repensar a televisão: uma visão positiva sobre o papel da

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REPENSAR A TELEVISÃO: UMA VISÃO POSITIVA SOBRE O PAPEL DA TELEVISÃO COMO ELO SOCIAL, VEÍCULO DE CULTURA E ESPAÇO DE LAZER Miguel Ruivo * Índice Introdução ...................... 1 Televisão: Origem e Evolução Histórica ....... 3 Televisão, Cultura e Sociedade ............ 7 Televisão e Entretenimento .............. 19 Televisão e Publicidade ................ 24 Conclusão ....................... 29 Bibliografia ...................... 31 Introdução Muito se tem falado acerca da televisão, mas muito rara- mente para valorizar os seus aspectos positivos, ou seja, aquilo que ela tem de bom e o contributo que ela pode ter em termos educativos, num sentido cultural ou simplesmente * Universidade da Beira Interior

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REPENSAR A TELEVISÃO:

UMA VISÃO POSITIVA SOBRE O PAPEL DA

TELEVISÃO COMO ELO SOCIAL, VEÍCULO DE

CULTURA E ESPAÇO DE LAZER

Miguel Ruivo∗

Índice

Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1Televisão: Origem e Evolução Histórica. . . . . . . 3Televisão, Cultura e Sociedade. . . . . . . . . . . . 7Televisão e Entretenimento. . . . . . . . . . . . . . 19Televisão e Publicidade. . . . . . . . . . . . . . . . 24Conclusão. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

Introdução

Muito se tem falado acerca da televisão, mas muito rara-mente para valorizar os seus aspectos positivos, ou seja,aquilo que ela tem de bom e o contributo que ela pode ter emtermos educativos, num sentido cultural ou simplesmente

∗Universidade da Beira Interior

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informativo. Ao contrário daquilo que é defendido por mui-tos autores, iremos tentar demonstrar que a televisão podeser um meio democratizador das sociedades de massa con-temporâneas.

Neste trabalho procuraremos demonstrar, contrastandoopiniões de diferentes autores e “pensadores da televisão”que, respeitando as suas limitações, a televisão apresentaaspectos positivos subvalorizados por muitos.

Dedicamos ainda uma parte deste trabalho à publicidadena televisão. Não tratando qualquer outro tipo de programa-ção televisiva em específico, dirigimos um capítulo destetrabalho à publicidade televisiva, uma vez que uma das mai-ores críticas apresentadas vulgarmente à televisão é o su-posto excesso de publicidade que esta transmite (seja atra-vés da publicidade comercial propriamente dita, seja atravésdo discurso de carácter directa ou indirectamente publicitá-rio de grande parte da programação).

A base teórica deste trabalho assentará, deste modo, nocontraste das ideias defendidas por autores que nos apre-sentam uma imagem denegrida da televisão, tais como Gi-ovanni Sartori em “Homo Videns – Televisão e Pós- Pen-samento”, Pierre Bourdieu em “Sobre a Televisão” e Joãode Almeida Santos em “Homo Zappiens e as ideias defen-didas por autores como Umberto Eco em “Apocalípticos eIntegrados”, Marshall McLuhan, o primeiro pensador da te-levisão que viu nela grandes potencialidades, e DominiqueWolton. Este último, em “Pensar a Comunicação” e, sobre-tudo, em “Elogio do Grande Público – Uma Teoria Críticada Televisão”, defende o pael democratizador da televisãocomo meio de comunicação de massas, mais do que qual-quer outro autor.

Ao questionarmos o papel da televisão na sociedade ea relacionarmos com o conceito de cultura, não podemos

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deixar de abordar também a obra de Douglas Kellner, “ACultura da Mídia”, na qual o autor, embora não falando di-rectamente sobre a televisão, nem outromediaem concreto,abordando, em vez disso, produtos mediáticos específicos,relaciona as produções televisivas, entre outras, com o con-ceito actual de cultura e suas subsequentes repercussões nanossa sociedade. Este autor, tal como Eco na obra referida,não assume a posição radical de Sartori ou Wolton, reco-nhecendo vantagens e desvantagens neste meio de comuni-cação, e nas produções mediáticas, em geral.

Televisão: Origem e Evolução Histórica

O aparecimento da televisão foi um marco decisivo na histó-ria dosmedia. Desde então, e até aos dias de hoje, continuaa cativar as audiências e, indubitavelmente, a ter um impor-tante destaque entre os meios de comunicação de massas.De facto, este aparelho a quem alguns apelidam de “janelaaberta para o mundo”, é cada vez mais diverso e abundante,simultaneamente assumindo um papel de intervenção e re-presentação social local, regional e planetária.

Comecemos, então, por perceber a origem do termo quebaptizou este aparelho, que, a nosso ver, não deixa de serinteressante, já que mais não seja, a título de curiosidade,num âmbito histórico ou sociológico (ou mesmo, porquenão, linguístico).

A palavra “televisão” surge antes do objecto que, hojeem dia, vulgarmente designa. Este vocábulo foi utilizadopela primeira vez em 1900, quando da Exposição Universalde Paris, referindo-se, inicialmente, à transmissão à distân-cia de imagens animadas e sonorizadas. Desde então, o sen-tido do termo sofreu algumas alterações. Citando a defini-ção dada por Isabelle Gougenheim e Yves d’ Hérouville em

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“A Televisão”(2003: 7): “(...) palavra formada em 1900 portele (do gregotêle “ao longe”, por extensão “à distância”)e “visão” (do latimvisio “acção de ver”, “imagem das coi-sas”). Inicialmente empregada no sentido geral de “trans-missão da imagem à distância”, o termo conhece a partirde 1913 um uso científico e raro (“conjunto dos procedi-mentos e das técnicas que permitem a transmissão de ima-gens após transformação em ondas hertzianas”). Durante osanos vinte toma um sentido técnico com os primeiros en-saios concretos de transmissão de imagens. Interrompidospela segunda guerra mundial, os progressos técnicos con-duziram no fim dos anos cinquenta a uma extraordinária ex-pansão do processo, e a palavra “televisão” torna-se entãocorrente. Por extensão, designa o conjunto de actividadesrelativas à produção e à difusão de programas por meio des-sas técnicas (televisão pública/privada, programas de televi-são, televisão digital de terra, etc.). Por metonímia é usadopara designar o aparelho receptor de televisão, ao princípioem concorrência com “televisor”, posteriormente com o an-glicismo “têvê” e “T.V.” (...). Tendo-se tornado um dos maisimportantes factos sociais e económicos do mundo contem-porâneo, a televisão engendrou uma terminologia nova commúltiplos termos derivados e compostos, tais como teles-pectador, teledifundir, telegénico, telelocutora, telefilme...”

Foi em 1923 que o britânico John Logie Baird, desco-briu a técnica da transmissão de imagens animadas e sono-rizadas, através de ondas hertzianas. A técnica de Baird, noentanto, comportava apenas dezasseis linhas. Em 1928, nosEstados Unidos, e três anos mais tarde, na França, algunsensaios dão lugar a progressos técnicos. A primeira emis-são televisiva oficial acabou por ser transmitida, a partir dotransmissor da Torre Eiffel, em 1935, mais precisamente, nodia 25 de Abril, às vinte horas e quinze minutos. O primeiro

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programa oficial surge um ano mais tarde, em Inglaterra.Em 1939, o transmissor pioneiro da Torre Eiffel transmitejá quinze horas semanais de programação. Dez anos maistarde, são emitidos já, em França, dois jornais televisivos,por dia, nascendo, desta forma, o conceito de “telejornal”.

É em meados do século XX, que começa a história da te-levisão para todos. Produtores de cinema e os responsáveispelos teatros começam a temer este novo adversário que co-meça a surgir nos lares de cada vez mais espectadores. A te-levisão torna-se, assim, em menos de uma década num meiode comunicação de massas. Começa a ser-lhe também reco-nhecido um importante papel de intervenção social e polí-tica. Quando, em 1960, John F. Kennedy é eleito presidentedos Estados Unidos da América, jornalistas e políticos afir-maram, quase unanimemente, que a sua eleição em muito sedeveu às suas prestações televisivas. Desde esta data que atelevisão é considerada como um dos meios de propagandapolítica mais determinantes, assumindo a sua capacidade deconstruir e/ou destruir reputações de candidatos às eleições.

Em 1975, surgem mais inovações no campo técnico,com a criação, nos EUA, doHome Box Office(HBO), umnovo canal pago que transmite apenas filmes, e que marcaa entrada da televisão na segunda era: a era da televisão porcabo. A televisão começa, assim, a ser acessível por caboscoaxiais, e já não pelas habituais ondas hertzianas, sendoestes retransmitidos por satélites. A partir daqui começama surgir outros canais temáticos, com as mesmas caracterís-ticas técnicas, mas com apostas em diferentes áreas temá-ticas, como o desporto, a informação, a música e os pro-gramas infantis. Estes canais temáticos, ou especializados,tornam-se cada vez mais numerosos e é cada vez maior oseu número de adeptos, que vê neles um óptimo comple-mento aos canais generalistas que já existiam.

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Quase no final do século XX, a televisão entra aindanuma terceira era: a era da televisão digital. Com esta novatécnica, a tradução das imagens e dos sons é realizada digi-talmente, isto é através da linguagem informática. É nestaera que surgem os DVD e os CD-Rom, aumentando, destemodo, a família dos discos compactos. Imagens, sons, tex-tos ou gráficos são, a partir daqui, acessíveis por pedido,através do televisor de cada um. Um novo conceito surgeassociado à televisão, com a criação da televisão digital porsatélite, que surge nos EUA em 1994: a interactividade. Estenovo conceito vem abrir novas perspectivas à televisão en-quanto meio de comunicação. De repente, tudo se tornaacessível apenas com um televisor: desde os mais variadostipos de programação televisiva a diversos serviços até aquireservados ao computador. Ao entrar no século XXI, é o es-pectador que passa a marcar o encontro com a televisão. Éele que dita e escolhe aquilo que quer ver.

Se antes do aparecimento da televisão, nenhum outromediaapresentou tantas potencialidades, também é verdadeque, do mesmo modo, nenhum outromediainspirou tantosreceios. Se é verdade que a televisão tem um enorme nú-mero de adeptos, desde a sua primeira era, e que continuaa ganhar seguidores, independentemente de constantes evo-luções ao nível dos outrosmedia, também constatamos umsignificante número de contestadores da televisão, que nelavêem apenas desvantagens e perniciosos resultados do seuuso.

Estas “acusações” contra a televisão começam a surgirna década de 60, e prendem-se, principalmente, com fac-tores que dizem respeito à sua relativa dependência, a suatendência e gosto excessivo pelo espectáculo, a sua dema-gogia, a demasia do seu apelo à emoção, o seu desprezopela cultura, a exposição de múltiplas violências e as suas

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preferências pelo entretenimento, em detrimento da infor-mação. Desde universitários a congressistas, são inúmerosaqueles que denunciam, na televisão, a mistura, nas mesmasemissões, de publicidade, informação eshow business.

Televisão, Cultura e Sociedade

Cultura é uma palavra difícil de definir, uma vez que aquiloque para uns pode significar cultura, para outros pode assu-mir um significado oposto. A cultura tem, no entanto, umlugar de destaque cada vez maior nas preocupações das so-ciedades contemporâneas. O conceito de “indústria cultu-ral”, que notabilizou o Instituto de Pesquisas Sociais da Es-cola de Frankefurt, apresenta uma definição visionária daextensão da lógica de produção capitalista ao domínio dacultura e deu origem a uma linha de pensamento que tem,ainda hoje, um considerável número de seguidores. O temada cultura é, ainda, ponto central noscultural studies, estu-dos interdisciplinares inspirados no conceito de cultura ima-ginado pelo pensador marxista italiano Antonio Gramsci.Cultura é também o domínio das representações simbóli-cas, terreno do indeterminado, daquilo que é de difícil apre-ensão por instrumentos de medida sistemática, e do qual asciências duras, como a economia, muitas vezes desconfiam.Podemos ainda dizer que cultura é um espaço que, ao con-trário dos prognósticos dos que teorizam a emergência dochamado “sistema mundial”, paradoxalmente se fortalececom a intensificação dos processos de globalização, e por aíem diante. Em todas as concepções de cultura que encon-tramos, a ideia que nos transportam é a de que a cultura as-sume sempre determinados contornos específicos, com im-plicações para as teorias e as práticas sociais daqueles quea definem.

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A cultura ocupa, hoje em dia, um lugar muito impor-tante, mas pouco problematizado, nas produções televisi-vas, cinematográficas e musicais contemporâneas. DouglasKellner fala, inclusivamente, na “cultura dosmedia”, numlivro publicado, exactamente intitulado “A Cultura da Mí-dia”. Outro autor, Dominique Wolton, fala da “emancipaçãocultural” que teve lugar na nossa sociedade que se tornoupossível graças generalização do acesso aos meios de co-municação como a televisão na sua obra, sobretudo no po-lémico livro “Elogio do Grande Público – Uma Teoria Crí-tica da Televisão”. Opondo-se a estes conceitos, o jornalistae cientista político italiano Giovanni Sartori, defende que acultura televisiva se vem opor à cultura da escrita, sobreva-lorizando a imagem em relação à palavra, apresentando-seainda como um atentado à cultura e à democracia, em geral,no seu livro “Homo Videns – Televisão e Pós- Pensamento”.Embora não tão drástico e pessimista como este, o autorportuguês João de Almeida Santos fala também nos perigosda dependência em relação à televisão, e de como esta seapresenta como um entrave à cultura, e não uma aliada, nasua obra “Homo Zapiens – O Feitiço da Televisão”. Nes-tas obras, as relações entre cultura e política são um temarecorrente, e todos, de acordo com a sua posição face aoassunto, partilham um interesse em tentar compreender asimplicações da produção televisiva contemporânea no fu-turo da democracia e da sociedade em geral. Para Sartori,a televisão degrada a democracia; Wolton, pelo contrário,identifica na televisão um instrumento de realização demo-crática; Kellner, por outro lado, reconhece a polissemia e acomplexidade da “cultura dosmedia”, o que implica o reco-nhecimento de obstáculos à democracia, com sinalizações,no entanto, de que é possível que a dita “cultura dosmedia”

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venha a contribuir para o aprofundamento democrático danossa sociedade.

A obra de Sartori remete-nos, ainda, para a obra do ci-entista social francês Pierre Bourdieu que, tal como o au-tor italiano, denuncia a degradação crescente da informa-ção produzida pela televisão. No início da sua obra, Sar-tori adverte-nos que o seu intuito, ou a sua esperança, nãoé a de deter o curso inevitável dos acontecimentos, que dealgum modo estão a levar para a saturação das sociedadespela imagem. O seu objectivo prende-se com a intenção dechamar a atenção de pais e educadores, agentes capazes dedisseminar uma postura crítica, para que, pelo menos, secrie uma espécie de barreira ou resistência, ao domínio dachamada “nova classe”, ou seja, aquela que detém “a ges-tão do poder televisivo”. A obra de Sartori, apresenta-se,deste modo, como uma espécie de panfleto político que de-nuncia uma mudança dramática que está, segundo o autor,a aluir a natureza humana, que está representada pela de-cadência dohomo sapiens, e a sua substituição pelohomoinsipiens, em consequência do predomínio da imagem sobrea escrita, no mundo dominado pela televisão e pela comuni-cação electrónica em geral. Ohomo sapiensdistinguir-se-iados animais, pela sua capacidade de abstracção simbólica,de acordo com a definição cunhada por Lineu em 1758;enquanto ohomo sapiensseria capaz de reflectir sobre simesmo através da linguagem, ohomo insipiens, ou ohomovidens, tal como ele é definido por Sartori, estaria associ-ado à perda dessa capacidade simbólica; enquanto ohomosapiensseria capaz de reflectir sobre si mesmo através dalinguagem, ohomo insipiensteria perdido essa capacidade,tornando-se numa presa do imediatismo da imagem.

O livro de Sartori não deve ser, no entanto, entendido àmargem do contexto da conjuntura política do seu país, na

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exacta medida em que ele é proveniente de uma nação po-liticamente dominada por Berlusconi, magnata dosmedia,eleito mais do que uma vez presidente da República, nãoobstante as acusações de corrupção que pesavam sobre ele.

Sartori circunscreve, ainda, a sua crítica ao jornalismo,género este que seria responsável pela degradação crescenteda qualidade da informação política divulgada pela televi-são. O autor descreve, deste modo, o material divulgado pe-los telejornais como conformista e acrítico. Em resposta aosque acreditaram que uma “ordenação pluralista e compe-titiva estimulada pela concorrência de televisões particula-res” reverteria a tendência à baixa qualidade da informaçãoveiculada, Sartori constata a uniformidade da programação,o nivelamento “por baixo” da informação por esta transmi-tida. O autor adverte ainda que “quem tem a gestão do podertelevisivo se defende das acusações, descarregando a culpasobre os ouvintes”. E a sua contestação ao argumento de-fensivo de quem controla a televisão é um dos pontos inci-sivos do livro: “no que diz respeito à televisão, mais do quea outras coisas, é o produtor que produz o consumidor.” Osmecanismos de aferição e criação de audiências estariam,deste modo, a articular e dar voz a segmentos medíocres dasociedade, compostos de indivíduos apáticos e alheios, queexistiram nas mais variadas sociedades ao longo dos tem-pos, mas que agora, em vez de dispersos e desarticulados,teriam sido alçados à posição de comando. Para o autor, é,metaforicamente falando, como se o avião estivesse pilo-tado por alguém que não tem nenhum conhecimento téc-nico para isso. “A teledemocracia estimula um dirigismosuicida”, de acordo com a posição do autor italiano, confi-gurando, assim, uma situação de ausência de comando quedeturparia os princípios democráticos.

Apresentando, como já foi referido, uma posição sime-

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tricamente oposta à de Sartori, o autor francês DominiqueWolton, apresenta na sua obra “Elogio do Grande Público– Uma Teoria Crítica da Televisão”, assim como, em parte,numa outra obra sua intitulada “Pensar a Comunicação”,uma visão da televisão enquanto uma espécie de arena dacultura contemporânea. Originalmente publicada em 1990,a primeira obra referida de Wolton é, curiosamente, histo-ricamente anterior ao trabalho de Sartori, publicado inicial-mente em 1997. Para Wolton, a televisão aberta, em oposi-ção à segmentação produzida primeiramente pelo adventoda TV por cabo e, futuramente, pela disseminação da Inter-net, é saudada enquanto elemento democratizador da socie-dade.

A importância que a televisão assume nas sociedadescontemporâneas, no que diz respeito à produção de narrati-vas que dão significado aos acontecimentos do mundo, da-quilo que se passa à nossa volta, da nossa vida quotidianae da dos outros (os que estão perto e os que estão longe),leva-nos a relevar o papel da televisão enquanto elo social.É nesse sentido que Wolton defende, nas suas obras refe-ridas, a televisão generalista, uma vez que esta se adapta à“heterogeneidade social da sociedade de massas”. Esta tele-visão generalista, defende o autor, obriga-nos a reconhecer aexistência do outro, o que se torna fundamental nas socieda-des cada vez mais multiculturalistas de hoje. Os programasque são pensados para um público cultural e socialmentevariado, contribuirão, deste modo, para gerarem um sentidode representação social e cultural e de interligação, e inte-racção, de diferenças a estes níveis. Tendo isto em conta,Wolton defende que a televisão generalista, enquanto ser-viço público, contribui para a pacificação, a identificação ea coesão socio-cultural.

Apesar do subtítulo do livro, “uma teoria crítica da tele-

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visão”, possa, eventualmente, sugerir o contrário, o trabalhodo autor francês legitima, em larga medida, o meio de co-municação de massas mais popular da segunda metade doséculo XX. Não deixa, no entanto, de ser curioso que umintelectual francês se aventure a provocar, com tamanha in-cisão, os cânones de alta cultura do pensamento do seu país.

Aqui reside, deste modo, a polémica gerada pelo refe-rido livro. O trabalho de Wolton, tal como o de Sartori, nãoé de todo alheio ao contexto histórico-político vigente naépoca em que surge. A obra encerra, historicamente, a dé-cada de oitenta, uma década em que as televisões públicas,até então monopolistas em grande parte dos países euro-peus, incluindo a França, ganharam, subitamente, a concor-rência de emissoras comerciais. A entrada do capital pri-vado e, através da programação, em certa medida, estran-geiro (especialmente norte-americano), gerou controvérsiaem sociedades sociais-democratas de bem-estar social, acos-tumadas ao controle centralizado e metropolitano da culturanacional.

Wolton reconhece, contudo, as limitações do modelo edo meio de comunicação. No entanto, mais do que preocu-pado com a análise empírica da programação, o seu fococoncentra-se no que ele denomina como nível teórico ouconceptual. Sintomaticamente, apesar das suas posições an-tagónicas, tanto Wolton como Sartori, partilham a opiniãode que os produtores, e não os telespectadores, seriam osresponsáveis pela qualidade da programação televisiva. Wol-ton nota, efectivamente, que as pesquisas de audiência serestringem a medir reacções a programas transmitidos aosquais o público é limitado. O baixo nível de programaçãonão seria, portanto, inerente ao meio, este sim, âmago deanálise na obra do intelectual francês.

Wolton refere na sua obra, como exemplo da sua tese de

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que sistemas privados podem ser inteligentes e atender aointeresse público e nacional, a televisão brasileira. O autordá este exemplo enquanto ilustrativo da sua defesa em rela-ção à televisão generalista, isto é, os canais de sinal aberto,enquanto tendo o poder de engendrar elos sociais, em con-traste com a fragmentação introduzida pela televisão temá-tica, ou seja, canais especializados da TV por cabo. Woltondefende o exemplo dado pelas novelas brasileiras, adver-tindo, contudo, possíveis riscos de interpretação excessivaentre realidade e ficção.

Discordamos, apesar de tudo, com Wolton, no que dizrespeito à sua defesa pela televisão generalista, em detri-mento dos canais temáticos da TV por cabo, que provocam,segundo o autor francês, uma segmentarização do público.Nada temos contra a televisão generalista, antes pelo con-trário. Tal como Wolton, pensamos que esta constitui umverdadeiro elo social, e permite que cada indivíduo se re-conheça a si mesmo e aos outros, através da difusão derepresentações sociais que chega até todos. É, no entanto,da nossa opinião que os ditos canais temáticos contribuem,também, em larga escala, para a difusão da informação e,como tal, assumem um papel cultural bastante importantejunto dos espectadores. Do mesmo modo, estes canais sãoextremamente ricos no que diz respeito ao entretenimentodos espectadores. Podemos mesmo dizer que, com estes ca-nais, o espectador distrai-se ao mesmo tempo que se in-forma e vice-versa. Com estes canais, o espectador tem aindaa possibilidade de escolher especificamente o tipo de pro-gramação a que quer assistir, visto que, à partida, ele sabejá que tipo de programação esperar de cada canal temático.É, sobretudo, por estas razões que defendemos canais temá-ticos como o “História”, o “Odisseia”, o “People & Arts”,os canais de filmes e a “MTV”.

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Contrastando com as posições radicais tomadas por Sar-tori e Wolton, ambos desenvolvendo a sua tese num ní-vel de abstracção teórica que evita análises empíricas daprogramação, Douglas Kellner, na sua referida obra, pro-cura justamente interpretar materiais mais concretos. O pro-fessor norte-americano não se limita a analisar a televisão,focando-se na cultura dosmedia, recaindo a sua análise so-bre os filmes de Spielberg, Spike Lee, Oliver Stone, em de-senhos animados como oscartoonsda MTV “Beavis andButt-Head”, em estrelas como a Madonna, em séries tele-visivas como “Miami Vice” (uma das séries de culto dosanos 80, protagonizadas pelo actor Don Johnson), e aindano trabalho de teóricos como Jean Baudrillard.

Embora este autor não fale especificamente sobre a te-levisão, nem outromediaem particular, ele acaba por serútil ao nosso trabalho, e por isso consideramos pertinentea sua referência, uma vez que este acaba por relacionar asproduções televisivas, entre outras, com o conceito actualde cultura e suas subsequentes repercussões na nossa socie-dade.

O referido livro de Kellner encontra-se, deste modo, di-vidido em três partes com três capítulos cada e o seu tra-balho insere-se no debate contemporâneo sobre a cultura.Kellner reconhece a diversidade das abordagens existentes,identificando diferentes filiações teóricas, propondo uma pos-tura heterodoxa, não sectária, aberta a contribuições prove-nientes de rincões teóricos diversos. Trata-se, pois, de umprojecto que se consolidaria num “estudo cultural, multi-cultural e multi-perspectivo”. O seu objectivo seria, assim,alcançado através da realização da “crítica diagnóstica” deobras escolhidas em função da sua repercussão político-cultural no momento em que foram lançadas. Finalmente,a obra de Kellner aborda ainda as especificidades que a

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questão da identidade, elaborada anteriormente, assume napós-modernidade, opondo-se, neste caso, à perspectiva deBaudrillard, defendendo, mas procurando superar as propo-sições dos romancescyberpunkde ficção científica, que ex-trapola tendências do presente para o futuro e problematizao ambiente pós-moderno saturado de tecnologia e de rela-ções mediadas pela Internet, na esperança de fundamentar apossibilidade de um “algo novo” mais ecológico, feminino,comunitário e inovador (2001: 377-381).

Diante a dimensão da tarefa por ele proposta, em con-taste com o relato directo e contundente dos autores euro-peus referidos, a obra de Kellner torna-se circular e repeti-tiva. Apresenta, não obstante, a vantagem de se situar ex-plicitamente diante de diversas linhagens de pensamento,procurando aproveitar elementos aqui e descartar outros ali.O ecletismo nesta obra é uma vantagem, apesar do facto dasua realização nem sempre corresponder aos objectivos de-finidos pelo autor.

Kellner descreve a rádio, a televisão e outros produtosda “indústria cultural” como fornecedores de modelos so-ciais. Para este autor, a “cultura dosmedia”, tal como re-presentada pelo conjunto de produtos provenientes dessesmeios, oferece modelos daquilo que significa ser “homemou mulher, bem sucedido ou fracassado, poderoso ou im-potente”. A “cultura dosmedia” fornece ainda, segundo oautor, definições de identidades étnicas, raciais e de género.Esta cultura produz parâmetros para a definição do que é“bom” ou “mau”, moral ou imoral (2001: 295-298). Ao dis-seminar essas referências, esta cultura constitui, para Kell-ner, um repertório global comum, um terreno minado, umaarena privilegiada de lutas sociais e conflitos políticos con-temporâneos.

Disposto a dissecar essa “cultura dosmedia”, a um só

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tempo, mantendo a preocupação modernista com o conteúdoideológico de objectos concretos, e a polissemia de sentidoreconhecida por abordagens pós-estruturalistas, Kellner en-frenta a tarefa de analisar as contadições expressas, nome-adamente, em filmes de guerra ou filmes de terror. Assim,filmes como “Poltergeist” e outras produções aparecem nãocomo sinónimo completo de alienação ou de resistência,mas como trabalhos que podem ser interpretados de maisdo que de uma maneira, contemplando tanto significadosopressores, por um lado, como elementos libertadores, poroutro (2001: 182 e ss.).

Tal como acontece com as obras dos autores europeusreferidos, não podemos alhear-nos do contexto político-socialem que se insere o trabalho do autor norte-americano. Estasproduções referidas por Kellner situam-se numa determi-nada conjuntura política, do predomínio do reaganismo, talcomo é referido pelo autor, e carregam tanto as reproduçõesdiscriminatórias de raça e género, por exemplo, como tam-bém componentes que acenam com elementos libertárioslevantados por diversos movimentos sociais.

O trabalho de Kellner procura, deste modo, sintetizare filtrar diversas tradições do pensamento ocidental. A suasistematização critica as distinções entre alta e baixa cul-tura, reconhece as diferenças entre significados codificadose descodificados, salientando a importância de se levar a re-cepção em conta, e problematiza, pelo menos em certa me-dida, o significado da ideia de cultura, trazendo à tona, porexemplo, as diferenças entre a concepção de erudita e antro-pológica. No entanto, Kellner deixa de problematizar, nassuas análise concretas, as dinâmicas específicas de produ-ção de sentido. O resultado que se obtém é que os significa-dos dos vários produtos ou das várias produções abordadasacabam por parecer reduzidos a combinações de conteúdos

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ideológicos pré-supostos. Poderia dizer-se que o seu estudose situa numa espécie de fronteira e, como tal, voltando àquestão que se prende com a definição de cultura que refe-rimos no início, talvez avançar essa fronteira implique coma problematização da noção de cultura.

O debate sobre a natureza da cultura faz parte do domí-nio da antropologia. Da acepção funcionalista de BronislawMalinowski, à escola sociológica estrutural inglesa impulsi-onada pelo trabalho de Radcliffe Brown, ao estruturalismofrancês e ao culturalismo americano, o pensamento antropo-lógico clássico problematizou as relações entre dimensõesteóricas e práticas da vida, sagradas e profanas, simbólicase pragmáticas, história e estrutura, reprodução e mudança,que a bibliografia contemporânea questiona e avança.

A saturação das sociedades por meios de comunicaçãoelectrónica, ou por meios de comunicação de massas, nãoimpede, e até, inclusivamente, estimula, como podemos con-cluir a partir dos trabalhos de Sartori e Wolton, nomeada-mente, e para referir os extremos que encontramos, o ques-tionamento de noções de progresso e evolução, que duranteum certo período orientaram o estudo das culturas. O en-frentar de questões colocadas pelo debate em torno da no-ção de cultura talvez ajude a resolver falsos dilemas queperpassem produtos dosmedia, e contaminam os diversosestudos aqui referidos. Por exemplo, a tecnologia, a televi-são ou osmedia, em geral, também eles manifestações deintrínsecas da cultura, aparecem muitas vezes como forçasexternas, quase que entendidas como autónomas, que paira-riam acima, e ameaçariam controlar a vida social. Talvez oenfrentar dos desafios conceituais provocados pela alusão àcultura ajude a inovar teorias e práticas sobre poder, criação,discriminação e libertação.

Ao defenderem a tese de que a televisão vicia, no sen-

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tido de sobrepor a imagem à palavra e, inclusivamente, cons-tituir uma ameaça para aquilo que entendemos como comu-nicação, e da ideia de esta transmitir uma visão distorcidada realidade e ser, como tal, um veículo anti-democrático detransmissão de ideias e ideais, é do nosso parecer, que au-tores como Sartori, Bourdieu ou Almeida Santos (cujo dis-curso nos parece ainda mais insípido) estão também a sub-valorizar as capacidades do próprio “Homo Sapiens” quetanto defendem. Aquilo que por eles é referido acerca datelevisão poderá conter algo de verdadeiro, isto é, em certamedida, há aspectos em que o que por eles é generalizado,se pode verificar, de facto, em alguns casos, mas isso seráapenas uma versão redutora de uma realidade, uma pequenaparcela de um todo. Quando muito, apenas uma face da mo-eda.

Tendo em conta determinadas limitações da televisão,tal como também as reconhece Wolton, cabe também aotelespectador, aos indivíduos a que a ela assistem (enten-dendo cada um por si, na sua individualidade, e não umamassa anónima e indistinta), terem o discernimento paraescolherem aquilo que vêem e, perante o que vêem, con-seguirem emitir uma opinião crítica, sem se deixarem guiarcegamente por nada que lhes seja incutido.

Não podemos partir do princípio que o receptor das men-sagens veiculadas pela televisão seja uma merainbox semfiltros. Preservemos e tenhamos, pois, confiança na inteli-gência do ser humano. A ele lhe cabe decidir se quer ser“Homo Videns” ou “Homo Zappiens”, ou, pelo contráriomanter a sua própria identidade, as suas próprias ideias, as-sim como uma posição crítica pessoal sobre tudo o que vê eouve, sobre, afinal de contas, tudo o que o rodeia.

Entendemos, deste modo, a televisão mais do que comoum simples meio de comunicação de massas, mas antes

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como um janela aberta para o mundo, que dá a conhecerao indivíduo uma série de aspectos sobre o mundo que orodeia, seja a nível cultural ou meramente informativo, emsuma, conhecimentos, que doutra forma não lhe seriam fa-cultados. Recordemos, pois, o conceito de “aldeia global”,primeiramente defendido por Marshall McLuhan, associ-ado ao desenvolvimento dos meios de comunicação, defen-dido por Umberto Eco em “Apocalípticos e Integrados”, deacordo com o qual o surto de um acréscimo quantitativoda informação faz chegar a todos aquilo que de outra formanão seria possível. O público que assiste à televisão aprendecom ela, informa-se, educa-se e cria os seus próprios juízosde valor de acordo com as suas crenças, com os seus valo-res e também de acordo com a sua própria personalidade. Omodo como autores como Sartori criticam a televisão des-personaliza o ser humano. Não é a televisão que o faz.

Televisão e Entretenimento

Outro aspecto que parece ignorado por Sartori é o papel quea televisão tem como meio de entretenimento do ser hu-mano. A televisão também entretém, distrai o ser humano,transmite-lhe prazer e serve de escape ao quotidiano que orodeia.

Entendamos, então, também a televisão como espaçode lazer. Este lazer nem sequer necessita obrigatoriamente,aliás, confiemos que na maioria dos casos não o seja, umlazer irracional. Queremos com isto dizer que o indivíduopode, simultaneamente, cultivar-se, informar-se, ao mesmotempo que se entretém. Não é isso que acontece quando as-sistimos, para dar alguns exemplos, a filmes ou séries tele-visivas (por cada indivíduo seleccionados, como é óbvio),ou mesmo programas informativos como os do canal “His-

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tória” ou do “Odisseia”? Estes canais, parece-nos, não exis-tem na televisão de Sartori. Programas como desenhos ani-mados, telenovelas, transmissões desportivas, espaços mu-sicais, reportagens de diferentes lugares e diferentes cultu-ras, ou mesmo publicidade, parecem também não ser trans-mitidos pelo aparelho televisivo daquele pensador, tal comonão o são no de Pierre Bourdieu, autor do livro “Sobre aTelevisão”. Não são estes programas que contribuem alta-mente para a cultura e, simultaneamente, para o entreteni-mento do ser humano? Como poderemos entender, então,a televisão como uma ameaça à cultura? Do mesmo modo,como poderemos perceber a televisão como uma ameaça àdemocracia se renunciarmos o direito que temos à evoluçãotecnológica, no âmbito dos meios de comunicação, frutonatural da evolução dos tempos e da própria humanidade?Democratização não será também termos acesso a toda ainformação e, a partir dela, formularmos os nossos juízosde valor? Este princípio da televisão como veículo demo-crático de informação e, como tal, transmissão de ideias, édefendido por Wolton nas suas obras.

Com o cinema e a indústria de Hollywood surge, em1927, o primeiro entretenimento de massas, uma vez queeste se torna muito mais acessível ao grande público do queos teatros do século XIX. Foi, no entanto, a televisão que, apartir de 1950, quando se transforma nomediade todos, quedeu origem ao surgimento das indústrias deentertainment,modificando para sempre o conceito deshow business. Aparticularidade da televisão, relativamente aos outros meiosde comunicação de massas acessíveis até então, prende-secom o facto desta ter a possibilidade de levar até à casa daspessoas uma vasta diversidade de espectáculos de diverti-mento, desde filmes a emissões desportivas ou musicais,passando portalk shows, sitcoms, concertos, vídeos musi-

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cais, etc. Tal como diz Marshall McLuhan no texto “Visão,Som e Fúria”: “A televisão (...) difere do cinema quanto àimediação com que capta e transmite o visível. A câmera deTV é como o microfone em relação à voz.” (2002: 159).

A televisão cria, deste modo, uma indústria totalmentededicada ao entretenimento do grande público. Através doperfeito domínio das emoções universais, fazendo rir ouchorar, a televisão adquire uma técnica, que é, simultane-amente, uma arte. E é através da sua técnica e da sua arteque a rainha dosmediaaudiovisuais continua, até hoje, aseduzir os seus adeptos, apropriando-se dos grandes espec-táculos colectivos como o cinema, o desporto, a canção,e transfigurando-os de modo a responderem às leis do pe-queno ecrã.

Em muito a televisão contribuiu para o desenvolvimentodo entertainment, permitindo-lhe, mais que nunca e, sobre-tudo, através de um público muito mais abrangente, imporo seu estilo, assim como as suas maneiras de fazer e pen-sar actividades que, a priori, poderiam parecer-lhe alheias:informação, educação e publicidade.

Osmediaaudiovisuais como a televisão contribuem, tam-bém, para a criação do nosso imaginário. Eles dão origema uma série de representações sociais veiculadas através dedeterminados tipos de programação tais como as telenove-las (tal como o exemplo dado por Wolton acerca das teleno-velas brasileiras), ou as séries ousitcoms(como o caso dapopular série dos anos 80, “Miami Vice”, alvo de estudo deDouglas Kellner), e não tanto através dosreality shows, tãoatacados pelos críticos da televisão. Reconhecemos, obvi-amente, que muitos destesreality showstelevisivos pecampor falta de qualidade, e há, de facto, uns melhores que ou-tros. Alguns formatos conseguem tornar-se em programasde qualidade a nível cultural e de entretenimento. Exemplo

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disso é o recente “Operação Triunfo”, importação de origemespanhola, que celebrou a música e os novos talentos artís-ticos nacionais, e cujo nível de qualidade se verificou tam-bém ao nível das audiências. Outros há, no entanto, em quea qualidade escasseia, e nos quais não se celebram qualquertipo de talentos ou habilidades artísticas admiráveis, e aindacuja repetição da mesma fórmula consegue saturar qualquerum. Exemplos por excelência são todos osBig Brother, emtodas as suas versões e repetições e, sobretudo, todas as suasimitações e “primos coxos”.

Nunca foi, no entanto, nossa intenção de defender todaa programação televisiva. Nada tem apenas aspectos posi-tivos, o que é errado é ver apenas o lado negativo das coi-sas, recusando, cegamente, ver o lado positivo. E é isto quefazem os críticos da televisão referidos, ao verem apenasameaças perniciosas associadas a estemedia.

As representações sociais transmitidas pela televisão pas-sam também pelostar systemque povoa a televisão. Estasestrelas ou celebridades são-nos apresentadas directa ou in-directamente como modelos sociais de algo a seguir, ou não,pelos espectadores. Estas personagens mediáticas, osbeau-tiful people, como lhes chama João Almeida Santos (2000:13), tornam-se ídolos, adorados por uns, odiados por ou-tros, eles transformam-se em ícones sociais. Tal como dizMarshal McLuhan: “Cinema, rádio e televisão situam certaspersonalidades num novo plano de existência. Elas existemnão tanto em si mesmas, mas como tipos da vida colectivasentidos e percebidos por um meio de massa.” (2002: 161).

Este fenómeno é também preocupação de Kellner ao fo-car a sua análise em celebridades como a Madonna, queserá talvez o melhor objecto de análise em termos compa-rativos com a televisão, uma vez que ela está para ostarsystemcomo a televisão está para osmediaaudiovisuais:

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amadas por uns e odiadas por outros, ambas alvo de crí-tica pelos supostos intelectuais puristas e ávidos defenso-res do bem contra o mal nas sociedades contemporâneas,elas são inquestionáveis, e indestronáveis rainhas no seudomínio, na sua arena mediática. Kellner dedica, aliás, ooitavo capítulo da sua referida obra integralmente à polé-mica diva mediática (2001: 335-364). Situando-a entre omoderno e o pós-moderno, Kellner aborda o “fenómenoMadonna” como uma corrente cultural em que a imagemda cantora ditaria padrões de moda a seguir, mas tambémtransmitiria uma determinada ideologia, uma forma de pen-sar e agir características, tal como acontece com as repre-sentações sociais que nos são transmitidas pela programa-ção televisiva. Madonna será, para Kellner, tão social e po-lítica quanto musical, senão mais ainda. Não é difícil tentarestabelecer um certo paralelismo em relação àquilo que sepassa com a televisão.Tal tipo de representações sociais veiculadas pelosmediaaudiovisuais, tais como a televisão, não pode ser visto damaneira negativista como os críticos as vêem. Cabe ao es-pectador assistir a elas com uma mente aberta, e, sobretudo,um espírito crítico, e delas tirar de proveitoso apenas aquiloque desejar. Ele não tem de seguir cegamente o caminhoou o comportamento veiculado por estas personagens me-diáticas; ele deve avaliá-lo segundo a sua própria cultura,a sua maneira de pensar ou, simplesmente, os seus interes-ses pessoais, e utilizar a “informação” à sua maneira. Estasfiguras doshow business, podem, ainda, apenas serem vis-tas ou interpretadas como tal:entertainersde massas, cujafinalidade principal é, precisamente, entreter o público queassiste ao seu espectáculo.

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Televisão e Publicidade

A publicidade teve a sua origem, nas nossas sociedades,na imprensa escrita, muito embora ela já existisse antes donascimento da imprensa moderna. O verdadeiro nascimentoda publicidade terá tido lugar na antiga Grécia, quando, naágora, os atenienses debatiam os assuntos públicos com osseus concidadãos; em suma: quando estes exerciam a retó-rica. Do mesmo modo, no início da era cristã, os apósto-los glorificavam os ensinamentos de Cristo, com o intuitode propagar a “boa nova”. No tempo de Carlos Magno,os sábios da Escócia e da Irlanda percorriam as cidadesanunciando-se como os “mercadores da ciência”.

Todos os exemplos referidos demonstram como a publi-cidade tem a sua origem nos desígnios da política e da reli-gião. São, então, os primeiros jornais (os primeirosmedia)que a emancipam, canalizando-a para servir outros desíg-nios. Assim, a publicidade torna-se, no período que se se-gue à revolução industrial, e graças à imprensa, uma aliadada economia de mercado. Como tal, ela perde um pouco dasua aura e do seu prestígio para se tornar, no século XX, de-cididamente “utilitária” e comercial. Enquanto derivada dapropaganda, a publicidade encontra-se, deste modo ao ser-viço dos comerciantes, mas continua a utilizar as mesmasreceitas de sedução e argumentação.

É, no entanto, depois dos anos 30, com o desenvolvi-mento dosmediae das ciências humanas, que a publicidadeatinge a maturidade. A partir deste marco, osmediae a pu-blicidade “crescem” ao mesmo ritmo. Eles apoiam-se mu-tuamente para conquistar novas posições na sociedade; elesdesenvolvem os mesmos argumentos e apelam aos mesmosvalores perante aqueles que questionam a sua acção, e, in-clusivamente, a sua existência.

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Finalmente, a publicidade acaba por valorizar-se em con-tacto com outras disciplinas – as relações públicas e o mar-keting –, ao mesmo tempo que se alimenta das doutrinasda psicologia e da psicologia social, das suas sondagens eteorias, pelo menos até ao início da década de 80. Efectiva-mente, até ao surgimento do marketing – o conjunto de téc-nicas que permitem concretizar, por investigação e antecipa-ção, um ajustamento mais eficaz entre a oferta e a procura –a publicidade propaga-se sem aprendizagem: ela acaba porfuncionar mais como uma arte do que com uma técnica,isto é, como uma prática sem teoria, mais uma improvi-sação do que um saber, quanto mais um saber-fazer. Como desenvolvimento e a popularização das ciências sociais,a publicidade eleva-se ao nível de disciplina independente,com fundamentos comprovados, profissionais confirmados,e uma deontologia reconhecida.

É entre as décadas de 30 e 80, com o florescimentodosmedia, nomeadamente, da televisão, que começa a as-sumir um lugar de destaque, que a publicidade se propagaem todo o seu esplendor até atingir os formatos, e o esta-tuto, que hoje lhe conhecemos. A televisão assume, semdúvida, um lugar de destaque na história da publicidade.Ela transforma-se numa verdadeira arena para uma produ-ção, quase à escala da cinematográfica, de pequenos filmespublicitários. Esta publicidade evolui de tal forma, ao pontode, hoje em dia, ela não se destinar apenas para preencheros intervalos de programação com pequenas mensagens, ouapelos, comerciais. Ela faz parte da própria programação,embora ainda seja alvo de inúmeras críticas, que se recu-sam determinantemente a considerá-la enquanto arte (e noentanto, foi assim que ela nasceu...), e acusando-a de sevestir com falsos esplendores de um ideal, o ideal de umafelicidade partilhada, de um consumo cujos benefícios são

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oferecidos cada vez a um maior número de pessoas. Umexemplo dessas críticas vem da parte de João de AlmeidaSantos, ainda na obra anteriormente referida. Acerca da pu-blicidade televisiva, diz o autor: “(...) neste mundo invertidoda publicidade, onde o produto adquire a natureza defetichemilagroso, capaz de nos oferecer este mundo e o outro, e va-lioso, não por qualidades intrínsecas, mas por qualidades e“atmosferas” que subrepticiamente a publicidade lhe asso-cia. Em publicidade, um produto surge sempre associado aalgo que nada tem a ver com ele. A algo que pode fascinar,atrair, espantar, fazer sonhar e que, por essa via, induz atrac-ção por um produto que lhe está marginalmente associado.Também aqui se poderia falar de instrumento de opressãosimbólica, de ilusão programada, de inversão substitutiva dovalor de uso pelo valor simbólico. Defetiche.” (2000: 78). Apropósito dos anúncios publicitários na televisão, diz aindaMarshall McLuhan: “Os anúncios não são endereçados aoconsumo consciente. São como pílulas subliminares para osubconsciente, com o fito de exercer um feitiço hipnótico,especialmente nos sociólogos. Este é um dos mais edifican-tes aspectos da vasta empresa educacional a que chamamospublicidade” (1995: 257).

Estas críticas, assim como outras semelhantes, parecemignorar, no entanto, não só a própria origem da publicidade,como também a transfiguração desta em comunicação me-diática: previamente uma técnica para fazer valer os méri-tos de um bem de consumo (produto ou serviço), ela es-tende agora a sua influência para lá do que se vende ou secompra, tornando-se numa aspiração colectiva, a chave defelicidade e um ideal de sociedade, que não só representaessa mesma sociedade, como contribui para a sua evolu-ção, nomeadamente através do quebrar de tabus sexuais eraciais nas mais diversas campanhas publicitárias que ve-

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mos na sociedade actual. Muitas campanhas publicitáriasdos nossos dias parecem promover estilos de vida ou com-portamentos sociais a par dos próprios produtos. Este fenó-meno não tem de ser visto de um ponto de vista negativo.Como nota o próprio Kellner, a publicidade é, nos dias dehoje “... um mecanismo importante e geralmente negligen-ciado de socialização, além de ser um meio de controlara demanda do consumidor” (2001:318). A publicidade es-tará, então, “... tão preocupada em vender estilos de vidae identidades socialmente desejáveis, associados aos seusprodutos, quanto em vender o próprio produto – ou me-lhor, os publicitários utilizam construtos simbólicos com osquais o consumidor é convidado a identificar-se para tentarinduzi-lo a usar o produto anunciado” (Kellner, 2001: 324).Podemos concluir, deste modo, que a publicidade pode serum instrumento social extremamente importante, nomeada-mente quando transporta determinados valores e comporta-mentos sociais e desperta a consciências das pessoas paradeterminadas temáticas sociais, chegando por este meio amensagem mais rapidamente aos seus destinatários. Alémda questão da rapidez na transmissão da mensagem há aindaque considerar que a publicidade está disponível para o aces-so de todo o tipo de destinatários que, quer queiram, quernão, são bombardeados diariamente com as mais diversasmensagens publicitárias.

A publicidade televisiva é, na grande parte dos casos,um mundo imaginário e criativo, de modo a que o especta-dor seja seduzido e agarrado por uma relação de dependên-cia forte. Isto não pode ser, no entanto, analisado pura e sim-plesmente de um ponto de vista redutor ao conceito de “feti-che”, como o que dá Almeida Santos. Por detrás deste pro-cesso aparentemente simples, esconde-se, também, muitotrabalho, dinheiro e considerações jurídicas subtis. Todo o

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processo é submetido a uma regulamentação muito estritae a um constante controlo por parte de várias instituiçõesespecializadas para o efeito.

Contudo, diz-se muitas vezes, também, que há demasi-ada publicidade na televisão, o que nos poderá levar a ques-tionar as referidas questões regulamentares. No entanto, aimpressão que, por vezes, possamos ter de excesso de pu-blicidade na televisão, é porque o tom, a forma e o discursopublicitários invadiram, de certo modo, o conjunto dos pro-gramas. A publicidade está em toda a parte, hoje em diae cada vez mais, e isso acaba por reflectir-se também natelevisão. Não será, então, o excesso de publicidade, massim a omnipresença de mensagens com carácter mais pro-mocional do que informativo que enervará o público. Masisto não se verifica apenas ao nível da publicidade, mas simalargado a toda a programação televisiva, e mesmo a todaa comunicação social, nomeadamente, no que diz respeitoaos discursos políticos.

A publicidade desempenha, ainda, um papel essencialao garantir a credibilidade do programa perante o seu pú-blico, e ao qualificar o elo que une o telespectador com asua estação, a pontos de algumas estações temáticas nãohesitarem em fazer propostas de taxas muito atraentes paraanimar, e assim também validar, o conteúdo do seu canal. Apresença de mensagens publicitárias conhecidas funciona,desta forma, como uma espécie de garantia da qualidade daestação que as difunde.

Queremos com tudo isto defender a presença da publici-dade na televisão, uma vez que ela pode assumir papéis so-ciais, e não só comerciais, bastante importantes. Claro estáque não poderemos categorizar do mesmo modo toda a pu-blicidade. Há publicidade e publicidade, e existem, comoem outras áreas, boas e más produções. O que está errado, a

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nosso ver, é a generalização das críticas negativas em rela-ção à publicidade televisiva, aliás tal como as críticas nega-tivas em relação à televisão que tendem também a ser erra-damente generalizadas. Estas críticas, tal como as que, ce-gamente não reconhecem potencialidades na televisão en-quanto meio de comunicação, não conseguem perceber ovalor positivo que a publicidade, nomeadamente a publici-dade televisiva, pode assumir na nossa sociedade.

Conclusão

Dando por concluído o presente trabalho, questionamo-nosse os aspectos positivos que conseguimos associar à tele-visão, enquanto meio de comunicação, não serão de modoalgum reconhecidos pelos intelectuais que apresentam umavisão denegrida desta rainha dosmedia. Como será possí-vel que nela não consigam reconhecer um importante papelna sociedade nos dias de hoje? Com certeza que reconhe-cemos as suas limitações. É óbvio que, tal como referimos,nem todo o seu conteúdo é bom, isto é, nem toda a sua pro-gramação é digna da nossa defesa. Mas isso não nega aspossibilidades ou as potencialidades deste meio de comuni-cação. Isso não quer dizer que não haja muitos produtos dequalidade nas suas transmissões. OK, nem toda a programa-ção televisiva é boa. E desde quando é que isso faz com quea televisão seja má? Ninguém diz que a literatura é má, e, noentanto, não queiram que acreditemos que tudo aquilo quese escreve é bom, porque não é. Assim como cabe a cadaum de nós escolher os livros que queremos ler, do mesmomodo, cabe a cada indivíduo escolher a programação tele-visiva a que quer assistir, e àquela a que assiste, julgá-la deacordo com as suas crenças e a sua maneira de pensar.

Há, no entanto, tal como vimos, alguns autores, como,

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sobretudo, Dominique Wolton que conseguem vislumbraras potencialidades deste meio de comunicação. O ufanismopopular com que o autor francês defende estemedia, leva-oa considerá-lo como um meio democratizador das massase não o contrário como defende o autor italiano GiovanniSartori. Não quer com isto dizer que concordemos com to-das as ideias de Wolton, como, aliás, tentamos demonstrarao longo do trabalho, nomeadamente no que diz respeitoà defesa que o autor faz da televisão generalista em de-trimento dos canais temáticos. Este apresenta, no entanto,pontos de vista bastante pertinentes acerca da televisão e,tal como nós, reconhece as limitações do meio, sem, no en-tanto deixar de lhe ver inúmeras potencialidades ao níveldas sociedades em que vivemos.

A televisão é, ainda, arena do debate acerca da culturae do próprio conceito de cultura, subjacente às preocupa-ções e aos estudos do autor americano Douglas Kellner. En-tendamos a televisão como um veiculo de cultura que fazchegar até nós informações que de outra forma não chega-riam, ou mais dificilmente chegariam. O conceito de “aldeiaglobal” defendido por Marshall McLuhan e Umberto Ecovê-se, desta forma, reflectido aqui. Se analisarmos separa-damente cada produto televisivo, tendo em conta sempre ocontexto socio-cultural e político em que este está inserido,como faz Kellner no seu trabalho, poderemos chegar a di-ferentes conclusões, de acordo com o objecto estudado e,talvez assim, consigamos ser mais objectivos a distinguir osbons dos maus produtos. Quem dita, no entanto, o que é“bom” ou o que é “mau”?

Outra questão que se coloca, por conseguinte, é que nãoestarão os autores como Sartori a desprestigiar a evoluçãotecnológica da humanidade, em termos, é claro, da comuni-cação? Viveríamos nós melhor sem televisão? E sem rádio

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ou telefone ou a própria imprensa escrita? E sem telemó-veis, por exemplo? O que pensará Sartori acerca da Inter-net? E da nova vaga da chamada televisão interactiva, emque o espectador é chamado a participar activamente emrelação àquilo a que assiste, emitindo a sua opinião? Re-cordemos, mais uma vez que para Sartori, assim como paraBourdieu e, em certa medida, para Almeida Santos, o teles-pectador não terá tal coisa. Haverá limites para a evoluçãotecnológica, falando, é claro, em termos dos meios de co-municação? Questões que ficam certamente sem resposta,ou melhor, que cada um responderá à sua maneira e terá asua própria visão do assunto. A sua própria perspectiva. Asua própria opinião. Porque somos todos Homo Sapiens. Ounão?

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