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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM LABORATÓRIO DE ESTUDOS AVANÇADOS EM JORNALISMO MARIA LUIZA DE OLIVEIRA DESVIOS DE CONCEITOS DA TEORIA QUÂNTICA PELA BRICOLAGEM DE NÃO CIENTISTAS CAMPINAS 2018

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM

LABORATÓRIO DE ESTUDOS AVANÇADOS EM JORNALISMO

MARIA LUIZA DE OLIVEIRA

DESVIOS DE CONCEITOS DA TEORIA QUÂNTICA

PELA BRICOLAGEM DE NÃO CIENTISTAS

CAMPINAS

2018

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MARIA LUIZA DE OLIVEIRA

DESVIOS DE CONCEITOS DA TEORIA QUÂNTICA PELA

BRICOLAGEM DE NÃO CIENTISTAS

Dissertação de mestrado apresentada ao Instituto de

Estudos da Linguagem e Laboratório de Estudos

Avançados em Jornalismo da Universidade Estadual

de Campinas para obtenção do título de mestra em

Divulgação Científica e Cultural, na área de

Divulgação Científica e Cultural.

Orientador: Prof. Dr. Márcio Barreto

Este exemplar corresponde à versão para

defesa da dissertação defendida pela aluna

Maria Luiza de Oliveira e orientada pelo

Prof. Dr. Márcio Barreto.

CAMPINAS

2018

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Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): Não se aplica.

Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas

Biblioteca do Instituto de Estudos da Linguagem

Dionary Crispim de Araújo - CRB 8/7171

Oliveira, Maria Luiza de, 1951-

OL4d Oli Desvios de conceitos da teoria quântica pela bricolagem de não cientistas /

Maria Luiza de Oliveira. – Campinas, SP : [s.n.], 2018.

Ol iOrientador: Márcio Barreto.

Oli Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de

Estudos da Linguagem.

Oli 1. Teoria quântica. 2. Bricolagem. 3. Ciência - Aspectos sociais. 4.

Pseudociência. I. Barreto, Márcio. II. Universidade Estadual de Campinas.

Instituto de Estudos da Linguagem. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Deviations from quantum theory concepts by non-scientists'

bricolage

Palavras-chave em inglês:

Quantum theory

Bricolage

Science - Social aspects

Pseudoscience

Área de concentração: Divulgação Científica e Cultural

Titulação: Mestra em Divulgação Científica e Cultural

Banca examinadora:

Márcio Barreto [Orientador]

Silvio Seno Chibeni

Maria Regina Dubeux Kawamura

Data de defesa: 17-08-2018

Programa de Pós-Graduação: Divulgação Científica e Cultural

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BANCA EXAMINADORA

Márcio Barreto

Silvio Seno Chibeni

Maria Regina Dubeux Kawamura

IEL/UNICAMP

2018

Ata da defesa com as respectivas assinaturas dos membros

encontra-se no SIGA – Sistema de Gestão Acadêmica.

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AGRADECIMENTOS

Sou muito grata aos amigos e parentes cujas caminhadas têm cruzado a minha.

Sou muito grata ao orientador deste trabalho, professor doutor Márcio Barreto, por ser

um guia atencioso a cada passo, e por ter feito a conexão do assunto com o termo “bricolagem”,

usado por Christian Kasper na sua tese Habitar a rua.

Agradeço aos componentes da banca: professor doutor Silvio Seno Chibeni pelas

preciosas orientações e indicações dadas por época da qualificação; e professora doutora Maria

Regina Dubeux Kawamura por seu cuidadoso direcionamento no primeiro protótipo deste

trabalho, ainda na forma de TCC, e pela oportunidade de ter seu parecer na dissertação que o

protótipo gerou.

É grande minha gratidão ao professor doutor Osvaldo Frota Pessoa Junior pelas direções

que me ajudou a dar a este trabalho na qualificação e, bem antes, na própria escolha do Labjor

para cursar o mestrado.

Muito obrigada a todos do Labjor por comporem um ambiente encantador de ensino,

pesquisa e convivência.

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Resumo: Esta dissertação tem como tema central o que tem sido chamado de misticismo

quântico. Levanta questões sobre a reverência do senso comum pelo que é considerado

científico e discute a crença popularizada de que a física e a ciência em geral sofreram grande

abalo com os desenvolvimentos da microfísica. Este trabalho apresenta um panorama da teoria

quântica a fim de que o leitor leigo acompanhe as discussões. Aborda a representação social da

ciência estudada por Moscovici e enfatiza o que pode ser considerado como bricolagem por

parte dos chamados místicos quânticos, quando desviam termos e conceitos da física quântica

para aplicações indevidas. O trabalho faz breve resenha de cinco livros que colaboraram para a

disseminação de teses que desaguaram no misticismo quântico. Mostra entrevistas com dois

profissionais que utilizam o nome “quântico” nos serviços que oferecem. As entrevistas

revelaram um fosso teórico entre suas práticas e a física quântica desenvolvida dentro da ciência

normal. O fosso também surge na consulta a referências dadas pelos entrevistados como suas

fontes de conhecimento. O texto indaga sobre a relação entre ciência e sociedade em seus

aspectos filosóficos e históricos, aborda a demarcação entre ciência e pseudociência e discute

o ensino de física moderna no ensino médio. Este trabalho faz indagações e abre possibilidades

de novos questionamentos.

Palavras-chave: misticismo quântico, física quântica, representação social, bricolagem,

ciência e sociedade, demarcação ciência—pseudociência

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Abstract: This dissertation approaches what has been called quantum mysticism. It raises issues

on common sense’s reverence for what is considered scientific, and it also discusses the popular

belief that physics and science in general has been rocked by microphysics’ development. This

work presents quantum theory’s overview in order laymen can follow the discussions

submitted. It addresses social representation as Moscovici put it; it emphasizes what can be

considered bricolage made by quantum mystics as they deviate Physics terms and concepts to

diverse applications. It outlines briefly five books that contributed to the dissemination of

approaches leading to quantum mysticism. Two interviews with professionals who apply the

word “quantum” in their services reveled big gap between their practices, on one hand, and

quantum physics developed in normal science, on the other hand. Similar gap was found in

references that the respondents had indicated as their knowledge sources. The text asks about

the relationship between science and society in its philosophic and historic aspects. It

approaches the science-pseudoscience demarcation and discusses the teaching of modern

Physics in high school. This dissertation asks questions and rises new inquiries.

Keywords: quantum mysticism; quantum physics; social representation; bricolage; science and

society; science-pseudoscience demarcation

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APRESENTAÇÃO

O lugar de onde fala a autora

Olhando o passado, posso dizer que não fui vítima da propaganda enganosa do

misticismo quântico devido ao gosto pela física e à pouca capacidade de sentir fé. A motivação

para fazer este trabalho veio da desconfiança de que o misticismo quântico conte com o desejo

das pessoas de encontrar respostas para o sentido da vida e, ao mesmo tempo, com a

supervalorização das ciências naturais. Penso que a própria palavra “quântico” contenha

algum apelo estético, pois é a surrada palavra “quanto” com alguma coisa misteriosa. Afinal,

devem pensar alguns místicos quânticos, física é coisa de nerd, mas tem uns nomes charmosos.

Muitos acreditam que compreendendo a matéria chega-se às razões para a

existência do mundo físico. Nada é mais enganoso, pois fora da física ainda sobra muita coisa

para se saber. Entender o mundo físico dá espaço tanto para a religiosidade quanto para o

ateísmo. A física feita pelos físicos é uma linguagem construída ao longo de séculos, firmada

na experimentação e na matemática. Um físico necessita apresentar produção coerente com os

princípios aceitos pela sua comunidade para manter-se nela. Por mais que seu partido

religioso ou filosófico interfira em suas decisões de estudo, ele se depara com os mecanismos

da ciência para que as evidências prevaleçam sobre cosmogonias individuais. Tais

mecanismos, mesmo sujeitos a vieses culturais, econômicos e de poder, têm sido considerados

válidos pela sociedade.

Por ter nascido bem na metade do século XX, tive a oportunidade de vivenciar

diferentes espíritos do tempo. Nasci em lar católico, sob um moralismo herdado do século XIX,

e levei a sério tudo isso até o final da adolescência. Entrando na vida adulta, encontrei o

movimento estudantil de 1968, o movimento feminista, a ditadura militar e a luta por liberdade.

Misturei-me a esse novo espírito do tempo e à busca obstinada por liberdade de pensamento.

Não mais consegui acreditar no deus que me foi inculcado na infância: um homem

representado por homens (portanto eu estava excluída), poderoso, castrador e vingativo. Nos

vinte anos seguintes ao final da adolescência, aproximadamente, alternei períodos de niilismo

e ateísmo com a prática de diferentes confissões religiosas, começando por umbanda. Tais

práticas vieram por questões vividas de momento e não acreditei totalmente nos princípios

compartilhados pelos seus seguidores. As mais diferentes explicações se encaixariam em uma

mesma atividade religiosa -- era o que eu pensava e penso ainda. No final dos anos 1980,

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embarquei no prenúncio da chamada Era de Aquário, a promessa de um tempo mais pacífico,

mais ecológico, mais espiritualizado, que viria “em breve”.

Foi nesse período que li os livros O tao da física e O ponto de mutação, de Fritjof

Capra. As duas obras aguçaram ainda mais o desejo constante de voltar a estudar física,

bacharelado que eu havia abandonado no primeiro ano para estudar fonoaudiologia.

Trabalhei por vinte anos como fonoaudióloga e senti-me muito satisfeita nessa profissão.

Paralelamente, por ter facilidade com redação, fiz preparação, revisão e edição de textos.

Formei-me profissional de textos na prática, não na academia. Fui casada com um (então)

editor de revista de abrangência nacional e tenho uma irmã jornalista e escritora. A

necessidade de produzir renda colocou-me em tarefas junto a essas duas pessoas que tanto me

ensinaram e continuam ensinando sobre o ofício de redigir e lidar com o conhecimento.

O desejo de aprender física realizou-se em 2009, quando voltei à graduação do

Instituto de Física da USP, desta vez em licenciatura. O mestrado em jornalismo científico e

esta dissertação aperfeiçoam, assim, duas de minhas formações.

Definições importantes dessa carreira um tanto caótica ocorreram durante os anos

1980 e 1990. Empolgada com a preparação da Era de Aquário, que parecia tão certa, li muitos

livros de cunho espiritual e fui uma quase new-ager -- quase, não muito. Dois laços me

seguravam:

Por um lado, Capra e outros autores estavam longe demais da ciência que eu havia

conhecido. Em vez de encampar suas ideias, firmei o propósito de compreender a física

moderna e ver qual era a aceitação, no ambiente científico, das novas ideias a respeito de

relatividade e microfísica.

Por outro lado, havia a sempre presente dificuldade de entregar-me a uma crença

espiritual “da pele para dentro”. Da pele para fora, exerci sobriamente, além da umbanda,

sei-cho-no-iê, espiritualismo generalizado (digamos assim) e espiritismo kardecista. Dentro

dessas práticas e fora delas, mesmo em períodos de total ateísmo e niilismo, vivi situações que

me levam a ver os seres humanos como algo além de engenhocas que nascem, crescem e

morrem. Para mim, a comunicação vai bem além de conversas, textos e gestos. Suspeito, ainda,

que o inconsciente seja tão manifesto em nossas ações quanto o consciente, o que torna nossa

existência intrigante para nós mesmos. Atualmente, não me sinto sincera dizendo-me

espiritualista e tampouco me sinto bem dizendo-me ateia. Sou alguma outra coisa no meio,

como muita gente deve ser.

A Era de Aquário, que tanto me mobilizou, se veio algum dia, passou rápido demais

e eu não percebi. Tive contato com o misticismo que usa a palavra “quântico” só depois da

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onda aquariana. Mesmo que me comovessem, alguns autores místicos quânticos criaram-me

um grande desconforto. Para mim, a física não era o que diziam, espiritualidade não era o que

diziam, e as pessoas precisam de liberdade para escolher em que acreditar, não podem se

engessar em um discurso torto que junta ciência experimental com metafísica e, por vezes, até

sugere conduta moral. Na verdade, vi o misticismo quântico como uma pedra no caminho para

a Era de Aquário que eu tinha em mente e talvez ainda tenha.

Voltando à física em 2009, foi necessário muito esforço para eu conseguir

desempenho mediano nas disciplinas de física e matemática. A antiga facilidade em exatas

havia ficado em alguma curva do caminho. Isso, para mim, não foi surpresa.

A surpresa foi constatar, nas aulas, que os comentários sobre o mundo de propostas

“quânticas” eram raríssimos. Quando surgiam, tinham sentido de reprovação. Continuando a

graduação, compreendi que, realmente, há uma enorme discrepância entre a física feita pelos

físicos e o discurso do misticismo quântico. Escolhi o assunto para o TCC (trabalho de

conclusão de curso), na graduação, e depois procurei o mestrado no Labjor para aprofundar-

me no mesmo tema.

Este trabalho foi realizado com a motivação de buscar e partilhar esclarecimentos

sobre essa corrente surgida no período nova-era e ajudar a construir um mundo com menos

amarras.

Campinas, 2018.

Maria Luiza de Oliveira

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...........................................................................................................12

CAPÍTULO 1 – ABORDAGEM DO PROBLEMA....................................................15

1.1 Bricolagem......................................................................................................16

1.2 A fascinação pelo que é considerado ciência..................................................18

1.3 Representação social.......................................................................................20

1.4 Ciência e pseudociência .................................................................................. 21

1.5 Apanhado geral sobre a teoria quântica .......................................................... 29

1.5.1 Breve histórico .......................................................................................... 29

1.5.2 Alguns incômodos da teoria quântica........................................................36

1.5.3 Dualidade partícula-onda e outras excentricidades ................................... 40

1.5.4 Convivência de interpretações .................................................................. 42

1.6 Considerações finais ....................................................................................... 47

CAPÍTULO 2 -- CINCO OBRAS DE POPULARIZAÇÃO ....................................... 48

2.1 O tao da física ................................................................................................. 48

2.2 Mysticism and the New Physics ..................................................................... 50

2.3 Quantum Questions ......................................................................................... 53

2.4 O ser quântico. ................................................................................................ 54

2.5 The Quantum Doctor ...................................................................................... 57

CAPÍTULO 3 -- CIÊNCIA E SOCIEDADE ................................................................ 61

3.1 Convivência da sociedade com as ciências naturais ....................................... 61

3.2 Física quântica no ensino médio ..................................................................... 73

CAPÍTULO 4 -- PESQUISA E DISCUSSÃO ............................................................. 77

4.1 Perguntas 1 e 2 – Trechos e comentários ........................................................ 78

4.1.1 Respostas ................................................................................................... 78

4.1.2 Comentários ................................................................................................. 81

4.2 Perguntas 3 e 4 – Trechos e comentários ............................................................ 82

4.2.1 Respostas ..................................................................................................... 83

4.2.2 Comentários ................................................................................................. 87

4.3 Possíveis desdobramentos ............................................................................... 100

CAPÍTULO 5 – COMENTÁRIOS FINAIS................................................................103

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 105

ANEXO I – ENTREVISTA COM O SUJEITO E1 ................................................... 111

ANEXO II – ENTREVISTA COM O SUJEITO E2 .................................................. 118

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12

INTRODUÇÃO

A teoria quântica1 tem se mostrado extremamente útil e consistente ao longo um

século, apesar de dar margem a diferentes interpretações. A bem-sucedida aplicação prática da

teoria é consenso na comunidade dos físicos, ao contrário das interpretações que ela suscita.

Enquanto isso, no âmbito leigo têm surgido abordagens “quânticas”, alardeando a existência de

uma nova física, que estaria revertendo as bases da física e da ciência em geral. “Terapia

quântica”, “cura quântica”, “desenvolvimento quântico”, “administração quântica”, “música

quântica”, “emagrecimento quântico”, “fonoaudiologia quântica” são exemplos de uma longa

lista de serviços e produtos oferecidos por profissionais leigos em física.

O termo misticismo quântico foi utilizado por Patrick Grim (1990) para se referir ao

emprego da palavra “quântico” no nome de atividades místicas, de autoajuda ou assemelhadas.

Passaram-se quase 30 anos e a aplicação indevida ampliou-se para as mais diferentes áreas.

Este trabalho abre algumas frentes para tentar compreender o fenômeno, com a

intenção de provocar novas perguntas e novos estudos. Para isso, verifica interpretações da

microfísica, aponta aspectos filosóficos e históricos da relação entre ciência e sociedade, aborda

a demarcação entre ciência e pseudociência e discute brevemente o ensino de física moderna

no ensino médio.

O Capítulo 1 busca desenhar um quadro para avaliar o misticismo quântico,

fenômeno passível de abordagem transdisciplinar. Apresenta as três perspectivas básicas

escolhidas para análise: bricolagem, representação social e pseudociência. Kasper (2006) conta

com brilhantismo como moradores de rua organizam suas habitações utilizando-se de

bricolagens (que é em essência o uso de um objeto em finalidades para as quais não foi feito).

O misticismo quântico estaria “bricolando” termos e conceitos da microfísica? Por quais razões

uma ciência natural atrai “bricoleiros”? Esse é um dos tópicos iniciais da dissertação.

As categorias objetivação e ancoragem da representação social, enunciadas por

Moscovici (2009), ajudam a elucidar a maneira como o misticismo quântico se apossa de termos

e conceitos da microfísica para estampar embasamento na ciência, por vezes inexistente. Dar

1 Por simplicidade, aqui são tomados como equivalentes os termos “teoria quântica”, “microfísica”, “mecânica

quântica” e “física quântica”, pois delimitar cada um e discutir a visão por trás da nomenclatura dos diferentes

autores nos levaria a tecnicalidades alheias aos nossos objetivos.

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feições de ciência a algo externo a ela é mais uma das questões levantadas nesse capítulo. É

viva a discussão entre filósofos sobre demarcar ou não fronteiras entre ciência e pseudociência.

O primeiro capítulo também dedica algumas páginas a um apanhado teórico da

microfísica, acrescentado com o objetivo de facilitar o acompanhamento por parte do leitor

leigo. Trata-se de uma exposição rasa e parcial que fala mais da história e das questões

inconclusas da física quântica do que da teoria em si. Outro objetivo dessa seção é contornar o

que parece ser um dos motores do misticismo quântico: a dificuldade que a população em geral

tem de apontar desvios conceituais em física. Ainda que a abordagem seja superficial, espera-

se alertar não físicos para questões teóricas tratadas precipitadamente por místicos quânticos.

Deseja-se, também, que algum estudioso de ciências humanas encare a física com desassombro

e anime-se a colocar seu olhar específico neste assunto que ultrapassa o âmbito das ciências

exatas.

O segundo capítulo faz breve resenha de cinco livros que, entre vários outros,

colaboraram para a disseminação de teses que desaguaram no misticismo quântico. As obras

são apresentadas por ordem cronológica de lançamento (de 1975 a 2004) e dão ideia da

popularização do saber científico nesse período, no que se refere à teoria quântica, trazendo

indícios sobre a origem de certas bricolagens. Espera-se que inspire estudos bibliográficos mais

aprofundados.

O Capítulo 3 entra no território pedregoso do convívio da ciência com a sociedade.

São visitados autores como o historiador Eric Hobsbawm, o filósofo e matemático Bertrand

Russell, o filósofo Henri Bergson, o físico Marcel Novaes e outros. Na segunda parte desse

capítulo, são citados trabalhos acadêmicos que abordam a inclusão de física moderna no ensino

médio. Apesar da tecnologia que os estudantes têm às mãos, eles pouco aprendem sobre a física

embutida em seus aparelhos. Nesse nível escolar, ainda é incipiente o ensino de física moderna

em geral, e física quântica em particular, abrindo espaço para o enraizamento de

pseudociências. Nesse capítulo, são feitas referências a trabalhos acadêmicos nacionais que

tratam do assunto.

O quarto e último capítulo apresenta duas entrevistas feitas com profissionais que

utilizam o adjetivo “quântico” no nome dos serviços que prestam. As entrevistas, que mostram

um fosso entre as concepções desses profissionais e a física, ilustram o que foi apontado nos

capítulos precedentes. Um dos entrevistados traz como fonte de seu conhecimento uma empresa

denominada Fisioquântic, que vende produtos “quânticos” e tem como consultora científica

uma médica nutróloga que defende sua terapia “quântica” explicando conceitos físicos de

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maneira desviante, como se pode ver pela transcrição de uma entrevista dada por ela. Preocupa

que essa médica participe do grupo de fundadores e coordenadores de um curso de pós-

graduação registrado no MEC, chamado Saúde Quântica, oferecido pela instituição Uninter,

como especialização lato sensu.

A exposição é finalizada no quinto capítulo, suscitando hipóteses para investigações

futuras, mais do que desenvolvendo conclusões.

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CAPÍTULO 1 – ABORDAGEM DO PROBLEMA

A princípio, busca-se aqui desenhar um quadro que nos auxilie na abordagem do

misticismo quântico, fenômeno que pode ser tratado sob diferentes vieses. Neste capítulo são

apresentadas as três perspectivas escolhidas para análise: bricolagem, representação social e

pseudociência. Em seguida, é feito um rápido apanhado sobre a teoria quântica para facilitar o

acompanhamento deste trabalho por parte de pessoas alheias à física. Com esse objetivo, conta-

se um pouco do desenvolvimento e das questões inconclusas atinentes à física quântica. No

próximo capítulo, há breve resenha de cinco livros que, entre vários outros, colaboraram para a

disseminação de teses que desaguaram no que tem sido chamado de misticismo quântico.

Esse termo foi aplicado por Patrick Grim (1990), em referência às tentativas de

completar a teoria quântica com explicações não físicas e tem sido utilizado para designar a

utilização indevida de termos e conceitos de física quântica em atividades alheias à física. Há

oferta de abordagem quântica nas mais diferentes áreas: cuidados com a saúde, tratamentos de

cunho espiritual, administração de empresa, música etc.

Este trabalho trata de desvios conceituais do misticismo quântico em relação ao que

é mais aceito pela ciência física normal de nosso tempo, não normal no sentido de ser a correta,

mas no sentido de ser a mais aceita, como aponta Kuhn (1998):

“Ciência normal” significa a pesquisa firmemente baseada em uma ou mais realizações

científicas passadas [...] reconhecidas durante algum tempo por alguma comunidade

científica específica como proporcionando os fundamentos para sua prática posterior.

(KUHN, 1998, p.29)

Ao referir-se com essas palavras à “ciência normal”, Kuhn menciona outro termo,

intrinsecamente ligado ao primeiro: “paradigma”. Para explicar esse termo, o autor cita obras

relevantes na história do conhecimento humano, como a Física de Aristóteles e a Química de

Lavoisier. E segue com estas palavras:

[E]sses e muitos outros trabalhos serviram, por algum tempo, para definir

implicitamente os problemas e métodos legítimos de um campo de pesquisa para as

gerações posteriores de praticantes da ciência. Puderam fazer isso porque partilhavam

duas características essenciais. Suas realizações foram suficientemente sem precedentes

para atrair um grupo duradouro de partidários, afastando-os de outras formas de

atividade científica dissimilares. Simultaneamente, suas realizações eram

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suficientemente abertas para deixar toda a espécie de problemas para serem resolvidos

pelo grupo redefinido de praticantes da ciência.

Daqui por diante deverei referir-me às realizações que partilham essas duas

características como “paradigmas”, um termo estreitamente relacionado com “ciência

normal”. [...] Homens cuja pesquisa está baseada em paradigmas compartilhados estão

comprometidos com as mesmas regras e padrões para a prática científica. Esse

comprometimento e o consenso aparente que produz são pré-requisitos para a ciência

normal, isto é, para a gênese e a continuação de uma tradição de pesquisa determinada.

(KUHN, 1998, pp. 29-31)

1.1 Bricolagem

Execução de reparos e trabalhos caseiros fáceis, como carpintaria básica, feita por

pessoa não especializada; montagem ou instalação de qualquer coisa realizada por amadores –

são definições do verbete “bricolagem” no Dicionário Houaiss (HOUAISS, 2009). Outras

acepções apresentadas pelo mesmo dicionário são: “conjunto de ferramentas, implementos e

afins us. [usados] na atividade ou passatempo da bricolagem <loja de b.>; fig. montagem ou

combinação de elementos diversos <uma bricolagem de poesia trovadoresca e versos de Ezra

Pound>” (HOUAISS, 2009). Em artes visuais e publicidade, a bricolagem é utilizada com

frequência. Podemos dizer que é aplicada também na transposição do conhecimento científico

em física quântica para o público leigo, conforme veremos ao longo deste trabalho.

Em sua tese de doutorado intitulada Habitar a rua, Christian Kasper discorre sobre

a bricolagem realizada por moradores de rua para tornar o mais funcional possível suas

moradias. “[...] não tendo acesso aos meios comuns para criar e manter uma casa, inventavam,

através da bricolagem, outros modos de habitar” (KASPER, 2006, p.1).

Kasper aborda a cultura material dos moradores de rua, sem entrar nas questões

socioeconômicas que levam seres humanos a essa condição. Estuda, então, a forma como essas

pessoas se inserem no espaço urbano, investigando a situação de rua como mais uma das formas

possíveis de se morar. Ele desenvolve sua pesquisa em torno de três elementos: “uma

determinada forma de relação com a cidade [no caso, São Paulo], uma tecnologia específica e,

enfim, um modo próprio de habitar” (KASPER, 2006, p.16).

Entre as categorias recortadas pelo autor nessa maneira de dispor os materiais para

melhor habitar, destaca-se o desvio de função, que ocorre quando um artefato é utilizado de

maneira diferente da habitual.

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Contrariando ou ignorando os usos previstos para os equipamentos urbanos, morando

em calçada, fazendo de um banco uma barraca... os moradores de rua praticam

constantemente o desvio de função, já que, simplesmente, não têm acesso aos

equipamentos considerados adequados. (KASPER, 2006, p.16)

Na bricolagem, retratando Kasper (2006), o verbo apropriar-se tem tanto o sentido

de “tomar para si” quanto o de “tornar apropriado”. Quanto às táticas de bricolagem, ele aponta

duas modalidades exercidas na condição de rua: reversão e rearranjo.

Reverter, no sentido dado por Kasper, é tirar proveito de uma circunstância adversa.

Ele cita como exemplo as cercas instaladas pelo poder público para evitar a ocupação de

determinado local por indivíduos sem teto. Essas pessoas simplesmente cortam a cerca, fazendo

uma pequena abertura, e acessam o local, onde encontram mais segurança do que em locais

abertos. Eventualmente, até vendem parte da cerca ao ferro velho. Outra tática de reversão é “a

transformação de um espaço negativo (convexo), tal como o canto de um pilar de concreto, em

espaço positivo – na prática, um abrigo – por meio de painéis apoiados nele” (KASPER, 2006,

p.17).

A operação tática de rearranjo, por sua vez, diz respeito ao desmonte de alguma

estrutura disponível seguida da recombinação de seus elementos:

bancos arrancados de seu lugar e agrupados (geralmente em dois) de diversas maneiras

para formar barracas; lajotas de concreto formando caminho retiradas para construir

fogueiras, permitindo a colocação de recipientes sobre o fogo; paralelepípedos extraídos

do chão para formar muretas ou servindo de pesos para fixar as lonas. (KASPER, 2006,

p.17)

Usando palavras que podem ser transportadas para o contexto deste trabalho, Kasper

afirma: “O rearranjo pode ser visto como uma forma extrema de bricolagem, já que o bricoleiro

constrói a partir daquilo que está à mão”. Também parece cabível a este trabalho a ampliação

feita pelo autor em nota de rodapé:

Comumente traduzido por “bricolagem”; o termo francês contém, porém, um pouco

mais do que sua importação no português. Além do sentido de pequenos trabalhos

domésticos, traz a ideia de técnica improvisada, adaptada às circunstâncias. Designa

também um conserto feito de maneira não muito ortodoxa. O francês comporta também

o verbo “bricoler” e a pessoa do “bricoleur” (quem pratica bricolagens), que traduzimos,

respectivamente por “bricolar” e “bricoleiro”. (KASPER, 2006, p. 126)

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Ao longo deste trabalho, terão lugar esses dois neologismos, assim como as demais

ideias de Kasper aqui retratadas. Em Kasper (2006), é “bricolando” que o morador de rua

consegue amenizar suas carências, usando a inventividade nascida da falta de recursos. Tal

caráter benéfico da bricolagem é mantido no uso de termos e conceitos da teoria quântica por

leigos? Os próximos capítulos proveem informações para encaminhar a resposta.

1.2 A fascinação pelo que é considerado ciência

Parece haver certa intimidação do público em geral com determinados temas da física

moderna. Além da intimidação, haveria também deslumbramento. Tal sedução mostra-se na

bricolagem de que se fala nesta dissertação. Nota-se em alguns títulos “quânticos” o desejo mal

escondido de impressionar o cliente. Um dos produtos invisíveis mercadejados no rótulo

“quântico” é o mito do cientista sábio, de inteligência muito acima da média. Seria

preferencialmente alguém do sexo masculino, que não seja cientista de humanidades -- pela

lógica social tradicional --, mas sim um físico, matemático, químico. Nesse perfil, a figura que

logo nos assoma é Albert Einstein, reconhecidamente um gênio.

Barreto (2007), estudando como o senso comum lida com a questão do tempo como

colocada por Einstein na teoria da relatividade especial, depreendeu uma fascinação pela figura

do cientista alemão e pela teoria da relatividade. Barreto se refere ao senso comum como

um modo de pensar das pessoas em geral no qual se destacam duas peculiaridades: a

primeira é um conformismo com a ciência e com a tecnologia – mais do que isso, é uma

submissão a elas que se manifesta na aceitação inconteste da complexidade científica

que escapou da realidade sensível a partir do início do século XX, quer trate-se da

complexidade de uma teoria da física ou de uma tecnologia de ponta embutida num

objeto técnico; a outra, da qual a aliança capital-tecnologia se nutre, é a crença fiel no

tempo matemático absoluto exterior e verdadeiro, ou seja, no tempo newtoniano em

torno do qual se estabelece um acordo tácito que permite a sincronização das ações

coletivas. (BARRETO, 2007, p.14-15)

Do contato com seus alunos de ensino médio e de sua pesquisa acadêmica, o autor

assinala a existência de

um fascínio generalizado pela vida e obra de Einstein, mesmo que nem uma nem outra

sejam do conhecimento dos admiradores. O contato inicial, portanto, é permeado por

essa aura mítica que envolve o célebre cientista. Mas, quando as pessoas se sentem

permitidas a se aproximarem um pouco do corpo teórico de sua obra, quando se arvoram

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a entender o conteúdo científico que faz de Einstein um gênio, observa-se uma espécie

de decepção do senso comum: primeiro, pela impossibilidade de compreensão completa

da Relatividade, [...] segundo, pela sensação da perda de conceitos bastante

sedimentados no que se costuma chamar de ‘bom senso’, tais como o de espaço e o de

tempo absolutos. Após essa decepção, segue uma reação contrária às teorias, algo como

uma revolta, mas uma revolta que entra em choque com o fascínio inicial e se intimida

diante do prestígio mitificado de Einstein. (BARRETO, 2007, p.24)

Barreto (2007) argumenta que o prestígio público de Einstein é suficiente para que

os leigos confiem em suas teorias, sem se preocuparem em compreendê-las.

Moreira e Studart (2005), enfocando a obra de divulgação científica de Einstein,

defendem a necessidade de se considerar as variadas reações contrárias que suas ideias

receberam. Foi nesse contexto adverso, sustentam, que Einstein agiu para divulgar suas ideias:

recebendo críticas de pares seus, de filósofos e de intelectuais de outras áreas. E acrescentam:

O enorme interesse despertado por suas novas ideias sobre o espaço e o tempo

conduziram-no também a escrever no afã de deixar mais claras suas concepções e para

contrapor-se a distorções e interpretações errôneas. Apesar das dificuldades das

questões físicas e matemáticas com as quais tratava, e talvez mesmo em parte por causa

disto, Einstein granjeou o fascínio do público; suas conferências em vários países

atraíam grande número de pessoas. (MOREIRA e STUDART, 2005, p.3)

Uma ponderação de Barreto (2007) ajuda a compreender a sedução exercida pela

teoria da relatividade sobre o senso comum. Essa observação mostra-se apropriada também no

caso da teoria quântica e pode apontar caminhos para o entendimento do fenômeno do

misticismo quântico.

Este tipo de reação contrária à Relatividade -- que vem após uma decepção em

relação ao fascínio inicial – foi o que mais se destacou aos meus olhos e aos meus

ouvidos quando presenciei o encontro dessa teoria com o senso comum.

[...] as reações contrárias partem majoritariamente de pessoas que se arvoram

a compreender o conceito de espaço-tempo não absoluto introduzido pela Relatividade;

pessoas que tentam assimilar algo que escapa aos seus sentidos buscando uma imagem

para um espaço-tempo quadridimensional. Os físicos que dominam a teoria, em sua

maioria, não têm essa ambição, pois sabem que é no experimento científico e na

formulação matemática e geométrica que a teoria se sustenta, dispensando assim o

alcance sensitivo. Mas o senso comum, incluindo alguns poucos físicos, reagem

contrariamente à Relatividade quando tentam invocar uma imagem para o tempo

relativo como a reta serve de suporte para o tempo linear exterior e absoluto de Newton.

(BARRETO, 2007, pp.28-29)

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1.3 Representação social

Buscando dar mais sustentação à análise que será feita no Capítulo 4, examinemos o

conceito de representação social, de Serge Moscovici, que aborda a transmissão de um saber

científico para o âmbito do senso comum.

Longe de serem um antídoto contra as representações e as ideologias, as ciências na

verdade geram, agora, tais representações. Nossos mundos reificados aumentam com a

proliferação das ciências. Na medida em que as teorias, informações e acontecimentos

se multiplicam, os mundos devem ser duplicados e reproduzidos a um nível mais

imediato e acessível, através da aquisição de uma forma e energia próprias.

(MOSCOVICI, 2009, p.60)

Uma definição simples e objetiva do conceito é dada por Leanete Thomas Dotta

(2006) em seu estudo sobre representações sociais da profissão de professor: representação

social é a transformação de um saber científico que o adapta a um novo contexto social

(DOTTA, 2006). Para a autora, Moscovici considera que transformar a existência humana é

uma das funções da ciência, por isso ocorre a dispersão, em meio ao público leigo, de

conhecimentos antes restritos ao ambiente científico. Dessa forma, a representação social é

elemento formador de linguagem e de comportamentos (DOTTA, 2006).

De acordo com Moscovici (2009), para ingressar no universo de um indivíduo ou um

grupo, o novo saber se relaciona com os saberes que já faziam parte do universo desse indivíduo

ou desse grupo. A formação das representações sociais se dá, então, por dois processos

indissociáveis, objetivação e ancoragem, cuja delimitação é vista a seguir:

Objetivação - Processo de transformação de algo conceitual em algo real e palpável,

para que se possa controlar (DOTTA, 2006). A objetivação traz o que não era familiar para a

realidade do ambiente em que ocorreu a representação social (MOSCOVICI, 2009). A

objetivação transforma em concreto e acessível o que antes era abstrato e intocável.

Ancoragem - É a integração do novo saber a um sistema de pensamento social que

já existia, o que implica transformações em ambos. Ocorre quando o novo saber é classificado

e recebe um nome. No caso da representação social dos saberes científicos, ancoragem seria “a

domesticação de um objeto que é associado a formas conhecidas e [...] reconsiderado por meio

delas. Foi assim que a Psicanálise foi comparada a práticas mais correntes como a conversação

ou a confissão” (DOTTA, 2006, p. 22). Para Moscovici (2009), na ancoragem o conceito

científico converte-se em elemento da linguagem comum ao receber uma identidade social.

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A ancoragem e a objetivação ocorrem como processos ligados e complementares. De

acordo com Moscovici, os dois mecanismos são baseados em conclusões passadas, pois

transformam palavras e ideias estranhas em elementos familiares, do cotidiano.

Aprendemos a olhar as representações da física popular, biologia popular ou

economia popular com certo ceticismo. Mas quem não tem uma representação que lhe

permita compreender por que os líquidos sobem em um recipiente, por que o açúcar se

dissolve, por que as plantas necessitam de água ou por que o governo aumenta os

impostos? Graças a essa física popular nós evitamos colisões nas estradas, graças a essa

biologia popular nós cultivamos nossos jardins e essa economia popular nos ajuda a

procurar um modo de pagar menos imposto. As categorias da ciência popular são tão

espalhadas e irresistíveis que elas parecem ser “inatas”. Fazemos uso de tal

conhecimento e tecnologia todo o tempo. Intercambiamo-los entre nós, os renovamos

através do estudo ou da experiência a fim de explicar as condutas com segurança – e

sem estarmos conscientes deles – e passamos boa parte do tempo em que estamos

despertos falando sobre o mundo, fazendo planos sobre nosso futuro e sobre o futuro de

nossos filhos como uma função dessas representações. (Moscovici, 2009, p. 201)

O conceito de representação social, com seus dois aspectos de objetivação e

ancoragem, nos será bastante útil na análise da bricolagem de conceitos da microfísica realizada

por não físicos.

1.4 Ciência e pseudociência

Na popularização da ciência, nem sempre fica claro se determinada prática ou ideia

é boa ciência, má ciência, anticiência (posição contrária à ciência), atividade não-científica ou

pseudociência. Sob quais critérios classificar? Quais agentes sociais estão aptos a fazê-lo?

Buscar respostas é tema de muitos estudiosos. Este trabalho, dedicado a levantar questões sobre

misticismo quântico, restringe-se a algumas considerações a respeito. Os próximos parágrafos

contentam-se em discorrer sobre pseudociência.

Nem sempre a divulgação científica ajuda na classificação recém-comentada e a

internet é rica de exemplares das cinco categorias, por vezes mescladas e adulteradas em relação

à informação original.

Em paralelo, acontece de teorias científicas rejeitadas em um primeiro momento

serem plenamente aceitas mais tarde e, em sentido oposto, teorias bem aceitas passarem a ser

rejeitadas se algum fato novo mostrar nelas inconsistências graves.

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O caso da deriva dos continentes tem sido apontado na literatura como algo de

interesse na discussão sobre boa ciência e má ciência. Em 1912, o geógrafo e meteorologista

alemão Alfred Wegener propôs que a distribuição das terras no planeta vem sofrendo grandes

mudanças ao longo das eras. Wegener insistiu em que o encaixe do mapa da África ocidental

com o mapa da América do Sul não é fortuito, mas sim, como alguns já haviam dito, evidência

de que em algum momento os dois continentes formaram um único bloco. Dedicando-se a

recolher evidências, inclusive fazendo grandes excursões pelos continentes, Wegener

convenceu-se de que não só esses dois continentes estiveram ligados, como também todos os

outros, compondo um único bloco de terra, que denominou Pangeia, circundado por um único

oceano, a que deu no nome de Pantalassa. Wegener não foi o primeiro a levantar a hipótese,

mas o primeiro a apresentar evidências de que os continentes formavam uma unidade que se

partiu em pedaços, os quais continuam em movimento hoje. Ele usou como argumentos: a

distribuição geográfica de fósseis semelhantes em continentes distantes; a correlação entre

rochas e cadeias de montanhas em continentes diferentes; e evidências de que regiões

atualmente de clima frio foram no passado áreas tropicais, pois têm jazidas de carvão vegetal,

enquanto áreas tropicais já estiveram em regiões polares, porque há provas de antigas glaciações

em regiões atualmente quentes. Em artigo extraído e resumido de sua obra anterior, Dez teorias

que comoveram o mundo (Editora Unicamp, 2009), os autores Moledo e Magnani (2010) assim

expressam esse caso:

Wegener [...] pensava que os continentes, formados por rochas mais leves,

flutuavam sobre a camada mais profunda e pesada do leito oceânico, sobre o qual se

deslocavam. Calculava que Pangeia havia permanecido intacta até ao redor de 300

milhões de anos, quando começou a romper-se e separar-se.

[...] Além disso, a hipótese da deriva também fornecia uma explicação

interessante para a formação das montanhas: se os continentes se moviam até encontrar

um limite que lhes oferecesse resistência, sua superfície dobrar-se-ia, formando as

cordilheiras, da mesma maneira que se dobra uma toalha que se desliza sobre uma

superfície e encontra um obstáculo. Wegener sugeriu também que a Índia havia se

deslocado em direção ao interior do continente asiático formando, assim, o Himalaia.

(MOLEDO e MAGNANI, 2010)

A teoria de Wegener, entretanto, não elucidava as causas para as rupturas e o

afastamento.

A verdade é que tinha uma grande falha: Wegener era incapaz de propor um mecanismo

que explicasse os motivos desta deriva e a forma pela qual os continentes podiam vencer

o enorme atrito que implicava arrastar-se sobre o leito marítimo, ainda que tenha

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ensaiado algumas possibilidades: a rotação terrestre geraria uma força centrífuga em

direção ao Equador; Pangeia havia-se originado perto do Polo Sul e essa força

centrífuga havia produzido uma quebra no protocontinente. No entanto, o cálculo das

forças geradas pela rotação terrestre mostrou que eram muito leves para provocar

semelhantes deslocamentos. (MOLEDO e MAGNANI, 2010)

A teoria de Wegener caiu no esquecimento até que, em 1929, Arthur Holmes lançou

a hipótese de que haveria uma grossa camada de rocha fundida logo abaixo da crosta terrestre,

o manto, cujo movimento de convecção térmica força a crosta a se movimentar. Tanto Holmes

quanto Wegener foram confirmados em estudos posteriores e hoje a deriva dos continentes é

amplamente aceita em geologia. Para os leigos, basta uma consulta ao Google Maps para serem

vistas as placas tectônicas e suas correlações com a formação de cadeias de montanhas

continentais e submarinas, vulcões e outros fenômenos.

Kuhn (1998) utiliza-se da expressão quebra-cabeças como metáfora para uma das

atividades que vê como centrais na ciência:

O empreendimento científico, no seu conjunto, revela sua utilidade de tempos

em tempos, abre novos territórios, instaura ordem e testa crenças estabelecidas há muito

tempo. Não obstante isso, o indivíduo empenhado num problema de pesquisa normal

quase nunca está fazendo qualquer dessas coisas [itálicos do autor]. [...] O que o incita

ao trabalho é a convicção de que, se for suficientemente habilidoso, conseguirá

solucionar um quebra-cabeça que ninguém até então resolveu ou, pelo menos, não

resolveu tão bem.

[...] Para ser classificado como quebra-cabeça, não basta a um problema

possuir uma solução assegurada. Deve obedecer a regras que limitam tanto a natureza

das soluções aceitáveis como os passos necessários para obtê-las. Solucionar um jogo

de quebra-cabeça não é, por exemplo, simplesmente “montar um quadro”. [...] Para que

isso [a solução] aconteça todas as peças devem ser utilizadas (o lado liso deve fica para

baixo) e entrelaçadas de tal modo que não fiquem espaços vazios entre elas. (KUHN,

1998, pp. 61-62)

O enunciado de teorias, leis e conceitos ajuda a formular quebra-cabeças e a delimitar

quais soluções são aceitáveis (Kuhn, 1998). A ideia de Wegener provou-se boa ciência quando

o espaço vazio de seu quebra-cabeça foi preenchido por Holmes. Como poderia ser classificada

antes disso?

Essa questão se insere em uma discussão bem mais ampla sobre método científico,

ciência e poder, ciência e sociedade e outros problemas envolvendo fronteiras da ciência. O

conhecimento científico está presente nos mais diferentes âmbitos da vida cotidiana. Apesar

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disso, por vezes as pessoas gastam muito esforço para moldar suas crenças sobre a natureza

àquilo que a ciência dita – é o que afirma o filósofo da ciência Larry Laudan (1983).

Efetivamente, a história está plena de casos em que o desenvolvimento científico impôs

mudanças no modo pensar, como aconteceu com as ideias de Wegener, o evolucionismo de

Darwin, o heliocentrismo de Copérnico e muitos outros. Da mesma forma, continua Laudan

(1983), a ciência também estabelece que determinadas asserções sobre a natureza são aceitáveis

e outras não e “muito da nossa vida intelectual e porções crescentes da vida social e política

têm base na admissão de que nós (ou pessoas em quem confiemos) podemos mostrar a diferença

entre ciência e suas falsificações” (LAUDAN, 1983, p. 111). Ele afirma que a tarefa de

demarcar essa fronteira tem sido geralmente atribuída à filosofia, que vem falhando

repetidamente em encontrar uma resposta (sempre segundo o autor). Em seguida, conclui que

não é possível haver tal demarcação:

Quaisquer que tenham sido as resistências específicas e deficiências dos bem

conhecidos e numerosos esforços de demarcação, [...] parece justo dizer que não há

uma linha de demarcação entre ciência e não ciência, ou entre ciência e pseudociência,

que obteria o consentimento da maioria dos filósofos. E também não existe uma que

deva ser aceita por filósofos ou quaisquer outros” (itálico do autor). (LAUDAN, 1983,

pp. 111-112)

O que torna uma convicção bem fundamentada (ou heuristicamente fértil)? E

o que torna científica uma convicção? Perguntas do tipo da primeira são filosoficamente

interessantes e possivelmente tratáveis; a segunda questão é desinteressante e, julgando

pelo seu passado diversificado, intratável. Se ficarmos do lado da razão, seremos

obrigados a abolir do vocabulário termos como “pseudocientífico” e “incientífico”; são

palavras vazias que têm apenas função emotiva para nós. (LAUDAN, 1983, p. 125)

Essas declarações de Laudan não passaram despercebidas por outros filósofos da

ciência. Sua proposição de parar as tentativas de demarcação gerou reações contrárias. Uma

delas está lavrada em uma coletânea sob o título Philosophy of Pseudoscience: Reconsidering

the Demarcation Problem, obra editada por Massimo Pigliucci e Maarten Boudry (2013). A

obra examina a demarcação em 23 capítulos escritos por autores diferentes. Nela, a questão

colocada por Laudan é tratada por quase todos os autores, com maior ou menor ênfase, e é

sempre contestada. Alguns afirmam que não se deve desistir da demarcação, ainda que a tarefa

seja inglória.

Pigliucci, já no capítulo de abertura, sob o título “O problema da demarcação – Uma

resposta (atrasada) a Laudan”, diz ser importante buscar uma linha de fronteira. Ele afirma que

a pseudociência causa muitos estragos financeiros, mortes por assistência de saúde inadequada,

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falta de combate a problemas graves como aquecimento global etc. Além disso, fortalece os

defensores de teorias da conspiração. Segundo o autor, os pseudocientistas parecem conquistar

adeptos combinando o discurso científico com estratégias para minar a confiança em

autoridades acadêmicas -- ambas as ações, comenta, parecem ser particularmente palatáveis

para muitas pessoas. E a pseudociência prospera por não a compreendermos direito dos pontos

de vista cognitivo, sociológico e epistemológico.

Em outro capítulo, intitulado “O problema da demarcação – história e futuro”,

Thomas Nickles escreve:

O “problema da demarcação” é a denominação de Karl Popper para a tarefa de

discriminar ciência de não ciência (Popper, 1959, 34; 1963, cap. 1). Seu critério

continua sendo o mais frequentemente citado atualmente: testabilidade empírica ou

“falseabilidade”. Não-ciência tradicionalmente inclui não apenas pseudociência e

metafísica, mas também lógica, matemática pura, e outras disciplinas que não podem

ser testadas mediante a experiência, incluindo os tópicos normativos estudados em

teoria de valor. A questão é se nós podemos discriminar ciência sólida de ciência

impostora. Dada a credulidade humana; dados os interesses comerciais, políticos e

legais; e dada a diversidade da ciência e da filosofia da ciência, não é surpreendente que

ninguém concorde sobre existir ou não um critério adequado para a demarcação.

(NICKLES, 2013, p. 101)

Em capítulo denominado “Definindo pseudociência e ciência”, Sven Ove Hansson

explica o conceito de falseabilidade, criado por Karl Popper: “afirmações ou sistemas de

afirmações, para serem classificados como científicos, precisam ser capazes de conflitar com

observações possíveis ou concebíveis” (HANSSON, 2013, p. 71, apud Popper, Conjectures on

Refutations: the Growth of Scientific Knowledge ,1962, p.39).

Alertando que a demarcação não pode desconsiderar as ciências humanas, Hansson

declara que o conceito de não-científico é mais amplo do que o conceito de pseudocientífico. E

aponta a dificuldade no estabelecimento de princípios gerais para a demarcação, uma tarefa

mais própria dos filósofos da ciência do que dos cientistas:

Os cientistas não encontram dificuldade para distinguir entre ciência e pseudociência.

Todos nós sabemos que astronomia é ciência e astrologia não, que a teoria da evolução

é ciência e o criacionismo não, e assim por diante. Permanecem alguns casos limítrofes

[...] mas o quadro geral é de uma notável unanimidade. Os cientistas podem desenhar a

linha entre ciência e pseudociência, e, com poucas exceções, eles desenham no mesmo

lugar. Mas, pergunte-lhes sob quais princípios gerais eles o fazem. Muitos deles acham

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difícil responder a essa pergunta, e as respostas estão longe da unanimidade.

(HANSSON, 2013, p. 62)

Para Hansson, a pseudociência caracteriza-se por, além de não ser ciência, desviar-

se substancialmente dos critérios de qualidade da ciência. Segundo ele, uma demarcação com

múltiplos critérios seguiria uma lista de características que mudam de autor para autor, e não

são exaustivas. Segue a lista feita por Hansson, agrupando trabalhos dele próprio e de outros

autores (nomeados em seu texto e não nomeados aqui). A lista aponta erros cometidos em

pseudociência. Mesmo com as ressalvas do autor, essa lista interessa aos propósitos deste

trabalho e será mais um elemento para a abordagem da questão do misticismo quântico. Seguem

as características da pseudociência, segundo Hansson:

1. Crença na autoridade - satisfaz-se com o fato de uma ou mais pessoas terem

uma habilidade especial para determinar o que é verdadeiro e o que é falso.

Os outros têm de aceitar os seus julgamentos.

2. Experimentos não repetíveis - é dado crédito a experimentos que não podem

ser repetidos por outros com o mesmo resultado.

3. Exemplos escolhidos a dedo - são usados apenas exemplos confirmatórios,

mesmo que não sejam representativos da categoria geral à qual a

investigação se refere.

4. Falta de vontade de testar - a teoria não é testada, embora seja possível fazê-

lo.

5. Desconsideração de informações que refutem - observações ou experimentos

que conflitem com a teoria são negligenciados.

6. Subterfúgio inerente - o teste é disposto de tal forma que a teoria só pode ser

confirmada, nunca negada, pelo resultado.

7. Abandono de explicações sem reposição - explicações sustentáveis são

renegadas sem serem substituídas, de maneira que uma nova teoria deixa

muito mais brechas do que sua antecedente. (HANSSON, 2013, pp., 72-73)

Em relação ao item 7, ressalte-se uma das características da ciência apontadas por

Hansson em outro trecho: uma teoria científica, ao longo do seu desenvolvimento, dá conta de

cada vez mais e mais aspectos de sua matéria de estudo. Não fosse assim, comenta o autor,

haveria degeneração e não desenvolvimento da teoria (HANSSON, 213).

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Outro autor presente na mesma coletânea, Martin Mahner, afirma que a dificuldade

na demarcação é que os conjuntos de critérios propostos pela filosofia da ciência mostraram-se

ou muito estreitos ou muito amplos. Ele vê uma restrição no critério de falseabilidade de

Popper: muitas pseudociências contêm asserções falseáveis.

Entre os muitos problemas com demarcação, Mahner lembra: um conhecimento não-

científico não é obrigatoriamente pseudocientífico; um cientista que forja dados não está

fazendo pseudociência, mas má ciência; uma visão científica heterodoxa não é sempre

pseudociência; e as diversas ciências abrangem campos distintos demais (MAHNER, 2013, p.

31).

Na opinião de Noretta Koertge, que discorre sobre o tema “Companheiros de crença

versus comunidades críticas – A organização social da pseudociência”, ainda que as

pseudociências alardeiem que estão de acordo com as normas da investigação científica, os não-

crentes as veem como violadoras da ciência e, por vezes, até mesmo do senso comum. Para a

autora, os sistemas de crença das pseudociências são estranhos, não por parecerem falsos ou

implausíveis, mas porque é difícil compreender por que seus adeptos, que em geral mostram-

se razoáveis em outros aspectos, apegam-se com tanta convicção a sistemas de crença bizarros.

Outra característica apontada pela autora é o fato de os pseudocientistas em geral procurarem o

reforço apenas entre aliados, quando os cientistas, ao contrário, abrem-se a críticas

apresentando seus trabalhos em conferências e outros tipos de exposição (KOERTGE, 2013).

Na mesma obra, Erich Goode abre seu capítulo sobre paranormalidade (tema caro ao

misticismo quântico, foco deste trabalho) e pseudociência lembrando que filósofos, intelectuais

e cientistas sociais do século XIX adotaram uma visão racionalista do comportamento humano.

Eles argumentavam que o aumento do nível educacional e do conhecimento científico nas

sociedades levariam ao desaparecimento, no futuro, do que denominavam misticismo, crenças

ocultas, pseudociências, superstições e dogmas religiosos. O que se vê efetivamente, no final

do século XX e início do século XXI, é que tais elementos continuam fortes (GOODE, 2013),

apesar do aumento da escolaridade e do desenvolvimento científico. Para Goode,

Pseudociência é um termo depreciativo que os céticos usam para se referir a um grupo

ou sistema de crenças cujos adeptos, segundo os cientistas, reivindicam ser baseada em

leis naturais e princípios científicos; os adeptos desses sistemas de crença encobrem

seus pontos de vista sob o manto da ciência. A paranormalidade, por seu turno, invoca

poderes sobrenaturais – os quais, pela crença dos cientistas, são contrários ou

contraditórios com as leis da natureza. A diferença entre pseudociência e

paranormalidade é que, de acordo com cientistas e filósofos da ciência, os proponentes

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da pseudociência mascaram suas crenças e práticas como se fossem ciência, ao passo

que os adeptos da paranormalidade podem ou não fazer isso. [...] Os pseudocientistas

são fortemente orientados para o establishment científico, seja para denunciar, derrubar

ou ainda incorporar seus próprios argumentos à ciência tradicional; em contraste,

muitos defensores da paranormalidade não dão crédito ao que a ciência tradicional tenha

a dizer sobre essa atividade. (GOODE, 2013, p. 146)

Para haver avanço científico, alguma especulação se faz necessária, afirma Goode

(2013). Muitas teorias novas foram rechaçadas em um primeiro momento, para depois serem

incorporadas à ciência normal. O mesmo não ocorre com a pseudociência e nem com a

paranormalidade, segundo o autor. A primeira não oferece consistência e a segunda não tem a

preocupação de dar novas teorias à ciência, uma vez que se desenrola à parte dela. Com essas

afirmações, Goode traz alguma clareza a um quadro confuso, mas ele próprio aponta uma

limitação importante, que é a ocorrência frequente de sobreposições: pseudocientistas realçando

a paranormalidade, por um lado, e chamados paranormais utilizando-se de argumentos

científicos, por outro lado.

Outro trabalho envolvendo o problema da demarcação, este feito no Brasil, voltou-

se à preparação de alunos de ensino médio para diferenciarem ciência de pseudociência. O autor

da pesquisa, Osvaldo Dias Venezuela, optou por critérios de demarcação discutidos

independentemente da polêmica sugestão de Laudan (1983) de que não há demarcação possível.

Venezuela (2008) interessa-se pela proposta de Paul Thagard, filósofo da ciência cujo critério

de demarcação envolve não somente as características lógicas, como também as históricas e

sociais.

Para a demarcação entre ciência e pseudociência, Venezuela (2008) afirma que

“Thagard então considera um critério de demarcação que parte de três elementos: teoria,

comunidade e contexto histórico”. Reproduzindo Thagard2 em “Why Astrology is a

Pseudoscience”, artigo de Thagard publicado em 1978, Venezuela (2008), aponta dois aspectos

da pseudociência:

“Uma teoria ou disciplina que pretende ser científica é pseudocientífica se e somente

se: (1) ela tiver sido menos progressista do que teorias alternativas durante um longo

período de tempo, e enfrenta muitos problemas não resolvidos; (2) a comunidade de

praticantes faz poucas tentativas de desenvolver a teoria para obter soluções para os

problemas, não mostra preocupação em tentar avaliar a teoria em relação às outras, e é

2 Venezuela completa os dados do artigo informando que ele foi publicado em Philosophy of Science

Association, volume 1.

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seletiva em considerar confirmações e discordâncias”. (VENEZUELA, 2008, apud

THAGARD, 1978, p. 227-8)

Nesta seção, buscou-se um referencial para verificar de que lado da fronteira entre

ciência e pseudociência está o misticismo quântico.

1.5 Apanhado geral sobre a teoria quântica

O conteúdo desta seção baseia-se mais em fatos históricos e comentários de autores

do que na teoria em si. Sua leitura dispensa conhecimentos prévios de física e matemática; o

texto foi feito dessa forma para permitir a não físicos um melhor acompanhamento deste

trabalho.

1.5.1 Breve histórico

No final do século XIX, a ciência física vivia uma fase esplêndida: enquanto

irrompiam descobertas importantes como o raio X e a radioatividade, era obtido o espectro de

radiação do hidrogênio, a termodinâmica experimentava grande desenvolvimento com a

mecânica estatística e o estudo da radiação eletromagnética amadurecia, prometendo os novos

e grandes avanços tecnológicos que não tardariam a surgir. Paralelamente, já se abriam questões

teóricas que no começo do século seguinte seriam resolvidas pela teoria restrita (ou especial)

da relatividade de Einstein, publicada em 1905 – um choque para a comunidade científica, que

não teve outra alternativa senão rever a mecânica newtoniana para velocidades próximas à da

luz. Em 1915, Einstein provoca outro choque ao publicar a teoria da relatividade geral, que

amplia a restrita ao incluir a gravitação. A física quântica, prenunciada já em 1900, também

causaria grande impacto.

A relatividade restrita, a relatividade geral e a teoria quântica (na qual este trabalho

se concentra) formam o eixo do que se convencionou chamar de física moderna.

É oportuno realçar que esta narração está longe de ser uma história da mecânica

quântica. Ela apenas pinça alguns fatos para esboçar o que é e como se desenvolveu essa área

do conhecimento, deixando de mencionar importantes pesquisadores, teses e experimentos.

A mecânica de Newton (1643-1727) e a teoria eletromagnética de Maxwell (1831-

1879) davam basicamente os fundamentos da física do final do século XIX. Quando a teoria

quântica começou, em 1900, pouco se sabia sobre a estrutura da matéria (Stewart, 2012). A

descoberta do elétron por J. J. Thomson, em 1897, além dos trabalhos de Becquerel, Marie

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Curie, Pierre Curie, Rutherford, Max von Laue, Bragg e outros cientistas deram um grande

impulso para o conhecimento da estrutura atômica da matéria no final do século XIX e início

do século XX.

Partícipe dos progressos da física a partir de 1930 aproximadamente, o físico George

Gamow foi aluno de Niels Bohr em Copenhague e conta a história da física quântica em Thirty

Years that Shook Physics – The Story of Quantum Theory com ilustrações feitas por ele próprio.

Gamow (1985) relata que Max Planck fundou seu estudo em trabalhos realizados anteriormente

por Boltzmann, Maxwell, Gibbs e outros iniciadores da mecânica estatística, que à termologia

uma descrição estatística, considerando o calor como movimento aleatório de incontáveis

partículas individuais. Um dos teoremas básicos dessa descrição, denominada mecânica

estatística, sustenta-se em leis da mecânica newtoniana e diz que a energia total contida em um

conjunto muito grande de partículas individuais trocando energia entre si em colisões mútuas

é, na média, repartida igualmente por todas as partículas. Esse teorema, denominado

equipartição de energia, dá conta de valores médios. A velocidade individual irá variar

conforme cada partícula tenha energia maior, menor ou igual à energia média. O gráfico

correspondente denomina-se curva de Maxwell (Maxwell foi quem primeiro estudou a

distribuição estatística das velocidades individuais).

Para discorrer sobre microfísica, interessa-nos também um outro tipo de fenômeno:

as ondas. Tanto na propagação sonora quanto nas micro-ondas, no infravermelho e outros, o

comprimento de onda é o inverso da frequência. Ou seja, se tomarmos duas ondas, uma com

frequência alta e outra com frequência baixa, a primeira terá comprimento menor e a segunda,

comprimento maior. Na faixa de luz visível, a cor vermelha é a que tem comprimento de onda

maior (em torno de 700 nanômetros) e frequência menor (em torno de 450 THz - teraHertz). A

cor violeta é a de comprimento de onda menor (cerca de 400 nanômetros) e, portanto,

frequência maior (cerca de 750 THz). O comprimento de onda (e a frequência, portanto) é

determinante na interação de uma onda com o que ela encontra pela frente. O filtro solar que

usamos na pele consegue barrar a radiação ultravioleta do sol, mas não barra ondas muito mais

longas (como onda de rádio) e nem as muito mais curtas (como e emissão de raio X), que

passam pelo filtro solar sem interagir com ele. A radiação do forno de micro-ondas interage

com as moléculas de água do alimento, mas não interage com o recipiente que o contém. O raio

X interage com o relógio escondido dentro de uma mala, mas não interage com as roupas em

volta. Utilizamos muitos aparelhos baseados na frequência de onda.

Nos anos 1890 já se sabia que uma das três formas de transmissão de calor é a

radiação por onda eletromagnética, como ocorre com a luz do sol, a micro-onda, o rádio etc.

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Condução e convecção são as outras duas formas pelas quais o calor se propaga. Condução

ocorre, por exemplo, quando encostamos o dedo na panela quente. Convecção é o que ocorre

dentro da panela se a água estiver fervendo: porções de água mais quente sobem, e porções

menos quentes descem, gerando movimentos no líquido.

Nos deteremos, aqui, à transmissão por radiação. A frequência da onda emitida

depende da temperatura do corpo. É por isso que ao colocarmos a ponta de uma faca no fogo

vemos que ela vai mudando de cor. Em 1893, a partir de trabalhos que o antecederam, Wilhelm

Wien estabeleceu uma relação entre o comprimento de onda da radiação máxima3 e a

temperatura do corpo em graus Kelvin4. Essa relação, chamada lei do deslocamento de Wien,

tem aplicação em diversas áreas, incluindo astronomia, pois auxilia tanto na determinação de

temperaturas quanto no estudo de materiais.

Gamow assim explica essa relação:

Quando a temperatura é comparativamente baixa – ponto de fervura da água, por

exemplo – o comprimento de onda é razoavelmente grande e essas ondas não afetam a

retina do nosso olho (quer dizer, são invisíveis), mas são absorvidas pela nossa pele,

dando a sensação de aquecimento, e fala-se, então, em radiação infravermelha. [...]

Quando a temperatura sobe para em torno de 600 graus Celsius, é vista uma luz

vermelha suave. A 2.000 graus Celsius [...] é emitida uma luz branca brilhante que

contém todos os comprimentos de onda do espectro de radiação visível, desde o

vermelho até o violeta. Na temperatura ainda mais alta [...] de 4.000 graus Celsius, é

emitida uma quantidade considerável de radiação ultravioleta, cuja intensidade

crescerá rapidamente conforme a temperatura subir ainda mais. Para cada temperatura

há uma frequência de vibração predominante, [...] e conforme a temperatura aumenta,

essa frequência predominante vai se tornando mais alta e mais alta. (GAMOW, 1985,

pp. 10-11)

A partir de similaridades entre a distribuição de velocidades na mecânica estatística,

vista anteriormente, e a distribuição de comprimentos de onda na radiação do calor, Lord

Rayleigh e James Jeans estenderam a descrição estatística para o fenômeno de radiação térmica.

Eles assumiram que a energia disponível total da radiação térmica fosse distribuída igualmente

entre todas as frequências de vibração, seguindo a lei de equipartição. Desenvolveram uma

equação que representava bem o fenômeno para as frequências baixas de luz, como o

3 Um corpo quente emite ondas em faixas de frequências, havendo uma frequência predominante para cada

temperatura -- essa é denominada radiação máxima. 4 A escala Kelvin é usada muitas vezes em lugar da escala Celsius, para facilitar cálculos. Zero grau Kelvin equivale

ao zero absoluto, ou seja, -273 graus Celsius (ou graus centígrados); 373 graus Kelvin = 100 graus centígrados; 273 graus

Kelvin = Zero grau centígrado.

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infravermelho. Para as frequências mais altas de luz, entretanto, a equação mostrava grande

discrepância com o que era observado, ao ponto de levar a intensidade de radiação a valores

infinitos no ultravioleta. Nas palavras de Gamow,

Essa tentativa levou, entretanto, a resultados catastróficos! O problema é que, apesar

das similaridades entre um gás formado por moléculas individuais e a radiação térmica,

formada por ondas eletromagnéticas, há uma diferença drástica: enquanto o número de

moléculas de gás em dado recinto é sempre finito mesmo que seja muito grande, o

número de vibrações eletromagnéticas possíveis no mesmo recinto é sempre infinito.

(GAMOW, 1985, p. 11)

Muitos físicos tentavam compreender o que, na teoria, estava levando à catástrofe do

ultravioleta, como ficou conhecida essa questão. Juntando duas analogias feitas por Gamow

(1985) a esse respeito, seria como se uma lareira recebesse energia infinita e a luz vermelha das

chamas ficasse azul de repente, para logo transformar-se em ultravioleta, depois em raio-X e

em seguida em outras radiações ainda mais energéticas. “Claramente, alguma coisa estava

errada com os argumentos dos físicos do século XIX, e eram necessárias mudanças drásticas

para evitar a catástrofe do ultravioleta, prevista em teoria, mas nunca ocorrida na realidade”

(GAMOW, 1985, p. 17).

Max Planck tentou explicações por várias maneiras, trabalhando fórmulas

matemáticas, até chegar a uma solução adequada tanto para o infravermelho quanto para todo

o espectro de luz visível e também o ultravioleta. Ele chegou à solução associando a descrição

estatística com a ideia de que as radiações térmicas não se intensificam de maneira contínua, e

não ocorrem com qualquer quantidade de energia, mas sim com quantidades discretas e

determinadas. Isso impede que a radiação suba a valores ilimitados de frequência.

Segundo Stewart (2012), o interesse de Planck pela termodinâmica envolvida na

radiação térmica provavelmente cresceu com o paper publicado por Wien em 1894 sobre a lei

do deslocamento, porque de 1895 a 1900 Planck dedicou-se a investigações detalhadas e

publicou muitos estudos. Essas publicações demonstram que ele estava considerando o

problema por diferentes caminhos (Stewart, 2012), incluindo lei de Wien, entropia e

distribuição estatística.

Finalmente, Planck chegou experimentalmente a uma constante que, multiplicada

pela frequência de onda e por um número inteiro, dá a energia associada a cada frequência de

radiação. Esse fator depois recebeu o nome de constante de Planck, e é um dos elementos

essenciais da microfísica.

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Gamow assim descreve a exposição de Planck:

[...] em 14 de dezembro, no encontro de 1900 da Sociedade Alemã de Física, Planck

apresentou suas ideias sobre o assunto, que eram tão incomuns e tão grotescas que ele

próprio mal conseguia acreditar nelas, apesar de terem causado intensa excitação no

auditório e em todo o mundo da física (GAMOW, 1985, p. 17).

A explicação física não foi bem aceita por todos logo de início. Nem o próprio Planck

a defendia com firmeza.

Examinemos agora outro dos muitos fenômenos que intrigavam os cientistas na

virada do século XIX para o século XX, o efeito fotoelétrico – que nos é tão familiar agora,

abrindo e fechando portas de shoppings como num passe de mágica. Os pesquisadores tentavam

entender como a luz pode produzir eletricidade. Mais especificamente, estudavam a produção

de corrente elétrica a partir da incidência de luz em uma chapa de metal. Em 1905, outro

cientista conseguiu explicar satisfatoriamente esse efeito utilizando-se da ideia de Planck:

Albert Einstein chegou à conclusão de que a luz, além de ter as propriedades ondulatórias

conhecidas havia séculos, comporta-se também como uma fileira de corpúsculos, ou fótons, ou

quanta5 de luz. Esses corpúsculos, ao baterem na superfície metálica, arrancam os elétrons,

produzindo a corrente. Ou, em outras palavras, os elétrons livres do metal absorvem os fótons

e, dotados de mais energia, saltam da chapa, gerando corrente elétrica. A discussão sobre ser a

luz formada por ondas ou por partículas não era nova, a novidade estava no enfeixamento da

natureza da luz com a ideia de Planck.

De especial importância para o estabelecimento da teoria quântica foi também o

modelo atômico proposto por Niels Bohr em 1913, que aplicava a constante de Planck e atribuía

a estabilidade do átomo a uma série descontínua de “estados estacionários” (PESSOA JR.,

2010).

Os anos seguintes ao início da teoria quântica foram de grande atividade

experimental e teórica: busca do zero absoluto e o estudo da supercondutividade de materiais

sob temperaturas muito baixas; pesquisas sobre radioatividade e tecnologias decorrentes;

desenvolvimento acentuado da cosmologia; assimilação e utilização pela comunidade científica

das teorias restrita e geral da relatividade; e outros feitos seminais.

5 Quanta: plural de quantum pela regra gramatical latina.

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A palavra “quântico” mantém ainda hoje a conotação anunciada por Planck e

reforçada por Einstein, Bohr e muito outros no âmbito da física normal. Em outras partes deste

trabalho serão mostradas designações diferentes e criativas.

No início dos anos 1920, a física moderna já havia ultrapassado limites de aplicação

da física clássica e se firmava com ideias úteis à compreensão de fenômenos antes não

abrangidos pela física. A mecânica quântica, entretanto, trazia ainda sérias restrições teóricas.

Entre outros problemas, o modelo atômico de Bohr se aplicava bem ao átomo de hidrogênio,

que tem apenas um elétron orbitando em torno do núcleo. Em lugar de integração teórica, havia

propostas descosidas, sem um substrato formal que as unisse e que desse conta de explicar, por

exemplo, o comportamento de átomos com dois ou mais elétrons.

Por essa época, Max Born tornou-se professor na Universidade de Göttingen, na

Alemanha, que, com a assistência de Wolfgang Pauli e Werner Heisenberg, transformou-a em

um centro de estudos com relevância mundial. Paralelamente, Niels Bohr mantinha também um

polo mundial na Universidade de Copenhague, na Dinamarca.

Em 1925, ficou demonstrada a existência de uma propriedade dos elétrons que seria

algo como variação de campo, rotação intrínseca ou fenômeno assemelhado. Foi dada a essa

propriedade o nome de spin.

Em 1926, o físico austríaco Erwin Schrödinger chegou a uma solução matemática a

partir da ideia de movimento do elétron com características ondulatórias, apresentada um pouco

antes pelo francês Louis de Broglie. Gamow (1985) comenta como a proposta de Schrödinger,

que ficou conhecida como mecânica quântica ondulatória, resolveu muitas das questões teóricas

de então:

Além de explicar todos os fenômenos atômicos para os quais a teoria de Bohr já

funcionava, [...] também explicava os fenômenos para os quais a teoria de Bohr havia

falhado [...] e, além disso, fazia previsões sobre alguns problemas novos [...] com os

quais ainda não se sonhava, nem na física clássica, nem na teoria quântica de Planck-

Bohr. De fato, a mecânica ondulatória oferecia uma teoria completa e perfeitamente

autoconsistente para todos os fenômenos atômicos e, como ficou claro no final dos anos

vinte, poderia explicar também o fenômeno do decaimento radioativo e transformações

nucleares artificiais. (GAMOW, 1985, p. 3)

Werner Heisenberg, físico alemão, havia feito um ano antes uma proposta fundada

na álgebra matricial (ramo da matemática que utiliza propriedades das matrizes) para os

problemas teóricos da física quântica. Mas uma questão importante continuava em aberto: as

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altas velocidades envolvidas no mundo subatômico eram tratadas sem se levar em conta a teoria

da relatividade de Einstein. Muitas tentativas frustradas de trazer a relatividade à microfísica já

haviam sido feitas, quando o físico britânico Paul Dirac apresentou sua equação de onda

relativística. Sua matemática previa a existência de antipartículas, sobre as quais ainda não se

tinha notícia. Poucos anos mais tarde elas foram encontradas nos raios cósmicos.

Da união de todos esses esforços, o que começou como um conjunto fragmentário

de saberes consolidou-se na teoria quântica, mais matematizada e mais abstrata do que as

iniciativas anteriores, e mais difícil de se visualizar do ponto de vista físico.

Desde então, a física quântica tem se mostrado consistente na prática e propiciou a

criação de tecnologias antes impensáveis. Seu arcabouço teórico, entretanto, é alvo de

discussões entre os estudiosos, mesmo aqueles acostumados à matemática avançada que ela

exige. Os tropeços ficam ainda mais nítidos na transposição didática para estudantes de física e

na divulgação para o público em geral.

Como será visto mais adiante, não é incomum entre os chamados místicos quânticos

a ideia de que a física clássica foi abalada em todos os seus aspectos pela nova teoria. O que

ocorre, entretanto, é que, mesmo com o advento da física moderna (teoria quântica e teorias

geral e restrita da relatividade), a abordagem clássica continuou seguindo um caminho de

progresso experimental e teórico. Atualmente, certas áreas da física são tratadas tanto com o

formalismo clássico quanto com o formalismo moderno, a depender dos objetivos práticos e

teóricos desejados.

O “fracasso” da física clássica ocorre apenas quando um fenômeno apresenta efeitos

quânticos ou relativísticos, como na astrofísica, física de partículas, supercondutores,

semicondutores, nanotecnologia e outros ramos. A física moderna somou-se à clássica, da qual

manteve certos cálculos e princípios. Em muitos aspectos, a física clássica continua sendo um

excelente modelo e é amplamente utilizada por todos nós, cientistas ou não. A mecânica

clássica, por exemplo, mais evidente no cotidiano, continua sendo essencial em diferentes

âmbitos da vida. Ao dirigir um automóvel, atravessar uma rua, erguer peso, construir edifícios

e pontes, abastecer de carga uma carreta, fazer girar um disco, aplicamos com muito êxito a

mecânica newtoniana. Portanto, acompanhemos esta exposição com a certeza de que a física

clássica continua indo muito bem.

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1.5.2 Alguns incômodos da teoria quântica

Dadas as pinceladas históricas, passamos a abordar aspectos da física quântica que

trouxeram e ainda trazem dificuldades teóricas. O professor Silvio Chibeni reúne em poucas

palavras o caráter peculiar dessa teoria:

É bem sabido que mesmo após a ciência e a filosofia haverem assumido

identidades mais ou menos distintas, a partir da era moderna, elas não cessaram de todo

de se influenciar mutuamente. [...]

Parece haver acordo entre os filósofos que apreciaram de perto certos

desenvolvimentos recentes da microfísica que eles criaram uma situação sem

precedentes na história das conexões entre ciência e filosofia. [...]

Apesar de sua enorme abrangência e precisão empírica, essa teoria representa,

por suas características conceituais e estruturais, um sério desafio à intuição física

ordinária. Os conceitos clássicos fundamentais sobre a natureza da matéria e do espaço-

tempo nela não encontram aplicação imediata e irrestrita [...]. (CHIBENI, 1997 pp.3-4)

Ao mencionar o desafio à intuição ordinária, Chibeni (1997) nos traz à mente as

ponderações de Barreto (2007) sobre a diferença de postura entre o senso comum e os físicos

da área (naquele caso, a teoria da relatividade restrita). O senso comum se empenha em buscar

uma imagem para representar o fenômeno, enquanto os físicos que dominam a teoria, em sua

maioria, não se arriscam a tanto, confiantes na sustentação teórica e experimental.

Os próprios criadores da microfísica, com suas mentes clássicas, levantaram

dúvidas, uma vez que eles não conseguiam acomodar os elementos novos que surgiam dos

experimentos. Como elucidar, por exemplo, o fato de um mesmo elemento exibir

comportamento ondulatório e corpuscular? Conforme a teoria foi tomando corpo, foi mostrando

grande capacidade preditiva, hoje incontestável após ampla aplicação tecnológica. Assim, os

fenômenos quânticos que não se encaixavam na física clássica não abriram brechas no

formalismo, mas sim na interpretação dos fenômenos observados.

“Uma interpretação é usualmente entendida como um conjunto de teses ou imagens

que se agrega ao formalismo mínimo de uma teoria, sem afetar em nada as previsões

observacionais da teoria” – assinala Pessoa Jr. (2006) em seu Mapa das interpretações da teoria

quântica. Ele sustenta que uma interpretação corresponde a um posicionamento metafísico ou

filosófico que “o cientista tem liberdade para escolher” (PESSOA JR., 2006, p. 120). O autor

acrescenta ainda, em nota de rodapé:

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Pode acontecer que uma interpretação faça previsões em desacordo com a teoria, e neste

caso deveríamos falar de uma “teoria diferente”; porém, se o desacordo for tão pequeno

que não se possa fazer um experimento crucial para escolher entre as teorias, é costume

considerar que a teoria diferente também seja uma “interpretação”. (PESSOA JR.,

2006, p. 119)

Em outra nota de rodapé, ele acrescenta que “pode-se argumentar que existem

‘interpretações privadas’ que o cientista utiliza até sem perceber, durante seu trabalho, e que

podem diferir da ‘interpretação oficial’ adotada publicamente por ele (ver Montenegro &

Pessoa, 2002)” (PESSOA JR., 2006, p. 120).

A esse respeito, tratando-se agora de estudantes e não de cientistas, muito tem sido

discutido na área de ensino-aprendizagem sobre a interpretação criada mentalmente por um

indivíduo. As representações pessoais dependem da história de cada um e de como cada aluno

elabora internamente conceitos vistos em aula. Nem sempre essas representações convivem em

harmonia com as interpretações compartilhadas pela comunidade científica e há discussão, nas

metodologias de ensino, sobre sua serventia ou desserviço no processo de aprendizagem.

Concepções alternativas, conhecimento prévio, concepções espontâneas e representações

prévias são alguns dos termos utilizados nessa questão. Entre os vários autores que abordam o

tema, Mortimer (1996) lança a noção de perfil conceitual, oferecendo um contexto para se

compreender a convivência das ideias particulares dos estudantes com o saber escolar e o saber

científico. Esse tema é retomado na seção 3.2.

Ao longo da História, diferentes interpretações foram dadas a um mesmo fenômeno

da natureza, sem impedir o avanço do conhecimento. Sadi Carnot, por exemplo, cujo trabalho

alicerçou a termodinâmica moderna (Nascimento, Braga e Fabris, 2004), usou a teoria do

calórico, que seria um fluido a transitar entre os materiais, presente do século XVII até meados

do século XIX. A teoria do calórico “estava em consonância com o conceito filosófico de

conservação da matéria aceito na época” (GOMES, 2012, p. 1037). Atribui-se o termo calórico

a Lavoisier (1743 – 1794), em trabalho publicado com outros autores em 1787. A ideia não

cobria certos fenômenos e, em paralelo, o conceito de conservação da energia foi substituindo

o de conservação da matéria. Assim, o calórico caiu em desuso. “Entretanto, ao analisarmos os

textos de alguns livros didáticos de Física, ainda encontramos expressões que eram corriqueiras

nos textos dos antigos adeptos da teoria substancial do calor, tais como: calor ‘cedido’,

‘absorvido’, ‘recebido’, ‘ganho’, ‘perdido’, ‘liberado’, ‘transferência’ e ‘trocas de calor’”.

(GOMES, 2012, p. 1064-1065)

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De maneira semelhante, a comparação feita por James Clerk Maxwell do

eletromagnetismo com o movimento de fluidos não foi obstáculo para ele organizar de tal forma

o conhecimento existente em eletricidade e magnetismo, em meados do século XIX, que suas

equações são utilizadas ainda hoje e incitaram questionamentos geradores de hipóteses novas e

transformadoras, parte das quais ajudou a construir a física moderna.

Mais do que conceitos da microfísica em si, abordamos agora brevemente a

convivência da física quântica com suas diferentes interpretações. Para compreendê-las,

utilizamos parte do mapa desenhado pelo professor Osvaldo Frota Pessoa Jr.

A interpretação ortodoxa da teoria quântica, ou escola de Copenhague, trabalha com

probabilidades e assenta-se em três postulados básicos: (1) o cálculo probabilístico auxilia no

cálculo de eventos quânticos, uma vez que não se pode medir todas as grandezas envolvidas;

(2) o ato de medir provoca a fixação do fenômeno medido de um único estado; e (3) não faz

sentido conjecturar sobre o que não pode ser medido, importam apenas os resultados de

mensuração.

Segundo a interpretação de Copenhague, não se deve associar uma imagem de

mundo à realidade não observável. Tal atitude

é conhecida como positivismo ou, mais precisamente, como “descritivismo” (segundo

esta visão, a ciência deve se relegar a descrever a realidade observada, não “fazendo

sentido” falar nada a respeito daquilo que não é observável). As interpretações

ortodoxas da Teoria Quântica se caracterizam por um alto grau de positivismo, ao passo

que a maior parte das interpretações alternativas assevera algo a respeito da realidade

não-observada, atitude esta que recebe o nome de realismo”. (PESSOA JR., 2006, p.

121, destaques do autor)

Kragh (2002) comenta a adoção do positivismo pela escola de Copenhague

afirmando que “o critério positivista de trabalhar com elementos passíveis de observação foi a

base teórica, mas não era uma base particularmente nova e isenta de controvérsias” (KRAGH,

2002, p. 162).

Ao longo do desenvolvimento da mecânica quântica, houve, por exemplo, quem

sustentasse a interpretação de que o objeto quântico estaria atuando como onda antes de ser

examinado e, no momento em que o observador o examina, a onda se transformaria em

partícula. Entre os que defenderam a ideia, divergente da ortodoxa, de que haja interferência

direta da mente do observador nos fenômenos quânticos, estão os físicos F.W. London e E.

Bauer, na obra The Theory of Observation in Quantum Mechanics, publicada em 1939. Antes

e depois deles, outros físicos também adotaram essa interpretação, sem conseguirem muitos

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adeptos entre seus pares. Os físicos, na maioria, veem a interferência do ser humano apenas na

medida em que é ele quem planeja e executa o experimento, sabendo que os objetos quânticos

poderão interagir com o equipamento. Por exemplo, para observar, é preciso haver iluminação.

E o experimentador, ao jogar luz, bombardeia com fótons o objeto observado, que então

interage com os fótons e muda de comportamento. O experimentador, entretanto, não consegue

prever exatamente o estado em que o objeto se fixará. Por essa e por outras questões, o

tratamento estatístico é importante na microfísica.

O termo em destaque, estado, merece algumas considerações antes de

prosseguirmos. Estado é uma descrição das circunstâncias presentes em determinado momento.

Assim, a bola parada na marca do pênalti tem como estado: velocidade zero, localizada no chão

sobre um círculo bem definido dentro do campo de futebol. Chamemos essas circunstâncias de

estado 1. O evento que está para ocorrer dispensa descrições como cor da bola, pigmento da

tinta no chão, nome do pai do juiz... enfim, se vamos falar da cobrança de pênalti em um jogo

de futebol, elegemos algumas informações como relevantes e abandonamos outras por

irrelevantes. Chamemos de estado 2 o momento em que a chuteira do jogador acabou de bater

na bola. Uma descrição do estado 2 seria: nova posição da bola, velocidade diferente de zero.

Em algum dos momentos seguintes, acontecerá o fim do evento “cobrança de pênalti”. Esse

evento pode ser descrito por diferentes estados da bola até ela parar.

De um modo geral, estados são caracterizações básicas dos objetos físicos tratados pela

teoria. As grandezas físicas são as propriedades mensuráveis desses objetos. Para efeitos

de comparação, podemos lembrar que na mecânica clássica o estado de uma partícula

de massa m é representado por conjunto de seis números que especificam sua posição e

velocidade. Em função desses números a teoria indica como calcular os valores de

grandezas físicas como a energia cinética, o momento angular, etc. (CHIBENI, 2001)

A descrição de um estado quântico não é tão simples:

Na mecânica quântica os estados dos objetos são definidos de modo inteiramente

diverso, por meio das chamadas funções de onda. É justamente dessa nova (e complexa)

forma de representação dos estados que surgem quase todos os problemas de

interpretação da teoria. (CHIBENI, 2001)

Retomemos a interpretação de que a mente do observador interfere no experimento.

Enquanto em obras de popularização essa interferência é enfatizada, no ambiente científico o

assunto não costuma ser levado em conta. Nesse quesito, em especial, o misticismo quântico se

afasta da ciência na medida em que supervaloriza algo que no ambiente de origem, dotado do

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necessário aparato técnico, tem raros adeptos. Pessoa Jr. (2011) aponta uma sutileza ligada a

essa ideia. Segundo ele, tal concepção torna-se mais mística quando o fenômeno quântico é

interpretado de maneira realista (não como representação matemática de probabilidades) e

quando é considerada a presença de um observador consciente em vez de um instrumento de

medição. Neste trabalho, encontraremos essa tendência levada a extremos.

1.5.3 Dualidade partícula-onda e outras excentricidades

Nos anos 1920, Louis de Broglie lançou à comunidade científica uma questão

simples: se a luz se comporta tanto como onda quanto como partícula, não faria o elétron a

mesma coisa? Sua hipótese foi logo confirmada e desenvolveu-se posteriormente um modelo

de partícula-onda para os elementos da microfísica. Essa hipótese inspirou a criação da

mecânica quântica ondulatória, que tem como elemento-base para efeitos de cálculo a equação

de Schrödinger (citado anteriormente), e se harmoniza com a interpretação de Copenhague, que

ficou enriquecida com essas contribuições.

Alastair Rae (1995) refere-se a esse importante assunto do seguinte modo:

Logo depois do estabelecimento da hipótese matéria-onda, ficou evidente que ela

poderia ser utilizada para explicar as ligações químicas. [...] Tais ideias podem ser

desenvolvidas no cálculo de propriedades moleculares [...] que concordam

precisamente com os experimentos. A aplicação de princípios similares para a estrutura

da matéria condensada, particularmente os sólidos, tem sido igualmente bem-sucedida.

Pode-se demonstrar que a física quântica dá conta do fato de que alguns sólidos são

isolantes, enquanto outros são metais que conduzem eletricidade e outros ainda –

notadamente o silício e o germânio – são semicondutores. As propriedades especiais do

silício, que permitem a construção de chips com todas as suas ramificações, foram

resultados diretos da existência de ondas de elétrons em sólidos. (RAE, 1995, p.15)

Desenvolvimentos dessa natureza só fizeram aumentar a abrangência e a força da

física quântica na teoria e na prática sem, entretanto, oferecer respostas cabais a seus aspectos

polêmicos. Abordamos um desses aspectos em seguida.

Dentre os vários fenômenos ondulatórios estudados em física, interessa-nos aqui a

interferência. Descrita em grandes linhas, é o resultado do encontro de ondas. Dois passarinhos

iguais ciscando na beira de um lago criam ondas circulares que se espalham pela superfície da

água. Quando os círculos provocados por um passarinho se encontram com os círculos

provocados pelo outro, muita coisa pode acontecer, dependendo das características das duas

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propagações. Se estiverem em fase (quando uma sobe, a outra também sobe), as ondas

resultantes terão cristas mais altas e vales mais profundos (interferência construtiva). Se

estiverem em diferença completa de fase (quando uma sobe, a outra desce), a crista de uma

onda coincidirá com o vale da outra e elas se anularão (interferência destrutiva).

A clara distinção entre partícula e onda foi um dos primeiros consensos da teoria

clássica a serem abalados quando os cientistas se embrenharam na microfísica, pois nesse

âmbito as coisas podem apresentar o fenômeno da interferência. Pessoa Jr. (2003) assim resume

essa peculiaridade da física quântica:

Em poucas palavras, o que caracteriza a Teoria Quântica de maneira essencial é que ela

é a teoria que atribui, para qualquer partícula individual, aspectos ondulatórios, e para

qualquer forma de radiação aspectos corpusculares [itálicos do autor]. (PESSOA JR.,

2003, p.2)

Pessoa Jr. destaca duas versões para a dualidade partícula-onda, uma forte e uma

fraca. A versão forte, proposta por Niels Bohr, estabelece que um fenômeno só pode ser dito

corpuscular se for possível inferir a trajetória do objeto detectado. E só pode ser dito

ondulatório quando apresentar comportamento de onda. As duas explicações não podem ser

concomitantes, segundo a versão forte. Essa é a interpretação mais utilizada na ciência normal,

chamada interpretação da complementaridade, abraçada pela escola de Copenhague.

E a versão fraca postula que:

Para qualquer objeto microscópico, pode-se realizar um experimento tipicamente

ondulatório (como um de interferência), mas a detecção sempre se dá através de uma

troca pontual de um pacote mínimo de energia. (PESSOA JR., 2003, p.3)

Voltando à questão das várias interpretações, colocada anteriormente, e continuando

a seguir os passos de Pessoa Jr. (2003), assinalamos que, em referência à versão fraca, alguns

consideram que antes da detecção o objeto se propague de maneira espalhada (como onda), mas

durante a detecção as ondas se compactam ao ponto de parecerem corpúsculos. Outra leitura

possível, lembra Pessoa Jr. (2003), é considerar o objeto quântico como partícula o tempo todo,

antes e depois da detecção, sendo a interferência decorrente da interação do corpúsculo com o

equipamento do laboratório, ou seja, a interferência só acontece devido ao arranjo experimental.

Outra interpretação, ainda, denominada dualista realista por Pessoa Jr., considera que o objeto

se separe em duas partes: “uma partícula com trajetória bem definida (mas desconhecida), e

uma onda associada” (PESSOA JR., 2003, p.5). Um quarto ponto de vista elencado por Pessoa

Jr. é a interpretação da complementaridade, que salienta a existência de “uma descontinuidade

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essencial [itálico do autor] em qualquer processo atômico” (PESSOA JR., 2003, p.6), postulado

apresentado por Planck e tido por Niels Bohr e seguidores como fundamental à microfísica.

Há ainda outras excentricidades na mecânica quântica em relação à clássica, que não

foram trazidas a este trabalho porque demandariam aprofundamento em física e matemática.

1.5.4 Convivência de interpretações

Pinto Neto (2010) diz serem básicas e persistentes as polêmicas envolvendo a teoria

quântica. Ele afirma, corroborando o que vimos até aqui, que os embaraços surgiram logo de

início e até hoje não estão totalmente resolvidos. Porém, segundo ele, a escola encabeçada por

Niels Bohr “tomou as rédeas do processo [...] e passou a ser considerada a interpretação oficial

da mecânica quântica” (PINTO NETO, 2010). Quase um século após serem ratificados no

congresso de Solvay6 em 1927, em Bruxelas, os conceitos da escola de Copenhague são ainda

os que prevalecem nos livros didáticos, segundo o autor.

Alastair Rae (1995), por outro lado, mostra que mesmo o líder da escola de

Copenhague, Niels Bohr, mostrava algum incômodo: “Como Bohr apontou várias vezes, é a

natureza em si e não a nossa natureza que nos força a seguir nesse novo e, por diversas razões,

desconfortável modo de pensar” (RAE, 1995, p.113).

Chibeni (1997) também afirma que não se tratava de um grupo homogêneo:

Costuma-se dizer que a comunidade dos físicos se aglutinou em torno da chamada

“interpretação ortodoxa”, ou “de Copenhague”, da mecânica quântica, desenvolvida sob

a liderança de Bohr. Essa afirmação é enganosa, em um certo sentido, dado que uma

análise atenta revela uma grande heterogeneidade de pontos de vista entre os supostos

proponentes dessa interpretação. E mais: as concepções do próprio Bohr estão longe de

constituir um conjunto homogêneo ou mesmo consistente de teses. No entanto, um

ponto comum parece existir: a sedução por uma forma ou outra de anti-realismo.

(CHIBENI, 1997, p.5)

Parece pouco plausível que a longevidade da interpretação de Copenhague se deva

apenas a fatos históricos quase centenários. Alastair Rae (1995) expressa a influência da escola

ortodoxa da seguinte forma:

Se as coisas tivessem acontecido de maneira diferente, e uma boa teoria de variáveis

ocultas fosse desenvolvida com base em um modelo simples do mundo microscópico,

6 Solvay era o nome do patrocinador desses encontros, Ernest Solvay (1838-1922), químico prático cujo trabalho foi

importante para o desenvolvimento da engenharia química.

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sem dúvida ela ganharia rapidamente ampla aceitação e a teoria quântica tradicional

teria sido abandonada – mesmo se as duas teorias fizessem predições idênticas dos

resultados de todos os experimentos possíveis. Os positivistas poderiam alegar não

haver distinção entre as duas abordagens, mas [...] quase todos teriam preferido a visão

baseada em um modelo realista [...]. É porque isso não aconteceu que eu, assim como a

maioria dos outros físicos, tive de aceitar as ideias de Copenhague – não porque o

desejássemos particularmente, mas porque ela é a única forma de se chegar perto de

descrever o mundo físico. (RAE, 1995, p.113)

Desde o início, têm surgido interpretações mais fundamentadas ou menos

fundamentadas, defendidas de maneira mais acalorada ou menos acalorada. Os historiadores

relatam fases de esmorecimento e de acirramento das discussões. O físico italiano Franco Selleri

(1987) destaca duas épocas de acirramento: os primeiros anos de criação da teoria e o período

em torno dos anos 1980 -- no livro publicado em 1987, ele atribui a segunda época aos “anos

mais recentes”. (SELLERI, 1987)

Selleri, ferrenho opositor à escola de Copenhague, retrata-a, ao contrário de outros

analistas, como um grupo compacto e coeso, detentor de enorme autoridade moral na

comunidade dos físicos. Essa condição, para ele, teria criado constrangimentos a pesquisas que

fugissem da filosofia acausal professada por Copenhague, no dizer do autor (SELLERI, 1987).

Franco Selleri dá cores fortes à cisão entre Einstein e outros luminares da física

moderna quando a mecânica quântica se firmava como teoria sólida e de inegável aplicação

prática. Ele toma o cuidado de explicar que Einstein e demais opositores aceitavam as

evidências de ser a mecânica quântica uma abordagem consistente e extremamente fértil,

ressaltando que eles contestavam nos ortodoxos apenas a interpretação. O próprio Selleri parece

colocar-se como realista ao escrever:

Essa dramática discordância baseava-se em alguns dos quesitos mais

fundamentais de cada ciência: os sistemas estudados (neste caso os objetos atômicos)

existem independentemente dos homens e das suas observações? Em caso afirmativo,

é possível compreender corretamente o seu comportamento?

Em geral, pode dizer-se que as escolas de Copenhaga [grafia de Portugal] e de

Göttingen (Bohr, Heisenberg, Born...) deram a estes problemas respostas mais ou

menos pessimistas. Por exemplo, Niels Bohr aplicou pela primeira vez a palavra

“fenômeno” exclusivamente [itálico do autor] para uma descrição de um ato de medida

que incluísse uma descrição pormenorizada da aparelhagem experimental utilizada.

(SELLERI, 1987, p. 11)

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O físico italiano sustenta que uma teoria científica, qualquer que seja a área,

sistematiza e organiza evidências e dados empíricos em meio às tendências culturais e

filosóficas de sua época. “O resultado não pode ser senão um entrelaçamento profundo de a

priori filosóficos dos investigadores que realizam a síntese e de conquistas cognitivas do mundo

real” (SELLERI, 1987, p.15).

Para ilustrar essa assertiva, o autor usa como exemplo o sistema geocêntrico de

Ptolomeu, que foi aceito como válido ao longo de treze séculos, até ser substituído pelo

heliocentrismo. No sistema ptolomaico, como a Terra era considerada o centro do Universo, a

explicação para os “laços” que os planetas pareciam descrever em suas órbitas era a existência

de epiciclos (sobre ou além dos ciclos): periodicamente, cada planeta descreveria uma pequena

circunferência centrada em um ponto de seu ciclo original. Enquanto isso, o céu das estrelas

fixas girava em torno da Terra em um período de vinte e quatro horas. Essa teoria previu

corretamente eclipses, o deslocamento de planetas e outros fenômenos celestes. Ainda que hoje

nos pareça absurdo, o sistema ptolomaico teve alguns aspectos confirmados por estudos

posteriores. Entre eles, Selleri cita: a Terra é redonda; os planetas são objetos materiais em

movimento; e é possível prever a posição dos planetas por meio da matemática. O sistema

ptolomaico permitiu previsões exatas, apesar de ser incorreta a noção de epiciclos.

Sob o subtítulo Natureza acausal da teoria quântica, Selleri faz o comentário:

A discordância começa assim que se coloca a questão de saber se a formulação

probabilística é a única possível, ou, no caso contrário de ser possível, pelo menos em

princípio, pensar na existência de uma teoria mais pormenorizada e completa na qual

também possam ser previstos os resultados dos simples atos de medida de objetos

atômicos bem definidos. (SELLERI, 1987, p. 41)

Para ilustrar a necessidade de um posicionamento causal, Selleri especifica a questão

dos nêutrons livres ou singulares (fora do núcleo atômico), de grande importância em

tecnologia. Selleri aponta que o tempo médio de vida desses nêutrons é 920 segundos, assim

como a vida média dos europeus é de 75 anos.

“[...] algumas pessoas vivem mais tempo, outras menos, mas a média em relação a

muitos milhões de indivíduos é de cerca de 75 anos. Assim, os nêutrons singulares

podem viver muito menos (digamos 200 segundos) ou muito mais (digamos 2.000

segundos) do que a vida média de 920 segundos. (SELLERI, 1987, pp.41-42)

Em relação às causas da longevidade dos humanos, critica o autor, muito tem sido

estudado e discutido. O mesmo não ocorre, entretanto, com os nêutrons. Selleri considera

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importante que sejam estudadas as causas para a vida individual de cada nêutron ser longa ou

curta. A interpretação de Copenhague, para ele, além de não fornecer o conhecimento dessas

causas, fixa uma filosofia acausal que olha cada processo de desintegração como algo instável,

de natureza totalmente espontânea, ao qual não cabem considerações causais. Selleri atribui a

Copenhague a atitude de desestimular qualquer pesquisa sobre essas causas e considerar o

problema como não científico.

Opondo-se ao programa causal de Einstein, Planck e de Broglie, as escolas de

Copenhaga [grafia portuguesa] e Göttingen levantaram uma formidável barreira de

verdadeiros e próprios teoremas de impossibilidade [itálico do autor] que tentavam

demonstrar que o programa causal era a priori impossível porque necessariamente

incompatível com a teoria existente. (SELLERI, 1987, p.43)

Outro estudioso a contestar Copenhague é James Cushing, para quem outras

interpretações além da ortodoxa eram aceitáveis, apesar de também deixarem questões em

aberto. “Se nem a (in)adequação, nem a (in)consistência lógica proveem uma explicação

suficiente para uma escolha que favorece Copenhague em vez da interpretação causal da

mecânica quântica, será útil considerar outros fatores” (CUSHING, 1994, p. 96).

Cushing (1994), então, discute circunstâncias culturais vigentes na época e nas

regiões em que ocorreu o estabelecimento da teoria quântica. Ele argumenta que “o

indeterminismo (ou a queda do determinismo) nos tempos modernos teve raízes no século XIX

e cresceu gradualmente. A termodinâmica foi uma das origens para a consideração e eventual

aceitação do indeterminismo” (CUSHING, 1994, p. 96). O final do século XIX acolheu linhas

filosóficas que se opunham a uma visão completamente racional do universo. Cushing (1994)

aponta, por exemplo, a influência de Kierkgaard (1813-1855) e Hoffding (1843-1931) sobre

Niels Bohr. Hoffding, especialmente, sustentava que eventos decisivos podem surgir aos

solavancos, em descontinuidades.

Sobre a ideia de Louis de Broglie a respeito da dualidade partícula-onda, James

Cushing (1994) diz o seguinte:

O objetivo maior de de Broglie era unificar o dualismo onda e partícula em um único

modelo ou desenho coerente. [...] Ele queria duas soluções relacionadas a onda, uma

para a singularidade e a outra para a onda contínua. Isso mais tarde contribuiria para o

comportamento estatístico de uma coleção de partículas. Uma concepção clássica de

entidades efetivamente existentes em um fundo de espaço-tempo contínuo estava

subjacente em sua teoria ou visão de mundo. A solução de de Broglie para a dualidade

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partícula-onda era uma síntese de onda e partícula, versus onda ou partícula [itálico do

autor] da interpretação (eventual) de Copenhague. (CUSHING, 1994, pp. 126-127)

Cushing (1994) considera que o advento da Primeira Guerra Mundial enquanto a

microfísica se estabelecia pouco interferiu no relacionamento entre os pesquisadores. As

diferenças geracionais, entretanto, dificultaram a convivência dos cientistas:

[...] era relevante uma divisão na perspectiva filosófica, em grande parte ao longo de

linhas geracionais: a visão de mundo “mais velha”, essencialmente clássica, de pessoas

como Einstein, Schrödinger e de Broglie versus uma concepção dos processos físicos

radicalmente diferente, definitivamente indeterminista, engendrada pela geração mais

nova que incluía Heisenberg, Pauli, Jordan e Dirac. [...] As diferenças entre esses dois

grupos não eram apenas filosóficas. [...] Havia também uma dimensão “social” ou

“profissional” muito prática. (CUSHING, 1994, pp. 113-114)

Cushing (1994) destaca ainda outra característica do grupo de Copenhague que pode

ter contribuído para o estabelecimento de sua hegemonia:

O grupo de Copenhague tinha talento, organização, e impulso para se esforçar no

estabelecimento da hegemonia de seu ponto de vista. [...] trabalhava em concerto,

enquanto seus oponentes (Einstein, Schrödinger, de Broglie) iam cada um em sua

própria direção. (CUSHING, 1994, p. 117)

Explicações históricas e filosóficas à parte, o fato é que a teoria quântica, muito bem-

sucedida em suas aplicações, dá margem a diferentes interpretações. As palavras de Pessoa Jr.

são muito oportunas ao resumir esse contexto:

O estudo sistemático das interpretações da Teoria Quântica é ainda um campo vasto e

não muito explorado. Seria tarefa da "filosofia da física" tentar sistematizar o estudo

comparativo das interpretações, delineando quais são as teses que cada visão responde

claramente, quais afirmações de fato correspondem a uma ontologia específica e quais

são apenas a atribuição de um rótulo, quais problemas são varridos para debaixo do

tapete, e como agrupar as interpretações de maneira satisfatória. Além disso, seria

interessante levar em conta os aspectos emocionais [...] e estender o estudo não só para

as interpretações "declaradas", mas também para interpretações "naturais" de

formalismos alternativos [...]. (PESSOA JR., 2006, p. 148)

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1.6 Considerações finais

No âmbito leigo têm surgido abordagens “quânticas”, alardeando a existência de uma

nova física, que estaria revertendo o conceito de mundo material. Paralelamente, a teoria

quântica presta-se a diferentes interpretações. Para Pessoa Jr.,

[o] fato de a Teoria Quântica se referir a um domínio de realidade que está muito

distante de nós (e que não desempenhou um papel seletivo na evolução de nosso

aparelho cognitivo) faz com que a consideremos contra-intuitiva; como ela está nos

limites de nosso conhecimento, fica difícil testar qualquer conjectura a respeito da

realidade que se encontraria por trás de nossas tênues medições experimentais. Assim,

é natural que haja um grande número de construções hipotéticas a respeito da natureza

desta realidade que se oculta por trás das observações. (PESSOA JR., 2006, p. 120)

O “desafio à intuição física ordinária”, apontado por Chibeni (1997), tem instigado

pessoas de diferentes formações a buscar respostas. A ponderação de Barreto (2007) sobre o

senso comum querer achar uma imagem mental que os físicos desistiram de buscar pode ter

como paralelo uma posição realista, por parte do senso comum, e positivista, por parte dos

físicos em sua maioria.

A microfísica trouxe e ainda traz divergências entre os estudiosos. Dentro e fora do

ambiente científico, surgem explicações para dar conta de aspectos da mecânica quântica que

desafiam nossa intuição e nosso conhecimento do mundo, o que pode ter contribuído para a

existência das bricolagens feitas no misticismo quântico.

Vimos neste capítulo algumas propostas internas à física e sua convivência

intranquila. Nos outros, trataremos de algumas respostas externas.

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CAPÍTULO 2 -- CINCO OBRAS DE POPULARIZAÇÃO

Há diferentes formas de procurar as ligações do misticismo quântico com a história

da microfísica desenvolvida em seu ambiente original. Neste capítulo, tenta-se acompanhar

uma linha de avanço das bricolagens que inspiraram o misticismo quântico por meio de obras

ligadas a essa tendência.

São apresentados cinco livros cujos anos de lançamento coincidem com o período

em que o misticismo quântico ganhou corpo. Esse período engloba a segunda época, apontada

por Selleri (1987), de acirramento das discussões sobre as interpretações da microfísica. São

estes os livros, seus autores e respectivos anos de lançamento: O tao da física, de Fritjof Capra

(1975), Mysticism and the New Physics, de Michael Talbot (1981), Quantum Questions de Ken

Wilber (1984), O ser quântico de Danah Zohar (1990) e O médico quântico de Amit Goswami

(2004). Dos cinco autores, um faz oposição à tendência dos demais. Todos eles escreveram

também outros livros de sucesso.

2.1 O tao da física

Fritjof Capra é físico nuclear e nasceu na Áustria em 1939. Morou em Paris por época

dos grandes movimentos estudantis de 1968 e nos anos 1970 transferiu-se para a Califórnia, em

época de grande efervescência cultural. Paralelamente, ele praticava tai chi e meditação. Em

um insight, percebeu relações entre a física subatômica e a dança do deus Shiva, mitologia

hindu que representa o caráter cíclico do Universo. Sob essa inspiração, escreveu O tao da física

– Uma análise dos paralelos entre a Física Moderna e o Misticismo Oriental, lançado pela

editora Shambala em 1975. A obra encontrou grande receptividade junto ao público leigo. Foi

traduzido do inglês para vários idiomas e tem recebido constantes reedições. Em 1983 lançou

outro livro de grande sucesso, O ponto de mutação, baseando-se na ideia de mudança de

paradigma, como colocada por Thomas Kuhn. Além dessas obras, publicou várias outras desde

então: A teia da vida, Sabedoria incomum, Política verde, Conexões ocultas etc. Publicou

também várias obras em parceria com outros autores.

Em O tao da física, ele traça um paralelo entre a física moderna e o misticismo

oriental. Capra não dá destaque ao adjetivo “quântico”, mas sim a questões teóricas abertas pela

física moderna como um todo, mostrando similaridades com a tradição zen, o taoísmo, o

budismo, o hinduísmo e outras linhagens orientais.

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Intencionalmente ou não, o autor passa a ideia de que as transformações vindas da

física moderna provocaram uma revolução generalizada na física e, por isso, a física clássica

perdia validade. Tal ideia pode ter sido passada ao leigo pela falta de um aviso mais enfático

mostrando o que continuava igual (e muita coisa continuou igual):

a Física moderna gerou uma profunda revisão da concepção humana acerca do universo

e do relacionamento do indivíduo com este último. A exploração do mundo atômico e

subatômico, no século XX, tem revelado uma limitação insuspeita das ideias clássicas,

levando, por conseguinte, a uma revisão radical de inúmeros de nossos conceitos

básicos. O conceito de matéria na Física subatômica, por exemplo, é totalmente diverso

da ideia tradicional de uma substância material conforme encontramos na Física

Clássica. Idêntica observação pode ser feita no tocante a conceitos como espaço, tempo

ou causa e efeito. Tais conceitos, não obstante, são fundamentais em nossa percepção

do mundo; a partir de sua transformação radical, nossa perspectiva também passou a

conhecer um processo de transformação. (CAPRA, 1991, p.21)

Efetivamente, o autor explicita que a física clássica continua válida em determinadas

áreas. Talvez a informação não tenha sido dada com o destaque necessário, ou talvez a maioria

dos seus leitores não estivesse interessada na visão clássica. O fato é que há místicos quânticos

na atualidade considerando que a física moderna reverteu totalmente as bases da física clássica

quando, na verdade, as duas convivem no fazer do cientista. A moderna cobre parte dos

fenômenos estudados e a clássica também. Em muitos pontos as duas se sobrepõem. A

moderna, por exemplo, manteve princípios consagrados como a conservação de energia e

conservação do momento, sem os quais seria difícil caminhar. Capra assim se expressa:

A visão mecanicista do mundo, que é a da Física clássica, baseava-se na noção de corpos

sólidos movendo-se no espaço vazio. Essa noção permanece válida na região que foi

denominada “zona de dimensões médias”, isto é, o campo de nossa experiência

cotidiana, onde a Física clássica permanece uma teoria útil. Ambos os conceitos — o

de espaço vazio e o de corpos materiais sólidos — acham-se profundamente arraigados

em nossos hábitos de pensamento, de tal forma que fica extremamente difícil

imaginar uma realidade física onde tais conceitos não se apliquem. (CAPRA, 1991,

p.66)

Afirmando que “o objetivo central do misticismo oriental consiste em vivenciar

todos os fenômenos do mundo como manifestações da mesma realidade última” (CAPRA,

1991, p.146), ele discorre sobre a visão de mundo oriental e traça paralelos com temas de

relatividade e microfísica, citando autores como Ernest Mach, Heisenberg, Niels Bohr, Einstein

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e outros. Capra (1991) apresenta a interpretação de Bohm da microfísica, dizendo tratar-se de

mais uma das interpretações possíveis e escreve que:

A Física moderna, naturalmente, trabalha em âmbito inteiramente diverso e não pode ir

tão longe na experiência da unidade de todas as coisas. Mas, na teoria atômica, deu um

grande passo em direção à visão do mundo dos místicos orientais. A teoria quântica

aboliu a noção de objetos fundamentalmente separados, introduziu o conceito de

participante em substituição ao de observador, e pode vir a considerar necessário incluir

a consciência humana em sua descrição do mundo [...]. Ela foi levada a ver o universo

como uma teia interligada de relações físicas e mentais cujas partes só podem ser

definidas através de suas vinculações com o todo. (CAPRA, 1991, p.138)

2.2 Mysticism and the New Physics

O autor dessa obra, Michael Talbot (1953-1992), estudou física na MSU – Michigan

State University. Além da física, interessava-se por misticismo, tendo escrito, além de

Mysticism and the New Physics, os livros Your Past Lives: a Reincarnation Handbook, Beyond

the Quantum, The Delicate Dependency e outros. Sua obra de mais sucesso é The Holographic

Universe, na qual desenvolve ideias de David Bohm e Karl Pribram e compara o mundo a um

imenso holograma, o que explicaria fenômenos como telepatia, experiências extracorpóreas etc.

Em Mysticism and the New Physics, ele afirma que, no começo do estabelecimento

da teoria quântica, ao afirmar que o observador altera o que está sendo observado, Heisenberg

não queria dizer que houvesse efeito direto da consciência sobre o resultado de um experimento

microfísico. Talbot (1981) considera que a intenção de Heisenberg fosse apenas esclarecer que,

por exemplo, um fóton da luz do equipamento pode alterar o fenômeno observado. Foram

descobertas posteriores que levaram alguns físicos a sugerir a influência da mente humana na

matéria, diz Talbot (1981).

Ele desenvolve boa parte de seus argumentos a partir da indeterminação presente nos

experimentos de microfísica:

Uma das maiores revoluções no reino da física foi o papel crescente do indeterminismo

– ou a compreensão de que pode ser impossível predizer o resultado de um experimento,

não importa quanta informação conhecemos sobre a matéria. Antes do advento da teoria

quântica, a maioria dos físicos acreditava em um universo totalmente causal.[...] No

nível dos eventos da mecânica quântica, entretanto, nada foi encontrado que se

aproxime de causalidade. [...] O indeterminismo do universo da mecânica quântica

confronta nossa intuição. Demole nossos conceitos errôneos de conectividade dos

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eventos. [...] É essa mudança radical de um universo casual para um estatístico que cria

a maioria das controvérsias. (TALBOT, 1981, pp. 23-27)

O autor reporta-se, então, a físicos como Eugene Wigner (1902-1995) e John

Wheeler (1911-2008), que propuseram, cada um a seu modo, que a consciência do observador

exerça influência direta nos eventos quânticos. A respeito de Wigner, Talbot (1981) declara:

Em Simetrias e Reflexões, Wigner esboça uma possível descrição matemática

sobre o que ele acredita que deva ocorrer quando a consciência afeta a observação. [...]

A ideia de que a consciência afeta a matéria não é usual para um físico. Em sua

abordagem mecanicista e empírica, a ciência sempre lutou para exorcizar o fantasma da

consciência de qualquer formulação das leis físicas. A sugestão de Wigner de que é

preciso reexaminar o relacionamento entre consciência e realidade objetiva, além da

natureza da causalidade, é um abandono radical da física clássica. Mesmo que Wigner

proponha um novo relacionamento entre o observador e o observado, ele mantém que

não dá para eliminar a linha entre consciência e realidade. Há ainda dois tipos de

realidade – subjetiva e objetiva. O reino clássico da realidade objetiva simplesmente

torna-se relativo. (TALBOT, 1981, pp. 34-35)

E sobre Wheeler, Talbot (1981) afirma que

O físico de Princeton John A. Wheeler acredita que o termo “observador” devesse ser

substituído pelo termo “participante”. Essa substituição, acha ele, destacaria

explicitamente o novo e radical papel da consciência em física. Em vez de negar a

existência da realidade objetiva, ele afirma que a realidade subjetiva e a objetiva de

certa forma criam-se mutuamente. [...] A sugestão de Wheeler sobre o termo

“participante” demonstra a natureza mística da nova física. (TALBOT, 1981, pp. 35)

Desde a introdução, o livro conecta, por um lado, física quântica, geometria de

Riemann, matemática de Poincaré etc.; e, por outro lado, Wittgenstein, ensinamentos de um

mestre zen, falas de Don Juan (xamã indígena mexicano retratado em livros do antropólogo

Carlos Castañeda) e outros.

O autor propala que não exista divisão entre realidade objetiva e subjetiva, que a

consciência e o universo físico são conectados por algum mecanismo físico fundamental e,

sendo assim, o relacionamento entre mente e realidade não é subjetivo e nem objetivo, mas sim

“omnijetivo”. Segundo Talbot (1981), o caráter “omnijetivo” do universo remonta à tradição

tântrica hindu, segundo a qual a realidade é ilusão, é maya. Neste livro, Talbot refere-se muitas

vezes a Heisenberg, que fez palestras nos Estados Unidos a fim de divulgar a física quântica

sob o ponto de vista da escola de Copenhague.

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Em relação ao princípio da incerteza, Talbot (1981) escreve o seguinte:

Em 1927, Werner Heisenberg apresentou seu famoso princípio da incerteza e

inaugurou um debate filosófico entre os físicos quânticos que ainda não foi resolvido.

Em termos vastamente simplificados, Heisenberg afirmou que o observador altera o

observado pelo mero ato de observação. Tentando penetrar nos segredos da matéria,

Heisenberg, talvez involuntariamente tenha vislumbrado maya [...]. (TALBOT, 1981,

p. 3)

A transformação mais surpreendente da visão de mundo que a nova física

assume é o reconhecimento de que a consciência tem um papel no assim chamado

universo físico [destaque do autor]. Desde o tempo de Newton, os físicos sempre

tentaram manter uma abordagem estritamente empírica. A razão de ser da velha física

era um mundo físico disponível ao toque direto. Era um mito em que se confiava de que

as leis do mundo físico não mudam. Dadas as ferramentas e instruções apropriadas, um

físico não necessariamente duplicará os experimentos e observações de outro físico. O

resultado de qualquer experimento em particular não mais parece depender apenas de

“leis” do mundo físico, mas também da consciência do observador. [...] Nós

participamos dentro de um espectro de realidades possíveis. (TALBOT, 1981, p. 4)

Talbot (1981) parece ser mais radical do que Capra na questão de ligar a microfísica

a uma mudança da visão de mundo por parte da sociedade quando escreve que “uma coisa é

certa: Se a mente humana tem efeito sobre uma única partícula, a ecologia inteira do universo

material é afetada. Nossa visão da realidade está nas primeiras fracas pontadas de uma mudança

radical” (TALBOT, 1981, p. 5). Ressoando Capra (1991), Talbot (1981) afirma que, embora

essa visão radical seja novidade na ciência, não é estranha a várias linhagens místicas.

Ele aponta similaridades entre o que denomina “a nova física”, de um lado, e, de

outro, a concepção presente em tradições hindus de que o universo seja uma emanação da

mente. Ver o universo como algo sólido e independente é a grande ilusão em que vive a

humanidade, proclama. Talbot (1981) alinha ideias de diferentes autores e diferentes culturas

para concluir que o universo seria a emanação de inumeráveis mentes individuais e que milagres

como a aparição da Virgem Maria em Fátima seriam criações mentais coletivas. A “nova física”

estaria começando a tocar essa concepção.

No trecho reproduzido da página 4, Talbot (1981) dá outro passo além em relação a

Capra (1991), suscitando que haja um quadro de crise científica entre a “velha física” e a “nova

física”. Com essas declarações, Talbot (1981) sugere, por exemplo, que será necessário rever a

condição de que um experimento seja reprodutível para ser considerado científico. Com ideias

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desse tipo, Talbot (1981) abre caminho para interpretações extravagantes dos fenômenos

quânticos, como as que serão vistas em outra parte deste trabalho.

2.3 Quantum Questions

O autor Ken Wilber é um filósofo norte-americano nascido em 1949. Busca integrar

o conhecimento de diferentes áreas, como física, psicologia, matemática, política, economia

etc. Tem mais de vinte livros publicados, traduzidos em vários idiomas. Entre suas obras, estão:

O Projeto Atman, O Espectro da Consciência, Transformações da Consciência, A Consciência

sem Fronteiras, Uma Teoria de Tudo, O Paradigma Holográfico, Graça e Coragem, Um Deus

Social, O Olho do Espírito, Boomerite, A União da Alma e dos Sentidos, Psicologia Integral,

Espiritualidade Integral.

Publicado pela primeira vez em 1984, Quantum Questions – Mystical Writings of the

World’s Great Physicists é uma coletânea de textos de físicos que tiveram atuação relevante no

desenvolvimento da teoria quântica. Ao longo do livro são mostrados e discutidos relatos e

manifestações de Heisenberg, Schrödinger, Einstein, de Broglie, James Jeans, Planck, Pauli e

Arthur Eddington, trazendo seus posicionamentos pessoais quanto à relação de ciência com

religião, misticismo, filosofia. Limitaremos nosso foco ao posicionamento defendido por Ken

Wilber, e não entraremos na visão pessoal de cada um dos físicos apresentados na obra.

Wilber os aponta como cientistas que não concordam com a associação da física

moderna com misticismo ou religião. Alguns deles colocam-se fortemente contra essa

tendência, como mostra Wilber, e todos demonstram ter visão mística ou transcendental do

mundo, mantendo uma separação entre essa visão e a ciência. Um argumento comum a essas

pessoas, escreve Wilber, é que

a física moderna não oferece qualquer suporte positivo (para não dizer prova) para uma

visão mística de mundo. Não obstante, cada um dos físicos neste volume era um místico.

Eles simplesmente acreditavam, como pessoas, que se a física moderna não mais coloca

objeções a uma visão religiosa de mundo, ela também não oferece qualquer apoio;

falando propriamente, ela é indiferente a isso tudo. (WILBER, 1984, prefácio)

Wilber (1984) mostra-se contrário a outros autores de sua época. Descreve algo que

ocorria nesse período de uma maneira curiosa, especialmente quando vista três décadas depois:

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Não é meu objetivo neste volume alcançar a audiência nova era, que parece estar

firmemente convencida de que a física moderna automaticamente corrobora ou prova o

misticismo. Ela não faz isso. Esse modo de ver, entretanto, está agora tão disseminado,

tão profundamente arraigado, tão dado como certo pelos new-agers [adeptos da cultura

denominada Nova Era], que eu não vejo como um livro poderia reverter essa maré.

Acredito que a ideia de misticismo apoiado pela física tenha sido proposta com a melhor

das intenções. E igualmente com a melhor das intenções ela foi aceita de maneira tão

rápida e tão ampla. Mas eu acredito que essas boas intenções estavam deslocadas, e os

resultados têm sido não apenas errôneos, como também nocivos. Se a física atual apoia

o misticismo, o que acontecerá quando os físicos do futuro a substituírem? O misticismo

também irá cair? Não podemos tê-lo pelos dois caminhos. Como diz o físico de

partículas Jeremy Bernstein, “Se eu fosse um místico oriental, a última coisa no mundo

que eu quereria seria uma reconciliação com a ciência moderna, (porque) engatar uma

filosofia religiosa a uma ciência contemporânea é seguramente uma rota para sua

obsolescência”. (WILBER, 1984, prefácio)

O autor argumenta que o misticismo genuíno, justamente por ser genuíno, “é capaz

de oferecer sua própria defesa, sua própria evidência, suas próprias reivindicações, e suas

próprias provas. Efetivamente, é isso que fazem os físicos neste volume, sem qualquer

necessidade de comprometer a coitada da física no processo” (WILBER, 1984, prefácio).

2.4 O ser quântico

Danah Zohar nasceu em 1945, é formada em física e filosofia, pós-graduada em

filosofia, religião e psicologia. Depois do livro O ser quântico, publicou vários outros, alguns

em parceria com Ian Marshall: The Quantum Society: Mind, Physics, and a New Social Vision,

ReWiring the Corporate Brain: Using the New Science to Rethink How We Structure and Lead

Organizations, Who's Afraid of Schrödinger's Cat?, SQ: Connecting With Our Spiritual

Intelligence, Spiritual Capital: Wealth We Can Live By.

Em seu site7 anuncia, para empresas, palestras e workshops de certificação em seu

método. Um dos treinamentos oferecidos tem o título SQ & Quantum Leadership Training,

sendo SQ a abreviação de spiritual quotient.

Ao contrário de Wilber (1984), no livro O ser quântico, lançado em 1990, Danah

Zohar apresenta-se em total harmonia com os denominados new-agers, como revelam título e

7 http//:danahzohar.com, Acesso em 26/09/2018.

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subtítulo da obra: O ser quântico -- Uma visão revolucionária da natureza humana e da

consciência, baseada na nova física.

Zohar (1990) mergulha em uma visão mística da física quântica. Explora, com esse

olhar, potencialidades que ela vê na física para enriquecer diferentes âmbitos da vida humana.

Já nos títulos dos capítulos, utiliza-se amplamente do adjetivo “quântico”: identidade quântica,

intimidade quântica, imortalidade quântica, psicologia quântica, responsabilidade quântica,

estética quântica, cosmovisão quântica.

Como este trabalho não se propõe fazer levantamento histórico aprofundado sobre a

aplicação do adjetivo “quântico” às mais diferentes esferas, não pode dizer exatamente qual

autor ou qual circunstância iniciou essa aplicação. Ao usar tal adjetivo, teria Zohar (1990), ela

própria, inaugurado esse atalho de representação social, ou estaria assimilando uma linguagem

já estabelecida? Seriam bem-vindos estudos culturais, históricos ou linguísticos que situassem

melhor esse fenômeno que já conta quatro décadas e ainda causa asco em alguns públicos e

deslumbramento em outros.

A autora explica seus primeiros contatos com a teoria, ainda aos 16 anos:

Estou certa de que aquele contato precoce influenciou tanto minha vida como

minha maneira de ver as implicações do que é geralmente chamado “nova física”. No

final da adolescência, tantas coisas se tornam incertas que somos empurrados com

tremenda urgência a encontrar respostas para “as grandes questões” da vida: quem sou,

por que estou aqui, qual é o meu lugar no plano das coisas, por que o mundo é do jeito

que é, o que significa um dia ter de morrer? (ZOHAR, 1990, pp.11-12)

A emocionante equivalência entre matéria e energia, o fluxo sugerido pela

dualidade onda-partícula, o nascimento e morte repentinos das partículas que eu

observava nos rastros de vapor de minha câmara de Wilson caseira e a exasperante

indeterminação da realidade sugerida pelo princípio da incerteza de Heisenberg, tudo

isso funcionou como uma poção, excitando minha imaginação e, confesso, dando-me a

sensação um tanto mística de que o Universo estava “vivo”. (ZOHAR, 1990, p.12)

Em seguida, Zohar (1990) relata sua propensão à época da preparação do livro:

Cada vez mais me flagro usando meus conhecimentos de física quântica. Sua descrição

da realidade no nível subatômico e as atividades verdadeiramente muito estranhas dos

elétrons me proporcionaram um novo entendimento de certos problemas filosóficos

comuns: a identidade pessoal (quanto de mim é realmente “eu”; quanto pesa este “eu”),

o problema mente-corpo (o quanto minha mente consciente ou “alma” está relacionada

com meu corpo material ou a outra matéria), o problema do livre-arbítrio versus

determinismo e o problema do significado. A física quântica também me ofereceu

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compreensão sobre minha vida diária: dar à luz, pensar na morte, sentimentos de

empatia ou mesmo telepatia com os outros, a maneira como o mundo material (por

exemplo, cidadezinhas muito feias) se impõe sobre a consciência etc.” (ZOHAR, 1990,

p.13)

A autora explicita, da seguinte forma, se utiliza como metáfora a física quântica

ou não:

Este livro começou originalmente como um exercício de metáfora, mas, ao se

desenvolver, a metáfora cedeu cada vez mais lugar às evidências ou, ao menos, ao que

se pode considerar uma especulação muito bem fundamentada a respeito da verdadeira

física da psicologia humana e suas implicações morais e espirituais. (ZOHAR, 1990,

p.12)

Segundo Zohar (1990), para a teoria quântica ganhar completeza e para que ela

“substitua não só a física newtoniana como também toda a cosmovisão newtoniana enquanto

filosofia central de nossa era, ela deve ser conduzida a um diálogo mais estreito com [...] fatos

do mundo cotidiano” (ZOHAR, 1990, p.21).

A autora fala em substituir não só a física newtoniana, como também “toda a

cosmovisão newtoniana”. Contestar Newton era um ponto muito caro aos new-agers, e a autora

não foge dessa tendência. Outros argumentos de Zohar (1990) são também encontrados no

misticismo quântico atual. São exemplos: “Quero defender a visão de que o fundamento mesmo

da realidade é um labirinto móvel e indeterminado de probabilidades. [...] O funcionamento de

nossa própria mente poderá fornecer uma chave para a natureza fundamental da realidade”

(ZOHAR, 1990, p.21).

Ela constrói uma detalhada argumentação para demonstrar como a microfísica é

aplicável a coisas tão distintas quanto “o ser”, o movimento de corpos macroscópicos, a cultura

de um país, relacionamento entre as pessoas etc. Por vezes, apoia-se na ideia de David Bohm,

por vezes apresenta algum modelo proposto e não aceito em mecânica quântica, afirmando ser

algo “provado”. A respeito da consciência, conclui que

[...] qualquer modelo mecânico-quântico é necessariamente um modelo físico e,

portanto, presume que os fenômenos da consciência (atenção, percepção, pensamento,

memória etc.), juntamente com os da física, química e biologia, pertencem à ordem da

natureza e podem ser experimentalmente investigados. [...] Provando-se que a

consciência é, de fato, um fenômeno quântico, seria possível desafiar as duradouras

alegações dos dualistas [os que consideram consciência e matéria como coisas distintas]

de uma forma mais profunda do que jamais aconteceu. (ZOHAR, 1990, pp.107-108)

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Questões de filosofia geral e, especificamente, de filosofia da ciência, assim como

fenômenos tratados pela física quântica são expostas por Zohar na discussão sobre mente e

cérebro, corpo e alma, indivíduo e sociedade, para concluir, entre outras coisas, que a “tensão

entre partículas e ondas no nível quântico parece espelhar de modo interessante a tensão similar

entre indivíduos e grupos na sociedade humana” (ZOHAR, 1990, p.127).

Discussões semelhantes são feitas para defender que “se a base física da consciência

humana é um sistema mecânico-quântico no cérebro [...], seria de se esperar que haja paralelos

entre a natureza composta dos sistemas de partículas e a natureza similarmente composta da

personalidade humana” (ZOHAR, 1990, p.137-138).

Mesmo formulando frases no condicional e trazendo muitos elementos de conexão

em seus argumentos, a autora deixa claro o seu ponto de partida e de chegada:

Em resumo, a cosmovisão quântica enfatiza o relacionamento dinâmico como a base de

tudo o que existe. Diz que nosso mundo surge através de um diálogo mutuamente

criativo entre mente e corpo (interior e exterior, sujeito e objeto), entre o indivíduo e

seu contexto material e pessoal, e entre a cultura humana e o mundo da natureza. Dá-

nos uma visão do ser do homem como livre e responsável, reagindo aos outros e ao

ambiente, essencialmente relacionado e naturalmente comprometido, e, a cada instante,

criativo. (ZOHAR, 1990, p.293)

2.5 The Quantum Doctor

Amit Goswami é um físico norte-americano de origem indiana que se autodenomina

ativista quântico. Ativismo quântico, como descrito no site do autor, é “a ideia de mudarmos a

nós mesmos e nossas sociedades de acordo com os princípios da física quântica”8. Além de O

Médico Quântico, estão entre suas obras: A Física da Alma, Criatividade Quântica,

Criatividade para o Século XXI, A Janela Visionária, O Universo Autoconsciente, Evolução

Criativa, O Ativista Quântico, Deus não está morto e The Everything Answer Book: How

Quantum Science Explain Love, Death and the Meaning of Life.

O livro O Médico Quântico – Orientações de um Físico para a Saúde e a Cura foi

lançado nos Estados Unidos em 2004 e sua primeira versão no Brasil foi publicada em 2006.

Na parte inicial desse livro, o autor tece considerações sobre conceitos da física quântica e

estabelece paralelos com fundamentos de algumas visões alternativas sobre saúde e cura.

8 http://www.amitgoswami.org/ . Acesso em 26/09/2018.

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Defende que para o cuidado total da saúde o ideal seria a união das duas visões, a da medicina

ocidental e a da medicina alternativa.

O autor aborda um tema externo à física, explicando que, mesmo não sendo médico,

acredita ter uma contribuição importante para proteção de saúde, uma vez que provê

explicações sobre como funcionam algumas modalidades da medicina alternativa.

Neste livro, Goswami (2004) aponta qualidades da medicina alternativa e suas

aplicações. Cita também inconvenientes da medicina ocidental tradicional: procedimentos

invasivos; muitos efeitos colaterais indesejados; ausência de modelo para tratar doenças

crônicas e degenerativas em geral (para o autor, micro-organismos e predisposição genética não

explicam satisfatoriamente a maioria dessas enfermidades); procedimentos dispendiosos. Ele

aponta como metafísica abraçada pela medicina convencional, e mesmo por parte dos adeptos

da medicina alternativa, o realismo materialista, segundo o qual a matéria é a realidade única,

no seu entender. Tal crença, de acordo com Goswami (2004), criaria contradições e dificultaria

a compreensão da saúde de maneira mais ampla, uma vez que exclui a possibilidade de ser a

consciência algo independente da matéria.

[...] caso se queira compreender a medicina alternativa com os conceitos da metafísica

materialista, o que se obtém são paradoxos. Além disso, existem muitos dados

anômalos, sendo os mais famosos os que dizem respeito à cura espontânea; a cura súbita

do câncer, sem o uso de remédios, é um exemplo de cura espontânea. Esse também é

um fenômeno que o paradigma materialista da medicina não consegue explicar. Uma

mudança de paradigma é necessária. (Goswami, 2004, p. 17)

O autor vê três correntes basilares no que ele denomina paradigma da medicina

alternativa:

Uma se baseia na ideia da “mente acima do corpo”, para a qual a mente causa a doença

e a mente cura, daí a cura mente-corpo. Mente acima do corpo é possível porque a mente

causalmente eficaz é não-física. [...] A segunda corrente se baseia na ideia de que uma

“força vital” não-física, chamada energia sutil, prana ou chi, é o agente causal da cura.

A energia sutil não é um subproduto da química material, mas sim o movimento de um

mundo vital. Por isso, uma palavra mais apropriada para energia sutil é energia “vital”.

Os modelos orientais de cura [...] pertencem a essa categoria. Uma terceira corrente é a

ideia de um Espírito (ou Deus) não-físico que é o agente de cura em todos os casos de

cura espiritual. (Goswami, 2004, pp. 33-34)

Goswami (2004) argumenta que o estudo de fenômenos quânticos trouxe um novo

paradigma para a física, mostrando lacunas conceituais do realismo materialista. Segundo ele,

a física quântica mostrou-se importante tanto para a física e a química tradicionais quanto para

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as ciências biológicas, e ele reforça a necessidade de se considerar a supremacia da consciência

sobre a matéria. Com essa visão, segundo o autor, a medicina alternativa e a convencional

recebem esferas próprias de formulação e se complementam: a medicina convencional refere-

se à matéria, a medicina alternativa refere-se à consciência agindo sobre a matéria.

É possível inferir de suas declarações que sua “metafísica do primado da

consciência” resolve dificuldades conceituais não só da medicina, mas também da própria física

quântica:

Pensando como físico quântico, desenvolvi nos meus livros anteriores uma maneira

nova de fazer ciência que denomino ciência dentro da consciência. Trata-se de uma

ciência baseada no primado da consciência; a consciência é tomada como fundamento

do ser; e quando formulamos a física quântica nos termos dessa metafísica, todos os

paradoxos quânticos de que ouvimos falar se resolvem. (Goswami, 2004, p.18)

O autor assume postura um tanto messiânica no título do primeiro capítulo, Não

tenha medo, o médico quântico chegou, e afirma que “Um médico quântico fundamenta-se na

visão de mundo da nova física, também chamada de física quântica. E mais: o médico quântico

vivifica a mensagem da física quântica em sua prática médica” (Goswami, 2004, p. 21).

A mera colocação desses cinco livros em ordem de ano de lançamento já nos oferece

indícios do trajeto feito pelos saberes do âmbito científico para o âmbito popular, pontuando a

ocorrência de bricolagens. Desse levantamento, nota-se que os cinco autores tocaram no tema

espiritualidade ou cultura oriental como plano de comparação com a mecânica quântica. Capra

(1975), Talbot (1981) e Zohar (1990) tecem a comparação lançando mão de muitos exemplos

e explicações, assim como diferentes autores. Apoiam-se tanto na cultura oriental quanto em

espiritualidade, ciências humanas e física moderna. Wilber (1984) não o faz porque deixa a

cargo de cada físico explicar suas posições pessoais. Goswami (2004), apesar de mostrar

preocupação em explicar, exemplificar e referenciar sua argumentação, o faz de uma posição

um tanto frágil, pois coloca-se quase como um médico para falar de saúde, sendo que não é essa

sua formação acadêmica.

Excetuando-se Wilber (1984), que vai contra a ideia, os autores argumentam que a

microfísica abre espaço para se levar em conta a intervenção da consciência nos fenômenos

físicos (não apenas microfísicos). Capra (1975), Talbot (1981) e Zohar (1990) citam uma crise

entre a física clássica e a física quântica, sendo que Capra faz o contraponto de que a clássica

continua útil e os dois outros, principalmente Zohar (1990) afirmam enfaticamente que a física

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sofreu uma revolução com o advento da microfísica e seu indeterminismo. Goswami (2004) e

Zohar (1990) aplicam fluentemente o adjetivo “quântico” a substantivos como médico,

identidade, relacionamento, conferindo suas autoridades de cientistas ao processo de

representação social nos aspectos de objetivação e ancoragem (MOSCOVICI, 2009).

Parece estar presente em quatro dessas obras (Wilber como exceção) ao menos um

dos critérios de Thagard, apontados por Venezuela (2008), para demarcação entre ciência e

pseudociência: eles aceitam que a consciência do observador interfira nos fenômenos quânticos

e baseiam nisso boa parte de seus argumentos, porém negligenciam o fato de ser essa

interpretação a menos aceita pela comunidade científica.

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CAPÍTULO 3 -- CIÊNCIA E SOCIEDADE

Olhar o constante diálogo entre a ciência e a sociedade é relevante ao entendimento

do misticismo quântico, pois ajuda no encaminhamento de perguntas como estas: A quem

pertence o saber científico? Como o saber científico é apropriado pela sociedade que, afinal, o

patrocina? Como popularizar saberes especializados que exigem muitos anos de estudo para

serem compreendidos? Por que, em certos domínios, o termo “ciência” não remete

automaticamente a antropologia, sociologia, psicologia, mas sim a física, matemática, biologia,

química? Quando alguém diz “a ciência comprova”, que efeitos quer produzir no ouvinte?

Os parágrafos seguintes tangenciam essas questões, sem exatamente se deter em cada

uma delas. Espera-se que este estudo seja útil e inspire outros, mais aprofundados.

3.1 Convivência da sociedade com as ciências naturais

O primeiro autor que nos acorre para esse assunto é o historiador Eric Hobsbawm

(1995): “Nenhum período da história foi mais penetrado pelas ciências naturais nem mais

dependente delas do que o século XX. Contudo, nenhum período, desde a retratação de Galileu,

se sentiu menos à vontade com elas” (HOBSBAWM, 1995, p. 504). Enquanto em 1910 havia

pouquíssimos físicos e químicos, no final dos anos 1980 os indivíduos dedicados a pesquisa e

desenvolvimento experimental no mundo representavam “talvez 2% da população global, e

talvez 5% da população norte-americana (UNESCO, 1991 [...])” (HOBSBAWM, 1995, p. 505),

sendo que após a Segunda Guerra Mundial o centro de gravidade da produção científica

transferiu-se da Europa para os Estados Unidos. O historiador faz poucas considerações sobre

as outras regiões do mundo, caudatárias dessa produção. Ele declara que, a partir do final do

século retrasado, a produção de saber científico foi assimilada em novas tecnologias de maneira

cada vez mais rápida e globalizada:

Em suma, a tecnologia com base na ciência já se achava no âmago do mundo

burguês do século XIX, embora as pessoas práticas não soubessem exatamente o que

fazer com os triunfos da teoria científica, a não ser, nos casos adequados, transformá-

las em ideologias [...]. [...] vastas áreas da vida humana continuaram sendo governadas,

em sua maioria, pela experiência, experimentação, habilidade, bom senso treinado e, na

melhor das hipóteses, difusão sistemática de conhecimento sobre as melhores práticas

e técnicas existentes.

Num determinado momento, no último terço do século, isso começou a mudar.

[...] começaram a tornar-se visíveis não apenas os contornos da moderna tecnologia –

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só é preciso pensar nos automóveis, aviação, rádio e cinema – mas também os da

moderna teoria científica: relatividade, o quantum, a genética. Além disso, via-se agora

que as mais esotéricas e revolucionárias descobertas da ciência tinham potencial

tecnológico imediato, da telegrafia sem fio ao uso médico dos raios X, ambos baseados

em descobertas da década de 1890. Apesar disso, embora a grande ciência do Breve

Século XX já fosse visível em 1914, e embora a alta tecnologia posterior já estivesse

implícita nela, a grande ciência ainda não era uma coisa sem a qual a vida diária em

toda parte do globo seria inconcebível. (HOBSBAWM, 1995, p. 507)

Enquanto as novas tecnologias se espalhavam pelo mundo, multiplicava-se o número

de indivíduos voltados às ciências naturais, com crescente especialização. Cada vez mais, ao

longo do século XX, os pesquisadores se isolavam em grupos fechados, não por desinteresse

dos cientistas em comunicarem seus achados, nem por falta de interlocutores sedentos de

conhecê-los, mas pelo afastamento de sua linguagem em relação à linguagem comum.

O autor aponta desconforto na convivência da sociedade com uma ciência cada vez

mais hermética, produzindo artefatos que alteram espantosamente a forma de viver. Devemos

lembrar que as tecnologias não saem diretamente dos grupos herméticos de cientistas para

aparecerem na vida cotidiana. Há uma relação complexa entre agentes econômicos,

educacionais, políticos, sociais e comerciais imbricados na geração e dispersão de novas

tecnologias, na manutenção de tecnologias já existentes e na pesquisa básica. Sigamos com

Hobsbawm:

Devíamos esperar que as ideologias do século XX se regozijassem com os

triunfos da ciência, que são os triunfos da mente humana, como fizeram as ideologias

seculares do século XIX. Na verdade, devíamos ter esperado até mesmo que

enfraquecesse a oposição das ideologias religiosas tradicionais, grandes redutos de

resistência à ciência do século XIX. [...]

E no entanto, o século XX não se sentia à vontade com a ciência que fora a sua

mais extraordinária realização, e da qual dependia. O progresso das ciências naturais se

deu contra um fulgor, ao fundo, de desconfiança e medo, de vez em quando explodindo

em chamas de ódio e rejeição da razão e de todos os seus produtos. E no espaço definido

entre ciência e anticiência, entre os que buscavam a verdade última pelo absurdo e os

profetas de um mundo composto exclusivamente de ficções, encontramos cada vez mais

esse produto típico e em grande parte americano do século, sobretudo de sua segunda

metade, a ficção científica”. (HOBSBAWM, 1995, pp. 510-511)

Nesse ponto, o historiador fala da ficção científica como inspirada no desconforto

trazido pela ciência. Em seguida, ele reforça que, apesar de ter sido antecipada por Júlio Verne

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(1828-1905), a ficção científica só foi ter grande desenvolvimento mais tarde, a partir das

criações de Orson Wells (1866-1946).

Embora suas formas mais juvenis, como os conhecidos westerns espaciais da

TV e da tela grande, com cápsulas cósmicas em lugar de cavalos e raios da morte em

lugar dos trabucos de seis balas, continuassem a velha tradição de aventuras fantásticas

com engenhocas high-tech, na segunda metade do século as contribuições mais sérias

ao gênero se inclinaram para uma visão mais sombria ou pelo menos ambígua da

condição humana e suas perspectivas.

A desconfiança e o medo da ciência eram alimentados por quatro sentimentos:

o de que a ciência era incompreensível; o de que suas consequências tanto práticas

quanto morais eram imprevisíveis e provavelmente catastróficas; o de que ela acentuava

o desamparo do indivíduo, e solapava a autoridade. Tampouco devemos ignorar o

sentimento de que, na medida em que a ciência interferia na ordem natural das coisas,

era inerentemente perigosa. (HOBSBAWM, 1995, pp. 511-512)

Continuando, Hobsbawm (1995) discorre a respeito dos quatro sentimentos a

alimentar desconfiança e medo. Ele afirma que cientistas e leigos compartilhavam os

sentimentos de ser a ciência incompreensível e de consequências imprevisíveis e talvez

catastróficas. Já os outros dois sentimentos (de acentuar o desamparo do indivíduo e de ser

inerentemente perigosa por interferir na ordem natural das coisas) eram experimentados

basicamente pelos leigos, a quem só restava reagir contra o senso de impotência “buscando

coisas que ‘a ciência não pode explicar’”. (HOBSBAWM, 1995, p. 512).

Se o fenômeno do misticismo quântico for reação contra o senso de impotência, o

refúgio estaria em tomar da ciência aspectos da mecânica quântica mal explicados (ou

explicados em meio a controvérsias), numa bricolagem um tanto desesperada, a fim de que o

mundo volte a fazer sentido. Dessa forma, deve ser tranquilizador, por exemplo, pensar que a

mente do observador controla a natureza.

Neste ponto, cabe uma consideração sobre o status mais alto dado às ciências duras

em relação às ciências humanas. São as primeiras as responsáveis diretas pelo surgimento de

novas tecnologias. Talvez por essa razão a cientificidade seja menos visível ao público em geral

na antropologia, sociologia e psicologia. Comente-se também que o próprio Hobsbawm e

outros autores aqui citados utilizam os termos “ciência” e “científico” referindo-se a apenas

parte das ciências. Aliás, esta autora também faz isso neste trabalho, para manter a fluência do

texto. Marcar a distinção a cada passo tornaria a leitura mais enfadonha, seria duelar com a

linguagem e suas apropriações semânticas.

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O desconforto da sociedade com a ciência já vinha crescendo com os experimentos

nucleares anteriores à bomba de Hiroshima, depois da qual se exacerbou. Nos anos 1970 e 1980,

a popularização do questionamento sobre os limites (ou a falta de limites) da intervenção

humana sobre o planeta reacendeu velhos problemas e criou novos na relação já tensa entre

ciência e sociedade.

O “efeito estufa”, que começou a ser discutido a sério por volta de 1970,

tornou-se uma preocupação importante de especialistas e políticos na década de 1980

[...].

Mais ou menos na mesma época a palavra “ecologia” [...] adquiriu sua hoje

familiar conotação quase política [...].

Essas preocupações seriam o suficiente para explicar por que a política e a

ideologia começaram mais uma vez a cercar as ciências naturais na década de 1970.

Contudo, começaram a penetrar até mesmo em ramos das próprias ciências, em forma

de debates sobre a necessidade de limitações práticas e morais à investigação científica.

(HOBSBAWM, 1995, pp. 531-532)

Outro fator importante a acirrar o questionamento às ciências naturais, argumenta

Hobsbawm (1995), está nas mudanças políticas e culturais iniciadas nos anos 1960: “a

revolução cultural ocidental das décadas de 1960 e 1970 produziu um forte ataque neo-

romântico e irracionalista à visão científica do mundo, que podia passar prontamente de um

tom radical para um reacionário” (HOBSBAWM, 1995, p. 534).

A inquietação na convivência entre a sociedade e os resultados da ciência, entretanto,

tem origens ainda anteriores ao século XIX. Bertrand Russell (1872-1970) discorre, em

História do pensamento ocidental, sobre a relação do Iluminismo, que vem do século XVII, e

o Romantismo, iniciado no século XVIII, no contexto sócio-político da Europa daquele período,

apontando reações dos românticos à industrialização. Suas palavras parecem aclarar posições

pessoais e coletivas presentes no contexto atual:

O iluminismo foi essencialmente uma revalorização da atividade intelectual

independente que pretendia, literalmente, difundir a luz onde até então prevaleceram as

trevas. Esta causa podia ser perseguida com um certo sentido de devoção e com

intensidade, mas não foi uma concepção de vida que favorecesse ardentes paixões.

Enquanto isso, uma influência oposta começou a se fazer sentir: a força mais violenta

do Romantismo. (RUSSELL,2001, p. 332)

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Vinda do Renascimento, uma concepção idealizada da Grécia Antiga deu origem ao

Romantismo, na França do século XVIII, como reação à objetividade dos iluministas, segundo

Russell.

As noções utópicas, em geral, sejam puramente intelectuais, ou relativas a questões

sociais, são produtos típicos do racionalismo romântico. Mas, por outro lado, a

subestimação da razão é igualmente um produto do romantismo. Esta atitude

irracionalista, da qual o existencialismo talvez seja a espécie mais notória, em certos

aspectos é uma rebelião contra a crescente invasão da sociedade industrial sobre o

terreno individual. (RUSSELL,2001, p. 334)

Na segunda metade do século XIX, Nietzsche (1844-1900) também mostrou mal-

estar com o industrialismo. O filósofo saxão, que exerceu grande influência em pensadores do

século XX, desenvolveu uma filosofia da história que repelia “o novo tipo de humanidade em

massa que crescia junto com a nova tecnologia” (RUSSELL, 2001, p.374).

E o sociólogo contemporâneo de Nietzsche, Max Weber (1864-1920), usou a

expressão “desencantamento da natureza” ao se referir às mudanças pelas quais passaram as

sociedades modernas na construção gradual do capitalismo, com racionalização do mundo

social e explosão do crescimento da vida urbana. Weber dedicou-se a explicar o impacto do

pensamento racional nas esferas pública e privada, apartando-as da visão mágica que tinham

em sociedades anteriores, explica o sociólogo Antonio Flávio Pierucci (PIERUCCI, 2003).

Para Weber o conhecimento científico propriamente dito se exercita sem confiar em

qualquer fim último ou valor transcendental. [...] O conhecimento científico progride

sem parar, Weber não tem a menor dúvida quanto a isso. [...] a lógica interna da esfera

científica a arrasta de modo irresistível a acumular um estoque sempre maior e sempre

mais atualizado de conhecimento sobre o mundo [...]. Tudo, em princípio absolutamente

tudo, “sem resto”, diz Weber, pode ser cientificamente conhecido, e isso quer dizer:

cientificamente explicado por nexos causais isolados e apenas parcialmente

encadeados, jamais totalmente esgotados. Ciência é, portanto, sinônimo de avanço da

ciência. [...] Nessa constante e progressiva autossuperação reside, para Weber, o

“problema de sentido” da Ciência. (PIERUCCI, 2003, pp.157, 158)

Continuando nessa linha de raciocínio, Pierucci (2003) acrescenta:

Uma das limitações da ciência mais difíceis de aceitar é justamente essa sua

incapacidade de nos salvar, de nos lavar a alma, de nos dizer o sentido da vida num

mundo que ela desvela e confirma como não tendo em si, objetivamente, sentido algum.

(PIERUCCI, 2003, p. 158)

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É isso que a ciência moderna faz em última análise. É nisto que consiste a

moderna atitude ou mentalidade científica: ela retira o sentido do mundo, agora

transformado em “mecanismo causal” [...] algo sem mistérios insondáveis,

perfeitamente explicável em cada elo causal, mas não no todo [...]. Ela retira o sentido

do mundo e não é capaz de substituí-lo por outro. Pensando bem, isto é que é

verdadeiramente radical no desenvolvimento científico [destaque do autor] do mundo,

o desencantamento na acepção mais radical do termo [...]. Hoje, na medida em que

nossa própria capacidade de suportar a condição humana foi ela própria desencantada

[...], o mundo que criamos com o trabalho, a ciência e a tecnologia resiste bravamente

a todo projeto de re-encantamento metafísico da Totalidade. (PIERUCCI, 2003, p. 159)

Escapa aos objetivos desta dissertação a análise da interação entre cultura, ciência e

tecnologia, que afetam e são afetadas por fatores políticos, econômicos, geográficos, históricos

e outros. Como agir diante da natureza inanimada é uma questão ampla, em que estão imersas

as diferentes categorias profissionais, incluindo os cientistas voltados a entender o

funcionamento da matéria. No âmbito da física normal, questões como “re-encantamento

metafísico da Totalidade” não são consideradas intrínsecas a uma disciplina que não pretende

dizer “o sentido da vida”, como lastima Pierucci (2003). Ao menos, essa tem sido a prática

profissional.

Entre o desencantamento e o re-encantamento da natureza deve haver uma grande

gama de atitudes pessoais na cultura em que a ciência ocidental se insere. O fenômeno do

misticismo quântico não se restringe à oferta de produtos e serviços, mas abrange também a

clientela que os compra. Seria interessante desenvolver-se um estudo estatístico que apontasse

onde, nessa variedade de atitudes pessoais, encontram-se os clientes do misticismo quântico.

Entre os pensadores que se voltaram contra o desencantamento na sociedade

industrializada, destaca-se o filósofo francês Henri Bergson (1859-1941). No dizer de Russell,

Bergson

segue a tradição do irracionalismo que remonta a Rousseau e ao movimento romântico.

Como os pragmáticos, Bergson enfatiza, sobretudo, a ação. Nisto, reflete uma certa

impaciência para com o cuidadoso e desapaixonado exercício da razão na filosofia e na

investigação científica. [...][para Bergson] ao tentar captar o fugidio movimento da

experiência na estrutura da linguagem, parecemos deter o fluxo da realidade,

substituindo-a por uma imagem verbal, pálida e estática. [...] O que Bergson está

tentando fazer é sustentar a realidade do fluxo da experiência frente ao disfarce das

formas rígidas que pertencem à razão e à sua imagem do mundo. (RUSSELL, 2001, p.

422)

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Nesse sentido, a lógica abafa o instinto e, portanto, é uma influência a ser vencida.

[...] o processo evolutivo nos transformou num animal em que o intelecto se sobrepôs

ao instinto. Bergson considera isso até certo ponto uma infelicidade [...]. O intelecto do

homem tende a asfixiar o seu instinto e assim privou-o da liberdade, pois o intelecto

impõe ao mundo as suas próprias restrições conceituais, dando assim uma imagem

distorcida do mesmo. (RUSSELL,2001, p. 423)

Para Bergson, enquanto o tempo é a medição da experiência, a duração é a própria

experiência, dinâmica e plena de possibilidades. A duração é captada pelo instinto e o tempo é

captado pelo intelecto. O instinto tem sua forma mais elevada na intuição, “espécie de atividade

mental diretamente sintonizada com o mundo. Enquanto o intelecto distorce, a intuição capta a

experiência tal como é” (RUSSELL,2001, p. 423).

Na literatura, tem sido retratada a discussão sem acordo que o filósofo teve com

Einstein durante uma conferência no Collège de France, em Paris, em 1922. Entre os aspectos

implícitos na discussão está a “possibilidade de retomada da complementaridade entre a ciência

e a metafísica, proposta por Bergson” (BARRETO, 2016).

Ele [Bergson] acreditava que a multiplicidade do tempo prevista na teoria de Einstein

estava próxima do entendimento do senso comum: nos sonhos, por exemplo, o tempo

da pessoa que dorme tem contração diferente do tempo da pessoa que sonha, sendo, no

entanto, ambos, sonho e sono, simultâneos. Uma pessoa que sonha experimenta um

subjetivamente longo intervalo que permanece contemporâneo com o subjetivamente

muito mais curto intervalo de uma pessoa acordada, com o normal lapso do seu presente

psicológico. A analogia com o paradoxo relativístico de diferentes envelhecimentos de

pessoas [paradoxo dos gêmeos] é óbvia. Temos apenas que substituir os diferentes

relógios psicológicos de duas pessoas, uma acordada e a outra sonhando, pelos

diferentes relógios biológicos do viajante espacial e do seu irmão que permanece na

Terra. (BARRETO, 2006)

Uma das áreas de choque entre Einstein e Bergson é o uso da palavra intuição. Para

Bergson, significa ter acesso direto ao conhecimento, sem interferência do raciocínio, ou seja,

“por uma via diferente da adotada pela inteligência” (BARRETO, 2006). Para o filósofo, a

cultura ocidental abandona a intuição ao sobrevalorizar a inteligência e a linguagem, e a ciência

é o extremo dessa sobrevalorização.

[...] Apesar de utilizar alguns argumentos confusos, Bergson aponta similitudes e

complementaridades, como entre as múltiplas medidas do tempo para diferentes

referenciais e as diferentes contrações da duração. A via que Bergson elege para a

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apreensão da multiplicidade do tempo é, no entanto, diferente da trilhada por Einstein:

o físico opta pela via inteligente, enquanto o filósofo toma a duração como intuitiva por

excelência. (BARRETO, 2006)

Einstein, por sua vez, trata a intuição como um instrumento da inteligência:

Através de experimentos imaginados, Einstein associa a intuição à apreensão inteligível

de um sistema de conceitos que escapam aos dados imediatos dos sentidos. Trata-se,

portanto, de uma intuição intelectualizada, pois ele acreditava que a Relatividade seria

acessível a qualquer pessoa, graças aos experimentos mentais que propiciariam, àqueles

que a eles se submetessem, a compreensão do incompreensível. Para Einstein, esse

“acesso” à teoria é o “ato intuitivo” que está a serviço da inteligência. Em termos

bergsonianos, a intuição à qual Einstein se refere parece não escapar do domínio da

inteligência. (BARRETO, 2006)

A discussão permanece em aberto, uma vez que cada um continuou defendendo seu

próprio ponto de vista após a conferência. Desde então, diferentes autores têm voltado ao

famoso debate, um dos ícones do desconforto da sociedade com a ciência.

Desconforto parece não haver nos produtores do filme Quem somos nós, longa-

metragem lançado em 2004, um misto de documentário e ficção que exerceu influência em alas

do misticismo quântico. O filme apresenta como verdades algumas hipóteses não respaldadas

pelas ciências naturais. Uma das ideias fundamentais é que a mente do observador interfere

diretamente no mundo macroscópico, que está sempre pleno de possibilidades. Essa ideia

também é defendida em quatro das cinco obras de popularização da ciência vistas

anteriormente.

Os coprodutores do filme, William Arntz, Betsy Chasse e Mark Vicente, lançaram

em 2005, ano seguinte ao filme, um livro baseado nele. O título do livro é What the bleep do

we know? – Discovering the endless possibilities for altering your everyday reality, editado

pela Health Communication, Flórida, Estados Unidos.

Em uma passagem do filme (minutos 22 a 24), o menino Reggie (vivido pelo ator

Robert Bailey Jr.) confronta Lead, personagem central do filme (atriz Marlee Matlin) com uma

situação incomum: uma montagem de câmeras mostra, ao fundo e em diferentes locais ao

mesmo tempo, Reggie batendo sua bola de basquete no chão. Enquanto isso Lead, em primeiro

plano, olha na direção do público. No momento em que ela vira o rosto na direção de Reggie,

o menino passa a ser visto pelos espectadores apenas no local em ele que estava antes,

reforçando, talvez, a mensagem de que existem muitas possibilidades ao alcance de cada ser

humano, que vê apenas uma. A cena também poderia ser uma menção à interferência da mente

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humana nos fenômenos quânticos. De certa forma, pode ser também um aceno ao ponto de vista

bergsoniano a respeito de limitações do ser humano ao fazer escolhas. Para Bergson (1988), as

possibilidades são muitas e escolhas feitas com a inteligência em vez da intuição cerceiam nossa

liberdade de agir. Bergson (1988) escreve as seguintes palavras a respeito de possibilidades.

O que faz da esperança um prazer tão intenso é que o futuro está à nossa disposição,

nos surge ao mesmo tempo sob uma imensidão de formas, igualmente risonhas,

igualmente possíveis. Ainda que a mais desejada se realize, é preciso sacrificar todas as

outras, e teremos perdido muito. A ideia do futuro preenche uma infinidade de possíveis,

sendo, pois, mais fecunda que o próprio futuro, e é por isso que há mais encanto na

esperança do que na posse, no sonho do que na realidade. (BERGSON, 1988, p. 16)

Um dos seguidores mais destacados de Bergson, o filósofo e professor Gilles

Deleuze (1825-1995), abordou também a questão das escolhas e foi um pensador eclético, que

cobriu vasta gama de temas, abrangendo política, sociologia, artes, literatura, ciência. Em

Diferença e repetição, recorre a conceitos de física e matemática.

Deleuze também suscitou uma querela com físicos, assim como havia acontecido

com Einstein e Bergson décadas antes. Não apenas Deleuze, como também Julia Kristeva,

Irigaray, Baudrillard, Jacques Lacan e o próprio Bergson são alvos de críticas dos físicos Alan

Sokal e Jean Bricmont (1999) no livro Imposturas intelectuais – O abuso da Ciência pelos

filósofos pós-modernos. Os dois físicos rejeitam, naqueles autores, o uso de conceitos

matemáticos e físicos sem a preocupação de conhecer seus significados de origem e sem

articulá-los de maneira clara em seus textos filosóficos.

Sokal e Bricmont (1999) defendem que as ciências naturais necessitem da reflexão

filosófica, sem a qual estariam mais sujeitas a erros e enganos. “Mas, para falar de assuntos de

forma sensata, é preciso compreender as teorias científicas relevantes em nível bastante

profundo e inevitavelmente técnico” (SOKAL e BRICMONT, 1999, p. 204). Acrescentam que

as ciências naturais têm prestígio social, por vezes explorado deliberadamente por cientistas:

Os cientistas às vezes abusam desse prestígio exibindo um injustificado sentimento de

superioridade. Além do mais, cientistas famosos, em seus textos de vulgarização,

frequentemente adiantam especulações como se elas já estivessem bem estabelecidas,

ou extrapolam seus resultados muito além do contexto no qual haviam sido verificados.

Finalmente, existe uma tendência nociva – exacerbada, sem dúvida, pelas exigências do

marketing – de ver uma “revolução conceitual radical” em cada inovação. Todos esses

fatores combinados dão ao público culto uma visão distorcida da atividade científica.

(SOKAL e BRICMONT, 1999, p. 211).

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Nos trechos citados por Sokal e Bricmont (1999), em que aparecem palavras

emprestadas das ciências exatas, há ausência de definição ou redefinição dos termos de maneira

a acomodá-los ao texto filosófico. Os conceitos assim transportados de uma área para outra

perdem a consistência que tinham na área de origem, por vezes construída por décadas e a

muitas mãos. Ao mesmo tempo, parecem não ganhar consistência na nova área para a qual são

transportados. Um exemplo: Sokal e Bricmont (1999) citam este trecho do livro O que é

filosofia?, de Deleuze e Guattari:

[A] primeira diferença entre ciência e filosofia é a atitude de cada uma em relação ao

caos. Caos é definido não tanto pela sua desordem quanto pela velocidade infinita com

a qual se dissipa toda forma que nele se esboça. É um vazio que não é um nada e sim

um virtual, contendo todas as partículas possíveis e suscitando todas as formas

possíveis, que surgem para desaparecer logo em seguida, sem consistência ou

referência, sem consequência. O caos é uma velocidade infinita de nascimento e

desaparecimento. (Deleuze e Guattari 1991, p. 111, grifo do original)”. (SOKAL e

BRICMONT, 1999, p. 156)

Como apontou Russell, na visão irracionalista, a própria lógica é limitadora da

experiência. Esse trecho apontado por Sokal e Bricmont (1999) passa a fazer sentido se se

considerar que os autores buscam romper com o sentido.

Em defesa de Deleuze, Marks (2006) dirige-se expressamente ao livro de Sokal e

Bricmont (1999) e reproduz uma distinção feita por Deleuze em comunicação oral, nestes

termos:

Há noções que são exatas naturalmente, quantitativas, definidas por equações, e cujo

significado repousa em sua exatidão: um filósofo ou escritor pode usá-los apenas

metaforicamente, e isso está errado, porque eles pertencem à ciência exata. Mas há

também noções essencialmente inexatas e ainda assim completamente rigorosas das

quais os cientistas não podem prescindir, que pertencem igualmente a cientistas,

filósofos e artistas. Elas devem se tornar rigorosas de uma forma que não é diretamente

científica, de forma que ao lidar com elas o cientista torna-se também filósofo ou artista.

(MARKS, 2006, p. 2)

De acordo com Marks (2006), Bergson, Deleuze e Guattari denominam ciência do

Estado, ou ciência real, a racionalidade moderna da ciência e da tecnologia (MARKS, 2006).

Enquanto a análise – o modo padrão da ciência do Estado – imobiliza o mundo e extrai

“simples” a partir da qual a realidade pode ser reconstruída, a intuição nos coloca em

contato com a continuidade subjacente e a fluidez do mundo natural. Crucialmente, a

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análise negligencia a dimensão da temporalidade, tentando extrair estruturas repetíveis

a partir do mundo que está em fluxo constante. (MARKS, 2006, p. 9)

Antes de encerrar esta exposição, citemos uma abordagem que parece ter

influenciado, no final do século XX, a busca do re-encantamento nas ciências chamadas duras.

Trata-se do trabalho de divulgação do químico-físico Ilya Prigogine, Prêmio Nobel de Química

em 1977. Em um de seus livros de divulgação, publicado em 1984 e escrito em coautoria com

Isabelle Stengers, química e filósofa, Prigogine debate decorrências da termodinâmica. Nesse

livro, intitulado Order out of chaos – man’s dialogue with nature, os autores colocam em dúvida

a maneira como a natureza é estudada em física, como predominantemente estável, sendo as

instabilidades meras exceções. Na visão de Prigogine e Stengers, o que ocorre é o inverso: as

ocorrências instáveis são predominantes e as estáveis são as exceções.

Prigogine e Stengers tiveram influência da filosofia bergsoniana ao tratarem da

noção de fenômenos irreversíveis, que ocorrem em certo espaço de tempo e não se repetem

sempre da mesma forma.

A dinâmica clássica parece expressar de maneira especialmente clara e marcante a visão

estática da natureza. Aqui o tempo é aparentemente reduzido a um parâmetro, e futuro

e passado se tornam equivalentes. É verdade que a teoria quântica levantou muitos

novos problemas não cobertos pela dinâmica clássica, contudo reteve certas posições

conceituais da dinâmica clássica, particularmente no que se refere a tempo e processo.

(PRIGOGINE e STENGERS, 1984, 11)

Também no trecho abaixo é possível identificar prováveis ressonâncias entre o

pensamento de Bergson e as ideias de Prigogine e Stengers:

Nossa herança científica inclui duas questões básicas para as quais, até agora,

não foram encontradas respostas. Uma é a relação entre ordem e desordem. A famosa

lei do aumento da entropia descreve o mundo como evolvendo da ordem para a

desordem. [...]

Mas há a segunda questão, ainda mais básica: a física clássica ou a quântica

descrevem o mundo como reversível, como estático. Nessa descrição não há evolução,

nem para a ordem, nem para a desordem. [...]

Ordem e desordem são noções complicadas: as unidades envolvidas na

descrição estática da dinâmica não são as mesmas que aquelas que precisam ser

introduzidas para se alcançar o paradigma evolucionário como expresso pelo aumento

da entropia. Essa transição leva a um novo conceito de matéria, matéria que é “ativa”,

pois a matéria leva a processos irreversíveis e, ao mesmo tempo, os processos

irreversíveis organizam a matéria. (PRIGOGINE e STENGERS, 1984, p. xxix)

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Em outro ponto, os autores colocam-se como estando diante de uma importante

revolução científica, ao afirmarem:

A ciência iniciou um diálogo bem-sucedido com a natureza. Por outro lado, o primeiro

resultado desse diálogo foi a descoberta de um mundo silencioso. Esse é o paradoxo da

ciência clássica. Ela revelou aos homens uma natureza morta e passiva, uma natureza

que se comporta como um autômato que, uma vez programado, continua a seguir as

regras inscritas no programa. Nesse sentido, o diálogo com a natureza isolou o homem

da natureza em vez de aproximá-lo dela. Um triunfo da razão humana tornou-se uma

triste verdade. Parece que a ciência degrada tudo que toca. (PRIGOGINE e

STENGERS, 1984, p. 6)

E asseveram que

O artificial deve ser determinístico e reversível. O natural contém elementos essenciais

de aleatoriedade e irreversibilidade. Isso leva a uma nova visão da matéria na qual a

matéria não é mais a substância passiva descrita na visão de mundo mecanicista, mas

está associada a atividade espontânea. Essa mudança é tão profunda [...] que podemos

realmente falar sobre um novo diálogo do homem com a natureza. (PRIGOGINE e

STENGERS, 1984, p. 9)

Mas essa visão está longe de ser unanimidade entre os físicos. Afigura-se que após

os abalos do início do século XX a física, como ciência normal (conforme define Thomas Kuhn,

1998), conseguiu espaço para suas anomalias e segue razoavelmente estável nesta segunda

década do século XXI. Nenhuma mudança dilacerante de paradigma aparece no horizonte há

cem anos.

O físico Marcel Novaes (2010) argumenta que ao tentar reconciliar fenômenos

naturais irreversíveis com as equações de movimento da mecânica clássica, reversíveis,

Prigogine desconsidera a solução dada pela mecânica estatística, vigente e robusta, iniciada

com Boltzman em 1870 e ampliada por Gibbs, Einstein e outros. A tremenda diferença de escala

entre os movimentos microscópicos de uma infinidade de partículas, por um lado, e o resultado

macroscópico desses movimentos, por outro, não permite igual tratamento matemático para

ambos. São regimes distintos de observação, diz Novaes. No caso microscópico, o tratamento

das posições e velocidades é estatístico, uma vez que é impossível conhecer todas as posições

e velocidades assumidas por todas as partículas. O fato de se usar estatística no cálculo não

modifica o caráter determinista de cada movimento individual – o cálculo não é o fenômeno. A

abordagem estatística é uma solução técnica eficiente, uma vez que não conseguimos levantar

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e computar cada pequeno movimento. No caso macroscópico, é usada outra técnica: são

tomadas variáveis passíveis de mensuração, como volume, pressão, temperatura etc.

Outros grandes estudiosos além de Prigogine contribuíram para a elaboração dessa

teoria, segundo Novaes (2010), que aponta entre eles: Ruelle, Sinai, Bowen, Pollicott. Em

resumo, Prigogine teria exagerado nas conclusões e teria pintado um quadro de ruptura que na

verdade não existia. Essa opinião de Novaes (2010) reforça a assertiva de Sokal e Bricmont

sobre alguns cientistas apontarem revoluções conceituais fantasiosas para impressionar o

público externo.

Prigogine fez excelentes trabalhos na área de termodinâmica de não-equilíbrio [...],

além de ter formado dois bons grupos de pesquisa (em Bruxelas e em Austin). Além

disso, ganhou o Prêmio Nobel. Mas esses trabalhos foram feitos nas décadas de 50 e

60, enquanto que sua atividade de elaboração de livros de divulgação científica foi bem

posterior. A verdade é que as ideias filosóficas de Prigogine estão longe de encontrar

aceitação unânime ou mesmo geral entre os especialistas [...] (não é que suas ideias

sejam controversas; elas são antes ignoradas e consideradas inofensivas do que

propriamente criticadas), e creio que seria importante a exposição de considerações

mais críticas. Neste breve artigo eu argumento que: 1) a motivação mesma da

argumentação de Prigogine é deficiente; 2) a "revolução" que ele pretende ter

introduzido foi feita por outras pessoas; 3) suas conclusões não se sustentam.

(NOVAES, 2010)

O tema ciência e sociedade comportaria muitos outros ângulos além das

considerações feitas nesta seção. Em nossa pesquisa, foram levantados alguns pontos de

desconforto entre ciência e sociedade na cultura ocidental que podem ter alguma relação com

o fenômeno do misticismo quântico.

3.2 Física quântica no ensino médio

Se o público em geral está sujeito a receber informações adulteradas sobre a atividade

científica, se a pseudociência divide espaço na mídia com boa ciência, se os próprios cientistas

estão sujeitos a vieses pessoais que os levam a dar contornos de revolução a trabalhos usuais

em suas áreas, então a sociedade necessita estar alerta para esses tipos de ocorrência a fim de

não ser enganada.

Existem muitos instrumentos para ampliar o letramento científico da população,

como museus, disponibilização de conteúdos pela internet, documentários, atividades escolares

voltadas para alunos e seus pais, como feiras de ciência e outros. Entre esses instrumentos,

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destaca-se a formação escolar. A definição do currículo escolar e sua aplicação efetiva são

elementos essenciais para aumentar a cultura geral e científica dos cidadãos.

O estudo de física moderna no ensino médio acontece em algumas escolas, porém

ainda não é uma realidade no sistema educacional como um todo. Seria proveitoso se os alunos

tivessem acesso amplo a, ao menos, uma iniciação à física moderna, além de um preparo para

separar ciência de pseudociência. Pessoa Jr. (2013) lembra que a ligação entre espiritualidade

e física quântica veiculada pela mídia é assunto que poderia ser discutido no ensino básico, que

tem entre seus objetivos preparar o cidadão para avaliar e criticar as informações que recebe

pelos mais diferentes meios. Ele comenta que inserir na escola o debate sobre misticismo

quântico seria também um bom mote para o estudo de conceitos de física moderna.

Abordamos, na sessão 1.5.2, a discussão presente na área de ensino-aprendizagem

sobre o papel das representações pessoais que os alunos trazem para a sala de aula. Eduardo

Mortimer (1996) partiu da noção de perfil epistemológico de Bachelard para propor a ideia de

perfil conceitual – convivência, no mesmo indivíduo, de representações populares com o

conhecimento científico. Por vezes, o aluno, mesmo universitário, não tem clareza sobre seu

perfil conceitual e não percebe se determinada representação sua vem do senso comum ou da

vida escolar, afirma Mortimer (1996). Ter consciência do próprio perfil conceitual permite ao

estudante selecionar qual representação utilizar em determinado contexto.

Em trabalho mais recente, de 2013, Thaís Hilger tece uma análise aprofundada sobre

o conceito de representação social, de Moscovici, que foi apresentada no primeiro capítulo deste

trabalho de maneira superficial. Hilger (2013) destaca o papel das representações sociais no

conhecimento da população em geral:

O estudo evidencia que a apropriação dos conhecimentos da ciência não ocorre

simplesmente pela sua vulgarização, mas sim pela sua transformação em um

conhecimento cujo sentido é relevante para a comunidade que dele se apropria. Não se

trata de igualar (ou tornar superior) o senso comum ao conhecimento científico, mas de

diferenciar duas formas de pensamento: o lógico-científico e o social, que permite que

o mundo social seja um local familiar e previsível. Deste modo, tanto a definição aceita

cientificamente como a apresentada pelos diferentes grupos sociais têm valor.

(HILGER, 2013, p. 32)

A autora coteja representação social com conhecimento prévio e faz pesquisa entre

alunos do último ano do ensino médio e do pré-vestibular. Do ponto de vista de aprendizagem,

Hilger (2013) coloca foco na teoria da aprendizagem significativa, de David Ausubel. Ausubel

defende, entre outras ideias, que a aprendizagem escolar se efetiva quando o aluno concilia o

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conteúdo visto na escola com seu conhecimento preexistente. Afirma Hilger que Ausubel não

considera o aluno como página em branco que receberá novos conteúdos, e sim “que já tem um

conhecimento prévio, que é totalmente relevante para a aprendizagem significativa, ou seja, o

conhecimento prévio é determinante para que a aprendizagem tenha significado” (Hilger, 2013,

p. 22).

Ligando Ausubel e Moscovici, a autora escreve que “a teoria das representações

sociais relaciona-se intimamente com a teoria de Ausubel, pois as representações fazem parte

do conhecimento preexistente do aluno e, em situação de aprendizagem, podem influenciar a

retenção e a aprendizagem significativa.” (HILGER, 2013, p. 30)

A pesquisadora encontrou indícios de influência da mídia no conhecimento prévio,

como associar física quântica a cérebro, vibração, sentimento, mente, emoção etc., associação

que não teria vindo pela via acadêmica, mas sim por influência de divulgação inadequada

(HILGER, p. 2013).

Em outro trabalho, realizado na cidade do Rio de Janeiro, os pesquisadores Gerbassi,

Oliveira e Vianna (2007), sustentam que o fenômeno do misticismo quântico poderia ser um

argumento a reforçar a defesa da inclusão efetiva da física moderna no ensino médio. Dentre as

justificativas, eles citam as apresentadas por professores de física do ensino médio. Os docentes

apontaram estes argumentos, entre outros: (a) os alunos se utilizam de tecnologias

desenvolvidas com base na física moderna, mas não a veem na escola; (b) eles fazem perguntas

aos professores sobre tópicos de física moderna porque o tema faz parte da vida deles; (c) o

ensino de física é baseado em fórmulas e explicações teóricas, com conteúdo obsoleto,

descontextualizado e distante da realidade dos alunos.

Quanto à questão de demarcação entre ciência e pseudociência, Venezuela (2008)

comenta que “não se trata de se buscar acabar com tradições baseadas em crendices, mas de

oferecer ao aluno subsídios para que possa avaliar tais práticas a partir das teorias científicas

atuais e do método científico” (VENEZUELA, 2008, p.5). Para ele, as pessoas acreditam em

pseudociência porque lhes falta informação sobre como a ciência é construída (VENEZUELA,

2008). Sobrepõe-se à dificuldade de se distinguir ciência de pseudociência o fato de ser difícil

o acesso à ciência, “pois seu significado não é bem compreendido e a realidade é pouco

retratada” (VENEZUELA, 2008, p.40). Diante desse quadro, discutir pseudociência em sala

de aula, no ensino médio, é uma maneira de colaborar para a formação de alunos mais

preparados para terem atitude cética diante dos apelos da pseudociência, destaca o autor, para

quem os professores devem estimular os alunos a pensarem cientificamente ao apresentar o

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conteúdo da disciplina. Segundo Venezuela (2008), é relevante não só que os alunos

compreendam os princípios básicos da física, mas que também compreendam as razões pelas

quais são considerados princípios básicos e como chegamos a eles.

Isso envolve tópicos que possibilitem aos alunos a verificação de assuntos que

expliquem como a comunidade científica aceita uma teoria, por que as teorias estudadas

são essas e não outras, e qual a relevância da experiência para essa aceitação. Isso

permitirá que eles diferenciem Ciência de Pseudociência mais facilmente, e façam suas

próprias avaliações com relação a Astrologia, medicina alternativa, criacionismo, etc.

O método científico deve ser abordado de alguma forma. Assim como o limite do

conhecimento científico dever ser apresentado para esses alunos. (VENEZUELA, 2008,

p. 38)

Por seu turno, Koertge (2013) assinala a fácil circulação de ideias pela internet, sem

o contrapeso de uma avaliação sistemática e legítima:

Estudos de sociologia da ciência mostram como a educação científica inculca os

praticantes com um respeito por normas como objetividade, consistência lógica, e

ceticismo organizado. Vimos [...] exemplos na história da ciência que ilustram a

importância da revisão e publicação por pares, institucionalizada. Nos dias atuais de

ambiente rico para a mídia, é fácil os indivíduos atuarem em áreas consideradas

pseudocientíficas para fazerem suas ideias circularem, o que pode eliciar uma infinidade

de comentários positivos ou negativos em blogs. É mais difícil, porém, encontrar um

fórum que faça avaliação sistemática e ponderada sobre o ponto de vista de alguém.

(KOERTGE, 2013, p. 174)

A convivência da sociedade com as ciências naturais gera certo desconforto, como

apontam os autores citados neste capítulo. Por outro lado, o diálogo entre ciência e sociedade é

constante e os jovens cidadãos precisam ser preparados para lidar de maneira autônoma e bem

informada com a ciência e a pseudociência que são divulgadas na mídia. Assim, é recomendável

que o ensino de ciência no nível médio -- e mesmo no fundamental -- contemple uma iniciação

à física moderna. Essa e outras ações de letramento científico elevariam a capacidade da

população de criticar informações, produtos e serviços ao seu alcance.

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CAPÍTULO 4 -- PESQUISA E DISCUSSÃO

No intuito de lançar luz sobre formas de apropriação de termos e conceitos da

microfísica por parte de leigos, este capítulo busca aferir distanciamentos entre o dizer de dois

adeptos do misticismo quântico e a mecânica quântica realizada no ambiente científico.

São apresentados trechos de duas entrevistas presenciais feitas com profissionais que

adicionam o termo “quântico” ao título do serviço oferecido. As entrevistas completas estão

transcritas nos anexos I e II. Os cortes na transcrição das falas dos entrevistados nem sempre

estão marcados nesta parte do trabalho, para favorecer a fluência da leitura. Foram excluídos

dados que pudessem identificar os indivíduos.

A escolha final dos sujeitos deveu-se à disponibilidade de ambos para serem

entrevistados presencialmente. Não foi estudada a relevância de suas abordagens dentro do

ambiente alternativo, o que demandaria outros modos de pesquisa e de análise. Os dois sujeitos

indicaram fontes de seus conhecimentos que fundamentam, para eles, o uso do adjetivo

“quântico” nos nomes de seus serviços. Essas fontes, duas pessoas e duas instituições, têm

exposição pública e se utilizam do portal Youtube e outros websites como meios de divulgação.

O exame de algumas dessas exposições, ainda que ligeiro, foi proveitoso para se alinhavar o

quadro que cada entrevistado monta como pano de fundo teórico.

Os dois entrevistados, cada um a seu modo, atuam na área de saúde, com abordagens

alternativas à medicina ocidental. Os conteúdos de seus trabalhos não são matérias desta

dissertação, que se restringe a acompanhar o uso de termos e conceitos de física quântica.

Nas entrevistas foram feitas estas quatro perguntas abertas:

1- Do seu ponto de vista, a física quântica mudou a física em geral? Se sim, em que

aspectos?

2- Do seu ponto de vista, a física quântica mudou a ciência em geral? Se sim, em que

aspectos?

3- Quais conceitos da física quântica você considera importantes para o trabalho que você

realiza? Poderia explicar cada um deles?

4- O que você entende por “quântico”?

As perguntas foram formuladas de modo a estimular a espontaneidade das respostas.

A condição de ser a autora deste trabalho licenciada em física foi dita aos entrevistados, desde

os contatos prévios às entrevistas, ao mesmo tempo em que foram realçadas para eles atividades

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anteriores da entrevistadora em áreas alternativas e em fonoaudiologia. Dessa forma, tentou-se

evitar barreiras à espontaneidade dos sujeitos. O entrevistado 1 (E1) mostrou-se um tanto

cuidadoso, porém fluente, e o entrevistado 2 (E2) não transpareceu o menor embaraço com

possíveis críticas. Discorreu animadamente sobre seu trabalho, fato também explicável por ter

feito “formação em física quântica”. A fonte de sua formação é duvidosa, porém aparentava ser

motivo de confiança para E2 no momento da entrevista. Os dois contatos foram bastante

amigáveis e, em princípio, a condição da entrevistadora não impediu que o material coletado

fosse útil aos objetivos deste trabalho.

As duas primeiras perguntas, que são discutidas na seção 4.1, foram elaboradas para

averiguar a percepção da física quântica fora de seu meio de origem. As perguntas 3 e 4, focos

da seção 4.2, procuram explicitar as concepções de microfísica por parte dos dois sujeitos.

4.1 Perguntas 1 e 2 – Trechos e comentários

4.1.1 Respostas

Sujeito E1

A entrevista foi realizada no local de trabalho de E1, uma clínica instalada em uma

casa térrea, com exposição de objetos para venda e uma música new age tocando em baixo

volume na sala de espera. E1 é um senhor de meia idade e relatou exercer atividades de cunho

espiritual desde jovem. Contou que foi executivo de empresa e há 20 anos passou a se dedicar

apenas ao trabalho espiritual de cura. O título do trabalho que oferece tem a expressão “terapia

quântica” acrescida de um nome em particular, que foi aqui suprimido.

ML - Do seu ponto de vista, a física quântica mudou a física em geral? Se sim, em que

aspectos?

E1 – [...] A gente descobriu uma coisa que os físicos russos já descobriram e

comprovaram que o nosso DNA pode ser modificado através de palavras. Eles fizeram um

artigo, disseram que conseguiram mudar o DNA in vitro através de pulsos.

ML – Você tem os nomes?

E1 - Não lembro agora. Eles conseguiram comprovar, pensamento positivo, repetição,

que o pensamento consegue transformar uma situação e criar realidades. Com isso, eu posso

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justificar a minha tecnologia. Transformar uma determinada situação e criar realidade. Quando

você olha para a física-física, não consegue explicar as coisas que a gente faz na terapia

alternativa, mas a física quântica começa a explicar. Quando a principal persona do negócio é

o observador. O observador, na hora que ele coloca um foco, ele muda para onda.

ML - O senhor se baseia nesse russo.

E1 - Esse russo é uma informação que estou te passando de que eles conseguiram provar

tecnicamente aquilo que eu faço no dia a dia. Não tenho nada a ver com eles, é só uma

informação. É um artigo que mostra que aquilo que a gente está fazendo tem uma certa

coerência. Por quê? Porque eu parto da premissa seguinte: quando eu coloco a atenção em

determinado ponto, eu posso mudar esse ponto. Isso é incontestável. Não adianta, eu posso

contestar, posso pedir justificativa técnica, mas é isso que acontece. Teve um tempo que eu

queria uma explicação técnica, mas eu desisti. Não me meto da explicação técnica. Se você

quiser um pouco mais de explicação mais científica, tem um cara na internet chamado Hélio

Couto, ele tem dezenas de vídeos, fala horas sobre física quântica.

[No tratamento] vou pedir para limpar os chacras, jogar uma energia violeta, uma platina

líquida, vou mandar uma série de informações que vai ser executado no campo energético, sem

que eu precise sequer tocar em você. E também sem que você precise estar na minha frente. [...]

A física normal não dá para explicar isso, mas pela física quântica a gente já começa a explicar.

É lógico que não a física quântica que explica um computador quântico matéria, não a física

quântica que explica a programação quântica que tem por trás do computador, que agora estão

lançando satélite com computação quântica.

Agora, o próprio Einstein dizia que quando a humanidade começasse a considerar tudo

como energia, aí sim que a ciência iria dar um salto. Estamos falando de força do pensamento,

uma intenção estruturada. Eu comprovo isso porque se chega uma pessoa angustiada e eu aplico

o comando nela, para.

ML - Na sua percepção, você acha que a ciência vai mudar, ou está mudando por causa

da física quântica?

E1 - Eu acho que a física quântica veio para revolucionar. Ela vai, não, ela já está

transformando. Quanto mais os conceitos forem aplicados da física quântica nas tecnologias,

maior será o salto. Porque antes a gente dava saltinhos, com a física quântica, vamos dar saltos

enormes em tecnologia. Os computadores quânticos, quando começaram os computadores era

uma sala enorme.

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ML - Fora a questão da tecnologia, vai mudar o conceito nas ciências em geral,

biologia etc.?

E1 - A partir do momento em que você descobre o mundo quântico, tecnicamente,

quebra um monte de paradigmas. A partir do momento em que a gente entende claramente

como a organização funciona, quando a gente descobre como nosso corpo que também é

quântico. Quando a gente conseguir entender quão quântico é o nosso corpo, automaticamente

teremos de rever a medicina. Vamos ter de rever. Se nosso corpo é quântico, isso quer dizer que

a Terra também é.

Sujeito E2

E2 é um jovem profissional de saúde graduado em universidade regular, fez

formação específica para se tornar terapeuta “quântico” e atende pessoas com diferentes

sintomas. Durante a conversa, mostra entusiasmo pelo trabalho que executa e segurança quanto

aos conceitos que emite.

O encontro foi realizado em um café. O entrevistado atrasou-se mais de uma hora e

contou que havia acabado de dar palestra em um congresso de medicina alternativa muito

concorrido. Ficou retido por participantes que queriam lhe fazer perguntas, disse. Devido à

exiguidade de tempo restante para a entrevista, a ordem das perguntas foi alterada para garantir

resposta às questões 3 e 4. Ao final, o tempo foi suficiente para cobrir as quatro questões.

ML – No seu ponto de vista, a física quântica muda a física, está mudando a própria

física?

E2 – Sim, muda a própria física. São ondas eletromagnéticas. A partícula é quando é

vista a olho nu, essa onda é vista a olho nu. Mas antes de ser vista, ou seja, quando ela é invisível

a olho nu, ela é onda eletromagnética. E a física clássica tem dificuldade de compreender por

que que no momento que você observa a onda eletromagnética ela se transforma em partícula,

ela fica num ponto só, no espaço, e por que que quando você deixa de olhar ela se torna invisível

a olho nu [pequena pausa]. Lógico, falando em microscopia eletrônica. Quando ela se torna

invisível a olho nu ela está em todos os lugares ao mesmo tempo, em vários lugares ao mesmo

tempo, ocupando todo o espaço. Independentemente da distância. A física, a física clássica, ela

começa a refletir sobre isso. O que que há de verdade nisso? Porque se você pensar que o modo

quântico de você olhar o universo é o fato de você não se limitar naquilo que você vê com os

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olhos e aquilo que você não vê e que está em todos os lugares, em todas as partes, e que isso a

física quântica já consegue comprovar através de estudos preliminares, a física clássica começa

a ter uma mudança de paradigma ao longo do tempo. Eu acredito que isso já começou a

acontecer.

ML – Em relação às ciências em geral, biologia, química, você acha que também vai

ter mudança?

E2 - Ah, já houve, né. Já houve porque a física quântica ela, falando mais propriamente

da área onde eu atuo, que é a terapia quântica. O que é a terapia quântica? Você transforma a

matéria prima em campo vibracional dessa matéria prima, que você usa a propriedade da água

chamada nemática. [De acordo com o Dicionário Houaiss, nemático (adjetivo) é o “estado de

um líquido em que as moléculas se distribuem como filamentos, com alguma regularidade”].

Essa nemática copia de forma idêntica a matéria prima que esteve ali. Tá comprovado

cientificamente que o efeito terapêutico da química, da matéria prima, e da vibração, do campo

vibracional dessa mesma matéria prima, tá comprovado que o efeito terapêutico do campo

vibracional da matéria é similar, é o mesmo efeito do campo da matéria química, do princípio

ativo em si. E como é que se explica isso? Um gerador, que um acelerador de partículas que,

com água, e matéria prima transforma só em campo vibracional, então só fica água.

ML – Qual que é esse gerador?

E2 - Esse gerador, a USP tem e a Fisioquântic tem. É um gerador que ele acelera como

se fosse no processo da homeopatia. Você forma uma vibração daquela matéria prima, e essa

vibração, campo vibracional da matéria prima faz, tem o efeito terapêutico sem efeitos

colaterais.

4.1.2 Comentários

Ambos os entrevistados dão respostas afirmativas às questões 1 e 2. Para eles, a física

quântica mudou a física e as outras ciências.

Para sustentar sua posição, E1 argumenta que “físicos russos” “comprovaram” a

influência de palavras em nosso DNA, recorrendo à autoridade da ciência como argumento.

Hansson (2013) e outros autores apontam como característica da pseudociência a crença na

autoridade para se sustentar. E1 assevera que a “física-física” não daria suporte à sua terapia

alternativa, ao passo que a física quântica o faz, na medida em que “a principal persona do

negócio é o observador”. Ao mesmo tempo, diz “eu não me meto com explicação técnica” e

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indica um teórico (no seu entender) demonstrando, talvez, uma atitude de autoproteção. Ao

mesmo tempo, distingue a física quântica que lhe dá suporte da “física quântica que explica um

computador quântico matéria”. Novamente, recorre à autoridade da ciência ao colocar na boca

de Einstein a afirmação de que tudo é energia.

Quando solicitado a responder se a física quântica está mudando a ciência em geral,

em um primeiro momento, aponta a física quântica como revolucionária devido às tecnologias

dela decorrentes. Solicitado a falar das outras ciências, responde que a descoberta do mundo

quântico “quebra um monte de paradigmas”, que “quando a gente entender quão quântico é o

nosso corpo, automaticamente teremos de rever a medicina”, e “se o nosso corpo é quântico,

isso quer dizer que a Terra também é”. Essa posição coincide com a de autores vistos neste

trabalho, na seção sobre livros de popularização da microfísica.

Já a resposta de E2 não aparenta autoproteção. Pelo contrário, o entrevistado discorre

confiante sobre física quântica, cometendo erros teóricos. Atribui autoridade à ciência ao dizer

que “está comprovado cientificamente” o efeito terapêutico do campo vibracional. Demonstra

sentir-se bem embasado em suas explicações. Para ele, a física quântica muda a física, “a física

clássica começa a ter uma mudança de paradigma”. Acredita que já houve mudanças na ciência

em geral, provocadas pela física quântica.

Tanto E1 quanto E2 distinguem “física clássica” de “física quântica” e opinam que

a física como um todo se encontra abalada pelo desenvolvimento da física quântica, que teria

provocado mudança de paradigma também nas outras ciências.

4.2 Perguntas 3 e 4 – Trechos e comentários

Ao discutir as respostas às perguntas 3 e 4, retomamos as ideias de bricolagem e

representação social, expostas no Capítulo 1, além de outras. Saliente-se que bricolagem e

representação social são ocorrências habituais que enriquecem diferentes atividades humanas.

Neste trabalho, abordamos essas noções com foco restrito ao uso de termos e conceitos da física

quântica por leigos em física.

Recordando, Kasper (2006) define quatro formas de bricolagem: apropriação no

sentido de tomar para si; apropriação no sentido de tornar apropriado; tática de reversão (tirar

proveito de situação adversa); tática de rearranjo (desmontagem e recombinação). E Moscovici

(2009) aponta duas formas de representação social: objetivação – tornar concreto e acessível o

que é abstrato; e ancoragem – integrar o elemento novo ao que já existe. Para efeitos deste

trabalho, os seis termos não são considerados excludentes entre si. A escolha de um ou de outro

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é feita por proximidade ao trecho de discurso que esteja em análise, sem o cuidado de

estabelecer uma padronização.

4.2.1 Respostas

Sujeito E1

A pergunta 3 não foi feita diretamente, no caso de E1, uma vez que ele foi enfático

ao dizer que não entrava nas questões conceituais, e indicou Hélio Couto, comunicador de

misticismo quântico, como referência confiável. Em lugar de resposta direta à pergunta 3, segue

trecho da entrevista em que fala de Hélio Couto e acrescenta suas próprias concepções:

E1 – [...] Teve um tempo que eu queria uma explicação técnica, mas eu desisti. Não me

meto da explicação técnica. Se você quiser um pouco mais de explicação mais científica, tem

um cara na internet chamado Hélio Couto, ele tem dezenas de vídeos, fala horas sobre física

quântica.

ML - Ele é físico?

E1 - Ãã... Ele fala explicando em termos de conceitos da física quântica, porque as

coisas funcionam em termos de física quântica. Eu não faço isso. Ao longo desse tempo eu

desenvolvi, utilizando esse conceito, o que a gente chama de comandos quânticos. O que é um

comando quântico dentro da terapia quântica [...]? Se você pegar um paralelo que é um mantra...

O que é um mantra? O comando quântico é como um mantra. O mantra é, quando você repete

aquela palavra, ele aciona uma energia e essa energia é direcionada para onde você está

colocando seu pensamento. Se você pega o símbolo do reiki, se você ativa o símbolo do reiki,

o que ele vai fazer? Ele tem por trás um programa, uma codificação. Quando é ativado, vai

executar sempre a mesma operação.

[Observação prévia: A expressão “eu sou”, encontrada nesta entrevista, é um tipo de

lema utilizado na linha espiritualista Fraternidade Branca dos Planetas. Essa linha considera

Jesus Cristo como mais um dos avatares, ou mestres, que orientam o desenvolvimento humano.

Utiliza cores, palavras, cristais e “decretos”, que são pequenas orações ou frases cujos

conteúdos mencionam aspirações, propósitos, orientações ou assemelhados].

E1 - É como se você tivesse falando um mantra. Eu aprendi a criar comandos quânticos.

Se eu quero alinhar os chacras da pessoa, eu vou dizer “Eu sou, ativar, purificação dos chacras

em luz”. Esse comando, dentro dele tem toda uma codificação de intenções, onde eu vou pedir

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para abrir os chacras, vou pedir para limpar os corpos [...]eu peguei aqueles decretos dos

mestres e transformei em comando. Quando você faz isso, você aciona a energia de todos os

decretos, de uma vez. E se você observar energeticamente através da sensibilidade. Por isso que

os físicos não, a turma não topa a parada. Porque você precisa observar a energia que está sendo

gerada através de uma percepção extra-sensorial. Não é através da visão.

ML - Isso também não entra até por humildade. Por ser uma coisa que extrapola. A

formação não permite, não é para isso. Por ser uma coisa que extrapola a parte material, os

físicos não estudaram, não faz parte da física.

E1 - É, não é para isso, não pode entrar nesse campo.

ML - O senhor utiliza a palavra “quântica”, mas o trabalho todo é com energia

espiritual, não são as energias normais. É isso?

E1 - Não são. Não dá para fazer esse tipo de trabalho nessa racionalidade que a física

exige. Isso é muito importante entender porque você vai ter isso. Eu atuo quanticamente dentro

do processo. Eu atendo uma pessoa lá na França, ela senta lá no skype e eu falo aqui e afeta ela

lá. Todo o meu trabalho está baseado nessa capacidade que o ser humano tem de projetar uma

realidade a partir da sua intenção. A física quântica diz que quando o observador observa uma

coisa, o fato de observar isso modifica o evento observado. Ou não? Ou também já botaram

controvérsia?

ML - Tem bastante controvérsia. Quando você observa em laboratório, você joga luz,

e a luz é fóton, partícula. É a luz que interfere, e não a mente do observador.

E1 - A história da lei da atração. Quanto mais a gente conseguir entender a história da

lei da atração. Como que eu atraio a esposa, os meus inimigos? Deve ter uma ressonância, da

mesma forma que o meu celular vai tocar sempre que você mandar um pulso que funcione na

frequência do meu número. E se eu estiver no Amazonas, o fia da mãe do pulso me acha. Então,

quando você olha para isso tudo, você diz “Ah, os caras conseguem ter uma explicação

científica para isso”, tem as torres de reprodução. Daí é tudo dominado. Mas para quem não

domina, é coisa maravilhosa. Da mesma forma, essa questão do pensamento... forma-

pensamento, estruturado, a gente ainda não domina o que acontece, não temos a base científica.

ML – Certo.

E1 - Basicamente todo o meu trabalho consiste na intenção programada, estruturada, o

comando quântico. Se você repetir o comando, ou eu, teremos o mesmo resultado. O pacote de

energia a ser direcionado vai ser o mesmo.

ML - O que você entende por “quântico”?

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E1 - Eu entendo o seguinte: pura energia. Não é pura matéria. Hoje eu penso assim: eu

preciso da substância A pra interagir com a substância B, pra gerar a substância C. Quando eu

entender quanticamente, eu vou dizer que posso gerar a substância C. É nisso que a gente vai

gerar. Se você quiser ver isso acontecendo, tem os equipamentos do Tesla que está já gerando

equipamentos para geração de energia livre. Tem uma empresa que já está gerando. Ele já está

propondo, ele já está produzindo. Vai colocar um cilindro aqui, ligado a nada, continuamente

vai ficar gerando energia para sustentar a rede elétrica.

ML - Qual que é a fonte?

E1 - Prana. Ele tem toda uma teoria para gerar uma energia. Simples. Isso já está na

nossa mão. Ele só não está em produção por interesses econômicos, porque a partir do momento

que eu disse que posso gerar o C diretamente, eu quebro as pernas. Não tenho interesse

econômico em gerar o C diretamente. Por que esse produto não saiu antes? Seguraram de

qualquer jeito, mas agora vai ter de sair.

Sujeito E2

ML – Para você, o que significa o adjetivo ”quântico”?

E2 – Quântico, da forma mais objetiva possível, quântico da forma mais objetiva que

eu entendo é a física das infinitas possibilidades, né. São, hã, corpos que se projetam ao longo

do tempo, da linha t, vamos dizer assim. Então, é o mesmo que hã, usando de uma de forma

mais racional a resposta, utilizando a teoria, seria ondas eletromagnéticas que estão em qualquer

lugar ao mesmo tempo, em vários lugares ao mesmo tempo no espaço. Ao mesmo tempo essa

onda eletromagnética se transforma em partícula e a partícula, elas se definem em um local, em

um ponto, então esse contraste das ondas eletromagnéticas no espaço-tempo, em vários lugares

ao mesmo tempo, sendo o mesmo elemento, contrastando com a partícula que está num local

só, é o que dá a quântico, o sentido quântico de infinitas possibilidades. As coisas, elas se

projetam num teletransporte, então você consegue projetar algo no futuro o que está

acontecendo agora. Para mim é isso.

ML – Quais conceitos da física quântica que te inspiram mais, que você acha mais

interessantes para o seu trabalho?

E2 – Eu acho mais interessante no meu trabalho é saber que através das ondas

eletromagnéticas, através do invisível, das ondas invisíveis, você é capaz de alcançar dentro do

universo da medicina, você consegue alcançar os desequilíbrios energéticos, que é a energia

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que dá fundamento à matéria. Então, através das ondas eletromagnéticas, da imatéria, você

consegue alcançar. Isso para mim é encantador. É isso que o quântico diz: preste atenção

naquilo que você não vê, daquilo que você não palpa, e sim naquilo que você entende que vai

agir sobre a matéria, que é a imatéria. Tudo que é imaterial é que deu origem à matéria. Isso

para mim é que é fantástico, lidar com isso.

[...]

E2 – A pessoa vem com uma dor, em qualquer lugar que seja, eu aplico o localizador

[mostrou um tipo de régua] e a dor passa na hora. Não aplico no local que ela se referiu. Eu uso

laser e [ininteligível] eu não uso agulha. Por isso que eu falei teletransporte, a onda

eletromagnética. E antes dele vem o laser. O laser funciona como o GPS e é complicado falar.

Tem um antioxidante aplicado no laser, óleo essencial de cacau. O óleo essencial de cacau tem

passagem livre na, e aí eu já consigo fazer com que, é por isso que eu digo que a física quântica

tem esse conceito. Você à distância você age no local que está inflamado, remove as toxinas e

interleucinas que estão ali, e ao mesmo tempo você coloca nutriente.

ML – Certo.

E2 - Por último, eu descobri que um medicamento quântico, na verdade a gente fala gel

quântico, vem antes do laser. Agora. Eu falo medicamento, mas na verdade não é o nome

correto. É indutor e modulador frequencial.

ML - Como ele faz?

E2 - É porque é um fito, um fitoterápico quântico. Então ele vai, você age exatamente

no local da dor que a pessoa tá falando, só que à distância. Aí tem toda uma explicação porque

é à distância. Porque na verdade a dor não é material, não é algo que você palpa, você só sente.

E ela emite ondas eletromagnéticas também, assim como você. Só que é de carga positiva. O

ímã, coloco carga negativa. Eles zeram, né, fazem os pares. Pareou, a dor some.

ML – Ok.

E2 - Então é uma coisa que isso eu uso não só para dor, eu uso para pontos de acupuntura

mesmo. Isso, eu uso para todos os órgãos e vísceras. Então eu vou te reequilibrar, eu uso os

pontos, os mesmos. Só que o destino-fim por onde esse localizador vai me apontar, eu nunca

sei. É isso que é física quântica. Você nunca sabe aonde vai. Lembra das ondas

eletromagnéticas, elas estão em qualquer lugar, e é um raio de 50 centímetros. Não é um local,

é um raio.

ML - Como assim?

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E2 - Não é o local da dor, é um raio. Então eu posso fazer para cá, para cá [apontando

com a mão] do meridiano. Eu faço tudo isso, parto de um ponto fixo, do rim, fígado, tudo mais,

e vou localizar. Nunca é num local fixo, senão eu demarcaria na primeira sessão e só repetia

nas outras. Seria fácil. Não, não dá para fazer isso. E eu parto do mesmo ponto e nunca o

destino-fim nunca é o mesmo, não dá para explicar. Porque aquele organismo necessita daquele

ponto naquele dia. Então, isso é física quântica. Ela te teletransporta, ela te dá uma dinâmica,

ela não é estática, não é física estática, é uma física dinâmica, que sempre projeta algo que a

gente não vê.

ML – Onde é feito esse fitoterápico?

E2 – Ele é feito lá onde eu te falei [Fisioquântic]. E ele é formado, ele é confeccionado,

ele é fabricado também nesse gerador. Então tudo é para acelerar partículas, dessa matéria

prima, até transformar em campo vibracional. Transformou em campo vibracional, o produto

está pronto.

4.2.2 Comentários

As duas fontes citadas pelos entrevistados (Hélio Couto e Fisioquântic) foram

pesquisadas por acesso à internet, não foi feito contato direto com essas fontes.

Sujeito E1

O entrevistado E1 relata histórico de prática espiritual e associa seu trabalho “com a

espiritualidade, com os mestres”. Conta ter agregado conceitos de física quântica mais

tardiamente ao longo de seu ofício. Destaca o papel do observador como agente para “mudar a

onda”. Acrescenta que não se preocupa mais com explicações técnicas e aponta o comunicador

Hélio Couto como fonte de informação técnica de qualidade.

Nota-se no discurso de E1 que ele faz uma bricolagem com o conceito controverso

de que a mente humana interfere diretamente no fenômeno quântico. Apropria-se do conceito

tanto no sentido de “tomar para si” quanto no sentido de “tornar apropriado” à sua terapia.

Ao explicar sua técnica, E1 utiliza a expressão “pacote de energia”, outra bricolagem.

Há desvio de função no uso da palavra “pacote”, relativo a “quantum”, como foi visto no

Capítulo 1.

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Por sua vez, a energia aqui referida não é a mesma energia da qual se ocupa a física.

Há apropriação, nos dois sentidos apontados por Kasper (2006). E1 dá um irremediável salto

conceitual ao igualar a energia que é foco das terapias não-convencionais com a energia que é

foco da física. Trata-se de dois sistemas de pensamento diferentes, dois conjuntos distintos de

princípios e pressupostos. Em seu discurso transparece a concepção de que a física quântica, ao

contrário da clássica, abre espaço para o tipo de energia que E1 aborda em seu trabalho

terapêutico (energia espiritual ou assemelhada).

Parece ser essa uma das pedras de toque em várias versões bricoladas da microfísica.

Normalmente, atribui-se o termo genérico energia para o prana dos iogues, o chi dos orientais,

a energia espiritual etc. A mesma palavra é utilizada em física, porém jamais para designar

entes alheios à ciência normal.

É natural que um profissional de física tenha interesse por atividades espirituais ou

terapias alternativas em sua vida pessoal. Não parece, entretanto, que confunda o significado

de energia nessas áreas com o significado de energia em física (energia potencial, cinética etc.).

Uma razão banal para isso (para citar apenas uma) é que as energias prana, chi e outras podem

ser utilizadas de maneira vaga e não são quantificáveis, ao menos pela física normal. Esta última

ocupa-se de grandezas quantitativas, mensuráveis. Sem essa âncora, a física seria um

amontoado de contas sem significado.

No cotidiano de físicos, assim como engenheiros, químicos, cosmólogos etc., medir

é elemento prático para se conferirem cálculos, pressupostos e teorias. Na comparação entre a

energia das abordagens alternativas e a energia tratada pela física, indaga-se: Como seriam

operacionalizados cálculos com o prana? Como saber quanto de chi transita por segundo em

um ambiente?

O discurso de E1 incorpora a expressão “pacote de energia”. Liberado pelo

“comando quântico”, o pacote de energia seria assimilado pelo cliente. Além de bricolagem,

vê-se aqui a representação social da ciência em suas modalidades ancoragem e objetivação.

Não está em questão, neste trabalho, a existência ou não do que tem sido chamado

prana, orgônio, chi, energia vital, energia espiritual. O que se está dizendo é que a física como

ciência normal não os alcança. Eles pertencem a outras atividades culturais. Como apontado

por Wilber (1984), físicos que conheceram profundamente a teoria quântica não a utilizavam

para confirmar seus posicionamentos espirituais e transcendentais. Não encontraram as

similaridades que vemos hoje apontadas pelos místicos quânticos.

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Quando E1 cita o “comando quântico” como uma intenção programada e

estruturada, segue falando de conceitos alheios à física, apenas utilizando-se do adjetivo

“quântico”.

Sua noção de “quântico” é diferente da apresentada no Capítulo 1 deste trabalho. Ao

ser perguntado, responde que “quântico” é pura energia, e que será possível gerar substâncias

sem matéria, apenas com energia. Termina descrevendo um aparelho movido a prana, que

parece ser a bobina de Tesla, transformador inventado por Nikolas Tesla (1856-1943). Isso

confronta o princípio da conservação de energia, mas está de acordo com a concepção de E1 de

que as energias espirituais e físicas são intercambiáveis.

Comentários sobre a fonte indicada pelo entrevistado

Em respeito ao pedido colocado no website pelo Sr. Hélio Couto para não se

reproduzirem conteúdos apresentados por ele, são feitos, a seguir, apenas comentários

genéricos.

Como apontou E1, é grande a quantidade de temas que Hélio Couto aborda em

associação à teoria quântica. Ele a vincula com diferentes assuntos: negócios, evangelho,

mediunidade, prosperidade, destino, ressonância harmônica, a mente de Deus e muitos outros.

Por vezes, há menção a temas que há muito tempo extrapolaram o ambiente científico e já têm

representações estabelecidas no ambiente leigo, reforçadas pelo filme Quem somos nós, além

de outras obras criativas de divulgação científica que emprestam conceitos das ciências e os

apresentam descontextualizados ou distorcidos.

Entre esses casos, há a troca da expressão “onda de probabilidades”, da microfísica,

por “onda de possibilidades”, utilizada por Hélio Couto. Esse desvio de função foi observado

também no discurso de outros místicos quânticos, durante a pesquisa prévia feita para a seleção

dos entrevistados. Essa tática de deformar o significado não chega a ser uma reversão (seguindo

Kasper, 2006), porém resulta em uma ideia mais maleável, mais passível de ancoragem no

discurso místico. A expressão “onda de possibilidades” traz implícita ou explicitamente a noção

de que tudo pode acontecer, basta querer com força.

Além do que já foi comentado aqui anteriormente, aponte-se que na linguagem

cotidiana, substituímos “é provável” por “é possível” sem causar ruído na comunicação.

Sabemos, entretanto, que as duas palavras não configuram sinônimos perfeitos. Saindo da

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linguística e entrando em estatística, não há como trocar uma coisa por outra. Probabilidade,

em matemática, é uma função bem definida que varia de zero a um, e é calculada com diferentes

propósitos. Por exemplo, os institutos de pesquisa calculam, a partir de levantamento junto à

população, a probabilidade de que um candidato a governador se eleja. Os resultados são

divulgados em porcentagens que, feita a divisão por 100, ficam na faixa entre os números de

zero e um. A teoria quântica e a mecânica estatística não calculam possibilidades, calculam

probabilidades -- e dentro de condições estritas. Já uma “onda de possibilidades” não tem

respaldo nas ciências naturais.

Sujeito E2

Da confusão de conceitos apresentada por E2, destaque-se a noção de “infinitas

possibilidades”, que lembra o termo “ondas de possibilidades”. Mas E2 parece nivelar, também,

onda eletromagnética e onda de probabilidades, duas coisas diferentes que podem, quando

muito, ser aproximadas. A física aborda a onda eletromagnética com práticas e teorias que por

vezes convergem para modelos da microfísica, e, na mão contrária, a microfísica também se

ocupa de fenômenos eletromagnéticos. Eletromagnetismo e física quântica são, entretanto,

campos distintos.

Pelas ideias de E2, depreende-se que ele foi exposto a conceitos e termos da teoria

quântica talvez já bricolados na fonte, sem ter conhecido seus significados originais. A questão

do teletransporte, que ganha algum nexo na narrativa do entrevistado, faz sentido em seu

discurso, porém não faz sentido nas ciências naturais.

O entrevistado fala sobre um gerador ou acelerador de partículas, uma máquina que

torna “vibracionais” ou “frequenciais” certas substâncias, que por isso passam a ser quânticas.

Tal gerador existiria na USP e na Fisioquântic, afirma E2. Estaria ele citando o acelerador

Pelletron, do Instituto de Física? Haveria na Fisioquântic um acelerador de partículas sem

controle do CNEN - Comissão Nacional de Energia Nuclear? Ainda nessa seção veremos mais

informações sobre a Fisioquântic. Definitivamente, não há de ser acelerador de partículas, é

mais provável que seja um equipamento semelhante aos dinamizadores da homeopatia.

A fala de E2 junta a energia que é foco da física com a energia que é foco de outras

abordagens, como faz E1. Essa confusão aparece com frequência no misticismo quântico e

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também em outros contextos alternativos, mesmo os mais incorporados à nossa cultura, como

se confirma em procura rápida pela internet. A polissemia da palavra “energia” é enganadora

em si.

A ideia de teletransporte surge logo de início na conversa com E2 e fica menos turva

ao ser retomada por ele em outra parte da entrevista. Um resumo de seus conceitos poderia ser:

a) A onda eletromagnética está em todos os lugares ao mesmo tempo. Esse alegado

atributo quântico promove o teletransporte do estímulo (dado por raio laser e

gel fitoterápico) do ponto em que é aplicado para o local necessário ao paciente

no momento da sessão. O ponto de aplicação é encontrado por um instrumento

localizador. O modulador frequencial, um fitoterápico “quântico” produzido

pela Fisioquântic, garante a eficácia do tratamento porque é dotado de algum

tipo de vibração.

b) A carga positiva da onda eletromagnética emitida pela dor se junta com a carga

negativa do ímã, formando pares, e assim ambas se cancelam.

c) Equipamentos que aceleram partículas transformam uma substância em

“vibracional”.

Nesse raciocínio tão desviante da física normal, a identificação das bricolagens é

custosa e incerta. A orientação que a onda eletromagnética dá ao estímulo lembraria vagamente

a interpretação de onda piloto de Bohm e de Broglie, ou seja, a existência de ondas (ocultas)

que guiam a trajetória das partículas (detectáveis). Outra explicação possível é que as partículas

seriam copiadas no local apropriado.

A afirmação de que a “imatéria”, que seria onda eletromagnética, origina a matéria

parece ter relação com a dualidade partícula-onda e pode ser ao mesmo tempo objetivação e

ancoragem desse conceito. Pode também ter relação com o conceito de ordens implícita e

explícita de David Bohm (2002). Outra possibilidade, ainda, é ser uma referência à condensação

da matéria em energia, expressa na equação E=mc2.

A concepção de carga positiva para dor e negativa para o ímã indica

desconhecimento total de eletromagnetismo, no mínimo. Há ainda a confusão decorrente de ser

a palavra energia aplicada indiscriminadamente a entes externos e internos à física. A

concepção de E2 contém, ainda, o erro de atribuir ao ímã uma polarização de carga elétrica. Os

magnetos têm polo sul e polo norte, de natureza diferente dos polos elétricos, que podem ser

positivos ou negativos. Além disso, não se conhece monopolo magnético, nem na natureza,

nem em laboratório. Por menor que seja um ímã, sempre terá os dois polos e não um. Os nomes

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dados na ciência normal às oposições norte--sul (em magnetismo) e positivo—negativo (em

eletricidade) são decorrentes de convenções bastante antigas que continuam em uso e são

essenciais na teoria e na prática. Essa convenção é atropelada na entrevista.

Em determinadas condições, um campo elétrico gera campo magnético e vice-versa,

de modo que a propagação das ondas eletromagnéticas ocorre tanto na presença quanto na

ausência de meio físico. A interação eletromagnética, entretanto, é bastante diversa da exposta

pelo entrevistado.

Comentários sobre as fontes indicadas pelo entrevistado

A busca por informações começou pelo website da empresa Fisioquântic,

www.Fisioquântic.com.br (acesso em 30/06/2017) e se estendeu a propagandas ali oferecidas.

A empresa produz e comercializa complementos alimentares e produtos com características de

florais, nomeando muitos deles com o adjetivo “quântico”. A Fisioquântic não explica como

são obtidos seus produtos, apenas exibe que estão em conformidade com a norma ISO 9001 e

com a Anvisa - Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

Na aba Grupo Fisioquântic do site, estão listados: uma revista, um núcleo de ensino

e eventos regulares. Seguindo links indicados nessa aba, chegou-se ao nome da médica

nutróloga Rosângela Arnt, consultora científica da Fisioquântic. A doutora Rosângela figura

em vários vídeos do portal Youtube, sendo um deles a entrevista que está parcialmente

transcrita nesta seção. Trata-se de matéria divulgada no canal do Centro Universitário

Internacional – Uninter. Esse instituto de ensino mantém o curso Saúde Quântica, de nível

especialização, lato sensu, registrado no MEC conforme atesta a Figura 2. A médica é uma das

criadoras do curso.

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Figura 1 – Página do website e-MEC onde se encontram detalhes de registro do curso Saúde Quântica no

Ministério da Educação 9.

Há parceria entre a Uninter e a Fisioquântic na promoção de eventos, sendo que um

dos encontros anunciados conta também com a parceria do Sindicato dos Terapeutas

Alternativos do Estado do Paraná (Sinthalpar).

A entrevista da Dra. Rosângela está disponível no endereço

https://www.youtube.com/watch?v=JxdM6IhIb3k&t=1851s (último acesso em 24/06/2017). A

data de publicação anunciada no portal Youtube é 10/10/2016. A matéria faz parte do acervo

da TV Fisioquântic Oficial, e foi gravada no programa Momento IBPEX. O IBPEX – Instituto

Brasileiro de Pós-graduação e Extensão é uma empresa do Grupo Educacional Uninter. Na

apresentação, aparecem no vídeo os logotipos da Uninter, da Fisioquântic e do IBPEX.

A conversa dura cerca de meia hora. São transcritos a seguir os minutos iniciais, em

que a Dra. Rosângela (RA) expõe as bases teóricas de sua abordagem alternativa. Falas alheias

ao objetivo deste trabalho foram descartadas. Participam da conversa os apresentadores Magda

(M) e Adriano (A).

Na entrevista, encontram-se bricolagens que aparentam ter originado muitas das

confusões teóricas de E2. Depreende-se que as turmas do curso Saúde Quântica estejam

expostas a miscelâneas da mesma ordem.

Transcrição da entrevista

9Disponível em http://emec.mec.gov.br/emec/consulta-

cadastro/detalhamento/d96957f455f6405d14c6542552b0f6eb/MTQ5MQ . Acesso em 30/06/2017.

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M – Boa tarde, estamos aqui com a doutora Rosângela Arnt, gaúcha, formada em

medicina lá em Pelotas, na Universidade Federal de Pelotas, especialista em nutrologia. Pós-

graduada em medicina do trabalho, pós-graduada em medicina ortomolecular, também pós-

graduada em saúde do trabalhador aqui pelo Instituto IBPEX, prestigiando a casa aqui,

consultora técnica da Stylo Vital Estética e Nutrição, consultora científica da Fisioquântic

Indústria de Essências Vibracionais, palestrante e conferencista, além de coautora de dois

livros, que ela trouxe aqui para a gente, Nutrição multifuncional celular, 2008, e o livro Pró-

colágeno, um novo conceito na reumatologia e na nutrição integral. [...] Doutora, vamos

conversar aqui hoje sobre saúde quântica [...]. O que vem a ser saúde quântica?

RA – [...] agradeço o convite porque a gente enfrenta, durante a nossa carreira,

dificuldades para impor conceitos novos. Eu brinco com, nas minhas aulas, eu dou aula em todo

o Brasil sobre isso, eu brinco que as pessoas têm dificuldade de sair da sua zona de conforto. E

para você aprender uma coisa nova você precisa sair da sua zona de conforto. Para mim foi uma

honra ser chamada pelo Paulo Battaglin [Paulo Henrique Battaglin Machado, coordenador do

curso Saúde Quântica], para montar junto com ele, dar palpite em uma pós-graduação em saúde

quântica que é a forma mais científica que nós podemos dar dentro da medicina é fazer uma

pós-graduação dentro de uma universidade. E esse interesse da Uninter, IBPEX em especial, na

saúde quântica, me deixou muito feliz, muito feliz. E a gente já está com tudo montado. Nossa

pós vai começar já em [...] 18 e 19 de agosto.

M - [...]

RA – [...] Saúde quântica, na verdade, é uma forma de mostrar a visão da saúde humana

em relação aos novos conceitos de física quântica. Houve uma mudança no pensamento da

ciência, na linha da física, na virada do século XIX para o século XX, com as ideias também

do Einstein, que não era quântico, era relativístico, mas principalmente com as ideias de Niels

Bohr, do Max Planck, daquele pessoal legal lá, né. Então, eles começaram a olhar o mundo

num outro aspecto, que é dentro do átomo. E isso aconteceu da seguinte forma: desde a época

de Aristóteles ou talvez antes disso, se imaginava que a matéria, que tudo que a gente vê e toca,

tivesse a possibilidade de ser cortada em pedacinhos até o menor pedaço possível.

A – Seria o átomo.

RA – O átomo. Por isso que o nome é átomo. [...] E o átomo não dá para cortar mais: a

– não; tomo – cortar. [...] menor parte da matéria. O problema é que esse povo aí, esses

cientistas do início do século XX, eles começaram a olhar para dentro do átomo, e eles

descobriram através de algumas coisas, uma delas é a catástrofe do ultravioleta, que é bem legal

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a historinha também, depois eu posso contar. Vários acontecimentos levaram eles a pensar que

dentro do átomo teria que ser um comportamento de energia diferente de fora do átomo, porque

não dava para explicar matematicamente algumas coisas como por exemplo, você põe uma

barra de ferro para aquecer, e conforme ela vai aquecendo ela vai mudando de cor! Mas cor é

frequência, então muda de energia, então, peraí. Tinha alguma coisa errada aí, porque se você

pensa que a energia, ela fora do átomo ela é linear, como que muda a frequência lá? Então eles

pensaram o seguinte [...]

A – Peraí, deixa eu ver se estou entendendo a senhora. [...]. Se eu tivesse um

pensamento, dentro da física tradicional, newtoniana, eu diria que seria impossível mudar de

cor do ponto de vista que a matéria, do ponto de vista mecânico, não teria como mudar a cor.

RA – A energia seria linear, é isso aí.

A – A energia seria linear e não daria para mudar a cor. Por quê? É aí que dá um nó na

cabeça de Newton [...]

RA - [...] isso foi uma das coisas que levou o pessoal a pensar que tinha que existir uma

outra forma de energia. E se olhou dentro do átomo, e por isso a saúde quântica, vou chegar lá.

Dentro do átomo a gente tem então partes do átomo, que são então elétrons, os nêutrons, os

prótons, eles vibram e oscilam. Essas vibrações que tem dentro do átomo não são contínuas,

essa é a diferença. Então, quando você olha para dentro do átomo, você tem uma energia que

não é contínua, por isso vibra e oscila. Então, sempre que você tem uma energia que vibra e

oscila, que cria uma frequência, você consegue dizer que o átomo é formado de energia e não

de matéria. E isso é que deu a virada do pensamento. Mas levou-se...

A – Esperava-se encontrar uma, um pedacinho de matéria mínimo, que seria a matéria

básica, o átomo, e o que se encontrou lá dentro é que não tem matéria.

RA – Não tem matéria. É um espaço vazio enorme, com algumas partículas, que eles

chamam, né. Que vibram e oscilam. Então na verdade esse pensamento novo acabou, ao longo

do século XX, se estabelecendo em outros pensadores e outros cientistas, que conseguiram levar

esta ideia de que tudo é energia, que matéria é energia condensada, vibrando numa mesma

frequência, numa mesma dimensão, porque agora a gente também já tem um monte de

dimensão, não são mais as que a gente conhece, né, nós já estamos lá na décima dimensão

comprovada. Então, vibrando numa mesma dimensão você tem a frequência, você tem a

matéria. Então, a matéria é matéria, é energia. Esse é um paradigma que houve, essa mudança,

ainda, não em todas as cabeças, vamos ser honestas, mas levou a pensar que, sim, todos os

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problemas do ser humano em termos de doenças têm a ver com energia, porque matéria é

energia.

A – Nosso corpo de matéria, mas uma matéria que tem a base de energia, então, nosso

corpo é energético.

RA – Então, saúde quântica é tratar o ser humano através de processos de energia, e não

bioquimicamente matéria. Então na saúde quântica então englobamos todas as terapias

vibracionais. Então são terapias capazes de induzir a matéria a voltar ao seu estado original de

saúde. Por exemplo. Então vamos começar pelas mais antigas, então, homeopatia, florais de

Bach, cromoterapia, são tudo frequência, é tudo energia. Mas a gente avançou nessas terapias.

A – Então, peraí, olha só onde que estamos entrando. Né? É, a gente saiu lá da física,

mecânica, com a física quântica e estamos aqui dizendo para todo mundo que nós somos

basicamente energia, dentro da visão da saúde quântica. E aí ela foi tomar emprestado de outros,

outros referenciais, o conceito de saúde quântica [...].

[Intervalo entre o primeiro e o segundo blocos da entrevista]

A – [...] ela nos explicava a respeito de como surgiu o conceito de saúde quântica, que

saiu do próprio conceito da física quântica, que já não é uma coisa assim tão fácil para quem

não tem familiarização com o tema. Daí ela estava nos contando que para referenciar a saúde

quântica, eles foram buscar...

RA – Suporte.

A – Suporte, ajuda, nas terapias vibracionais. E a senhora ia começar a contar para a

gente... terapias vibracionais, como é que elas afinal de conta interferem ou referenciaram a

saúde quântica.

RA – Quando se tem essa ideia nova de que o ser humano, para ter saúde, primeiro tem

que estar com a ... harmonia da sua energia, a busca da cura, tratando a real causa... desarmonia

de energia,

A – E não o sintoma.

RA – E não o sintoma, que a medicina tradicional busca, então nesta visão a gente entra

então com a ideia antiga das terapias que vibracionais, que quando surgiram não eram

consideradas vibracionais porque não se tinha essa noção. Por exemplo, na década de 30

surgiram as terapias chamadas oligoterapias, que são minerais em baixa dose, ionizados, porque

eles passam por uma corrente elétrica, e eles vêm como se estivessem cheios de energia, em

contato com a gente. Se você colocar embaixo da língua uma oligoterapia, que é esse mineral

com frequência de mineral, só que extremamente energizado, o teu organismo reconhece essa

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frequência porque faz parte da gente, do ser humano, um monte de minerais. [...]. Todas as

células naquele momento...

A – Vão lembrar dessa frequência.

RA - Todas as... como isso é biofísico, não é químico, e é quântico, porque é nível de

energia, energia, então ele é imediato. Não tem espaço de tempo. Então você tomar, metabolizar

no fígado, ter um processo que tem que ter uma enzima que tem que entrar na célula, não

depende de nada disso. Ele é imediato, energia é imediato, entra na célula, vibra, todas as células

vibram. [...]

RA - Esta ideia foi levada para as essências vibracionais... e eles conseguiram...

tecnologia industrial, aqui no Paraná, em Maringá, inédito no Brasil, criar uma visão de

tratamento em que essas essências vão estar, então, fazendo um mix de florais que a gente

chama de ressonantes e esse mix de floral vai carrear as frequências. Em vez de ser floral, virou

uma essência vibracional carreadora de frequência, que vai modular e harmonizar os processos

da saúde em geral. Então, é nível molecular, é nível celular, é nível energético. Então é quântico.

M – [...] essa energia sob o ponto de vista orgânico e psíquico também [...].

RA – [...[que nós temos fluxos de energia, que nós temos chacras.

A – Acupuntura.

RA – Acupuntura. Tudo isso corrobora com as novas ideias da física quântica e você

explica cientificamente como que funciona. Isso que é fantástico, né? [...]

M – [...] pensamentos [...] alimentação.

RA - O lado do pensamento, pensamento é uma energia magnetoelétrica.

M - Quer dizer que o que eu penso eu materializo. Coisas boas e coisas ruins.

RA – Grandes físicos para dar boas ideias, Amit Goswami, que levantou essas hipóteses

ligadas a consciência, mente, [...].

Apreciação

Em meio à grande quantidade de erros, imprecisões e saltos teóricos mostrados pela

entrevistada, surge de diferentes formas a tentativa de dar contornos científicos às teses. Nos

deteremos em apenas algumas bricolagens.

A linha de raciocínio de RA é cortada por enorme fenda, logo de início, quando ela

confunde a energia vista pelas abordagens alternativas com a energia tratada pela física.

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Aparece mais uma vez neste capítulo essa bricolagem reversa de atribuir à física normal

elementos exógenos a ela. Essa parece ser uma das confusões básicas do misticismo quântico.

Outro corte, talvez tão profundo quanto o anterior, está em dizer que não há matéria

no interior do átomo, apenas energia, pois muitas partículas subatômicas têm massa já definida

há muito tempo. Aproxima-se da explicação da entrevistada o fóton, que não tem massa de

repouso e carrega energia, por ter movimento. Massa de repouso é a que ele teria se existisse

parado, o que não acontece. O aspecto em que o fóton não se encaixa na explicação da

entrevistada é que ele não fica confinado. Quando é emitido no interior do átomo, já é ejetado

para o ambiente.

É possível, entretanto, que a entrevistada esteja se referindo à contínua transformação

de energia em matéria e vice-versa, que os físicos detectam indiretamente na observação do

nível subatômico mais ínfimo.

Em complemento, a concepção de “dentro” e “fora” parecem atribuir uma casca ao

átomo, sugerindo, até certo ponto, um modelo atômico parecido com o da Antiguidade, de

partícula compacta, fechada em si.

Como vimos no Capítulo 1, os cientistas não chegam a uma interpretação consensual

para a dualidade onda-partícula. Nessa entrevista, surge uma interpretação criativa, como se

fosse única e sólida: não existe matéria, apenas energia, que vibra e, portanto, é quântica. Por

decorrência, as terapias vibracionais são todas quânticas. Essa é a amarração teórica da

consultora científica.

Essa ideia deve atrair profissionais de saúde de linhas não convencionais, pois, dita

por essa entrevistada em particular, acena com credenciais, titulação e reconhecimento formal

das atividades. Efetivamente, em parte não transcrita da entrevista, Rosângela Arnt informa que

haverá curso também para quem não tenha graduação concluída. Assim, busca atrair terapeutas

das mais diversas linhas, massagistas práticos e outros.

É estranho à física que a energia dentro do átomo seja diferente da energia fora do

átomo. Talvez haja aqui uma bricolagem segundo a tática de reversão, apontada por Kasper

(2006): tirar proveito de situação adversa. Havendo diferença entre os dois tipos de energia, um

dos tipos poderia ser a energia com a qual a física não lida (energia prânica, espiritual etc.). E,

por decorrência, terapeutas de diferentes linhas alternativas se interessariam pelo curso de saúde

quântica.

Kasper (2006) comenta que o bricoleiro é capaz de transformar um banco em barraca.

Pode-se dizer, do tema abordado nos próximos parágrafos, que foram usados fragmentos de um

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pé de banco para o mesmo fim. Tentamos aqui percorrer o caminho inverso, criando hipóteses

sobre as construções teóricas de onde teriam sido retiradas as ideias.

Difícil saber o que seria energia linear. Uma grandeza pode variar linearmente com

outra, e nesse caso é dito que tal grandeza é linear com a outra, sendo a linearidade uma relação

entre variáveis. Seguem-se algumas conjecturas, incluindo assuntos que não foram tratados pela

entrevistada, mas que talvez completem o conceito.

Dos diferentes cálculos a embasar a mecânica quântica, alguns passam pela série de

Fourier. O matemático J. B. J. Fourier criou sua famosa série, soma infinita de senos e cossenos,

ao analisar a condução do calor em metais. Seu trabalho visava aumentar a eficiência na

produção dos canhões de Napoleão Bonaparte, seu chefe militar por um período. Nos dias

atuais, a série é uma ferramenta matemática de vasta aplicação e os cientistas mal se lembram

(ou sabem) que começou ligada à propagação do calor. Por vezes é ensinada em associação a

uma barra de ferro, talvez por questões didáticas e até históricas. Para dar significado físico à

série de Fourier, vários outros instrumentos matemáticos e físicos são utilizados. Para delimitar

as circunstâncias em que se aplica a série, os físicos tratam de estabelecer o que denominam

condições de contorno. No caso da barra de ferro, entre as condições de contorno estão o

comprimento e a temperatura em cada um dos extremos (por exemplo, barra com um metro de

comprimento, tendo temperatura de zero graus centígrados em uma ponta e 200 graus

centígrados na outra). Na dimensão subatômica, foco da teoria quântica, tais condições de

contorno não fazem o menor sentido, evidentemente. A microfísica utiliza-se da série de Fourier

-- e desdobramentos acrescentados posteriormente por grandes matemáticos -- dentro de

condições de contorno próprias aos fenômenos quânticos.

Os livros escolares ensinam que a transmissão do calor se dá por condução,

convecção e radiação (questão tocada de passagem no Capítulo 1). Fourier estudou a condução

(transmissão de calor por contato), um século antes de os experimentalistas se depararem com

a catástrofe do ultravioleta. Estes estudavam a radiação, ou seja, a emissão do calor por ondas

eletromagnéticas. Radiação de calor é, por exemplo, o que as câmeras de infravermelho captam,

é também a forma como nos chega a luz do sol. Eles tentavam explicar como e por que a cor

emitida por um corpo aquecido está relacionada com a temperatura atingida. Não estavam

focados na pesquisa de Fourier, uma vez que estudavam fenômenos diferentes. É possível que

RA tenha estudado os primórdios da mecânica quântica sem fazer a diferenciação básica entre

radiação e condução. Ao pedir esclarecimento nessa parte da conversa, o entrevistador tentou

fazer seu papel de mediador entre a entrevistada e os telespectadores, porém não conseguiu

avançar. Na miscelânea de ideias, ficou mais ou menos implícito que, apesar da antiguidade da

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metalurgia, até o final do século XIX a humanidade ainda não havia percebido que os metais

aquecidos mudam de cor. Talvez não fosse essa a intenção da entrevistada.

Por esse caminho um tanto longo talvez seja possível compreender por que a barra

de ferro desponta no discurso de RA.

Seguindo outro indício, a expressão “linear” parece ter sido utilizada em

contraposição ao caos determinista e à não-linearidade. Também pode ter sido pinçada na

álgebra linear, outro capítulo importante da matemática. Utilizada amplamente em diferentes

áreas da física, é mais um dos elementos de construção da teoria quântica, povoando-a de

expressões tais como operador linear, equação linear, função linear e outras. Juntando os

pontos, parece que a ideia por trás de energia linear seria a energia escorrendo por uma barra

ferro estreita, o que teria intrigado os pesquisadores no final do século XIX. Mas esse raciocínio

todo é mera suposição a partir da fala de RA.

Continua sem explicação clara a técnica que dá origem aos produtos “quânticos”. O

assunto é tratado como segredo comercial pela Fisioquântic (afirmação de RA em outra

entrevista). No website da empresa, é dito tratar-se de “novíssima técnica” 10.

Dessa “aula de física quântica” dada por Rosângela Arnt, pouca coisa resta da ciência

física normal. Seu discurso é pleno de bricolagens levadas a cabo segundo os dois tipos de

apropriação (atos de apossar-se e tornar apropriado), as duas táticas (reversão e rearranjo) e,

quanto à representação social, promove objetivação e ancoragem de termos e conceitos

desconsiderando o que ocorre no âmbito científico.

A entrevistada demonstra preocupação em manter-se próxima do discurso científico,

assim como ocorre a E2. Da lista de características de pseudociência proposta por Hansson

(2013), destaca-se na entrevista de RA o apelo à autoridade, brandida por meio de palavras

utilizadas em teoria quântica.

No mais, diante dos papéis profissionais exercidos pela entrevistada, sua

transposição do conhecimento científico para o saber comum é desastrosa.

4.3 Possíveis desdobramentos

A pesquisa de campo teve apenas dois sujeitos, cuja escolha não foi antecedida por

um estudo sistemático que orientasse a busca pelos entrevistados. Assim, este trabalho se presta

mais a apontar campos de sondagem do que a generalizações.

10 Endereço eletrônico https://www.Fisioquântic.com.br/produto-4-fitoquantic. Último acesso em 01/07/2017.

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Identificamos, neste capítulo, formas de bricolagem que foram descritas no Capítulo

1. A pesquisa revelou que o uso do adjetivo “quântico” nos nomes dos serviços prestados por

E1 e E2 não implica que eles estejam informados sobre a teoria quântica que é desenvolvida no

âmbito da física normal.

Distorções teóricas ao explicar física tornam duvidosa a defesa das “terapias

vibracionais” feita pela Dra. Rosângela Arnt e deixam interrogações quanto à física ensinada

no curso Saúde Quântica. É estranho que tal curso tenha sido aprovado pelo MEC,

aparentemente sem o aval de algum profissional de física. Essa física distorcida tem formado

terapeutas que se sentem embasados em suas abordagens. No final do trecho transcrito, a Dra.

Rosângela diz que Amit Goswami “levantou essas hipóteses ligadas a consciência, mente...”.

Isso é mais uma imprecisão, pois Amit Goswami entrou no misticismo quântico décadas depois

de autores como Danah Zohar, por exemplo. A questão da participação ou não da consciência

nos eventos quânticos já estava bastante divulgada para os leigos antes que o físico americano-

indiano assumisse seu discurso místico quântico. Isso nos faz pensar em quantas notícias “por

orelhada” correm entre profissionais e clientes dessa abordagem. Seria interessante retraçar com

mais detalhes o caminho da informação nas representações sociais da teoria quântica.

Pelos indícios coletados nas entrevistas de E1 e E2, além da pesquisa de fontes

nomeadas por eles, afigura-se que os místicos quânticos herdem farpas de discussões recentes

e antigas da microfísica, além de apresentarem concepções novas, carentes de bases científicas.

Apesar disso, tanto os entrevistados quanto suas fontes recheiam o discurso com expressões

como “cientificamente provado”, “a forma mais científica que nós podemos dar...” e outras

indicações de cuidado em mostrar harmonia com a ciência normal. Nota-se a preocupação em

mostrar-se afinado com o establishment científico, como aponta Goode (2013).

Os entrevistados demonstram confiança em suas abordagens, um porque fez um

curso de pós-graduação em saúde quântica, bastante questionável, e diz ter resultados. O outro

esquiva-se de explicações indicando um “teórico”, apoia-se em sua crença espiritual e diz que

seus clientes têm cura rápida.

Confrontando o discurso de E1 e E2 com as afirmações de Hobsbawm (1995) e

Russell (2001) a respeito do mal-estar entre ciência e sociedade, encontram-se diferenças entre

os dois entrevistados. E1 mostra-se ciente de que sua abordagem não está de acordo com a

ciência normal e relata ver na teoria quântica um modo de conciliar sua prática espiritual com

a ciência. Considera que a ciência se encontre abalada nas bases pelas descobertas da

microfísica, opinião também externada por E2. Este, explicando com desenvoltura a física

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quântica que abraça, parece não guardar qualquer tensão em relação à ciência. Mostra-se

maravilhado com o enriquecimento prático e teórico que vê na microfísica para seu trabalho

terapêutico.

Em um breve comentário, Pessoa Jr. sugere um ângulo de pesquisa do misticismo

quântico: “seria interessante levar em conta os aspectos emocionais (PESSOA JR., 2006, p.

148)”. Na preparação deste trabalho, foram encontradas emoções bastante diversas: físicos

horrorizados com a malversação dos conceitos que se esforçam por aprender e ensinar; místicos

(quânticos ou não) entusiasmados com a janela aberta para harmonizarem-se com a ciência;

professores de física apreensivos com a pseudociência que ronda seus alunos; leigos negando-

se a pensar no assunto sob a alegação de que a física é difícil demais.

Certamente, seria oportuno aprofundar os aspectos emocionais, além de pesquisar

temas como o re-encantamento da natureza e o desconforto da sociedade com a ciência. A

crença infundada de que a física quântica abalou toda a física e as outras ciências parece, em

alguns casos, dar certa alegria a quem a tem. É como se, finalmente, as ciências naturais

estivessem afrouxando o passo, sem saber direito para onde caminhar.

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CAPÍTULO 5 – COMENTÁRIOS FINAIS

A teoria quântica tem mostrado excelente poder preditivo e está embarcada na

tecnologia do nosso cotidiano. No ambiente científico, não representa um grande problema a

existência de diferentes interpretações. A interpretação hegemônica da escola de Copenhague

e a existência de um formalismo sólido e útil desestimulam a busca por unificação, apesar de

haver pesquisas científicas sobre tópicos controversos da teoria.

No âmbito externo à física, entretanto, não param de surgir expressões como

“administração quântica”, “corpo quântico”, “tarô quântico”, “terapia quântica” pelas mãos de

pessoas que pouco sabem sobre física, mas abraçam interpretações específicas e às vezes

bizarras da teoria quântica.

Este trabalho abriu algumas frentes de indagação sobre misticismo quântico,

discutindo, com limitações: a teoria quântica em si, aspectos de filosofia da ciência, um pouco

da relação entre ciência e sociedade, demarcação de limites entre ciência e pseudociência,

ensino de física moderna e outros temas. Como meio de análise, foram utilizadas a ideia de

representação social, de Moscovici (2009), e bricolagem, como utilizada por Kasper (2006) em

Habitar a rua. Também foi discutido o que caracteriza pseudociência e quais os limites entre

ela e a ciência.

A resenha de cinco livros deu uma ideia sobre a forma como discussões internas ao

fazer científico migraram para a esfera mais pública, recebendo distorções. Entrevistas com

dois profissionais, além de pesquisa sobre suas fontes de conhecimento, mostraram uma física

quântica bastante adulterada em relação ao saber científico, plena de bricolagens, objetivações

e ancoragens.

Quanto ao diálogo entre ciência e sociedade, Hobsbawm (1995) fala de sentimentos

de desamparo e impotência por parte dos leigos, ao passo que Barreto (2007) aponta uma

reverência do senso comum diante do que é considerado científico. E Einstein não para de

aparecer no discurso místico quântico.

Seriam bem-vindos, portanto, estudos sobre o fenômeno com foco histórico, ou

jornalístico, educacional, linguístico, psicológico, antropológico, ou ainda sociológico, pois

algumas perguntas interessantes surgem dos assuntos aqui tratados:

• Ao bricolar a ciência normal, o misticismo quântico estaria tentando domesticar um

saber que causa desconfiança e medo?

• Quando um profissional coloca o adjetivo “quântico” no nome de seu serviço ou

produto, que público-alvo tem em mente?

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• Como e por que o misticismo quântico atrai sua clientela?

• O fenômeno do misticismo quântico parece estar se espalhando em alguns círculos da

sociedade. Como a divulgação científica pode interferir nessa situação?

• A transposição da microfísica desde o âmbito científico para o âmbito leigo tem

ocorrido, em parte, com mediações tendenciosas, mesmo que realizadas por pessoas

com legitimidade para tanto. Quais as implicações de tal mediação?

• O misticismo quântico ofereceria uma variante mais aceitável da microfísica para leigos

interessados em física? Caberia um estudo das representações sociais da física em

sentido amplo e da física quântica em particular?

• O misticismo quântico estaria fincando muitas incorreções sobre física na população de

alunos do ensino básico? O que a escola tem feito em relação a isso?

• Se colocado em discussão em sala de aula, o misticismo quântico ajudaria a baixar o

medo que alguns alunos apresentam da física como disciplina escolar?

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ANEXO I – ENTREVISTA COM O SUJEITO E1

A entrevista foi realizada em 6/10/2016, no local de trabalho de E1, uma clínica

instalada em uma casa térrea, com exposição de objetos para venda e uma música new age

tocando em baixo volume na sala de espera. E1 é um senhor de meia idade e exerce atividades

de cunho espiritual desde jovem. Foi executivo de empresa e há 20 anos passou a se dedicar

apenas ao trabalho espiritual de cura. O título do trabalho que oferece tem a expressão “terapia

quântica” acrescida de um nome em particular, que foi aqui suprimido.

Observação prévia: A expressão “eu sou”, encontrada nesta entrevista, é um tipo de

mantra utilizado na linha espiritualista Fraternidade Branca dos Planetas. Essa linha considera

Jesus Cristo como mais um dos avatares, ou mestres, que orientam o desenvolvimento humano.

Utiliza cores, palavras, cristais e “decretos”, que são pequenas orações ou frases cujos

conteúdos mencionam aspirações, propósitos, orientações ou assemelhados.

Entrevista

ML - Do seu ponto de vista, a física quântica mudou a física em geral? Se sim, em que

aspectos?

E1 - Deixa eu me apresentar primeiro. Eu sou [...], sou de formação economista,

trabalhei [...] anos na [...] tenho uma experiência profissional, era gerente de importação e

exportação.

Desde pequeno sempre busquei como ajudar as pessoas a se transformar, a se libertar.

Meu grande x era: como a gente pode mudar a emoção das pessoas, as crenças das

pessoas? Uma das primeiras abordagens que eu tive foi a programação neurolinguística, PNL.

Ela fornece ferramentas interessantes para trabalhar com isso.

Mas sempre pesquisei a história de pirâmides, como a gente fazia na época, pesquisava

pirâmides, botava a gillette lá, tudo.

Por trás dessa história da pirâmide tem a física quântica atuando. Só que a gente naquela

época não falava em física quântica.

Trabalho isso desde 1996, faz 20 anos que saí da IBM.

De lá para cá venho trabalhando com regressão de memória e com a terapia quântica

[...], que eu venho desenvolvendo em conexão com a espiritualidade, com os mestres.

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A gente descobriu uma coisa que os físicos russos já descobriram e comprovaram que o

nosso dna pode ser modificado através de palavras. Eles fizeram um artigo, disseram que

conseguiram mudar o dna in vitro através de pulsos.

ML – Você tem os nomes?

E1 - Não lembro agora, me mande um e-mail que eu vou procurar o artigo. Eles

conseguiram comprovar, pensamento positivo, repetição, que o pensamento consegue

transformar uma situação e criar realidades. Com isso, eu posso justificar a minha tecnologia.

Transformar uma determinada situação e criar realidade. Com essa informação eu consigo

justificar como funciona a minha tecnologia. Quando você olha para a física-física, quando

você olha para a física, não consegue explicar as coisas que a gente faz na terapia alternativa,

mas a física quântica começa a explicar. Quando a principal persona do negócio é o observador.

O observador, na hora que ele coloca um foco, ele muda para onda. Não é isso?

ML -Na física dura, ainda não está provado. Foi uma explicação por um tempo, depois

ficou esquecida, não está aceita totalmente.

E1 - É. E é difícil aceitar.

Mas, de qualquer forma, é isso que a gente tem para explicar uma coisa que é difícil

mesmo de explicar.

ML - O senhor se baseia nesse russo.

E1 - Esse russo é uma informação que estou te passando de que que eles conseguiram

provar tecnicamente aquilo que eu faço no dia a dia. Não tenho nada a ver com eles, é só uma

informação. É um artigo que mostra que aquilo que a gente está fazendo tem uma certa

coerência. Por quê? Porque eu parto da premissa seguinte: quando eu coloco a atenção em

determinado ponto, eu posso mudar esse ponto. Isso é incontestável. Não adianta, eu posso

contestar, posso pedir justificativa técnica, mas é isso que acontece. Eu parei, antigamente eu

queria explicar em termos de física mesmo. Desisti. Teve um tempo que eu queria uma

explicação técnica, mas eu desisti. Não me meto da explicação técnica.

Se você quiser um pouco mais de explicação mais científica, tem um cara na internet

chamado Hélio Couto, ele tem dezenas de vídeos fala horas sobre física quântica.

ML - Ele é físico?

E1 - Ãã... Ele fala explicando em termos de conceitos da física quântica, porque as

coisas funcionam em termos de física quântica. Para quem gosta de conceito técnico, esse

negócio de onda, é um prato cheio. Tem de ter saco, paciência, mas ele tem tudo ali. Ele tem

uma boa qualidade de informação, vamos chamar técnica. Tentando explicar, mostrando porque

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que funciona isso e aquilo, porque o pensamento etc. Ele vai te dar uma fonte de informação

mais tecnológica. Com justificativas mais na linguagem técnica.

Eu não faço isso. Ao longo desse tempo eu desenvolvi, utilizando esse conceito, o que

a gente chama de comandos quânticos. O que é um comando quântico dentro da terapia quântica

[...]? Se você pegar um paralelo que é um mantra... O que é um mantra? O comando quântico

é como um mantra. O mantra é, quando você repete aquela palavra, ele aciona uma energia e

essa energia é direcionada para onde você está colocando seu pensamento. Se você pega o

símbolo do reiki. Se você ativa o símbolo do reiki, o que ele vai fazer? Ele tem por trás um

programa, uma codificação. Quando é ativado, vai executar sempre a mesma operação. É como

se você tivesse falando um mantra.

Eu aprendi a criar comandos quânticos.

Se eu quero alinhar os chacras da pessoa, eu vou dizer “Eu sou, ativar, purificação dos

chacras em luz”. Esse comando, dentro dele tem toda uma codificação de intenções, onde eu

vou pedir para abrir os chacras, vou pedir para limpar os corpos, vai trabalhar com os órgãos,

vai realinhar, vai limpar ambientes. Tudo com esses comandos quânticos. É como se eu tivesse

criando um mantra, um símbolo do reiki. Se eu quero alinhar os chacras da pessoa, então eu

vou dizer “eu sou, ativar, purificação dos chacras em luz”.

Tem uma codificação de intenções onde vou pedir para limpar os chacras, jogar uma

energia violeta, uma platina líquida, vou mandar uma série de informações que vai ser

executado no campo energético, sem que eu precise sequer tocar em você.

E também sem que você precise estar na minha frente. Você pode estar lá no Japão.

ML - O reiki também.

E1 - O reiki também. A física normal não dá para explicar isso, mas pela física quântica

a gente já começa a explicar. É lógico que não a física quântica que explica um computador

quântico matéria, não a física quântica que explica a programação quântica que tem por trás do

computador, que agora estão lançando satélite com computação quântica. É aquela história da

Jornada das Estrelas, que eu sempre brinco nos meus cursos, se você assiste Jornada nas Estrelas

(a nova), você vê a quântica funcionando.

ML - Ah é... a antiga...eu adorava.

E1 - Tem a antiga e tem a nova, quando você assiste. Na nova eles aplicam muito mais,

tem muito mais técnica. Chama Star Treck, New Generation. A qualidade da tecnologia já

disponível para eles fazerem é muito especial. E eles já conseguem aplicar os conceitos,

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fórmulas que a gente já sabe. Eles aplicam no dia a dia ali, então fica mais fácil para a gente

olhar aquilo e falar. Você assiste e fica pensando “humm, nós vamos chegar nisso”.

Qual é o objetivo dentro daquilo que eu considero, que eu explico? É essa capacidade

de você, através de sua intenção de colocar o foco em determinado ponto e fazer com que esse

foco, essa intenção gere uma resposta diferente aonde você está colocando o foco.

ML - O ‘eu sou’ dos mestres, as cores, eu conheço.

E1 - A chama violeta, chama verde, chama azul, no meu site tem um e-book sobre os

mestres, onde eu peguei aqueles decretos dos mestres e transformei em comando. Em vez de

ficar lendo, por exemplo, o decreto da chama violeta “eu sou um ser de fogo...”, eu criei o

comando quântico: “Eu sou, ativar chama violeta multidimensional em luz”.

Quando você faz isso, você aciona a energia de todos os decretos, de uma vez. Você

aciona o decreto da chama azul, verde, rosa. E se você observar energeticamente através da

sensibilidade.

Por isso que os físicos não, a turma não topa a parada. Porque você precisa observar a

energia que está sendo gerada através de uma percepção extra-sensorial. Não é através da visão.

ML - Isso também não entra até por humildade. Por ser uma coisa que extrapola. A

formação não permite, não é para isso. Por ser uma coisa que extrapola a parte material,

muitos físicos não se metem.

E1 - É, não é para isso, não pode entrar nesse campo. Agora, o próprio Einstein dizia

que quando a humanidade começasse a considerar tudo como energia, aí sim que a ciência iria

dar um salto. Estamos falando de força do pensamento, uma intenção estruturada.

Eu comprovo isso porque se chega uma pessoa angustiada e eu aplico o comando nela,

para. Se você tiver uma dor, passa. Se você entrou e está se sentindo mal com a energia do

ambiente, e eu limpo o ambiente, imediatamente você deixa de se sentir mal. Então a

comprovação nossa é diferente da comprovação da física.

ML - O senhor utiliza a palavra quântica, mas o trabalho todo é com energia espiritual,

não são as energias normais. É isso?

E1 - Não são. Não dá para fazer esse tipo de trabalho nessa racionalidade que a física

exige. Isso é muito importante entender porque você vai ter isso. O nome da minha empresa é

[...] Tecnologia Quântica, porque eu atuo quanticamente dentro do processo. Eu atendo uma

pessoa lá França, ela senta lá no skype e eu falo aqui e afeta ela lá. Todo o meu trabalho está

baseado nessa capacidade que o ser humano tem de projetar uma realidade a partir da sua

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intenção. A física quântica diz que quando o observador observa uma coisa, o fato de observar

isso modifica o evento observado. Ou não? Ou também já botaram controvérsia?

ML - Tem bastante controvérsia. Quando você observa em laboratório, você jogar luz,

e a luz é fóton, partícula. É a luz que interfere, e não a mente do observador. Esse é um dos

argumentos, não conheço outros. Preciso estudar de novo, aprendi por alto. Não estou muito

segura de muitos conceitos. Prefiro não pesquisar agora, prefiro primeiro entrevistar as

pessoas, para não chegar como quem sabe.

E1 - Se a gente olhar como a física normal mudou e como a física quântica mudou, eu

acho que agora a gente está tendo resultados muito mais importantes dentro dessa área onde eu

atuo. O processo todo evoluiu para nossa compreensão. A história da lei da atração. Quanto

mais a gente conseguir entender a história da lei da atração. Como a lei da atração funciona?

Como que eu atraio a esposa, os meus inimigos? Deve ter uma ressonância, da mesma forma

que o meu celular vai tocar sempre que você mandar um pulso que funcione na frequência do

meu número.

Aonde está o pulso? Como que esse pulso sabe que eu estou aqui? E se eu estiver no

Amazonas, o fia da mãe do pulso me acha. Então, quando você olha para isso tudo, você diz

“Ah, os caras conseguem ter uma explicação científica para isso”, tem as torres de reprodução.

Daí é tudo dominado. Mas para quem não domina, é coisa maravilhosa.

Da mesma forma, essa questão do pensamento... forma-pensamento, estruturado, a

gente ainda não domina o que acontece, não temos a base científica. O fato de eu não entender

como a onda me acha no celular dentro dessa sala, se eu estiver em SP, RJ, EUA, como que

funciona, essa complexidade, quando a gente olha para a nossa energia de pensamento, você

pensar que o nossa cabeça é um enorme computador quântico, nossa cabeça é um enorme

computador. Não conseguiram desenvolver um computador tão potente. É um computador

extremamente poderoso.

Portanto, se eu ordeno, comando uma determinada atenção, se fizer da forma correta,

consigo fazer uma interação, ter um resultado baseado nisso. A chama violeta, se eu ficar, como

se dizia que tinha que fazer? Ler o decreto. Quanto mais gente lendo o decreto, melhor. Eu

peguei todos os decretos e coloquei num programa chamado “chama violeta multidimensional

em luz”. Esse é o programa.

Como que eu disco isso como se fosse um celular? Eu sou, ativar, chama violeta [...] em

luz.

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Como e eu mando, como que eu amplifico? “Eu sou ativar, pulsar, pulsar, pulsar, agora”.

O que faz o pulsar? Multiplica a energia. Gera um pacote de energia da chama violeta para

limpar o seu corpo.

Se você pega uma pessoa com sensibilidade, vai ver que o campo da pessoa vai ficar

todo violeta e vai limpar um tanto de coisa escura que está ali.

E a única coisa que ela precisa fazer é ter intenção de fazer para ela.

Se eu fizer pra mim, vai rodar pra mim.

Basicamente todo o meu trabalho consiste na intenção programada, estruturada, o

comando quântico. Se você repetir o comando, ou eu, teremos o mesmo resultado.

O pacote de energia a ser direcionado vai ser o mesmo. A atuação dentro de cada um

vai depender de que lixo tem para limpar em você, em mim, do lixo que tem pra limpar o

Zezinho que está na Europa.

A terapia quântica [...] tem o curso básico, tem o segundo, o ultra-quântico, o terceiro

que é o multiquântico e o quarto, que é a pluriquântica. Em cada um vou ampliando a energia

que a gente trabalha. Vamos trabalhar com cristais líquidos, luz líquida, tudo quanticamente

falando. Tenho um curso que é cristais multidimensionais. Em vez de eu trabalhar com a energia

do cristal em si, utilizo a energia do cristal.

Intenciono ativar uma drusa de ametista no ambiente. Clarividentemente, você vai

perceber a energia mudando porque eu ativei aquela drusa naquele ambiente. Não precisou ir

lá no minério, trazer, transportar. Peguei a frequência, a assinatura de frequência do cristal.

Como eu faço isso? Com o pensamento.

ML - Na sua percepção, você acha que a física vai mudar, ou está mudando por causa

da física quântica?

E1 - Eu acho que a física quântica veio para revolucionar. Ela vai, não, ela já está

transformando. Quanto mais os conceitos forem aplicados da FQ nas tecnologias, maior será o

salto. Porque antes a gente dava saltinhos, com a física quântica, vamos dar saltos enormes em

tecnologia. Os computadores quânticos, quando começaram os computadores era uma sala

enorme.

ML - Os prédios de centro de informática.

E1 - Hoje o que tinha naquela sala daquele tamanho está dentro do meu servidor aqui.

A partir dos computadores quânticos, muito avançados, que já lançaram satélite

quântico, isso tudo vai revolucionar. A gente já tem a tradução no google, logo vai ter um

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aparelhinho que você vai botar na orelha e vai traduzir para o outro, você pode ir para qualquer

lugar do mundo e vai ter a informação na sua língua.

ML - Fora a questão da tecnologia, vai mudar o conceito nas ciências em geral,

biologia etc.?

E1 - A partir do momento em que você descobre o mundo quântico, tecnicamente,

quebra um monte de paradigmas.

A partir do momento em que a gente entende claramente como organização funciona,

quando a gente descobre como nosso corpo que também é quântico. Quando a gente conseguir

entender quão quântico é o nosso corpo, automaticamente teremos de rever a medicina. Vamos

ter de rever. Se nosso corpo é quântico, isso quer dizer que a Terra também é.

ML - O que você entende por “quântico”?

E1 - Eu entendo o seguinte: pura energia. Não é pura matéria. Hoje eu penso assim: eu

preciso da substância A pra interagir com a substância B, pra gerar a substância C. Quando eu

entender quanticamente, eu vou dizer que posso gerar a substância C. É nisso que a gente vai

gerar.

Se você quiser ver isso acontecendo, tem os equipamentos do Tesla que está já gerando

equipamentos para geração de energia livre. Tem uma empresa que já está gerando. Ele já está

propondo, ele já está produzindo.

Vai colocar um cilindro aqui, ligado a nada, continuamente vai ficar gerando energia

para sustentar a rede elétrica.

ML - Qual que é a fonte?

E1 - Prana. Ele tem toda uma teoria para gerar uma energia. Simples.

Isso já está na nossa mão. Ele só não está em produção por interesses econômicos,

porque a partir do momento que eu disse que posso gerar o C diretamente, eu quebro as pernas.

Não tenho interesse econômico em gerar o C diretamente. Por que esse produto não saiu antes?

Seguraram de qualquer jeito, mas agora vai ter de sair.

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ANEXO II – ENTREVISTA COM O SUJEITO E2

Encontro presencial realizado em 14/10/2016. O entrevistado atrasou-se uma hora

para o encontro e contou que havia acabado de dar palestra em um congresso de medicina

alternativa. Ficou retido por participantes que queriam lhe fazer perguntas e comentários. Dadas

as circunstâncias, foi alterada a ordem das perguntas para serem garantidas as respostas às

perguntas 3 e 4. As quatro perguntas programadas (expressas no Capítulo 4) foram feitas e

respondidas.

Entrevista

ML – Para você, o que significa o adjetivo “quântico”?

E2 – Quântico, da forma mais objetiva possível, quântico da forma mais objetiva que

eu entendo é a física das infinitas possibilidades, né. São, hã, corpos que se projetam ao longo

do tempo, da linha t, vamos dizer assim. Então, é o mesmo que hã, usando de uma de forma

mais racional a resposta, utilizando a teoria, seria ondas eletromagnéticas que estão em qualquer

lugar ao mesmo tempo, em vários lugares ao mesmo tempo no espaço. Ao mesmo tempo essa

onda eletromagnética se transforma em partícula e a partícula, elas se definem em um local, em

um ponto, então esse contraste das ondas eletromagnéticas no espaço-tempo, em vários lugares

ao mesmo tempo, sendo o mesmo elemento, contrastando com a partícula que está num local

só, é o que dá a quântico, o sentido quântico de infinitas possibilidades.

As coisas, elas se projetam num teletransporte, então você consegue projetar algo no

futuro o que está acontecendo agora. Para mim é isso.

ML – No seu ponto de vista, a física quântica muda a física, está mudando a própria

física?

E2 – Sim, muda a própria física. Como já falei anteriormente, é onda eletromagnéticas.

A partícula é quando é vista a olho nu, essa onda é vista a olho nu. Mas antes de ser vista, ou

seja, quando ela é invisível a olho nu, ela é onda eletromagnética. E a física, hã, ela, a física

clássica tem dificuldade de compreender por que que no momento que você observa a onda

eletromagnética ela se transforma em partícula, ela fica num ponto só, no espaço, e por que que

quando você deixa de olhar, ou seja, ela se torna invisível a olho nu [pequena pausa]. Lógico,

falando em microscopia eletrônica. Quando ela se torna invisível a olho nu ela está em todos os

lugares ao mesmo tempo, em vários lugares ao mesmo tempo, ocupando todo o espaço.

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Independentemente da distância. A física, a física clássica, ela começa a refletir sobre isso. O

que que há de verdade nisso? Porque se você pensar que o modo quântico de você olhar o

universo, é o fato de você não se limitar naquilo que você vê com os olhos e aquilo que você

não vê e que está em todos os lugares, em todas as partes, e que isso a física quântica já consegue

comprovar através de estudos preliminares, a física clássica começa a ter uma mudança de

paradigma ao longo do tempo. Eu acredito que isso já começou a acontecer.

ML – Em relação às ciências em geral, biologia, química, você acha que também vai

ter mudança?

E2- Ah, já houve, né. Já houve porque a física quântica ela, falando mais propriamente

da área onde eu atuo, que é a terapia quântica. O que é a terapia quântica? Você transforma a

matéria prima em campo vibracional dessa matéria prima, que você usa a propriedade da água

chamada nemática. Essa nemática copia de forma idêntica a matéria prima que esteve ali. Tá

comprovado cientificamente que o efeito terapêutico da química, da matéria prima, e da

vibração, do campo vibracional dessa mesma matéria prima, tá comprovado que o efeito

terapêutico do campo vibracional da matéria é similar, é o mesmo efeito do campo da matéria

química, do princípio ativo em si. E como é que se explica isso? Um gerador, que um acelerador

de partículas que, com água, e matéria prima transforma só em campo vibracional, então só fica

água.

ML – Qual que é esse gerador?

E2- Esse gerador, a USP tem e a Fisioquântic tem. É um gerador que ele acelera como

se fosse no processo da homeopatia. Você forma uma vibração daquela matéria prima, e essa

vibração, campo vibracional da matéria prima faz, tem o efeito terapêutico sem efeitos

colaterais.

ML – Você começou em que ano, mais ou menos, esse trabalho? Quando que você

assimilou e abraçou esses conceitos? Em que ano, mais ou menos?

E2 – Faz, há quatro anos atrás. Há quatro anos atrás eu já tive as primeiras, o primeiro

contato com o campo quântico.

ML – Como que começou?

E2 - Foi através de uma paciente, que ela comentando comigo sobre a médica particular

que ela tem, médica homeopata e ortomolecular, aderiu, e fazia tratamento com terapia quântica

e através desse primeiro contato eu comecei a estudar física quântica.

ML – Você é da área de saúde, não é?

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E2 - Sim, sou [...], formado há 14 anos, e me pós-graduei em acupuntura e terapia

vibracional quântica. Biomagnetimo, também eu tenho, e magnetoterapia.

ML – Quais conceitos da física quântica que te inspiram mais, que você acha mais

interessantes para o seu trabalho?

E2 – Eu acho mais interessante no meu trabalho é saber que através das ondas

eletromagnéticas, através do invisível, das ondas invisíveis, você é capaz de alcançar dentro do

universo da medicina, você consegue alcançar os desequilíbrios energéticos, que é a energia

que dá fundamento à matéria. Então, através das ondas eletromagnéticas, da imatéria, você

consegue alcançar. Isso para mim é encantador. É isso que o quântico diz: preste atenção

naquilo que você não vê, daquilo que você não palpa, e sim naquilo que você entende que vai

agir sobre a matéria, que é a imatéria. Tudo que é imaterial é que deu origem à matéria. Isso

para mim é que é fantástico, lidar com isso.

Eu faço tratamento com pontos a distância, eu nunca aplico no local da dor ou no local

do meridiano.

ML – Você usa [s.i.]?

E2- Não. Eu uso um localizador de ponto, que e mesmo confeccionei, enfim, tem toda

uma metragem, que tem todo um estudo por trás dessa metragem.

ML – Pontos de do-in?

E2 - De acupuntura. Então, pontos energéticos e pontos de dor. Eu sempre trato dor,

vamos falar de dor que é uma coisa mais simbólica, é um emblema da técnica, só para ficar

mais compreensível. A pessoa vem com uma dor no, em qualquer lugar que seja, eu aplico o

localizador [...] e a dor passa na hora.

No local que ela se referiu. Eu uso laser e [...] eu não uso agulha.

ML – Ah, não é à distância, distância.

E2 – É a distância do local da dor. Eu aplico no ponto, só que não no local que ela me

referiu, sempre distante.

ML - Aplicação à distância, é, mas como você conhece as linhas da acupuntura, você

não aplica nos pontos, mas pela lógica da acupuntura. É isso?

E2 – É localizador de ponto, como uma régua. É muito além. É assim, isso a dor passa

na hora. Então. Vamos, eu tenho uma dor aqui no ombro, eu parto com o localizador aqui no

ponto da dor e aplico, tem uma regra para você mensurar. Aí eu ponho aqui, eu demarco e eu

aplico aqui [apontando um ponto na coxa]. A dor sai na hora. Por isso que eu falei teletransporte,

a onda eletromagnética. Então, além disso, eu aplico superímãs com laser.

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ML - Você aplica no ponto da dor.

E2 - Nunca no ponto da dor. Só o localizador [no ponto da dor].

ML - Pensei que fosse de vez em quando no ponto da dor, de vez em quando no

localizador.

E2 - Não. Nunca, e antes dele vem o laser.

O laser funciona como o GPS e é complicado falar. Tem um antioxidante aplicado no

laser, óleo essencial de cacau. O óleo essencial de cacau tem passagem livre na [...] e aí eu já

consigo fazer com que / é por isso que eu digo que a física quântica tem esse conceito. Você à

distância você age no local que está inflamado, remove as toxinas e interleucinas que estão ali,

e ao mesmo tempo você coloca nutriente. O óleo essencial de cacau tem a função de retirar, não

é de colocar nada. Só retirar. É um GPS. Então, quando eu coloco o laser, o imã sabe aonde ir.

Se eu colocar só o ímã não funciona tão bem.

Por último, eu descobri que um medicamento quântico, na verdade a gente fala gel

quântico, vem antes do laser. Agora. Então é um gel. O medicamento quântico é isso, eu falo

medicamento, mas na verdade não é o nome correto. É indutor e modulador frequencial. Tem

em gotas e em gel.

ML - Como ele faz?

E2- Ele tá fechado, mas dá para você abrir sem violar. Este é gotas, eu uso mesmo em

forma de gel [mostrando um frasco].

Eu coloco no ponto que eu localizei, coloco o laser e por último o gel.

ML – Hã.

E2 - É porque é um fito, um fitoterápico quântico. Então ele vai, você age exatamente

no local da dor que a pessoa tá falando, só que à distância. Aí tem toda uma explicação porque

é à distância. Porque na verdade a dor não é material não é algo que você palpa, você só sente.

E ela emite ondas eletromagnéticas também, assim como você. Só que é de carga positiva. O

ímã, coloco carga negativa. Eles zeram, né, fazem os pares. Pareou, a dor some.

ML – Interessante.

E2- Entendeu? Então é uma coisa que isso eu uso não só para dor, eu uso para pontos

de acupuntura mesmo. Isso, eu uso para todos os órgãos e vísceras. Então eu vou te reequilibrar,

eu uso os pontos [...] os mesmos.

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Só que o destino-fim por onde esse localizador vai me apontar, eu nunca sei. É isso que

é física quântica. Você nunca sabe aonde vai. Lembra das ondas eletromagnéticas, elas estão

em qualquer lugar, e é um raio de 50 centímetros. Não é um local, é um raio.

ML- Como assim?

E2 - Não é o local da dor, é um raio. Então eu posso fazer para cá, para cá [apontando

com a mão] do meridiano, eu quero te reequilibrar, hormônio, seja o que for. Eu faço tudo isso,

parto de um ponto fixo, do rim, fígado, tudo mais, e vou localizar. Nunca é num local fixo,

senão eu demarcaria na primeira sessão e só repetia nas outras. Seria fácil. Não, não dá para

fazer isso. E eu parto do mesmo ponto e nunca o destino-fim nunca é o mesmo, não dá para

explicar. Porque aquele organismo necessita daquele ponto naquele dia. Então, isso é física

quântica. Ela te teletransporta, ele te dá uma dinâmica, ela não é estática, não é física estática,

é uma física dinâmica, que sempre projeta algo no/ que a gente não vê. Enfim, o assunto é

longo, é um universo realmente que isso aqui substitui agulha, não uso mais agulha, faz sete

anos que não uso agulha. Só uso o imã, laser, e agora o gel quântico, que é um fitoterápico

quântico, então ele tem a matéria prima em forma de campo vibracional. E aí age lá dentro da

célula.

ML – Onde é feito esse fitoterápico?

E2 – Ele é feito lá onde eu te falei [Fitoquântic]. Ele é matéria prima, gel, nesse caso,

ele é um pouco mais viscoso do que a água, é um pouco mais viscoso, tem um nome. Mas

também é o mesmo processo.

Isso aqui é água mineralizada, purificada, por isso que é em gotas. Sublingual, só

sublingual, porque ela é distribuída via sistema linfático, não é pela corrente sanguínea. Então

você vem, coloca, e aí o sistema linfático é que vai fazer a distribuição deles, porque é pelos

íons, né, e aí você age nos leucócitos [...] macrófagos, enfim, ali tem tudo. A nossa defesa do

organismo está no sistema linfático. Então, no caso são eles.

Só que o fitoquântico, no caso o fitoterápico, ele é em forma de gel. Mas é o mesmo

efeito que os de gotas. E ele é formado, ele é confeccionado, ele é fabricado também nesse

gerador. Então tudo é para acelerar partículas, dessa matéria prima, até transformar em campo

vibracional. Transformou em campo vibracional, o produto está pronto. É diluído em glicerina,

para permanecer com a informação dentro do produto porque se você deixar perto de ímã,

micro-ondas, tevê, você perde o produto.

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Então, para que não perca tão rápido, vou melhorar isso: não pode deixar de qualquer

maneira, mesmo com a glicerina lá protegendo, porque senão nem uma semana daria. Se não

tivesse a glicerina, só de eu chegar aqui, provavelmente não daria uma semana.

ML – Ah, ela protege.

E2 - Mas mesmo protegendo, fica longe de eletroeletrônico, celular, essas coisas. Então

é esse o meu trabalho que a gente realiza, que eu falei lá na palestra, falei no congresso, falei

justamente isso. Do quanto isso teoricamente é fundamentado, através de estudos nossos em

consultório, não é nada comprovado, cientificamente, é só uma sementinha plantada.

ML - Avaliação pelas reações.

E2 - Pelas reações. Os pacientes é que acabam nos estimulando cada vez mais, e daí a

gente acaba. Eu uso bússola, para saber o lado, e a gente vai melhorando as outras pessoas, eu

dei dois relatos de casos agora lá, de bexiga hiperativa, urgência miccional, e de impotência

sexual masculina, disfunção erétil, a gente recuperou esses dois casos. Aí, juntando quânticos,

acupuntura e alimentação, porque eu faço diagnóstico de alergia e intolerância alimentar, na

dietoterapia chinesa.

Os chineses, eles colocam assim: alimento fogo, alimento água, é a energia do alimento.

Não é cor, é a energia. E esse alimento, conforme você termina o diagnóstico do paciente,

questionário e tudo mais, você já sabe qual é o alimento que esse paciente nasceu com

intolerância ou alergia. Mas esse nasceu vai de acordo com a queixa principal mais grave, mais

importante. Então ele vai lá com uma dor no joelho. Você, se conseguir extrair desse paciente

uma queixa principal mais relevante, que tem um sentido de agravamento maior, aí você já

pode fazer o diagnóstico de alergia e intolerância alimentar. Não é por uma dor de joelho que

você vai fazer isso.

ML - Seria mais o que é a essência daquela pessoa?

E2 - Exatamente. Então tem gente que fala ah, não consigo emagrecer, a parte sexual

está muito envolvida, as pessoas, é um tabu, as pessoas têm muito isso, problema familiar, e aí

desenvolve algum sintoma, que aí me relata esse sintoma. E é aí, baseado nessa magnitude da

queixa principal que eu aí eu já passo, olha, como você isso assim, isso assim, come isso, come

aquilo, come aquilo outro. Aí o paciente, na pior das hipóteses, fala assim ‘como é que eu sei?’.

Eu falo assim ‘você faça’. Você vai ver a diferença com e sem. Aí os pacientes testam. E aí eu

falo para eles ‘olha, comi aquilo que eu não podia e não comi aquilo que podia. E senti

diferença’. Então [...] nisso que a prática confirma a teoria.

ML - Confirma pela prática.

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E2 - É, porque o ocidente não está acostumado com isso.

Como é que eu nasci, como você sabe como eu nasci [com determinada intolerância]

sem fazer o diagnóstico? Não, ele aponta [...] e a prescrição dos [remédios] quânticos é feito

pelo diagnóstico da medicina chinesa, isso que eu falei lá. Não é pela terapia quântica.

Se fosse pela terapia quântica, eu nem trabalharia com isso, para ser bem sincero, porque

177 produtos, como é que eu saberia o que um vai fazer, o que outro vai fazer, e é muitas

nuances, é aí que/ o que meu estudo me levou? Cada meridiano de acupuntura, fígado, rim,

baço, coração, tem um [fitoterápico] quântico específico. Então a gente reduziu de 177 para 10.

Então, só trabalho com esses 10.

ML – Entendi.

E2 - Porque a energia do quântico corrobora com a energia do meridiano. Deu para

entender?

E isso facilitou.

ML - Muito baseado na medicina chinesa.

E2 - Medicina chinesa. O olhar dele me dá tudo: quântico, pontos, o localizador, o

diagnóstico de alergia e intolerância alimentar, é assim que a gente trabalha. Basicamente é

isso.

Não sei se está satisfeita.

ML - Para minha pesquisa sim, eu queria saber basicamente o seu olhar, né. Obrigada.

E2 - É totalmente inovador, eu sei que ouvir isso pela primeira vez dessa forma [...].

ML – Para você, o que significa o adjetivo ”quântico”?

E2 – Quântico, da forma mais objetiva possível, quântico da forma mais objetiva que

eu entendo é a física das infinitas possibilidades, né. São, hã, corpos que se projetam ao longo

do tempo, da linha t, vamos dizer assim. Então, é o mesmo que hã, usando de uma de forma

mais racional a resposta, utilizando a teoria, seria ondas eletromagnéticas que estão em qualquer

lugar ao mesmo tempo, em vários lugares ao mesmo tempo no espaço. Ao mesmo tempo essa

onda eletromagnética se transforma em partícula e a partícula, elas se definem em um local, em

um ponto, então esse contraste das ondas eletromagnéticas no espaço-tempo, em vários lugares

ao mesmo tempo, sendo o mesmo elemento, contrastando com a partícula que está num local

só é o que dá a quântico, o sentido quântico de infinitas possibilidades.

As coisas, elas se projetam num teletransporte, então você consegue projetar algo no

futuro o que está acontecendo agora. Para mim é isso.