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1 Remexendo no baú de memórias: ler e escrever para (se) conhecer Vilma Cristina Silva dos Santos 1. Justificativa Quando entramos em uma sala de aula do Ensino Médio, não encontramos apenas alunos e alunas de determinada classe, encontramos sujeitos envolvidos em muitas práticas sociais, com conquistas, frustrações e anseios. Pessoas que atuam motivadas por diversos interesses e que atribuem diferentes sentidos ao lazer, à cultura, ao conhecimento e ao trabalho. Lá estão jovens histórias de vida, biografias juvenis a serem desveladas. Como afirma Melucci (1997, p. 9): “A juventude não é mais somente uma condição biológica, mas uma definição cultural”. Essas experiências são marcadas por múltiplas dimensões: classe social, idade, constituição do núcleo familiar, lugar de nascimento, pertencimento racial ou étnico, gênero e sexualidade. Todos esses aspectos entrelaçados são fundamentais para a construção identitária dos sujeitos. Na escola, pode faltar muita coisa, mas o que não falta é gente convivendo e buscando se conhecer. E conhecer a si mesmo e ao outro é algo que mobiliza os jovens. O que é melhor para mim? Por que eu gosto e não gosto disso? Quem sou eu? O que tenho feito e como? Qual o valor moral que mais preservo? Qual a pessoa que mais me influencia na vida? Quem é o meu colega? De que ele mais gosta? E o valor moral que ele mais preserva? Quem são seus pais e quais são suas atividades? Diante dessas questões que martelam a cabeça de muitos deles, numa fase em que começam a desejar responsabilidades, a assumi-las e a serem cobrados por isso, nós, professores e professoras, podemos ajudar nossos estudantes a descobrir na linguagem, e por meio dela, possíveis pistas para respostas e novas indagações.

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Remexendo no baú de memórias: ler e escrever para (se) conhecerVilma Cristina Silva dos Santos

1. JustificativaQuando entramos em uma sala de aula do Ensino Médio, não encontramos

apenas alunos e alunas de determinada classe, encontramos sujeitos envolvidos em muitas práticas sociais, com conquistas, frustrações e anseios. Pessoas que atuam motivadas por diversos interesses e que atribuem diferentes sentidos ao lazer, à cultura, ao conhecimento e ao trabalho. Lá estão jovens histórias de vida, biografias juvenis a serem desveladas. Como afirma Melucci (1997, p. 9): “A juventude não é mais somente uma condição biológica, mas uma definição cultural”. Essas experiências são marcadas por múltiplas dimensões: classe social, idade, constituição do núcleo familiar, lugar de nascimento, pertencimento racial ou étnico, gênero e sexualidade. Todos esses aspectos entrelaçados são fundamentais para a construção identitária dos sujeitos.

Na escola, pode faltar muita coisa, mas o que não falta é gente convivendo e buscando se conhecer. E conhecer a si mesmo e ao outro é algo que mobiliza os jovens. O que é melhor para mim? Por que eu gosto e não gosto disso? Quem sou eu? O que tenho feito e como? Qual o valor moral que mais preservo? Qual a pessoa que mais me influencia na vida? Quem é o meu colega? De que ele mais gosta? E o valor moral que ele mais preserva? Quem são seus pais e quais são suas atividades?

Diante dessas questões que martelam a cabeça de muitos deles, numa fase em que começam a desejar responsabilidades, a assumi-las e a serem cobrados por isso, nós, professores e professoras, podemos ajudar nossos estudantes a descobrir na linguagem, e por meio dela, possíveis pistas para respostas e novas indagações.

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A ideia do projeto partiu da necessidade do autoconhecimento dos alunos do Ensino Médio e do conhecimento do outro no ambiente escolar de um colégio da rede pública estadual, o Colégio Estadual Liberdade, situado na cidade de Itaberaba (BA), na região da Chapada Diamantina. Este trabalho nos possibilita também a análise do domínio dos mecanismos linguísticos próprios de determinado gênero de texto – como seleção de vocabulário, coesão textual, tempos verbais, mecanismos enunciativos, ortografia, entre outros. Por esse aspecto, nenhuma escolha linguística de expressão é ingênua; traz sempre uma intenção e pretende provocar um efeito de sentido, uma intenção. Bakhtin nos diz que todos os enunciados escritos (e orais) são realizados por meio dos gêneros do discurso, presentes nas diversas esferas do agir humano. Assim, vivemos envoltos por um universo discursivo, onde os enunciados também se materializam pela escrita.

A instituição escolar, muitas vezes, é o palco onde os alunos precisam ser vistos, onde levarão suas frustrações, raivas, medos, desencadeando assim o fato indisciplina. O aluno deve “se conhecer” e buscar “conhecer o outro”, ser tolerante, e ainda poder contar com a segurança de seu professor, para aconselhá-lo no dia a dia, e não somente em casos extremos, como na maioria das instituições. Sabemos que o trabalho com a família também é essencial, pois ela segue uma linha desordenada, desorientada, sem saber quais ações devem ser tomadas com esse filho, e o cenário do orientador educacional se faz, detectando no jovem seus anseios frustrados, suas necessidades, inseguranças, excessos de cuidado e carinho, ou simplesmente um problema em adaptar-se com normas e regras.

O projeto durou dois meses. Inicialmente, ele foi aplicado em uma turma do 2º- ano do Ensino Médio (alunos entre 15 e 17 anos), por percebermos que o baixo rendimento escolar e a falta de interação social são um dos causadores da baixa autoestima dos alunos iniciantes no Ensino Médio. Dessa forma, era urgente resgatar a autoestima e a autoconfiança desses estudantes, acreditando que o resgate de suas habilidades irá gerar ganhos cognitivos, por meio dos quais poderão estabelecer uma relação positiva com o conhecimento, com as pessoas e consigo mesmos. Sabemos que o gênero escolhido, a Autobiografia, expõe de certa forma a intimidade do jovem; assim, teremos o cuidado de verificar se cada um deles se sente à vontade para falar e escrever sobre sua vida. No início, poderá haver resistência por se tratar de assuntos pessoais e, muitas vezes, dolorosos para os jovens, mas com conversa e tranquilidade será possível envolver e animar os alunos. Acreditamos que o amor e a tolerância é ótima estratégia para envolver o estudante. Jovem moldado pelo amor adquire benefícios não só para si mesmo e para sua família, mas também para o meio em que vive.

Todos nós temos uma linguagem, fazemos parte de uma sociedade e temos uma cultura que é a marca da história de nossa vida. Assim, o nosso projeto se baseou na premissa de que é a partir do que os estudantes são, do que conhecem e do que desejam para si próprios e para suas comunidades que eles podem atribuir sentidos

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aos conteúdos ensinados na escola, podendo dessa forma posicionar-se melhor perante os outros e diante dos diversos saberes e informações que circulam na sociedade de multiletramentos.

Apostamos na experiência comum, rotineira, ordinária de todo dia como o referencial para a produção e circulação de textos orais, escritos que possam exprimir e explicar a experiência de “ser jovem”.

2. Fundamentação teóricaNo Ensino Médio faz-se necessário que o professor reconheça no seu aluno

as potencialidades e o estimule à produção de gêneros textuais diversos, uma vez que cada grupo possui uma marca identitária, como Jobim e Souza (1994, p. 120) afirma: “Cada época e cada grupo social tem seu repertório de formas de discurso que funcionam como um espelho, refletindo o cotidiano”. O sujeito precisa sentir-se convidado a relatar as etapas da sua existência: infância, adolescência e juventude, sem necessariamente uma organização temporal, mas atribuindo valores, sentidos e apreciações e a partir daí subsidiá-lo para que seus relatos assumam as características entendidas como um texto que comenta a vida social e cultural.

Bruner (1995, pp. 16-17) afirma que “é a cultura que fornece as ferramentas para organizarmos e entendermos nossos mundos de maneira que sejam comunicáveis”. Desse modo, trabalhar as narrativas autobiográficas com nossos alunos é muito interessante, visto que, por meio de uma linguagem simples, tratamos dos fatos cotidianos, considerando suas memórias das práticas de letramento, principalmente nas aulas de língua portuguesa e história, não perdendo de vista a atitude interdisciplinar que exige postura de humildade diante da limitação do próprio saber, envolvimento, comprometimento de todos os que fazem parte do processo e compromisso em construir sempre, da melhor forma, o desafio para romper com velhos paradigmas, acreditando no novo aproveitamento das práticas escolares do Ensino Médio.

Descortinar contextos, histórias e memórias por meio das narrativas implicadas dos sujeitos em formação, diante do projeto de “abordagem experiencial” (Josso, 1999) de relatos de histórias de vida, leva-nos a caminhar no sentido de apreender marcas e implicações do itinerário escolar, da vivência escolar, especificamente do Ensino Médio, e suas relações com a escola e com o papel exercido por essa instituição na formação dos nossos jovens letrados.

3. Pré-projeto de práticas de letramento em sala de aula3.1. Discussões dos aspectos culturais e sociolinguísticos implicados no projeto

Não perdemos de vista que a linguagem, cultura e sociedade estão ligadas entre si por laços indissolúveis. Ninguém pode negar essa indissolubilidade existente entre a linguagem e a sociedade, ou, melhor ainda, não há como nos negarmos a

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confirmar essa relação profunda em que tais especificidades se juntam para culminar na expressão máxima da história da humanidade. Como diz Calvet (2007): “a etiqueta linguística é exatamente o registro da diversidade da linguagem de um povo”.

A heterogeneidade da língua faz dela um ponto de encontro entre nós e nossos antepassados. Ela possui relação direta com nossa história, pois está dentro de nossa memória coletiva. A nossa língua identifica de onde viemos e quem somos; ela nos apresenta aos outros, pela forma como falamos, pelos sons, pela entonação, pelo jeito. Assim, as variações linguísticas existem porque as línguas são fatos sociais que ocorrem num tempo e num espaço concretos, e possuem funções definidas. A língua só existe em sociedade, e toda sociedade é inevitavelmente heterogênea, múltipla, variável e, por conseguinte, com usos diversificados da própria língua. Nesse contexto, vamos buscar refletir com os jovens que as diferenças não podem ser vistas como “erro”, cultura tão forte no espaço da escola e nas páginas e imagens da mídia que perpetuam o preconceito linguístico.

3.2. Estratégias gerais para promover a motivação e a adesão dos alunos ao projeto

Acreditamos que o desenvolvimento deste projeto facilitará o resgate da memória de vida dos alunos desde seu nascimento até os dias de hoje, além de provocar uma aproximação dos jovens com seus familiares e responsáveis, e possibilitará, ao aluno, perceber que sua história pessoal está inserida, de diferentes formas, na história de um grupo social.

3.3. Definição do tratamento a ser dado aos gêneros envolvidos na prática

O projeto “Remexendo no baú de memórias: ler e escrever para (se) conhecer” terá como base os seguintes procedimentos e gêneros (sequência didática):

1º- Passo – Linha do tempo (atividade oral)

Em uma roda de conversa com a turma questionar: o que vocês entendem por biografia? E autobiografia? O que é bio? (é vida) e grafia? (é escrita).

Conversar com os alunos sobre o que é o gênero “Linha do tempo” (uma linha do tempo é, geralmente, caracterizada pela organização cronológica de determinados fatos ou acontecimentos). Sabemos da importância do trabalho interdisciplinar; assim, buscamos a parceria do professor de história para que ele mostrasse aos alunos uma linha do tempo e em seguida a linha do tempo da cidade onde residem, Itaberaba (BA), já que em 26 de março de 2015 a cidade completou 138 anos de emancipação política. Dessa forma, usamos o nosso projeto também como tática para falar da trajetória do município. Eles aprenderam sobre o gênero Linha do tempo e conheceram mais sobre a história da nossa cidade. Achamos relevante usar o site <www.itaberabanoticias.com.br/sobre-itaberaba/linha-do-tempo-de-itaberaba>

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como fonte de informação sobre nossa cidade e como introdução ao trabalho com o gênero Linha do tempo. Em seguida solicitamos aos alunos:

a) traçar uma linha vertical no meio de uma folha (apontar as marcas – ainda sem descrevê-las – dos momentos importantes de sua trajetória pessoal);

b) formar duplas e, por alguns minutos, apresentar seu esboço de linha do tempo ao colega. Eles devem trocar de duplas, de tal modo que cada um possa ouvir o colega. Esse exercício de falar e ouvir é importante para acionar a memória e também para os alunos da sala se conhecerem melhor;

c) retomar a sua linha do tempo, complementá-la e descrever o que mais interessa com conteúdos certamente enriquecidos pela interação. O professor de língua portuguesa deverá pedir ao professor de artes que os ajude na diagramação do trabalho, tornando-os precisos, atraentes e harmoniosos;

d) ao final, todos devem ter uma linha do tempo bem mais detalhada. Abre-se uma roda de conversa para comentários a respeito das percepções sobre as singularidades e semelhanças entre as trajetórias e sobre as sensações de “começar” a abrir o “baú de memórias”.

2º- Passo – Entrevista: historiadores do meu tempo (atividade oral)

“Em linhas gerais, o gênero Entrevista é uma conversa entre pessoas com o objetivo de obter dados, opiniões e trazer fatos à tona. A entrevista é um gênero formal de troca/busca de informação, em que o entrevistador deve estar seguro sobre o que vai perguntar, a fim de obter informações relevantes” (Costa, 2008, p. 37).

O foco será entrevistar uma pessoa da família para obter informações sobre aspectos da biografia do entrevistador, especialmente a fase inicial de sua vida, desde a gestação até os primeiros anos de infância:

a) planejar e elaborar o questionário. As questões devem dialogar com a linha do tempo elaborada, ampliando informações sobre os acontecimentos, datas e locais onde ocorreram os fatos, os efeitos de alguns eventos sobre o núcleo familiar. É importante conversar com os alunos sobre a postura do entrevistador, o exercício de ouvir, o cuidado para compreender as ideias. Se possível, grave a entrevista em áudio ou vídeo, com o uso até mesmo do celular. Como a atividade será realizada fora da sala de aula, é necessário organizar o prazo para a entrega do trabalho. Com os dados em mãos, os alunos vão produzir um texto escrito com uma representação mais completa de si mesmo: nome, idade, local de nascimento...

b) em roda de conversa, os alunos podem compartilhar as novas informações. É um bom momento para discutir com a classe como alguns aspectos a princípio vistos como puramente individuais têm semelhança com a vida de outros e com os processos coletivos associados à história. Mesmo vivida no

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âmbito privado, nossa vida faz parte de um contexto social mais amplo e sofre interferências desse contexto.

3º- Passo – Árvore genealógica: retrata nossa família (atividade oral)

Árvore genealógica é a representação gráfica dos antepassados de um indivíduo, que pode incluir também, em cada geração, os parentes colaterais, trazendo nomes e algumas vezes datas e lugares de nascimento. É chamada assim pelo fato de o gráfico final ser semelhante aos ramos de uma árvore. Algumas dicas para que cada um cumpra seu objetivo:

a) apresentar aos alunos a árvore genealógica da professora, no caso a da professora Vilma, para que eles conheçam os ascendentes dela e sirva de motivação para confeccionarem as deles;

b) resgatar fotos dos avôs maternos e paternos, dos pais e dos irmãos, e montar a árvore genealógica; como essa fase do trabalho será feita em casa, deverá ter uma data para apresentá-lo em classe;

c) os alunos, depois de terem montado seu trabalho, deverão ter um colega para opinar sobre seu feito, no intuito de auxiliar, se for preciso;

d) o professor de artes deverá supervisionar todos os trabalhos e colaborar para aprimorá-lo, tornando-os compreensíveis;

e) colocar as árvores genealógicas, após ficarem prontas, em um painel dentro da sala para que todos possam apreciá-las. Reserve o período de uma aula para esse momento, pois, com certeza, será descontraído e com troca de informações.

4º- Passo – Autobiografia: escrever para se conhecer (atividade oral e escrita)

a) Para que serve escrever a autobiografia? Sugerimos que essa indagação sirva de estopim para uma roda de conversa na sala de aula. Inicialmente, escrever a pergunta na lousa, pedir a cada aluno que anote as respostas no caderno.

b) Preparar para ouvir a leitura de uma ou duas autobiografias. Elegemos a autobiografia de duas grandes escritoras brasileira: Ruth Rocha, uma das escritoras infantis mais conhecidas e prestigiadas, e Clarice Lispector, escritora brasileira reconhecida como uma das mais importantes do século XX. As memórias das pessoas atraem os indivíduos para uma viagem ao mundo mágico da leitura, porque é nelas que encontramos a realidade recheada de imaginação e de emoção. Assim, acreditamos que, além do trabalho com as autobiografias dos autores citados, iremos trabalhar também com a literatura infantojuvenil brasileira, que está repleta de livros que narram parte das memórias de seus autores. Como não se lembrar de Bisa Bia, Bisa Bel, de Ana

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Maria Machado, ou Por parte de pai, de Bartolomeu Campos de Queirós, ou ainda Os meninos morenos, de Ziraldo, entre tantos outros? Memórias da terra natal, dos amigos de infância, das escolas, dos pais e avôs – tudo isso sempre serviu como fonte de inspiração para artistas. Assim também é a memória de cada um de nós, uma mistura do que fizemos com o que queríamos ter feito.Após a leitura das autobiografias e das narrativas infantojuvenis, instigar uma discussão com as seguintes perguntas: de que maneira a escrita das autobiografias pode ter ajudado vocês? E as narrativas infantojuvenis? O que teve nestes textos, para você, de inédito? O que mais chamou a atenção pela simplicidade? Depois de acolher as respostas, retomar com o grupo as atividades anteriores, a linha do tempo, as entrevistas, a árvore genealógica, ou seja, o percurso trilhado para conhecer mais sobre si mesmos e sobre os que os cercam. É importante apresentar questões básicas que podem estar em uma autobiografia: nomes e apelidos, local e data de nascimento, antecedentes em relação ao nome, recordações da infância, fases da vida, religião, amigos, acontecimentos marcantes (alegres ou tristes) etc.

c) Pedir ao grupo que elaborem suas autobiografias. Combinar com os alunos as formas de acompanhamento da elaboração, os formatos de apresentação e também a possibilidade de ler as autobiografias uns dos outros, de forma que possam se conhecer ainda melhor. Ressaltar que, por meio da linguagem e da troca podemos nos conhecer melhor e enriquecer nossas experiências, questionar rótulos, identificar igualdades e diferenças presentes na nossa sociedade e também na nossa escola. Depois de produzir as autobiografias, os colegas deverão auxiliar-se uns aos outros nas correções dos textos. Porém, teremos aí diferentes formas de revisão: análise coletiva de uma produção no quadro-negro, revisão individual com base em discussões com o grupo e revisões e correções feitas pelo professor dias depois para que não haja distanciamento em relação ao trabalho.Produzir textos é um processo que envolve diferentes etapas: planejar, escrever, revisar e reescrever. Esses comportamentos dos escritores são os conteúdos fundamentais da produção do texto. A revisão não consiste em corrigir apenas erros ortográficos e gramaticais, como se fazia antes, mas cuidar para que o 3estudantes e identificar o que provoca estranhamento no leitor dentro dos usos sociais que ela terá.Com a ajuda do professor, a turma aprende a analisar se ideias e recursos utilizados foram eficazes e de que forma o material pode ser melhorado. Acreditamos que o trabalho de produção textual avançará muito com um trabalho sistemático de revisão.

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3.4. Levantamento da multimodalidade a que a prática de letramento submete todos esses textos

No ato da construção de um dado texto, seja ele escrito, oral e/ou imagético, o autor pode fazer uso de vasta quantidade de recursos linguísticos multimodais provenientes tanto do plano verbal como do visual. Todos esses distintos modos de construir um texto acarretam modificações substanciais na forma como as pessoas elaboram sentido e significação, transcendendo, dessa maneira, a primazia dada à palavra. A multimodalidade propicia, então, o irromper de múltiplos e diversificados recursos de construção de sentido. Assim, é interessante notar que nas sugestões de textos autobiográficos poder haver a combinação de outras linguagens, além da verbal. Por exemplo, fotos, linha do tempo e árvore genealógica, que usam a linguagem visual.

3.5. Investigação sobre as possibilidades de integração do projeto com outras disciplinas

Este trabalho constitui um exercício de interdisciplinaridade em que se integram as propostas de ensino de português, história e artes.

A proposta do trabalho considera o estímulo à leitura e à escrita por meio de atividades significativas para o aluno, buscando resgatar as memórias dos estudantes e seus autoconhecimentos.

3.6. Eventos de letramento decorrentes do trabalho dentro e/ou fora do ambiente escolar

No final do projeto, foi organizada uma roda de conversa na sala de aula, onde a turma do 2º ano fez a leitura das suas autobiografias. Sabemos que o gênero escolhido (Autobiografia) expõe de certa forma a intimidade do jovem; dessa forma, tivemos o cuidado de verificar quem queria fazer a leitura da sua produção textual de livre e espontânea vontade. Acreditamos que o fato de os estudantes escutarem o som da própria voz e perceberem que seus colegas estão ouvindo e dando a devida atenção à leitura das suas memórias tornou esse exercício muito estimulante.

Foi um momento de ler não apenas a palavra, mas a vida escrita. Foi um momento também de aprender a ouvir e deixar o outro se expressar, a entender o outro pela leitura; aprender a respeitar e tolerar a história do outro, que às vezes não é tão diferente da nossa.

A leitura exerce importante papel no crescimento intelectual, crítico e criativo do aluno, desenvolvendo suas potencialidades e, consequentemente, seu rendimento escolar, tanto na vida estudantil como no aperfeiçoamento de sua personalidade.

3.7. Avaliação do trabalho

Ressaltamos que diante do contexto que enfrentamos de baixa autoestima e desestímulo dos estudantes do Ensino Médio, em especial a turma de 2º- ano,

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tínhamos a consciência de que o envolvimento de corpo e alma dos alunos e alunas nas várias atividades propostas não se daria de imediato. Interesse é algo que também se constrói, e muitos fatores intervêm para isso: o ambiente de estudo, o clima da sala de aula, a relação com os professores, o tipo de trajetória escolar dos alunos, entre outros. Porém, com este projeto, percebemos que os alunos, ao longo do trabalho, se mostraram mais incentivados a escrever, a ler e a ajudar os colegas no trabalho escolar, mostrando envolvimento com a proposta e uns com os outros. Escrever e ler passou a ganhar significado real na vida deles.

4. BibliografiaBAKHTIN, M. M. (1895-1975). “Os gêneros do discurso”, in: BAKHTIN, M. M. Estética da criação

verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

BRUNER, J. W. S. “A invenção do ser. A autobiografia e suas formas”, in: OLSON, D. R.; TORRANCE,

N. (orgs.). Cultura escrita e oralidade. São Paulo: Ática. 1995.

CALVET, J.-L. As políticas linguísticas. São Paulo: Parábola, 2007.

COSTA, S. R. Dicionário de gêneros textuais. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.

JOBIM E SOUZA, S. Infância e linguagem: Bakhtin, Vygotsky e Benjamin. Campinas: Papirus, 1994.

Coleção Magistério, formação e trabalho pedagógico.

JOSSO, M.-C. “História de vida e projeto: a história de vida como projeto e as ‘histórias de vida’ a

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KLEIMAN, A. B. “Modelos de letramento e as práticas de alfabetização na escola”, in: KLEIMAN,

A. Os significados do letramento – Uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita.

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Janeiro: Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED), nº- 5-6,

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ROJO, R.; MOURA, E. (orgs.). Multiletramentos na escola. São Paulo: Parábola, 2012.

SOUZA, A. L. S.; CORTI, A. P.; MENDONÇA, M. Letramentos no ensino médio. São Paulo: Parábola,

2012.