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    Religies Afro-Brasileiras do Rio Grande do Sul: Passado ePresente*

    Ari Oro

    Resumo

    O texto divide-se em duas partes. A primeira apresenta dados sobre o perodo escravocrata no Rio Grandedo Sul, a estruturao das religies afro-brasileiras (Batuque, Umbanda e Linha Cruzada) neste estado e ohistrico e controvertido papel desempenhado no Rio Grande do Sul por um prncipe africano que aqui

    viveu do final do sculo XIX at 1935. A segunda parte analisa trs aspectos particularmente importantes naatualidade dessas religies neste estado: a presena de no-negros nas mesmas, a sua expanso transnacionalpara a Argentina e o Uruguai, e o estreitamento de relaes com o poder poltico local..

    Palavras-chave: Batuque, negro, relaes raciais, Rio Grande do Sul, Brasil, religies afro-brasileiras.

    Abstract

    Afro-Brazilian Religions in Rio Grande do Sul: Present and Past

    The article is divided into two parts. The first presents data about the slavery period in Rio Grande do Sul,the structure of Afro-Brazilian religions (Batuque, Umbanda andLinha Cruzada) in this state and thehistorical and controversial role played by an African prince who lived here from the late 19th century until1935. The second part analyses three particularly important aspects of these religions in Rio Grande do Sulnowadays: the presence of non-Negroes in them, its transnational expansion to Argentina and Uruguay, andthe ever-close relations with local political power.

    Keywords:Batuque, Negro, racial relations, Rio Grande do Sul, Brazil, Afro-Brazilian religions.

    Rsum

    Les Religions Afro-Brsiliennes de l'tat du Rio Grande do Sul: d'Hier et d'Aujourd'hui

    Le texte se divise en deux parties. La premire prsente des donnes sur la priode de l'esclavage dans le RioGrande do Sul, la structuration des religions afro-brsiliennes (Batuque, Umbanda et Linha Cruzada) danscet tat ainsi que le rle historique et controvers qui y a jou un prince africain de la fin de XIXme sicle

    jusqu' 1935. Dans la seconde partie, nous analysons trois aspects particulirement importants pourl'actualisation des ces religions dans cet tat: la prsence de non-Noirs ces religions, leur expansion

    transnationale vers l'Argentine et l'Uruguay, ainsi que leur relation troite avec le pouvoir local.Mots-cls: Batuque, Noir, relations raciales, Rio Grande do Sul, Brsil, religions afro-brsiliennes.

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    Neste texto apresento alguns tpicos relativos s religies afro-brasileiras do Rio Grande do Sul (RS) quecontemplam ao mesmo tempo uma viso histrica e atual, com nfase nas suas caractersticas que mais sedestacam na atualidade.

    Inicio com dados historiogrficos sobre o ingresso do negro escravo no RS e sobre a estruturao doBatuque. Discorro ento sobre os distintos "lados" desta religio ao mesmo tempo em que aponto algunsaspectos histricos e especificidades da Umbanda e da Linha Cruzada neste estado. Em seguida, me atenho aum personagem legendrio do campo afro-gacho, um prncipe africano que residiu neste estado a partir de1899 e aqui faleceu em 1935. Na seqncia, discorro sobre trs importantes caractersticas atuais do camporeligioso afro-gacho, a saber: a presena de "brancos" nas religies de matriz africana; atransnacionalizao do batuque e demais religies afro-brasileiras para os pases do Prata; e a aproximaodessas religies no campo poltico estadual e municipal, sem, porm, ocorrer o ingresso efetivo na esfera

    poltica, como fazem, por exemplo, os evanglicos.

    Os Negros e as Religies Afro-Brasileiras no Rio Grande do Sul

    Os negros africanos e seus descendentes participaram diretamente do desenvolvimento econmico dos doisprimeiros sculos da histria do Rio Grande do Sul. Segundo Beatriz Loner, "praticamente no houveprofisso manual que no tivesse representantes dessa etnia em seu desempenho, tanto no perodo imperialquanto na Repblica" (Loner, 1999:9). O mesmo, como se sabe, ocorreu nas demais capitanias e provnciasdo Brasil onde, como diz Prandi, os escravos africanos "foram sendo introduzidos [...] num fluxo quecorresponde ponto por ponto prpria histria da economia brasileira" (Prandi, 2000:52).1

    O marco inaugurador do Rio Grande do Sul a fundao do Forte de Jesus, Maria e Jos, na Barra de RioGrande, no ano de 1737, pelo brigadeiro Jos da Silva Paes, em cuja tropa, formada por 260 homens, haviaescravos e negros libertos.

    A historiografia do Rio Grande do Sul ainda se debate em torno da questo de saber a procedncia do negroescravo trazido para este estado. H, no entanto, algum consenso de que essa populao se dividia entrenegros "crioulos", ou seja, indivduos nascidos no Brasil e para aqui transferidos, "ladinos", isto ,indivduos que j haviam trabalhado em outras regies do pas, e africanos, aqui chegados aps terem

    passado por algumas regies brasileiras, entre elas, Bahia, Pernambuco, So Paulo, Santa Catarina, e mesmoafricanos que chegaram ao Rio Grande do Sul provenientes da Argentina e do Uruguai. A ttulo de exemplo,um levantamento realizado junto aos Inventrios da Freguesia de Pelotas, no perodo compreendido entre1850 e 1880, mostrou que num universo de 1.604 escravos, 460 eram crioulos, 556 indeterminados e 590africanos (Assumpo, 1990). Estes ltimos, por sua vez, dividiam-se em diferentes naes ou grupostribais. Por exemplo, por ocasio das comemoraes da Abolio, desfilaram em Pelotas os "Filhos deAngola, Mina, Benguela, Erub, Congo e Cabinda..." (JornalEcho do Sul, 10/6/1888 apudLoner, 1999:8).2Seja como for, no Rio Grande do Sul "os banto vieram em nmero muito superior aos sudaneses" (Correa,1998a:66).

    A introduo do escravo no RS ocorreu a partir da primeira metade do sculo XVIII. Trabalhavam naagricultura, nas estncias e, sobretudo a partir de 1780, na produo do charque, na regio de Pelotas.Segundo Correa, os negros compunham cerca de 30% da populao da Provncia em 1780, e 40% do totalem 1814. Nesta data, os negros perfazem cerca de 51% da populao de Piratini e 60% de Pelotas(ibidem:65-66). Porm, com o incio da chegada dos colonos alemes em 1824 e dos italianos em 1875,verifica-se um aumento da populao branca e uma reduo na porcentagem da populao negra em

    territrio gacho.A produo das charqueadas executadas pelo trabalho braal escravo em condies bastantedesfavorveis em razo das condies climticas, precariedade de infra-estrutura e exigncias severasditadas pelo prprio regime escravocrata foi de tal monta que em 1861 o charque contribua com 37,7%do total do que o RS exportava e os couros com 37,2% do total, juntos somando 74,9% do total da produogacha para fora da Provncia (Assumpo, 1990). A relao entre o trabalho forado dos negros e odesenvolvimento das charqueadas era tal que na medida em que se aproximava a Abolio tambm diminuiu

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    o nmero de charqueadas. Assim, referindo-se a Pelotas, Loner lembra que "de um total de 34 charqueadasexistentes em 1878 na cidade, elas reduziram-se a apenas 21 s vsperas da Abolio e a 18, dois anosdepois" (Loner, 2001:7), ocasionando a diminuio do charque que servia de alimento dos escravos dosudeste e desta forma acarretando problemas no mercado de consumo deste produto.

    A estruturao do batuque no Rio Grande do Sul constitui outro tema que aguarda um aprofundamentoinvestigativo. Tudo indica que os primeiros terreiros foram fundados justamente na regio de Rio Grande ePelotas. Para o historiador Marco Antnio Lirio de Mello que fez uma ampla pesquisa nos jornais dePelotas e Rio Grande do sculo XIX a presena do batuque atestada nesta regio desde o incio dosculo XIX (Mello, 1995). Tambm Correa situa o perodo inicial do batuque nesta regio entre os anos de1833 e 1859 (Correa, 1988a:69). Se assim for, permanece a dvida de se saber se a estruturao do batuqueocorreu posteriormente ou paralelamente estruturao do candombl, uma vez que o primeiro terreiro decandombl teria surgido na Bahia no ano de 1830 (Jensen, 2001:2). Alis, a mesma dvida M. Herskovitshavia levantado em 1942, por ocasio de uma "rpida viagem" pelo Rio Grande do Sul (Herskovits, 1948).3

    No entanto, a partir das dcadas de 70 e 80 do mesmo sculo, os jornais dessa regio apresentam, comalguma regularidade, em suas pginas policiais, matrias sobre cultos de matriz africana. De fato, nos jornaisCorreio MercantileJornal do Comrcio, de Pelotas, bem como no jornal Gazeta Mercantilde Rio Grande,

    pode-se ler notcias, infelizmente as mais recorrentes sendo de priso de "feiticeiros" e "feiticeiras", comoesta:

    Foram presas ordem da delegacia, duas pretas feiticeiras que atraam grande ajuntamento de seus adeptos. Na ocasio de serempresas, encontrou-se-lhes um santo e uma vela, instrumento de seus trabalhos [...]". (Jornal do Comrcio, Pelotas, 9/4/1878, p. 2apudMello, 1995:26)

    Quanto ao mito fundador do batuque, h duas verses correntes: uma que afirma ter sido o mesmo trazidopara esta regio por uma escrava, vinda diretamente de Recife; e outra que no associa a um personagem,mas s etnias africanas que o estruturaram enquanto espao de resistncia simblica escravido.

    J as notcias relativas ao batuque em Porto Alegre4 datam, preferencialmente, da segunda metade do sculoXIX, isto sugerindo que ou sua origem, ou, o que mais provvel, o seu incremento pode ter ocorrido com amigrao de escravos e ex-escravos da regio de Pelotas e Rio Grande para a capital. Novamente, as

    principais fontes de referncia so os jornais que reportam aes policiais contra os terreiros. LilianSchwarcz transcreve, por exemplo, reportagem do Correio Paulistano, de 30/11/1879, intitulada "Osfeiticeiros do RS Grande Caada". Diz a reportagem:

    a polcia tomou ontem em uma casa 42 pretos livres e escravos e 11 pretos minas. A caada deu-se s 10h30 da noite no momentoem que o preto Joo celebrava uma sesso defeitiaria. Foi uma surpresa e um desapontamento que aqueles fiis crentes jamaisperdoaro a polcia [...]. A polcia apreendeu cabeas de galo e outros manipansos. Os principais atores da indecente comdiaforam recolhidos cadeia e os escravos castigados. (Schwarcz, 1989:126, nfases minhas)

    Intil dizer que as perseguies aos terreiros no deixam de expressar um certo medo branco diante do poderde manipulao das foras sobrenaturais por parte dos escravos e seus descendentes. Obviamente que a

    perseguio era sempre precedida de um conjunto de estigmas lanados sobre essas religies, visandojustificar aquele procedimento.

    Em Porto Alegre, a partir da segunda metade do sculo XIX, o maior contingente de negros se encontravanas cercanias da cidade, no Areal da Baronesa, na cidade baixa, imediaes da atual Rua Lima e Silva,5enas chamadas Colnia Africana e "Bacia", atuais bairros Bonfim, Mont Serrat e Rio Branco.6Estas ltimastratavam-se, em sua origem ("em torno da poca da abolio"), de uma "zona insalubre, localizada nas

    bordas de chcaras e propriedades que ali existiam, de baixa valorizao e de pouco interesse imediato paraseus donos, que foi sendo ocupada por escravos recm-emancipados" (Kersting, 1998:111).7

    Kersting mostra como, sobre essas reas, foram criadas representaes que as associavam a criminalidade,vcios, perigo, e seus habitantes tidos como membros de "classes perigosas". Por isto mesmo, essas reasforam deixadas a um relativo isolamento por parte das autoridades pblicas e, ao longo das dcadas dosculo passado, foram dissolvidas mediante um processo de "higienizao urbana".8 Evidentemente que portrs desta atitude existiam interesses imobilirios de ocupao dessas reas da cidade para "moderniz-las",o que comeou a ocorrer ainda nas primeiras dcadas do sculo XX, com o processo de branqueamento da

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    populao, simultaneamente abertura de ruas e de construes em padres arquitetnicos no populares.Por exemplo, parte da Colnia Africana comea a receber iluminao eltrica em 1911, algumas ruas soasfaltadas em 1912 e neste momento prev-se tambm a construo de uma rede de esgotos. Reitero queesse processo de urbanizao consiste fundamentalmente na descaracterizao como rea essencialmentenegra "at se transformar em bairrosaneado que se v em 1922" (ibidem:195). Este autor informa que amaioria dos no-negros que fixam residncia na ex-Colnia Africana so judeus, enquanto os negros soexpulsos para reas mais perifricas e ainda desabitadas, como o bairro Mont Serrat, destino primeiro dosexilados da Colnia Africana e onde algumas famlias conseguiram estabelecer moradia at os dias de hoje.9

    Simultaneamente a esse processo de modernizao, justamente em 1912 a Colnia Africana passa a ser umbairro chamado Rio Branco. Embora seja uma homenagem ao Baro do Rio Branco, no deixa de serirnico que um territrio anteriormente denominado Colnia Africana, em razo da presena macia denegros, seja chamado de Rio Branco, caracterizando o predomnio de no-negros nesta rea.

    H relatos da prtica de cultos afro-brasileiros em todos os territrios negros referidos. Relativamente Colnia Africana, por exemplo, o primeiro sacerdote da igreja de Nossa Senhora da Piedade, concluda einaugurada nesta rea em 1913, cnego Matias Wagner, "aponta para a presena desses cultos e para o fraconmero de catlicos realmente fiis" (ibidem:184). Assim, em seu livro "Parquia de N. S. da Piedade de

    Porto Alegre:1916-1958", o referido cnego escreve: "Encontrei certa vez um homem que, dizendo-se muitocatlico, apostlico e romano, era tambm dono e Pai Santo de uma casa de batuque..." (apudKersting,idem:186). O mesmo cnego refere tambm que foi alvo de despachos de "parte daquela gente deUmbanda". Alis, o proco se refere s religies afro-brasileiras pelos nomes de batuque, umbanda eespiritismo e, mais genericamente, pelos termos etnocntricos e preconceituosos de crendices, supersties efeitiarias.

    No contexto das lacunas histricas sobre as religies afro-brasileiras no Rio Grande do Sul figuram tambmdados estatsticos sobre os terreiros deste estado. Dispomos unicamente de informaes parciais sobre onmero de terreiros de batuque para Porto Alegre, durante 20 anos, de 1937 a 1952, apresentados por CarlosKrebs (1988:16).

    Tais dados constam das estatsticas oficiais do Rio Grande do Sul, tendo o censo sobre a religio sidoabandonado em 1952. Malgrado sua precariedade, pode-se perceber um crescimento quase que anual donmero de terreiros em Porto Alegre, fato este que continua, segundo dirigentes de federaes, at os dias dehoje, onde existem, no seu conjunto, cerca de dois mil terreiros na capital gacha.

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    O Batuque

    Batuque um termo genrico aplicado aos ritmos produzidos base da percusso por freqentadores decultos cujos elementos mitolgicos, axiolgicos, lingsticos e ritualsticos so de origem africana. O

    batuque uma religio que cultua doze orixs10e divide-se em "lados" ou "naes", tendo sido,historicamente, as mais importantes as seguintes: Oy, tida como a mais antiga do estado, mas tendo hojeaqui poucos representantes e divulgadores; Jeje, cujo maior divulgador no Rio Grande do Sul foi o PrncipeCustdio, sobre o qual falaremos mais abaixo; Ijex, Cabinda e Nag, so outras naes de destaque nesteestado. Nota-se que o Keto esteve historicamente ausente no RS, vindo somente nos ltimos anos a seintegrar por meio do candombl.

    Vejamos alguns dados disponveis sobre as mencionadas naes neste estado:

    OY. Segundo a tradio local, esta nao chegou a Porto Alegre vindo da cidade de Rio Grande. Foicultuada no Areal da Baronesa e dali no Mont Serrat onde se situaram as principais casas deste culto.

    M. Herskovits e R. Bastide, por ocasio de suas estadas em Porto Alegre, o primeiro em julho de 1942 e osegundo em 1944, referem-se carinhosamente Me Andrezza Ferreira da Silva, da nao Oy que, segundoBastide, "formara-se com um velho babalorix que ainda tinha sua volta alguns africanos nativos"(Bastide, 1959:238). Segundo Carlos Krebs, Me Andrezza teria vivido de 1882 a 1951 (Krebs, 1988).

    Hoje, como disse acima, trata-se de um culto praticamente em extino, restando algumas poucas casas noestado. Segundo Pernambuco Nogueira,

    [...] o ltimo nome da antiguidade da nao Oy que conhecemos foi Tim do Ogum, j falecido, e que foi o iniciador da Delsa doOgum, casa ainda em atividade. Alm deste vamos encontrar o Antoninho da Oxum e sua filha-de-santo a Moa da Oxum (LdiaGonalves da Rocha), como nomes de projeo. Distinguiu-se entre os praticantes do Oy a figura de Fbio da Oxum quer pelabeleza e suavidade do orix que recebia, quer pelo fato de ter sido um dos raros pais-de-santo que no vivia da Religio(Nogueira, 2001b).

    As especificidades da nao Oy residiam, sobretudo, na ordem das rezas, uma vez que chamavam primeiroos orixs masculinos e a seguir os femininos, encerrando-se com as de Yans (Oi), Xang e finalmenteOxal, o destaque para os dois orixs resultando do fato de serem o Rei e a Rainha de Oy. Tambm era

    prprio da nao Oy os orixs conduzirem em suas bocas, ao trmino das obrigaes, as cabeas dos

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    animais oferecidos em sacrifcio j em estado de decomposio; finalmente, segundo os mais antigos, noOy os ocuts eram enterrados, em vez de colocados em prateleiras (ibidem).

    IJEX. Trata-se da nao predominante hoje no estado. Os deuses invocados so os orixs e a lnguaritualstica o iorub. Renomados babalorixs histricos (j falecidos) como Manoelzinho do Xapan e Tatido Bar, ambos iniciados na Cabinda, passaram mais tarde para o Jeje e seus descendentes ingressaramtodos no Ijex, dizendo-se ento Jeje-Ijex.

    Segundo um depoimento colhido por Norton Correa junto ao j falecido tamboreiro Donga de Yemanj, oIjex predominava nas regies negras de Porto Alegre como o Mont Serrat e Colnia Africana (Correa,1998a:76).

    JEJE. No dizer de Pernambuco Nogueira,

    [...] foi, durante muito tempo, a Nao que predominou no Rio Grande do Sul, em que pese o fato de jamais termos ouvido falarem voduns a exemplo dos cultuados em So Luis do Maranho. Sempre ouvimos dos que se diziam jeje puros falar e invocar osorixs nag. Dada a complexidade dos seus toques, a morosidade dos mesmos e a dificuldade na preparao dos tamboreiros que,inclusive, deviam usar os oguidavis, de difcil manejo, foram adotando as rezas do Ijex [...]" (idem).

    As figuras mais importantes desta nao foram Paulino do Oxal Efan, que reiniciou no Jeje o Manoelzinhodo Xapan e Tati do Bar, oriundos da Cabinda, como disse acima. Um dos filhos de Paulino foi JooCorreia de Lima, Joozinho do Bar Agel, morador do Mont Serrat, talvez o primeiro e um dos maisimportantes babalorixs que "exportou" o batuque para alm das fronteiras do Rio Grande do Sul em direoaos pases do Prata, como veremos abaixo. Outro importante babalorix desta nao foi Idalino do Ogum,que faleceu com a idade de 104 anos. Enfim, outro personagem, este mitolgico, da nao Jeje foi o famosoPrncipe Custdio de Almeida, sobre o qual falaremos a seguir.

    Vale aqui registrar que a origem do termo "jeje" bastante problemtica. Lorand Matory, por exemplo,sintetiza uma srie de autores que tentam esclarecer o "mistrio" em torno deste conceito e prope a hiptesede que se trata de uma construo transatlntica, ou seja, um nome aplicado pelos comerciantes e donos de

    escravos alguns retornados, em suas idas e vindas entre Brasil, Cuba e Golfo da Guin "a todos osafricanos que eles consideraram seus parentes, apesar de ser pouco provvel que esses parentes assim seidentificassem inicialmente" (Matory, 1999:64).

    CABINDA. Trata-se de uma nao Banto, originalmente de fala Kimbundo. O cemitrio o incio da naoreligiosa de Cabinda, diz um pai-de-santo e estudioso do batuque. Segundo ele,

    [...] o culto aos Eguns nesta Nao to forte que dificilmente se encontrar uma casa-de-religio sem que tenha o devidoassentamento deBal (culto aos egunguns), ou Igbal (casa dos mortos). (Ferreira, 1994:59)

    J para o babalorix Pernambuco Nogueira, nos rituais de Cabinda que freqentou no Rio Grande do Sul

    "jamais ouvimos falar de Inkices. O que sempre foi cultuado foi o Orix iorubano" (Nogueira, 2001b).

    Segundo consta, este culto foi trazido para o Rio Grande do Sul por um africano conhecido por Gululu, decujas mos saiu a figura mais marcante do culto Cabinda no Rio Grande do Sul: Waldemar Antnio dosSantos, do Xang Kamuc. Dele descenderam as famosas Me Maria Madalena Aurlio da Silva, de OxumEpand Demun, que iniciou Romrio Almeida, do Oxal, e Henrique Cassemiro Rocha Fraga, de OxumEpand Bomi, todos falecidos, e Me Palmira Torres dos Santos, de Exum Epand Olobomi, que iniciouJoo Cleon Melo Fonseca, do Oxal, que tido hoje como o mais importante herdeiro da tradio Cabindado estado, embora, como diz Pernambuco Nogueira, "de sua origem mantm apenas o rtulo: o contedo todo ele Ijex" (ibidem).

    NAG. No dizer de Pernambuco Nogueira, [...] uma nao que, tendo sido a origem do Culto no RioGrande do Sul, hoje est praticamente extinta, restando pouqussimas casas" ( idem). H, em Porto Alegre, oterreiro Nova Era, do pai Jader, que pretende ser a continuao dessa tradio longnqua no estado.Diferentemente dos demais terreiros, neste, "a chegada dos orixs se faz como no Candombl (linha porlinha, trabalhando e desincorporando) e a matana procedida com o animal no cho e no suspenso"(idem).

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    Ainda segundo Pernambuco Nogueira, "talvez situa-se nesta casa a semente do culto africano plantada pelosescravos das charqueadas, desde a sua origem em Rio Grande..." (idem).

    Ao que consta, no dispomos de informaes numricas sobre a incidncia dessas naes no Rio Grande doSul. O historiador Dante de Laytano, em pesquisa realizada sobre o batuque em Porto Alegre, em 1951,observou que as 71 casas por ele encontradas dividiam-se em 24 de nao Nag, 21 Jeje, 13 Oy, 8 Ijex e 5"mistos" (Laytano, s.d.:53). Na atualidade, porm, predomina no batuque do Rio Grande do Sul o lado Ijex,"quer pela facilidade do toque como pela ausncia de tamboreiros iniciados nos demais Cultos" (Nogueira,2001b). Embora haja terreiros que se digam seguidores de outros lados, trata-se, segundo o babalorixAdalberto Pernambuco Nogueira, "apenas de rtulos utilizados talvez para marcar a origem dosfundamentos" (idem).11

    A Umbanda

    A primeira casa de umbanda no Rio Grande do Sul foi tambm fundada na cidade de Rio Grande, em 1926.Chamava-se "Reino de So Jorge" e foi fundada pelo ferrovirio Otaclio Charo.

    Como em todo o Brasil, tambm no Rio Grande do Sul a umbanda surgiu defendendo padres ecomportamentos aceitos socialmente. No entanto, no escapou represso policial, a tal ponto, informa M.Caldas um dos maiores intelectuais da umbanda e do espiritismo no Rio Grande do Sul, hoje falecido que nos primeiros tempos o centro de Charo no possua um endereo fixo, funcionando de formaitinerante (seu endereo mudava toda semana). Tambm o prprio espiritismo e o batuque se opuseram umbanda nascente, o primeiro desqualificando suas prticas medinicas, o segundo no aceitando que seusorixs fossem invocados sem suas normas rituais, o que denuncia que estava em jogo uma disputa de benssimblicos (Isaia, 1997:386).

    De Rio Grande, a umbanda foi trazida para Porto Alegre, em 1932, pelo capito da marinha Laudelino de

    Souza Gomes, que fundou nesta capital a Congregao Esprita dos Franciscanos de Umbanda, existente atos dias atuais. Neste caso, dupla a razo do termofranciscano. Em primeiro lugar, pela sincretizao entreSo Francisco de Assis e Lok (termo yorub), ou Irok (termo jeje), ou orix tempo (Angola), isto , arvore gameleira branca; em segundo lugar, pelo uso que seus membros fazem de uma espcie de bata

    branca, com sandlia e cordo em torno ao ventre, semelhante ao que consta na iconografia histricaatribuda a So Francisco.

    Pernambuco Nogueira esclarece que tanto Charo quanto Souza Gomes no eram originrios do Rio Grandedo Sul e ambos estiveram na frica por algum tempo. No entanto, dedicaram-se quase que exclusivamente implantao e divulgao da Umbanda (Nogueira, 2001b). Outros importantes personagens divulgadores daumbanda neste estado foram Norberto de Oliveira, que a introduziu no municpio de Viamo; JesinaFurtado, fundadora da casa Mestre Quatro Luas; e Astrogildo de Oliveira, fundador do Templo RainhaYemanj Fraternidade Ubirajara. Segundo Pernambuco Nogueira, esta ltima casa possua

    [...] a peculiaridade de ter construdo, nos fundos, uma miniatura de todos os reinos em que se efetuavam os rituais, inclusive umacalunga pequena (cemitrio) para ali realizar os trabalhos sem sair do local do Templo, preocupado com as deturpaes j entoexistentes. (ibidem)

    Uma particularidade desses templos mencionados, e que hoje j no mais vigora, reside no fato de que

    a abertura dos trabalhos era efetuada por uma linha que hoje no mais encontramos: a linha das Yaras que se apresentavamarrastando-se pelo cho, como o fariam as sereias em terra seca, e promoviam a limpeza do templo utilizando-se de gua (idem).

    No mais, na umbanda do Rio Grande do Sul so cultuados "caboclos", "pretos-velhos" e "crianas" (Ibeji),aos quais no so realizados sacrifcios de animais.12 Outrora era tambm cultuada a "linha", ou "povo dooriente", hoje quase em extino. Segundo a representao dos umbandistas, tratavam-se de entidades

    bondosas, bastante evoludas e que transmitiam vibraes puras. Seus mdiuns, incorporados, adotavam apostura corporal e os gestos dos povos do Oriente: chineses, indianos, rabes e ciganos. Nos trabalhos dacasa de Pernambuco Nogueira manifestavam-se duas entidades indianas: Brahmayana e Nargajuna.

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    Hoje o "povo cigano" foi transformado em Linha de Exu. Quanto aos guias orientais, manifestam-se empoucas casas que trabalham com o que denominam de Junta Mdica.

    A Linha Cruzada

    Trata-se de uma expresso religiosa relativamente nova, iniciada, tudo indica, na dcada de 1960. Constitui,porm, a que mais tem crescido neste estado, sendo cultuada hoje em cerca de 80% dos terreiros. SegundoNorton Correa, esta modalidade ritualstica chama-se Cruzada

    [...] porque, enquanto o Batuque cultua apenas orixs e a Umbanda caboclos e pretos-velhos, a Linha Cruzada rene-os no mesmotemplo, cultuando, alem deles, tambm os exus e suas mulheres mticas, as pombagiras, provavelmente originrios da Macumbado Rio de Janeiro e So Paulo. (Correa, 1998a:48)13

    Ainda segundo Correa, as principais razes para o crescimento da Linha Cruzada seriam os seguintes: oscustos dos rituais so mais baratos do que os do batuque; o aprendizado geral mais simples do que o do

    batuque; seus membros podem reunir e somar a fora mstica do batuque com a da umbanda (ibidem:90).

    A proliferao de terreiros cruzados tem se constitudo num forte motivo de polmica e de acusao mtuaentre os membros das religies afro-brasileiras do RS. Trata-se, em verdade, de um conflito em parteintergeracional, em que os "mais velhos" na religio tendem a considerar essa inovao como uma"deturpao" da religio dos orixs por parte dos mais jovens, ao mesmo tempo em que expressa em partetambm um conflito entre os "conservadores" e os "modernos", as mudanas sendo compreendidas pelos

    batuqueiros mais apegados tradio como uma violao dosfundamentos da religio.

    De uma maneira geral, so extremamente precrios os nmeros acerca dos terreiros existentes no RioGrande do Sul, bem como a incidncia de rituais dentro das trs modalidades religiosas acima referidas. Sejacomo for, e para dar ao menos uma idia de grandeza, sugiro que deva existir hoje cerca de trinta mil

    terreiros em atuao

    14

    neste estado, onde, em cerca de 80% deles so celebrados rituais de Linha Cruzada,em 10% somente rituais de Umbanda (caboclos e pretos velhos) e em 10% somente rituais de Batuque(nao).

    Neste estado, como j assinalou Correa (1996), a estruturao das trs diferentes expresses religiosas afro-brasileiras acompanha, at certo ponto, as mudanas que atingiram a prpria estrutura da sociedade.

    De fato, o batuque floresceu na segunda metade do sculo XIX e adaptou-se s condies de um Rio Grandedo Sul "tradicional", eminentemente agrrio, pois naquela forma religiosa a tradio regia a estrutura ritualcom os orixs formando uma grande famlia patriarcal. Os sacrifcios de animais no ofereciam problemasnum estado pastoril e em uma Porto Alegre onde havia ainda bairros "rurais". As iniciaes podiam ser

    longas, pois as relaes de trabalho eram ainda relativamente frouxas.

    J a umbanda se instalou no RS na dcada de 30 num quadro social em que a implantao do capitalismoencontrava-se numa fase mais adiantada: a economia se monetarizava, iniciava-se o processo deindustrializao, j ocorria o xodo rural. O tempo tomava nova dimenso. As pessoas centravam suas vidasem tomo do trabalho. A umbanda se adequou aos novos tempos: seus rituais no se prolongavam noiteadentro, no faziam uso de tambores e no realizavam sacrifcios de animais. Dessa forma, os fiis podiamcumprir suas obrigaes religiosas sem alterar o ritmo do cotidiano; no se prejudicava o sono dos vizinhose se levava em conta a diminuio dos espaos para criar os animais que, alm disso, se tornavam umamercadoria cara.

    A Linha Cruzada surgiu a partir da dcada de 60 numa fase de consolidao do capitalismo com oconseqente incremento de graves problemas, tais como desemprego, insegurana, doenas, frustraes.

    Neste contexto, a Linha Cruzada torna-se uma religio prtica, pragmtica, de servio, que se especializa nassolues sobrenaturais daqueles problemas.

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    O Prncipe Custdio de Almeida

    Detenho-me agora, mesmo que sucintamente, sobre um dos mais controvertidos personagens do campo afro-gacho, um prncipe africano, herdeiro do trono de Benin, que morou no Rio Grande do Sul de 1899,quando chegou cidade de Rio Grande, at 1935, quando faleceu em Porto Alegre.

    Segundo informaes colhidas por Maria Helena Nunes da Silva junto a diferentes fontes bibliogrficas,

    intelectuais africanos e, sobretudo, dois filhos biolgicos de Custdio este descendia da tribo pr-colonialBenis, dinastia de Glef, da nao Jeje, do estado de Benin, na Nigria. Seu nome tribal era Osuanlele OkiziErup, filho primognito do Ob Ovonramwen (Silva, 1999).

    H diferentes verses sobre sua sada da terra natal. Todas, porm, esto associadas invaso britnica aoreino de Benin, em 1897, diante da qual no se sabe ao certo se Osuanlele teria resistido, ou fugido, ou,ento, feito um acordo com os britnicos para deixar o pas e viver no estrangeiro, onde receberiamensalmente uma penso do governo ingls (a mais provvel). De fato, Dionsio Almeida, filho deCustdio, relatou a Maria Helena que seu pai teria deixado Benin em direo ao Porto de Ajud,acompanhado por oficiais ingleses e por parte do seu Conselho de Chefes, onde teria permanecido por cercade dois meses, dali embarcando para o Brasil, tendo chegado ao porto de Rio Grande em 7 de setembro de

    1899, com uma comitiva formada de 48 pessoas, em sua maioria membros do seu Conselho. Segundo aqueleinformante, antes de chegar a Rio Grande Custdio teria estado em Salvador, depois no Rio de Janeiro,tendo se estabelecido em Rio Grande por orientao dos orixs, atravs dos ifs.15 Custdio permaneceunesta cidade at o dia 4 de outubro de 1900, quando se transferiu para Pelotas, e no dia 4 de abril de 1901veio para Porto Alegre, a convite do ento presidente do estado, Julio de Castilhos, que algumas semanasantes o teria procurado em Pelotas como ltimo recurso para remediar um cncer que tomava conta de suagarganta. Como teve uma melhora temporria, teria convidado Custdio a morar em Porto Alegre paracontinuar a trat-lo nesta cidade, o que no impediu, porm, a morte de Julio de Castilhos aos 43 anos deidade, em 1903.

    Em Porto Alegre, Custdio morou durante 35 anos na rua Lopo Gonalves, na cidade baixa. Mantinha-se

    com a penso mensal que recebia do governo ingls, via Banco do Brasil. Consta que se apresentava empblico sempre bem vestido, desfilava pela cidade com uma carruagem puxada por parelhas de cavalosbrancos e pretos, dedicava-se ao seu esporte preferido, o turfe, possua um haras, era proprietrio e treinadorde cavalos de corrida, nunca se casara e vivia em situao poligmica. "Haras" e "harem", sintetizam a vidado Prncipe Custdio em Porto Alegre, disse-me um velho e bem informado batuqueiro.

    Consta tambm que a partir do seu primeiro contato para fins teraputicos com o presidente da Provncia,este e outros polticos da poca, e mesmo o sucessor de Julio de Castilhos, Borges de Medeiros, bem comoGetulio Vargas, teriam visitado o Prncipe em sua casa e este teria estado em vrias oportunidades no

    palcio do governo. Este , porm, um tema controvertido, uma vez que primeira vista parece difcil queaqueles polticos, fervorosos positivistas, procurassem o "feiticeiro" africano. Mas no seria ilgico pensar

    que este nobre e poltico africano, durante os 35 anos de vida em Porto Alegre, no pudesse ter sidosocialmente contatado pelos polticos ou por membros da elite local.

    Tambm controvertido o papel desempenhado por este Prncipe no que diz respeito aos membros da suaetnia. No campo poltico, enquanto por um lado diz-se que ele teria usado do seu prestgio para conquistarmelhor espao para os negros locais e contribudo para aliviar o preconceito e a discriminao que pesasobre eles, por outro, recrimina-se que ele teria usado suas relaes polticas unicamente em favor dosmembros da sua famlia, empregando-os no servio pblico, por exemplo, pouco ou nada fazendo para osnegros em geral. No campo religioso paira a mesma controvrsia. Por um lado, muitos so os pais e as mes-de-santo de Porto Alegre que se dizem descendentes da linhagem religiosa do Prncipe, defendendo que eleteria contribudo decididamente para a estruturao do batuque na cidade, para o reconhecimento social domesmo e para diminuir as perseguies policiais; mas, por outro lado, afirma-se tambm que ele no teriainiciado ningum, pois sendo nobre no teria "posto sua mo" em nenhum plebeu, e que teria atuado comoreligioso somente para as elites e as pessoas de sua amizade e famlia.

    Seja como for, segundo consta na sua certido de bito, Custdio morreu em 28 de maio de 1935, aos 104anos, solteiro e deixando bens. Sua morte foi noticiada nos jornais locais e seu enterro foi bastanteconcorrido, contando inclusive com a participao de polticos da poca.

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    Hoje o Prncipe Custdio constitui um mito no imaginrio negro do Rio Grande Sul e, como escreveu N.Correa, "a figura ainda hoje mais legendria que a memria dos integrantes do Batuque guardam [...]"(Correa, 198a:77). No entanto, quanto sua vida e realizaes, e s vrias controvrsias que as envolvem,trata-se de mais um tema espera de pesquisadores que efetuem uma investigao transatlntica.

    Os Brancos nas Religies Afro-Brasileiras do Rio Grande do SulO Rio Grande do Sul uma sociedade multitnica e pluricultural construda no "encontro de civilizaes",como diria Bastide, onde os nativos indgenas viram seu territrio sendo ocupado pelos portugueses eespanhis, aos quais foram associados os escravos africanos e, posteriormente, os imigrantes europeus, comdestaque para os alemes e os italianos.16

    Em termos gerais, hoje a composio multitnica do Rio Grande do Sul assim constituda: 86,8% sobrancos, 4,1% negros, 8,9% pardos e 0,2% indgenas (PNAD, IBGE, 1999). Com estes nmeros, o RioGrande do Sul constitui o estado mais "branco" do Brasil, depois de Santa Catarina.17

    Ora, neste territrio multitnico, malgrado a posio superior que os brancos ocuparam em relao aosnegros e aos ndios, ocorreram, de alguma forma, trocas culturais em diferentes direes, sendo uma delas aaproximao dos no-brancos, de diferentes etnias e de diferentes camadas sociais, s religies afro-

    brasileiras.

    praticamente impossvel saber quando este encontro comeou a ocorrer. Tudo indica, porm, que dataainda do sculo XIX, tendo aumentado nas primeiras dcadas do sculo XX e se consolidado a partir dasegunda metade daquele sculo, quando, ento, h notcias de brancos que ocupam a condio de pais emes-de-santo. Este fenmeno, como se sabe, ocorreu em praticamente todo o Brasil, chegando ao ponto emque hoje, em algumas regies, como escreve Prandi, referindo-se a So Paulo, "o Candombl uma religioque no pode ser caracterizada como uma religio de negros" (Prandi & Silva, 1987:4). Trata-se, antes, de

    religies multitnicas e universais (Prandi, 1991).

    A procura de terreiros por parte dos brancos pobres geralmente est associada busca de soluo paraproblemas prticos como doenas, desemprego ou dificuldade econmica, ou problemas legais, geralmenterelacionados sua condio desfavorvel de classe. J os brancos de maior poder aquisitivo o fazem na

    busca de soluo de problemas existenciais como os de sentido, identidade, afetivos, etc. Tambm o cartermisterioso, extico e fascinante da religio dos orixs, associado sua eficcia simblica, contribui para aatrao de brancos.

    Diga-se de passagem que as mesmas ou semelhantes razes apontadas para a aproximao dos brancos dascamadas populares aos terreiros servem tambm para os negros ingressarem neles. No entanto, no se podeimaginar uma convivncia harmnica entre negros e brancos nos terreiros multitnicos gachos. Ocorre aquiuma espcie de tolerncia mtua ou, como Silva e Amaral referiram para So Paulo, uma

    espcie de negociao velada onde os brancos, com dinheiro, tornam-se necessrios prpria sobrevivncia do terreiro de maiorianegra e, assim, o que visto como negativo (a entrada dos brancos no candombl) acaba adquirindo sinal positivo, j que aconcesso necessria manuteno das despesas da casa. (Silva & Amaral, 1994:17)

    Em outras palavras, parece prevalecer no Rio Grande do Sul a representao negra segundo a qual importante a presena simultnea de brancos e de negros nos terreiros por serem, os primeiros, detentores

    principalmente de capital econmico e os segundos principalmente de capital simblico, religioso, dado pelatradio. Evidentemente que os atores sociais implicados no processo nem sempre possuem esta conscincia

    dos fatos. mais recorrente neles a afirmao de que "o ax no tem cor".

    No entanto, h terreiros multitnicos onde o preconceito de cor tende a se manter. Isto se d especialmentequando os brancos implicados na religio detm pouca conscincia da origem africana desta e no realizamuma aproximao mais efetiva com a etnia negra. H outros terreiros multitnicos, porm, onde at certo

    ponto e por um tempo limitado parece haver uma suspenso dos preconceitos raciais; neste caso, negros ebrancos juntam-se no espao religioso para se divertir, rezar e fortalecer uma identidade social comum.

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    Os terreiros multitnicos a que me refiro renem especialmente pessoas das camadas populares. Isto porqueos terreiros de camadas mdias tendem a ser predominantemente freqentados por brancos, enquanto osterreiros de camadas altas so freqentados quase que exclusivamente por brancos. Em todos eles, comomostrei em outro lugar (Oro, 1998), so reproduzidas as desigualdades raciais encontradas na sociedadegacha (e brasileira).

    A Expanso das Religies Afro-Brasileiras para os Pases do Prata

    Um outro aspecto que sobressai no estudo do atual campo religioso afro-gacho consiste na importncia queele tem para o ressurgimento e introduo das expresses religiosas de matriz africana nos pases do Prata.Com efeito, a Argentina j teve uma histria de reproduo dessas religies at o final do sculo XIX,quando os atabaques, tocados at ento pela comunidade afro-argentina, silenciaram em razo do abruptodeclnio desta populao.18 J no Uruguai, no consta ter havido uma histrica prtica religiosa africana, masimportantes expresses musicais de origem africana como o candombe.19 No entanto, em ambos os pases, a

    partir da dcada de 60 do sculo passado, verifica-se o reingresso (na Argentina) e a introduo (no Uruguai)das religies de matriz africana, sobretudo atravs do Rio Grande do Sul.

    Este processo ocorreu primeiramente nas cidades platinas fronteirias com o Rio Grande do Sul e dalialcanaram as capitais federais. Deveu-se a iniciativas que partiram de ambos os lados da fronteira, ou seja,de pais e mes-de-santo brasileiros que procederam expanso da religio para os pases platinos e decidados desses pases que procuraram terreiros brasileiros.

    Na dcada de 70, o fluxo se estendeu at Porto Alegre, onde se localizava o maior nmero de renomadosbatuqueiros que passaram a ser visitados por argentinos e uruguaios. Estes para aqui vinham em busca deiniciao religiosa junto a um famoso pai ou me-de-santo, ao mesmo tempo em que buscavam oreconhecimento oficial da sua condio de iniciados, ou sacerdotes, junto a uma federao local. Sem taisdocumentos, tinham muitas dificuldades de praticar a religio em seus pases, sobretudo na Argentina,

    podendo at mesmo sofrer perseguies policiais.

    O perodo ureo das relaes religiosas internacionais platinas ocorreu na dcada de 80. Em relao Argentina deu-se sobretudo aps o retorno vida democrtica, em 1983 (Frigerio & Carozzi, 1993),enquanto no Uruguai o crescimento do nmero de terreiros e o incremento das relaes religiosas com oBrasil coincidiram com o perodo ditatorial, que se estendeu at 1985 (Hugarte, 1993).

    Na dcada de 90 ocorreu um arrefecimento das relaes religiosas entre gachos e platinos e isto se deveu,segundo o discurso dos pais e mes gachos, crise econmica que se abateu sobre aqueles pases,sobretudo na Argentina, que reduziu os investimentos das pessoas na religio, embora no tenha diminudoo interesse pela mesma. Mas h um no-dito: o arrefecimento tambm se deveu concorrncia religiosa queesto sofrendo naqueles pases. Ou seja, se at o incio da dcada de 90 havia uma relao relativamenteassimtrica, mas aceitvel, entre os pais e mes gachos e seus filhos platinos os primeiros colocando-senuma posio hierrquica superior a partir deste perodo estabeleceu-se uma relao conflituosa entrealguns, seno a maioria dos pais-de-santo gachos (cerca de 15 pessoas), que participam do circuitoreligioso platino, sobretudo argentino, e os seus colegas deste pas, posto que estes ltimos passaram adisputar poder pela ocupao do espao religioso afro-brasileiro e pelo exerccio legtimo do sacerdcionaquele pas.

    Apesar disto, nos dias atuais continuam as viagens de membros das religies afro-brasileiras nos diferentessentidos e foram criadas verdadeiras redes internacionais de parentesco simblico, as quais constituem

    denominadores de fronteiras sociais e simblicas que contribuem para a construo de verdadeirasidentidades transnacionais. Ao mesmo tempo, essas redes constituem uma forma de integraoregional/internacional, legitimada religiosamente, mediatizada pelas religies afro-brasileiras, onde anacionalidade e as diferenas sociais e ideolgicas no so anuladas, mas superpostas religiosa.

    Evidentemente que a construo de identidades no significa a formao de comunidades (no sentidotradicional do termo) internacionais. Igualmente, a integrao e a formao internacionais de redes de

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    famlias-de-santo no significa que as relaes entre os seus membros sejam harmnicas. Elas continuam areproduzir o ethos de rivalidade e aliana que caracteriza o campo religioso afro-brasileiro.20

    As Religies Afro-Brasileiras no Rio Grande do Sul e suas Relaes com o Poder PolticoLocal

    Nos ltimos anos, as religies afro-brasileiras parecem ter conseguido, em Porto Alegre, uma aproximaono alcanada at ento, e em nenhum outro local do estado, com o poder pblico local. sobretudo nasgestes do PT na prefeitura, especialmente na segunda e na atual, em que o chefe do Executivo TarsoGenro,21 que aquelas religies conseguem lograr apoios e interagir diretamente com o gabinete do Prefeito ecom algumas secretarias, como da Cultura e do Meio Ambiente, tudo isto ocorrendo, porm, no semconflitos.22

    Assim, em Porto Alegre, mediante Lei Municipal, e por intermediao da Secretaria Municipal da Cultura eda Cmara Municipal de Porto Alegre, desde o ano de 1996 comemora-se a Semana da Umbanda e dosCultos Afro-Brasileiros.Os eventos desta Semana so compostos de palestras e rituais, celebrados no Parque

    da Harmonia, no centro da cidade. Iniciam-se no dia 15 de novembro com uma sesso de Umbanda eencerram-se em 20 de novembro, Dia Nacional da Conscincia Negra, com uma sesso de Batuque. Nesteseventos comparecem autoridades civis, membros das religies afro-brasileiras, alm de simpatizantes,curiosos e o povo em geral.

    Outra atividade pblica semelhante a essa, e que tambm consta como Lei Municipal de Porto Alegre, aFesta da Oxum, celebrada desde 1996 em todos os dias 8 de dezembro, na praia de Itapema, diante daimagem deste orix erguida beira do Rio Guaba. Nesta ocasio ocorre tambm uma sesso religiosa na

    praia em homenagem deusa das guas doces.

    digno de nota que ambas as atividades referidas, a Semana da Umbanda e a Festa da Oxum, constam no

    calendrio de eventos da prefeitura de Porto Alegre.

    Outra iniciativa de parceria com o poder pblico ocorreu entre as trs maiores federaes do estado(Conselho Superior da Umbanda e dos Cultos Afro-brasileiros, Afrobras e Aliana Umbandista e Africanistado Estado) e as Secretarias Estadual e Municipal do Meio Ambiente, ao editarem um caderno de orientaointitulado "A Educao Ambiental e as Prticas das Religies Afro-Umbandistas", com o objetivo de"orientar as Casas de Religio e funcionrios do poder pblico municipal e estadual sobre procedimentos emrelao a cultos e colocao de trabalhos religiosos no meio ambiente". Trata-se de um manual deaconselhamentos em relao s oferendas, tendo como pressuposto a preservao da natureza.

    As federaes acima mencionadas tambm conseguiram, junto ao poder pblico municipal e AssembliaLegislativa do estado, o apoio financeiro e logstico para realizar anualmente um Seminrio Cultural eTeolgico da Umbanda e dos Cultos Afro-Brasileiros do Estado do Rio Grande do Sul. Trata-se de umseminrio que desde a sua primeira edio, em 1996, celebrado no salo nobre da Assemblia Legislativado estado e conta com palestrantes oriundos do prprio campo religioso em questo e de pesquisadores dosmencionados cultos, provenientes de diferentes regies do Brasil e dos pases do Prata. O seminrio temdurao de trs dias e dele participam em mdia 400 pessoas.

    Principalmente neste evento, mas tambm nos demais referidos, nota-se sempre a presena de polticos, dosExecutivos e Legislativos, municipal e estadual, de distintos partidos.

    Outra forma de aproximao do campo religioso afro-brasileiro com o poltico ocorre atravs de outorga decomendasettulos honorficos, com que os governos locais distinguem alguns lderes destas religies. Assim,por exemplo, o babalorix Cleon (Fonseca) de Oxal recebeu das mos do ento governador do Estado doRio Grande do Sul, Antnio Brito, em 30/6/1996, a medalhaNegrinho do Pastoreio, a mais alta comenda doestado. Trs pais-de-santo receberam na Cmara Municipal de Porto Alegre o ttulo de cidados de PortoAlegre. So eles: Ailton (Albuquerque) da Oxum, Jorge (Verardi) de Xang e Adalberto Pernambuco

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    Nogueira o primeiro nascido em Pelotas (RS), em 3/11/1945, o segundo em Cruz Alta (RS), em19/10/1949, e o terceiro em Belm do Par, em 3/11/1928.

    O ltimo agraciado, Adalberto Pernambuco Nogueira, presidente do Conselho Estadual da Umbanda e dosCultos Afro-Brasileiros do Rio Grande do Sul (CEUCAB/RS), e uma das maiores lideranas desta religiono estado. Devido o seu carisma e bom trnsito na esfera pblica, tem contribudo para as religies afro-

    brasileiras conquistarem maior e melhor espao tanto no campo poltico quanto no campo religiosoinstitucional. Na rea poltica tem participado, enquanto representante das religies afro-brasileiras, noConselho Poltico de Campanha da Frente Popular (formado ento por cerca de 160 pessoas de destaque dasvrias reas de atuao social e profissional) por ocasio das ltimas eleies municipais de 2000, eatualmente integra o Conselho Poltico de Governo da Frente Popular (formado por cerca de 300 pessoas).Igualmente, a partir de janeiro deste ano foi escolhido como membro do Conselho Municipal de Cultura.

    Alm destas atividades no meio poltico, Pernambuco Nogueira o representante mais solicitado dasreligies afro-brasileiras por ocasio de celebraes ecumnicas, ocorridas, por exemplo, por ocasio das

    posses do governador do estado e do prefeito municipal, no dia do aniversrio da cidade de Porto Alegre (26de maro), no dia das Mes e na celebrao de 25 de agosto, dia de So Cristvo, padroeiro dos motoristas.

    Em tais cultos ecumnicos comparecem representantes da igreja catlica, da igreja luterana, do islamismo,do budismo, do judasmo, do espiritismo, alm dos cultos afros.

    Mas, se, de um lado todos os fatos acima mencionados revelam uma aproximao que, como j disse, noocorre sem tenses entre as religies afro-brasileiras e o poder poltico no Rio Grande do Sul, por outrolado, os representantes dessas religies no logram ingressar diretamente no campo poltico mediante aconduo pelo voto. Ou seja, malgrado as tentativas para sua viabilizao de parte de alguns renomados

    pais, no conseguiram eleger nenhum seu representante nas Cmaras Municipais e muito menos naAssemblia Legislativa do estado. O nico precedente neste sentido data da dcada de 1960, quando oumbandista Moab Caldas foi eleito para a Assemblia Legislativa do estado, pelo PTB de Leonel Brizola eJango Goulart, e reeleito nos anos de 1964 e 1968. Foi cassado em 1968, vindo a falecer em 1997. 23

    Tambm no ano de 1960 foram eleitos 3 prefeitos e cerca de 20 vereadores umbandistas no Rio Grande doSul.

    Aps este perodo no parece ter havido mais presena efetiva de membros desta religio em cargos eletivosno Rio Grande do Sul, malgrado algumas tentativas, como a do babalorix Ailton Albuquerque, de PortoAlegre, que se apresentou s eleies legislativas gachas nas ltimas eleies de 1998 pelo PartidoTrabalhista Brasileiro (PTB). No logrou se eleger, tendo obtido 3.425 votos, quando o mnimo necessriositua-se em torno de dez mil, dependendo da situao da legenda.

    Nas eleies de 2000 no consta ter havido algum lder desta religio que tenha sido eleito em algummunicpio do Rio Grande do Sul. Em Porto Alegre, entre os 411 candidatos a vereador para a Cmara

    Municipal, havia 5 representantes das religies afro-brasileiras, 4 pais-de-santo e 1 presidente de um famosoterreiro. Foi, entre eles, o presidente da Federao Afrobras quem obteve o maior nmero de votos, 1.994,este montante representando, porm, somente um quarto dos votos necessrios para ser eleito. Os demaiscandidatos obtiveram 1.668, 1.109, 451 e 421 votos, totalizando, juntos, 5.643 votos, quantia insuficiente

    para eleger um nico candidato.24

    O discurso eleitoral veiculado pelos pais-de-santo de Porto Alegre para dentro da "comunidade" afro-umbandista era fundamentalmente o mesmo: a necessidade de a "religio" ter representantes no legislativomunicipal para defender os seus direitos e para mostrar sua fora perante a sociedade e, sobretudo, peranteos evanglicos (pentecostais), que esto ampliando seu espao na poltica e se mostrando abertamentecrticos em relao s religies afro-brasileiras. Ora, este discurso no produziu a eficcia esperada peloscandidatos e, a meu ver, isto se deve, sobretudo, prpria estrutura e ao ethos das religies afro-brasileiras.

    De fato, o modelo organizacional das religies afro-brasileiras repousa sobre uma variedade de federaes euma pulverizao de terreiros, sendo todos ao mesmo tempo autnomos e rivais entre si. Como no existe,no mbito desta religio, uma nica hierarquia religiosa, um poder centralizador e aglutinador dos centrosreligiosos, estes constituem-se autnomos e, por isso mesmo, concorrentes entre si. Em conseqncia disso,

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    reconhece o candidato a vereador Jorge Verardi, presidente da Afrobras, "cada um procura sua prpriaautopromoo". "No temos a organizao dos aleluia", disse uma me-de-santo.

    Ora, este ethos constitudo de permanente disputa, rivalidade entre terreiros e desqualificao do outro,torna, como reconhece R. Prandi, bastante remota a possibilidade de unio entre terreiros e grupos, mesmoem se tratando de proveito para a religio (Prandi, 1991:163).25

    Consideraes Finais

    Malgrado os avanos alcanados nos ltimos anos pelas cincias sociais e humanas na compreenso dahistria e do presente do negro e sua cultura no Rio Grande do Sul, muita coisa ainda resta a ser investigada.

    Talvez no pese hoje to forte como h alguns anos atrs a frase escrita em 1940 pelo historiador D. deLaytano quando afirmava que "os nossos cronistas, os historiadores de compndios oficiais e toda aliteratura gacha no se ocuparam do negro seno acidental, ligeira e negligentemente" (Laytano, 1940). Noentanto, malgrado produes recentes, permanece atual a exortao de outro historiador, Mrio Maestri

    Filho: "a histria do escravo sulino, proto-histria do proletariado gacho, ainda est por escrever-se"(Maestri Filho, 1979:67). Especificamente sobre as origens do negro gacho, escreveu que "no sabemosrigorosamente nada" (idem, 1993:30), enquanto Norton Correa afirmou que "ainda no foram perfeitamenteesclarecidas as origens das populaes trazidas como escravos para o Rio Grande do Sul" (Correa, 1998a).

    A explicao para a desconsiderao do negro pela academia, mas no s ela, pode residir, como salienta R.Oliven, no prprio processo de construo poltica e cultural do Rio Grande do Sul, onde ocorreu uminteresse massivo e concentrado em torno da figura do gacho que foi elevado condio de "autntico"representante desse territrio e do colonizador europeu, em detrimento de outros grupos sociais aqui

    presentes desde o princpio da colonizao, como os negros e os ndios. Estes parecem condenados aosilncio e ao esquecimento e comparecem no mbito das representaes de uma forma extremamente plida.

    Particularmente quanto ao negro prevalece uma invisibilidade social e simblica (Oliven, 1996) ao mesmotempo em que ainda predomina, no Rio Grande do Sul, a auto-imagem de um estado branco e moderno,construdo pelas figuras "hericas" dos gachos e dos imigrantes europeus e seus descendentes.

    No contexto de excluso do negro e sua cultura no Rio Grande do Sul figura tambm o batuque, cujahistria, linhagens, tradies religiosas e represso policial, permanecem ainda com lacunas, incgnitas edvidas no resolvidas, como pudemos constatar neste trabalho.

    Notas

    1. Por se tratar de um texto que pretende ser, at certo ponto, um vo panormico sobre as religies afro-brasileiras no Rio Grande do Sul, este ser, necessariamente, superficial em alguns aspectos; porm, essadeficincia poder ser em parte sanada com as indicaes bibliogrficas respectivas para os interessados.

    2. Ou seja, atuaram como mo-de-obra nos engenhos de acar de Pernambuco e Bahia, na mineraoaurfera de Minas Gerais, nos campos de fumo e cacau da Bahia e Sergipe, no cultivo do caf do Rio deJaneiro e So Paulo, no algodo do Maranho e Par, nas plantaes de caf tambm cultivado no EspritoSanto, na agricultura e pecuria do Rio Grande do Sul e na minerao de Gois e Mato Grosso.

    3. Sabe-se que durante algum tempo o envio para o Sul era tido como um pesado castigo e forte ameaa aosescravos desobedientes, por parte dos patres de outras regies do Brasil.

    4. De fato, ao efetuar uma comparao entre o candombl da Bahia e o batuque o Rio Grande do Sul,Herskovits propunha a hiptese de que a existncia do africanismo no Rio Grande do Sul resulta de umtrabalho independente e paralelo, "de idnticos impulsos culturais africanos primitivos". Ponderava, porm,de que tal hiptese deveria ser revista com os avanos dos estudos historiogrficos "sobre a migrao negra

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    dentro do Brasil e da procedncia tribal africana dos negros importados para a parte sul do pas" (Herskovits,1948:64).

    5. "Embora ocupada desde os meados do sculo XVIII por colonos aorianos, Porto Alegre s comeou a sedesenhar aps 1772, quando se deu a primeira demarcao do espao urbano e a distribuio de datas deterras para esses aorianos. S ento a condio de ponto estratgico daquele stio vai transfigurar-se emfunes comerciais e poltico-militares" (Kersting, 1998:61). A instalao de Porto Alegre como capital da

    provncia ocorre em 1773. Sua populao era de 1.500 habitantes em 1780 e 12.000 em 1820.

    6. "Era uma regio insalubre, fora do centro urbano, habitada por uma populao pobre, essencialmentenegra, estigmatizada pelos rgos oficiais, pela imprensa e por tudo aquilo que era considerado sociedade napoca" (Kersting, 1998:148). A palavra "Areal" tem sentido ambguo. Trata-se de uma corruptela da palavraArraial, mas tambm rea de depsito de areia do fluxo da foz do riacho Ipiranga com o rio Guaba. A

    palavra "Baronesa" refere-se proprietria dessa chcara, de ento, a Baronesa do Gravata.

    7. "Como limites mais ou menos definidos da Colnia Africana, podemos estabelecer a Rua RamiroBarcelos, a Avenida Protsio Alves (antigo Caminho do Meio) at a altura da Rua Dona Leonor, seguindo

    pela parte alta at aproximadamente o atual Instituto Porto Alegre (IPA), e deste at a rua Castro Alves,

    descendo por essa at a Ramiro Barcelos, de onde partimos" (Kersting, 1998:102).8. O nmero de moradores dessas reas no preciso. Relativamente Colnia Africana, era de 3.460 em1910; 4.299 em 1912 e 5.636 em 1917. Estes nmeros correspondem respectivamente a 2,66%, 2,92% e3,15% do total da populao de Porto Alegre nesses anos (Kersting, 1998:128-129).

    9. Este autor mostra como a anlise dos registros de ocorrncias policiais da virada do sculo em relao Colnia Africana no so superiores s de outras reas da cidade, mesmo o centro, considerado "civilizado"e "moderno". Entretanto, sobre este no foram construdas representaes sociais excludentes como emrelao quele territrio negro da cidade (Kersting, 1998).

    10. A expulso se d mediante a expanso da cidade com a conseqente valorizao da rea, que implica emaumento de impostos, impossvel de ser pago por moradores de baixa renda.

    11. So os seguintes os principais orixs cultuados no batuque: Bar, Ogum, Oi, Xang, Od (Otim),Ossanha, Ob, Xapan, Bdji, Oxum, Iemanj e Oxal. Oanexo Iapresenta um conjunto de elementosvinculados a cada um desses orixs, segundo a tradio batuqueira gacha.

    12. Segundo Paulo Tadeu B. Ferreira, na Nao Cabinda, por exemplo, a lngua ritualstica deveria ser oBantu (Kunbundo) e os deuses chamados de Inkices. Na prtica cultuam-se os orixs em lingua yorubana.

    Na Nao Jeje (Jeje), a lngua deveria ser o Ewe e os deuses os voduns. Na prtica adotam o mesmoprocedimento da Cabinda, que o mesmo do Ijex e do Oy (Ferreira,1997:42).

    13. O anexo IIapresenta algumas especificaes das entidades acima mencionadas.

    14. O anexo IIIapresenta os nomes e algumas concepes relativas s principais entidades da Linha Cruzadapraticada no Rio Grande do Sul.

    15. Este montante aproximado, mesmo porque "terreiro" uma categoria ampla que rene desde um congfamiliar onde seu dono recebe clientes para "jogar", at um espao onde so realizados rituais de distintasexpresses religiosas afro-brasileiras no mbito de uma comunidade religiosa local. Seja como for, mesmoos terreiros no Rio Grande do Sul, segundo esta ltima observao, podem ser considerados de tamanho

    pequeno ou mdio, pois o nmero mdio de freqentadores situa-se entre 10 e 30 pessoas, sendo reduzidosos terreiros que renam num nico espao ritualstico em torno de 100 pessoas.

    16. Eis, textualmente, o depoimento de Dionsio:"[...] o Forte de So Joo Batista de Ajud era comandado por um baiano, o qual tornou-se amigo do papai eindicou-lhe a Bahia como lugar adequado para viver no Brasil. Isto porque Jos Maria s conhecia a Bahia,nada sabendo dos outros estados brasileiros. Quando Osuanlele chegou Bahia ele jogou novamente seusifs e, em resposta, obteve que ainda no era aquele lugar o escolhido. Da Bahia ele foi para o Rio de

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    Janeiro. Conheceu algumas pessoas que professavam a religio africana. Bem, na Bahia ele tambmconheceu importantes figuras que estavam ligadas diretamente religio africana. Lembro que ele nos diziaque tinha muitas coisas que ele entendia sobre a sua religio. Homenagens foram feitas a ele" (Dionsio,13/5/1988 apudSilva, 1999:71).

    17. De fato, os alemes desembarcaram no Rio Grande do Sul a partir de 1824, tendo chegado a mais de60.000 indivduos at 1939. Os imigrantes italianos, por sua vez, chegaram a partir de 1875 e a ltima vagadesembarcou em 1914. Neste perodo, entre 70.000 e 100.000 italianos se estabeleceram no Rio Grande doSul.

    18. Segundo a mesma fonte, a distribuio tnica de Santa Catarina de 91,0% de brancos, 2,1% de pretos,6,4% de pardos e 0,5% so ndios (PNAD, IBGE, 1999).

    19. O ltimo depoimento sobre um ritual religioso de tipo afro-americano em Buenos Aires de 1903(Segato, 1991). Ainda segundo esta autora, a populao negra era de 30% em Buenos Aires no incio dosculo passado e caiu para 2% no final do mesmo sculo. As causas mais importantes do desaparecimentodessa populao foram as guerras e as pestes. possvel tambm que seus ltimos componentes tenhamemigrado para o Sul do Brasil. Rita Segato aponta, no entanto, que o desaparecimento do negro na Argentina

    foi antes ideolgico, cultural e literariamente construdo, do que propriamente fsico. Ou seja, na imagemque os polticos e os intelectuais argentinos se fizeram de nao homognea e depurada no havia lugar parao negro (id. ibid.).

    20. Para uma anlise sobre o candombe uruguaio ver Ferreira (1997).

    21. Para uma anlise mais aprofundada do processo de transnacionalizao das religies afro-brasileiras doRio Grande do Sul para os pases platinos ver Oro (1999).

    22. O PT est no comando da prefeitura de Porto Alegre h 12 anos, tendo sido prefeitos Olvio Dutra(1989-1992), Tarso Genro (1993-1996), Raul Pont (1997-2000) e Tarso Genro (2001-2004).

    23. Talvez o conflito maior resida na prpria administrao municipal e, sobretudo, no interior do PT, ondevozes do partido, movidas por brios ideolgicos, se erguem em desaprovao s relaes estabelecidas pelosorganismos executivos com as religies afro-brasileiras e, mesmo, com as religies em geral.

    24. Diana Brown recorda que em 1960 os umbandistas tambm elegeram para a Assemblia Legislativa doRio de Janeiro Atila Nunes um radialista umbandista que havia sido eleito vereador em 1958 (Brown,1985). Maria Helena Villas-Boas Concone e Lsias Nogueira Negro fazem uma anlise histrica dosdistintos momentos da relao da umbanda com a poltica e o estado, onde prevaleceu a perseguio at ogolpe de 1964 e a sua cooptao poltica a partir de ento. Mais especificamente analisam o envolvimento

    poltico-partidrio da umbanda paulista nas eleies de 1982 e analisam a derrota dos candidatos

    umbandistas (Concone e Negro, 1985).

    25. No entanto, no estamos emitindo nenhum juzo de valor sobre este permanente conflito entre lderes deterreiros das religies afro-brasileiras. H mesmo alguns autores, como N. Correa que, baseado em G.Simmel, levanta a hiptese de que o conflito referido no representa algo negativo na vida social dessasreligies, posto que ele constitui a chave para explicar a permanncia histrica e o crescimento das religiesafro-brasileiras, em razo do seu papel tambm construtivo e agregador em termos sociais (Correa, 1998b).

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