representação política em 3d

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Nos últimos trinta anos, a democracia eleitoralviveu uma fantástica expansão no mundo – aquiloque Samuel Huntington rotulou como “terceiraonda” democratizadora, com o colapso de dezenasde regimes autoritários e totalitários. No entanto,um outro processo, contraditório, ocorreu de formasimultânea: a deterioração da adesão popular às

instituições representativas. É possível detectar umacrise do sentimento de estar representado, quecompromete os laços que idealmente deveriam li-gar os eleitores a parlamentares, candidatos, parti-dos e, de forma mais genérica, aos poderes consti-tucionais. O fenômeno ocorre por toda a parte, demaneira menos ou mais acentuada, atingindo novase velhas democracias eleitorais.

Neste artigo, sustento que a recuperação dosmecanismos representativos depende de umamaior compreensão do sentido da própria repre-sentação. Na medida em que os grupos subalter-nos obtêm êxito na busca da inclusão política ou,ao menos, demonstram uma consciência maisaguda do problema, as tensões presentes no cam-po político se ampliam. Um modelo representati-vo inclusivo precisa contemplar com mais cuida-do as questões ligadas à formação da agenda, aoacesso aos meios de comunicação de massa e àsesferas de produção de interesses coletivos.

REPRESENTAÇÃO POLÍTICA EM 3-DElementos para uma teoria ampliadada representação política*

Luis Felipe Miguel

RBCS Vol. 18 nº. 51 fevereiro/2003

* Uma versão anterior deste artigo foi apresentada noSeminário Internacional de Ciência Política, realizadoem Porto Alegre, de 3 a 5 de outubro de 2001. O tex-to já estava pronto quando me chamaram a atençãopara um artigo de Wanderley Guilherme dos Santos,intitulado “Poliarquia em 3-D” (Dados, 41 (2): 207-281, Rio de Janeiro, 1998). Registro aqui a coincidên-cia, que se limita ao título. E quero agradeçer os co-mentários ao texto, de Regina Dalcastagnè e dospareceristas anônimos da RBCS, além das discussõescom os alunos do curso “Representação Política”, napós-graduação em Ciência Política da UnB.

Artigo recebido em agosto/2001.Aprovado em maio/2002.

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Uma afirmação tão genérica – crise dissemi-nada da representação política, em novas e velhasdemocracias – é de difícil comprovação, mascreio que ela se sustenta sobre três conjuntos deevidências, relativas ao declínio do compareci-mento eleitoral, à ampliação da desconfiança emrelação às instituições, medida por surveys, e aoesvaziamento dos partidos políticos. Os dadosmais objetivos dizem respeito ao primeiro ponto:o aumento na quantidade das abstenções, compa-rativamente às duas ou três primeiras décadas dopós-guerras. Nem sempre é simples interpretar osnúmeros, já que em muitos países ocorreu, no pe-ríodo, a ampliação da franquia eleitoral a novascategorias da população (mulheres, na Suíça; ne-gros, no Sul dos Estados Unidos; analfabetos ejovens entre 16 e 18 anos, no Brasil, para citarapenas três exemplos), bem como a transição desistemas de voto obrigatório para voto facultativo.Porém, é mais ou menos generalizada a tendên-cia à redução no comparecimento às urnas.

O caso dos Estados Unidos é emblemático.O comparecimento às eleições presidenciais osci-lou entre 58,3% e 63,1% da população em idadede votar entre 1952 e 1968; a partir daí, inicia umacurva francamente descendente, alcançando o mí-nimo de 47,2% em 1996 (e 51,2% nas últimas elei-ções, em 2000). Nas votações para o Congresso,o índice é sempre sensivelmente menor.1 Diantedisso, os cerca de 70% das eleições gerais holan-desas de 1998 parecem invejáveis, mas se trata domenor comparecimento do pós-guerras, num paísem que, até 1986, a participação eleitoral ficouabaixo dos 80% em um único pleito, chegando,por vezes, a superar os 90%.

Tendência similar é observada em outras de-mocracias eleitorais consolidadas, como ReinoUnido, França, Itália, Suíça, Áustria, Canadá e, emmenor medida, Japão, Alemanha, Finlândia, Bél-gica e Austrália (mas não Suécia, Noruega, e Di-namarca).2 Em países democratizados há menostempo, o padrão predominante é menos claro. Ocomparecimento eleitoral caiu de forma drásticaem Portugal, após o salazarismo, e em alguns paí-ses ex-comunistas, como Bulgária, Hungria e Al-bânia; a tendência de queda é perceptível tam-bém na Rússia e na Romênia, mas não na Grécia

(onde o voto é obrigatório), na Espanha, na Polô-nia ou na Croácia.

Nos países latino-americanos, a observaçãodo fenômeno é menos fácil, devido à adoção ge-neralizada do voto obrigatório. Mas é possível fa-zer uma aproximação por meio do conceito de“alheamento decisório eleitoral”, que engloba to-das as formas pelas quais os cidadãos e cidadãsse recusam a optar por um partido ou candidato,por meio da abstenção, do não-alistamento eleito-ral, do voto nulo ou do voto em branco (Ramos,2001). No Brasil, nas eleições gerais de 1998, ape-nas 78,5% dos eleitores registrados comparecerampara votar, o menor índice após a redemocratiza-ção; dos votos contados para presidente, 18,7%foram em branco ou nulos. Somem-se a isso oscerca de 10% da população em idade de votarque não se alistaram (já que o registro é opcionalpara analfabetos e jovens entre 16 e 18 anos). Nofinal das contas, mais de 40% dos brasileiros ebrasileiras em idade de votar desprezaram o direi-to de escolher o presidente da República.

Segundo uma interpretação difundida porSeymour Lipset em seu influente Political man(1963 [1960]), os altos índices de abstenção nãosignificam necessariamente uma demonstração deinsatisfação com o sistema político. Ao contrário,revelariam o contentamento disseminado com asinstituições, que estariam funcionando tão bemque nem seria necessário participar. Elogios simi-lares às virtudes da apatia são encontrados, namesma época, no livro de Almond e Verba (1963)sobre a cultura política e, um pouco mais tarde,após os eventos de 1968, no relatório à ComissãoTrilateral sobre a “ingovernabilidade das demo-cracias”, redigido por Huntington e seus colegas(Crozier, Huntington e Watanuki, 1975). Comoobservou Elshtain (1997, p. 27), é uma tese quelegitima as desigualdades políticas: os grupos quemenos participam, como as mulheres (e tambémtrabalhadores ou integrantes de minorias raciais),seriam aqueles que estariam mais satisfeitos coma própria condição.

A interpretação lipsetiana é evidentementeinadequada para compreender o declínio da par-ticipação política nos países latino-americanos,nos quais a redemocratização veio acompanhada

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do aprofundamento da crise econômica, ou noantigo bloco comunista, onde os efeitos mais pal-páveis da introdução da economia de mercado fo-ram o sucateamento dos serviços públicos, o de-semprego, o gangsterismo – numa palavra, apauperização. Talvez seja um pouco mais plausí-vel quando aplicada ao mundo desenvolvido. Ou-tros indicadores, no entanto, desmentem-na.

As pesquisas de opinião pública sobre a con-fiabilidade das instituições, que constituem o se-gundo conjunto de evidências sobre a crise da re-presentação política, devem ser lidas comcuidado. Impondo categorias e preocupações quesão estranhas aos entrevistados – e também postu-lando uma relação entre resposta ao questionário,opinião firmada e comportamento –, elas formamum caso paradigmático daquilo que Bourdieu(1997, pp. 63-100) chama de “erro escolástico”, noqual o pesquisador transfere para os outros agen-tes sociais a sua maneira de pensar e agir. Portan-to, em vez de apresentar respostas, como crê certaciência política, os surveys fornecem indícios, quedevem ser combinados com outros para que se al-cance alguma conclusão.

Além desse problema metodológico de fun-do, os resultados dos surveys encontram outrasdificuldades de interpretação, já que são raras asséries históricas mais longas com dados compa-ráveis. Ainda assim, é possível postular uma con-fiança baixa nas instituições representativas,mesmo nos países em que o comparecimento àseleições é elevado. De acordo com o Eurobarô-metro (em pesquisa de 1996), em média 42% dosentrevistados, nos países da União Européia, res-pondem que confiam nos seus parlamentos na-cionais; quando a pergunta é sobre os governosnacionais, a média é de 39%. É ainda menor aconfiança nas instituições européias supranacio-nais. Questionados sobre o grau de influência docidadão comum nas decisões nacionais, em mé-dia 36% dos respondentes escolheram a opção“não muita” e 38%, “nenhuma”. Nos diferentespaíses da União Européia, a soma das duas cate-gorias oscila entre 53% (em Luxemburgo) e 84%(no Reino Unido).3

Nos Estados Unidos, os surveys do NationalOpinion Research Center mostram, de 1973 a

1993, uma queda acentuada na confiança popularno poder executivo (de 29% para 12%) e, aindamaior, no Congresso (de 24% para 7%).4 No casodo Brasil e dos outros países redemocratizados daAmérica do Sul, as pesquisas adotam, muitas ve-zes, pressupostos bastante normativos, associandoa desconfiança nas instituições representativas àadesão a valores autoritários.5 O quadro geral sus-tenta a mesma impressão da Europa e dos EstadosUnidos: uma crise disseminada do sentimento deestar representado no governo e no legislativo,com repercussões na legitimidade das instituições.

Enfim, trata-se de um fenômeno que nãoestá restrito a uma área geográfica ou a democra-cias eleitorais de tal ou qual grau de consolida-ção. Uma pesquisa de abrangência mundial, rea-lizada no final da década de 1990, observou aemergência, por quase toda a parte, do que cha-mou de “cidadãos críticos”, que combinavam ele-vados níveis de apoio aos princípios do regimedemocrático com uma confiança em declínio nasinstituições políticas vigentes (Norris, 1999; em es-pecial, Klingemann, 1999).6

O terceiro conjunto de evidências está liga-do à crise dos partidos, que a partir do final doséculo XIX se firmaram como os principais instru-mentos da representação política. O fenômeno foiestudado com detalhe nos Estados Unidos (Wat-tenberg, 1998), mas é perceptível também na Eu-ropa ocidental, sobretudo a partir dos anos de1980. Num caso extremo, a Itália, ocorreu o co-lapso de um sistema partidário inteiro; mais oumenos por toda a parte, deu-se a dissolução daslealdades partidárias tradicionais e a personaliza-ção das escolhas dos eleitores. Há uma vasta lite-ratura sobre essa questão. Entre os motivos parao esvaziamento dos partidos, são citados a buro-cratização de suas estruturas internas, o estreita-mento do leque de opções políticas (com a der-rota dos projetos históricos da classe operária) e,em especial, as mudanças que a mídia eletrônicaintroduziu na competição eleitoral.

Bernard Manin (1997, pp. 218-235) aponta atransição da democracia de partidos para umanova democracia de audiência, caracterizada pelocontato “direto” (isto é, midiático) entre líderes eeleitores. Antes indispensáveis, as máquinas parti-

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dárias agora perderiam eficiência diante das estra-tégias de construção de imagem de chefes políticosque se dirigem diretamente ao público. O papeldos meios eletrônicos de comunicação na reduçãoda influência dos partidos também é destacado porWattenberg (1998, pp. 90-112) e Novaro (1995).Guillermo O’Donnell (1991), numa leitura maisprovocativa, insinua a substituição da democraciarepresentativa por uma nova “democracia delegati-va”, caracterizada pela transferência quase irrestritade poderes aos líderes carismáticos eleitos.

Tomados em bloco, esses três conjuntos deevidências dão peso razoável à idéia de que asdemocracias eleitorais vivem uma crise da repre-sentação. Justamente por isso, surgiram, nos últi-mos 25 anos, tantas propostas de introdução denovos mecanismos, voltados à revitalização dasinstituições representativas, como quotas eleito-rais para grupos em desvantagem, como as mu-lheres, ou mesmo a substituição parcial das elei-ções por sorteios (ver Miguel, 2000a, 2000b). Emtais propostas, há o reconhecimento, implícito aomenos, de que a redução da confiança popularnos parlamentos e nos partidos não é efeito da“alienação”, da falta de compromisso com a de-mocracia ou de resquícios de valores autoritários.7

É, antes, a constatação sensata de que as institui-ções atualmente existentes privilegiam interessesespeciais e concedem pouco espaço para a parti-cipação do cidadão comum, cuja influência nacondução dos negócios públicos é quase nula.Em suma, de que as promessas da democracia re-presentativa não são realizadas.8

Neste artigo, desejo enfocar a insuficiênciada representação política, tal como entendida cor-rentemente, apontando-a como responsável emparte pelo desencanto popular com os mecanis-mos representativos e sugerindo as linhas de umainterpretação mas abrangente da representação.Para tanto, valho-me do célebre debate, ocorridonas décadas de 1960 e 1970, na ciência política delíngua inglesa, sobre as “dimensões” do poder.

Buscando elevar a um patamar mais alto adisputa entre pluralistas e elitistas críticos sobre apresença ou não de uma elite dominante nos Es-tados Unidos, Peter Bachrach e Morton Baratz es-creveram dois artigos seminais em que aponta-

vam a presença de uma “face oculta” do poderpolítico, que o debate de então tendia a ignorar.Exercer o poder não era apenas tomar decisões,mas também – talvez essencialmente – determinara agenda política. Mais tarde, Steven Lukes acres-centaria uma terceira faceta ao poder, a capacida-de de determinação autônoma de preferências.Creio que a discussão pode ser transferida, comos ajustes necessários, para o campo da represen-tação política, que também ganha, caso seja en-tendida de maneira tridimensional.

Na primeira parte do artigo, faço um sumá-rio da polêmica entre pluralistas e elitistas e dadiscussão sobre o conceito de poder que se se-guiu a ela. Depois, apresento um resumo do con-ceito de representação política, para, por fim, ex-plorar sua segunda e terceira dimensões, paralelasàs dimensões do poder.

O debate entre pluralistas e elitistas

Em 1956, o sociólogo C. Wright Mills publi-cou aquele que seria seu livro mais influente, Aelite do poder (Mills, 1981 [1956]). Analisando ahistória política dos Estados Unidos, ele chegouà conclusão de que, por trás da fachada demo-crática e dos reclamos rituais de obediência àvontade popular, cristalizara-se o domínio deuma minoria, que monopolizava todas as deci-sões-chave. Os três pilares da “elite do poder”eram os grandes capitalistas, os principais líderespolíticos e os chefes militares. Formavam umaúnica elite, dividida em três setores, e não trêsgrupos concorrentes graças a mecanismos de in-tegração, que geravam uma visão de mundo uni-ficada e interesses compartilhados. Tais mecanis-mos incluíam, notadamente, o intercâmbio deposições entre os três setores (militares da reser-va e políticos aposentados ingressando em con-selhos de empresas; capitalistas, executivos eoficiais das três armas ocupando postos no go-verno) e a convivência nos ambientes das “altasrodas”. Os integrantes da elites vinham das mes-mas escolas e faculdades, freqüentavam asmesmas festas, clubes e restaurantes, casavamseus filhos entre si. Tudo isso reforçava a solida-

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riedade entre eles e fazia com que, cada um, aotomar uma decisão, não deixasse de levar emconta os interesses dos outros.

A perspectiva de Wright Mills coincidia coma denúncia marxista quanto ao caráter meramen-te “formal” da democracia burguesa. Os direitosliberais e os mecanismos eleitorais de participa-ção apenas esconderiam o fato de que a esmaga-dora maioria da população estava excluída dasdecisões mais importantes. Mas o sociólogo dis-cordava dos marxistas ao apresentar a proprieda-de dos meios de produção como apenas uma po-sição de elite, em pé de igualdade com as outras.Por isso, ele vai recusar o conceito de classe so-cial, preferindo usar uma terminologia estranhaao marxismo.9 Em vez de uma “classe dominante”– a burguesia, determinada por sua posição nasrelações de produção –, há uma elite do poder,definida por critérios políticos.

Cumpre observar que a utilização do concei-to de “elite”, por Wright Mills, implica a subversãoda teoria clássica das elites, formulada no iníciodo século XX por autores como Vilfredo Pareto,Gaetano Mosca e Robert Michels. O objetivo queguiava as análises dos elitistas clássicos era de-monstrar a impossibilidade da efetivação de umregime democrático. Assim, Pareto indicava a cir-culação das elites como cerne de qualquer trans-formação social, isto é, no fundo manifestava-se aeterna permanência da dominação sobre a massa.Mosca estabelecia que o domínio da minoria so-bre a maioria consistia em regra sociológica inva-riável. E Michels ditava a “lei de ferro das oligar-quias” para provar que a perseguição de qualquerinteresse coletivo gera inevitavelmente uma eliteindependente. Em todos os casos, o recado eraque as promessas do movimento democrático esocialista nunca seriam concretizadas.

Wright Mills vai usar o conceito de elite nãopara se confrontar com o ideal democrático, ne-gando a possibilidade de sua efetivação, maspara acusar as “democracias realmente existen-tes” (a partir de sua realização emblemática, osEstados Unidos da América) de não cumpriremsua promessa central: o governo do povo. Dessamaneira, o caráter conformista – e, portanto, con-servador – da abordagem dos elitistas clássicos é

substituído por um apelo em favor do aprimora-mento da democracia, com a retirada dos entra-ves que a preponderância das elites impunha (eimpõe) a ela. Apesar de diversas inconsistênciase fragilidades apontadas por seus críticos, A elitedo poder representou um esforço importante, daciência social nos Estados Unidos, no sentido deuma análise mais substantiva e menos formalistados processos políticos, que os conectasse com aestrutura da sociedade.

Na mesma época, um esforço com ambiçãosemelhante alcançava conclusões opostas. Tam-bém em 1956, Robert Dahl lançou Um prefácio àteoria democrática, livro que apresenta a primei-ra síntese abrangente de sua teoria pluralista.10 Re-servando o termo “democracia” para um idealque raras vezes é concretizado no mundo real (enunca em agrupamentos tão numerosos e com-plexos quanto Estados-nações), ele cunha a pala-vra “poliarquia” para designar a aproximação pos-sível a esse ideal. Embora Dahl desenvolva umconjunto de critérios de democracia, cuja efetiva-ção parcial definiria uma organização como po-liárquica, o ponto crucial – que transparece já nosignificado etimológico da palavra – é a presençade uma multiplicidade de pólos de poder, semque nenhum seja capaz de impor sua dominaçãoa toda a sociedade. Em suma, se não podemoscontar com o governo do povo ou mesmo com ogoverno da maioria, podemos ao menos ter umsistema político que distribua a capacidade de in-fluência entre muitas minorias. Assim, as eleiçõesocupam uma posição central num ordenamentopoliárquico não porque introduzam um “governode maiorias em qualquer maneira significativa,mas [porque] aumentam imensamente o tamanho,número e variedade das minorias, cujas preferên-cias têm que ser levadas em conta pelos líderesquando fazem opções de política” (Dahl, 1989a[1956], p. 131).

A incompatibilidade com a perspectiva deWright Mills é muito evidente. Em lugar da ênfa-se no domínio de uma minoria que, embora divi-dida em três setores, compartilha um conjunto devalores fundamentais, Dahl apresenta uma miría-de de grupos com influência localizada, entrandoem coalizões sempre fluidas e provisórias para o

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exercício das funções de governo. A polêmica tor-na-se explícita quando, em 1958, Dahl publica oartigo “Uma crítica ao modelo de elite dirigente”,com reparos metodológicos à abordagem de WrightMills, à qual acusa, de maneira não muito velada,de se apoiar numa visão conspiratória do exercíciodo poder e de ser infalsificável no sentido de Pop-per, isto é, de não ser científica.

O artigo, então, propõe uma versão revisa-da do modelo, a fim de que se torne possível tes-tá-lo. Dahl apresenta uma definição operacionalde elite dirigente como sendo “uma minoria deindivíduos cujas preferências prevalecem regular-mente nos casos de diferenças nas preferênciassobre questões políticas chave”, observando ain-da que tal preponderância não pode ser um meroefeito da aplicação das regras democráticas(Dahl, 1958, p. 464). Só é possível falar na exis-tência de uma elite do poder quando se constataa presença de uma tal minoria. Ele emprega seuteste, concluindo pela superioridade do modelopoliárquico, num estudo sobre os processos de-cisórios em New Haven, Connecticut, apresenta-da como cidade “típica” da vida urbana nos Esta-dos Unidos. A pesquisa mostra que, embora umaminoria de líderes monopolizasse as iniciativaspolíticas nas três questões polêmicas analisadas(nomeações de funcionários públicos, reurbani-zação e educação), havia conflito dentro dela e ainfluência de cada líder era, via de regra, especia-lizada, isto é, incidia sobre apenas um dos trêsassuntos (Dahl, 1961).

O estudo de Dahl está sujeito a uma série dequestionamentos de ordem metodológica, a co-meçar pela premissa de que o microcosmo é umretrato fiel, em escala menor, do macrocosmo –quer dizer, de que o estudo dos processos de de-cisão em nível local pode servir de evidência parao nível nacional. Afinal, tamanho e distância sãofatores essenciais para explicar a apatia políticapopular, que, por sua vez, é um dos elementosque favorecem o domínio da elite. Além disso, édifícil crer que uma cidade, na época com 160 milhabitantes, que sedia a Universidade Yale possaser considerada “típica”, por mais que muitos deseus indicadores demográficos sejam medianos.Mas a principal crítica foi formulada por PeterBachrach e Morton S. Baratz em dois artigos de

grande repercussão, publicados na American Po-litical Science Review em 1962 e 1963.

Situando o debate entre elitistas e pluralistas,Bachrach e Baratz observam que sua principalfragilidade reside na redução do exercício do po-der à tomada de decisões sobre questões contro-versas. Tentando superar essa percepção, que jul-gam ser demasiado simplista, eles propõem umanova definição de poder, capaz de incorporar sua“segunda face”:

É claro que o poder é exercido quando “A” par-ticipa na tomada de decisões que afetam “B”. Maso poder também é exercido quando “A” devotasua energia a criar ou a reforçar valores sociais epolíticos e práticas institucionais que limitam oescopo do processo político à consideração pú-blica apenas daquelas questões que são compa-rativamente inócuas para “A”. Na medida em que“A” obtém sucesso a esse respeito, “B” está impe-dido, para todos os propósitos práticos, de trazerà baila quaisquer questões cuja resolução possaprejudicar seriamente o conjunto de preferênciasde “A” (Bachrach e Baratz, 1962, p. 948).

É possível chamar a segunda face do poderde “controle sobre a agenda pública”. Ao ignorá-la, acreditando que o poder se reflete sempre emdecisões concretas, Dahl não percebe que as ver-dadeiras “questões políticas chave”, nas quais ainfluência da pretensa elite política deve ser testa-da, podem estar invisíveis. A expressão públicadas divergências quanto a tais assuntos seria anu-lada pela certeza prévia de que nenhuma propos-ta alternativa teria chance de vingar. Os autoresusam um exemplo institucional – as propostasque um prefeito não faz por saber de antemãoque a assembléia com poder decisório seria hos-til a elas (Bachrach e Baratz, 1962, pp. 951-952) –mas não é difícil aplicar suas observações a esfe-ras menos formalizadas da prática política.

Bachrach e Baratz reconhecem que o con-trole da agenda apresenta dificuldades de opera-cionalização, uma vez que se caracteriza precisa-mente por sua invisibilidade. Mas afirmam, comrazão, que é um erro “descartar ‘elementos imen-suráveis’ como irreais” (Bachrach e Baratz, 1962,p. 952): não é o fato de a segunda face do poderser menos evidente e menos mensurável do que

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a primeira face (o controle sobre a decisões) quea torna menos importante para a compreensão darealidade social. Mais tarde, eles vão observarque, embora as “não-decisões” sejam, por defini-ção, não-eventos, é possível detectar e analisarempiricamente o “processo de não-tomada de de-cisão” (nondecision-making process), isto é, “amobilização do viés sobre uma questão latente”(Bachrach e Baratz, 1963, p. 641).

Dessa forma, Bachrach e Baratz apresentamuma perspectiva bidimensional do poder, acres-centando, à sua manifestação mais evidente (a to-mada de decisão), uma face oculta, o impedimen-to da expressão do conflito político. Para StevenLukes, que intervém no debate em 1974, com umopúsculo sobre o significado do poder, trata-se deuma visão ainda insuficiente, mesmo que repre-sente um significativo passo adiante em relação aDahl. Segundo o cientista político britânico, a pers-pectiva bidimensional mantém, tanto quanto a uni-dimensional, a ênfase no conflito efetivo de inte-resses, esteja ele aberto ou encoberto (Lukes,1985 [1974], p. 16). Faz-se necessário acrescentarum novo elemento, a manipulação das vontadesalheias. A terceira – e mais crucial – dimensão dopoder residiria na capacidade de fazer com quegrupos e indivíduos tivessem desejos contrários aseus verdadeiros interesses, impedindo a eclosãodo conflito não apenas na arena pública, mas atémesmo na consciência dos agentes sociais (Lukes,1985 [1974], pp. 22-23).

Fica claro que Lukes recolocou, em termosnovos, a questão da ideologia. No entanto, mesmoentre os autores vinculados à tradição marxista, atendência foi o abandono paulatino da versãomais forte da ideologia como “falsa consciência”(Eagleton, 1997 [1991]) – exatamente a que subjazà idéia da terceira dimensão do poder. O descon-forto com a noção de falsa consciência é que elaparece implicar a existência de uma consciência“verdadeira”. Já que tal consciência não emergenos sujeitos sociais, que são, afinal, as vítimas damanipulação ideológica, o passo seguinte é postu-lar a presença de um observador privilegiado, ca-paz de detectar os verdadeiros interesses dosagentes, cuja veracidade não fica comprometidacaso contradigam seus desejos manifestos.

Existem dois problemas principais com essaposição, que a tornam pouco sustentável. Em pri-meiro lugar, há a desconfiança, hoje quase univer-sal, quanto à possibilidade de que algum observa-dor externo seja capaz de identificar interessesmelhor do que o próprio agente. A experiência docomunismo soviético mostrou os riscos políticosdessa idéia. Autonomeado porta-voz da consciên-cia verdadeira da classe operária, o partido revo-lucionário sentiu-se legitimado para exercer suaditadura sobre aqueles cujos interesses dizia repre-sentar. A não-adesão a seu programa era interpre-tada como conhecimento imperfeito dos própriosinteresses ou, então, sintoma de desequilíbrio, aser tratado em instituição psiquiátrica.

Convém notar que, na prática cotidiana, opreceito da inexistência do observador privilegia-do é, com certa freqüência, deixado de lado. Jul-gamos legítimo intervir, por exemplo, para impe-dir um ato de automutilação ou um suicídio, damesma forma como obrigamos as crianças a co-mer verduras ou ir à escola. Em tais casos, comoem outros semelhantes, partimos da crença implí-cita de que sabemos “o que é melhor” para essaspessoas, mais do que elas mesmas sabem. A jus-tificativa de que doentes mentais, crianças ou to-xicômanos não conseguem perceber as conse-qüências a médio e longo prazos de seus atos nãose sustenta, já que o mesmo poder-se-ia dizer,mutatis mutandis, das vítimas da ideologia, quepossuem uma visão distorcida do mundo social.

É importante frisar que a alternativa diame-tralmente oposta à idéia da falsa consciência – orecuo ao velho dogma utilitarista de que “cadaum é o melhor juiz de seus interesses” – tambémnão resolve o problema. Afinal, tais interesses nãosão dados da natureza. Eles são construídos, numprocesso que depende tanto dos recursos cogniti-vos de que dispõe o sujeito quanto de códigos so-ciais compartilhados. O resultado é que se impõeuma conclusão paradoxal: a possibilidade de dis-torção permanece, mesmo quando se abandona acrença na existência objetiva de uma consciência“correta” dos próprios interesses.

O segundo problema com a abordagem da“falsa consciência” se liga à noção, que ela tam-bém incorpora de maneira implícita ou explícita,

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de um interesse unívoco por parte dos sujeitos.Não é possível, aqui, reconstruir a polêmica entremarxistas e pós-estruturalistas, com os primeirosafirmando a preeminência dos interesses mate-riais, ligados à posição nas relações de produção,e os segundos observando a fragmentação dasidentidades em múltiplas “posições de sujeito”,com interesses díspares e, por vezes, antagôni-cos.11 Mas, independentemente da importância re-lativa das diferentes identidades parciais dos indi-víduos e da primazia ou não da identidade declasse, é inegável que, nas sociedades contempo-râneas, os cidadãos desempenham múltiplos pa-péis, cujos interesses “óbvios” podem ser contra-ditórios. Não é difícil imaginar, por exemplo, umacontradição entre os interesses que um mesmosujeito desenvolve na qualidade de trabalhador ena qualidade de consumidor.

Portanto, a tese central de Lukes – de queuma dimensão do exercício do poder consiste emimpedir o acesso dos agentes sociais à consciênciade seus reais interesses – implica uma série depremissas temerárias. Mas é possível reter seu ele-mento mais importante, o reconhecimento de queas vontades são produzidas socialmente e, maisainda, que alguns agentes possuem uma capacida-de superior de influência na produção das vonta-des de outros. Como busco fazer mais adiante, seuargumento pode ser reconstruído de uma perspec-tiva democrática radical, eliminando o componen-te autoritário em potencial que ele carrega.

A representação política

A idéia de “democracia representativa”, emque o processo eleitoral ocupa um lugar central,hoje tornada lugar-comum, é bastante recente. Parao pensamento clássico – e, na verdade, até Montes-quieu, Rousseau e os federalistas, no século XVIII –,democracia e eleições não se confundiam. Enquan-to a democracia se apóia na premissa da igualda-de fundamental entre todos os cidadãos, a eleiçãocontempla uma seleção; implicitamente, postula aexistência de indivíduos melhor preparados paraocupar os cargos públicos e, é, portanto, um me-canismo aristocrático. Em seu importante estudo

sobre as origens e as transformações da democra-cia representativa, Bernard Manin (1997, pp. 94-131) mostrou como a adoção da eleição para a in-dicação dos governantes, no lugar do sorteiocaracterístico da democracia grega, representou otriunfo do “princípio da distinção” aristocrático. El-len Meiksins Wood (1995), por sua vez, apontouque as instituições representativas não surgiramcomo solução para a impossibilidade da democra-cia direta em grandes Estados; foram, desde oinício, pensadas como uma forma de reduzir a pre-sença popular no governo, reservando-o para ho-mens com características de elite.

Desde o princípio, também, a rationale darepresentação foi invertida. Na prática política, oscidadãos comuns não escolhem um representan-te para promover seus interesses, formulação quelhes concede o papel ativo. Ao contrário, elesapenas reagem diante das ofertas que o mercadopolítico apresenta (ver Bourdieu, 1990 [1984],1986). O desenvolvimento dos partidos políticos,que paulatinamente passam a ocupar a posiçãode protagonistas, cria o fenômeno do duplo man-dato, já que o representante presta contas a seupartido, tanto ou mais que a seu eleitorado.

O conceito de representação política torna-se cada vez mais complexo, na medida em quea prática não se adequa aos modelos ideais cor-rentes. A polissemia da palavra contribui paraisso, pois a idéia de representação política é con-taminada pelos diferentes usos de “representa-ção” e “representar” nas artes visuais, nas artescênicas, na literatura e no campo jurídico, entreoutros. Em seu estudo fundamental sobre otema, Hanna Pitkin chega a uma tipologia dasconcepções da representação política; para nos-sos fins, interessam duas correntes principais,que a autora chama de “representação descri-tiva” e “visão formalista” (Pitkin, 1967). A primei-ra afirma que o corpo de representantes deveformar um microcosmo da sociedade representa-da, reproduzindo, nas proporções adequadas,suas características principais. Nesse caso, maisimportante do que aquilo que os representantesfazem é quem eles ou elas são. A visão formalis-ta, ao contrário, enfatiza a relação entre o repre-sentante e os representados, destacando ou a au-

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torização que os cidadãos dão para que algunsajam em seu lugar ou a prestação de contas queo representante deve fazer de seus atos, que a li-teratura de ciência política designa pela palavrainglesa accountability.

A predileção de Pitkin pela vertente formalis-ta, que daria maior proteção aos cidadãos, contra-posta à visão “ingênua” da representação descriti-va, tem sido desafiada por teóricos mais recentes,preocupados com a reduzida presença de grupossubalternos (como mulheres, trabalhadores ou mi-norias étnicas) nos espaços de poder (Phillips,1995). No entanto, há um reconhecimento mais oumenos generalizado, mesmo entre os defensoresda introdução de mecanismos descritivos, de queautorização e accountability são os instrumentoscruciais da legitimação e da manutenção do víncu-lo entre governantes e governados.

O que importa destacar, aqui, é que as vi-sões correntes da representação política, no sen-so comum, no ordenamento jurídico e também naciência política, estão centradas no voto e na pri-meira dimensão, positiva, do exercício do poder:trata-se do processo de escolha de delegados paraque tomem as decisões em nosso nome. A elei-ção ocupa uma posição de destaque absoluto jáque, bifronte, é o episódio fundador e, ao mesmotempo, a meta orientadora da relação entre repre-sentantes e representados. Ela é vista tanto comoo momento da autorização para que outros deci-dam em nome do povo, que permanece como ti-tular último da soberania, quanto como o mo-mento de efetivação da accountability, quando osrepresentados apresentam seu veredito sobre aprestação de contas dos representantes.

De maneira um tanto esquemática, é possí-vel apontar um modelo ideal da representaçãopolítica, que subjaz ao ordenamento jurídico dasdemocracias liberais. Em primeiro lugar, na medi-da em que a eleição condensa a prática democrá-tica, a formação das preferências tende a serignorada. Ao se dirigir à cabine de votação, o elei-tor já está, ou ao menos deveria estar, de posse deuma preferência. A perspectiva liberal julga queas preferências individuais (e, por extensão, ascrenças, os valores, os objetivos etc.) entram noprocesso político como dados, uma vez que se

formam na esfera privada (Elster, 1997). O deba-te político e, em particular, as campanhas eleito-rais permitem que o cidadão situe as diversasalternativas em relação às suas preferências e,sendo racional, como o modelo prevê, possa es-colher aqueles candidatos que julgue mais ade-quados à consecução de seus objetivos.

Aqui já é possível perceber o peso da deter-minação da agenda pública no processo de esco-lha de representantes, mesmo dentro do modelorestrito apresentado. Para que o votante racionalpondere a utilidade das diferentes alternativaseleitorais de que dispõe, ele deverá situá-las numespaço que é dado pelos vários temas controver-sos presentes na agenda. Ou seja, a informação éum item obviamente relevante no processo políti-co, devendo estar disponível para a escolha escla-recida por parte dos cidadãos. Assim, a fixação daagenda condiciona as dimensões da escolha elei-toral, independentemente do grau de racionalida-de e de autonomia dos eleitores na produção daspróprias preferências.

É possível, agora, observar a outra face damoeda: a eleição como momento do veredictopopular, da realização da accountability. Os elei-tores vão julgar o comportamento passado deseus representantes e a base para tal julgamentoé o registro das posições assumidas quando esta-vam em questão pontos polêmicos. Mais uma vez,a decisão está condicionada – ou, ao menos, ba-lizada – pela agenda pública estabelecida. Portan-to, a relação entre representantes e representadosdepende, em grande medida, dos assuntos tema-tizados e colocados para decisão.

A introdução de uma segunda dimensão darepresentação política, análoga à segunda face dopoder indicada por Bachrach e Baratz, implica apresença dos diferentes grupos na formação daagenda e no debate público. Mas cumpre observarque a produção da agenda política não ocorre ex-clusiva ou mesmo prioritariamente por ação dosrepresentantes eleitos. Os diversos grupos de inte-resse presentes na sociedade disputam a inclusãoou a exclusão de temas na agenda, bem como suahierarquização, mas quem ocupa a posição centralsão os meios de comunicação de massa, conformetem demonstrado a ampla literatura sobre a cha-

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mada agenda-setting (definição de agenda). A mí-dia é, de longe, o principal mecanismo de difusãode conteúdos simbólicos nas sociedades contem-porâneas e, uma vez que inclui o jornalismo, cum-pre o papel de reunir e difundir as informaçõesconsideradas socialmente relevantes. Todos os ou-tros ficam reduzidos à condição de consumidoresde informação. Não é difícil perceber que a pautade questões relevantes, postas para a deliberaçãopública, deve ser em grande parte condicionadapela visibilidade de cada questão nos meios de co-municação. Dito de outra maneira, a mídia possuia capacidade de formular as preocupações públi-cas. Os grupos de interesses e mesmo os represen-tantes eleitos, na medida em que desejam introdu-zir determinadas questões na agenda pública, têmde sensibilizar os meios de comunicação.

Alguns teóricos da chamada “democraciadeliberativa”, de inspiração habermasiana, em-bora enfatizem o papel do debate público na or-ganização democrática, optam por um modelomais simples e manejável do processo político.Postulam que o parlamento é o local por exce-lência do debate público e que, portanto, os di-ferentes interesses sociais já têm porta-vozes na-turais, na figura dos congressistas das váriastendências, e um espaço próprio de manifesta-ção (ver Elster, 1998, e Stokes, 1998). Trata-se deuma percepção equivocada, pois a separaçãoentre a esfera decisória (dos poderes instituídos)e a esfera pública discursiva é uma das caracte-rísticas fundantes da política moderna, como opróprio Habermas, aliás, observa. É aqui que po-demos incluir os meios de comunicação de mas-sa. Nas sociedades contemporâneas, eles detêmo quase-monopólio da difusão de informações,de discursos e de representações simbólicas domundo social; são a fonte, direta ou indireta,da esmagadora maioria das informações de queos cidadãos dispõem para compreenderem omundo social em que vivem. Na medida em queo debate público não se limita a fóruns formaiscomo o parlamento, mas deve alcançar o con-junto da sociedade, é evidente que a mídia pas-sa a desempenhar uma função-chave.

É evidente também que um parlamentarpode apresentar o projeto que quiser, sobre qual-

quer tema, e desta forma submeter o assunto à de-cisão política. Ainda assim, a influência dos meiosde comunicação na formulação da agenda é signi-ficativa. Há um forte incentivo para que as inter-venções e os projetos dos parlamentares sejam li-gados aos temas veiculados na mídia, por doismotivos: (i) são os temas de maior visibilidade efe-tiva, isto é, o parlamentar que age a respeito delesmostra-se como mais atuante; e (ii) são os temasde maior visibilidade pessoal potencial, isto é, aintervenção a respeito deles tem mais chance dereceber destaque na mídia. Nem sempre os parla-mentares aceitam a imposição da agenda midiáti-ca e, muitas vezes, agem no sentido de modificá-la; a atuação de cada um vai depender do grau devinculação a grupos de interesse definidos e daposição no campo político (Miguel, 2002). Masnão se pode ignorar o incentivo presente para po-líticos em busca de reeleição, nem o fato de quea tramitação congressual de questões de pequenavisibilidade tende a ser simbólica ou muito lerda,quando não abortada.

Participar da elaboração da agenda e partici-par do debate público são, como já deve estar cla-ro, quase sinônimos: o debate gira, em grandeparte, em torno da composição e da hierarquiza-ção da agenda, com os diferentes grupos procu-rando destacar – ou, ao contrário, deixar naobscuridade – certos temas ou problemas. Entre-tanto, não basta apresentar os problemas; é ne-cessário “enquadrá-los”, isto é, construir uma nar-rativa que permita identificar sua gênese, seuselementos, seus desdobramentos, as possíveis so-luções.12 A decisão depende, em grande medida,do enquadramento dominante. Nem sempre a ca-pacidade de incluir o tema na agenda leva à pos-sibilidade de disputar a imposição de um enqua-dramento. Formas de ação direta, com recurso àviolência ou à desobediência civil, por exemplo,podem ser eficazes para despertar a atenção paraum problema, mas os grupos que recorrem a elaperdem legitimidade para serem aceitos como in-terlocutores públicos, sendo substituídos por ou-tros, mais moderados (Gamson e Meyer, 1996, pp.287-289). Na difusão dos diferentes enquadra-mentos, mais uma vez, os meios de comunicaçãode massa ocupam um papel central.

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Sintetizando o argumento desenvolvido atéo momento, a função de representação políticasignifica participar de processos de tomada de de-cisão em nome de outros (primeira dimensão),mas também participar da confecção da agendapública e do debate público em nome de outros.Essa segunda dimensão é necessária porque, emsociedades populosas, extensas e complexascomo as contemporâneas, a participação direta detodos no debate público é inviável. Da mesmamaneira como a impossibilidade de tomada dire-ta de decisões pelo povo torna imprescindível arepresentação parlamentar, a impossibilidade deuma discussão envolvendo a todos gera a neces-sidade da representação das diferentes vozes dasociedade no debate público.13

Fica claro que os meios de comunicação demassa exercem uma função representativa nas so-ciedades contemporâneas. Em especial através dojornalismo, mas não só, a mídia nos diz diariamen-te o que é o mundo e, embora possamos recorrera outras fontes, elas sempre permanecem em posi-ção secundária, de complementaridade (Miguel,1999). Neste “dizer o que é o mundo” está incluí-do o recorte dos fatos relevantes, das interpreta-ções desses fatos, das alternativas que estão postas.

Entender os meios de comunicação comouma esfera de representação política é entendê-los como espaço privilegiado de disseminaçãodas diferentes perspectivas e projetos dos gruposem conflito na sociedade. Isso significa que obom funcionamento das instituições representati-vas exige que sejam apresentadas as vozes dosvários agrupamentos políticos, permitindo que ocidadão, em sua condição de consumidor de in-formação, tenha acesso a valores, argumentos efatos que instruem as correntes políticas em com-petição e possa formar, de modo abalizado, suaprópria opinião política. É o que se pode chamarde “pluralismo político” da mídia. Mas significatambém, sobretudo em sociedades estratificadas emulticulturais, permitir a disseminação das visõesde mundo associadas às diferentes posições noespaço social, que são a matéria-prima na cons-trução das identidades coletivas – que, por suavez, fundam as opções políticas. É o que vou cha-mar de “pluralismo social”.

É evidente que a representação nos fórunsdecisórios estabelecidos, caracterizada pela dele-gação de poder na forma do mandato eletivo, ea representação no debate público e na formaçãoda agenda, que ocorre em grande medida por in-termédio da mídia, ganham aspectos diferentes.Na primeira, a relação entre representantes e re-presentados assume uma feição muito mais for-malizada (e, por isso mesmo, muito mais explíci-ta); mas é também uma relação descontínua, quese cristaliza no momento das eleições. Dificil-mente poder-se-ia pensar em algo tão institucio-nalizado para a agenda e o debate, na medidaque, entre suas características, estão a fluidez emultiplicidade de espaços em que acontecem – eé bom que seja assim, uma vez que isso indica apossibilidade permanente de re-apropriação pelasociedade dos assuntos públicos. Ainda assim, éimportante assinalar a necessidade de que osmeios de comunicação representem de maneiraadequada as diferentes posições presentes na so-ciedade, incorporando tanto o pluralismo políti-co quanto o social.

Hoje, via de regra, a mídia desempenha malesta tarefa, por diversas razões, que incluem osinteresses dos proprietários das empresas de co-municação, a influência dos grandes anunciantes,a posição social comum dos profissionais do se-tor e a pressão uniformizadora da disputa pelopúblico. Mais até do que a manipulação cons-ciente – que, no entanto, é uma possibilidadesempre presente, sobretudo em momentos cru-ciais –, há a adesão inconsciente a determinadapercepção do mundo, que preside a seleção e ahierarquização de temas, enfoques e valores.14 Oresultado é a apresentação de uma imagem en-viesada da sociedade.

O aprimoramento da representatividade so-cial da mídia, que é o conteúdo da bandeira da“democratização da comunicação”, não possui so-lução mágica. A distinção, inelutável, entre produ-tores e consumidores de informação gera por sisó uma série de desafios para a prática democrá-tica, exatamente da mesma maneira como, em re-lação à primeira dimensão da representação polí-tica, a separação funcional entre cidadãos comunse tomadores de decisão coloca, de chofre, proble-

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mas inexistentes nas democracias diretas da Anti-güidade. A solução é sempre provisória e aproxi-mada. Não consiste numa única providência; pelocontrário, engloba um conjunto de medidas, quecomeça na desconcentração da propriedade deempresas de comunicação – o que permanecedentro da lógica da concorrência mercantil e dautopia liberal do “livre mercado de idéias” – echega na qualificação do público, dotando-o deum senso crítico mais apurado para a leitura dasinformações que consome.15

O ponto mais importante é dissociar capa-cidade de prover informações – isto é, do usu-fruto da liberdade de expressão enquanto liber-dade positiva – da posse do poder econômico,através de instrumentos como o direito de ante-na (que reserva tempo na mídia comercial paraque movimentos sociais e organizações da socie-dade civil veiculem suas posições), o incentivoao jornalismo, rádio e televisão comunitários e ofinanciamento público para estimular a expres-são de grupos desprivilegiados.16 São medidasvoltadas à equalização do acesso às formas deexpressão pública entre os diversos grupos so-ciais, que devem ter condições de participar dodebate com sua própria voz.

Cumpre observar que a desigualdade deacesso à discussão pública não é efeito apenas docontrole da mídia, mas também da deslegitimaçãoda expressão dos dominados no campo político,que exige o manejo de determinados modos dediscurso. Como observou Pierre Bourdieu, “a lin-guagem dominante [no campo político] destrói,ao desacreditá-lo, o discurso político espontâneodos dominados: não lhes deixa outra opção quenão o silêncio ou a linguagem emprestada, cujalógica não é mais a do uso popular, sem ser a douso culto, linguagem enguiçada, onde as ‘palavraselevadas’ estão presentes apenas para assinalar adignidade da intenção expressiva e que, nada po-dendo transmitir de verdadeiro, de real, de ‘senti-do’, priva aquele que a fala da experiência mes-ma que julga exprimir” (Bourdieu, 1979, p. 538).Em tais circunstâncias, a um grupo dominado res-ta apenas a opção de calar ou ser falado, isto é,de esperar que seus presumíveis interesses sejamabrigados no discurso de outros.

Nesse ponto, já estamos avançando parauma terceira dimensão da representação política,ligado ao que Lukes chama de controle sobre aspreferências. Do ângulo que interessa no momen-to, isso implica dizer que uma boa representaçãopolítica é a representação de preferências formu-ladas autonomamente. “Formuladas” é a palavra-chave: estou incorporando aqui a idéia de que osinteresses não são dados fixos, não são naturais,nem são o reflexo automático de determinadascondições materiais. É necessário que os agentescoletivos possam produzir suas próprias preferên-cias, a partir do entendimento compartilhado so-bre sua situação no mundo, num processo dialó-gico. Portanto, fica afastado o matiz autoritário,presente na formulação da terceira dimensão dopoder por Steven Lukes.

Ao mesmo tempo, há um deslocamento im-portante em relação a certas noções influentessobre o funcionamento da democracia. Apontar anecessidade de espaços autônomos de produçãodas preferências significa que não basta a exis-tência de uma “esfera pública” em que diferentesposições entram em debate, conforme a formula-ção canônica de Habermas. Se isso ocorre, osgrupos sociais que têm menor capacidade deconstituição autônoma de seus próprios interesses– os grupos dominados, possuidores de menorcapital, tanto econômico como cultural – estarãoem posição desvantajosa. Na verdade, estarãoquase que fadados a abraçar “preferências adap-tativas”, isto é, a escolher apenas uma das alter-nativas em foco, sem a possibilidade de gerar no-vas opções (Sustein, 1991, pp. 19-24; Knight eJohnson, 1997, p. 298). O modelo de uma esferapública única, cujos participantes são vistoscomo indivíduos livres do pertencimento a gru-pos, presente no ideal da democracia deliberati-va, apenas reproduz, num patamar diferente, osproblemas das instituições políticas liberais, queprivilegiam os interesses mais imediatos das clas-ses dominantes, como mostraram Claus Offe eHelmut Wiesenthal (1984 [1980]).

Portanto, é necessário que haja uma quanti-dade de esferas públicas concorrentes, isto é, deespaços em que os grupos da sociedade possamcriar os interesses que, depois, serão representa-

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dos nos fóruns políticos gerais, inclusive no par-lamento. Nancy Fraser propõe a expressão “con-trapúblicos subalternos, para assinalar que sãoarenas discursivas paralelas, onde membros degrupos sociais subordinados inventam e difun-dem contradiscursos para formular interpretaçõesopositivas de suas identidades, interesses e neces-sidades” (Fraser, 1992, p. 123).17 O principalexemplo que ela fornece é o do movimento femi-nista nos Estados Unidos, a partir do início do sé-culo XX, que construiu uma visão dos interessesdas mulheres – e mesmo um conjunto de novosconceitos, como “dupla jornada”, “assédio sexual”e outros – que depois transportou, com relativoêxito, para a esfera pública ampla.

Apesar da polêmica posterior entre as duasautoras, sobre o caráter econômico e cultural dasdesigualdades sociais, a posição de Fraser é con-gruente com a apresentada por Iris Marion Young(1990, pp. 184-91). Esta última propunha o finan-ciamento público para incentivar a auto-organiza-ção dos grupos oprimidos, canais especiais deacesso aos fóruns decisórios e mesmo poder deveto sobre políticas públicas que os atingissemem particular, proposição da qual recua em suaobra mais recente (Young, 2000, pp. 149-150). Oponto importante é o primeiro, a busca da auto-organização, que permite que os grupos sociaisconstruam de maneira autônoma sua própriaidentidade.

Assim, a terceira dimensão aqui apresentadadesloca, de forma ainda mais decisiva do que asegunda, a representação política para o campoda sociedade civil – e do exercício ativo da cida-dania, entendida segundo a “concepção alternati-va” apontada por Alvarez, Dagnino e Escobar,que destaca a “ampla gama de esferas públicaspossíveis onde a cidadania pode ser exercida e osinteresses da sociedade não somente representa-dos, mas também fundamentalmente re/modela-dos” (Alvarez, Dagnino e Escobar, 2000 [1998], p.16). Não há possibilidade de uma representaçãopolítica mais adequada sem a presença de umasociedade civil desenvolvida e plural, na medidaem que tal sociedade civil é a própria base daprática dessa cidadania e dos contrapúblicosmencionados por Fraser.

Conclusão

A teoria ampliada da representação política,aqui esboçada, orienta-se na direção de dois valo-res principais. Em primeiro lugar, a busca do apro-fundamento do pluralismo político, dando vez nãoapenas à expressão dos grupos de interesse cons-tituídos, como no pluralismo liberal padrão, mastambém à plena constituição dos interesses dosgrupos. Ao contrário de muitas correntes críticasdas democracias liberais contemporâneas – aíincluída boa parte dos deliberacionistas de matizhabermasiano, participacionistas, republicanistascívicos e, sobretudo, comunitaristas –, não se vis-lumbra alguma forma de democracia unitária emque as diferenças sociais sejam abolidas e o con-senso sobre o “bem comum” fique ao alcance damão – ou da imaginação. O caminho é antes o in-verso, contemplando a expressão e a representa-ção de todos.

Em segundo lugar, o reconhecimento do va-lor da autonomia, no sentido de produção das re-gras sociais por aqueles que estarão submetidos aelas. É algo que exige não apenas a liberdade deescolha, mas também “decisões alcançadas comuma consciência completa e vívida das oportuni-dades disponíveis, com referência a toda a infor-mação relevante e sem constrangimentos ilegíti-mos ou excessivos no processo de formação depreferências” (Sustein, 1991, p. 11). O principal re-baixamento que o liberalismo provocou no idealdemocrático foi o descarte da autonomia comoalgo utópico, inalcançável, quando não potencial-mente perigoso (já que pode conduzir à “tiraniada maioria”). A democracia reduziu-se, então, àforma política que garantiria o usufruto das liber-dades na esfera privada – a versão “protetora” doordenamento democrático, na tipologia de Mac-pherson (1978 [1977]) – e a circulação das elites.

Dentro dessa moldura, a representação polí-tica como tal tem pouco significado, com institui-ções, como, por exemplo, o parlamento, que ser-vem, sobretudo, de espaço de treinamento paralíderes políticos, algo que os escritos fundadoresde Weber (1993 [1918]) e Schumpeter (1984[1942]) já colocavam com clareza (e, na verdade,com mais clareza do que seus sucessores). O es-

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forço de aprimoramento dos mecanismos repre-sentativos só ganha sentido se conectado a umideal mais substantivo da democracia.

Entretanto, tal aprimoramento transborda oespaço das instituições políticas formais. Confor-me procurei demonstrar, a crise da representaçãonão se resolve nas esferas representativas em sen-tido estrito. Muitas vezes, o problema é abordadodessa forma limitada e as soluções propostas pas-sam por reforma no sistema eleitoral, com a intro-dução do voto majoritário ou da representaçãoproporcional, conforme o caso; pela introduçãode mecanismos inovadores para a seleção de re-presentantes, como quotas para grupos politica-mente dominados; pela geração de fóruns decidadãos escolhidos de maneira aleatória (“repre-sentativos” no sentido descritivo), que interagi-riam com as instituições tradicionais e garantiriamsua maior proximidade com as pessoas comuns.São idéias interessantes, dignas de discussão e, al-gumas delas, até mesmo necessárias para o aper-feiçoamento da representação política. Mas sãoinsuficientes.

Medidas cruciais passam por espaços externosà representação nos fóruns de tomada de decisão.Explorei duas “dimensões” adicionais, englobandoo acesso ao debate público (e, portanto, aos meiosde comunicação) e a auto-organização na socieda-de civil, justificando as vantagens de um entendi-mento ampliado do conceito. Há mais um elemen-to que deve ser mencionado. Não se trata de umanova dimensão da representação, mas, antes, deuma precondição do funcionamento de um regimedemocrático: a difusão das condições materiais mí-nimas que propiciem, àqueles que o desejem, apossibilidade de participação na política.

Anne Phillips, uma autora que se mostrapreocupada com a ausência da questão da igual-dade material no debate atual sobre a democra-cia, observa que não há uma relação de mão úni-ca entre política e economia. O “empoderamento”dos grupos sociais marginalizados – ou seja, seuacesso às esferas de poder, com a capacidade depressão daí derivada – é, por vezes, um pré-requi-sito para a transformação estrutural (Phillips,1999, p. 31). Isso serve de lembrete contra a sim-plificação levada a cabo pelo marxismo vulgar,

que desdenhava as liberdades civis e políticascomo meramente “formais” e acreditava numa de-terminação mecânica da “superestrutura” pela“base”. No entanto, é importante apontar que aesfera política não está desconectada do restanteda sociedade e que, sem um mínimo de igualda-de material e garantia das condições básicas deexistência, o funcionamento da democracia estágravemente comprometido.

NOTAS

1 A fonte mais acessível de dados sobre compareci-mento eleitoral em todo o mundo é o relatório “Vo-ter turnout from 1945 to date: a global report onpolitical participation”, do Institute for Democracyand Electoral Assistance (IDEA), disponível no sitewww.idea.int. Como os dados mais recentes estãoincompletos, para as eleições de 2000 nos EstadosUnidos foi usado o David Leip’s Atlas of U.S. Pre-sidential Elections (no site uselectionatalas.org).Todas as análises aqui feitas tomam por base elei-ções gerais para a Presidência da República ou, nocaso de regimes parlamentaristas, para o parlamen-to nacional.

2 Na Bélgica e na Austrália, o voto é obrigatório.

3 As tabelas estão em http://europa.eu.int/comm/dg10/epo/eb/eb45/tables9/chapter7.pdf.

4 Esses dados e outros, similares, são resumidos emCappella e Jamieson (1997, pp. 17-19).

5 É o caso, entre outros, de Moisés (1995) e de Linz eStepan (1999 [1996]); e também dos surveys do La-tinobarómetro (Lagos, 2001; e no site http://www.latinobarometro.org).

6 O conjunto de pesquisas presente no livro editadopor Norris possui problemas metodológicos consi-deráveis, a começar pela tendência a uma adesãopouco crítica aos resultados dos surveys e por ope-racionalizações um tanto arbitrárias dos conceitos,como a medição do nível de apoio à comunidadepolítica por meio de respostas a questões sobre o“orgulho nacional” e a disposição para lutar numaguerra (Klingemann, 1999, p. 40). Também é discu-tível a tradução da insatisfação dos cidadãos com asinstituições representativas em termos de um des-compasso entre percepções “idealistas” e “realistas”da democracia (ver Norris, 1999, p. 11). Mas, toma-dos os devidos cuidados, o painel apresentado dapercepção popular das democracias eleitorais ébastante significativo.

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7 Dahl (2000) cunhou a expressão “paradoxo demo-crático” para indicar a situação de descontentamen-to com o desempenho das instituições democráticasconcomitante a uma firme adesão aos princípios dademocracia.

8 O imbroglio envolvendo as eleições presidenciaisde 2000 nos Estados Unidos revelou com clarezaque, mais do que expressar uma vontade popular,o processo eleitoral cumpre o papel de um ritual derelegitimação do sistema político: não era importan-te contar de fato os votos, e sim proclamar um vi-torioso com respaldo institucional.

9 Embora a obra de Wright Mills tenha inspirado umadas mais influentes tentativas de interpretação marxis-ta do Estado contemporâneo (Miliband, 1972 [1969]).

10 Uma segunda síntese aparece no livro Poliarquia,de 1971. Nele, Dahl apresenta um modelo muitomais enxuto, elegante e operacionalizável do queo de quinze anos antes (e por isso exerce umaenorme influência na ciência política posterior),mas, a meu ver, ao preço de uma estilização exces-siva, que reduz seu poder de interpretação da rea-lidade (Dahl, 1971). Daí para diante, numa trajetó-ria intelectual invulgar, Dahl se mostra cada vezmais crítico em relação ao sistema político dos Es-tados Unidos, denunciando os constrangimentosque a ordem capitalista impõe à democratização(ver, em especial, Dahl, 1990 [1985], e 1989b).

11 A posição pós-estruturalista é desenvolvida em La-clau (1986) e, sobretudo, Laclau e Mouffe (1987[1985]). Para uma resposta marxista ortodoxa, verWood (1998 [1989]).

12 A noção de “enquadramento” (framing), centralnos estudos contemporâneos sobre a relação entremídia e política, deriva da obra de Goffman (1986[1974]).

13 Keane (1991, p. 43) anota este ponto, em meio auma crítica à concepção liberal de liberdade de im-prensa, mas não chega a desenvolvê-lo.

14 Há uma vasta literatura sobre esses pontos. Ver, en-tre muitos outros, Entman (1989), Page (1996),Bourdieu (1996), Fallows (1997 [1996]), Bagdikian(1997), McChesney (1999) e Ramonet (1999).

15 É o movimento chamado, nos países de língua in-glesa, de “media literacy” (ver Lewis e Jhally, 1998).

16 “Pacotes” de propostas para a democratização da co-municação aparecem em Entman, (1989, pp. 134-139), Keane (1991, pp. 163-193), Chester e Wright(1996), McChesney (1999, pp. 301-316) e Leys(1999, pp. 328-330). Algumas das medidas mencio-nadas aqui têm sido incorporadas em diferentes le-

gislações nacionais; para uma pesquisa comparativaentre 13 países da Europa e das Américas, ver Que-rino (2002).

17 Em sentido similar, Mansbridge (1996, p. 58) fala em“enclaves de discurso opositor”.

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RESUMOS / ABSTRACTS / RÉSUMÉS 193

REPRESENTAÇÃO POLÍTICAEM 3-D: ELEMENTOS PARAUMA TEORIA AMPLIADA DAREPRESENTAÇÃO POLÍTICA

Luis Felipe Miguel

Palavras-chaveRepresentação política; Democracia;Agenda pública; Mídia; Sociedadecivil.

O artigo discute os impasses e as al-ternativas para a representação polí-tica, tomando como ponto de parti-da a polêmica sobre o conceito depoder, travada nos anos de 1960 e1970 na ciência política anglo-saxã eenvolvendo, notadamente, RobertDahl, Bachrach, Baratz e Steven Lu-kes. De acordo com o último, acompreensão do poder deve levarem conta três dimensões: 1) a capa-cidade de tomar decisões ou devetá-las; 2) o controle sobre a agen-da, isto é, a determinação das ques-tões que serão alvo de decisão; e 3)a capacidade de anular o conflitosocial, impedindo que indivíduos egrupos sociais tomem consciênciade seus verdadeiros interesses. Ape-sar dos problemas presentes nessaformulação, ela é útil para pensar arepresentação política. As teoriaspredominantes levam em considera-ção apenas a face mais evidente darepresentação política, a escolha da-queles que tomarão as decisões.Mas uma democracia representativamais próxima do ideal de soberaniapopular deveria contemplar a se-gunda dimensão – a formação daagenda, hoje fortemente determina-da pelos meios de comunicação demassa. Portanto, cabe entender amídia como sendo também um es-paço de representação política. E oreconhecimento da terceira dimen-são implica a necessidade de gera-ção de espaços que permitam aosgrupos subalternos formularem au-tonomamente seus interesses, isto é,de uma sociedade civil desenvolvidae plural.

3-D POLITICAL REPRESENTA-TION: ELEMENTS FOR ANAMPLIFIED THEORY OF PO-LITICAL REPRESENTATION

Luis Felipe Miguel

KeywordsPolitical representation; Democracy,Public agenda; Mass media; Civilsociety.

The article discusses the impassesand alternatives to political repre-sentation, taking as starting pointthe controversy about the conceptof power, which occurred in the six-ties and seventies in the Anglo-Sa-xon political science and involved,notably, Robert Dahl, Bachrach &Baratz, and Steven Lukes. Accordingto Lukes, the understanding of po-wer must consider three dimen-sions: (1) the aptness to take deci-sions or to veto them; (2) the controlover the agenda, that is, the deter-mination of the questions that willbe object of decisions; and (3) theaptness to nullify social conflict, bypreventing individuals and socialgroups from taking consciousness oftheir true interests. Despite its pro-blems, this formula is useful to thinkpolitical representation. Predomi-nant theories take only the most evi-dent face of political representationinto account: the choice of decision-makers. But a representative demo-cracy closer to the ideal of popularsovereignty would have to include asecond dimension – the formationof agenda, what is strongly influen-ced by mass media. Hence, it is ne-cessary to understand mass mediaas also a sphere of political repre-sentation. And recognition of thethird dimension implies the need ofgenerating spaces where subalterngroups can autonomously formulatetheir interests, that is, a developedand plural civil society.

REPRÉSENTATION POLITIQUEEN 3-D: ÉLÉMENTS POUR UNETHÉORIE ÉLARGIE DE LA RE-PRÉSENTATION POLITIQUE

Luis Felipe Miguel

Mots-clésReprésentation politique; Démocra-tie; Agenda public; Médias; Sociétécivile.

Cet article discute les impasses et lesalternatives pour la représentation po-litique, en prenant comme point dedépart la polémique sur le concept depouvoir, qui a eu lieu dans la sciencepolitique anglo-saxonne au cours desannées 1960 et 1970, avec la participa-tion, entre autres, de Robert Dahl,Bachrach, Baratz et Steven Lukes.D’après ce dernier, la compréhensiondu pouvoir doit considérer trois di-mensions: (1) la capacité de prendredécisions ou de les interdire; (2) lecontrôle sur l’agenda, c’est-à-dire, ladétermination des questions qui se-ront objet de décision; et (3) la capa-cité d’annuler le conflit social, en em-pêchant des individus et des groupessociaux de prendre conscience deleurs véritables intérêts. Malgré cesproblèmes, cette formule est utilepour penser la représentation politi-que. Les théories prédominantes con-sidèrent uniquement le côté le plusévident de la représentation politique,le choix de ceux qui vont prendre lesdécisions. Mais une démocratie repré-sentative plus proche de l’idéal desouveraineté populaire devrait con-templer la seconde dimension, la for-mation de l’agenda, qui souffre, denos jours, de l’intense influence desmédias. Il faut donc reconnaître lesmédias comme un espace de repré-sentation politique. La reconnaissancede la troisième dimension impliquedans le besoin de génération des es-paces pour que les groupes subalter-nes formulent avec autonomie leursintérêts, c’est-à-dire, ceux d’une so-ciété civile développée et plurielle.