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Faculdade de Medicina Veterinária
Universidade Técnica de Lisboa
CLÍNICA DE ANIMAIS
DE COMPANHIA II
Teóricas
Autores:
Ana Afonso, nº 2006051
Daniela Matias, nº 2006015
Diogo Guerra, nº 2006092
H. Alexandra Castela, nº 2006100
5º Ano – 2º Semestre 2010/2011
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PROGRAMA TEÓRICO
I. NEFROLOGIA .............................................................................................................................. 2
I.1. INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA ............................................................................................ 2
Urémia pré-renal .................................................................................................................. 2
Urémia pós-renal .................................................................................................................. 4
Urémia renal ......................................................................................................................... 5
Diagnósticos Diferenciais de IRA .......................................................................................... 5
Sinais de IRA ......................................................................................................................... 5
Distinguir IRA e IRC ............................................................................................................... 6
Causas de morte na IRA ........................................................................................................ 7
Prognóstico da IRA................................................................................................................ 7
Terapêutica da IRA ............................................................................................................... 8
I.2. INSUFICIÊNCIA RENAL CRÓNICA ....................................................................................... 15
Terapêutica da IRC .............................................................................................................. 16
2
I. NEFROLOGIA
I.1. INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA
Definição – rápida deterioração da função renal, conduzindo a perda de capacidade dos
rins para manter o equilíbrio hidro-electrolítico, ácido-base e da eliminação dos produtos
azotados. Nesta situação o rim deixa de cumprir as suas funções repentinamente.
Para haver sinais de doença é preciso haver lesão de 2/3 do parênquima renal.
O quadro clínico da insuficiência renal está relacionado com o aumento brusco dos níveis
sanguíneos de ureia e creatinina. A perda da função renal é tão rápida que não há tempo para
o desenvolvimento dos mecanismos compensadores que encontramos na IRC. É por esta razão
que podemos encontrar um paciente com IRC com valores de 200 mg/ml de ureia e 4,5 de
creatinina1 vivo e relativamente estável, enquanto um animal com 150 mg/ml de ureia e 2 de
creatinina pode estar quase a morrer. Destes mecanismos, o primeiro é a polidipsia, que é
muitas vezes o primeiro sintoma de IRC no cão (embora nem sempre haja polidipsia nos gatos
com a mesma condição).
A polidipsia não ocorre nos animais com IRA – não há um aumento do consumo de água,
devido ao aumento da ureia. O primeiro sinal de doença renal é a proteinúria que antecede a
urémia e a creatinémia. A proteinúria ocorre quando 2/3 da função renal se encontra
afectada, enquanto o aumento dos níveis de ureia e creatinina surge quando essa função está
afectada em 80 a 90%.
O aumento dos níveis de ureia é patogénico – a ureia é tóxica - (p.e. gastrite com náusea,
associada a vómito, anorexia, desidratação, hálito urémico muito raro…), ao contrário da
creatinénima elevada que não apresentada toxicidade. Na IRC há também mecanismos de
tolerância à ureia que não existem na IRA.
Um dos aspectos para a terapêutica e prognóstico é o conhecimento da causa da IRA. As
causas são agrupadas em: IRA pré-renal, renal e pós renal. Esta nomenclatura não é muito
correcta, uma vez que na primeira fase da designada IRA pré-renal ainda não há lesão renal. É
mais correcto falar de urémia pré-renal, renal ou pós-renal.
Urémia pré-renal
Neste caso, há uma diminuição da taxa de filtração glomerular devido a hipoperfusão renal,
associada geralmente a desidratação, hipovolémia ou hipotensão.
Todas as doenças, mesmo as benignas, com vómito/diarreia e desidratação podem
conduzir a IRA.
Assim, uma desidratação de 8 a 10% (ex.: devida a uma gastroenterite de origem alimentar)
deve ser corrigida quanto antes – caso contrário o animal corre o risco de sofrer uma
1 valores normais: ureia [17 - 35 mg/dL]; creatinina [0.7 – 2.1 mg/dL]
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insuficiência renal aguda com lesão renal e um prognóstico gravíssimo ao fim de 24 a 48 horas.
Isto é particularmente verdade em animais geriátricos.
Num animal desidratado, há que relacionar os valores de ureia e creatinina com as
proteínas totais (aumentos moderados de ureia e creatinina não nos dizem nada acerca da
função renal num animal desidratado, pois se está desidratado, todos os solutos vão estar
mais concentrados).
Os meios de diagnóstico disponíveis para a avaliação de rotina do rim não nos permitem
garantir que não haja nenhuma lesão renal.
Embora a doença renal surja com maior tendência nos animais mais velhos, isto nem
sempre se verifica (ex.: rim poliquístico, leishmaniose). Em casos de leishmaniose, mesmo que
as análises bioquímicas se encontrem normais, deve-se verificar sempre se há proteinúria.
Avaliação de causas específicas de Urémia Pré-renal
Anestesia
Deve avaliar sempre a situação renal, incluindo urianálise pois a proteinúria é o sinal mais
precoce de doença renal.
Os anestésicos causam sempre algum grau de hipotensão. Por esta razão devemos fazer
fluidoterapia, sempre que uma anestesia geral se prolongue por mais de 15 minutos (sendo as
excepções raras, como castração de gatos ou sedações para ecografia/Rx). A fluidoterapia
facilita ainda a cateterização de veias pós-cirurgia (não esquecer que, à hipotensão, se associa
a desidratação).
Nos pacientes geriátricos e nos doentes renais devemos fazê-lo antes, durante e depois de
qualquer anestesia, uma vez que se tratam de animais de risco (ainda não há método de
diagnóstico fidedigno que nos permita dizer que o rim está mesmo saudável; o único é a
biópsia que exige anestesia).
Também se faz fluidoterapia em todas as anestesias de animais de raça de risco, qualquer
que seja a idade do animal. As raças de risco são:
o Persa – animais com uma predisposição genética para o rim poliquístico
(devemos fazer ecografia antes de anestesiar um persa). De facto, animais que
estavam aparentemente bem, podem fazer IRA após a anestesia. Tal é devido à
agudização duma IRC não diagnosticada.
o Shi–Tzu – raça com predisposição para malformações renais e familiares.
Fármacos
o AINEs - O fluxo sanguíneo renal faz-se à custa das prostaglandinas. Isto significa
que, se usarmos medicação que iniba a síntese de prostaglandinas (AINEs e
especialmente esteróides, que são os mais agressivos) podemos causar uma
hipoperfusão renal. Daí que o uso de AINEs em insuficientes renais e
desidratados deve ser feito com extremo cuidado. A situação clínica em que
estes fármacos são mais usados é a doença músculo-esquelética, que é mais
frequente em pacientes geriátricos (precisamente os que estão em maior risco
de ter insuficiência renal). Também são muito usados na displasia da anca. O
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uso de AINEs exige uma avaliação cuidada do rim e está totalmente contra-
indicado em animais desidratados. Caso haja necessidade de analgesia pré-
anestésica dar derivados morfínicos (ex.: Buprenorfina, Butorfanol, Tramadol,
Fentanil) e não AINEs!
Menos frequentemente é causada por:
Insuficiência Cardíaca Congestiva – a perfusão renal fica comprometida.
Síndrome de Addison (hipoadrenocorticismo) – doença marcada por desidratações
graves associadas a vómito e diarreia muito significativos.
Urémia pós-renal
Tem essencialmente, dois tipos de causa:
Obstruções das vias urinárias (geralmente por cálculos, que são muito mais frequentes
que os tumores).
No caso duma obstrução, além do aumento dos produtos azotados (em especial a
ureia), há hipercaliémia (pois o potássio deve ser excretado na urina). Tanto a ureia
como o potássio matam muito rapidamente. O quadro é agravado por uma
desidratação grave (devida a vómito) associada à situação pré-estabelecida.
A síndrome de urolítiase felina (FUS) é uma das situações mais frequentes em
clínica de pequenos animais. Quando as obstruções não são resolvidas em tempo útil,
levam à morte por envolvimento do rim.
Traumatismos – por rotura da bexiga ou da uretra.
No caso de rotura traumática da uretra (ex.: após dentada ou atropelamento) pode
haver estenose devido à cicatrização da lesão, conduzindo a urémia pós-renal 5 a 10
dias depois do traumatismo.
Cerca de 99% dos casos de rotura da bexiga são consequência dum atropelamento.
Deve-se considerar a possibilidade de rotura da bexiga em todos os animais recém-
atropelados (a rotura ocorre quando têm a bexiga cheia ou meio-cheia no momento
do trauma). O facto de encontrarmos a bexiga vazia não tem nenhum significado (um
animal em pânico depois do acidente urina de imediato).
A avaliação da bexiga é importante em todos os traumatizados do foro abdominal.
Uma rotura da bexiga mata em pouco tempo, mas tem um prognóstico excelente se
for diagnosticada e corrigida a tempo. Quando não é corrigida atempadamente,
conduz a urémia renal.
O diagnóstico deve ser feito com imagiologia contrastada. Caso não haja aparelhos
disponíveis poderá ser feito o doseamento de creatinina e potássio no líquido colhido
por abdominocentese, que estão aumentados no caso de rotura de bexiga. A ureia não
é um bom indicador pois é rapidamente absorvida. Outra alternativa de diagnóstico é
a injecção de soro, após algaliação, e realização de ecografia. Contudo, caso a rotura
seja de pequena dimensão e ocorra na face dorsal, o diagnóstico pode ser bastante
difícil.
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Urémia renal
A causa mais importante de IRA é a isquémia renal. Muitas vezes o veterinário é culpado,
por falta de agressividade na terapêutica.
Outras causas:
Antibióticos:
o Aminoglicosídeos – são os mais responsabilizados por lesão renal; incluem-se
antibióticos como a gentamicina ou a canamicina. Deve-se monitorizar a urina.
o Cefalosporinas – quando temos de administrá-las a um insuficiente renal, temos
de reduzir a dose para metade ou aumentar o intervalo entre as administrações.
o Anfotericina B
o Tetraciclinas
Meios de contraste radiológico iodado (os animais submetidos a este procedimento
devem fazer fluidoterapia ao mesmo tempo)
Anestésicos
Compostos orgânicos, com destaque para os pesticidas (ex.: paraquato) e
etilenoglicol.
AINES
Diagnósticos Diferenciais de IRA
Os sintomas são gerais, não específicos. Outras situações em que há insuficiência hepática e
renal agudas (diagnósticos diferenciais):
Leptospirose – todos os animais com IRA devem ser diagnosticados para leptospirose,
trata-se de uma zoonose e o nº de casos tem vindo a aumentar. O tratamento consiste
na administração de doxiciclina durante 15 dias (ao fim de 3 ou 4 dias já não eliminam
o agente).
Intoxicações – não é frequente atacarem o fígado e o rim ao mesmo tempo
Pancreatite – é obrigatório incluí-lo na lista de diagnósticos diferenciais.
Sinais de IRA
Os sinais mais importantes são:
Desidratação muito acentuada (não infrequentemente da ordem dos 8 a 10%)
Vómito mais ou menos frequente, que pode ser incoercível. A intensidade do vómito é
variável;
Diarreia;
Abatimento e prostração extremos, típicos da desidratação acentuada;
a Temperatura pode ser normal, elevada ou baixa. A tendência é para a hipotermia,
porque as causas mais frequentes de IRA são a hipovolémia e as substâncias
nefrotóxicas. A etiologia infecciosa é das menos frequentes, de modo que a febre é
rara (o agente infeccioso que mais frequentemente está envolvido é a Leptospira sp.,
que também afecta o fígado e é importante em termos de Saúde Pública).
Úlceras da mucosa oral
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nem sempre há Oligúria – falamos de oligoanúria quando a produção de urina é
inferior a 0.5 ml/kg/hora). De facto, os quadros oligo-anúricos correspondem a 50% ou
menos das IRAs, mas tem sempre um prognóstico reservado. Os quadros de IRA
devido à administração de aminoglicosídeos são não oligúricos.
Distinguir IRA e IRC
É muito importante distinguir uma IRA duma agudização duma IRC, uma vez que o
prognóstico é muito diferente. No caso da IRC, a lesão renal é irreversível (mau prognóstico),
enquanto na aguda pode sê-lo ou não (potencialmente reversível)
Para distingui-las, recorremos a parâmetros clínicos e laboratoriais:
Do ponto de vista clínico:
Quadros de hipercaliémia (relacionados com a diurese). Na IRA oligúrica (menos de
50% dos casos, com prognóstico muito reservado), há hipercaliémia, visto que não há
excreção. Na IRC, há normocaliémia até que o rim entre numa fase terminal: até esta fase, o
rim consegue manter os níveis de potássio normais. Na IRC, caso exista descompensação, há
quadros oligúricos, não há diurese e aumenta o potássio. Relativamente aos cães, os gatos têm
maior tendência para a hipocaliémia.
Presença de sedimento urinário activo na IRA (cilindros, piócitos, células de
descamação), ausente na IRC. Na última (ex. devido a Leishmania sp. e Ehrlichia sp.), há uma
grande percentagem de tecido fibroso, enquanto que na IRA há um processo inflamatório
causado, por exemplo, por tóxicos, bactérias e parasitas, com necrose celular, o que leva à
presença de células e cilindros na urina. Assim se entende a importância do sedimento
urinário.
Rins aumentados na IRA e diminuídos na IRC. No entanto, há situações crónicas que se
fazem acompanhar de aumento do volume renal, tais como hidronefrose, rim poliquístico,
tumores (linfossarcoma, que é mais comum no gato) e amiloidose.
Dor, presente na IRA, mas normalmente ausente na crónica.
Polidipsia e poliúria presente na fase que antecede o episódio agudo no caso da IRC.
Isto aplica-se essencialmente aos cães; quanto aos gatos, apenas 50 a 70% dos animais tem
polidipsia e poliúria na IRC (os gatos são animais que por regra consomem pouca água). No
momento da agudização, ou na IRA, o animal deixa de beber ou vomita tudo o que bebe.
A idade pode dar alguma indicação, mas não é muito fidedigna. Se for um animal com
10 anos podemos presumir que tenha IRC, mas não necessariamente. Por outro lado, um
animal jovem pode ter uma IRC (muito precoce) devido a determinadas alterações
congénitas, como é o caso do rim poliquístico. A IRC é a principal causa de morte em gatos.
Nos cães também é muito importante, mas nestes temos de pensar na insuficiência cardíaca.
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Anemia, que é não-regenerativa na IRC (diminuição da eritropoietina) é regenerativa
na aguda. Na IRA a anemia é devida a hemorragia. Se a perda de sangue tiver ocorrido há
poucas horas, ainda não houve tempo para a medula responder com produção de
reticulócitos, pelo que a anemia surge como se fosse não-regenerativa. Não obstante,
normalmente não há uma hemorragia tão violenta na IRA que cause uma anemia dramática e
na verdade, a anemia é mais característica da IRC (embora possam passar meses/anos sem
apresentar anemia).
Estado geral – apesar de desidratado, um animal com IRA tem um bom estado geral
(está “gordinho”); um com IRC tem um estado geral muito mau (magro, com tendência para a
caquexia; pêlo em mau estado). Não confundir mau estado geral secundário a IRC de cães que
apresentam pouco cuidados com o pêlo.
Pressão Arterial - aumentada na IRC; na IRA só em alguns casos.
A nível laboratorial:
A densidade da urina é anormalmente baixa na IRC. Na aguda, a densidade urinária
depende da lesão do rim (se mantém a capacidade de concentrar a urina ou não).
O quadro clínico relativamente aos níveis de ureia e creatinina é muito mais grave na
IRA (pois um animal com IRC teve tempo para se adaptar a níveis elevados de ureia e
creatinina). No entanto estes parâmetros são falíveis, pois pode ter havido agudização de uma
IRC.
Perda da densidade óssea na IRC, que tem a sua expressão máxima na mandíbula de
borracha (cuja ocorrência não é muito frequente, mas que quando surge é um bom indicador
de IRC).
Causas de morte na IRA
É importante conhecê-las, pois é contra elas que temos de lutar. Incluem:
Efeitos da hipercaliémia (os níveis de potássio aumentam muito na oligoanúria)
Acidose Metabólica
Coma Urémico
Hiper-hidratação (menos frequente)
Eutanásia (relativamente frequente, porque o tratamento é muito caro).
Prognóstico da IRA
A IRC é uma afecção progressiva, irreversível, lenta e arrastada, podendo os animais viver 3
a 4 anos com boa qualidade de vida. A IRA é reversível e, nos EUA, a mortalidade é de 50%
(também devido a eutanásia), visto que há uma fraca resposta à terapêutica (mesmo sendo
reversível, a progressão é muito rápida, e assim aumenta a mortalidade comparativamente à
IRC).
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Terapêutica da IRA
Objectivos:
Minimizar as potenciais lesões renais adicionais (parar imediatamente com fármacos
nefrotóxicos, e combater hipovolémia)
Promover a diurese (para reverter a oligoanúria)
Combater as consequências metabólicas da urémia (uma das quais, a acidose
metabólica).
Pensemos num animal com IRA devido a tratamento com gentamicina (antibiótico muito
usado em abcessos e infecções por Pseudomonas multirresistente; não podemos fazer um
tratamento prolongado com gentamicina sem monitorizar o rim, pois é nefrotóxico). A
desidratação vai agravar a lesão renal, porque está na origem duma hipoperfusão do rim. Este
animal precisa duma fluidoterapia muito agressiva.
O animal também tem de começar a urinar. A oligúria é uma resposta fisiológica à
desidratação. Um sinal de que o rim está a funcionar bem num animal desidratado é dado pela
reversão da oligúria através da fluidoterapia.
Monitorização
O ideal seria avaliar os parâmetros abaixo indicados 2 a 3 vezes por dia. No entanto, somos
limitados por factores económicos. Assim, pelo menos 1 vez por dia avaliamos:
Grau de hidratação – deve-se ter atenção aos obesos, magros e idosos magros cujo
teste da prega de pele pode ser falseado (nos obesos, mesmo desidratados, o tempo
da prega é inferior devido à maior percentagem de células adiposas que deslizam mais
facilmente – só alterada a partir de 10% de desidratação; nos idosos com caquexia não
existem células adiposas e ocorre o fenómeno inverso).
Peso – através do peso do animal, pode-se saber mais ou menos o estado de
hidratação, a custo zero. 1Kg equivale, aproximadamente, a 1Litro.
Quantidade de urina produzida – nos cães basta algaliar e usar um sistema de soro
acoplado a uma garrafa de soro; nos gatos e nas cadelas é mais difícil, mas pode-se
pesar a areia ou um resguardo antes e depois, tendo em conta que 1kg≈1L.
Hematócrito - para avaliar a desidratação. As máquinas e a avaliação são rápidas.
Proteínas totais – para avaliar a desidratação. Elevado custo
Electrólitos – elevado custo
Ureia e creatinina – elevado custo
pH sanguíneo – elevado custo
Se houver hipercaliémia e acidose metabólica, devemos determinar os níveis de potássio
e o pH sanguíneo 2 a 3 vezes por dia.
Por dia, os custos de monitorização são cerca de €40, mais tratamento e hospitalização.
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Fluidoterapia
Na primeira fase, procede-se a uma fluidoterapia rápida para corrigir a desidratação, que
pode levar ao agravamento da lesão renal. A escolha do fluido é baseada nos resultados do
ionograma (nomeadamente Potássio) e no pH sanguíneo. Quando não podemos fazê-lo,
usamos lactato de Ringer, excepto se houver hipercaliémia (o lactato de Ringer tem potássio,
pelo que teremos de usar soro fisiológico).
O volume de líquido (em litros) a administrar é dado por:
% desidratação x peso (kg)
Alguns animais não apresentam uma desidratação clínica evidente. Neste caso, devemos
assumir que há um grau de desidratação de 3 a 5%.
A primeira fase de fluidoterapia (re-hidratação rápida) deve ser feita em 6 a 8 horas. Nesta
fase, temos mesmo de monitorizar os animais frequentemente, para não corrermos o risco de
lhe provocar um edema do pulmão, por híper-hidratação – temos de ficar ao pé deles,
sobretudo quando a re-hidratação é feita muito rapidamente (4h).
Após o começo da fluidoterapia, o animal deve produzir um volume de urina de mais de
2ml/kg/h (alguns autores consideram o ideal 5 ml/kg/h), sendo necessário medir a diurese
para verificar se a fase oligúrica já terminou.
O objectivo da fluidoterapia de manutenção é compensar fluidos que se vão perdendo:
Perdas com vómito e diarreia
Perdas insensíveis (associadas à respiração) – calculadas para o cão em 20 ml/kg/dia
Perda urinária
Todas estas perdas devem ser levadas em conta quando determinamos a quantidade de
fluido a administrar durante a fase de manutenção.
Durante as primeiras 6 a 12 horas que se seguem à re-hidratação rápida, considera-se que
devemos manter algum grau de hiper-hidratação (1 a 3 vezes acima do peso do animal), isto
no caso de animal não oligúrico e com função cardíaca normal. A pesagem dá-nos uma boa
indicação acerca do grau de hidratação do animal.
É preciso ter muito cuidado com a hidratação rápida e a hiper-hidratação:
Em pacientes cardíacos
Em pacientes que permanecem oligoanúricos (se, após a fluidoterapia o animal
hidratado continuar sem urinar, devemos abrandar a fluidoterapia para não provocar
edema do pulmão)
A fluidoterapia nunca deve ser parada de repente, sob o risco de retrocesso de todo o
quadro clínico. Ela deve ser mantida até:
Serem atingidos níveis de ureia e creatinina normais, ou
Os níveis de ureia e creatinina permanecerem constantes durante 3 dias e há
melhorias clínicas significativas (o animal já come e não vomita).
O tempo médio de fluidoterapia é de 7 a 14 dias (até 21 dias); o de internamento é de 10 a
14 dias, por vezes até 3 semanas. Isto envolve um grande empreendimento, de onde a
frequência de eutanásia.
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Dos animais com IRA:
50% morre ou é eutanasiado
30% fica com IRC – aqueles casos em que não há normalização da ureia e creatinina
após fluidoterapia
20% recuperam totalmente
Estes são os dados duma universidade americana, onde muitos animais ficam
hemodialisados ou são submetidos a transplante renal! Em Portugal estes procedimentos não
são efectuados.
Postas estas probabilidades, torna-se muito complicado para os donos investir tanto
dinheiro sem garantia de sucesso. Deste modo, acabamos por abater animais que até podiam
ter hipóteses de sobreviver.
Notar que se um animal não estiver melhor ao 3º ou 4º dia de fluidoterapia, isso não
significa que não possa recuperar.
Hipercaliémia
É uma das causas de morte da IRA, que tende a ser mais grave nas situações de oligoanúria
(aliás, situação em que o prognóstico é mais reservado). O potássio é excretado na urina.
Portanto, é lógico que se acumule no sangue quando há oligoanúria.
Numa IRA, devemos medir os níveis sanguíneos de potássio, por rotina, uma vez por dia. No
entanto, se o valor estiver alterado, devemos aumentar a frequência das medições para 2 a 3
vezes por dia.
Quando a caliémia é:
6-7 mEq/l – há geralmente uma boa resposta à fluidoterapia com soro fisiológico,
isenta de potássio.
7-8 mEq/l – é necessário proceder a uma terapêutica específica para a hipercaliémia.
Podemos usar:
o Bicarbonato de sódio (0,5 a 2 mEq/kg IV) – troca sódio por potássio e leva à
entrada de potássio na célula. O bicarbonato de sódio tem de ser sempre
administrado muito lentamente, para que não cause alterações bruscas de pH
ao nível do SNC. A administração lenta prolonga-se por 15 a 20 minutos (30
minutos segundo alguns autores). A velocidade de administração depende da
presença ou ausência de sinais de cardiotoxicidade pelo potássio. O
bicarbonato de sódio demora 15 a 20 minutos a actuar. Não deve, contudo,
ser administrado a animais cardíacos, com síndrome nefrótico ou com
hepatopatias crónicas, pois estes têm tendência para retenção de líquido.
o Alternativamente, usa-se dextrose 20% - também demora 15 a 20 minutos a
actuar. A dextrose estimula a libertação de insulina endógena, o que conduz à
entrada de potássio na célula.
Quando já há alterações cardíacas, 15 a 20 minutos de espera podem significar a morte.
Nestas situações, administra-se gluconato de cálcio 10%, 0.5 – 1 mg/kg IV, que tem:
Vantagem – acção imediata
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Desvantagem – não corrige os níveis de potássio; tem apenas uma acção sintomática.
É necessário monitorização e, no caso de bradicardia, deve-se retirar imediatamente.
O cálcio só é usado se os níveis de potássio forem suficientemente elevados para causarem
alterações cardíacas.
Um animal com uma calcémia normal tem uma tolerância muito menor à administração de
cálcio do que um que tenha níveis baixos de cálcio no sangue. Assim, a administração de
gluconato de cálcio a um animal em hipercaliémia exige uma monitorização contínua da
actividade cardíaca. Podemos fazê-lo através de:
Electrocardiograma (tem o inconveniente de gastar muito papel)
Uso dum monitor de anestesia (mais prático)
A administração de gluconato de cálcio pára ao primeiro sinal de bradicardia. O gluconato
de cálcio só serve para corrigir as arritmias. Depois de regularizar o trabalho cardíaco, é
necessário corrigir a caliémia através da administração de bicarbonato de sódio ou de dextrose
20%.
Acidose metabólica
Também exige terapêutica de urgência. É necessária terapêutica específica se o pH
sanguíneo se tornar inferior a 7,2. A dose de bicarbonato de sódio a administrar é dada por:
Dose (mEq) = 0.3 x peso (kg) x défice em bicarbonato
Administra-se metade da dose calculada IV muito lenta, durante 15 a 30 minutos. O
restante é adicionado à fluidoterapia.
A grande maioria dos doentes com hipercaliémia tem acidose metabólica grave. Nos casos
em que as duas situações coexistem, não faz muito sentido usar dextrose na correcção da
caliémia, uma vez que a dextrose não tem nenhum efeito na correcção do pH sanguíneo. Aqui,
é mais que lógico usar o bicarbonato de sódio, que é capaz de corrigir ambas as situações.
A terapêutica com bicarbonato é muito arriscada nos pacientes cardíacos. Quando
colocamos sódio intravascular, haverá entrada de água e expansão do território vascular.
Deste modo, aumenta o “pre-load” (quantidade de sangue que aflui ao coração) o que pode
ser difícil de gerir por um coração que é insuficiente. Nos pacientes cardíacos, é necessária
atenção redobrada na terapêutica com bicarbonato de sódio.
Correcção da oligúria
A oligúria está na origem de duas causas de morte: urémia e hipercaliémia. Temos de pôr o
animal a urinar para que haja excreção de ureia e potássio. Contudo, é necessário ter em conta
que a não emissão de urina não é necessariamente sinónimo de oligúria, podendo ser um sinal
de desconforto por estarem internados (ajuda ter um ecógrafo para verificar se existe urina na
bexiga).
A primeira medida adoptada para promover a diurese consiste na fluidoterapia. Aliás, esta
é uma medida indispensável. Estamos a pensar em animais desidratados e nunca se deve usar
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diuréticos em animais desidratados. Enquanto o animal não estiver hidratado, não se usam
diuréticos.
Depois de hidratado, o animal deverá produzir mais de 2 ml/kg/h de urina (mais de 5
ml/kg/h segundo alguns autores). Caso o paciente se mantiver oligúrico – ou seja com uma
produção de urina inferior a 0,5 ml/kg/h – temos de partir para uma abordagem mais
agressiva.
Diferentes autores sugerem protocolos diferentes. A professora gosta de começar pela
furosemida, que é um diurético de ansa muito potente, na dose 2mg/kg, IV, que pode ser
duplicada ou triplicada. Outros autores começam pelo manitol ou glucose 0.5 a 1 mg/kg, IV
lenta.
Notar que a furosemida faz espoliação de potássio. Isto não é grave se se tratar de um
paciente com hipercaliémia. Porém, é preciso ter cuidado com as doses maciças de
furosemida, especialmente se estivermos a administrar bicarbonato de sódio. Não nos
podemos esquecer que estes animais não estão a comer. Se após a oligúria, o animal fizer
poliúria (e não estando a alimentar-se), pode desencadear-se uma hipocaliémia! A tendência
para a hipocaliémia ainda é maior se o animal tiver vómito e diarreia. De qualquer forma, a
administração de furosemida exige que se faça a monitorização do potássio sanguíneo (cujo
nível ideal é de 4 mEq/kg). Se os níveis forem muito instáveis, a monitorização deve ser feita 3
vezes por dia.
Dose do potássio a administrar:
de manutenção – 20 mEq/l
terapêutica – 40 mEq/l
Voltando à terapêutica da oligoanúria, começamos com furosemida na dose:
De 2 mg/kg IV. A furosemida2 tem uma acção bastante rápida, que começa 5 minutos após
a administração. Se ao fim de 30 minutos a produção de urina ainda não tiver aumentado,
elevamos a dose para 4 mg/kg. Novamente, se ao fim de 30 minutos não houver produção de
urina, subimos a dose de furosemida para 6 mg/kg. Aguardamos mais 30 minutos. Caso o
animal continue sem produzir urina, a situação é bastante grave e temos de mudar de
abordagem.
Passamos então à administração de manitol 10% ou 20%. A administração deve ser feita
muito lentamente, a uma velocidade de 0.5 a 1 g/kg. Notar que o manitol é um diurético
osmótico. Como tal, deve ser usado com muito cuidado nos pacientes cardíacos, uma vez que
promove a entrada de fluido no território intravascular, aumentando a pré-carga.
Se ao fim de 30 minutos, o manitol também não tiver promovido a diurese, só nos resta a
administração de vasodilatadores, como a dopamina, na dose de 2-5 mg/kg/min.
A dopamina e a furosemida agem sinergicamente.
2 Muito Importante: quando a IRA é devida à administração de gentamicina (e, provavelmente se for
devida à administração de outros aminoglicosídeos), NÃO se pode usar a furosemida como diurético, porque esta potencializa a nefrotoxicidade da gentamicina. Contudo, normalmente, a IRA provocada pela gentamicina não é oligúrica.
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Vómito
É um dos sintomas mais desesperantes da IRA, que pode manter-se mesmo quando os
valores de ureia e etc. estão a melhorar.
Causas de vómito na IRA
a ureia conduz ao vómito de várias formas: estimula o centro do vómito, a “trigger
zone” e irrita a mucosa gástrica (ou seja, os receptores periféricos) – gastrite urémica
(principal causa)
aumenta a semi-vida da gastrina – pelo que aumenta a produção de HCl, conduzindo
ao aparecimento de gastrite e úlceras gastrointestinais.
Hipergastrinémia
Estimulação dos receptores H2
Hipercloridria
Gastrite e úlceras gástricas
Perante estas causas de vómito, faz todo o sentido usar:
bloqueadores dos receptores H2:
o cimetidina – 5 mg/kg BID, IV
o ranitidina – 2 mg/kg BID IV
Deste modo, controlamos a produção de HCl.
fármacos com acção central, tais como:
o metoclopramida (que também tem uma acção periférica) – 0.2 a 4 mg/kg,
4 vezes ao dia, IM.
o clorpromazina – a professora não gosta muito de usá-la. A principal razão
reside no facto de ser hipotensora. Além do mais, como tranquilizante que é, a
clorpromazina faz depressão do SNC, o que não é desejável (os animais com
IRA já estão suficientemente deprimidos para não precisar dos efeitos
tranquilizantes da clorpromazina).
Dum modo geral, os derivados fenotiazínicos são usados como anti-eméticos,
especialmente no vómito crónico.
Notar que, nem a metoclopramida, nem a clorpromazina devem ser usadas quando
administramos dopamina.
Suponhamos agora, um insuficiente renal agudo, no qual já tentámos administrar tudo,
mas sem nenhum resultado (continua com ureia e creatinina elevadas, vómito, está
oligúrico,...). O que nos falta fazer?
A resposta é diálise peritoneal.
Os tubos que existem para diálise peritoneal para uso veterinário, não são brilhantes.
Temos uma grande dificuldade em extrair o fluido introduzido (até porque o epíploon se “cola”
ao tubo), de modo que uma parte substancial permanece na cavidade peritoneal, o que
prejudica o sucesso do tratamento. Estão actualmente, a ser desenvolvidos novos tubos de
diálise peritoneal.
Outro problema reside no facto de, não muito raramente, a técnica estar na origem duma
peritonite (até porque muitos destes animais são imunodeprimidos). Foi esta a razão que
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levou ao abandono quase completo da diálise peritoneal em humanos, a qual foi substituída
pela hemodiálise.
Em alguns países com os EUA, faz-se hemodiálise e até transplantes renais. Os transplantes
são muito caros, exigindo que haja histocompatibilidade entre dador e receptor. Arranjaram
um sistema em que são recolhidos cães abandonados, que são usados como dadores de rins.
Quem quiser fazer o transplante, compromete-se a acolher o cão dador de rim.
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I.2. INSUFICIÊNCIA RENAL CRÓNICA
De um modo geral, temos a ideia de que a IRC diz respeito a animais geriátricos. Apesar de
ela ser, de facto, mais frequente nos pacientes mais idosos, não é impossível observá-la em
animais jovens (6-8 meses), em especial quando há problemas congénitos, mas não
exclusivamente. A literatura diz que a IRC pode aparecer entre os 6-8 meses e os 22 anos!
Algumas raças são especialmente predispostas à IRC, pelo que devemos inclui-la no nosso
diagnóstico diferencial:
Persa (predisposição para o rim poliquístico)
Abissínio
Shi-Tzu (podem surgir com hipoplasia renal; os animais afectados morrem cerca dos 3
ou 4 anos, ou até antes disso)
Lhasa Apso e Cocker Spaniel também podem ter alguns problemas congénitos.
Por regra, são animais que os donos referem que sempre tiveram polidipsia. Não esquecer
ainda, que qualquer malformação congénita (a nível renal e não só) conduz a um
desenvolvimento anormal para o padrão da raça. Os animais afectados são, habitualmente
mais pequenos que os irmãos da ninhada.
Quando nos surge um animal com polidipsia, seja ou não de uma raça suspeita, devemos
pensar em IRC, mesmo que seja jovem. Devemos inquirir os donos se acham que o animal
bebe mais.
Nos animais que ainda são relativamente novos, mas não são propriamente jovens (cerca
dos 3 anos) devemos lembrarmo-nos que a causa da IRC pode ser leishmaniose.
É importante avisar os donos que a IRC não tem cura! No entanto, de acordo com aquilo
que o dono esteja disposto a fazer, podemos prolongar bastante a vida do animal, se
apanharmos a doença na fase inicial (o diagnóstico de IRC pode ser feito precocemente, o que
contribui para o aumento da esperança média de vida destes animais). Muitas vezes a única
forma de chegar ao diagnóstico, é por biópsia.
A biópsia renal pode ser feita por laparotomia ou com uma agulha de biópsia. A professora
aconselha-nos a ter sempre uma ampola de adrenalina à mão para o caso de surgir uma
hemorragia mais profusa.
A IRC evolui progressiva e irreversivelmente para a morte. No entanto, uma percentagem
relativamente elevada de animais consegue viver durante meses ou anos com a doença,
mantendo uma qualidade de vida bastante aceitável. Por outro lado, a IRA tem, no momento
imediato, um prognóstico muito mais reservado. No entanto, há alguma esperança de
recuperação total. O mesmo nunca se aplica a uma agudização ou a uma fase terminal de IRC -
estes animais não têm nenhuma hipótese de recuperação total. Notar que a maioria das
agudizações de IRC ocorre na fase terminal da doença.
Para que haja alterações nos níveis sanguíneos de ureia e creatinina é necessário que pelo
menos 80% do parênquima dos dois rins esteja alterado. Isto significa que a urémia e a
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creatininémia podem ser normais num animal que já tem alterações numa percentagem
significativa do parênquima renal.
Apesar de não ser absolutamente fidedigna, a densidade urinária pode dar-nos uma ideia
se há ou não lesão renal, porque a hipostenúria surge antes da elevação da urémia e
creatininémia (além disso é barato):
Consideramos que o rim funciona bem, quando a densidade urinária é cerca de
1030 (cão) ou 1035 (gato)
Para níveis de densidade urinária entre 1005 e 1013 (especialmente quando
acompanhados de polidipsia, que é mais comum no cão) devemos aceitar que já há
algum nível de lesão renal.
Os animais com IRC têm alguma tendência para as infecções baixas do tracto urinário (as
quais conduzem a disúria e polaquiúria).
Imaginemos agora um animal que surge com sinais de IRA. É a primeira consulta e os donos
são pouco colaborantes. Algumas indicações podem ajudar-nos a decidir se é uma IRA ou uma
agudização de uma IRC:
os níveis de ureia e creatinina são muito mais elevados na situação aguda.
a densidade urinária é menor na crónica.
animais em mau estado geral na IRC (por ser uma situação que se tem vindo a
prolongar no tempo).
radiografia dos ossos longos e mandíbula (para detectar a reabsorção óssea que
pode acompanhar a IRC) – não referido na aula
o tamanho dos rins (à palpação) pode dar alguma indicação – diminuição do
tamanho. No entanto, não nos devemos esquecer de que há situações em que a IRC se faz
acompanhar de aumento do volume dos rins. São elas:
o neoplasia (linfossarcoma no gato, geralmente associado a infecção pelo FIV ou
FeLV; o adenocarcinoma renal é muito raro no cão)
o hidronefrose
o amiloidose
o rim poliquístico
o mal formação congénita
o glomerulonefrte (raramente) – não referido na aula
o infecção pelo vírus do PIF – não referido na aula
Terapêutica da IRC
Apesar do pobre prognóstico a longo prazo, animais com IRC podem sobreviver durante
longos períodos de tempo com boa qualidade de vida.
A terapêutica é essencialmente de suporte e sintomática. Tem os seguintes objectivos:
melhorar os sintomas associados à urémia
minimizar as alterações associadas ao excesso ou ao défice de electrólitos, vitaminas e
minerais
suporte nutricional (prótidos, glúcidos, lípidos e minerais adaptados à situação clínica)
diminuir a progressão da insuficiência renal
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Fluidos:
É muito importante que os insuficientes renais crónicos tenham sempre água limpa à
disposição (também válido para os diabéticos). O dono nunca lhes deve tirar a água. No
mínimo, a água deve ser mudada três vezes ao dia; a frequência deverá ser maior durante o
Verão, nos animais que vivem no exterior (nestes casos, a água pode evaporar ou ficar
quente).
Se o animal não beber água em quantidade suficiente, além de ficar desidratado (entre 3-
5%, a desidratação é subclínica e, em animais obesos, a prega de pele pode sofrer alteração
apenas após 10% de desidratação), pode desencadear-se uma crise urémica (a desidratação é
responsável pela diminuição do fluxo sanguíneo renal que leva a lesão renal adicional). O
problema é especialmente complicado nos gatos. Sendo animais que têm as suas origens no
deserto, os gatos bebem naturalmente pouca água. Alguns autores sugerem pequenos truques
para aumentar a ingestão de água nos gatos_
amolecer a ração com água (o que nem todos os gatos aceitam)
misturar água morna no enlatado
encher o prato de água mesmo até cima (parece que os gatos não gostam de ver o
prato cheio e vão beber um pouco).
Também nós, enquanto veterinários, devemos ter cuidado. Quando os animais são
hospitalizados (qualquer que seja a razão), tendem a diminuir o consumo de água. Se esse
animal for insuficiente renal crónico isso pode ser perigoso.
Não esquecer que a maior causa de lesão renal é a hipoperfusão3. Num animal que tem
menos de 25% de nefrónios funcionais não nos podemos “dar ao luxo” de não corrigir os
factores predisponentes de lesão. Pode ser muito útil administrar soro subcutâneo 2 a 3 vezes
por semana para corrigir as desidratações que não são perceptíveis clinicamente (até 3%).
Potássio:
A hipercaliémia é um problema na IRA, mas não na crónica. Nestes animais, os nefrónios
que ainda estão viáveis, conseguem aumentar a excreção de potássio e também há excreção
gastrointestinal. Deste modo, a caliémia costuma ser normal e não é necessário restringir o
consumo de potássio. Há hipercaliémia quando o rim está praticamente substituído por tecido
fibroso e numa fase terminal.
Caso haja hipercaliémia (não referido na aula):
restrição do consumo de potássio
administração de resinas permutadoras de iões, como seja o sulfonato de polistireno.
Administra-se na dose de 2 g/kg, dividida em 3 vezes ao dia. Cada grama da resina é
diluída em 3 ou 4 ml de água e a solução é administrada oralmente. Também pode sê-
lo na forma de enema. Neste caso, para que haja uma permuta eficaz é necessário que
o enema permaneça no local durante 30 minutos. Podemos imaginar que isso não é
muito prático, especialmente se estivermos a falar de gatos. Em geral, o enema só é
3 Nas IRC agudizadas há oligoanúria!
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usado em animais hospitalizados. Notar que o sulfonato de polistireno pode causar
obstipação.
Nos animais que têm IRC moderada (ou seja, estão clinicamente bem e não têm aumentos
importantes na ureia e creatinina), mas que apresentam hipercaliémia devemos pensar como
estará a renina. A diminuição da renina leva a diminuição da aldosterona. Esta última promove
a reabsorção de água e sódio e a excreção de potássio. Deste modo, se estiver diminuída, pode
haver hipercaliémia. Estas situações são designadas hipoaldosteronismo hiporreninémico.
O tratamento do hipoaldosteronismo hiporreninémico é feito com a administração de
acetato de fludrocortisona. Não podemos prolongar a administração durante muito tempo,
porque causa retenção de sódio (por esta razão, é preciso ter atenção às situações de
insuficiência cardíaca).
A hipocaliémia é pouco frequente. Quando surge, é geralmente nos gatos, embora também
esteja descrita no cão. Deve administrar-se cloreto de potássio:
nos gatos: 0.2 g/dia, PO
nos cães, 1-3 g/dia, PO
A hipocaliémia causa fraqueza muscular e os gatos surgem com uma ventroflexão do
pescoço muito expressiva. Têm dor à manipulação do pescoço e dificuldade em andar.
O cloreto de potássio demora 4 a 5 dias a corrigir a caliémia quando é administrada
oralmente. Também pode ser administrado por uma via parentérica.
Acidose metabólica:
É corrigida através da administração de bicarbonato de sódio 8-12mg/kg, PO, BID/TID. A
administração está contra-indicada nas seguintes situações:
insuficiência cardíaca congestiva (o sódio chama água e há sobrecarga de fluidos no
coração)
síndrome nefrótica
hipertensão
oligúria
hiperhidratação
Fósforo
O aumento dos fosfatos é uma das causas de hiperparatireoidismo renal secundário, o qual
conduz à osteodistrofia fibrosa.
O fosfato regula a activação da vitamina D a nível renal. É necessário dispor da forma activa
desta vitamina (calcitriol) para que haja absorção intestinal de cálcio. Se os níveis sanguíneos
de fosfato aumentarem, a vitamina D não é activada e não há absorção de cálcio.
Por outro lado, a paratormona é sintetizada quando os níveis de cálcio estão baixos e os de
fósforo elevados. Deste modo, conjugamos:
níveis elevados de paratormona
níveis baixos de vitamina D activa
calcémia baixa
Tudo isto conduz à reabsorção de cálcio ósseo e assim, à osteodistrofia.
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As maiores fontes de fosfatos são a carne, os lacticínios e o peixe (este último ainda mais do
que a carne). Deste modo, a alimentação de um insuficiente renal crónico deve ser
hipoproteica, o que vai permitir o controlo:
dos níveis de fosfato
de hiperparatireoidismo
da hipovitaminose D
Com tudo isto, conseguimos prevenir a osteodistrofia.
Quando a restrição proteica não consegue assegurar os níveis de fosfato desejados (ou seja,
inferiores a 6 mg/dl), devemos passar à administração de quelantes dos fosfatos, como seja o
hidróxido de alumínio, 30-90mg/kg, PO, SID. Este último tem, no entanto, a desvantagem de
provocar obstipação.
Cálcio:
Em geral, os níveis de cálcio são baixos nestes animais. Se a calcémia for normal, sê-lo-á à
custa do cálcio ósseo. Só devemos avançar para a correcção dos valores de cálcio, quando já
foram normalizados os valores de fósforo.
Os insuficientes renais crónicos apresentam melhorias acentuadas quando se procede à
administração do cálcio. Esta deve ser sempre feita na forma de carbonato ou de gluconato de
cálcio e nunca de cloreto, porque este é acidificante.
Porém e porque o cálcio causa lesão renal, a calcémia deve ser monitorizada a cada 10 ou
14 dias.
Os animais com hiperfosfatémia nunca devem ser suplementados com cálcio, uma vez que
isso levará à calcificação dos tecidos moles (incluindo a nível renal). Se não pudermos medir a
fosfatémia, o melhor é não administrar cálcio. Sempre que o fósforo aumentar, é necessário
cessar o tratamento com cálcio.
Vitamina D:
Com a administração de vitamina D e a diminuição dos níveis de fósforo, conseguimos
fomentar a absorção intestinal de cálcio. Mas, para administrar vitamina D é preciso ter os
níveis de fosfato corrigidos. Se não pudermos controlar a fosfatémia e a calcémia, não
devemos administrar a vitamina.
A vitamina D é boa, mas pode estar na origem de hipercalcémias graves. Por isso, a
administração de vitamina D tem de ser acompanhada de monitorização da calcémia. É mais
seguro administrar cálcio que vitamina D. De qualquer modo, se o dono não cumprir com a
monitorização, não devemos dar nem mesmo cálcio.
Anemia não-regenerativa É necessário combater e controlar a anemia destes animais, até porque a anemia põe,
muitas vezes, em causa a sobrevivência dos insuficientes renais crónicos. Na primeira fase da
IRC, surge uma anemia moderada, que tende a agravar-se.
Os factores que concorrem para o aparecimento de anemia são:
Diminuição da produção renal de eritropoietina
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diminuição do tempo de semi-vida dos eritrócitos por acção da urémia (o
tempo de semi-vida normal de um eritrócito é de 120 dias).
Presença de inibidores urémicos da EPO
Factores co-responsáveis
hemorragias gastrointestinais (provocam anemia pré-regenerativa; como não
existe eritropoietina a anemia torna-se não regenerativa)
subnutrição (na fase terminal; agrava a anemia e dificulta as formas que temos
para a ultrapassar)
Mielofibrose associada ao hiperparatiroidismo (que acompanha a IRC)
Androgénios
Acções:
estimulam as células produtoras de eritrócitos
estimulam a diferenciação eritrocitaria (semanas ou meses)
estimulam a produção de eritropoietina.
São os fármacos de primeira linha. No entanto, demoram semanas ou meses a actuar (são
fármacos de manutenção) e, muitas vezes, os animais não podem esperar tanto tempo, por
isso, usam-se apenas em casos não muito graves.
Ésteres de testosterona
proprionato de testosterona
enantato de testosterona
Os ésteres de testosterona não apresentam os efeitos indesejáveis que surgem quando
usados na medicina humana.
Não esteroides
Decanoato de nandrolona
Fenilpropionato de nandrolona
Transfusão sanguínea
Só é efectuada em situação de emergência, por forma a garantir a sobrevivência do
paciente durante o tempo necessário para que os outros fármacos façam efeito, ou seja,
quando a anemia é grave e é necessário uma resposta imediata.
O efeito é transitório; as melhorias associadas duram apenas 10 a 15 dias.
Quando organicamente, ou através de fármacos, não conseguimos corrigir a
anemia devemos pensar em realizar uma transfusão ou administrar eritropoeitina.
Eritropoietina recombinante humana (r-HuEPO)
Bons resultados a curto prazo
Aumento do hematócrito em 5-10 dias
Não aprovado para uso em cães e gatos
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Fármaco excelente, mas de última linha nos pequenos animais. Tem alguns problemas
importantes:
Cerca de 50% dos animais produz anticorpos anti-eritropoietina endógena (pois é
usada uma molécula heteróloga), pelo que deixa de haver resposta à terapêutica.
Os anticorpos têm muitas vezes reacções cruzadas com a EPO endógena que ainda é
sintetizada. O resultado é uma anemia subsequente mais grave que a anterior à
terapêutica.
A r-HuEPO está apenas indicada para os animais que estão dependentes de
transfusões
actualmente, não é possível adquiri-la em Portugal.
Os anticorpos anti-eritropoietina anulam não só a eritropoeitina humana como alguma que
o animal ainda consiga produzir. Assim, r-HuEPO deve ser usada apenas em animais que
apresentam baixa produção de eritropoietina.
Está em fase de desenvolvimento uma eritropoietina homologa para cão e gato.
A eritropoietina recombinante humana só é usada quando o hematócrito atinge valores da ordem
dos 15 a 20%, devendo fazer-se um tratamento o mais descontinuado possível, por forma a reduzir a
probabilidade de produção de anticorpos contra a eritropoietina. A resposta surge 5 a 10 dias após o
início do tratamento e manifesta-se por melhoras evidentes em termos de energia, apetite e vivacidade
do paciente. Concomitantemente, deve ser feita administração de ferro.
IECAS
A angiotensina II faz vasoconstrição na arteríola eferente ao nível dos glomérulos renais. Esta acção faz aumentar a pressão capilar intraglomerular com progressão da lesão renal e promoção da proteinúria. Efeitos dos IECAs
Diminuição da proteinúria
Diminuição da pressão sanguínea sistólica
Atraso no inicio da azotémia
Diminuição da magnitude da azotémia
Melhoria da qualidade de vida
Aumento do apetite
Ganho de peso
Aumento da esperança de vida Neste momento, acredita-se que os IECAS são úteis em todas as fases da IRC. Como fármacos mais usados, temos o Enalapril e o Benazepril.