoria transpessoal do cuidado, Watson apud Talento (1993) tipologiza o
cuidado de enfermagem em duas grandes categorias: o instrumental e o expressivo. Na
primeira, estão congregados os procedimentos técnicos instrumentais de intervenção que se
atrelam à clínica em atendimento às demandas biológico-biomédicas do cliente. Na segunda,
estão congregados os cuidados que se dão no âmbito da interação e do acolhimento
correspondendo ao caráter relacional do cuidado. Outras pesquisadoras reiteram a importância
dos cuidados expressivos no âmbito do atendimento de saúde, em especial de enfermagem,
como Waldow (1998; 2006) quando evidencia o necessário resgate do cuidado humano.
Nesta linha, Ferreira (1999, p.214) demonstrou que elementos como
atenção, carinho, respeito, confiança são constituintes de um cuidado
expressivo, pois “valoriza a humanização do cuidado e resgata no sujeito a sua
condição humana”. Reiterando estes estudos, outras pesquisas evidenciaram o
caráter expressivo do cuidado e a valorização deste pelos clientes (MENDES;
CASTRO; FERREIRA, 2003; CASTRO; MENDES; FERREIRA; 2005;
FERREIRA, 2006).
Os depoimentos a seguir exemplificam o cuidado expressivo requerido pelos usuários
no atendimento de saúde:
138
Se você não transmitir… o seu interior pra outra, você não está sendo cidadão com a pessoa, não
(...)Aqui, nesta unidade, é tudo cidadão, pelo ambiente que a gente faz aqui dentro, porque se eu
chegasse aqui e visse mal-humor da pessoa, carrancudo, então é complicado(...). (Patrício)
[Fica em silêncio] Sim. Porque um remédio bem informado, a pessoa se sente outra. Tem que tratar
todo mundo igual, sem diferenças.(D.Maria)
Eu acho que a... Relação de saúde com cidadania? Eles procuram elevar muito, não só elevar na
saúde, mas moralmente as pessoas doentes. Isso é um gesto de cidadania, isso é fornecer cidadania
pra aquele que precisa, que está doente (...) então chega aqui e recebe um carinho, um reforço, acho que isso, né? É um gesto de cidadania que o posto oferece (...).( Marta)
(...) Pra mim é isso, fazem [profissionais de saúde] o melhor à pessoa (...). (João).
(...) o serviço, se não atender bem, um posto de saúde, não tem cidadania nenhuma (...). (D. Maria
B.)
Sim, porque vocês, às vezes, procuram orientar bem as pessoas (...). (Alfredo)
(...) porque, às vezes, a gente não procura, não vai à lugar nenhum; levei muito tempo sem fazer um
tratamento porque não procurava, vinha só aqui [policlínica em questão - aponta com o dedo
indicador pra baixo a fim de enfatizar o local referido], mas depois eu comecei a ir pra outros lugares
e aí... .acho que isso é cidadania, porque você vai, conversa com um, conversa com outro
[profissional de saúde] e vai entendendo melhor as coisas. (Matilde)
(...) uma coisa tão boa, a gente chega no posto, é bem tratado, é remédio, as meninas que vem,
tiram a pressão, né? Muito atenciosas [alunas de enfermagem da UFF], então é muito bom o que
vocês fazem com a gente. (Miriam)
O atendimento [fala baixinho]. É né? Tá na mão de cidadãos, que é o médico, que a gente confia,
não é um cidadão? Médico é um cidadão, a gente confia naquele cidadão pra ele exercer a cidadania
dele, tá? O médico tem que entender a outra pessoa; se ele é do bem, ele também tem que entender
outra pessoa que também é do bem, um cidadão.(Oti)
Ás vezes sim, às vezes não (...). Porque às vezes tem médico que olha e diz. "- Ah, você não tem
nada.", isso antes de te examinar. Então aí já começa errado.[Às vezes sim] Porque eles te
examinam direito, com maior paciência, com educação.(Neide)
Ao mesmo tempo que os usuários expressam querer ser bem atendidos, pois este é um
direito do cidadão e dever do profissional, isto não ocorre a contento, pois há experiências
que evidenciam o avesso do bom atendimento:
139
Está. Deveria estar, mas é péssimo por que? Porque as pessoas são mal remuneradas, trabalham
com má vontade, não tão fazendo aquilo que gostam, atende mal as pessoas, como se as pessoas
tivessem ali, pedindo uma esmola, mas não tão pedindo esmola (...).As pessoas são muito mal-
tratadas (...). (Zizi)
Fortes (1998) comenta que os profissionais de saúde, tanto do serviço público quanto
do privado, apresentam desmotivação para trabalhar em virtude das condições de trabalho,
como baixos salários, que os levam a trabalhar em mais de um emprego, o que proporciona
um falta de vínculo adequado com a clientela e com o próprio serviço. Além disso, estes
profissionais tiveram uma formação no ensino deficitária, o que gera um atendimento
inadequado às necessidades da clientela que favorece a despersonalização das relações com
os clientes.
Por outro lado, penso que tal situação dos profissionais de saúde não pode ser a
justificativa para o mal atendimento, pois „„o respeito à pessoa humana é um dos valores
básicos da sociedade moderna, fundamentando-se no princípio de que cada pessoa deve ser
vista como um fim em si mesma e não somente como um meio‟‟ (FORTES, op.cit.).
Em contrapartida, o bom atendimento, quando acontece, pode acabar sendo entendido
como um privilégio de poucos, pois diante de todas as dificuldades que o setor público de
saúde vem atravessando, o melhor parece estar reservado a poucas pessoas, que são as que
fazem parte de uma rede social que detém um certo prestígio na sociedade. Esta concepção é
ilustrada pela fala a seguir:
(...) O cidadão chega no hospital e diz que: “- Que atendimento bacana! Eles me trataram como se
fosse uma pessoa de projeção, me atendeu que eu fiquei até satisfeitíssíssimo”. (Edson)
A perspectiva normativa vem à tona, justamente, quando o atendimento dos serviços
de saúde é entendido no âmbito do direito de todos e dever do Estado.
140
(...) Tudo que pertence ao governo, ao Estado, e essas coisas tá ligado à cidadania. Eles é que ajudam
os cidadãos que tão com pouco, por exemplo, ir no centro de saúde, você poder ter conforto, ter
atendimento, essas coisas? Quem dá, não é o governo? É o governo, é obrigação do governo dar (...)
(Maria)
Ah.. tá né? Tá porque é um direito que todos nós temos, né? Uma assistência médica que as pessoas
têm direito, isso já tá instituído em governo, que a pessoa tem direito à saúde, né? Tem direito à
assistência médica (...). (Marizete)
Está, como também o direito do consumidor tá ligado à cidadania, a justiça gratuita, né? Também, todas essas coisas tão ligadas à cidadania.(Nely) Tá, porque o cidadão tem direito... ao tratamento dele, de saúde, como tem direito ao trabalho (...). (Glória)
É o atendimento das pessoas, eu acho. Porque se as pessoas não tiverem atendimento, como que eles
vão viver? Todo mundo tem seus problemas, todo mundo passa suas dores, todo mundo precisa de
um atendimento, de uma assistência... Todo mundo é cidadão. (Carminha)
Sim. Porque é um direito de todo mundo. É um direito e dever. É pago [o profissional de saúde]
para isso, né? Tem obrigação de fazer, né ? (Naná)
Portanto, a terceira grande linha relação entre cidadania e saúde traduz as dimensões
valorativa e normativa, que sustentaram a discussão da representação social da cidadania na
primeira grande linha e, portanto, para melhor entendê-la, implica em que se faça um outro
investimento no sentido da busca das co-ocorrências havidas entre os temas e as dimensões –
normativa e valorativa - que sustentaram a organização das três linhas.
A fim de reunir os elementos para compor a representação social da cidadania
foram realizadas as co-ocorrências sintetizadas no quadro a seguir:
141
Quadro demonstrativo da relação estabelecida entre pensamento e ação nas
dimensões valorativa e normativa
Definiçã
o de
cidadani
a
Ação
de
cidada
nia
Tipos
de
cidadão
Expressão da
cidadania no
atendimento
dos serviços de
saúde
Ação/Reação
quando os
direitos não
são
respeitados
Sentimentos
quando os
direitos não
são
respeitados
Valorati
vo
(V)
V Todo
mundo
é
cidadão
/ não é
cidadão
.
Interação entre
usuários e
profissionais de
saúde.
Informaram
não fazerem
nada.
Revolta;
sentir-se mal;
tristeza e
raiva;
indiferença.
Normati
vo (N)
N Não-
cidadão
> (/-)
cidadão
> bom /
mau
cidadão
.
Atendimento no
âmbito
normativo >
(QUASE
IGUAL)
interação entre
usuários e
profissionais de
saúde.
A maioria dos
depoentes
referiu algum
tipo de ação
para mudar.
Tristeza;
revolta;
indiferença;
irritação;
conformismo;
humilhação;
mágoa.
Das co-ocorrências, as que se destacaram foram:
1. Co-ocorrência entre definição e ação11
de cidadania
1.1. Definição de cidadania valorativa e ação valorativa
142
Dos vinte sujeitos (20) desta pesquisa, cinco (5) pensaram a cidadania e sentiram-
se cidadãos agindo no âmbito valorativo, conforme os dados constantes no quadro A
(APÊNDICE E).
Para estes sujeitos, em relação ao exercício da cidadania, há dois tipos de pessoas:
o não-cidadão (quatro sujeitos); e o cidadão, já que um (1) dos sujeitos deste grupo
considerou que „todo mundo é cidadão‟.
Os cinco (5) sujeitos que se classificaram no âmbito valorativo, diante do não
respeito aos seus direitos, referiram a adoção de um comportamento passivo, na medida
que não reagem para reverter o quadro de desrespeito. O sujeito valorativo se sente
cidadão na
______________________
11 A ação foi captada à luz da seguinte pergunta aos sujeitos: O que você faz que o deixa sentir como um
cidadão?
ação, quando esta se expressa também no âmbito valorativo. Quando há desrespeito aos
seus direitos, ou seja, desrespeito às normas, ele não reage, pois a cidadania dele está
pautada nos valores e não nas normas. Como a cidadania não se ancora nas normas, mas
sim nos valores, não consegue acessá-las e, por isso, não reivindica a sua aplicação (das
leis e normas).
Sobre a expressão da cidadania no atendimento dos serviços de saúde, quatro (4)
destacaram a interação entre usuários e profissionais de saúde em uma dimensão
valorativa-afetiva, e uma (1) depoente informou não saber responder.
Quanto aos sentimentos derivados do não respeito aos seus direitos, duas (2)
depoentes referiram sentir-se mal, um (1) depoente referiu revolta; uma (1) depoente
referiu sentir indiferença; e uma (1) depoente informou sentir tristeza e raiva.
1.2. Definição de cidadania normativa e ação normativa
143
Do total dos depoentes (20) desta pesquisa, onze (11) pensaram a cidadania e
sentiram-se cidadãos agindo no âmbito normativo, conforme os dados constantes no
quadro A (APÊNDICE E).
Para estes sujeitos, em relação ao exercício da cidadania, há três tipos de pessoas:
o não-cidadão (oito sujeitos); o mais/menos cidadão (seis sujeitos); e o bom/mau cidadão
(dois sujeitos). É importante relembrar que estas tipologias não foram excludentes, pois
alguns depoentes referiram mais de uma delas, de acordo com a forma como as pessoas
exercem seus direitos e cumprem seus deveres.
Entre os onze (11) que se classificaram no âmbito normativo, diante do não
respeito aos seus direitos, nove (9) deles referiram adotar comportamento ativo e agirem
para reverter o quadro de desrespeito ao qual foram impostos, em uma demonstração de
resgate da sua cidadania; e dois (2) referiram não reagirem, ou seja, entendem a cidadania
no âmbito normativo, mas não conseguem acessar as normas para orientar a sua ação,
parecendo então, com a situação das pessoas que pensam e agem voltadas para a
dimensão valorativa. É importante destacar que a dimensão valorativa marcou a
representação dos vinte (20) sujeitos, na medida em que a dimensão normativa veio
sempre acompanhada da valorativa, conforme discutiu-se na primeira grande linha desta
pesquisa.
Sobre a expressão da cidadania no atendimento dos serviços de saúde, seis (6)
enfocaram o atendimento nestes serviços em uma perspectiva normativa, e cinco (5)
destacaram a interação entre usuários e profissionais de saúde em uma dimensão
valorativa-afetiva.
No tocante aos sentimentos derivados do não respeito aos seus direitos, uma (1)
depoente referiu tristeza; quatro (4) referiram revolta; um (1) referiu indiferença; um (1)
144
referiu irritação; (1) uma conformismo; duas (2) humilhação, e um (1) referiu sentir
mágoa.
2. Co-ocorrência entre expressão da cidadania na saúde e ação de cidadania
Expressão da cidadania na saúde Ação de
cidadania
Saúde como bem-estar físico que se
expressa na atividade do corpo (no
âmbito valorativo)
Valorativa
Saúde como serviço médico e saúde
como direito/dever e saúde como
bem-estar físico que se expressa na
atividade do corpo (no âmbito não-
valorativo)
Normativa
2.1. Saúde valorativa, ação de cidadania valorativa
Destaca-se que dos oito (8) sujeitos que informaram ser a saúde um bem-estar
físico que se expressa na atividade do corpo, cinco (5) destes estavam voltados para uma
perspectiva valorativa da saúde, expressando a ação enquanto cidadão, também no âmbito
da ética das virtudes.
2.2. Saúde normativa, ação de cidadania normativa
Em uma perspectiva de saúde normativa, encontram-se doze (12) depoentes,
englobando: os quatro (4) que informaram a saúde como um serviço médico; cinco (5)
que referiram saúde como direito/dever, e os três (3) depoentes que referiram ser a saúde
145
como bem-estar físico (âmbito não-valorativo). Todos os referidos sujeitos também
expressaram a ação de cidadania no âmbito normativo.
À luz destas co-ocorrências, pode-se, então, dizer que a dimensão dos valores
encontra-se no indivíduo, é subjetiva e pode acontecer de forma independente; já a
dimensão das normas encontra-se no coletivo, é objetiva e apresenta-se de forma
simultânea com a dimensão valorativa. Isso pode ser explicado porque as regras são
permeadas pela dimensão valorativa, pois quando uma lei prevê punição para um caso de
roubo, por exemplo, valores morais como honestidade, dignidade e respeito sustentam
esta punição. E as duas dimensões são manifestadas nas relações interpessoais.
O esquema abaixo ilustra tal concepção:
Valores indivíduo subjetividade
Manifestam-se nas
relações interpessoais
Normas coletivo objetividade
subjetividade
É importante atentar para o fato de que as morais normativas e valorativas não são
opostas, e sim apresentam pontos de vista diversos que podem se entrelaçar. É como se a
dimensão valorativa equivalesse a uma descrição de uma boa ação, enquanto a dimensão
normativa equivalesse a uma prescrição de comportamentos, isto é, de uma ação
estabelecida e considerada como boa, - voltada para o bem, para a justiça -, por uma
determinada sociedade (BOBBIO, 2002).
146
A seguir, apresento um desenho do campo da representação social da cidadania, à
luz dos sujeitos desta pesquisa.
Representação social da cidadania e seus nexos com a saúde
Saúde direito/dever
saúde como bem-estar físico
(valorativo) saúde – serviço médico
saúde como bem-
estar físico
Ação valorativa Ação normativa
-interação entre
usuários e profissionais RS da - direitos não atendidos:
CIDADANIA a maioria luta
- direitos não atendidos: - indiferença, revolta,tristeza,
não fazem nada irritação, conformismo
tristeza, raiva.
-revolta,sentir-se mal,
tristeza e raiva; conformismo
- não-cidadãos; +/- cidadão >
- não-cidadãos / cidadãos bom / mau cidadão
-
direito/dever > interação
interação entre usuários e usuários e
profissionais
profissionais
definição valorativa definição normativa
148
As representações sociais da cidadania pelos usuários de um serviço ambulatorial
de saúde
Parti de uma problematização vivenciada quando estudante sobre o conhecimento dos
clientes hospitalizados acerca de seus direitos e deveres. Pude constatar que os clientes
apresentavam dúvidas sobre os seus direitos, e estas estavam relacionadas às suas condições
de saúde, mas não restritas ao campo hospitalar. Após a graduação, pude vivenciar a
experiência de cuidar de clientes no Programa Saúde da Família (PSF) e percebi que estes
clientes, de um modo geral, não tinham informações plenas sobre seus direitos sociais, o que,
de alguma forma, acabava por implicar nas questões relacionadas às suas condições de saúde.
Esta foi a problemática que veio a culminar na proposta da pesquisa em tela, pois
parti do princípio de que uma pessoa ao não ter clareza sobre os seus direitos, pode vir a ter
limitações no exercício de sua cidadania, as quais podem até reduzir o nível de qualidade de
vida. Passei, então, a considerar a cidadania como um objeto importante a ser estudado, uma
vez que estava clara para mim a sua estreita relação com as condições de saúde.
No investimento feito para uma melhor aproximação com este objeto, destacou-se a
dialética havida, na cultura brasileira, entre o exercício do direito e o do privilégio. Este
último, muitas vezes, emergindo no dia-a-dia das pessoas marcando sobremaneira as
condições de acesso e atendimento no setor saúde, diante da inoperância do Estado na
atenção ao cidadão.
No atendimento de enfermagem, nas conversas que mantinha com os clientes,
emergiam várias questões relacionadas não só às condições objetivas de saúde ligadas às
medidas de promoção da saúde, prevenção das doenças, à dinâmica mesma das doenças as
quais os levavam à busca de atendimento profissional (diagnóstico, tratamento, reabilitação e
cura), mas outras que se relacionavam aos direitos/deveres dos cidadãos e implicavam
149
diretamente no pleno exercício da cidadania como, por exemplo: a falta de condições
financeiras dos clientes para adquirir os remédios e/ou para custear o transporte e o não
conhecimento pleno das políticas sociais relacionadas a estes temas específicos, entre outras
questões. Ainda mais, identifiquei que o exercício da cidadania abrangia outras dimensões
ligadas tanto a esfera do conhecimento, quanto da ação.
Neste sentido, passei a dimensionar o objeto cidadania abarcando as possíveis
relações que este poderia ter com a informação/conhecimento, as atitudes e as práticas/ações
das pessoas no processo de viver a vida. Constitui-se em um objeto, portanto, multifacetado,
implicado nas relações sociais cotidianas.
A partir da problemática
evidenciada, o objeto foi cunhado
à luz da Teoria das
Representações Sociais (TRS), no
sentido de acessar o que os
sujeitos pensam e como pensam a
cidadania, com vistas a, a partir
daí, entender as suas ações no que
tange à relação com os serviços de
saúde.
A abordagem teórica escolhida para orientar a pesquisa implicou em entender o
objeto cidadania implicado no sujeito, uma vez que a Teoria não concebe a separabilidade
entre sujeito e objeto. À luz da TRS, a cidadania foi concebida como uma forma de
conhecimento prático, tecido no cotidiano vivido na experiência do sujeito, orientando-o nas
suas ações. Sob este prisma, entender o sujeito como ativo e participativo no processo de
construção do conhecimento sobre as questões relacionadas à sua saúde é crucial e requer
esmerada atenção dos profissionais que o cuidam, principalmente da enfermeira por ser esta
150
responsável pela promoção da saúde, conforto e bem-estar, em respeito à dignidade humana,
de acordo com o que preconiza os princípios básicos da nossa profissão (NIGHTINGALE,
1989).
Ainda em defesa da
relação que se estabelece entre esta
pesquisa e a enfermagem, destaca-
se que o conceito de cuidado de
enfermagem aplicado é fruto de
uma ação (cuidar) que age sobre a
vida, produzindo ações e reações
no sujeito e, neste sentido, tem o
potencial de conduzi-lo a um
processo de conscientização
enquanto sujeito no mundo.
Portanto, pode levá-lo à
autonomia e à expansão em seu
meio social, qualidades estas
importantes no exercício da
cidadania. Neste sentido, o
universo representacional do
sujeito foi abordado nesta
pesquisa como subsídio para se
discutir o cuidado de enfermagem
à nossa clientela.
Isto posto, os dados coletados foram congregados com o intuito de se
chegar ao universo representacional dos sujeitos sobre o objeto cidadania. As
151
três grandes linhas emergentes se desenharam a partir das marcas que se
destacaram dos depoimentos, sendo que as duas primeiras abordaram os
determinantes da cidadania e a sua origem. Estas duas grandes linhas foram
cruciais para o atendimento do primeiro objetivo traçado nesta pesquisa. A
terceira grande linha congregou as relações estabelecidas entre o objeto
cidadania e saúde, em atenção ao segundo objetivo da pesquisa.
No processo de construção da representação social da cidadania, os
sujeitos levantaram atributos de qualificação da pessoa cidadã, cujo cunho do
discurso foi de julgamento moral. Esta atribuição de sentido se deu em dois
âmbitos: valorativo e normativo e, a partir daí, foram se estabelecendo os nexos
entre os determinantes da cidadania e a sua origem.
A discussão da dimensão valorativa se deu à luz da ética das virtudes e a
da normativa à luz da ética das regras. Destaca-se que a dimensão valorativa
marcou majoritariamente as representações, haja vista sua incidência na fala de
todos (20) os sujeitos. A dimensão normativa marcou a fala de dois terços (14)
dos sujeitos, em co-ocorrência com a dimensão valorativa, emergindo, também,
como importante no cômputo geral dos dados.
A dimensão valorativa é um diferencial no exercício da cidadania e traz a
marca do afeto, enquanto a dimensão normativa traz a marca da
informação/conhecimento. Isto reforça a questão de que a representação social
da cidadania está imbricada no conhecimento (ética das regras – normas,
regulamentos e leis, que são do âmbito social) e nos valores (ética das virtudes –
152
também afetiva, que é do âmbito pessoal). Por um lado, a norma – na
dependência da qualidade da informação que o sujeito traz; por outro, o valor –
na dependência das qualidades pessoais de cada um.
Este resultado aponta que, na representação social dos sujeitos, a dimensão
normativa evidencia o exercício da cidadania de uma forma mais democrática, já
que a norma é, em certa medida, geral e aplica-se a todos, sem distinção. Já a
dimensão valorativa, que foi majoritária, individualiza o exercício da cidadania,
uma vez que esta marca é afetiva e, portanto, expressa o sujeito na
particularidade de sê-lo. Esta relação explica, de certa forma, a tipologia dos
cidadãos construída pelos sujeitos, na qual as marcas das dimensões valorativa e
normativa ficaram bastante evidentes.
A tipologia medida por gradientes de cidadania coloca os sujeitos em
condições diferenciadas, ainda que, em tese, a norma os iguale. A diferença
entre os cidadãos se dá, justamente, pelo julgamento moral, de âmbito valorativo
(afetivo), capaz tanto de afirmar a condição cidadã do sujeito, como de negá-la
e, ainda, de resgatá-la, quando por não respeito à norma, o sujeito perde ou
diminui a sua condição de cidadão.
Neste sentido, a dimensão valorativa (majoritária na representação dos
sujeitos) leva a cidadania a ganhar a conotação de “estado”, passando da
abstração à objetividade tangível de algo que se pode ter mais ou menos ou
deixar de ter. Assim, as pessoas não são, mas sim tornam-se cidadãos, na
153
dependência de como exercem a cidadania no seu cotidiano e do julgamento
moral da sociedade em que vivem.
Quanto à origem da cidadania, os resultados coadunam-se com a análise
anterior, uma vez que mais de dois terços (16) dos sujeitos veicularam a idéia
de que a cidadania vem “de fora”, sendo extrínseca ao sujeito; somente três (3)
comunicaram que esta seria intrínseca a eles. Ao contrário do que ocorreu na
grande linha que tratou dos determinantes da cidadania, na sua origem não
houve co-ocorrência dos temas, ou seja, as “fontes” não se misturaram: ou o
sujeito recebe a cidadania de fora ou de dentro (nasce com ele).
Quando a origem da cidadania é extrínseca ao sujeito, tem a marca tanto
da dimensão normativa (ética das normas) como da valorativa (ética das
virtudes, afetiva); quando é intrínseca, a marca é exclusiva da dimensão
valorativa. A explicação sobre a origem faz sentido quando se reporta ao
universo representacional dos sujeitos sobre os determinantes da cidadania, pois
se a cidadania vem de fora está sujeita tanto às leis e normas sociais quanto ao
julgamento da moral valorativa; se vem de dentro, assujeita-se, somente, à esfera
da subjetividade e, portanto, arraiga-se exclusivamente à ética das virtudes, não
passando pelas normas e valores sociais.
Neste sentido, identifica-se que o objeto cidadania é naturalizado no
discurso dos sujeitos, pois apareceu como algo que já existe, fazendo parte do
panorama social. Isto porque na representação social dos sujeitos, a cidadania é
concedida pela família/escola/Estado; ou como algo que se tem que buscar, mas
154
que já está pronto; ou então, porque já existe dentro da própria pessoa, fazendo
parte da sua essência, dada por Deus.
Em uma visão pró-ativa da cidadania, esta seria construída. Sendo assim,
o trabalho a se fazer seria o da “desnaturalização” do objeto, no sentido de trazer
a exigência de novos direitos/deveres e não somente usufruir os que já existem.
155
Representações sociais da cidadania: possibilidades de nexos com a saúde e o
cuidado de enfermagem
A relação estabelecida entre a cidadania e a saúde foi feita a partir da busca do
entendimento dos sujeitos das possíveis relações havidas entre os objetos cidadania e saúde, e
entre cidadania e o atendimento dos serviços de saúde. Assim, as representações dos sujeitos
foram construídas a partir das suas concepções sobre saúde, correspondendo à busca pela
primeira relação; e a partir da interação estabelecida entre eles e os profissionais de saúde,
correspondendo à busca pela segunda relação feita.
É interessante destacar que a relação entre a interação cliente e profissional foi
estabelecida à luz da dimensão valorativa (afetiva), expressando o desejo dos sujeitos por um
cuidado humano, isto é, permeado de elementos como carinho, atenção, respeito, dignidade e
confiança; e o atendimento dos serviços foi pensado à luz da dimensão normativa, quando
referiram entendê-lo como um direito de todos e dever do Estado.
Ressalta-se que os resultados desta pesquisa mostraram que:
- Do total dos depoentes desta pesquisa (20), onze (11) pensam a cidadania e a exercem
no âmbito normativo, ou seja, a identidade cidadã se constrói a partir de ações normativas
e, diante do não respeito aos seus direitos, nove (9) destes comunicaram a adoção de um
comportamento ativo agindo para reverter o quadro de desrespeito, em um resgate da sua
cidadania. Os outros dois (2) não comunicaram nenhuma ação neste sentido, ou seja, estes
sujeitos entendem a cidadania no âmbito normativo, mas não conseguem acessar as
normas para orientar a sua ação diante de um quadro de não respeito à sua condição
cidadã, parecendo acessarem somente o cunho valorativo da cidadania – que marcou a
representação de todos os sujeitos. O valor, neste caso, sobrepuja às normas. Na relação
entre cidadania e o atendimento dos serviços de saúde, estes sujeitos comunicaram as
156
marcas normativas – seis (6); e valorativa-afetiva da cidadania – cinco (5), expressadas na
interação entre profissional e cliente.
- Outros cinco (5) sujeitos pensam a cidadania no âmbito valorativo, sentem-se cidadãos
quando agem no âmbito valorativo e, diante do não respeito aos seus direitos,
comunicaram a adoção de um comportamento passivo, não agindo para reverter o quadro
de desrespeito. O sujeito que pensa a cidadania no âmbito valorativo sente-se cidadão
quando as ações se expressam também no âmbito valorativo, ou seja, a sua identidade
cidadã se constrói a partir de ações pautadas na ética das virtudes. Quando há desrespeito
aos seus direitos, ou seja, desrespeito às normas, ele não reage, pois a cidadania dele está
pautada nos valores e não nas normas. Não consegue acessar as normas para orientar a sua
ação quando a sua cidadania é violada. A relação entre cidadania e o atendimento dos
serviços de saúde também se expressou no âmbito valorativo, uma vez que quatro (4)
destes sujeitos aproximaram as idéias entre cidadania e atendimento no âmbito da
interação entre os usuários e os profissionais de saúde, destacando-se o valorativo-afetivo
implicado nesta interação.
Disto se pode extrair a seguinte relação entre o pensamento e ação dos sujeitos:
Cidadão normativo – ação cidadã normativa – ativo e reivindicativo na busca e resgate
dos seus direitos – a cidadania e o atendimento de saúde se dá de forma normativa e
valorativa.
Cidadão valorativo – ação cidadã valorativa – passivo e submisso diante do não-respeito
aos seus direitos - a cidadania e o atendimento de saúde se dá de forma valorativa.
157
No que tange a relação da cidadania à concepção de saúde, do total de sujeitos,
treze (13) sujeitos pensaram a saúde voltadas para o campo normativo (4 como serviço
médico; 6 como direito/dever; e 3, como um bem-estar físico fora do âmbito valorativo).
Destes treze (13) sujeitos, doze (12) sentem-se cidadãos quando suas ações se enquadram
na dimensão da ética das normas.
Ainda sobre esta relação, cinco (5) sujeitos conceberam a saúde no âmbito
valorativo, expressada no bem-estar físico fruto da atividade do corpo. Todos estes
sentem-se cidadãos quando suas ações se enquadram na dimensão da ética das virtudes.
Disto se pode extrair a seguinte relação:
Cidadão normativo – saúde normativa
Cidadão valorativo – saúde valorativa
Ressalta-se que o comportamento passivo dos sujeitos atende à ideologia da
dominação-subordinação, pois tais sujeitos não demonstraram potencial reivindicatório
quando referiram que se comportam passivamente diante dos serviços de saúde – acatam
o que lhe é imposto, contribuindo para a manutenção do estado vigente. Neste sentido,
entender o porquê da não-reação, relacionando que a mesma se sustenta em uma
determinada representação do que seja a cidadania, ajuda a pensar que não se deve
reforçar este tipo de comportamento quando se interage com os clientes. No entanto, o
não-reforço não deve estar centrado na tentativa de julgar a ação deles com o intuito de
reverte-la, mas sim, no necessário fomento à crítica e reflexão sobre a cidadania e o que
significa exerce-la.
A crise do setor saúde responde pela crise maior pela qual passa o nosso país e, em
meio a isto, assistimos diversas situações de não respeito aos direitos dos cidadãos. Sabe-
158
se que a crise atinge a todos e afeta em cheio as condições de trabalho de quem atua no
campo da saúde na rede pública. No entanto, não se pode tomar isto como uma
justificativa para o mal-atendimento e a falta de compromisso dos profissionais com a
clientela, nem como fatores naturais e normais do cotidiano. Muitas vezes naturaliza-se
determinados tipos de
159
procedimentos e formas de atendimento como inerentes ao serviço público e, portanto,
esperados por aqueles que dele fazem uso. Quando o inverso do que se espera ocorre,
toma-se como uma novidade e/ou um privilégio, de cunho esporádico e não inerente ao
conjunto de ações cidadãs.
Na discussão fomentada a partir dos resultados desta pesquisa, principalmente no que
foi evidenciado na terceira grande linha, ficou claro que os sujeitos querem ser bem
atendidos nos serviços de saúde, e que esse bom atendimento reflete o respeito que se
deve ter pela dignidade humana, não devendo ser um privilégio para poucos. Os sujeitos
expressaram querer um cuidado que reforce a sua condição humana. No entanto, o fato de
haver um conjunto de sujeitos que não expressam alguma ação em prol da reivindicação
dos seus direitos quando estes são violados, questiona-se, assim, a sua própria condição e
dignidade humana.
No entendimento de como o grupo de sujeitos que participou desta pesquisa pensa e
informa manifestar as suas ações no exercício da cidadania, identificou-se uma marca da
expressão da cidadania no atendimento dos serviços de saúde: a interação que se
estabelece entre os profissionais de saúde e os clientes.
Ao freqüentar uma unidade de saúde da rede pública, o cliente está exercendo o seu
direito à saúde e, portanto, tem direito à assistência de enfermagem. Neste sentido,
destaco que a re-afirmação da cidadania do cliente se pauta, também, na relação que se
estabelece entre os profissionais de enfermagem e o cliente. Assim, a interação ganha um
“status” privilegiado no conjunto das ações.
Trabalhando-se com o pressuposto de que no campo da saúde a enfermagem atende o
sujeito, uma vez que não está voltada para o objeto – doença – que muitas vezes leva o
cliente a buscar atenção profissional, o cuidado volta-se para o fortalecimento e/ou resgate
da condição humana de ser ativo e criativo no processo de viver e experienciar o
160
adoecimento. Neste sentido, o esforço deve ser feito para despertá-lo às questões que
envolvem a cidadania. Por isso, entender que esta assume cunhos diferenciados no âmbito
das normas e dos valores é importante para melhor orientar a ação da enfermeira.
Assim, a interação com os sujeitos deve primar pelo diálogo, na aplicação dos
princípios da dialogicidade, em um encontro horizontal e não vertical no qual a autoridade
do discurso profissional ganha primazia. Na dialogicidade, os sujeitos envolvidos
(profissional e cliente) usufruem a possibilidade de se perceberem como construtores dos
seus conhecimentos à luz de suas vivências pessoais.
No encontro dialógico, os sujeitos traduzem as informações dando-lhes sentido e têm
a oportunidade de discutir as questões referentes a sua situação de saúde e, assim, podem
se perceber capazes de identificar que, em determinadas situações, há várias opções
possíveis, e a ele cabe decidir qual é o melhor caminho a seguir. Desta forma, liberta-se
da “amarra” do discurso autoritário da saúde e tem melhores condições para lutar pelo
exercício de sua cidadania. O incremento do diálogo e da dialogicidade, na maioria das
vezes, é referido no campo da estratégia de grupos de educação em saúde. Sem dúvida,
este é um espaço privilegiado de encontro; no entanto, ressalto que no atendimento
individual, de consultório, ou mesmo na unidade de internação, a dialogicidade pode estar
presente, desde que faça parte das concepções que sustentam a interação a ser construída
entre o profissional e o cliente.
A enfermagem é uma profissão voltada para a promoção, manutenção e recuperação
da saúde das pessoas. No discurso teórico da profissão, destaca-se a necessária
identificação das necessidades humanas, principalmente daquelas implicadas no estado de
saúde das pessoas. Neste ínterim, à luz dos resultados desta pesquisa, destaca-se que,
nesta tarefa, deve-se levar em conta a realidade psico-sócio-cultural (pertença social) dos
sujeitos. Isto porque o que significa necessidade para uma pessoa, pode não ser
161
considerada para outra, e para que o profissional compreenda tais necessidades
“pautada(s) no bem-estar coletivo e social, é preciso estar ligado a uma concepção política
e moral do que seja o ser humano”. (OLIVEIRA, 2005, p. 120)
Penso com este estudo, estar trazendo à tona reflexões para a enfermagem no que diz
respeito tanto ao exercício da cidadania dos sujeitos, clientes do seu cuidado, quanto para
o dos próprios profissionais. Concordo com Carvalho (2004) quando diz que a
enfermagem precisa aprender novos princípios, como por exemplo, o de jurisprudência
pertinente aos direitos à saúde.
No entanto, esse tipo de discussão precisaria começar desde a graduação em
enfermagem, de modo que o estudante pudesse atentar para as duas dimensões morais da
cidadania, entendendo as suas próprias formas de ação como cidadão. Desta forma, talvez,
estivesse melhor preparado para atuar na promoção da cidadania do e com o outro.
Este trabalho mostra através do estudo das representações sociais da cidadania que
existem ressignificações deste objeto pelos sujeitos, não se podendo fundi-las em uma só.
O desafio está, penso, em nos aproximarmos delas de modo compreensivo, a fim de
entender os porquês das ações dos sujeitos – diante da mesma situação, submetido às
mesmas condições, alguns agem de uma maneira e outros, de outra. Tal compreensão
pode nos dar pistas para traçar metas que se configurem em possibilidades
transformadoras na dinâmica da vida e do atendimento à saúde dos cidadãos.
163
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____. Cuidar: Expressão humanizadora da enfermagem. Petrópolis: Vozes, 2006.
173
APÊNDICE A - Instrumentos de
coleta de dados
A) Roteiro para traçar perfil sócio-
cultural
Dados de identificação:
- sexo:
- idade:
- estado civil:
- grau de instrução:
- situação empregatícia:
- renda própria mensal / renda familiar mensal:
- religião:
- condições de moradia:
B)Entrevista semi-estruturada
1) Quando se fala sobre
cidadania o que lhe vem em mente?
2) Todo mundo é cidadão?
3) Existe diferença entre um
cidadão e outro?
- Que diferenças são essas?
4) Quais as características que alguém tem que ter para ser cidadão?
5) De onde vem a cidadania?
- É dada por alguém?
- Quem?
6) A nossa saúde tem a ver com cidadania?
7) Que fatores, você citaria, que influenciam você a ter uma saúde melhor?
8) O atendimento em serviços de saúde está ligado á cidadania? Por quê?
9) O que você faz que o deixa sentir como um cidadão?
10) Existem direitos que estão relacionados com o estado de saúde, isto
é, como a pessoa vai de saúde. Você saberia me dizer algum?
- Por exemplo: a gratuidade da passagem de ônibus diante de determinados
problemas de saúde.
- Como ficou sabendo?
174
- Nas unidades de saúde, você recebeu informações sobre direitos por
alguém?
- Você já viu algum cartaz na unidade de saúde que você freqüenta, falando
sobre direitos?
- E as palestras, em unidades de saúde, você já assistiu falando sobre os
direitos?
11) Como você se sente diante de uma situação na qual os seus direitos da
cidadania não foram atendidos?
- O que você faz diante disso?
12) Você conhece algum setor/órgão da sociedade que esclarece sobre
cidadania?
13) Qual a importância do exercício da cidadania?
- Você gostaria de falar mais alguma coisa a respeito?
175
APÊNDICE B – Solicitação à
Policlínica de Saúde de Niterói para
o desenvolvimento da pesquisa
ocorrer junto aos usuários desta
unidade de saúde.
Da: Mestranda Raquel Coutinho
Veloso
Para: Diretor(a) da Policlínica
Comunitária da Fundação
Municipal de Saúde de Niterói
Assunto: Solicitação
Sr(a) Diretor(a)
Venho por meio desta
solicitar a permissão de V. S.a para
desenvolver a pesquisa intitulada
“Representações sociais dos usuários
de um serviço ambulatorial de saúde
sobre sua condição cidadã”, junto
aos usuários desta unidade de saúde.
Cumpre-me informar que esta
pesquisa resultará na minha
dissertação de mestrado em
Enfermagem, curso que realizo na
Escola de Enfermagem Anna Nery,
sob a orientação da Profa Dra
Márcia de Assunção Ferreira.
Esclareço que conforme a
metodologia que pretendo
desenvolver, os clientes serão
consultados, esclarecidos acerca dos
176
objetivos, podendo escolher em
concordar ou não em participar da
pesquisa.
Coloco-me à disposição para
os esclarecimentos que se fizerem
necessários e desde já agradeço a
atenção recebida.
Atenciosamente,
Raquel Coutinho Veloso
Enfermeira
COREN/ RJ no 102048
177
APÊNDICE C - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
ESCOLA DE ENFERMAGEM ANNA NERY
COORDENAÇÃO GERAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
CURSO DE MESTRADO EM ENFERMAGEM
Termo de atendimento à Resolução
no 196/96 do Conselho Nacional de
Saúde
Item IV-
Consentimento Livre e Esclarecido
Prezado (a) Cliente
Venho por meio deste
consultá-lo a respeito de sua
participação na pesquisa que
pretendo desenvolver nesta unidade
de saúde. Para tanto, esclareço os
seguintes pontos:
- sou enfermeira, aluna do curso de
mestrado da Escola de Enfermagem
Anna Nery da Universidade do Rio
de Janeiro (UFRJ) que tem duração
máxima de 24 meses.
- Trata-se de uma pesquisa cujo
título é “Representações sociais dos
usuários de um serviço ambulatorial
de saúde sobre sua condição cidadã”.
A orientação deste trabalho é
realizada pela Profa Márcia de
Assunção Ferreira. Esta pesquisa
resultará em uma dissertação de
mestrado que dará a mim o título de
Mestre em Enfermagem, importante
178
para a carreira universitária a qual
pretendo seguir.
Os objetivos desta pesquisa
consistem em:
- Caracterizar as representações sociais de pessoas usuárias de um serviço
ambulatorial sobre sua condição cidadã;
- Analisar as relações que os sujeitos estabelecem com o serviço de saúde a
partir das representações sociais sobre sua condição cidadã;
- Discutir as implicações das representações sociais sobre a condição cidadã
destes sujeitos para o cuidado de enfermagem.
Este termo de Consentimento Livre e Esclarecido constitui-se em uma exigência ética e científica da Resolução 196/96 –Conselho Nacional de Saúde, na medida em que se trata de uma pesquisa que envolve seres humanos.
Os princípios que serão aplicados a todos os participantes desta pesquisa são os seguintes:
1) Sua participação é totalmente voluntária; 2)Você pode sair do estudo a qualquer momento que
deseje. Sua recusa não trará nenhum prejuízo em sua relação com o pesquisador e em sua
relação com esta unidade de saúde. Se você já tiver concedido a entrevista gravada, a fita lhe
será entregue; 3) Após a leitura destas explicações, você poderá fazer qualquer pergunta
necessária para o entendimento deste estudo; 4) Os benefícios previstos relacionados com sua
participação envolvem proporcionar subsídios para um cuidado de enfermagem que contribua
para ajudar o sujeito a tomar decisões, a ser ativo, participativo, consciente de seus direitos e
capaz de transformar sua qualidade de vida para melhor; 5) Este trabalho não apresentará
risco para você como sujeito da pesquisa, na medida em que não afetará sua integridade física
e psicológica; 6) Você não terá nenhum custo ou quaisquer compensações financeiras.
- Procedimentos a serem seguidos: Será realizada uma entrevista semi-estruturada – conversas
que terei com vocês, clientes que aceitarem participar. Para facilitar a captação das falas,
utilizarei como recurso, uma gravação em fita magnética, caso seja autorizada por você, que
posteriormente será transcrita na íntegra. Os dados obtidos serão, exclusivamente, utilizados
apenas para a pesquisa em questão. As fitas magnéticas ficarão sob minha guarda durante 5
anos e depois serão destruídas.
- Confidencialidade: a privacidade das informações será garantida por mim, enquanto
investigadora do estudo e sua utilização obedecerá estritamente os objetivos científicos. Sendo
assim, suas respostas serão tratadas de forma anônima e confidencial, isto é, em nenhum
179
momento será divulgado o seu nome em qualquer fase do estudo. Você poderá escolher um
pseudônimo (apelido) com o qual gostaria de ser denominado(a) durante o estudo, para
preservar sua identidade.
Você receberá uma cópia deste termo
onde consta o telefone/e-mail do
pesquisador principal, podendo tirar
suas dúvidas sobre o projeto e sua
participação, agora ou a qualquer
momento.
__________________________
________________
__________________________
Pesquisador Data
TELEFONE/ E-MAIL DO PESQUISADOR: (21) 8129-1579 / [email protected]
TELEFONE DE CONTATO DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA - Escola de Enfermagem Anna Nery EEAN/HESFA – (21) 2293-8148
Data, _____de__________________de _________
Declaro estar ciente deste TERMO DE CONSENTIMENTO e estou de acordo em participar
da pesquisa proposta, conforme consta neste documento.
__________________________ _______________________
Sujeito da pesquisa Data
180
APÊNDICE D – Tabelas 1 a 7
Tabela 1
Identificação por sexo e idade dos
20 clientes da Policlínica
Comunitária de Niterói que
participaram como sujeitos da
pesquisa.
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Tabela 2
Referente ao estado civil dos entrevistados
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Masculino Feminino TOTAL
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185
Tabela 3
Referente ao grau de escolaridade dos entrevistados
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Feminino
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Tabela 4
Referente à
religião dos entrevistados
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* Significa que vão a missa uma vez por
semana, geralmente aos domingos.
Tabela 5
Referente à situação
que gera fonte de renda dos
entrevistados
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Tabela 6
Referente à renda
financeira pessoal dos entrevistados
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*SM= salário mínimo, que equivale a 300
reais.
** Sem renda pessoal, mas vive com a renda
familiar nototal de 4 pessoas, que equivale
a 10 salários mínimos.
Tabela 7
Referente à participação dos
entrevistados em organizações
religiosas, sindicatos, associações de
moradores ou partidos políticos
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ccxiii
APÊNDICE E – Quadros A, B e C
Quadro A
Nome/orige
m da
cidadania
Ação como
cidadão
Sentimento/ação
quando os direitos
não são atendidos
Cunho
da
cidadan
ia
Conheciment
o de algum
setor que
esclarece
sobre
cidadania Patrício /
Extrínseca
valorativa
Relação afetiva com
a esposa no dia-a-
dia.
Revolta/ não é de ficar
reclamando, pois prefere
evitar discussão.
Valorativa. Não conhece.
Neuza /
Extrínseca
valorativa
-Corre atrás dos seus
direitos, reivindica
quando insatisfeita;
-Ensina crochê em
igreja (caritativo).
Raiva/relata não poder fazer
nada, pois não adianta fazer.
Valorativa. Não conhece.
D. Maria /
Intrínseca
Não fez, pois não
estudou e aí depende
de todo mundo.
Tristeza/não faz nada. Normativa. Não conhece.
Marta /
Extrínseca
valorativa
Exige os direitos que
tem.
Revolta /faz denúncia,
reclama.
Normativa. Não conhece.
Maria /
Extrínseca
normativa
-Ida ao grupo de
educação em saúde;
-Conseguir pegar o
ônibus fora do
ponto;
-Exercer atividades
artesanais com
função caritativa.
Indiferença/ não briga, não
faz denúncia, não "esquenta"
muito não.
Normativa. PROCON- órgão de
defesa do
consumidor.
Edson /
Extrínseca
valorativa
Ser bem atendido
em unidade de saúde
pública.
Irritado/tenta saber o que
pode ser feito para mudar.
Normativa. Refere não lembrar.
Marizete /
Extrínseca
valorativa
Ajuda o outro a
reconhecer seus
direitos para não ser
“enrolado” por
outras pessoas.
Conformismo em geral, mas
lembra de uma situação em
que exige seus direitos, e até
mesmo exige ações de
privilégios.
Normativa. Defensoria de
pequenas causas.
João /
Intrínseca
Trabalho social na
igreja de cunho
caritativo.
Tristeza/ luta procurando os
seus recursos- que são
pessoas que podem ajudá-lo.
Normativa. Conhece setores no
lugar onde trabalha:
Marinha.
D. Maria B. /
ccxiv
Extrínseca
normativa
Ser honesta, alegre
com os outros.
Humilhada/ não reclama, não
reivindica, “deixa pra lá”.
Normativa. Não conhece.
Alfredo/
Extrínseca
normativa
Trabalho
administrativo na
igreja de cunho
caritativo.
Ódio/primeiro aceita, mas
depois planeja “devolver”
tudo que recebeu (vingança).
Normativa.
- Posto de saúde;
- Igreja da sua
religião.
Nome/orige
m da
cidadania
Ação como
cidadão
Sentimento/ação
quando os direitos
não são atendidos
Cunho
da
cidadan
ia
Conheciment
o de algum
setor que
esclarece
sobre
cidadania Zizi /
Extrínseca
normativa
Tenta pleitear seus
direitos; cumpre seus
deveres; trata bem e
ajuda as pessoas.
Cansada de “gritar” sozinha/
reivindica, luta pelos seus
direitos pensando também em
ajudar os outros.
Normativa . Fundação Leão XIII-
transporte
Matilde /
Extrínseca
valorativa
Ajuda a quem
precisa.
Sente-se muito mal/reza
muito.
Valorativa. Não conhece.
Miriam/
informou não
saber
responder
Ida ao trabalho, à
igreja, ao posto de
saúde, em lugares
que se sente bem
atendida.
Refere considerar ser coisa
ruim pra ela.
Valorativa. Não conhece.
Nely /
Extrínseca
normativa
-Ida ao grupo de
educação em saúde;
- ida ao posto de
saúde (médicos, em
diversas
especialidades;
nutricionista...);
- PROCON
Revoltada com vontade de
brigar/no início, age com
impulsividade, mas depois
com o passar do tempo não
reclama mais.
Normativa. Não conhece.
Glória /
Extrínseca
normativa
Uma vez que
cumpre com suas
obrigações, é
responsável.
Revoltada/ luta pelos seus
direitos pensando também
em passar a informação pra
todo mundo.
Normativa. Não conhece.
Carminha /
Extrínseca
normativa
Cumpre com todas
as suas obrigações.
Humilhada/ corre, luta pelos
seus direitos quando é
possível.
Normativa. Não conhece.
Fabiana/
Extrínseca
valorativa
Ajudar outras
pessoas.
Indiferença/ não corre atrás
dos direitos porque é muito
sacrifício.
Valorativa. Não conhece.
Naná/
Extrínseca
normativa
Se relacionar bem
com outras pessoas,
respeitando os
direitos delas.
Humilhada/ procura
informações com pessoas
bem informadas para quando
for falar ter certeza.
Normativa. Não conhece, mas
relata que rádio e
televisão costumam
dar telefones de
ccxv
lugares que dão
informações.
Oti/
Intrínseca
Trabalhar, ser
honesto, pagar as
suas contas; viver
em harmonia com a
família; ajudar
outras pessoas.
Magoado, prejudicado/ só
reivindica em casos graves.
Quando não consegue,
entregar pra Deus é a
solução.
Normativa.
Não conhece.
Neide/
Extrínseca
normativa
Procura ajudar
sempre a família.
Triste e com raiva/ pensa em
buscar seus direitos.
Valorativa. Não conhece.
ccxvii
Relação saúde-
cidadania
Fatores que
contribuem para
uma saúde
melhor
Relação
atendimento
dos serviços de
saúde e
cidadania
Direitos
relacionados
ao estado de
saúde
individual
Outro local
de
informação
sobre estes
direitos
Informações/cartaz/
palestras sobre estes
direitos em unidade
de saúde
Patrício
Com saúde se
transmite
cidadania,
estando doente,
não.
Ênfase no corpo
físico.
Paz no lar, na
família.
Sinceridade e
afetividade das
pessoas que
atendem.
Direito a ser
atendido nos
serviços de
saúde ;
direito de
acompanha-
nte a pessoa
com mais de
65 anos em
caso de
internação.
Rádio e
televisão.
Não /não /não.
Neuza Usuário=cidadão
precisa de
atendimento nos
serviços de
saúde –
atendimento
médico (também
precisa de
emprego e
moradia).
Bom atendimento
médico e bons
recursos materiais
nos hospitais.
Acesso a remédios
gratuitos nas
unidades de saúde
ou poder comprá-
los mais baratos.
Cidadão sem
atendimento de
saúde.
Direito de
medicações
de graça para
pessoas
deficientes e
do passe-
livre para
pessoas
com
problema de
coração, por
exemplo.
Através de
conhecidos.
Não - Sobre serviços
de saúde que existem
dentro da policlínica
/não/não.
Dona
Maria
“Tomar o
remédio certo”.
Não referiu. Receber
informação
correta e ser
bem tratado na
unidade de
saúde pelo
médico, de
forma igual a
todos.
Informou
não saber de
nenhum,
além do
passe-livre.
Rádio e
televisão.
Sim - Médico
informou sobre a
importância do
pagamento enquanto
trabalhadora
autônoma (INPS),
sobre a aquisição de
documentos como
carteira de
identidade, por
exemplo / não/ não.
Marta Saúde como um
direito de todos;
direito do
cidadão de ter
medicamentos
para se tratar; o
governo “não faz
prevenção da
saúde, ele quer
tratar a doença”;
e destaca os
determinantes
sociais da saúde:
moradia,
alimentação,
renda
Esclarecimento
sobre doenças,
alimentação
correta e situação
financeira que
atenda às
necessidades
básicas.
Atendimento
com respeito e
carinho,
promovendo a
auto-estima;
recursos
humanos e
materiais
devem atender
de forma
satisfatória a
demanda.
Direito do
paciente com
doença grave
em não
declarar
imposto de
renda, assim
como
gratuidade
nos
transportes;
direito de ter
acompanha-
nte - a pessoa
com mais de
65 anos em
caso de
internação.
Rádio
e informações
através
marido que
era
advogado
da justiça
federal e
que também
apresentava
um estado
de saúde
grave.
Sim -Recentemente
ao acompanhar um
familiar numa
policlínica recebeu
orientações da
assistente social sobre
alguns direitos
trabalhistas e também
sobre a gratuidade
nos transportes/ não /
não - só sobre
cuidados em algumas
doenças.
ccxviii
Relação saúde-
cidadania
Fatores que
contribuem para
uma saúde
melhor
Relação
atendimento
dos serviços
de saúde e
cidadania
Direitos
relacionados
ao estado de
saúde
individual
Outro local
de
informação
sobre estes
direitos
Informações/cartaz
/palestras sobre
estes direitos em
unidade de saúde
Maria
Saúde como um
direito que
proporciona uma
vida melhor.
Boa alimentação,
bastante higiene,
vida sem estresse.
Pertencimento
dos serviços
de saúde ao
governo, ao
Estado.
Direito a ser
atendido nos
serviços de
saúde.
Palestra em
uma farmácia
sobre
cidadania dos
idosos, no
entanto,
relatou sentir
que a palestra
estava
voltada para
fins políticos
(voto,
eleição).
Não / não – só sobre
cuidados em
algumas doenças /
/não.
Edson “A saúde tem
que olhar a
cidadania.
Vamos dizer,
conscientizando
melhor os
pacientes, a
sociedade, a
comunidade em
torno da
unidade...
médica”.
Saber usar os
serviços do SUS
(Sistema Único de
Saúde), ter um
atendimento nos
serviços de saúde
com equipe
médica voltada
para o paciente e
não apenas para o
lucro.
Bom
atendimento
dos serviços
de saúde com
atenção,
respeito –
“me trataram
como se eu
fosse uma
pessoa de
projeção”.
Direito ao
atendimento
do SUS, de
receber
medicamento
em unidades
de saúde.
Referiu
acompanhar
diariamente
as mudanças
na lei pela
imprensa –
destacando o
rádio; , “no
cotidiano da
vida a gente
escuta
comentários
de um e de
outro”.
Não / não - só de
vacinas e
campanhas/não.
Marizete Através de uma
boa saúde, boa
alimentação vai
se chegar a uma
boa qualidade de
vida (hora de
acordar, de
comer, banho..).
Boa alimentação,
cuidado com si
próprio (boa roupa
– um pouco de
conforto).
Direito que
todos têm à
assistência
médica,
instituído pelo
governo.
Direito à
assistência
médica,
direito de ir à
farmácia
popular para
quem tem
mais de 65
anos.
Soube do
passe-livre
através de
uma
conhecida.
Não / não – só
palestras sobre
cuidados com o
corpo/ não.
João Cidadão ajuda a
pessoa que está
doente, levando-
o ao médico ou
elevando a auto-
estima de quem
precisa.
Nascer saudável e
ser bem tratado
(bem alimentado)
desde a infância.
“O povo da
saúde estuda
muito” para
“salvar a
pátria” –
“mentalidade
da cidadania”.
Direito á
assistência
médica;
direito
trabalhista
em acidente
de trabalho
ocorrido com
um amigo.
Não
houve
inform
ações a
respeit
o.
Não/ não/ não.
ccxx
Relação saúde-
cidadania
Fatores que
contribuem
para uma
saúde melhor
Relação
atendimento dos
serviços de
saúde e
cidadania
Direitos
relacionados
ao estado de
saúde
individual
Outro local
de
informação
sobre estes
direitos
Informações
/cartazes/
palestras sobre
estes direitos
em unidade de
saúde
D.Maria
B.
Quem não tiver
uma boa saúde,
não pode
trabalhar, não
pode ajudar os
outros – ser
caridoso.
Boa
alimentação,
boa casa, bons
médicos para
fazer
atendimento e
Deus para dar
saúde para as
pessoas.
Uma unidade de
saúde que não
atende bem, não
tem cidadania.
Passe-livre - ela
sabe porque
precisou
quando tinha 54
anos.
Informou
não saber
responder.
Sim - só uma
vez, por um
médico em uma
unidade de saúde
que lhe deu o
laudo para
conseguir o
passe-livre/não
/não- apenas
sobre doenças:
diabetes,
hipertensão, por
exemplo.
Alfredo Sem saúde não
se faz nada, nem
é possível ajudar
quem precisa.
Alimentação
adequada
(“sábia”) para a
pessoa, de
acordo com o
clima, por
exemplo;
condutas
políticas dos
governantes e
ter bons
médicos.
Paciente ser bem
orientado nos
serviços de saúde
sobre
medicamentos
(informações que
se deve ter para
comprar mais
barato).
Direito à vida,
direito à
assistência que
uma criança
abandonada
possui, direito
ao passe-livre
os deficientes
físicos e com
doenças
psiquiátricas.
Rádio e
televisão e às
vezes,
através de
políticos que
conseguem
algo como o
passe-livre
(transporte
gratuito) para
quem precisa
em busca de
votos.
Não / não / não-
só sobre
cuidados com o
corpo diante de
alguma doença
ou sobre
prevenção.
Zizi Cidadania
depende dos
governantes e a
saúde depende
da demanda da
educação, de um
salário.
Bom estudo pra
poder conhecer
a própria saúde,
uma boa
alimentação.
Relação péssima
porque considera
ser muito ruim o
atendimento feito
pelos
profissionais de
saúde.
Direito de
receber um
bom
atendimento
nas unidades de
saúde.
Em fila de
mercado, de
banco refere
aproveitar
10% do que
costuma ser
discutido.
Não / não – só
palestras sobre
hipertensão /
não.
Matilde Viver em paz,
bem com as
outras pessoas,
fazer amigos e
ajudar os outros -
faz bem para a
saúde e para a
cidadania.
Ter condições
para se tratar,
procurar amigos
e participar de
grupos como o
de educação em
saúde, nas
unidades de
saúde.
Freqüentar mais
de uma unidade
de saúde - amplia
o conhecimento,
na medida em
que se conversa
com outros
profissionais de
saúde.
O deficiente
físico tem
prioridade no
atendimento
médico, tem
direito ao
passe-livre.
Atravé
s de
pessoa
s , em
posto
de
saúde,
que
passav
am
pela
Não / não / não.
ccxxi
Relação saúde-
cidadania
Fatores que
contribuem para
uma saúde
melhor
Relação
atendimento
dos serviços de
saúde e
cidadania
Direitos
relacionados ao
estado de saúde
individual
Outro local
de
informação
sobre estes
direitos
Informações
/cartazes/ ou
palestras
sobre estes
direitos em
unidade de
saúde
Miriam
Informou não
saber responder.
Ajuda dos
governos - cita
exemplo de um
vereador que dava
bolsas de compras
de supermercado
para pessoas
pobres.
Entrega de
remédios na
unidade de
saúde, bom
atendimento na
unidade,
destacando os
estagiários de
enfermagem da
UFF.
Informou não
saber. Ela gostaria
de saber se pessoas
com hipertensão
têm direito ao
transporte gratuito,
pois já ouviu
comentários de
pessoas conhecidas
sobre isso.
Soube do
passe-livre
através de
uma
conhecida.
Não / não /
não.
Nely Obrigação do
Estado, da
Nação, da União
em oferecer
serviços de
saúde, médico,
posto de saúde,
hospital - pois é
um direito haver
um atendimento
universal.
Boa alimentação,
ambiente sadio,
limpo e
higienizado.
O atendimento
dos serviços de
saúde é como o
direito do
consumidor, a
justiça gratuita
–está tudo
ligado á
cidadania.
Direito a ter
acompanhante em
uma internação
para quem tem
mais de 65 anos,
direito a receber
alguns remédios
no posto de saúde.
Televisão ou
através de
pessoas
conhecidas,
como , por
exemplo,
ficou sabendo
do passe-
livre.
Não /não
/não.
Glória Direito à saúde,
assim como
direito ao
trabalho.
Alimentação e
ambiente físico e
social.
Tratamento de
saúde como
direito do
cidadão, assim
como o
trabalho,
moradia.
Direito do povo –
pessoas carentes
economicamente -
à assistência
pública de saúde .
Através de
pessoas
conhecidas.
Não /não /
não.
Carmi- nha
Bom
atendimento a
todos na área
médica, a fim de
haver uma
melhora na
pessoa.
Alimentação e
acesso à
assistência
médica.
Atendimento
em saúde
proporciona
garantia de
vida.
Direito do passe-
livre para pessoas
com distúrbio
psiquiátrico;
direito para pessoa
que tem que ir
sempre em
unidade de saúde,
como por exemplo,
alguém que está
sempre com a taxa
de glicose
descompensada.
Atravé
s de
pessoa
s
conhec
idas.
Não / não- só
palestra sobre
diabetes /
não.
ccxxii
Relação saúde-
cidadania
Fatores que
contribuem para
uma saúde
melhor
Relação
atendimento
dos serviços de
saúde e
cidadania
Direitos
relacionados
ao estado de
saúde
individual
Outro local
de
informação
sobre estes
direitos
Informações/cartaz
es/ ou palestras
sobre estes direitos
em unidade de
saúde
Fabiana
Informou que
existe uma
relação, porém
não soube
explicar.
As pessoas
quando ajudam
umas às outras.
Informou não
saber responder
Informou
não saber de
nenhum,
além do
passe-livre.
Informou
não saber
responder
Sim - relatou ter
recebido em uma
unidade de saúde ,
orientação de uma
assistente social para
conseguir o passe-
livre (transporte
gratuito) / não/ não.
Naná Atendimento
médico como
direito de todos,
porém referiu
que nem todos
são bem
atendidos, pois
isso é um
privilégio.
Boa alimentação,
condições sociais
e prática de
alguma atividade
física.
O atendimento
é um direito e
um dever. O
profissional de
saúde é pago
para atender,
isto é, tem
obrigação.
Direito ao
passe livre
(transporte
gratuito) em
virtude de
apresentar
um problema
de saúde.
Fila para
buscar
remédios no
posto de
saúde –
“conversa
de
corredor”,
rádio e
televisão
Não / não / não.
Oti Quem cuida
(profissional de
saúde) da saúde
precisa ser
cidadão para
cuidar do
paciente que é
cidadão.
Trabalhar
recebendo um
salário digno,
viver em harmonia
com a família, ter
uma família bem
de saúde e de bens
materiais – isso
proporciona
tranqüilidade.
O atendimento
médico está
ligado com
cidadania – é
um exercício
de cidadania do
médico que é
um cidadão
recebendo a
confiança do
paciente, que é
outro cidadão.
As pessoas
com
deficiência
física
possuem
lugar próprio
para
sentarem no
ônibus, porta
de entrada no
ônibus
especial para
cadeira de
rodas.
Avisos
explicativos
escritos e
fixados no
ônibus;
posto do
INSS
(Instituto
Nacional
Seguridade
Social).
Não /não / não - só
palestras de
prevenção ou sobre
cuidados diante de
algumas doenças.
Neide
“Pessoas
precisam e não
tem médico, não
tem nada”
Atendimento
médico.
Quando é um
bom
atendimento
médico tem
relação com
a cidadania,
caso contrário,
não.
Informou
não saber de
nenhum,
além do
passe-livre..
Infor
mou
não
saber
respo
nder
Não / não / não.
ccxxiv
Legenda:
V- valorativo
N- normativo
EV- extrínseco valorativo
EM- extrínseco normativo
* - âmbito valorativo
_____ - sem referência
Cunho
Origem
Ação
como
cidadão
Tipos de
cidadão
Relação
Saúde -
cidadania
Relação
Atendim. -
cidadania
Sentimentos
Direitos não
atendidos
Ação
Patrício
V EV V Todo
mundo -
mulher +
cidadã.
* Saúde como
bem-estar
físico.
Interação
usuários –
profissionais.
Revolta. Não faz
nada.
Neuza V EV N Bom/ mau. Saúde como
serviço
médico.
Direito/dever
.
Raiva. Não faz
nada.
D.
Maria
N I N Não-
cidadão.
Saúde como
serviço
médico.
Interação
usuários –
profissionais.
Tristeza. Não faz
nada.
Marta
N EV N (+/_)
cidadão;
não-
cidadão;
bom/ mau.
Saúde como
direito/dever.
Interação
usuários –
profissionais.
Revolta. Faz
denúncia
/ reclama.
Maria
N EN N Não-
cidadão. Saúde como
direito/dever.
Direito/dever Indiferença. Não faz
nada.
Edson
N EV N (+/-)
cidadão. Saúde como
serviço
médico.
Interação
usuários –
profissionais.
Irritado. Apresenta
um início
de reação.
Mari-
zete
N EV N (+/_)
cidadão;
bom/
mau.
Saúde como
bem-estar
físico.
Direito/dever Conformismo. Reage
muito
poucas
vezes.
João N I V Não-
cidadão. *Saúde como
bem-estar
físico.
Interação
usuários –
profissionais.
Tristeza. Luta pedi-
ndo ajuda
p/ alguém.
D.
Maria
B.
N EN V Bom./
mau. *Saúde como
bem-estar
físico.
Interação
usuários –
profissionais.
Humilhada. Não faz
nada.
Alfredo N EN V Não-
cidadão. *Saúde como
bem-estar
físico.
Interação
usuários –
profissionais.
Ódio. Relata
“dar o
troco” –
vingança.
ccxxv
Legenda:
V- valorativo
N- normativo
EV- extrínseco valorativo
EM- extrínseco normativo
* - âmbito valorativo
_____ - sem referência
Cunho
Origem
Ação
como
cidadão
Tipos
de
cidadão
Relação
saúde-
cidadania
Relação
Atendimento -
cidadania
Sentimentos
Direitos não
atendidos
Ação
Zizi N EN N Não-
cidadão. Saúde
como bem-
estar físico.
Interação
usuários –
profissionais.
Revolta. Luta pelos
seus
direitos.
Matilde V EV V Não-
cidadão. *Saúde
como bem-
estar físico.
Interação
usuários -
profissionais
Sente-se mal. Não faz
nada - só
reza.
Miriam V ______ V Não-
cidadão. ______ Interação
usuários –
profissionais.
Sente-se mal ______
Nely N EN N (+/-)
cidadão;
não-
cidadão.
Saúde
como
direito/
dever.
Direito/dever.
Revolta. Age com
impulsivi-
dade no
início.
Glória N EN N Não-
cidadão. Saúde
como
direito/
dever.
Direito/dever.
Revolta.
Luta pelos
seus
direitos.
Carmi-
nha
N EN N (+/-)
cidadão;
não-
cidadão.
Saúde
como
serviço
médico.
Direito/dever. Humilhada. Luta pelos
seus
direitos.
Fabiana V EV V Não-
cidadão. ______ ________ Indiferença Não faz
nada.
Naná N EN N (+/-)
cidadão. Saúde
como
direito/
dever.
Direito/dever. Humilhada. Pede ajuda
p/ alguém
informar
correta -
mente
antes de
reivindicar
Oti N I N Não-
cidadão. Saúde
como bem-
estar físico.
Interação
usuários –
profissionais.
Mágoa Só luta em
casos
graves.
Neide V EN V Não-
cidadão. Saúde
como
direito/
dever.
Interação
usuários –
profissionais.
Tristeza e
raiva.
Até pensa
em lutar,
mas não
faz nada.
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