relatório da comissão munipal da verdade

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Page 1: Relatório da Comissão Munipal da Verdade
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MESADIRETORA2013Presidente:JoséAmérico-PT1ºVice:MarcoAurélioCunha-PSD2ºVice:AurélioMiguel-PR1ºSecretário:ClaudinhodeSouza-PSDB2ºSecretário:AdilsonAmadeu-PTB1ºSuplente:GilsonBarreto-PSDB2ºSuplente:DaltonSilvano-PV

VEREADORES2013AbouAnni-PVAdilsonAmadeu-PTBAlessandroGuedes-PTAlfredinho-PTAndréaMatarazzo-PSDBAntonioCarlosRodrigues-PRAntonioDonato-PTAriFriedenbach-PPSArselinoTatto-PTAtílioFrancisco-PRBAurélioMiguel-PRAurélioNomura-PSDBCelsoJatene-PTBClaudinhodeSouza-PSDBConteLopes-PTBCoronelCamilo-PSDCoronelTelhada-PSDBDaltonSilvano-PVDavidSoares-PSDEdirSales-PSDEduardoTuma-PSDBEliseuGabriel-PSBFlorianoPesaro-PSDBGeorgeHato-PMDB

Page 5: Relatório da Comissão Munipal da Verdade

GilsonBarreto-PSDBGoulart-PSDJairTatto-PTJeanMadeira-PRBJoséAmérico-PTJoséPoliceNeto-PSDJulianaCardoso-PTLaércioBenko-PHSMarcoAurélioCunha-PSDMárioCovasNeto-PSDBMarquito-PTBMartaCosta-PSDMiltonLeite-DEMOCRATASNabilBonduki-PTNatalini-PVNeloRodolvo-PMDBNetinhodePaula-PCdoBNoemiNonato-PSBOrlandoSilva-PCdoBOta-PSBPatríciaBezerra-PSDBPauloFiorilo-PTPauloFrange-PTBPr.EdemilsonChaves-PPReis-PTRicardoNunes-PMDBRicardoTeixeira-PVRicardoYoung-PPSRobertoTripoli-PVRubensCalvo-PMDBSandraTadeu-DEMOCRATASSenivalMoura-PTSouzaSantos-PSDToninhoPaiva-PRToninhoVespoli-PSOL

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Vavá-PTWadihMutran-PP

MESADIRETORA2014Presidente:JoséAmérico-PT1ºVice:MartaCosta-PSD2ºVice:GeorgeHato-PMDB1ºSecretário:ClaudinhodeSouza-PSDB2ºSecretário:ConteLopes-PTB1ºSuplente:GilsonBarreto-PSDB2ºSuplente:DaltonSilvano-PV

VEREADORES2014AbouAnni-PVAdilsonAmadeu-PTBAlfredinho-PTAndréaMatarazzo-PSDBAntonioCarlosRodrigues-PRAntonioDonato-PTAparecidoSidneydeOliveira-PVAriFriedenbach-PPSArselinoTatto-PTAtílioFrancisco-PRBAurélioMiguel-PRAurélioNomura-PSDBClaudinhodeSouza-PSDBConteLopes-PTBCoronelCamilo-PSDCoronelTelhada-PSDBDaltonSilvano-PVDavidSoares-PSDEdirSales-PSDEduardoTuma-PSDBEliseuGabriel-PSB

Page 7: Relatório da Comissão Munipal da Verdade

FlorianoPesaro-PSDBGeorgeHato-PMDBGilsonBarreto-PSDBGoulart-PSDJairTatto-PTJeanMadeira-PRBJoséAmérico-PTJoséPoliceNeto-PSDJulianaCardoso-PTLaércioBenko-PHSMarcoAurélioCunha-PSDMarcosBelizário-PVMárioCovasNeto-PSDBMarquito-PTBMartaCosta-PSDMiltonLeite-DEMOCRATASNabilBonduki-PTNatalini-PVNeloRodolvo-PMDBNetinhodePaula-PCdoBNoemiNonato-PSBOrlandoSilva-PCdoBOta-PSBPatríciaBezerra-PSDBPauloFiorilo-PTPauloFrange-PTBPr.EdemilsonChaves-PPReis-PTRicardoNunes-PMDBRicardoTeixeira-PVRicardoYoung-PPSRobertoTripoli-PVRubensCalvo-PMDBSandraTadeu-DEMOCRATASSenivalMoura-PT

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SouzaSantos-PSDToninhoPaiva-PRToninhoVespoli-PSOLVavá-PTWadihMutran-PP

MESADIRETORA2015Presidente:AntonioDonato-PT1ºVice:EdirSales-PSD2ºVice:ToninhoPaiva-PR1ºSecretário:AurélioNomura-PSDB2ºSecretário:PauloFrange-PTB1ºSuplente:EduardoTuma-PSDB2ºSuplente:NoemiNonato-PSB

VEREADORES2015AbouAnni-PVAdilsonAmadeu-PTBAdolfoQuintas-PSDBAlessandroGuedes-PTAlfredinho-PTAndréaMatarazzo-PSDBAnibaldeFreitasFilho-PSDBAntonioDonato-PTAparecidoSidneydeOliveira-PVAriFriedenbach-PPSArselinoTatto-PTAtílioFrancisco-PRBAurélioMiguel-PRAurélioNomura-PSDBClaudinhodeSouza-PSDBClaúdioFonseca-PPSConteLopes-PTB

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CoronelCamilo-PSDCoronelTelhada-PSDBDaltonSilvano-PVDavidSoares-PSDEdirSales-PSDEduardoTuma-PSDBEliseuGabriel-PSBGeorgeHato-PMDBGilsonBarreto-PSDBGoulart-PSDJairTatto-PTJonasCamisaNova-DEMOCRATASJoséAmérico-PTJoséPoliceNeto-PSDJulianaCardoso-PTLaércioBenko-PHSMarcoAurélioCunha-PSDMarcosBelizário-PVMárioCovasNeto-PSDBMarquito-PTBMartaCosta-PSDMiltonLeite-DEMOCRATASNabilBonduki-PTNatalini-PVNeloRodolvo-PMDBNetinhodePaula-PCdoBNoemiNonato-PSBOta-PSBPatríciaBezerra-PSDBPauloFiorilo-PTPauloFrange-PTBPr.EdemilsonChaves-PPQuitoFormiga-PRReis-PTRicardoNunes-PMDB

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RicardoTeixeira-PVRicardoYoung-PPSRobertoTripoli-PVRodolfoDespachante-PHSRubensCalvo-PMDBSalomãoPereira-PSDBSandraTadeu-DEMOCRATASSenivalMoura-PTSouzaSantos-PSDToninhoPaiva-PRToninhoVespoli-PSOLUshitaroKamia-PSDValdecirCabrabom-PTBVavá-PTWadihMutran-PP

RELATÓRIODACOMISSÃOMUNICIPALDAVERDADEVLADIMIRHERZOG2013/2014COMISSÃO

GILBERTONATALINIPRESIDENTEDACOMISSÃOMUNICIPALVLADIMIRHERZOG

JULIANACARDOSOVICE-PRESIDENTE

MARIOCOVASNETORELATOR

RICARDOYOUNGRUBENSCALVOLAERCIOBENKOJOSÉPOLICENETO

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TONINHOVESPOLIVEREADORES

RelatóriodaComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzog2013-2014AutorComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzog2013-2014

Planejamento,projetoeproduçãográficaDiretoriadeComunicaçãoExterna–CâmaraMunicipaldeSãoPaulo

Assessor-chefeIvoPatarra

CoordenaçãoEditorialJudithPatarra

Assessores-RuthMarulli,LeonardoOliveiraCasteloBranco,LetíciaNaliagacaStolochi,RobertaRosa,MarcelinoAtanesNeto,MariaAparecidaAlvesdaSilva,JoãoSantoeNilsonAlvesdosSantos

ProcuradoriadaCâmaraMunicipalProcuradora-Chefe[2015]:Dra.AndreaRascovskiIckowicz[2014]PauloAugustoBaccarin|AndreiaIedaMariaFerreiraPires|LucianadeFátimadaSilva

ConsultoriaTécnicaLegislativa-AllanRodriguesDias|JulianaTrufino

Secretaria(SGP13)-AlfredodeCamposAdorno|HelenaGrotkowsky

RevisãofinalIvoPatarra

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LuzesnopassadoÉcomsatisfaçãoqueapresentamosorelatóriofinaldaComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzog,documentoqueregistraotrabalhodocomitêquefuncionounaCâmaraMunicipaldeSãoPaulocomoobjetivodeapurarcrimespolíticoseviolaçõesaosdireitoshumanosocorridosemnossacidadenoperíododaditaduramilitar(1964-1985).

Ogrupodevereadoresdaatuallegislaturadedicou-seaouvirrelatosdevítimaseagentesdaditadura,pesquisardocumentoseparticipardeaudiênciasexternascomopropósitodeesclarecerfatos,dolorososemarcantes,dahistóriarecentedoBrasilequeressoamaindahoje.

Umtrabalhominuciosoesemqualquerviéspartidário.Ocompromissoquenorteouaaçãodossetevereadoresfoiodeesclarecerosfatos.

Mesmotendofoconoqueaconteceunacapitalpaulistanaépocadoregimedeexceção,acomissãosedebruçousobrequestõesnacionais,casodaapuraçãosobrefatosaindanebulososenvolvendoamortedoex-presidenteJuscelinoKubistchekemacidentedeautomóvelemagostode1976,noRiodeJaneiro.

Comestetrabalho,aCâmaradeVereadorespaulistanadeugrandecontribuiçãoparaclarearfatosdeumperíodoemqueavontadepopular,democraticamenteexpressanasurnasnaeleiçãopresidencialde1960,foiarbitrariamentesuprimidaatravésdeumgolpemilitarquedeuinícioaumregimeautoritário.Regimeestequetinhacomométododegovernoaintimidação,arepressãoeaviolênciacontratodosaquelesqueousassemlevantarsuasvozesparaquestionarosrumosimpostosànaçãobrasileira.

ParabénsaosmembrosdaComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzog.Comseutrabalhoengrandeceramopapeldestalegislatura,aojogarluzsobreassombrasdopassado.Contribuíramassimparaqueessassombrasnãosesobreponham,jamais,sobreobrilhoqueopovobrasileiro,nasuatrajetóriademocrática,constróiacadadia.

VereadorAntonioDonatoPresidente

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LiberdadeeDemocraciaEstadodeDireito,justiçasocial,direitoshumanos,liberdadeedemocraciasãovaloresfundamentaisdasociedade.Procuramospraticá-los.AComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzogtratoudejogarluznopassadorecente,parajamaisvoltarmosarepeti-lo.AoconhecermosaHistóriaecultuarmosamemória,ajudamosaforjarumfuturomelhor.Durantequasedoisanos,tomamosnaCâmaraMunicipaldeSãoPaulodezenasdedepoimentosenosdebruçamossobreepisódiosquemarcaramumdosperíodosmaisconturbadosdavidanacional,odaditaduramilitarquebloqueouademocraciaeimpôsumregimedeexceçãopormaisde20anos–comausênciadeliberdadedemanifestação,eleiçõeslivreserespeitoàcidadania.Ouvimosagentesecolaboradoresdarepressão–arrependidosounão.Demosvozàquelesqueforamperseguidosetorturadosnasprisões–semquaisquerdireitos.Iluminamosacontecimentossensíveis–comoosubornoaogeneralqueajudouadesferirogolpemilitar.InvestigamosamortedeJuscelinoKubitscheketrouxemosevidênciasdequeoex-presidentefoivítimadeumatentadopolítico.Aqui,apresentamosumrelatóriocom114itensquestionandoaversãooficialdequeJKmorreuemacidentedetrânsito.Emdepoimentos,testemunhasrelataramdetalhesdoassassinatodojornalistaVladimirHerzog.FomosàperiferiahomenagearamemóriadometalúrgicoSantoDiasdaSilva,outrobrasileirodignomortoduranteoregimedosgenerais.Nossostrabalhosnãopoderiamdeixardedesagravarrepresentantesdopovopaulistanocassadosporpráticasditatoriais.DevolvemossimbolicamenteosmandatosdetodososvereadoresqueperderamosdireitospolíticosemSãoPaulo.Concluímosnossamissãoconscientesdosimensosdesafiosqueestãodiantedapopulaçãobrasileira.Temosacerteza,contudo,dequeosenfrentaremosemmelhorescondições–poissomoslivres,respiramosdemocraciaenãoabrimosmãodaliberdade.

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VereadorGilbertoNataliniPresidentedaComissãoMunicipaldaVerdade

VladimirHerzog

ReescrevendoahistóriaComgrandesatisfaçãoassumiaresponsabilidadedeserrelatorda2ªfasedaComissãodaVerdadeVladimirHerzog,daCâmaraMunicipaldeSãoPaulo.

Emquasedoisanosdeatividades,nós,membrosdocolegiado,ouvimosumasériededepoimentos.DepessoasfavoráveisecontráriasaoregimeimpostoaoBrasilporquase20anos,edetorturados-vítimasdeumaépocaquenãodesejamosjamaisretornar,atorturadores,todostiveramespaçoparasemanifestar.

Dasinvestigaçõessurgidasapartirdessestestemunhos,destacoaquereuniu114indícioseatestounãocomoumacidente,massimumatentadobemsucedidoamortedoex-presidenteJuscelinoKubitschek.

Comisso,aComissãodaVerdadeVladimirHerzogpermitiuqueumapassagemdahistóriabrasileirafossereescrita,eesta,ameuver,foisuamaiorcontribuição.

AchoimportantesublinharquedurantetodaaconduçãodostrabalhosdaComissãodaVerdade,ocolegiadonãoadotouumviésideológicocomaintençãodeapontarmocinhosoubandidos.Houvesimumobjetivodeclarearosacontecimentosdopaísemumaépocamarcadapelacensuraàimprensa,faltadeliberdadedeexpressãoecerceamentodoscidadãosnoacessoainformações.

Viviaditaduradeperto.Meupai,MarioCovas,entãolíderdeoposição,foicassadopeloAI-5eteveseusdireitospolíticoscassadospor10anos.Voltarosolhosaopassadonãofoiumatarefafácil,masimprescindívelparaesclarecerumperíodoqueportantosanospermaneceuobscuro.

Finalmente,parabenizomeuscolegasGilbertoNatalini,JoséPoliceNeto,JulianaCardoso,LaércioBenko,RicardoYoungeRubensCalvo,demaismembrosdacomissão,portodoempenhoemfazerdestaummarconahistóriadestacasa.

VereadorMarioCovasNetoRelatordaComissãoda

VerdadeVladimirHerzog

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ÍndiceGeralI-AberturaUmsumáriodoquesetratounaComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzog

II-AcidentesForjadosVáriasmodalidadesdeassassinatos,segundoCláudioAntonioGuerra

III-OIrresistívelPoderdaCorrupçãoOcoronelErimáMoreiraflagrouasseismaletasdedólaresquecompraramAmauryKruel

IV-SargentoDarcyRodriguesOamigoCarlosLamarca,oroubodocofredoAdhemareasestacasnoValedoRibeira

V-AtendadoàEsperança114indíciosquemostramclaramenteaarmaçãocontraavidadeJuscelinoKubitschek

VI-SomosTodosVladoDepoimentodofotógrafoSilvaldoLeungVieiraqueregistrouacenamontadadesuicídio.Opapeldosreligiosos.Asordidezdoscaçadoresdebruxas:JoséMariaMarin,CláudioMarquesetcaterva

VII-ATeiadoMonstroCadeiasdecomandoefinanciamento.A4ªforçaarmada.DepoimentodeEmílioIvoUlrich.Estranhosprazeres

VIII-PrisioneirasdaSombraDepoimentosdeRitaSipahi,LeniraMachado,SaritaD’ÁvilaMello.DirceuGravina,torturador,fogedepoisdechegaràcalçadadoprédiodaCâmara

IX-ORostodoImponderávelDepoimentodeLaerteAparecidoCalandraàComissãoNacionaldaVerdade.Resumodoscrimesdotorturador

X-Intimidar,umPoderEspecialDepoimentodeAntônioDelfimNetto.OsprincípiosdaConstituiçãode1988

XI-TemposdeIntrigaDepoimentodePauloEgydioMartins.RelatodaprocuradoraLuizaNagibElufqueviveuainvasãodaPontifíciaUniversidadeCatólicapelocoronelErasmoDias

XII-MariaAntônia,ViolentadaDepoimentodocoronelVicenteSylvestre,queserecusouainvadiraFaculdadedeFilosofiaesofreuasconsequências

XIII-ODiadaMentiraOgolpevividopordoisdirigentesdaUNE,DuartePereiraeJoséSerra.ACançãodoSubdesenvolvimento

XIV-CavaleirosTrabalhistasMemóriasdosadvogadosJoséCarlosAroucaeHenriqueBuzzoni.CartaaosBrasileiros,doprofessordoutorGofreddoTellesJúnior

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XV-ODespejodosCorposNusAsvalasdeindigentes.Oencontrodedesaparecidos.DepoimentosdeCarlosEduardoGiosaedeRuiBarbosaAlencar.TerezaLajolosobreocrematóriodePerus

XVI-OPesodosOlharesDepoimentodosobreviventeCarlosEugênioCoêlhoPaz

XVII-AsBombasdaCovardiaAdestruiçãodaimprensaalternativaporatentadosterroristas.AexplosãofrustradanoRiocentro

XVIII-ResistênciaemM’BoiMirimOassassinatodeSantoDiasdaSilva.Aforçadaigreja.Falamtestemunhaseamigos

XIX-Jango,aQuemaNévoaEncobreDepoimentodeJoãoVicenteGoulartsobreamortedopaieoesforçodafamíliaparaseguirosúltimospassosdopresidenteJoãoGoulart

XX-DiadeFestaAComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzogdevolvesimbolicamenteosmandatosde42vereadoresaosvivoseaosfamiliaresdosjáfalecidos.Umdiadefesta

XXI-AVerdadeExigeMaisRecomendaçõesdaComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzog

Anexos

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Foto:FábioJrLazzari/CMSPALARGADA

Da esquerda para a direita: Mario Covas Neto, deputado Adriano Diogo, da Comissão Estadual daVerdadeRubens Paiva,Gilberto Natalini, o visitante Anivaldo Padilha, JulianaCardoso, José PoliceNetoeLaércioBenko

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CAPÍTULOI

Abertura“Emmemóriadosquemorrerameadvertênciaaosvivos.”

Existemdesgraçasnahistóriadeumpaísquepermanecemcomodolorososentravesàdemocracia. Geram ressentimentos, sensação de impunidade e injustiça, culpas,segredos, vergonhas, prepotências. Só se supera o trauma com testemunhos,documentos, livros de historiadores, análises ao longo do tempo. E leituras nodomíniodasartes.Esse é o caso do golpe militar de 1964, desgraça que condenou o Brasil a umaditadurade21anos, terminadaem1985.Anosde retrocesso,vidasperdidas, terrordeestado.Corrupção,desmandos,descalabro.Osjovensdehojetêmdificuldadeemavaliaromedoquecalavaaspessoassequiosasdeliberdade:acensuraàimprensa,àsartes,aviolênciadaquelesanosdechumbo.Todosestavamsujeitosàsanhadosqueatuavam nos covis da repressão. O melhor a fazer para proteger-se era manter osilêncio,anular-se,partirparaoexílio.Poucostiveramacoragemeoespíritopúblicodenãosesubmeter.ParainvestigarasviolaçõesdoEstadoaosdireitoshumanosentre1946e1988,comfocoprincipalnosdesaparecidospolíticosapartirde1964,visandoabrircaminhoaosfatos e à reconciliação, instalou-se a Comissão Nacional da Verdade (CNV), emBrasília,nodia16demaiode20121. Seguiram-se iniciativas comomesmoobjetivoemdiversosestados,municípios,sindicatoseassociações.Em São Paulo, a ComissãoMunicipal daVerdadeVladimirHerzog (CMVVH) deuinícioaosseustrabalhosnalegislaturade2008–20122eatuoudemaioadezembrode 2012. A atividade prosseguiu na atual legislatura, de 2012 – 2016; a CMVVHreuniu-sedemarçode2013adezembrode2014.Teve em mente esclarecer crimes, abraçar a memória dos que sofreram, advertirmilitares e civis contra reincidências. Na Alemanha de hoje é comum encontrarruínas propositadamente conservadas ou esculturas que remetem aos infernos daSegunda GuerraMundial (1939-1945). Lê-se nas placas alusivas: emmemória dosqueseforameadvertênciaaosvivos.OpresenterelatórioéumresumoencadeadodoqueocorreuduranteavigênciadaComissão.Todososdocumentoseoitivas,na íntegra,encontram-senosarquivosdaCâmaraMunicipaldeSãoPaulo,abertosparaconsultasepesquisas.Centralno focodaCMVVH foiaextensa investigaçãosobreo impactoquematouoex-presidente Juscelino Kubitschek3 e seu motorista Geraldo Ribeiro, na Rodovia

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PresidenteDutra,nodia22de agostode1976.Oautomóvel subitamente cruzouaestrada emzigue-zaguepara a esquerda, à frentedeumônibusdaViaçãoCometa.Atravessouocanteirocentraldapistaebateuemcheiocontraumacarretaquevinhanosentidocontrário,Rio–SãoPaulo.O acidente concentrou vários crimes usuais da ditadura: associação para o crime,assassinatoscomtécnicasvariadas, inclusiveenvenenamentos,desastres forjados.Aoassumir a presidência da Comissão Municipal da Verdade Vladimir Herzog, overeador Gilberto Natalini de imediato propôs investigar a morte do ex-presidenteJuscelinoKubitschek,naestranhaeprecariamenteexplicadaocorrência.Paratanto,aCMVVHapresentouuma lista inéditade114circunstâncias,evidênciase indíciosqueclamamporumareavaliaçãodoacidente(capítuloV).

Foto:Mainz-Heinz-Henrich

NaruínadaigrejatombadadeS.Cristóvão,bombardeadaduranteaIIGuerra,lê-seaepígrafeacima.Em Mainz, Alemanha. Nela foi batizado Johannes Gutenberg (ca. 1398-1468), inventor da prensamóvel.

VereadoresintegrantesdaComissãodaVerdadeInstaladanodia26demarçode2013,aComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzog,deSãoPaulo, compôs-sedosvereadoresGilbertoNatalini (PV), presidente, JulianaCardoso (PT), vice-presidente, Mario Covas Neto (PSDB), relator, Laércio Benko (PHS), Rubens Calvo (PMDB),RicardoYoung(PPS),JoséPoliceNeto(PSD).PolicefoisubstituídoporToninhoVespoli(PSOL).

OmatadordeeliteOutrainiciativamarcantefoiouvir,emmaiode2013,noEspíritoSanto,odelegadodepolíciaCláudioAntonioGuerra,umdosmatadoresqueintegravamaIrmandade

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–segundoodepoente,militaresepoliciaisespecializadosemtorturas,falsosacidentesedesaparecimentodecorposduranteaditaduramilitar.Odepoimentododelegadoexpõea covardia e a crueldesumanidadedoaparelhode repressão.Noquecabiaaele,atiradordeelite,especializara-seemabateralvosselecionados.TreinavanoClubeTietê,emSãoPaulo.GuerraexpõepartedoquevivenciounolivroMemóriadeumaGuerraSuja4.AesserespeitoovereadorRicardoYoungmanifestoupreocupaçãocomos riscos e a segurança, tanto dos personagens que participaram da repressão ecompareceram àCMVVH, quanto dos que os ouviriam. Pois a vida do outro, para aIrmandade,erazero(capítuloII).

FotógrafodoterrorO assassinato do jornalista Vladimir Herzog, dor indelével que traz presente umnúmeroaindaignoradodemortossobacustódiadoEstadoduranteoregimemilitar,levouaCMVVH aconvidaro fotógrafoSilvaldoLeungVieira,queresidenosEstadosUnidos, para depor em São Paulo. Lembramos que em outubro de 1975 esseprofissional foi chamado ao DOI-CODI5 para fotografar a montagem de suicídioconstruídapelosque torturaramHerzogaté amorte.AComissãoacompanhou-oàsdependências do antigo centro de tortura, como objetivo de prestar um tributo aojornalistaea todososqueali foramsupliciados.SilvaldoLeungVieiraexpôsemseudepoimento as emoções que viveu na condição de instrumento dos torcionários6(capítuloVI).EmhomenagemaosquepassarampelascâmarasdetorturaeascelasdoantigoDOI-

CODI,aCMVVHoficiouaogovernadordeSãoPaulo,em23desetembrode2013,umasolicitação:instalarummemorialaospresosedesaparecidospolíticosnoendereçoemque ficavam os aparelhos daOperação Bandeirante (OBAN) e posteriormente oDOI-CODI,naRuaTutoia,distritodeVilaMariana(zonasuldeSãoPaulo).Hojefuncionaaliumadelegacia,o36ºDistritoPolicial.Deu-seandamento,assim,aumasolicitaçãodaComissãoJustiçaePazdaArquidiocesedeSãoPaulo.Noofício ao governador, aCMVVH justificou amedida: a construçãodomemorialsimbolizaráavitóriadaliberdadesobreoregimedeexceção.Representaráorepúdioda sociedadebrasileira aosmétodos e ações covardesperpetradospelosgovernosdeexceção.Acentuará a rejeição aumperíodohistóricoquenãoqueremosde volta e,por isso, não podemos esquecer. Terá o sentido, como salientou Antônio FunariFilho,presidentedaComissãoJustiçaePazdeSãoPaulo,de“rompercomopactodesilêncioedeimpunidadequeacompanhaahistóriapolíticadenossopaís.”

AcoragemdeumjuizDepoisdelevarafamíliaparaointeriorafimdemantê-laemsegurança,umjuizde

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coragem,Dr.MárcioJosédeMoraes,arrostouapressãodogovernomilitareproferiuuma decisão histórica: deu ganho de causa ao processo que a viúva de VladimirHerzog,ClariceHerzog,moveucontraaUnião.Extraordináriaembravura,Clarice eseus filhos Ivo e André, menores que representava, responsabilizara a União pelaprisãoarbitrária,torturasemortedomarido,VladimirHerzog,paidosmenores.EstaComissãodaVerdade,cujonomehomenageiao jornalista,sentiu-serevigoradapelahonra de homenagear o desembargador aposentado Dr. Márcio José de Moraes ereceberseuirmão,ohistoriadoreprofessorDr.MárioSérgiodeMoraes,cujatesededoutoramentopelaUSPfoi“EndereçosdaCidadania,oCasoHerzog”.AmortedeHerzogeemseguidaadooperárioManuelFielFilhonoDOI-CODI, em16 de janeiro de 1976, também “por enforcamento”, levaram o general presidenteErnestoGeisel, finalmente, e após proteger-se o bastante com o remanejamento decomandantes, a substituir o responsável pelo II Exército, general Ednardo D’ÁvilaMello, no dia 19 de janeiro de 19767. Os assassinatos de Vladimir Herzog e deManuel Fiel Filho são parte da história do Brasil. Encontram-se inscritos nela.Significarão sempre luto e responsabilidade, geração após geração, de nuncadescuidar da democracia, da liberdade e demanter viva amemória.Não esquecer.Abominaroautoritarismoeasditaduras.

AcorrupçãodeKruelUm dos testemunhos de grande impacto à Comissão Municipal da VerdadeVladimirHerzog,realizadoem14de fevereirode2014, foiodocoronel reformadoErimáPinheiroMoreira,de89anos(faleceuemabrilde2015).Nodia31demarçode1964,oentãomajorfarmacêuticopresenciouachegadadeseismaletascontendoUS$ 1.200.000 (ummilhão e duzentosmil dólares) para o general Amaury Kruel,comandantedoIIExército.Eraopreçodesuaadesãoaogolpe.GuiadosporRaphaeldeSouzaNoschese,presidentedaFederaçãodas IndústriasdoEstadodeSãoPaulo(FIESP), trêshomenschegaramaolaboratóriodeErimá,ondejáseencontravaKruel.Cadaum trazia duasmaletas.Omajor farmacêutico exigiu a aberturadas seis, poispodiamconterartefatosqueameaçassemogeneral.Graçasaoseudepoimentosabe-se que a traiçãodo generalAmauryKruel, que apoiava o governo legítimode JoãoGoulart,nãotevecausaideológicacomosepropagou,masumsuborno.Suapassagempara o lado dosmilitares e civis golpistas foi decisiva na queda do presidente JoãoGoulart e na instauração do regime militar de exceção. Lê-se o depoimento nocapítuloIII.

OassassinatodopresidenteEm1996,antesdaprescriçãodocaso,osecretárioeamigodeJuscelinoKubitschek

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de Oliveira, Serafim Jardim, e o advogado Paulo Castelo Branco, obtiveram areabertura da investigação relativa ao acidente que matou o ex-presidente. Ambosdepuseram na CMVVH. O advogado fundamentara o pedido na estranha troca deperitos após a primeira avaliação técnica, logo depois do acidente. Quanto aopromotor, em um próximo passo inusitado, mandara extrair as fotos do inquérito,alegandopreservaçãodaimagemdopresidente.AesserespeitoSerafimJardimcitaoCódigo 12 em seu depoimento. Assim a repressão denominaria as operações paraassassinar inimigos do regime. Exemplos dasmodalidades preferidas de “acidentes”paraeliminarpessoasseencontramnocapítuloII.AviagemdeJuscelinoKubitschekcomoseumotoristaGeraldoRibeiro,numcarroChevrolet Opala, iniciada em São Paulo rumo ao Rio, interrompeu-se com umaparadanoHotelFazendaVilla-Forte,nodistritodeEngenheiroPassos,municípiodeResende(RJ).Ohotel erapropriedadedobrigadeirodo arNewton JunqueiraVilla-Forte, um dos organizadores do Serviço Secreto da Aeronáutica e colaborador dogeneralGolberydoCoutoeSilva,ocriadordoServiçoNacionaldeInformações(SNI).Omotorista do ônibus daViaçãoCometa, JosiasNunesOliveira, escolhido comobode expiatório, foi acusado de bater o ônibus no Opala e causar o acidente quematou Juscelino Kubitschek e seu motorista Geraldo Ribeiro. Nove passageiros doônibus prestaram declarações no inquérito instaurado a seguir. Todos negaram abatida.Também usaram como prova contra Josias a tinta no para-choque do ônibus,semelhanteàdoOpala.Masatintaprovinhadamanilhanaqualosônibusraspavam,emuma estreita passagemda antiga rodoviária de SãoPaulo.Via-se amesma tintaemváriosônibusdacompanhia,semprenospara-choques.Josias e o advogado PauloOliver, passageiro, que a tudo assistiu de uma posiçãoprivilegiadanoônibus,depuseramnaCMVVH.Foramtaxativos:oônibusnãobateunocarro. No entanto, com base no inquérito, Josias Nunes de Oliveira foi levado ajulgamento sob a acusação de ter provocado o acidente. Julgado por duas vezes,absolvido nos dois julgamentos, a origem do acidente permanece oficialmenteobscura.AdemarJahn,omotoristadecaminhãoquevinhanapistacontráriasentidoRio–SãoPaulo, logo atrásda carreta contra a qual oOpala se chocou, afirmouàCMVVHqueoônibusdaCometanãobateunocarro.Acrescentoutervistoque,aocontrário,JosiasteriadadoespaçoaoOpala.Oextraordinário,segundoJahn,foiobservarqueomotorista Ribeiro, ao atravessar a pista, parecia desfalecido, a cabeça caída entre ovolanteeajaneladocarro.Tentariaconsertaralgumpedal?Jahnteveaimpressãodequeestavamorto.Noaugedo impactosobreapopulaçãobrasileira,ecomanotíciadamortedoex-

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presidente em jornais de todo o mundo, o escritor Carlos Heitor Cony, quetrabalhava como jornalistana revistaManchete, seguiuparaoHotel FazendaVilla-Forte. Conversou, em especial, com o guardador de carros. Ouviu dele que omotorista Geraldo Ribeiro deixara o Opala no estacionamento do hotel. E que, aopartir,perguntou-lhesealguémmexeranocarro,poissentiraalgoestranhoassimquedeu amarcha a ré. Cony tem a convicção de que sabotaram algummecanismo doOpala e que provavelmente o acidente fora planejado para acontecer em uma dasintermináveis curvas da perigosa Serra das Araras, na descida da via à BaixadaFluminense.Ofilhodoproprietáriodohotel,GabrielJunqueiraVilla-Forte,naoitivadaCMVVH,contou que partira do hotel naquele domingo com destino a São Paulo, ondeestudava,poucoantesdachegadadeJK.Nadapresenciou.Tudooquesabeerepetiuno depoimento ouviu do pai, inicialmente pelo telefone. Newton Junqueira Villa-Fortereferira-seaJKcomo“ohomem”,quandoconversaramnaquelamesmanoite.GabrielinformouàCMVVHqueogeneralGolberydoCoutoeSilva,àépocaministrodaCasaCivildogeneralpresidenteErnestoGeisel,eraamigodeseupaiehospedara-se algumasvezesnohotel–depoisdoacidente, acreditava.Paralelamenteobservouque o então chefe do SNI, general João Baptista Figueiredo, fora aluno de NewtonJunqueiraVilla-FortenaEscolaMilitardoRealengo.Éprecisolembrar,aqui,queaospoucos a chamada “comunidade de informações”, construção do SNI e de outrosserviços secretos, gestou um núcleo que saiu do controle dos superiores eaparentemente,atécertoponto,atuavaàreveliadopodercentral.AindaarespeitodamortedeJuscelino,aCMVVHobtevedepoimentosdoadvogadoPauloCasteloBranco,dojornalistaIvanBezerradeBarrosedoperitoAlbertoCarlosdeMinas.Oadvogadoencaminhou,anosdepois,osprocedimentosnecessáriospararealizarnovaexumaçãodomotoristaGeraldoRibeiro,poisanunciara-setardiamenteadescobertadeumfragmentometálicoemseucrânio.Todososdepoimentossobreoacidenteeobservaçõescorrelatasencontram-senocapítuloV.

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Foto:FábioJrLazzari/CMSP

Daesquerdaparaadireita:MarioCovasNeto,AdrianoDiogoeGilbertoNatalini

OhistóricoatoecumênicoAComissãorecebeuliderançasreligiosasatuantesduranteosanosdelutacontraaditadura. Dom Angélico Sândalo Bernardino, que falou com emoção de VladimirHerzog,deSantoDiasdaSilvaedaMadreMaurinaBorgesSilveira,presaquesofreuvexames. Trocada pelo embaixador suíço em companhia de outros presos, viveuexiladanoMéxicopor15anos.DomAngélicofezumapeloparaa identificaçãodasossadasdePerus.OrabinoHenrySobeldescreveuemdetalhescomopassouodiaemquerecebeuanotícia damorte deVladimirHerzog. E contou que o encarregado da lavagemdoscorpos, ritual judaico antes do enterro, lhe comunicou que o corpo tinha muitasmarcasdegolpesesinaisdetortura.Orabinodecidiu:“Nãovamosenterrá-lonaalados suicidas.” Sobel declarou à CMVVH: “Um assassinato bárbaro. Forjaram umaconspiraçãocomunistaparajustificar,eventualmente,umgolpenoregime”.Nessamesma noite, o cardeal arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns,recebeu de um grupo de jornalistas a proposta de realizar um ato ecumênico.Concordou de imediato. O culto foi realizado no dia 31 de outubro de 1975, naCatedraldaSé.Para surpresaegrandecomoçãodosmilharesdepresentes,noaltarapareceu o mítico D. Helder Câmara, proibido de qualquer presença pública. Amídia,sobacensura,sequerpodiamencioná-lo.D.Helderdesafiouarepressãoque

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cercavaaPraçadaSé,postadanasruaspróximasenasjanelasdosprédiosaoredor.OreverendopresbiterianoJaimeWright(1927-1999)8 conseguiuchegarà catedralapesardacidadesitiada,comosacessosaocentrobloqueadosparaimpedirachegadaà Sé. Poucos sabiam que o seu irmão, Paulo Wright, deputado cassado de SantaCatarina, era um dos desaparecidos. A filha de JaimeWright, Delora JanWright,escreveuum livro sobreo tio9. JaimeWright foi dosprimeiros a rebelar-se contraoreverendo Boanerges Ribeiro que, em nome das entidades presbiterianas, apoiou oregime militar. Participou a seguir do núcleo que originou a Igreja PresbiterianaUnidadoBrasil.

UmbandistaantesdenascerAntônioBasílioFilho, de 56 anos, disse àCMVVH que éumbandistahá 56 anos enove meses – e assim iniciou seu depoimento sobre as perseguições à religião,respondendoàsperguntasdovereadorLaércioBenko.Aintolerânciaexistiaantesdoregimemilitar,duranteaditaduradeGetúlioVargas,quandoascasasdosfiéiseraminvadidasequebravamatabaques.“Fura-bumbo é expressão dessa época e perdura na polícia militar”, explicou.“Quandoumoficialprecisareceberumoficialsubalternooupraça,poderejeitá-loporserfura-bumbo.Ouseja,semqualificação.Quandolevavamumbandistasàdelegaciacustavacaroemfiançasetaxas.Quemnãotinhadinheiroficavadetidoporsemanas.Antônio Basílio é Diretor Jurídico do Superior de Umbanda do Estado de SãoPaulo.“Éaúnicareligiãogenuinamentebrasileira”,explica.“Nasceudamiscigenaçãodocardecismo,dascrençasindígenasedoscaboclos.Diferedocandomblé,queveiodoscultosafricanos.”

DemandosepagosUmaestruturaerigidaparareprimiroposicionistaseobter informaçõesmedianteoterroréfrutodeumacadeiadecomandoenecessariamenteexigemuitodinheiro.Oorganismo surgiu em São Paulo como Operação Bandeirante (OBAN). Obedecia,semelhante aos outros estados, à Diretriz para Política de Segurança Interna daPresidênciadaRepública,de196910.AOBANdeulugaraoDOI-CODI em1970(asiglaDOI,que resultoudeDestacamentodeOperações Internas, eraumapeçadehumornegro devido à associação com o verbo doer).O empresário Paulo EgydioMartins,que fora ministro da Indústria e Comércio do general presidente Humberto deAlencarCastelloBranco (1964 a 1967) e governador de SãoPaulo de 1975 a 1979(eleição indireta pelo Colégio Eleitoral), deu o seu depoimento à CMVVH sobre orobusto financiamento de empresários11 paulistas à repressão. “Se o senhorperguntasse quem não contribuiu seria mais fácil”, respondeu. Ou seja, todos o

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fizeram.OcapitãodoExércitoDarcyRodrigues,sargentoem1964eintegrantedatropasobocomandodeAmauryKruel,queveiodeporàCMVVH,lembra-se:“Estávamos aquartelados em Quitaúna (Osasco, Oeste da Grande São Paulo),prontosa resistir contraogolpemilitar.Depoisdeme levantarnodia30demarço,quando houve o toque da alvorada, constatei que havia uma frota de jipes zeroquilômetro,sememplacamento,eváriosônibusparadeslocamentodetropa.Osjipes,apuramos, foramcompradospormeiodaCasaCivildeSãoPaulo.OsônibusseriamcontribuiçãodaFIESP”,relatou.O economista Antônio Delfim Netto veio à CMVVH e ouviu perguntas sobrefinanciamentosdarepressão,torturaeseupapeldeapoioaoAI5, enquantoministroda Fazenda dos generais presidentes Arthur da Costa e Silva e Emílio GarrastazuMédici, entre1969 e1974.A tudoouviu comcerto arde comiseraçãodivertidanorostoimpassívelerespondeuquejamaistomouconhecimentodefinanciamentos.Atésobre amorte deVladimirHerzog disse que não poderia ter opinião, estava longe,embaixadoremParis.DepoimentosnocapítuloX.

VítimasetorcionáriosLeniraMachado,socióloga,eRitaSipahi,educadoraeadvogada,descreveramseustormentosàComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzognodia25demarçode2014. Ambas presas em 1971, Lenira com o seumarido Altino Dantas. Os relatosinduzem à questão expressa um sem-número de vezes, ao se tratar de tortura: quetipo de seres são os torturadores? Já houve supliciadas que os considerassem não-seres12.Ouseresdeoutraespécie,quenãoahumana.AlgumDNAalienígena,queseperpetuahámilênioseirrompeemalguns?EscreveuJeanPaulSartre:“Atorturanãoédesumana.Ésimplesmenteumcrimeignóbil,crapuloso,cometidoporhomensequeosdemaishomenspodemedevemreprimir.Odesumanonãoexisteempartenenhumaexcetonospesadelosqueomedoengendra.13”O relato de Lenira remete à polé da Inquisição, quando a máquina atirava osmartirizados de grande altura – mas sem atingirem o chão. O objetivo era causarintoleráveis dores devido ao estiramentomuscular14. No DOI-CODI, em 1971, doistorcionáriosergueramLeniranahorizontal,estiraramosprópriosbraçosparaoaltoea largaram,uma iniciativadoapelidado JCou JesusCristo,quedepois se soube serDirceuGravina.Paralisadaemumladodocorpo, semcontroledacabeça,por sortenão ficou tetraplégica.ÀRitaeLenira incansavelmente torturaramnopaudearara,comchoquesininterruptosnocorpointeiro,inclusivenavagina.OsrelatosdeRitaeLenira sugerem que o mal não comporta metáforas. Leem-se os depoimentos nocapítuloVIII.

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PorumfioAprofessoradeHistória SaritaD’ÁvilaMello, prima em segundograudo generalEdnardoD’AvilaMello,comandantedoIIExército,escapoudesofrimentosmaioresdepois que o general entreabriu a porta da câmara de torturas. Sarita pertencia aoPartido Comunista Brasileiro (PCB)15. Na presença dos pais, em outubro de 1975,prenderam-naemcasa.Seupaiobteveotelefonedoprimocoirmão,comquemnãotinhacontatodesdeaadolescência.Conseguiufalarcomelenodiaseguinteedisse-lhe: “Não quero me meter no trabalho de vocês, só que preserve a vida dela; émenina muito frágil”. (Sarita pesava cerca de 40 quilos.) Ednardo encerrou aconversa,masfoiaoDOI-CODI– segundoSarita,paracertificar-sedequeestavaviva.Ao voltar à cela reuniu as detentas e contou-lhes o episódio. Seu depoimentocomprova mais uma vez o óbvio. O comandante conhecia bem o que se passava.Sarita saiu do DOI-CODI um dia antes da entrada de Vladimir Herzog. Lê-se nocapítuloVIII.

Vexame:otribunalsubmissoOadvogadoJoséCarlosAroucaécontundenteaoafirmarqueoTribunalSuperiordo Trabalho curvou-se ante o arbítrio, negando o direito de acesso ao PoderJudiciário. E editou o Prejulgado nº 23, que impedia a revisão judicial dos atospraticados com base nos atos institucionais. Essa modalidade jurídica – umjulgamento por antecipação – servia à perfeição ao que se denomina de justiçakafkiana. Editam-se atos institucionais e torna-se legal qualquer decisão. Aroucadefendeu sindicatos atuantes: dos trabalhadores nas indústrias químicas, debrinquedos e instrumentosmusicais, do leite, do açúcar e café, da construção civil,dos padeiros, da alimentação. “Logo após o golpe assisti caírem todos sob aintervenção do Ministério do Trabalho”, observa. “Os dirigentes eram presos,perdiamoempregoenãoconseguiamnovacolocação.”Henrique Buzzoni, advogado do Sindicato dos Condutores de Veículos, tambémfalouàCMVVHsobrearepressãoaossindicatosdostrabalhadoresduranteaditaduramilitar. Preso e torturado duas vezes no DOI-CODI, Buzzoni lembra-se que, nus eencapuzados como todos os presos e presas no covil, ficou sentado ao lado de umjovem.“Orapazdevia tervistomuitos filmesnorte-americanos,porquedizia“queroumadvogado, tenhoodireito.”O carcereiro lhe respondeu: consulte oque estádoteulado,ficamaisfácil”–lembraBuzzoni.CapítuloXIV.

OsquefugiramdaraiaDurante o depoimento de Lenira, os trabalhos da Comissão foram interrompidospor um incidente.DirceuGravina, delegado emPresidente Prudente – aquele, por

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apelido JesusCristoe JC–concordaraemfalarparaaCMVVH.Gravinaé tidocomotorturador dos jornalistas Vladimir Herzog, Luiz Eduardo da Rocha Merlino e doadvogadoAluízioPalhanoPedreiraFerreira,todosassassinados.Aoveraimprensaaaguardá-lo diante da Câmara Municipal de São Paulo desistiu do depoimento erapidamente afastou-se, ocasionando um pequeno tumulto. Alguns vereadoresdesceramparaencontrá-loeconvencê-lodocontrário.Gravinarecusou-se,excetosea reunião fosse fechada.Aexigência foinegada.Lê-senocapítuloVIIIo roteirodeperguntas preparado para a audiência. ACMVVH oficiou ao Governador solicitandoafastamentodeGravina.Atéotérminodostrabalhosoofíciofoiignorado.Outroquesefurtou,opolicialAparecidoLaerteCalandra,motivouofíciodaCMVVHà coordenadoradaCNV, a advogadaRosaMariaCardoso daCunha, pedindo-lhe aconvocaçãodopolicial,quetevepapelmarcantenosórgãosderepressão.Compoderlegal para obrigar convocados a comparecer, a CNV acedeu e realizou a audiênciapública em São Paulo, conduzida pelo Dr. José Carlos Dias, no escritório dapresidênciadaRepública.Éumapeçanotável.Calandranadasabe,nadaouviu,nadaviu,enquantoexerciafunçãoburocráticaemumasaladoDOI-CODI.Lê-seoroteirodeperguntaseasnegativasnocapítuloIX.Esquivou-se igualmente à CMVVH o coronel reformado Carlos Alberto BrilhanteUstra,comandantedoDOI-CODI16entre1970e1974.ConvocadopelaCNVemBrasília,negoutertorturado.OvereadorGilbertoNatalini,presidentedaCMVVH,confrontou-odaplateia:forapessoalmentetorturadoporele.Fato recente, histórico e de expectativa promissora em relação aUstra e a outrostorturadoresocorreunodia9dedezembrode2014.OSuperiorTribunaldeJustiçareconheceuaresponsabilidadecivildocoronelreformadodoExércitoCarlosAlbertoBrilhante Ustra por torturas durante a ditadura militar, em ação impetrada pelafamíliaTeles17,negando o seu Recurso Especial de nº 1434498. Foram três votos afavor da família contra dois, o que referendou as decisões de primeiro e segundograus da Justiça paulista. Estas reconheceram a existência de relação jurídica deresponsabilidade civil entre um coronel do Exército e antigos presos políticos, emrazãodapráticadeatoilícitoduranteaditaduramilitar.A maioria do colegiado acompanhou, portanto, o voto divergente no qual oministro Paulo de Tarso Sanseverino concluiu não haver qualquer contradiçãojurídicaentrealeiqueanistioutorturadores,impedindoquefossempenalizados,eapretensão civil de que seja declarada a existência de ato ilícito durante a ditaduramilitar.Para o ministro Sanseverino, a pretensão formulada pelos demandantes está emplena consonância comumestadodemocráticodedireito, que busca resgatar a suamemória acercadegravíssimos fatosocorridosnoperíodomilitar iniciado em1964.

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“Arecuperaçãodamemóriahistóricaéfundamentalparaumanaçãoevitarqueessasgraves violações aos direitos humanos voltem a se repetir”, destacou em seu voto-vista.Outrosquesenegaramadepor:omédicolegistaHarryShibata,diretordoInstitutoMédicoLegal (IML)nadécadade70, eautorde laudosconiventescoma repressão.JoséMariaMarin,acusadodeserinsufladordaprisãoetorturadeVladimirHerzog.UmaavaliaçãodocomportamentodeMarinedeoutrosencontra-senodepoimentodo ex-governador Paulo Egydio Martins. Capítulo XI. Por fim, mais umnecessariamenteassociadoàtorturaeaoseufinanciamentoéPauloHenriqueSawayaFilho,quevisitouoDOPS47vezes,quandosetorturava.CapítuloVII.

JoãoVicenteFontellaGoulartO filhodopresidente JoãoBelchiorMarquesGoulart buscahá anosprovar que amorte do pai, em 6 de dezembro de 1976, foi provocada por envenenamento.Recentemente,umajuntadeperitosinternacionaisconcluiuserimpossível,medianteo uso da tecnologia à mão, detectar veneno nos restos mortais exumados. Atransformação de elementos, passado tanto tempo,muda as substâncias.Os peritosconcluíramqueoresultadoerainconclusivo.ACMVVHcolheuodepoimentodeJoãoVicente.EapresentouacartaqueocoronelManuelContrerasSepúlveda,ochefedoserviço secreto chileno (DINA), enviou em 28 de agosto de 1975 ao general JoãoBaptistaFigueiredo,entãochefedoSNI.CapítuloXIX.Contreras alertava que a possível vitória dos democratas nos Estados Unidossignificaria apoio a Juscelino Kubtitschek e a Orlando Letelier, embaixador chilenonosEUAduranteogovernodeSalvadorAllendeepolíticodeforteapelo.OcarrodeLetelier explodiu um mês depois do acidente de JK: 21 de setembro de 1976, nacapitalnorte-americana,WashingtonDC.Comodiplomatamorreuasuasecretária,anorte-americana Ronny Moffitt. O marido de Ronny feriu-se, mas sobreviveu. Oartefato explodiu em um largo circular importante, o Sheridan Circle, onde seconstruiu ummemorial em sua homenagem.Os três oposicionistas brasileirosmaisimportantes e ameaçadores para a ditadura, Juscelino Kubitschek, João Goulart eCarlos Lacerda, este inicialmente grande apoiador do golpe, morreram em umperíododenovemeses.Em23denovembrode2014,o jornalcariocaOGlobo publicou reportagem sobredois dossiês encontrados na casa de sítio do tenente-coronel da reserva PauloMalhães, que fora agente da repressão. Pouco tempo depois de falar à ComissãoNacional da Verdade, em 18 de fevereiro de 2014, Malhães morreu em situaçãosuspeitanasuaprópriacasa,emabril.ProcuradoresdogrupoJustiçadeTransiçãodoMinistérioPúblicoFederalencontraramospapéis,datadosdofinaldadécadade70e

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produzidos pela seção de Operações do Centro de Informações de Segurança daAeronáutica.Referem-seàOperaçãoGringo/Caco.NodizerdoProcurador-GeraldaRepública,RodrigoJanot,sãoamaiorprovaobtidaatéhojedaoperaçãoCondor18.O brigadeiro João Paulo Burnier convocaraMalhães para ajudá-lo a criar o CISA.Pelotrabalhooagenterecebeuumacondecoração,àqualsereferiucomorgulhonodepoimento à CNV. À pergunta se já trabalhava com Freddie Ribeiro Perdigão, daIrmandade, Malhães desconversou: “Cada um tinha a sua função. Todos éramosamigos.” A amizade traça uma linha de cumplicidade a partir de Cláudio AntonioGuerra e alcança os mais altos postos do governo militar, passando pelosindispensáveis laudos técnicos do Instituto de Criminalística Carlos Éboli, no Rio.Lembre-seaquideumcomentárioatribuídoaogeneralGolberydoCoutoeSilva:“Apolícia não vai investigar porque talvez bata em uma porta e quem abre é gentenossa”.

OalertasobreaoperaçãoCondorOInstitutoMiguelArraesanalisouascircunstânciasemquemorreramostrêslíderespolíticosmaisimportantes do Brasil: Juscelino Kubitschek, João Goulart e Carlos Lacerda, representando ocentro,aesquerdaeadireita.EligaosmortosàOperaçãoCondor,queuniuospaísesdoConeSul em uma só quadrilha funesta de sequestros, torturas, assassinatos e desaparecimentos. AanálisedamortedeJuscelinoKubitschekencontra-senodocumento “ACriaçãodoObservatórioOperaçãoCondornaAméricaLatina”,contribuiçãoàComissãoNacionaldaVerdade.

SantoabatidoàsclarasEmconjuntocomaComissãodaVerdadeM’BoiMirim,em20demarçode2014,a

CMVVH homenageou Santo Dias da Silva, operário morto com um tiro nas costasquandoparticipavadepiqueteduranteumagrevede trabalhadores, emoutubrode1979.Ochoque foi intenso: a anistia, emagostode 1979, trouxerade volta aopaísmuitos exilados e havia otimismo em relação à política brasileira. A homenagem aSanto Dias da Silva19 contou com a presença de moradores de M’Boi Mirim,deputados estaduais e federais, alémdo testemunhodevários cidadãosperseguidospelogovernomilitar.

UNE.JoséSerraeDuartePereiraNa sessão dedicada aos 50 anos do golpe de 1964, a CMVVH ouviu José Serra eDuarte Pereira Pacheco, presidente e vice-presidente da União Nacional dosEstudantes (UNE), dois líderes universitários atuantes no dia 1º de abril de 1964.Pachecohistoriouascircunstânciasquefortaleceramasforçasgolpistasedemonstrouque o objetivo era derrubar a democracia e as reformas de base que João Goulartdefendia: uma limitada reforma agrária, a nacionalização de refinarias, aumento da

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participaçãopopular,entreoutrasmedidashojecorriqueiras.Serrafalousobreosdiasanteriores e posteriores ao golpe do ponto de vista dos estudantes.Mobilizados emdefesa da legalidade, emum clima de fanatismodoentio, enfrentavam a sanha dosestudantes da direita radical, em parte organizada como paramilitares, sempreprontos a espancar. “Mal entráramos na vida adulta, eu tinha 22 anos”, lembrouSerra,quepassouanosnoexílioe escapoudamortenobanhode sanguenoChile,em1973.CapítuloXIII.

OsurtodasbombasAs ações da repressão contra as bancas de jornal, o que destruiu a imprensaalternativa crítica da ditadura – em especialMovimento, Em Tempo,O Pasquim eOpinião –, foram debatidas em uma reunião da Comissão Municipal da VerdadeVladimir Herzog em conjunto com a Comissão da Verdade do Sindicato dosJornalistas de São Paulo. As bombas, no final dos anos 1970 e início dos 1980,pretendiam interromper o processo de abertura e a redemocratização do Brasil.AgentesdalinhaduradetonaramexplosivostambémemlivrariasenasededojornalO Estado de S.Paulo. No atentado à Ordem dos Advogados do Brasil do Rio deJaneiro morreu a secretária, Lyda Monteiro. Foram ouvidos o jornalista MiltonBellintani,quehistoriouosacontecimentos.OjornaleiroPaoloPellegrini,queviveuomedodabombaemsuabancadejornal.OjornalistaDaviddeMoraes,quepresidiao Sindicato dos Jornalistas de São Paulo nesse período; o atual presidente doSindicatodosJornalistas,JoséAugustoCamargo.CapítuloXVII.

OimpassedasvalasO padre Júlio Lancellotti informou à Comissão Municipal da Verdade VladimirHerzog que um número espantoso de indigentes estão enterrados em várioscemitériosdeSãoPaulo.Descreveuamaneiraassustadoracomquesãodescarregadososcorposdoscaminhõesbaú,nus.“Sãorefugiadosurbanos,oschamadosindigentes,a quem foi negada a cidadania na vida e namorte”, definiu.O religioso elogiou oProjetodeLeidovereadorMarioCovasNeto20,quecriaumbancodedadoscomoperfilgenéticodepessoasfalecidasemsituaçãoderua,semdocumentos.Elevantouasuspeitadequeseretiramórgãosdeindigentesquandoatendidosememergêncianoshospitais.ACMVVH jásereuniracomadireçãodoServiçodeVerificaçãodeÓbitos, ligadoàFaculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, para tratar do assunto. Econversou a respeito com o diretor técnico do IML, Ivan Dieb Miziara, em visitasemelhante.OMinistérioPúblico também investiga semortoscom identificação sãosepultadoscomodesconhecidosnoscemitériosdacidade.NaValadePerus,recorda-

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se, entre os indigentes enterraram-se desaparecidos políticos, dos quais seidentificaram poucos. A maioria continua desaparecida. A CMVVH percorreu ocemitériodePerus,asvalasdedesconhecidoseconvidoupara falara respeitooex-chefedoServiçoFunerário,RuiBarbosaAlencar.Aexistêncianebulosadasvalascomuns jádeteveaatençãodaCMVVH nopassadorecente.AvereadoraTerezaLajolo21,relatoradaCPIdaValaClandestina,em1991,levantouaquestãodoprojeto,duranteaditadura,deseconstruirumcrematórionoCemitérioDomBosco,conhecidocomoCemitériodePerus,quandoPauloMaluferaprefeitobiônico(1969-1971).ConformeLajolo,aempresainglesadonadocemitériorecusou-seainstalá-lopornãohavernoprojetoumespaçoparacerimôniasreligiosas.Sinaldequepoderiaserusadoparaincineraçãodeopositoresedesaparecercomeles.Para prosseguir na investigação, a CMVVH convidou Carlos Giosa, integrante dadireçãodoServiçoFunerárioMunicipaldeSãoPauloduranteosgovernosmilitares.Ele poderia comprovar que, na ausência de crematório e a instalação, em 1974, doCrematório Vila Alpina, o local teria sido usado para desaparecer com presospolíticos.Giosa,porém,negouousodoVilaAlpinacomoincineradordeopositores.TrechosdodepoimentoestãonocapítuloXV.

Festa!ÉadevoluçãodemandatosA Comissão Municipal da Verdade Vladimir Herzog vivenciou uma atividadeprazerosa,contrastecomosfatosquemarcaramos21anosderepressão:restituiuosmandatos de 42 vereadores cassados nas décadas de 40, 50 e 60, por perseguiçãopolítica. A vereadora do PCB Elisa Kauffmann Abramovich, pedagoga, eleita noprimeiropleitodepoisdo fimdoEstadoNovo, e primeiramulherdaCasa, foi umadas 15 cassadas de 1947.Amigos e familiares receberam a devolução simbólica dosmandatos,emsessãosolenedaCâmaraMunicipaldeSãoPaulo.

RiquezanosarquivosOsnumerososdepoimentosobtidospelaComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzog encontram-se gravados nos arquivos da CâmaraMunicipal de São Paulo, àdisposiçãode todos.O arquivoprotegematerial históricoprecioso.ACMVVH esperatercontribuídoparaonecessárioecontínuo trabalhodeaperfeiçoamentodoque seespera de um regime republicano democrático: transparência, liberdade, ética,respeitoaosdireitoshumanoseaoestadodemocráticodedireito.ÉprecisoconhecerahistóriadoBrasil,ascausasdoseventos,suasconsequênciaseascircunstânciasdosmúltiplos fatores que se entrecruzam continuamente. O conhecimento do que nostrouxeatéaquieoquenoslevaráadianteétarefaparatodos,quenãoacaba.CriadapelaLei12528/2011

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RelatórioFinalpublicadoem2013,envolvendoostrabalhosdaComissão.EleitoPresidentedaRepúblicaem1955,assumiuemjaneirode1956emclimaderebeldiaporpartedealgunsoficiaisdaAeronáutica.Superadososlevantes,JKconcedeu-lhesanistiamedianteprojetodeleienviadoaoCongresso.EmdepoimentoaMarceloNettoeRogérioMedeiros.Topbooks,2012.GuerrajádeuentrevistasàTV,ajornaiserevistas.DOI-DestacamentodeOperaçõesInternas,ondeseobtinhaminformaçõesmediantetorturas.CODI-CentrodeOperaçõesdeDefesaInterna,deprocessamentoeanálisedeinformações.Alimentavam-semutuamente.NeologismocriadoporJacobGorenderemseulivroCombatenasTrevas–AEsquerdaBrasileira:dasIlusõesPerdidasàLutaArmada.EditoraÁtica,1987.Baseou-senapalavrafrancesatortionnaire,torturador.Ojornalista,escritorehistoriadorElioGasparipôsosdocumentosquecoletousobreaditaduramilitaraoalcancedetodos.Nositearquivosdaditadura.com.br/documento/galeria/reação-militares-demissão-ednardoencontra-seareaçãodosmilitaresàexoneraçãodeEdnardoD’ÁvilaMello.ParaumabiografiadeJaimeNelsonWright:OPastordosTorturados,deDervalDasilio,EditoraMetanoia,2012.DeloraJanWright:OCoroneltemumSegredo:PauloWrightnãoestáemCuba(EditoraVozes,1993).ElioGaspari,ADitaduraEscancarada,páginas175eseguintes.CompanhiadasLetras,2002.Grandesindustriais,banqueiros,comerciantes,construtores,fazendeiros.Nãoseutilizavaotermoempresárioparaqualquerfirma,pequenaoumédia,comohoje.AlfredoNaffahNeto,Poder,VidaeMortenaSituaçãodeTortura–EsboçodeumaFenomenologiadoTerror,página222.Hicitec,1985.ArtigoUmaVitória,publicadonarevistaL’Expressde6demarçode1959.EstánoprefáciodolivroATortura,deHenriAlleg.EdiçõesZumbi,1959.AlbertoDines,VínculosdoFogo,página1007.CompanhiadasLetras,1992.Defendiaocaminhopacíficoparaarevoluçãobrasileira,emaliançacomumaburguesianacionalanti-imperialista.ElioGaspari,ADitaduraEscancarada,obracitada,páginas59a67.MariaAméliaTeles,presaem1972comomaridoCesarAugustoTeles,osfilhospequenos,JanaínaeEdson,com5e4anoseairmãCriméiaAlice,grávida.Ascriançasforamobrigadasaveramãetorturadanacadeiradodragão.SegundoaComissãoNacionaldaVerdade,aOperaçãoCondor,formalizadaemreuniãosecretanofinaldeoutubrode1975,emSantiagodoChile,éonomedaaliançaentreasditadurasdoConeSul-Argentina,Bolívia,Brasil,Chile,ParaguaieUruguai-paravigiar,sequestrar,torturar,assassinarefazerdesaparecermilitantespolíticosqueseopunham,armadosounão,aosregimesmilitaresdaregião.Metalúrgico,daPastoralOperáriadaArquidiocesedeSãoPaulo,SantoDiasfoimortonodia30deoutubrode1979quandoparticipavadeumpiquetenoportãodafábricadelâmpadasSylvania,emSantoAmaro(zonasuldeSãoPaulo),nagreveporaumentosalarial.Ainflaçãoalcançava77,2%aoano.Osmetalúrgicosemgrevequeriam83%.Osempresáriosofereciam-lhesde55a66%,escalonados.Agrevedurou11dias,quandooTribunalRegionaldoTrabalhoadeclarouilegal.PL01-00448/2013.OrelatóriodaCMVVHdalegislaturapassadatrazàpágina167FatosApuradossobreaValadePerus.

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MATADORARREPENDIDOGilbertoNatalinientrevistaClaudioGuerraemCariacica(ES).Odelegadodescreveasváriasformas

desimularassassinatossemdeixarrastros

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CAPÍTULOII

Acidentesforjados,segundoCláudioAntonioGuerra

“Porqueapolíticadoextermínio?

Porqueoinimigoéirrecuperável.”22

FlávioKoutzii,políticogaúcho.

Numerosos indícios tornamduvidosos os acidentes de automóvel pormá conduçãooudefeitodoveículo,emespecialsabendo-sequeoSNIutilizavaatécnicadesimulardesastres para matar. Nesse sentido, o depoimento de Cláudio Antonio Guerra,delegado de polícia do Estado do Espírito Santo, forneceu poderosos indícios. Odelegadojáconcederaentrevistasarrepiantesàmídia,impulsionadaspelapublicaçãodeseujácitadolivroMemóriasdeumaGuerraSuja.NoatentadoàbombacontraojornalOEstadodeS.Paulo, emnovembrode1983,pessoalmente instalouabombana parede externa do jornal, danificando-a até o sexto andar. Sobre os tiroteiosforjados,imperturbável,descreve:“Saíamos sem saber quem era, sem saber o motivo; só recebíamos a missão.Teríamos apoio, a polícia local nos apanhava (no aeroporto) e conduzia ao local.Sempre se tratava de pessoa de alta periculosidade, treinada emCuba, nos diziam.Nãopoderíamosdaroportunidade,seriachegaratirandoesairdolocal”.Atiradordeelite,matavaepartia.A ComissãoMunicipal de Direitos Humanos Vladimir Herzog, na pessoa de seupresidente, vereador Gilberto Natalini, entrevistou o delegado Cláudio Guerra emCariacica,naGrandeVitória,emmaiode2013.Logodeinício,Guerrainformouque,a partir de 1973, atuou como delegado de polícia civil no Espírito Santo e,clandestinamente, esteve à disposição do escritório do SNI no Rio de Janeiro, parafrequentes missões. Seu chefe e mentor era o coronel Freddy Pereira Perdigão,conhecidotorturador.Provocar ou simular acidentes de carro era um procedimento bastante utilizadoparaeliminaroposicionistas,afirmouCláudioGuerraàCMVVH.Um“não-acidente”jámatara, emnovembrode 1968, o casal de estudantes da Faculdade de Filosofia daUSP,CatarinaHelenaeJoãoAntonioAbi-Eçab.OrapazteriabatidocontraatraseiradeumcaminhãonaBR116,pertodeVassouras,RJ.Houveatéummotoristaque“viu”oacidente.Em2001ojornalistaCacoBarcellos,daTVGlobo,noticioupelaprimeiravez que não houve acidente algum. O casal, detido no Rio, fora torturado até

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Perdigãodesistireosexecutar.Oacidentecomocaminhãonãoexistira.AexumaçãodeCatarinarevelouqueelafoimortacomumtiro.Guerradestaca,acercadeacidentesprovocados,amortedafigurinistacariocaZuzuAngel, incansável na exigência de que osmilitares lhe dessem informações sobre odesaparecimento de seu filho, Stuart Angel Jones, militante da VPR23. Stuart sofreuatrocidades emorreunoCentrode Informações e SegurançadaAeronáutica (CISA)do quartel da 3ª Zona Aérea, no Galeão, comandado pelo brigadeiro João PauloMoreiraBurnier.Nunca seencontrouocorpo.De todasasmaneiraspossíveisZuzudenunciouodesaparecimentodofilhoeostormentosquelheinfligiram.Stuarttinhaduplanacionalidade,americanaebrasileira,eZuzuentregoucartasdedenúnciaepedidosdeinterferênciaaautoridadesdosEstadosUnidos,oquecausavaextrema irritação ao governomilitar. Em uma das cartas destacou que, enquanto orapazde25anospediaágua“ostorturadoresriamedebochavamdele,comofizeramcom Jesus na cruz”. Baseava-se no testemunho de Alex Polari de Alverga,companheirodemilitânciadeStuart, tambémpreso.NosEstadosUnidos, a estilistaorganizou um célebre desfile de suas criações, noticiado pela imprensa americana,com temas que remetiam ao desaparecimento de Stuart. Havia canhões, anjos,desenhos infantis.Zuzunão se detinha ante os riscos que corria.Chegou a pegar omicrofonedeumacomissáriadebordo,duranteumaviagemdeavião,epreveniuospassageiros:vocêssedirigemaoBrasil,paísondesetortura.Zuzuincomodava24.AmigosaconselhavamcautelaaZuzu,quandosaía.Emvão.Namadrugadade5deabril de 1976 seu carro, um Karmann Ghia, foi violentamente atingido na lateralesquerda epressionado contra amuretadeproteção à saídadoTúnelDois Irmãos,ligação entre os bairros da Gávea e de São Conrado (zona sul do Rio). Recebeu onome Túnel Zuzu Angel em homenagem àmãe coragem brasileira. O desastre foiprovocado sob o comando do coronel com quem Cláudio Guerra atuou, FreddiePerdigãoPereira,mencionadoemlistadetorturadoresdoBrasil:NuncaMais.25

ZuzumorreuquatromesesantesdeJK.EmseudepoimentoàComissãoNacionaldaVerdade,emBrasília,CláudioGuerrarelatou que Freddie Perdigão comentou com ele o atentado contra Zuzu Angel.Preocupava-se porque talvez a perícia o tivesse retratadonas fotografias doKarmanGhiaacidentado.Comandaraaaçãomas,semquerer,o fotógrafoocaptouemumaimagem. De fato, Guerra entregou à Comissão Nacional da Verdade a foto doautomóvel destroçado e um pequeno número de pessoas ao redor de um posteiluminado.AliestavaPerdigãodecamisabranca,encostadoaoposte.Contra todas as evidências desprezou-se a realidade. O laudo do diretor doInstitutodeCriminalísticaCarlosÉboli,RobertodeFreitasVilarinho,determinouqueZuzuAngeladormeceraaovolante.Noentanto,umafototiradapelaPolíciaCivildo

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Rio,20minutosdepoisdoacidente,contradizolaudo.Revelaquenãoháasmarcasdepneusdescritaspelosperitos.Acreditava-se que o corpo de Stuart jazia no fundo do mar. Mas um crânioencontradoemmeadosde2014,numaobranocentrodoRio,aparentementeédele;acomprovaçãodependedoresultadodeexamesdeDNA.Depois que assassinaram Zuzu Angel, o compositor e escritor Chico Buarquededicou-lheamúsicaAngélica:Queméessamulher

Quecantasempreesseestribilho?

Sóqueriaembalarmeufilho

Quemoranaescuridãodomar

Queméessamulher

Quecantasempreesselamento?

Sóquerialembrarotormento

Quefezomeufilhosuspirar

Queméessamulher

Quecantasempreomesmoarranjo?

Sóqueriaagasalharmeuanjo

Edeixarseucorpodescansar

Queméessamulher

Quecantacomodobraumsino?

Queriacantarpormeumenino

Queelejánãopodemaiscantar

Queméessamulher

Quecantasempreesseestribilho?

Sóqueriaembalarmeufilho

Quemoranaescuridãodomar

Mais um acidente de carro suspeito, dois anos depois, foi o de Branca de MeloFrancoAlves,atuantenaalaprogressistadaIgrejaCatólica,queseopunhaaoregimemilitar. Seu carro, Opala como o de Juscelino, desgovernou-se na estrada paraValença, no Rio de Janeiro. A voz e a influência de Branca erampoderosas26. Suafilha, a cientista social Maria HelenaMoreira Alves, acredita que o desastre tenhasidoprovocado27.Nãoconseguiuprová-lo,masobservaquebastamexernoeixodadireçãoporbaixodocarroesoltarosparafusosparaque,derepente, sepercaadireção.Consultados,mecânicosinformaramqueremoveraporcafixadoradobraçoauxiliardadireçãoleva

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poucos minutos, perdendo-se o comando sobre a roda esquerda quando o freio éacionado. Vazar o fluido do freio da roda direita também pode travar a esquerda,duranteumafrenagem.Emambososcasos,ocarroviraradicalmenteàesquerda–oqueaconteceucomoOpalaemqueviajavaJuscelinoKubitschek.CláudioGuerraobservaquenãoparticipoudoseventosquelevaramàmortedeJKeseumotorista.Assumiu,noentanto,papelativoemoutroscrimesepor issooseutestemunhoiluminaacenadoacidentenaRodoviaPresidenteDutra.Váriosautoresparticipamdascenas,ensinaodelegado.Sãoosresponsáveisporfalsostestemunhos–comoaqueleque“viu”oacidentedocasalAbi-Eçab.Omaissimpleséalguémdizerqueomortoreagiuatirosduranteumassalto;atépercebeudoiscúmplicesafugir.Adepender da ação as testemunhas dão versões críveis, talvez postados em pontosdiferentesdopequenogrupoqueseformaemtornodeumaocorrência.Podehaverummotoristaquesedetémeapontaadireçãoemquealguémfugiu.“Depois de um dos nossos contar, por exemplo, que houve tiroteio, é comum ospróprios populares ao redor repetirem a versão; até acrescentam detalhes”, ironizaCláudioGuerra.Ainformaçãocondizcomostrêsrapazesqueaparecerampertodocarroacidentadode JK. Afirmaram ser passageiros do ônibus Cometa e garantiram que omotoristaabalroou o Opala conduzido por Geraldo Ribeiro, o que o jogou à outra pista.Contudo, não constavam da lista de passageiros. E no inquérito policial os novepassageiros ouvidos garantiramnão ter havido batida.Umdeles, o advogadoPauloOliver, deu depoimento àCMVVH; outro, omédicoDr. Célio Benedito Beltrami, jáfalecido,falouarespeitoemumaentrevista28.Tiroteioseatropelamentoseramasmentiraspreferidasquandosetratavadematarouescondervítimasfataisdetorturas.Guerradizque,dasdezenasdemortessobsuaresponsabilidade em outros estados, eliminou três oposicionistas em São Paulo nadécada de 1970. Um na avenida Angélica (centro-oeste da cidade), possivelmenteRonaldoMouthQueiroz29,26anos,estudantedegeologia,ligadoàALN30.Segundo aversãooficial,teriaresistidoàprisãoemorreuemtiroteio.Outro,dedoishomensnobairro deMoema (zona sul). E um terceiro já na década de 80, na Rua Passos daPátria,naLapa(zonaoeste),identificadocomooficialdaesquerda.“Depois eu soube que foi uma artimanha do coronel Perdigão, nada a ver comsubversivos,masumadisputaentrebicheiros.”Não se excluíam acidentes aéreos. No caso do jornalista e escritor FernandoGabeira,odiadoporPerdigãoporqueoculpavadotiroquelhedeformaraaperna31,Guerra deveria provocar a queda do avião em que o jornalista embarcou, em SãoPaulo. Diz o delegado que chegou com outro agente ao aeroporto de Congonhas.Comprarambilhetes e iamdespachar amala comabombaquandonotarammuitas

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crianças e idosos entre os passageiros. Decidiram suspender o atentado32.Teriamdesativadoabombaealargadonobanheiro.OsjornalistasMarceloNettoeRogérioMedeiros não conseguiram encontrar registro oficial do artefato abandonado noaeroporto33.É conhecida também a possibilidade de um desastre aéreo no avião quetransportaria ao México presos soltos em troca da libertação do embaixadoramericano, sequestrado pelaDissidênciaUniversitária daGuanabara34 e a ALN, emsetembro de 1969. A insinuação veio do brigadeiro do ar e chefe do Serviço deInformaçõesdaAeronáutica,JoãoPauloBurnier,aomajor-comandantedo1ºGrupode Transportes da base aérea doGaleão: disse-lhe que receava um acidente com oavião. “O major fez que não ouviu”, escreve Elio Gaspari. Prevenido, o militarselecionou uma tripulação de sua confiança e improvisou um código. Se houvesseinterferêncianovooopilototeriadenavegarpelocódigodomajor.Seomandassemmudarderota,deveriadesobedecereseguiremfrente35.Outra forma de assassinar utilizava alguma droga ou veneno em bebida. Depois,comavítimaalterada,provocarumacidente.FoiocasododelegadoSérgioParanhosFleury,assassinadoemmaiode1979porcolegaserivais,aquemoferecerambebidacomalgumadrogaedeixaramafogar-senomar,emIlhabela(SP).GuerraePerdigãoparticiparamdareuniãoemumdosrestaurantesBabyBeef,emSãoPaulo,quandosedecidiumatarodelegado.“Concordamos que seria à saída de uma casa noturna frequentada por Fleury.Ustra, Calandra, o coronel-aviador Juarez (Juarez de Deus Gomes da Silva) e eu,participantes da reunião, ainda estamos vivos. Os outros já morreram. De mortenatural,”sublinha.Escalado para a tarefa junto com uma equipe, viu que muitos policiais amigosacompanhavamodelegado.Corriamo riscodemorrerno tiroteio.Comunicouquenãoomatarianaquelelocal.Eporqueplanejavammatá-lo?“Estava ficando com amaior parte do dinheiro, não obedeciamais. Prejudicava aIrmandade e se tornou perigoso porque já dissera que, se fosse preso, a casa todacairia.”Guerraesclareceuqueodinheirovinhadascontribuiçõesempresariaisdestinadasàrepressãoedobutimrecolhidonosaparelhosoucomosmilitantespresos.Depoisdaaberturapolíticadesenvolveu-searendosaligaçãocomoscontraventores.Porfim,eraexpressa a rivalidade entre Fleury e o entãomajor Carlos Alberto Brilhante Ustra,principalmente no que tocou a Shizuo Osawa, oMário Japa, da VPR. Esgotado, nadireção do carro,Mário acidentou-se na Estrada das Lágrimas, em SãoCaetano doSul (Grande São Paulo). Socorrido e descobertas armas no carro, foi preso e

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conduzidoaoDOPS–domíniodeFleury.MáriosaberiaondeseencontravaLamarca.De fato, sabia (em treinamento de guerrilha no Vale do Ribeira, SP). O delegadoqueriatorturá-loatéquefalasse.AmbicionavaaglóriadepegarLamarca.Ustra,nocomandodoDOI-CODI,tinhaamesmafixação.SegundodizGuerra,diantedaiminênciadeperderMárioparaorival,Fleurylheteriaquebradoobraço.AssimdificultavaastorturasdeUstra.Nenhumdosdois,diga-seaquidepassagem,sabiaqueparaShizuoOzavaaquestãodefalarsimplesmentenãoexistia.“Falar?Oqueéisso?”diriaemconversasnoexílio,segundo já relatou sua mulher, Maria do Carmo Brito. O tormento do preso foisolucionado com o sequestro do cônsul japonês em São Paulo. Ao desembarcar noMéxico,asalvo,Shizuonãoconseguiaandardevidoàstorturasealongaimobilidadenoavião.OutraparticipaçãodeGuerra,sobocomandodeFreddiePerdigão,foiachacinadaLapa, emdezembrode1976.VieramambosdoRioparadar cobertura à equipedeFleurynoassaltoàcasaondesereuniaoComitêCentraldoPCdoB36,naRuaPioXI,Lapa,emSãoPaulo.“Fizemososprimeirosdisparosparaintimidar.EmseguidaentraramoshomensdeFleury e elemetralhou Ângelo Arroyo e Pedro Pomar, que estavam desarmados erendidos.Asarmasalidentroforamplantadas”,afirmaGuerra.Um jornalista da TV Bandeirantes, Nelson Veiga, atendeu na redação aotelefonema de um morador da Rua Pio XI, que avisava haver tiroteio no local.Dirigiu-se imediatamente para lá e entrou na casa, inadvertido. Viu os mortos econstatouaausênciadearmas.Agrediram-noeoprenderam37.Arroyo e Pomar eram membros da Comissão Executiva do partido. A terceiramorte, de João Batista Franco Drummond, também dirigente, teve a explicaçãoabusivamentementirosa demorte por atropelamento em tentativa de fuga. A notaoficialdoIIExércitoinformariaqueosdoismortosdaLapatinhamreagidoàbalaeoterceiroforaatropelado.Emabrilde2002,pordecisãodojuizdeDireitoGuilhermeMadeira Dezem, em São Paulo, retificou-se o registro de óbito de FrancoDrummond,reconhecendo-seamorteportortura.Guerra fez parte da equipe de apoio que projetou explodir bombas noRiocentro,enquantoali se realizavaumshowemcomemoraçãoaoDiadoTrabalho,em30deabrilde1981,deevidenteconotaçãooposicionista.Oatentado,quecausariagrandenúmerodemortoseferidos–constaquecercade20milpessoaslotavamaplateia–foi planejado por Freddie Perdigão, quando era comandante doDOI-CODI do Rio ocoronel da reserva do Exército, JulioMiguelMolinaDias.38A bomba explodiu nocolodeumdosexecutores,sargentoGuilhermedoRosário,enquantoaarmava.Um caso horripilante relatado por Guerra foi o do casal Ana Rosa Kucinski,

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professoradeQuímicadaUniversidadedeSãoPaulocomdoutoradoemFilosofia;edeseumarido,ofísicoWilsonSilva39.Saíramdeseuslocaisdetrabalhoparaalmoçarjuntos na cidade.Nuncamais apareceram. Sequestrados,morreram sob torturas naCasadaMorte40,mantidapeloCIEemPetrópolis,regiãoserranadoRio.SegundoCláudioGuerra, por essa época, em1973ou1974, cadáveres enterradosem valas comuns começavam a despertar suspeitas. Tentaram resolver a questãoenterrando gente de São Paulo no Rio e vice-versa. Não resolveu. Seria precisoencontrarumasolução.OSNIdecidiu incinerar.Omatadorapontouumasolução:aUsina Cambayba, em Campos dos Goytacazes (RJ). Guerra fornecia armascontrabandeadasafazendeirospreocupadosemdefenderasterrasdedesapropriaçõesou conflitos agrários. Legalizava-as ao presentear os clientes com carteiras doDOPS.AssimfezamizadesnointeriordoRio,MinasGerais,EspíritoSantoeBahia.EmCamposdosGoytacazes tornou-se amigodoproprietáriodaUsinaCambayba,Hely Ribeiro Gomes, vice-governador biônico do Rio de Janeiro de 1967 a 1970.Recebida a aprovação do fazendeiro para que os cadáveres fossem incinerados noenormefornodafazenda,emfuncionamentoininterruptoduranteseismeses,Guerrapessoalmente levou 10 assassinados sob tortura. Entre eles, RosaKucinski eWilsonSilva.Guerralevavacadáveresdeoutroscovistambém,comooDOI-CODIdaRuaBarãodeMesquita, noRio.Recebia os corpos,muitos deles esquartejados, em sacos plásticosfechados.Chegandoàusina,abria-osparaverquemera41.Os rios e omar estavam no roteiro dosmatadores. Guerra relaciona a técnica aocaso de Alexandre von Baumgarten. Jornalista da extinta revista O Cuzeiro, seusescritosseorientavampelosdesígniosdosmilitares,comosquaissocializava.Recebiaremuneraçãoporessetrabalho;porémseuspedidosdemaisdinheiroeoexcessodeconhecimentoquetinhasobrearepressãoculminaramcomumaqueimadearquivos–tornara-seumchantagistasemprecauções.CláudioGuerra,escaladoparalheaplicarumainjeçãocausadoradeinfarto,falhoudepois de tentativas frustradas. Em uma delas Baumgarten defendeu-sefuriosamente. A Irmandade decidiu por um assassinato menos sofisticado.Sequestraram-noe,nasuatraineira,emaltomar,ocoronelFreddiePerdigãomatou-oatiros,deoutrobarco.Ummédicoforaconvocadoparaacompanharosassassinosefazer uma necessária incisão abdominal, evitando a emersão. Segundo Guerra,tratava-sedopsiquiatraAmílcarLobo42,quedesconheciaa técnica.Ocorposubiueapareceu emumapraia daBarra daTijuca.A traineira, o barqueiro e amulher deBaumgartendesapareceram.O crime ligado a Baumgarten foi revelado àComissãoNacional daVerdade pelocoroneldareservadoExército,PauloMalhães,quedetalhou:“AgentesdoSNI ainda

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tentaramtrocaraetiquetadeidentificaçãodocorponoIML,paraocultarostiros.Masnãodeucerto.”O vídeo do depoimento foi exibido integralmente aos membros da ComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzogedemaispresentes.

DepoimentodeCláudioAntonioGuerra(resumodatranscrição)OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–AtéquandoosenhorprestouserviçosàrepressãonoBrasil?OSr.ClaúdioGuerra–Comeceiem1973.Terminou,acho,em198443.P–Osenhoreradelegadodepolícia?R–DelegadodaPolíciaCivilaquieclandestinamenteàdisposiçãodoSNInoRiodeJaneiro.P–QuemconvocouosenhorparatrabalharnoSNI?R – O chefe da Procuradoria Geral do Espírito Santo, Dr. Geraldo Abreu. Elemeapresentou ao coronel Perdigão e ao comandante Antônio Vieira, do Centro deInformaçõesdaMarinha(CENIMAR).P–Qualeraoseutrabalho?R – Fui arregimentado para executar pessoas. Em SãoPaulo, noRecife, emMinas.Cresci nas graças do SNI e passei de executor a estrategista. Coordenava operações.Tivemos uma reunião no Hotel Glória, no Rio, depois de 1980. Decidiu-sedesencadear uma série de atentados em todo o país e na América do Sul, paraimpedir a abertura. Culparíamos a esquerda. Muita coisa era também discutida eplanejada em encontros no restaurante Angu do Gomes, no Rio. A bomba noEstadão,em1983,fuieuquemonteieexplodi.P–Osenhorinterrogoupresos?R–FuimuitoaoDOPS,masnuncaparticipeidetortura.Euachavaaexecuçãoumatodeguerra,mastorturarécovardia.OPerdigãotorturava,euvi.P–UstraeFleuryexecutavampessoas?R–Não.Forneciamospoliciaiseapoiologístico.MasteveumaescuraquemataramsobocomandodoUstra44.P–UstraeFleuryeramoscomandantesdarepressãoemSãoPaulo?R – E também o delegado Calandra, que torturou Vladimir Herzog. Calandradestruiu o arquivo do DOPS quando Romeu Tuma foi superintendente da polícia.Tumanãotorturava,maspermitia.Eleeraemcimadomuro.Agiadosdoislados.P–OsenhorparticipoudareuniãoemquesedecidiumataroFleury?

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R–Sim.NumdosrestaurantesBabyBeef,emSãoPaulo.EstavamoUstra,Calandra,o coronel-aviador Juarez, Perdigão, o comandanteVieira e eu. Perdigão eVieira jámorreram.Mortesnaturais,nãoqueimasdearquivo.P–Porqueresolverammatá-lo?R – Estava ficando com todo o dinheiro, não obedecia mais. Fazia o que queria.Prejudicava toda a estrutura e se tornou perigoso. Ameaçou de cair a casa se fossepreso. Íamosexecutara tiros, eueumaequipe,quandosaíssedeumacasanoturnaque frequentava, a Viva Maria. Ou ao deixar a Cantina Gigio, onde ia muito.Campanei por alguns dias. As pessoas com quem ele estava eram todas amigas,pessoasboasquecumpriamamissãodecuidardele.Aí eudissequenãodavaparafazer daquele jeito e minha equipe foi tirada do trabalho. Resolveram de outramaneira.P–Comofoi?R–ArregimentaramumdosdonosdoMappin.Fleurytinhacompradoumalanchacomdinheiroquenãoeradele.Essehomemeasuamulherestavamcomemorandocom ele e teriam dado uísque com alguma droga. No inquérito, o casal não foiouvido.Sóummarinheiro.Omédicodissequeeletinhaseafogado.Masnãofizeramautópsiaparaversetinhaáguanopulmão.Nãoinvestigaram,arquivaram.P–Osenhorrecebeualgumprêmioporserviços?R – Recebíamos bônus em dinheiro por determinadas operações. Pagavam peloBanco Mercantil do Estado de São Paulo e o Sudameris. Tudo clandestino, comcodinome.P–ComofoiasuaparticipaçãonomassacredaLapa?R – Dizem que o comando era do DOI-CODI. Seria, mas como estavam brigados,Fleurydecidiuqueviriaummajordo1ºBatalhãodoExército,daBarãodeMesquita,noRio.Eleveiocomumaequipe.Nós,aequipedePerdigão, ficamosnacobertura.Fleuryentrou,metralhouaspessoas rendidas.Depois ficaramchupando laranjasnaruaeacalmandoosmoradoresdobairro.P–Noseutrabalho,osenhortevecontatocomalgumagenteestrangeiro?R – Com Jone Romaguerra Trotte, o agente da CIA que contrabandeava armas einjeções envenenadas. Está vivo. E com dois cubanos dos Estados Unidos queencontrávamosnoaeroportodeBrasília.P–EDanMitrione?R–Essefoianterioramim.EmMinaselemontouumaescoladetorturaacercade70 quilômetros de Belo Horizonte. Chamava Fazenda Guarani. Por lá passaramoficiais de São Paulo, Santa Catarina, do Espírito Santo, Rio, da Bahia. Todosaprenderamatorturarlá.

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P–EsobreacremaçãodoscorposnaUsinaCambayba?R – Incineração. Não sobra nada. Cremar deixa cinzas. Levei para os fornos dozepessoas,maisotenenteOdilonCarlosdeSouza,umaqueimadearquivo.Otenenteeraespecialistaemexplosivos.P–AlémdeAnaKucinskiedeseumarido,WilsonSilva,maisalguémdeSãoPaulo?R –Deixa eu ver... (pausa)OThomazAntoniodaSilvaMeirelles45.Eu levei paraincinerar.P – E quanto às ossadas em cemitérios de São Paulo, delegado? Soubemos quetambémnoCemitériodeParelheiros(distritonoextremosuldacidade)poderiahaverrestosmortaisdeopositores.R–Nesseassunto,doispoliciaisqueeramdaequipedeFleurypoderiamcolaborar.Seiqueparticiparamdisso,masteriadeconvencê-losqueébomfalaraverdade.P–Osenhortrabalhoucomosbicheiros.R – O Perdigão descobriu que havia uma trama para matar um bicheiro – ostelefones eram grampeados. Acertou com o bicheiro Castor de Andrade, no Rio, euma equipematou os dois que tramavam.Erampoliciaismilitares. Foi assimque obichocomeçouapagarinformações.NoEspíritoSantoelegeramaesquerdaem1982eo governodoGersonCamata começou amedetonar.OPerdigãodissequeo SNIestavafechandoasportas,masqueoCastorajudavaosirmãozinhos.Entãotrabalheiparaobicho.Castortinhaumexército;BetoCalil,outro.Convenci-osdequeauniãoeramelhordoqueaguerra.Enquantoestiveláojogonãoteveguerra.P–AIrmandadecontinua?R–Amaioria,sim.Dizem:oquefazíamospelogoverno,agorafazemospornós.Até2005meajudaramfinanceiramente.P–Osenhorépastordequeigreja?R – Da Assembleia de Deus. Converti-me quando estava preso pelamorte de umbicheiro.Foierradooquefizemos,masacreditávamosnaquilo.Éprecisoesclareceropassado.ExtraídodePedaçosdeMortenoCoração–OdepoimentodeumbrasileiroquepassouquatroanosnoinfernodasprisõespolíticasdaArgentina,deFlávioKoutzii.Página25.L&PMEditores,1984.VanguardaPopularRevolucionária.OcapitãoCarlosLamarcaintegravaoseucomando.Defendiamalutaarmadacontraaditaduraeparatomaropoder.JamesN.Green,nolivroApesardeVocês–OposiçãoàditadurabrasileiranosEstadosUnidos,1964-1985,descreveempormenoresopercursodesofrimentodeZuzuAngelnoBrasilenosEstadosUnidosabuscarinformaçõessobreofilho.Apartirdapágina423.CompanhiadasLetras,2009.Relatóriosobrearepressãopolíticade1961a1979,realizadopeloarcebispodeSãoPaulo,DomPauloEvaristoArns,opastorpresbiterianoJaimeWright,orabinoHenrySobeleequipe.EramãedodeputadofederalMárcioMoreiraAlves,cujodiscursonopequenoexpediente,datribunadaCâmaradosDeputados,em1968,serviudepretextoparaosmilitaresbaixaremoAI5.

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“Minhamãe,BrancadeMelloFrancoAlves,foigrandelutadorapelosdireitoshumanosdentrodaIgreja,naAçãoCatólicaenoConselhodeLeigosdoVaticano.Posicionou-secontraatortura,oexílio,asprisões.Defendiaabuscadosdesaparecidos.Perseguidapeladitadura,morreuemestranhoacidentedecarro,nãoinvestigado.Temosdeseguiradianteecontinuarnabuscadejustiçaenadefesadosdireitoshumanos.”ComentárioàmatériadeCartaMaior,21.05.2013.MataramJK?reportagemdeIvoPatarranarevistaCarosAmigosdeagostode1997.MemóriasdeumaGuerraSuja,obracitada,páginas208-209.AliançaNacionalLibertadora,organizadaem1967porCarlosMarighellaeJoaquimCâmaraFerreira.Norteadaparalutaarmada,guerrilha.Umpartidoseriaburocratização.SegundoCláudioGuerra,Gabeiranegouotiro.NãoestavanolocalemqueatingiramPerdigão.Desdeocontrovertidoacidenteaéreoem18dejulhode1967,quandomorreramoprimeiropresidentedepoisdogolpede1964,marechalHumbertodeAlencarCastelloBranco,opilotoeoutraspessoas,aviõesquecaemcompolíticossãovistoscomdesconfiança.MemóriasdeumaGuerraSuja,obracitada,página187.DissidênciadoPartidoComunistaqueadotouonomeMR-8,organizaçãoqueforadesbaratada,MovimentoRevolucionário8deoutubro,datadamortedeCheGuevara.ElioGaspari,ADitaduraEscancarada,obracitada,página95.PartidoComunistadoBrasil,dissidênciadoPartidoComunistaBrasileiro,favorávelàlutaarmada.Enviou,de1964a1966,trêspequenasturmasdemilitantesparaumcursopolítico-militarnaChina.Suadireçãoescolheu,em1969,aregiãodoAraguaia,aosuldoPará,comopontoparaoiníciodaguerrapopular.JacobGorender,CombatenasTrevas,obracitada.Página107.InformaçõesextensasnolivrodePedroEstevamdaRochaPomar,MassacrenaLapa.EditoraBuscaVida,1987.Mortoatirosem1.11.2012aochegaràsuacasa.Nelaencontraram-sedocumentosqueesmiuçamoatentado.InformaçõesnoartigodeJorgeZaveruchaeHugoCavalcantiMeloFilho,SuperiorTribunalMilitar:entreoautoritarismoeademocracia,emDados–RevistadeCiênciasSociais,daUniversidadedoEstadodoRiodeJaneiro(UERJ).Volume47,nº4,2004.Encontra-senainternet.BernardoKucinski,K–RelatodeumaBusca,EditoraExpressãoPopular,2011.EditoraCosacNaify,2014.UmcarcereirodaCasadaMorte,oex-agentemilitarsoldadoAntônioWaneirPinheirodeLima,o“Camarão”,foiidentificadoporprocuradoresfederaisemTauá,interiordoCeará,edetidoemnovembrode2014.Eleadmitiuservigiaesó.OjornalOEstadodeS.Paulopublicouumanotaarespeitoem12.11.2014.InêsEtienneRomeu,mulherextraordinariamentedignaecorajosa,únicaasairvivadaCasadaMorte,elaborouumalistade19militarestorturadores.EntreelesWaneir,queaestuprouduasvezes.Inêsfaleceuemabrilde2015,com72anos.AComissãoNacionaldaVerdade(Brasília),emmarçode2014,ouviuMarivalDiasChavesdoCantosobreaCasadaMorte.Ex-agentedoDOI-CODIdeSãoPaulopor17anos,MarivalfoicapadarevistaVejade18.11.1992,quandofalouaojornalistaExpeditoFilho.Entrerevelaçõesmacabras,informouquepresospolíticoscomoRosaKucinskieWilsonSilva,entreoutros,erammortoseesquartejados.MédicopsiquiatradoBatalhãodaPolíciadoExército,atuavanoDOI-CODI.Examinavaostorturadosparasabersetinhamcondiçõesdesuportarmaistormentos.FoichamadoparaexaminarodeputadoRubensPaiva.InêsEtienneRomeurelataqueLoboestevenaCasadaMorte.OpresidenteFernandoCollordeMeloextinguiuoSNIem1990.TalvezAlceriMariaGomesdaSilva,gaúcha,queveioaSãoPauloengajadanaVPR.Possivelmenteenterradaemvalaclandestina,em1970.ThomazAntôniodaSilvaMeirellesNetto,nascidoemParintins(AM),pertenciaàALNefoipresonoRioem1974.Desaparecido.

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EPISÓDIOINESQUECÍVEL

OcoronelErimáPinheiroMoreira,indignado,descreveaentregadeseismaletasrepletasdedólaresaogeneralAmauryKruel.Para

trairJango

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CAPÍTULOIII

Oirresistívelpoderdacorrupção“Quandoahonraealeideixamdeestardomesmolado,comoescolher?”

AnneBishop,escritoranorte-americana.

O ato de corrupção que levou o general Amaury Kruel, homem de confiança dopresidenteJoãoGoulart,abandearparaosgolpistasem1964,foitestemunhadopelocoronel Erimá Pinheiro Moreira, então major farmacêutico do Hospital Geral doExércitodeSãoPaulo.Decorreuemumasaladeesperadoseulaboratórioparticular,no bairro da Aclimação (zona central da cidade). O coronel Tito Ascoli de OlivaMaya,diretordohospital,pedira-lhequecedesseolocalporqueàs18horasdaquelatardedodia31demarçode1964haveriaumareuniãosecretacomocomandantedoII Exército, Amaury Kruel. Impossível realizá-la no hospital ou no quartel-general,ondeoconheciam.Oclimadeconflitoeiminenteriscodegolpeeguerraciviladensavaaatmosferadopaís,especialmentenosestadosmaisricos,SãoPauloàfrente.OapoiodoIIExército,sob o comando deKruel, era vital ao governo de JoãoGoulart, como assegurava oentão chefe do Estado-Maior, general Humberto de Alencar Castello Branco. “Emestado-maioradmite-seoriscocalculado. Jamaisaaventura.SemaadesãodeKrueltudo será uma aventura.” Ou seja, não participaria de nenhum movimento paraderrubar o presidente sem ter o comandante do II Exército ao seu lado46. Trêsemissários do governador de Minas Gerais, o banqueiro Magalhães Pinto47, quetinhamidoaoRiodeJaneiroconfabularcomCastelloBranco,deleouviramafraseaodiscutirematramadogolpequeorganizavam.OgeneralKruelchegaradeautomóvelaolaboratóriodomajorfarmacêuticoErimáMoreira acompanhado de batedores emmotocicletas.O coronelAscori o saudou esubiu com ele a uma sala de espera no andar superior do laboratório. Erimápermaneceu na sala de espera do térreo. Quando o visitante Raphael de SouzaNoschese, presidente da FIESP, chegou com três homens carregando seis maletas,Erimá deteve-os e exigiu que as abrissem na sua frente. Houve uma pequenadiscussão, mas as maletas foram abertas. “Eu garantia a vida de Amaury Kruel nomeu laboratório. As maletas podiam ter gás, bomba, arma para atacar o general”,explica Erimá. “Foi aí que vi os maços de dólares amarrados, como que saídos dobanco”.Naquele mesmo dia pela manhã, devido à incerteza no quartel e demaisdependências do Exército, Kruel dissera aos oficiais reunidos no Hospital Militar:“JoãoGoulartnãocai.Defendocomaminhavida.Eumorro,maselenãocai.”Tal

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certeza levou o major farmacêutico a deduzir que o dinheiro se destinava à lutacontra os golpistas.Apenas estranhou, depois da partida dos visitantes, a ordemdogeneral: “Major, chame trêspraças,ponhaasmaletasnoporta-malasdomeucarro,feche e traga a chave para mim”. Erimá obedeceu como lhe cabia, contra-argumentandomentalmente:maisseguroéoporãoinsuspeitodomeulaboratório.DepoisdapartidadeKruel,ocoronelAscoliconfidenciou-lhequeodinheirovinhadogovernoamericanoesomavaummilhãoeduzentosmildólares.UmcontrassensoparaacredulidadedeErimá,poisogovernodosEstadosUnidos,naépocapresididoporLyndonB. Johnson,ativamenteapoiavaogolpe–algobastanteconhecido.NãomandariamdinheiroparaauxiliaradefesadeJoãoGoulart.Ofielmajor,noentanto,nada estranhou, talvez devido à pressão de Kruel sobre João Goulart para que selivrasse dos comunistas. Recebia como resposta de Jango que não se tratava devermelhos e sim de sindicalistas. Kruel persistia no conselho sem com isso sinalizarapoioaogolpeouàdeposiçãodopresidente.Apenasmaistarde,jánoHospitalGeraldoExércitodeSãoPaulo(HospitalMilitarde Área de São Paulo), para onde se dirigiu comAscoli, Erimá ouviu pelo rádio atransmissãodeumtelefonemadeKruelaJoãoGoulart:ameaçavavoltar-secontraelese não demitisse os comunistas do governo. Esse cabo de guerra intencional econtínuo provocava crescente mal-estar, não só entre os militares como em toda apopulação.Preparavaatodosparaumpossíveldesfechosangrento.Omajorfarmacêuticofoiacordadonomeiodanoiteparaumareuniãodosoficiais– todos se encontravam de prontidão. Ascoli queria que se manifestassem sobre aposição de Kruel, que aderira à “revolução”. Todos se declararam a favor excetoErimá,quepediulicençaparaexporumadúvida.Eousou:“AcasoogeneralentregouaoIIExércitoaquelesdólaresquerecebeuparadefenderJoãoGoulartouoscolocounobolso”?Ditoissosaiudasala.No dia seguinte recebeu ordem para entrar em férias e na volta soube que foracassadoporsubversão.Acabaraasuacarreiramilitar.Presente à reunião da CMVVH que tratou dos financiamentos48, estavam DarcyRodrigueseRaphaelMartinelli,90anos,líderferroviárioantesdogolpe49.Em31demarço de 1964, Martinelli encontrava-se ao lado de João Goulart quando opresidente recebeuo telefonemadeAmauryKruel, transmitidopelo rádio eouvidoporErimáPinheiroMoreira.Comamãonobocalparanãoserouvido, Jangodisse,segundoosindicalista: “Estãomecolocandocontraaparede.ExigemqueeucasseaCGT(ComandoGeraldosTrabalhadores)eprendaaliderançasindical”.Opresidentenãocedeu.

DepoimentodeErimáPinheiroMoreira

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(resumo)O depoimento bombástico de 47minutos do coronel Erimá PinheiroMoreira foiapresentadoemvídeoàComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzognodia18de fevereiro de 2014. A família preferiu não trazê-lo à sessão normal da CMVVHdevidoàfragilidadedesuasaúdee,principalmente,porsegurança.

O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – Ouviremos o depoimento do coronelErimá Pinheiro Moreira, de 89 anos, natural de Alvinópolis, Minas Gerais, queocupavaopostodemajorfarmacêuticodoExércitodeSãoPauloem31demarçode1964.Em1960,osenhorpassouaservircomomajorfarmacêuticonoHospitalGeraldo Exército do Cambuci, em São Paulo, onde chefiou o Laboratório de AnálisesClínicas.Alémdisso,osenhorabriuumlaboratóriodeanálisesclínicasparticular,nobairrodaAclimação.Osenhorconfirmaqueem31demarçode1964ocoronelTitoAscoli de Oliva Maya, diretor do Hospital Geral do Exército, lhe solicitou queemprestasseasededoseulaboratórioparaqueogeneralAmauryKruelpudessefazerali uma reunião, às 18 horas, que não poderia ser realizada na sede do II ExércitonemnoHospitalMilitar?

O Sr. Erimá Pinheiro Moreira – Confirmo. O general Amaury Kruel falaraconoscodemanhãedisseumacoisamuitosimples:“JoãoGoulartnãocai,porqueeumorro,mas ele não cai. Ele émeu compadre, somos amigos de infância. Fui postoaquiparagaranti-lo”.P – Até aquele momento o senhor considerava o general Amaury um aliadoincondicionaldopresidentedaRepública,JoãoGoulart?R–Exato.P–AmauryKruelfoichefedoGabineteMilitardaPresidênciadaRepúblicadeJoãoGoulart eMinistro da Guerra de João Goulart. Depois assumiu o Comando do IIExército de São Paulo. O senhor tinha a convicção de que Amaury Kruel daria aprópriavidaemdefesadomandatodopresidenteJoãoGoulart?R–Foioqueeledisseparanós,osoficiaisreunidosdemanhã,nodia31.P–EracompadredoJoãoGoulart?R–Disse:“Émeucompadre,soupadrinhodeumfilhodele”.P – O senhor decidiu que o laboratório de análises clínicas de sua propriedade,situado nas ruas Conselheiro Furtado e Tenente Otávio Gomes, na Aclimação,poderiaserusadocomsuaautorização,casofossepreciso,nadefesadaConstituiçãoedopresidenteJoãoGoulart?Osenhoraceitouousodoseulaboratório?R –OcoronelmédicoTitoAscolideOlivaMaya,diretordohospital,mepediu.O

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generalAmaury lhe dissera que uns senhores não queriam (a reunião) noHospitalMilitarnemnoquartel-general.Respondiquepoderiacederolaboratório.P–No final de tarde de 31 demarço de 64, o coronelTitoAscoli deOlivaMayaacompanhouosenhoratéolaboratório.R–Nomeucarro.Eulevei.P – Em seguida o general Amaury chega de automóvel. Cinco batedores demotocicletasoacompanham.Certo?R–Certo.P–Elecomunicaaosenhorquevai receberalgunssenhores,eosenhor indicaqueelepodefazerareuniãonopisosuperiordoimóvel.Osenhorconfirmaisso?R–Eraumasaladeespera,alitinhaconsultóriomédicotambém.P–Osenhorcedeuamelhorinstalação?R–Asaladeesperaeramuitobemmontada.P–Eogeneralsubiu?R–Subiuaescadaeficoulá.P–Subiusozinho?R–SubiucomocoronelTitodeOlivaMaya.Achoqueocoronelestevepresenteemtudo.P–Sóosdoissubiram?R–Eu fiquei embaixo,na saladaportado laboratório, esperando chegaropessoalqueiafalarcomele.P–Osbatedoresficaramnarua?R–Osbatedoresficaramnarua.P–Em seguida, o senhor testemunha a chegadadopresidenteda FIESP, FederaçãodasIndústriasdeSãoPaulo,RaphaeldeSouzaNoschese.R–Sim.Veioacompanhadodetrêshomens.P–Cadaumdesseshomenstraziaoquenasmãos?R–Cadaumtraziaduasmaletas,umaemcadabraço.Nototal,seismaletas.Comoogeneralestavaláemcima,nomeulaboratório,eueraquemgarantiaavidadele.Nasmaletaspodiaterumgás,umabomba,umnegócio...P –O senhor ficou preocupado porque oAmauryKruel tinha falado emdefenderJoãoGoulart.Receouquehouvessealgumacoisaali.R – Alguma coisa. Um revolver, um gás, qualquer coisa para nos atacar e queliquidasseoAmauryKruel.P–Matasseogeneral.

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R–Sim.Mandeiabriramala.P–Nahora,osenhorfalouoquê?R–Mandeiabrirasmalas.Começouumabrigamasolheieviqueerasódólar,dólar,dólar.Todaselascheiasdedólares.P–Amalaeragrande?R – Aquelas maletas assim (sugere maleta profissional). Todas cheias de dólares.Amarradinhosdobanco,aquelespacotesdedepósitobancário.P – Naquele mesmo dia, mais tarde, o coronel Tito Ascoli de Oliva Maya lheinformouqueasseismaletascontinhamquanto?R–Ummilhãoeduzentosmildólares.P–Oprópriocoronelfalouissoaosenhor?R–Falou.P–Osenhornãocontouasnotas,sóviu?R–Sóviasnotas.P–OcoronelTitoAscolideOlivaMayatambémlhedissequeodinheirohaviasidoprovidenciado por quem? O senhor se lembra? Quem tinha arrumado aqueledinheiro?R–Ocoronelfalouqueodinheirofoimandadopelogovernoamericano.P – Ao se certificar de que não havia armas na maleta naquela ocasião, o senhoranunciouaogeneralAmauryKruelqueoshomensdareunião tinhamchegado.Eleordenouoquê?R–Mandasubir.Entãoeumandeisubir.P–Subiramcomasmaletas?R–Subiramcomasmaletas.P–Osenhorpermaneceunoandardebaixofazendoasegurança.R – Sim. Tomando conta. Ficaram em cima por uns cinco a dez minutos. Logodepois,AmauryKruelmepediu quemandasse três soldados buscar asmaletas. Eledisse:“Major,mandasubirtrêssoldadoscomaschavesdocarro”.Aíchameitrêsdosbatedores. Peguei as chaves do carro, subi com os três e entreguei as chaves aogeneral.P–Paraquemvocêentregou?R – Ao general Amaury Kruel. Ele deu duas maletas para cada praça e me disse:“Major, põe no porta-malas domeu carro, fecha o porta-malas e traz a chave paramim.”Nãotemdúvida.Fuicomoshomensacompanharasmaletasatéocarro.Abrioporta-malas,puseramdentro.Fecheieentregueiachaveparaogeneral.

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P–Osenhorachavaoquê?Oquepassoupelasuacabeça?Aqueledinheiroeraparaquê?R – Ele garantia João Goulart. Era dinheiro chegando aqui para ele poder segurarMinasGerais,impedirarevolução.P–Osenhorachavaqueeleestava...R–Estavasepreparandoparaalgumacoisa.P–Bom,aíogeneralAmauryKruelfoiembora,eosenhorfechouolaboratóriodeanálisesclínicas.R – Voltei com o Dr. Tito Ascoli de Oliva Maya para o hospital militar. Nósestávamosdeprontidão.P–Foiemqualcarro?R–Nomeucarro.Nohospitalfuiaomeuquartomudarderoupaeligueioradinhopara ouvir o noticiário. Liguei o rádio e fiquei ouvindo. Aí ouvi o general AmauryKruel telefonando para o João Goulart: “Presidente, demita os comunistas do seugoverno,senãoestareicontraosenhor”.JoãoGoulartrespondeuassim:“Amaury,eunão tenho comunistas, eu tenho sindicalistas no meu governo. Eles não sãocomunistas, são sindicalistas”. E Kruel: “Demita porque eu tenho de ouvir natelevisãoademissãodeles,senãoestareicontraosenhor”.P–Osenhorouviuissonorádio?R – Ouvi no rádio. O Amaury Kruel telefonou para o presidente João Goulart eexigiuqueeledemitisseoscomunistas,senãoiriavirarcontra.P–EraavozdoKruel?R–Era a voz doKruel, sim. “Demita os comunistas do seu governo, senão estareicontraosenhor.”EaíoKruelpassouparaoladodarevolução.P–Naquelanoite,osenhorjáestavadormindonoseuquartodoHospitalGeraldoExército,quandofoichamadoaogabinetedodiretor,ocoronelTitoAscolideOlivaMaya.Haviaquinzeoficiaisnolocal,nasaladocoronel.R–Todososoficiaismédicosquetrabalhavamnohospitalestavamlá.P–Osenhoreraoúnicomajornaépoca?R–Não,haviaváriosmajores.P–OsenhorfoioúnicoqueseposicionouaoladodoJoãoGoulart,detodoaquelepessoal?R– O que aconteceu foi o seguinte: era uma reunião de oficiais. Um coronel deinfantaria estava ali, em pé, ao lado do coronel Tito. E o coronel Tito disse assim:“Senhores,ogeneralAmauryKruelmandouocoronelfulanodetalaqui,parasaberse os senhores estão a favor dele ou já estão contra, porque ele acabou de aderir à

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revolução”. Aí começou: o coronel fulano, subdiretor do hospital: “Estouintegralmente ao ladodeAmauryKruel”.Quando chegou aminha vez, eu falei aooficialdainfantaria:“Coronel,possofazerumapergunta?”Ele:“Pode.Osenhorquermeacompanhar?” “Não,não, temde serpublicamente”, eledisse.Epensei comigo:me danei todo, mas vou perguntar. “Coronel, por acaso o general Amaury KruelentregouaoIIExércitoaquelemilhãodedólaresquerecebeudogovernoamericanoparadefenderJoãoGoulartoubotounobolso?Seelebotounobolso,eunãopossoestarafavordele”.“Saiadasala!”foiareação.Saí e fui dormir.Demanhã, às setehorasdamanhã, quando eume levantoparatrabalhar nomeu serviço, oDr. Tito chega: “Major, você está em férias a partir dehoje.Vai para casa, pega o carro e leva a tua família para passear por ummês; vaiclarearacabeça,melhorarasuacabeça”.Entãochegueiemcasa,expliqueieviajamos.Para Alvinópolis, Juiz de Fora. Eu já sabia que estava estrepado. Quando voltei,subindoaladeironaàfrentedoHospitalGeralMilitar,umfuncionáriofezsinalparamim lá de cima, para eu parar. Estacionei na beirada, desci. “Compra um jornal”,disse. Comprei e li: “Cassado o major farmacêutico Erimá Pinheiro Moreira”.Enquantoestiveforaencenaramumadocumentaçãofalsa,dequeeuerasubversivo,dequeeueraumaporçãodecoisas.Emecassaram.P–Forjaramdocumentosfalsos?R – Forjaram documentos falsos, me acusaram de tudo. Arrumaram uns IPMs(InquéritoPolicialMilitar)contramim.Nemtomeiconhecimento.Fuicassado,postoparaforadoExército.P – Deixa eu perguntar e o senhor responde se achar que pode: o senhor nuncaparticipou comomilitar, comomajor, comooficial doExército, nunca participoudearticulaçãopolítica,semprefoiumprofissionaldoExército?R–SemprefuiapaixonadopeloBrasil.Nuncaboteiopéfora,nempertodoUruguai.Não saio deste país de jeito nenhum.Omeu filhomais velho conhece a Europa, aÁsia.Vira emexe está naEuropa por conta do trabalho dele.Omeu caçula viajouagoracomamulherparaaChina.EununcasaídoBrasilenãosaio.Consideroesteomaiorpaísdomundo.P–Coronel,osenhoreraummilitarprofissionaldafarda.R–Dafarda.P–Cumpridordoseudever.R–Completamente.P–Atéqueosenhorviuoseucomandantemudardeopiniãodepoisquepegouasmaletas.Foiisso?R–Foi.

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P–Aíosenhorfalou:“Não,aínãodá.”R–Não,aínão.Aíeudenunciei.P–E,pordenunciar,osenhorentrouemfériasde30dias,edepois...R–Depoisquepararamomeucarronaladeiradohospitalvolteiparacasaefaleiàminhamulher:“Aprontaaí,quevocêvaiterumavidaduríssima”.P – Coronel, o senhor foi vigiado durante o governomilitar pelo Exército ou peloDOPS?Elesfiscalizavamsuavida?R–Ah,viraemexe.ODOPSpôsumabancade jornalnaportadomeulaboratório.Vigiavaquementravaláparafalarcomigo.P–EoExércitotambém?AlémdoDOPS,oExército?R–Viraemexevinhaumsargento,umfardado.Comoseestivessequerendofazerumexamedelaboratório,masparasaberoqueeuestavafazendo.P–Eosargentoqueapareceudemadrugada?R–Tivepenadocoitado,elequasedesmaiounaportadaminhacasa.Duashorasdamanhã,euestoudormindo,páh!páh!comofuzilnaporta,batendocomforça.Abriaporta,viláosargentoeumcaminhãoparadocheiodepraças,todosembaladosdearma na mão. O sargento perguntou: “O senhor é Erimá PinheiroMoreira? Falei:“Sou”.“Osenhorestápreso”.“Companheiro,sónãopossoirdepijama.Possomudarumaroupa?”Eleconcordoumasavisou:“Estoucomessecaminhãoaquietemoutrofechando a rua lá e a ruadaqui, para o senhornão fugir”. “Não, eunão vou fugir,não, só vou me aprontar”. Fui lá dentro, vesti a minha farda de major, peguei aidentidade:“Estáaqui.EusoumajordoExército,filho.Vocêésargento,vocêvaimeprender?”Ocoitadodosargentoquasequedesmaiouquandoviuqueeueramajor:“Nãopossoprender”.Deiotelefoneparaeleedisse.“Ligueparaoteucoronel,quevocênãopodemeprender”.Depoispegueiotelefoneedisse:“Coronel,aumahoradatardeestareiaífalandocomosenhor,pararesponderàssuasperguntas”.P–Eosenhorfoiaocoroneldepois?R–Fuiaoquartel-general.P–Eoqueeleperguntouaosenhor?R –Primeiromedeixaram sentadonuma cadeira porduashoras emeia.O sujeitopassava, olhava para mim. Outro passava, passavam, passavam. Ninguém meperguntounada.Euolheiorelógio.Estavacheiodeexamesparafazernolaboratório.Levantei,pegueiapastinhaejáiasaindo.“Jávai,jávai,jávai,espera”.“Seosenhorquerfalarcomigo,falaagora,masnãomedeixesentado,queosenhorjáestácomavida ganha, e eu tenho que ganhar a minha”. Sentei lá. “O que o senhor querperguntar?”“Major,oqueosenhortemavercomocaminhãoqueexplodiunaportadoquartel-general?”Digo: “Possogarantirparao senhorquemaisbrasileirodoque

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eusouninguémé,porquecomvinteanosdeidadeeujáestavafardadoeoficialdoExército”.AminhabrigafoicomogeneralAmauryKruel,só.Nãotemmaisnada.Sóisso”.P – O senhor chegou a ser chamado de subversivo e comunista pelos vizinhos,moradoresaoredor?R – Eu tive quemudar de casa, no Cambuci. Aminha esposa, coitada, chegava àjanelaeouviadasmulheresvizinhas:“Olhaamulherdocomunista!”Elasabiaqueaquestãofoioutra.P–O senhor já respondeu,mas pergunto de novo, para o senhor responder comtoda a sinceridade. O senhor foi, alguma vez na sua vida, ou o senhor ainda écomunista?R–Eununcafuicomunistanavida.Eusoubrasileironato,admiroopaís,nãotenhoproblemapolíticonenhum,nuncafuipolítico,nuncamemetiempolítica,nemcoisanenhuma.Eusoubrasileiro.P – O senhor tem a informação de que o general Amaury Kruel comprou duasfazendasnaBahiacomodinheirodosuborno?R–Sim,edadaporumamigodoExército,quemedisse:“OgeneralAmauryKruelcomprouduasfazendas”.P–Ninguémestranhouasuacassação,noExército?R-OgeneralCarlosLuísGuedes, que fez a revolução como generalMourão.ErameuamigoparticularemSãoJoãodel-Rei,vizinho,carregavaomeufilhonocolo,amulhereraamigadaminhamulher.Euestavatrabalhandoaqui(SãoPaulo),nomeulaboratório, e recebium telefonemadogeneralGuedes: “Erimá,oquehácomvocêaí,filho?Chegouaquiumanotíciadequevocêfoicassadodarevolução.”Confirmei.“Porquenãomeprocurou,seuporcaria?Vocêdeveriatermeprocuradodeimediato,queeumandavaanularasuacassação”.RespondiqueaíteriadevoltaraservircomogeneralAmauryKruel,enãoqueria.Melhorficarnavidacivil.OGuedesperguntou:“Oqueéquevocêfaz?Eutenhoumadenúnciaaquideumcapitãomédico,queeraseuamigo.Eledissequevocê,todasexta-feira,àsseishorasdatarde,fazumareuniãocomváriossenhoresparadeporopresidentedaRepública”.P–Eosenhor,coronel,respondeuoquê?R–Eu:olha,issoaíémuitoimportante,tãogrande!Pô,euvoudeporumpresidenteda República! Aí o Guedes perguntou: “Erimá, o que você faz nessa reunião?”Respondi:General, euvou te convidar.Vemaquiqueo senhorvai veroque é.Euprecisavafazerhigienementalparavoltarateramesmadisposiçãodevidaquetinha,pois sofro perseguição de todo lado. Então reuni uns senhores aqui e contratei ummágicoprofissionalparanosensinarafazermágicaparacriançadequatroadezanos.

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Eu tenho até o caderno commais de 200mágicas que aprendi com ele.Mágica debarbante, jornal, moeda, baralho, dedal, com tudo aquilo, para brincar. Então, emaniversário lá em casa, eu faço show para as famílias e os meninos que vêm. E osenhorestáconvidadoavirassistir.Aíperguntei:GeneralGuedes,poracasoosenhorrecebenoseugabinetedoquartel-generalummajorcassado?P–EmSãoPaulo?R–Sim.OAmaurytrouxeoGuedesaSãoPaulo.Parapisarnele.PorqueoGuedeséque fez a revolução quando ele, Amaury, é que devia ter segurado a revolução.“Recebo”,disseoGuedes.Entãosenteieescrevinaminhamáquinadeescreverumalonga carta, de duas páginas.Assinei, reconheci a firma no cartório, dobrei a carta,boteinoenvelopee fui lávisitarogeneral.Eleveiomeabraçar: “Mas, seuporcaria,porquenãomeavisoulogo?Voumandaranularatuacassação.”Respondiquenão,aminhavidacivilestavacompleta.NãoprecisavamaisdoExército.Souumelementocivil, expliquei.Trabalhona vida civil de SãoPaulo. Sou conhecido, tenho aminhavidaorganizadaaqui.“Masoquehouve?”Aíconteiparaele:“Euviisso,issoeisso”.“Mas é uma loucura”. Quando eu estava saindo, falei: “General, desculpa, esqueciuma coisa: tenho uma carta aqui para dar ao senhor, com firma reconhecida. Façadelaousoqueosenhorquiser”.P–Nacartaosenhorcontavatudo?R–ContavaahistóriatodinhadogeneralAmauryKruel.DoisdiasdepoisoGuedesfoi aomeu laboratório: “Erimá, tenhoumanotícia para te dar.Aquela tua carta euxeroquei,boteinamesadogeneralAmauryKruel.Quandoelechegou,eufalei: leiaaí, general. Estou autorizado pelo Erimá até a publicar na imprensa brasileira ouinternacional.Elereconheceuafirmaparaassumirquefoielequemaescreveu.Estáaí,autorizado.Osenhortem24horasparapedirreformaesumirdomapa.P-OGuedesfalouparao...R -OGuedes falouparaoAmaury. “Tem24horasparapedir reformae sumirdomapa”.Kruelpassouamãonumpapel,pediureformaali:“Toma,estáaquiaminhareforma.Euvouembora”.Esumiudomapa.P-OKruelpediureformaporcausadacarta?R–Sim.OGuedesiapublicarnaimprensa50.P–Coronel,osenhoraindaéummilitarcassado?R–Não.Comaanistia,hojesoucoronelfarmacêuticoreformado.P–Quandoosenhorfoianistiado?R–Anistiageral,em1979,emepromoveramatenente-coronel.Aíreclamei.Querosercoronelporquetenhodireito legal.EntreinaJustiça,ganheioprocesso,hojesoucoronelfarmacêutico.

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P–Osenhoraindatemafarda?R–Não.Uma vez cassado, deixei de sermilitar e decidi sumir com tudo. Se fossehojeeuteriaamesmaatitude.Soubrasileiro,sejaláoquevenha,estareinoBrasil.Enão aceito safadeza. Então, se o Kruel distribuísse o dinheiro para o II ExércitodefenderoJoãoGoulart,euseriaafavordele.Sebotounobolso,não.P – Coronel, a carta que o senhor escreveu na máquina de escrever nunca foidivulgada?R–Não.OGeneralGuedeséqueficoucomela.P–Osenhornãotemcópia?R–Nãotemcópia,não.Éessaahistória,contandocomofoi.EudeiacartaparaoGeneral Guedes. Mas vou fazer 90 anos e tenho de contar. Meus filhos brigaramcomigo: “Papai, o senhor é louco. O senhor vai contar, daqui a pouco vem umelemento(ininteligível)liquidacomosenhor”.PegueiotelefoneelocalizeiofilhodoJoãoGoulart, contei tudo. Ele pediu para eu gravar. Respondi: “Gravo, pode trazergravador”.Eu tenhoobrigaçãomoraldecontar.Aminha idade jáestáchegandoaofim.Entãoeleveiocomaesposa,megravaramaqui.AgravaçãofazpartedoInstitutoJoãoGoulartnoRiode Janeiro.Eu estava com issona cabeça.Nãopodia levar issoembora, sem contar essa história de justiça a JoãoGoulart.Não sou janguista, não.Sempre fui um cara de linha reta, nuncamexi para ladonenhumpolítico.Até estacasa,compreinavidacivil.P–Comosechamaomédicoquedenunciouosenhorporreunirpessoas?R – José Forma (ou Forman), capitão médico do Hospital Geral Militar.Oftalmologista. Achou que as reuniões que eu fazia, às 6h da tarde, eram paraderrubaropresidentedaRepública,entãooCastelloBranco.Éramosavós, todosdeidade. O Dr. Tamandaré Uchôa era mais velho do que eu. Aprendíamos essestruquezinhos que se fazem para crianças. Em aniversário na minha casa reunia oscolegas dosmeus filhos e as famílias, punha amesinha com omaterial e dava umshowzinhodemágicaparamedistrair.Umahigienemental,porquesaíanaruatinhasempre um sargento querendo saber para onde ia, para fazer o quê? Vigiavamsempre.Eunãodavabola.P–OsenhornuncatevemaiscontatocomogeneralAmaury?R – Não, nunca mais vi a cara dele. Depois que brigamos e o general Guedescomprouabriga,eufizavidacivil.P–Antes,osenhorconversavacomKruel?R–Euiaaoquartel-generalparabaterpapocomosoutrosnosalão.Viraemexeelevinhaconversarcomosoficiais.

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O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – Está muito bom, muito esclarecedor.Muitoobrigado.PedroGomes,capítuloMinas:dodiálogoao“Front”,nolivroIdosdeMarço,deAlbertoDineseoutros,pagina4.JoséÁlvaroEditor,1964,2ªedição.JosédeMagalhãesPinto,umdosfundadoresdoBancoNacionaldeMinasGerais,entãoosegundomaiordopaís.Ativoarticuladorcivildogolpede1964.CapítuloVI,sobreascadeiasdecomandoedefinanciamentodogolpe.ParticipoudaALN.Presoetorturadoem1970.Soltotrêsanosetrêsmesesdepois.OgeneralAmauriKruelpassouparaareformaem1966,promovidoamarechal.Tinha65anos.

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ArquivoPessoal

ANOSDEMILITÂNCIACapitãoDarcy,devoltaaoValedoRibeira,em2014:múltiplos

sentimentos

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CAPÍTULOIV

SargentoDarcyRodrigues“Osprisioneirosdeguerratêmdireito,emtodasascircunstâncias,aum

tratamentohumano,bemcomoaorespeitodasuapessoaedasuahonra(Ill,13,14).Asmulheresdevemsertratadascomtodasasatençõesdevidasaoseu

sexo(IlI,14).”ConvençãodeGenebradeagostode1949.

OcapitãoreformadodoExércitoDarcyRodriguescompareceuàComissãoMunicipaldaverdadeVladimirHerzogem23desetembrode2014.FaloudospreparativosdoII Exército para defender o governo ameaçadode JoãoGoulart.Do inconformismoquandoogeneralKrueltraiuopresidente.Doabandonodoquartel,comarmas,paralutarao ladodoamigoecompanheirodefardaCarlosLamarca.DosacampamentosnoValedoRibeira,emtreinamentodeguerrilha.Daprisãoedastorturas.

DepoimentodeDarcyRodriguesO Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – (para a audiência) O capitão DarcyRodrigues, sargento em1964, integrava a tropa sobo comandodo generalAmauryKruel.(volta-separaodepoenteàMesa).Certo?

O Sr. Darcy Rodriges – Eu era da 1ª Companhia de Fuzileiros. Estávamosaquartelados no dia 30 demarço de 1964. Aome levantar constatei uma frota dejipes zeroquilômetro, semplacas, estacionadosna frentedoquartel.Apuramosqueos jipes vieram da Casa Civil do governo de São Paulo. Junto a eles, vários ônibuspara deslocamento de tropas. Contribuição da FIESP. Logo nos aquartelamos noIbirapuera,sededoIIExército,àesperadadecisãoanteàturbulênciadaquelesdias.

Nodia31demarço,porvoltadas17h30,soubemosqueogeneralAmauryKruel,comandante do II Exército, teria imposto ao presidente JoãoGoulart a cassação daCGTeaprisãodaliderançasindicalparacontinuaraapoiá-lo.Portelefone.Estáaquipresente(odepoentefazumgestoparaindicá-lo)umafigurasimbólicadomovimentosindicaldoBrasil,ocompanheiroMartinelli.EleseencontravaaoladodeJango,quetapou o bocal e lhe contou o que o general exigia. Depois o presidente respondeugeneral:“ÉimpossívelfazeresseacordocomV.Sª.”AtéentãoKruelsedeclaravafielaos poderes constituídos, à ordem, à lei e particularmente ao seu compadre JoãoGoulart. Eu não conhecia o episódio das maletas de dinheiro. Porém a mudançarepentinaéindícioclarodaforçaconvincentequeofezmudardeposição.

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AcervoCMSP

Emsetembrode2014,aoladodeRicardoYoungeGilbertoNatalini,DarcyfalaàComissãoMunicipaldaVerdadesobreamilitânciadeesquerdanoExército

OSr.Presidente (GilbertoNatalini)–Como era a relação do presidente JoãoGoulartcomossargentos?

OSr.DarcyRodrigues – Estreita, de grande afinidade. EmOsasco construiu-seumnúcleode250casasparaossargentos,financiadopelogovernofederal.

P–EasuarelaçãocomocapitãoCarlosLamarca?R–Umirmão.Conhecemo-nosquandoeleerasegundotenenteeeurecém-saídodaEscola de Sargento das Armas. Lamarca tinha participado da resistência contra ogolpe, em1961,quepretendia impedirapossedeJoãoGoulart51.Dentroda escola,eu conseguira angariar apoio contra a tentativa de deslocamento para um possívelmovimento militar. O Lamarca ficou sabendo. Logo que cheguei ao então 4ºRegimentodeInfantaria,emQuitaúna,Lamarcamedissequegostariadediscutirogolpebrancodoparlamentarismo,táticaparaevitarapropostadereformasdoJango.Participeiassimdeumgrupodeestudosdeoficiaisefundei,comoutrossargentos,ocírculo de subtenentes e sargentos da guarnição. O objetivo imediato eramudar oestatutodosmilitares, comrançode séculos atrás. Sargentonãopodia se casarnem

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usartrajescivisantesdecincoanosdegraduação.Nasquestõespolíticaseideológicas,haviaumadiscussãoparalelaaotrabalhoqueLamarcafazia.P–Comovocêsreagiramaogolpemilitar?R–OLamarcaestavaemSuez52.Quandovoltou,depoisdogolpe,quissaberoquesobroudogrupodeestudos.Nada.Duasdezenasde sargentosedoisoficiais foramatingidos (pela “limpeza” nas Forças Armadas com reformas, expulsões).Recomeçamos.

OSr.RicardoYoung–Evoluiuogrupodeestudosdevocês?

O Sr. Darcy Rodrigues – A VPR, quando começaram nossos contatos com aorganização, designou quadros para as reuniões; estudávamos clássicos e filosofia.QuandosaímosdoExército,dia24dejaneirode1969,quisemospreservarogrupoesaímos só quatro do quartel: Lamarca, o soldado Zanirato, o cabo Mariane e eu.Infelizmentehouveumadelação.PrenderamosargentoPedreiraemaisquatro.

OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Quemfezadelação?

OSr.DarcyRodrigues–Seidealgunsquetalvezfossemdelatores,masnãotenhocerteza.

P–Emquantasaçõesdeexpropriaçãodearmasosenhorparticipou?R – Participei de ações e de planejamentos. Algumas não se realizaram. Ao todo,duasemSãoPauloetrêsnoRio.P–EocofredoAdhemardeBarros?R–ComandeiumcontingentedeSãoPaulo,umas15pessoas.Usávamosroupasdepoliciaisfederais.Ficamostrêsnaportadacasaatuandocomosegurançaeorestantealegou denúncia de corrupção para entrar. Renderam as pessoas, retiraram o cofre,puseramnumaRuralWillys.Acompanhei comcarro até certo ponto.Aí embarqueinaRuralefomosaJacarepaguá,ondemontáramosumesquema.Realmente,havia2milhõese456mildólares,maisunsquebrados.Umasurpresa!Nãosabíamosnemsehaveria dinheiro.Tudo vinhada vendademedicamentos do governo, repassados alaboratóriosparticulares.Corrupção.

OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Essapráticafezescola,atéhojetemgenteseguindooAdhemar.Equalodestinododinheiro?

O Sr. Darcy Rodrigues – A disciplina, rigorosa, impedia que os militantessoubessem de fatos que comprometeriam a organização. Tenho isso muitodesenvolvidograçasà formaçãomilitar.Sóseiquedistribuíramosdólaresporvárioslugares. Acidentalmente eu soube que um deles era a Embaixada daArgélia. Logo

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depoisoembaixadorfoiexpulso.

P–Qualoseucargonaorganização?Comando?R–Comandantedegruposecombate;noantigoEstadodaGuanabara,coordenadormilitar da região, o setormais importante. NoVale do Ribeira, subcomandante docampo,substitutoeventualdocomandanteLamarcaecomandantedeumadasduasbases, a Carlos Roberto Zanirato53. Yoshitane Fujimori comandava a EremiasDelizoicov54.P–Qualadataemqueprenderamosenhor?Eemquecircunstâncias?R – Saí pela mata para escolher um ponto de onde observaríamos a tropa que jácercavaaárea55.AlifiqueicomoEdmauroGopfert.Aoretornar,LamarcapediuquedapróximavezeufosseaopontocomJoséLavecchia56,poisnasmatasmaisinóspitasele se deslocava commaior facilidade.Mas ele caiu em cima do rádio e perdemoscontato.Aproximamo-nosdosbivaques,fizemosasanotações.Nesseespaçodetempo,comonãonos comunicamosdemanhã, Lamarcadesignouumapatrulhapara ir aonossoposto de observação.Quando se aproximaram e viram que o Exército já ocupava omorro, com gritaria e barulhos, deduziram que fomos presos. Voltaram. Lamarcaaguardouotempoquesecombinavaecomonãochegamos,retirouopessoal.Nósconseguimosvoltarapesardeumencontrocompelotão,oprimeirocombatenoVale do Ribeira. Chegamos ao ponto de encontro, mas o Lamarca se retirara.Tentamoslocalizaratrilhadesaídadopessoal.Nãodeu.Decidimosaguardaratéasforçasdocercopartirem.Ficamosdentrodocercounsnovedias.Percebemosqueocerco se estreitava. Aprendi com o pessoal de Caparaó57 que quando passa umaviaturaànoite,opessoaldocerco ficamomentaneamente cego.Assim,quandoumcaminhãopassousaltamosnaestradaesaímosdocerco.Por falta de informação, não sabíamos que Lamarca e cinco homens seconfrontaramcomuma tropa emEldorado.E que a partir daí o comandodo cercoordenou perseguir Lamarca. Nosso planejamento era fuga para o norte, prováveldestinodeLamarca.Então saímospara o leste.Mas foi ondeLamarca combateu astropas do tenenteMendes. E quando achei que chegávamos aEldorado, caímosnaemboscada.Lavecchiaeeufomospresos.

OSr.Presidente (GilbertoNatalini)– A Convenção de Genebra reza que naguerra, preso o adversário, ele deve ter tratamento condizente com os estatutosinternacionais.Oqueaconteceucomosenhor?

OSr.DarcyRodrigues – A todas as perguntas eu respondia de acordo com aConvenção de Genebra: meu nome é tal, sou militante da VPR e fui preso numa

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emboscada. Isso os irritou bastante. Eu tinha cápsulas que seriam de cianureto depotássio.Quandomeprenderamtireideumacaixadefósforosacápsulaemedisse:acabouaqui.Sóquenãoaconteceunada.

Havia uma sala de torturas improvisada em uma barraca. Com pau de arara echoquecommagneto.Ficávamosdeitados,osbraçoseaspernasabertas,eestacasemcada tornozelo, cada pulso, amarrados com corda. Assim ficamos dez dias,estaqueados. Usavam-nos à frente, amarrados, quando saíam em patrulha. E nostorturavamnopaudeararacomchoques.Duranteessesdiasnãonosalimentavam,oqueéoutrotipodetortura.Umavez,demanhã,deramumpoucodecafécomleite.Talveznooitavodia,algumascolheresdearrozefeijão.Duasvezesumsoldadodepassagemnosdeuumabananaeumpedaçodechocolate.Fomeesede.Nãodavamágua.Éterrível.Umdia,estávamosalihátrêsmeses, nem sei, me puseram no pau de arara e deram choque. Eu dizia: estou nomato, foradaorganização.Quepossosaber?ResolveramtorturaroLavecchiaeessafoiumadasgrandes torturas.Ocompanheiro torturadoparaqueeu falasse.Elemedizia:comandante,nãoabra,nãofale.Quenobreza,quevalentiaadocompanheiro!Issocausavaódionosoficiais,inclusivenoErasmoDias.P–OErasmoestavanoValedoRibeira?R–Sim.P–Torturouosenhor?R–Sim.Engatilhouapistola,deutiroporcimadasnossascabeças.

OSr.Presidente (GilbertoNatalini)– Ele dizia aqui na Câmara (foi vereador)quenuncatorturouninguém.Jurava.

OSr.DarcyRodrigues–Juravaemvão.Seháinfernoelequeimanocaldeirãodocapetaporqueeraummentiroso,safado,sem-vergonha.

P–Osenhorlembraoutrosnomes,alémdoErasmo?R – Todos os oficiais do 4ºRegimento.OmajorOyamaOlintoMancini participoudiretamente de torturas e interrogatórios. O sargento Aramis. Ao tenente PauloRodrigueseudissequeeleestavavivoporqueeuodeterminei.Eleestevenaminhamiraemnossoconfronto,váriasvezes.Masonossoobjetivoerasósairdaregião.Eu tinha o agravante de ser militar e companheiro de Lamarca. E ainda mereconheceramporqueestivenoassaltoaoquarteldeManguinhos(noRio,paraobterarmas). Ali aconteceu um episódio engraçado. Todos rendidos num salão, chegouumsoldadocorrendoeperguntouoqueestavaacontecendo.Dissecalmamenteaelequeestavaforadoposto,quevoltasseparalá.

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P–Qualasuaopiniãosobreosjustiçamentos?R–Semprefuicontra.Queriamjustiçarummilitante,Paulinho,porquesabiamuito.Fuiovotoquedecidiudeixá-lopartirparaoUruguai.Oúnicojustiçamentoocorreuem situação de combate, do tenente Mendes. Lamarca prendeu cerca de 37combatentes da Polícia Militar comandados pelo tenente. Conversou com ele:liberaria a tropa em troca de o tenente dizer onde estavam as barreiras para quepudéssemos sair do Vale sem problemas. Ele concordou. O Lamarca deu osprimeiros-socorros aos feridos, liberou as armas sem munição. Mas o tenente nãocumpriu.(tentouarmarumacilada)P–QualasuaopiniãosobreoCaboAnselmo?R – Dizem que ele traiu, ainda marinheiro, quando o prenderam logo depois dogolpe.Achoqueantesdissojátraía.ElesaiudopaísgraçasàVPR.EmCubaprocurouaminhaesposa.ExplicouquevoltariaaoBrasiletinhademeencontrar.Precisavadefoto recenteminha, pois não se lembravamais demim.Ora, ele nãome conhecia,nuncameconheceu.P–EsobreaOBANedepoisoDOI-CODI?R – São a SSbrasileira.Paramim,os cadetesmandadospara aAlemanha em1907,1909e1910,paraestagiarnoExércitoalemão, tentaramváriasvezes tomaropodernoBrasil.Eramostenentesde1922eosgeneraisde1964.P –Oque o senhor pode trazer àComissão sobre a presidenteDilmaRousseff, nalutacontraaditaduramilitar?R–Militamosjuntosporpoucotempoem1969.SintoprofundorespeitopelaDilma.Ela é uma espécie de refém do sistema porque não tem condição de fazer o quegostaria.

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AcervoCMSP

EncontrodevelhosamigosdaVanguardaPopularRevolucionária:DarcyRodrigueseEmílioIvoUlrich

OSr.ToninhoVespoli–Haviaconflitosnaorganização,certo?

O Sr. Darcy Rodrigues – Perfeito. Um grupo defendia a guerrilha rural e aformaçãodeumembriãodeexércitopopular.Eu faziapartedele.Era lideradopeloLamarca.ADilmadefendiao trabalhodemassae, talvez,umarremedodepartido.Nós entendíamos que nesse caso o braço armado seria apenas um instrumento dotrabalhourbano.Porissohouveacisão.TenhosegurançadequeaDilmaestavacertaenós,errados.

OSr.ToninhoVespoli–HojesediscutemuitoopapeldaPolíciaMilitar,enãodoExército.OsenhorachaqueexistemresquíciosmuitofortesemnossaPM,domodelodeExércitoquetivemosnaditadura?

R–EssaPMqueestáaíéfrutodaditadura.Antesde1964existiaaForçaPúblicaeaGuarda Civil, com propósitos totalmente diferentes. A Guarda Civil era a força deelite,orientadoradasociedade.FicoestarrecidoquandosetoresdaPMnosacusamderevanchistas. Eles são vítimas. Pegaram a Guarda Civil e a Força Pública e astransformarameminstrumentomilitar,umapolíciamilitarizada.Estouconvencidode

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queapolíciadeveserviràcidadania,serorientadora,educadora.

O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – Quero agradecer, em nome dosvereadoresToninhoVespoli,RicardoYoungetodososvereadoresdenossacomissão,asuapresença.Foimuito importantea suaparticipação,oquedisse,o seuexemplodedignidade.

OSr.DarcyRodrigues–Souuminstrumentodabuscadaverdade.Comotal,àdisposiçãoemqualquercircunstância58.

OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Nãohavendomaisnadaatratar,declaroencerradosostrabalhos.Obrigado.

FlávioTavaresescreveuarespeitoolivro1961–OGolpeDerrotado.EditoraL&PM,2012OBrasilparticipoudasForçasdePazdaONUqueintervieramnaguerrade1956entreInglaterra,FrançaeIsraelcontraoEgitoeospaísesárabes.Causa:anacionalizaçãodoCanaldeSuezpelopresidentedoEgito,GamalAbdelNasser,oquefechariaarotamarinhacrucialentreoMediterrâneo,oMarVermelhoeoOceanoÍndico.SoldadoCarlosRobertoZanirato,assassinadosobtorturaemjunhode1969.EnterradonavalaclandestinadocemitériodeVilaFormosa.EremiasDelizoicov,mortoatirosnocercoaumaparelhodaVilaKosmos(zonanortedoRio),emoutubrode1969.Porterobjetivodetreinamento,ocercopolicialàáreapermitiaoexercíciopráticodefurá-lo.Desaparecidoem1974comtrêscompanheiros,umdelesOnofrePinto.Atraídosparaumacilada,provavelmentemontadapeloinfiltradocaboAnselmo,foramexecutadosnomunicípiodeMedianeira(PR),nointeriordamatadoParqueNacionaldoIguaçu.Entre1966e1967,naserradoCaparaó,nadivisaentreMinasGeraiseoEspíritoSanto,militaresdoMovimentoNacionalistaRevolucionário(MNR),ligadosaLeonelBrizola,algunscomtreinamentoemCuba,pretenderaminiciarumfocoguerrilheiro.Foramdetectadosdepoisdealgumtempoepresos.AntonioPedrosoJuniorescreveuumabiografiadeDarcyRodrigues,SargentoDarcy,LugarTenentedeLamarca.EdiçãodoCentrodeEstudosSociais,PolíticosedePreservaçãodaHistória,2003.

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GuteGarbelotto/CMSP

BODEEXPIATÓRIO

JosiasNunesdeOliveira,escolhidoparaocultarocrimedeatentadoaJK.Perseguido,frágil,sempoder,abandonadopelafamília.AJustiçaabsolveu-oduasvezes.Masquempodelhe

devolveranosdefelicidadeperdida?

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CAPÍTULOV

Atentadoàesperança:JuscelinoKubitschek

“Algumasevidênciascircunstanciaissãomuitofortes.

Comosevocêachasseumatrutanoleite.”HenryDavidThoreau(1817-1862),poeta,naturalistaehistoriadoramericano.

OsanosdouradosdeJKJuscelino Kubitschek de Oliveira e João Belchior Marques Goulart elegeram-sepresidente e vice-presidente da República Federativa do Brasil no meio deturbulências golpistas de civis emilitares. A exacerbação política e a divisãomilitarlevaramoCongressoaaprovaroestadodesítioparagarantirapossedeambos,em31dejaneirode195659.Desenha-seatéhojeogovernoJKcomootimista,sorridente,democrata,emtemposdecrescimentoeconômico,estabilidadepolítica,urbanizaçãoeaumentodarenda.Opresidente apregoava o seu Programa deMetas, dividido em cinco grupos: energia,transportes, alimentação, indústrias de base e Brasília, obra incomparável de LúcioCosta eOscarNiemeyer. Cinquenta anos em cinco, exibia omarketing com amãoespalmada.Foramanosdourados,deesperança.Umadascaricaturasrecorrentesdaépocaotraçavacomamplosorriso,debruçadoàjanelinha aberta deumaviãomenordoque ele – tanto gostavade viajar pelopaís.Conservadoresocriticavam ininterruptamente, irritadoscomoprosseguir inabaláveldeBrasília,consideradaobradesnecessáriaemegalomaníaca.Juscelinoterminouomandatocomcenárioeconômicoinstável.Cresciaapolitizaçãodossindicatos.JânioQuadros,opróximoeleito,inaugurouaspossespresidenciaisemBrasília. JoãoGoulartvoltouàvice-presidência,reeleito;vice-presidentesconcorriamseparadamente.Depois da renúncia de Jânio, da contínua e crescente inquietação política, JoãoGoulartsópôdeassumirapresidênciasobumparlamentarismoaceitopelosmilitares,em setembro de 1961. Um plebiscito antes do término do seumandato, em 1965,consultariaapopulaçãosobreasuapreferência.Antecipadopara1963,opovovotounopresidencialismoemmeioagrandenervosismo.Oclimapolíticodeteriorou-se.Jangosofriaapressãodegolpistas,queatacavamsuaproximidade com sindicalistas e comunistas. Além disso, os militares não seconformavamcomaquebradedisciplinaemsuasfileiras,umaheresiainqualificável:

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estavaemcursoumarebeliãodecabos,sargentosesuboficiaiscontraaproibição,pelaConstituiçãode 1946, de exerceremmandatos legislativos.Boaparte se engajaranaRededaLegalidadepelapossedeJango,em1961,lideradaporseucunhadoLeonelBrizola,governadordoRioGrandedoSul, emcampanhapelorádio.Eapoiavamaschamadas reformas de base – agrária, urbana, bancária, universitária, fiscal.Defendiam ainda o voto dos analfabetos e um controle das remessas de lucro aoexterior.EssaagendaeradiscutidadesdeogovernoJK,mastomouimpulsocomJoãoGoulart.Paraaépoca,propostasafrontosas.Comunistas.OgolpeeasperseguiçõesVitoriosoogolpede1964sucederam-secassações,censuraàimprensa,capturasdecidadãos, e o início do uso sistemático da tortura. Entretanto, durante o primeirogovernomilitar sobapresidênciadogeneralHumbertodeAlencarCastelloBranco,perceberam-se fissuras entre as fardas movidas pela ambição do poder político eeconômico. Lentamente Castello pendeu para o retorno a um regime menosditatorial60.“CastelloBranco,ogeneralqueforacolocadonaPresidênciaporumgolpemilitar, poderia vir a se tornar o principal obstáculo a qualquer surto ditatorial61.”Masem1967tomouposseogeneralArthurdaCostaeSilva,eleitonoCongressopelaARENA62; o outro partido,MDB, de oposição consentida e em minoria, recusou-se àfarsadovoto.Pode-sedizerqueem1967começouoprimeirodosdoisgovernosmaiscruéis e obscurantistas da ditadura militar. O seguinte seria o do general EmílioGarrastazuMédici.JuscelinoKubitscheknuncadeixoudeservisadopelomilitarescomoumrisco.Foraeleito senador por Goiás pelo Partido Social Democrático (PSD), de centro direita.Depois do golpe tentou um acordo com Castello Branco, em uma reunião: seupartidovotarianogeneralnaeleição indiretade11deabrilde1964,noCongresso;emtrocahaveriaeleiçõesemoutubrode1965eCastellodariaposseaquemvencesse.Segundo Carlos Heitor Cony, Tancredo Neves, correligionário presente à reunião,dissea Juscelino: “Fizesteumabesteira.Estehomemvai tedegolar”.De fato.Eleitono dia 14 de junho 1964, Castello cassou o mandato e os direitos políticos deJuscelino. Exilado na Europa, JK voltou em 1967 depois de duas tentativas que ofrustraram.Apopularidadepermaneciaimbatível.Por essa época os políticos oposicionistas começaram a se articular e houve umatentativadeunião,achamadaFrenteAmpla,entreJK,JangoeoimprovávelpolíticoCarlosLacerda, ex-governadordaGuanabara (RJ)63.Concordaramquenenhumdostrêsseriacandidato;casohouvesseeleiçõesescolheriamumapessoadeelevadamoral.LacerdaforaestridentecríticodeJKedeJango,alémdeexaltadoapoiadordogolpemilitar64. Ambicionara ser o presidente civil do regime, ilusão ingênua. A FrenteAmplanãosobreviveuàpressãodogoverno,queaextinguiuemabrilde1968,meses

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antesdoAI565.JK, que se estabelecera no Rio, ajudava com seu prestígio um pequeno banco deinvestimentos fundado por seus dois genros, o Denasa; e dedicava-se à pequenafazendaquecompraraemLuziânia(GO).Detemposemtemposrecebiahomenagens,destacando-seaeleiçãoparaaAcademiaMineiradeLetraseo troféu JucaPato,daUniãoBrasileiradeEscritoresde SãoPaulo, pela eleiçãode Intelectual doAno, em1975. É bom lembrar, aqui, que tudo naqueles tempos sombrios continha elevadosentido político. Por isso foi derrotado na eleição para a Academia Brasileira deLetras.AmorteanunciadaNo fim de semana de 21 e 22 de agosto de 1976, JK estava oficialmente em SãoPauloparaumareuniãocomex-governadoresdoSuldoBrasil.Hospedara-senaCasadaManchete,noJardimEuropa(centro-oestedacidade).Eraamigodoproprietário,Adolpho Bloch. Encontrara-se também comUlysses Guimarães e FrancoMontoro,líderesdaoposição.Ainstabilidadepolíticapreocupava-os66.OamigoOlavoDrummond, jornalista, escritor e advogado levou-ode carro atéoposto de gasolina ondemarcara encontrar-se com omotorista Geraldo Ribeiro, noiníciodaViaDutra,às14horasdaqueledomingo.Ostelefonesqueusavaeosdeseucírculoeramsabidamentemonitorados.Evitavaqueomotoristaoapanhasse.Perdia-senacidade,eraaexplicação.A viagemdecorreu tranquila e à altura do quilômetro 167, atual 330 daRodoviaPresidenteDutra,Geraldoentroucomocarro,umOpalamarfimmetálico,capapretade vinil, emuma estradinha.Dirigia-se aoHotel FazendaVilla-Forte, a 500metrosdaestrada.OquelevariaJKainterromperaviagemparairatéolocal?Hásuposiçõesdepeso.Informado pelo então secretário-geral doMDB, deputado federal Thales Ramalho,de que houvera um encontro deUlyssesGuimarães67 com o general Golbery doCoutoeSilva,aoqualassistira,JKpediu-lhequeagendasseumareuniãocomUlysseseTancredoNeves,deputado federalpeloMDB. Pretendiadiscutir comospolíticos apossibilidade de conversar com os militares no poder, a fim de negociarem umafórmuladeretornoàdemocraciasemoAI568.Duassemanasdepois,numaestradanaperiferiadoRecife,Thalesquebrouabacia,numdesastresuspeitodeautomóvel.Nomêsseguinte,JKmorrerianaDutra69.Vivoeatuante,portanto,estavaJK.Sefossecandidatoàpresidência,todostinhamcertezadequeasuapopularidadeotornariaimbatível.Porintermédiodeumagenteligado ao SNI, realmente marcara um encontro com emissários do então general-presidenteErnestoGeiselnafazendadeLuziânia,paraodia25deagosto.Talevento,é claro, seria propício a um complô dos militares radicais, continuamente alertas

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contrasinaisdedistensãopolítica.Carlos Murilo Felício dos Santos, em seu livro70, levanta a hipótese de que osresponsáveis pelamortede JuscelinoKubitschekobtiverama informaçãoda viagempela Rodovia Presidente Dutra e, alegando urgência da reunião agendada paraLuziânia,oconvenceramaremarcarareuniãododia25paraodia22deagosto,noHotel-FazendaVilla-Forte, atraindo-oparauma cilada emResende (RJ). É provávelque JK, ansioso por aplacar a beligerância demilitares a uma eventual candidaturasuaàPresidênciadaRepública,tenhaconcordadocomaantecipação.Juscelinoeseumotoristachegaramaohotele foramrecebidospeloproprietário,obrigadeiroNewton JunqueiraVilla-Forte, por volta das 17 horas. Estranhamente, obrigadeirosaiuedeixou-ossozinhos.Osdoisficaramaliporalgumtempoevoltaramàestradaantesdas18horas.Trêsminutosdepoisestavammortos.Oacidentenãofoiinvestigadocorretamenteeasjustasdesconfiançasarespeitonuncadesapareceram.

INTERFERÊNCIADESMASCARADAOinquéritoabertoparainvestigaramortedeJuscelinoKubitschekedeseumotoristaGeraldoRibeirocomeçoucomumabsurdo:asubstituiçãodoperitoquefotogrofouoacidente, logo depois de ocorrido. Seguiu-se uma espantosa e escancaradamanipulação

Oestadoemqueficouacabinedacarretatombada.Ocarrobateudefrente,nalateraldireitadocaminhão,rodopiouesofreuo

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impactodo“cavalinho”,osegundoeixo.Osdoisveículossearrastaramporcercade40metrosantesde

parar

OrelativopequenoestragodoladoesquerdodoOpalaeaassustadoradestruiçãodoOpaladoladodireito,apartequebateunacarreta

Àesquerda,nolocaldoacidente,fototiradapeloprimeiroperito:alanternatraseiraesquerdaeoângulosuperiordopara-lamatraseirointactos.Àdireita,jánopátiodadelegacia,comassinaturado

novoperito,tantoalanternacomoopara-lamadanificados

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Laudodeanálisedastintas,queincriminaomotoristaJosiasNunesdeOliveiracomoautordeumabatidanoOpala.OsdocumentosforamrejeitadospelaJustiça,poisoanalistachefenãoosassinou

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Josiascomafamília,antesdaseparação:perdainjusta,cruel

AbsolviçãodeJosiasNunesdeOliveira.Emagostode1977ojuizpõeemdúvidaoselementosprobatórioscontraomotoristaeoabsolve.Houveapelação.

Ojulgamentoreiterouquenãoprocediaadenúncia

Vistapanorâmicaem5cenasPor duas vezes, em 1976 e em 1996, investigações oficiais concluíram que o ex-presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira e seu motorista, Geraldo Ribeiro,sofreramumacidentedeautomóvelemorreramnaRodoviaPresidenteDutra,nodia22 de agosto de 1976.O primeiro inquérito foi realizado com peritagem enganosa,ocultaçõesementirasprimárias.Osegundo,comdesleixosuspeito.As principais testemunhas do acidente ainda vivas são os motoristas do ônibus,JosiasNunesdeOliveira,odacarreta,AdemarJahn,eoadvogadoPauloOliver.OstrêsdepuseramnaComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzog.1-AcenadeJosiasÀs17h58mdodomingo, dia 22de agostode 1976, doisminutos antes do antigoquilômetro 165 da Rodovia Presidente Dutra, sentido São Paulo – Rio de Janeiro,JosiasNunesdeOliveira,queconduziaumônibusCometacomdestinoaoRio,viuoautomóvelOpalasaindodeumtrevo,paraentrarnaestrada.“Entrou mal porque não fez o retorno do balãozinho correto, na frente de umaigreja evangélica. A uns 300, 400metros de distância do ponto em que eu estava.Depoisqueentroupasseipelaesquerda,aestradaestavalivre.”Josias ultrapassou-o. Segundo Paulo Oliver, uma carreta e um caminhão tipo

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frigorífico71rodavamcorretamentepelafaixadadireita,àfrentedoOpala.“Estranhei quandoo carromeultrapassoupela direita e não seguiu pela pequenacurva da estrada, curva para a direita. Passou àminha frente a uns 30, 40metros,atravessouo canteiro central, só grama semguard rail, e bateu de frente na carretaquevinhaemsentidocontrário”,descreveJosias.Imediatamente após algumas freadas, Josias dirigiu o ônibus para o acostamento,parou, abriu a porta e correu para o outro lado da pista com os passageiros PauloOliver e Célio Beltrami. Para socorrer. Começava a se formar um aglomerado detráfegoedecuriosos.“Alguémchegoueperguntou:JuscelinoKubitschek?”lembraOliver.O desastre fora fatal. O rosto de JK estava desfigurado. SegundoOliver, GeraldoRibeiroreviravaosolhosepediaalgo,talvezágua.Tinhaadireçãonopeito.Beltramicontouqueopresidente esmagara a face contrao tetodocarro.Morte instantânea.Não o reconheceu.Ao tentarmedir os pulsos dos homens feriu-se nos braços comestilhaçosdasjanelas.Enquanto isso, Josias conseguiu tirar da cabine omotorista do Scania e apagar oinício de um fogo com o extintor. Isso feito voltou-se para o Opala. Viu os doismortos, umdeles no bancode trás ao ladode umapasta arrebentada, documentossoltoseumlivro,AsMusasseLevantam,deJoaquimFelisminodeAlmeida.“Apastaeradotipo007”,esclarece.Passados cerca de 20 minutos Josias e os passageiros retomaram a viagem. OmotoristaparounaprimeiraguaritadaPolíciaRodoviária e reportouacidentegravecomdoismortos.“Euconheciaosguardas.Faleicomumdeles,sozinhonoposto,eaviseiqueumdosmortos erao Juscelino.Elemedisse:ohomemvai andar semescoltanaviaDutra?Respondi: estou falando para o senhor. O rodoviário fechou o posto e saiu nacontramãocomaviatura.EuseguiparaoRio.”

DepoimentodeJosiasNunesdeOliveira(resumo)AComissãoMunicipal daVerdadeVladimirHerzog ouviu omotorista de ônibusJosias Nunes de Oliveira, acusado duas vezes de ter abalroado o Opala em que seencontravam Juscelino Kubitschek e seu motorista Geraldo Ribeiro, no dia 1 deoutubrode 2013. Josias, duas vezes absolvidona década de 70, veio de Indaiatuba(SP),ondemoraatualmente,paradaroseudepoimento.DepoisderecepcionadopelaMesa,queagradeceuasuapresença,passouàsrespostas.

O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – O senhor ultrapassou o Opala pela

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esquerda, corretamente. O Opala seguia a cerca de 70 quilômetros pela direita.Estranhou a atitude domotorista doOpala que pouco tempo depois o ultrapassoupeladireita,contrariandoalegislaçãodotrânsito?

OSr.JosiasNunesdeOliveira–Elemeultrapassoupeladireitaenãofezumapequenacurvaparaadireita,nafrente.Atravessouocanteirocentral,quenãotinhaguard rail naquele tempo, e bateu de frente em uma carreta de Orleans, SantaCatarina,dirigidaporLadislauBorgesdoNascimento.

P–Derepenteosenhorviuqueocarroacelerou,aumentouavelocidade,passouoônibuspeladireita,perdeucontroleeatravessouapista?R-Eatravessouapistanosentidocontrário.P –OOpalanão faz a curva leve àdireita, descontrolado.E à frentedoônibusdaCometa, queo senhordirige, atravessa apista e colide fortemente como caminhãoScaniaVabis,placaZR0072,quevemnosentidocontrário,doRioparaSãoPaulo?R-Justamenteoqueaconteceu.P-Qualasuareação?R-EupareisemsaberquemestavanoOpala.Omotoristamorreuinstantaneamente.E ainda vi uns dois piscar de olhos do Juscelino. Abaixo de Deus, quem viu elepiscandoporúltimofuieu.P–Osenhorreconheceuopresidentenahora?R - Não reconheci. Vi uma pasta 007 com documentos, onde estava a carteira demotorista, a identidadeeum livrocomonomeAsMusas seLevantam, escrito: “aoinsignebrasileiro,ex-PresidentedoBrasil,leiaapágina33e34,querefluisobreasuavida”.Estavaescritonacapadolivro.P–Osenhorabriuapasta?R-Não.Apastaestourounabatidaeabriu.P–Eosdocumentosestavamexpostos?R–Sim.Euvi e ládeixei.Nãopegueidocumentonenhum.Aí, teveumpassageiroquepegouolivrodelecomdedicatóriaelevouparaaDonaSarah,noRiodeJaneiro.P–Porqueosenhorachaqueaquelecarrofezamovimentaçãodecortarpeladireitaemvelocidademaior?Qualfoiseupensamentonaquelemomento?R –Naquelemomento pensei que aquelemotorista não estava certo de fazer umacoisa daquelas. Enquanto pensava isso, ele cruzou o canteiro central e bateu nacarreta.P–Acurvaeramuitoacentuada?Haviadificuldadeparaomotorista?R–Não,senhor.Umacurvaleveparaadireitaeelesaiuparaaesquerda.

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P – Após seguir viagem, o senhor parou no primeiro posto da Polícia RodoviáriaFederalparaprestarinformaçõessobreoacidente.R–Sim,eudisseaoguarda: “Temumacidentenoquilômetro165, comvítimas.EumavítimaqueestáláéJuscelinoKubitschek”.Elerespondeu:“Comovocêfalaqueéo Juscelino Kubitschek? O homem vai andar sem escolta na via Dutra?” Eu falei:“AlguémbateuláeestámortooJuscelinoKubitschek,estoufalandoparaosenhor”.Aí ele fechou o posto e saiu na contramão com a viatura da Polícia RodoviáriaFederal,paraoacidente.EeuseguiparaoRiodeJaneiro,normalmente.P–Osenhorse lembradetervisto,peloretrovisor,antesdoacidente,algumoutroautomóvel, possivelmente uma perua Caravan, emparelhada com o Opala doPresidente,àesquerdadele?R–Nãomepreocupeicomissoaí,sevinhacarroatrás.Nãoseilhedizersevinha.

O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – (para a plateia) Uma Caravan teriaemparelhadocomoOpalaumpoucoantesdeoveículodoPresidente,desgovernado,passaroônibuspeladireitaecruzarapista.Sãoinformaçõesdeoutraspessoas.Masomotoristadoônibus,Sr.Josias,nãoviuessecarroatrás.(volta-separaodepoente)Porque o senhor acha que o acusaram de ter provocado o acidente do carro dopresidente?

OSr.JosiasNunesdeOliveira –Acusaram.Quando cheguei noRio, naqueledia,ospassageirosdesembarcaramnarodoviária,guardeioônibusnagaragem,tomeibanhoefuijantar.Comenteioacidente,dissequeoJuscelinotinhamorrido.Aídeuuma edição extraordinária no Fantástico e falaram do acidente. Aí, com todo omundoolhandoparaaTV,falei:“Távendo,eufaleiaverdadeagorapoucoevocêsnão acreditaram.”Conversamos ali.Terminou.Voltei para a garagem, repousei.NodiaseguintevolteiaSãoPaulonohoráriodas11horasdamanhã.

P–Osenhorvoltoudirigindooutroônibus?R–Sim.Quandopasseinolugarcomenteicomospassageiroscomofoioacidente.P–Tinhaalgumvestígio,ocarro,ocaminhão?R–EstavamocaminhãoeoOpala.EmSãoPaulo,narodoviáriadaJúlioPrestes,abriaportaparadesembarcarospassageirosejátinharepórtertirandofoto.P–Tirandofotodoônibus?R – Do ônibus e dos passageiros descendo. Aí me lembrei do assalto, quinze diasantes, a um ônibus da viação Cometa. Desviaram da Dutra, entraram nomeio domatoeroubaramtodoomundo.Entãopensei:“Rapaz,temladrãoaquidentro”.NahoranemlembreidoJuscelino.Depoisdedesceremtodoscontinuaramtirandofoto.“Oqueestáacontecendo?”,pensei.Daíaumpouco,ochefegeraldaViaçãoCometa,

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SiddeAlmeida, fezcomodedoparaeunãofalarnada.“Fechaaportadoônibusevamos para a garagem”. Eu fechei a porta, saí dirigindo para a garagem, masrepórteres nos seguiram no trajeto até a Vila Maria. Não puderam entrar, só comordem judicial. Então desembarquei, tirei a ferramenta do carro, é obrigação, fiz orelatório da viagem no balcão. Aí omajor TitoMascioli, o Dr. Arthur e o DoutorFelipeMasciolimechamaramnoescritório.

O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – Donos da Viação Cometa. Podecontinuar.

OSr.JosiasNunesdeOliveira–NoDepartamento JurídicoomajorTito, umsenhor bemmais alto do que eu, apontou o letreiro acimada porta, pegou e disse:“Aqui está escrito:Aumadvogadonão semente”.Tudobem.Entramos, sentamos.“DequejeitofoiasuaviagemparaoRio?”EunemmelembravadoJuscelino.“Ah,foi assim, assim”. Tudo bem. “O senhor viu algum acidente na estrada?” “Vi oacidente que aconteceu assim, assim, em tal lugar”. “Ele bateu em nosso carro ounosso carro bateu no deles?” “Nem ele bateu nem nós batemos nele”. Aí, deixouquieto. Mandaram um motorista de viatura me levar em casa, no bairro Ferreira,depoisdaVilaSônia.Nooutrodia,6h30damanhã,mebuscaram.Omundointeiroachavaqueeuganheiparamatarohomem.(lágrimasnosolhosdeJosias)

P–Quemfoibuscarosenhor?R–OmotoristaGeraldoTeodoro,daCometa.Fomosparaagaragem.Chegandolá,disseram que tinham achado uma tinta no para-choque, da cor doOpala, amareloouro.Euprovei,porAeporB,deondeeraatinta.Leveielesnarodoviária,mostreiatintadaquelamarquisequetinhaa luzgiratóriaemcima,naJúlioPrestes.OscarrosdaCometa eram registrados na linha. Então, achamos a tinta no carro da linha deJundiaí, da linha de Itapetininga, da linha de São José do Rio Preto e achamostambémnalinhadeJuizdeFora.Sempreatintanomesmolugar.P–Osenhorestádizendoqueatintaquetinhaalinopara-choquedoseuônibus...R –Eradaquelamarquiseda rodoviária.Oônibuspassava e raspava aborrachadafrente,umaborracha.Nãoéquebatia.Ralava.P–Ralava.Eaíosoutrosônibustambémtinhamamesmatinta?R – Os outros tinham a mesma tinta. Aí o major Tito Mascioli falou para mim:“Seguraessateseedeixafalaroquequiserem”.P–Osenhordisseagora,aqui,paranós,eaté seemocionou,queomundo inteiroafirmava que o senhor tinha recebido dinheiro para matar o Presidente. Quemcontouissoparaosenhor?R – Dois repórteres vieram na porta da minha casa, de moto, aquelas motonas

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grandes,CB400,queeraamotodoano.Doiscabeludos,commochilanascostaseumamala. A mala cheia de dinheiro, inteirinha. Se eu falasse que era o culpado peloacidente,tudoseriameu.Eufalei:“Não,nãotenhoculpadenada”.P–Vamospegardevagarissoaí,érelevante.Quantosdiasdepoisdoacidenteessesdoiscidadãosforamàsuacasa?R–Cincoaseisdias,nomáximo.P–Falaramemquejornaltrabalhavam?R–Não.Sóqueeramrepórteres.Nãotiraramfoto,nada.P–Osenhorosconvidouparaentraremcasa?R–Não,não.Tudonoportão.P–Oqueelesdisseramparaosenhor?R –Que se eu pegasse aquele dinheiro, dizendo que eu era o culpado, o dinheiroseria todomeu.Eu falei: “Não.Eunão tenhonada– aindabrinquei– comopeixe(alusão à cantiga popular Peixe Vivo que identificava JK), por que eu vou pegar odinheiro?”P-Eelesmostraramodinheiroparaosenhor?R – Mostraram. Aquelas notas antigas que o Juscelino mandou fazer, de 500,estavamempacotes,amalacheinha.P–Osenhorestámedizendoquetentarampagarparaosenhorassumiraculpa?R–Agora,seeuassumoumaculpadaquelaepegoodinheiro,qualofinal?Elesmematam,pegamodinheiroeficaporissomesmo.P–Osenhornãoaceitou?R–Não,não.P–Nãovoltarammais?R–Nãovoltarammais.Foiumavezsó.Eramuitodinheiro.

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AcervoCMSP

Josiasemvisitadehonraerespeito:aCMVVHlevou-oavisitaraslápidesecruzeirosquaseàbeiradaviaDutra,ondeperderamavidaJuscelinoKubitschekeGeraldoRibeiro

OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Oqueaconteceudepoiscomosenhor,Sr.Josias?AJustiçaoacusoupelamortedoJuscelinoKubitschek?

OSr.JosiasNunesdeOliveira–Fuiacusado,humilhado,desfeitoporisso.SãoPaulo,dotamanhoqueé,eurodavanaruaemeapontavam:“Olha,elequematouJuscelino”. Isso me cortava por dentro. Agora, 32 anos de profissão, nunca maissocorri ninguém.Cheguei a tirar gente da pista para poder passar, que eu trabalheinumaempresadaquideSãoPauloparaXique-Xique,naBahia,porseisanos.Eumesepareidaminhaesposaedeum filho.Tudo foi jogado fora, essecasoacaboucomtudo. Numa revista Cruzeiro da época escreveram: “Josias Nunes de Oliveira, tãoarrependido ficou de ter causado a morte de Juscelino e de seu motorista, que sesuicidoucomumtironoouvido”.

O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – Está aqui com a gente, é verdade. Eolhem, vejam bem, o laudo pericial da Polícia do Rio de Janeiro. Registra, no diaseguinteaoacidente,queaanálisedatintaproduziuaprovatécnicasegura,definitivaeincontrastáveldequeoônibusdaCometaesteveenvolvidonoacidente.Olaudofoiassinado pelo perito Sérgio de Sousa Leite, afastado do cargomuitos anos depois abemdoserviçopúblico.Masatintamanchavaaborrachadopara-choqueemmuitosoutros ônibus que raspavam na manilha da rodoviária, em trecho estreito darodoviária.EuviajeimuitasvezesdeCometanaquelarodoviáriaantiga,arodoviáriaeramuitoestreita.

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O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – Deputado Adriano Diogo, por favor,sente-se conosco. S.Exa., nosso amigo, é presidente da Comissão Estadual daVerdadeRubensPaiva72. Prossigo. É importante ressaltar que não foi feita períciatécnicadetalhadanocarrodoJuscelinoKubitschek.Porexemplo,nãoseexaminousehouve sabotagem, atentado. Para conhecimento de vocês, de acordo com asdenúncias de Serafim Jardim, secretário particular do Presidente JK, a perícia noOpala do Presidente em 1996, quando reabriram o caso vinte anos depois, foirealizada em outro veículo.Descobriu-se porque o número domotor não era o docarrodopresidenteJuscelino.Querdizer,periciaramocarroerrado.

Outro ponto importante, a análise da tinta realizada em 6 de setembro de 1976,quinze dias depois do acidente, pela empresa Termomecânica São Paulo S.A., comsedenacapitalpaulista,corroboraatesedequehouveumabatida.Masoexame,ossenhores acreditem, é anexado ao processo sem a assinatura do analista chefe daempresa.Olaudodáumatintacompatívelcomabatida,sóquenãoéassinadopeloresponsável técnico. É um laudo sem comprovação de assinatura. Senhor Josias, jásabemosdasmanilhas,nasquaisosônibusraspavam.Emagostode1977osenhorfoiabsolvidopeloJuizGilsonVitralVitorino.Certo?

OSr.JosiasNunesdeOliveira–Issomesmo.Fuiabsolvido.

P – Afinal, nove passageiros do ônibus da Cometa foram ouvidos e todos, semexceção, conforme a sentença do juiz, afastam inteiramente a possibilidade dequalquerchoqueentreoônibuseoOpala.Asautoridadesdaépocaaindainsistiramemculpá-loemaisumavezosenhorfoiabsolvido.Éverdadeisso?R–Éverdade.Doisjulgamentos.Nosdoisfuiabsolvido.P–Osenhorjáfalouaqui,decertaforma,queaacusaçãodeterprovocadoamortedeJuscelinoKubitschekalterouasuavida.Mudousuavida?R–Veioaseparaçãodaminhafamília,hojevivonumabrigodeidosos.Tudooqueeupensarestragouenãoretornamais.Tudooquejásofri.Vamosversedepoisdestavezaverdadevence,poisaverdadeeu já faleiváriasvezes, econtinuaramachandoqueeusouculpado.

O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – Muito bem. (dirige-se à plateia) Aexistência de outro laudo da polícia do Rio, domesmo dia damorte de JK, 22 deagostode76, tambémcausa estranheza.Nele, operitoHaroldoFerraz, retirado emseguida e sem explicações do caso JK, escreve que não anexou as fotografias doscadáveresporordemsuperior.(dirige-seàmesa)Éimportanteagentedizeraquiqueno necrotério de Resende, deputado Adriano Diogo, o cadáver do presidenteJuscelinoficounochão,cobertocomumlençol,praticamenteexpostoaquemialá;e

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ocadáverdomotoristaGeraldoRibeirodentrodeumcaixãolacrado,nacapela,semque as pessoas pudessem vê-lo. Então há dúvidas enormes. Por que o corpo dopresidente ficouexpostoeodomotoristaoculto?Operito retirouas fotografiasdoscadáveres,porquê?EosnegativosencaminhadosàdireçãodoInstitutoCarlosÉboli?Desapareceram.Ninguémconseguelocalizá-los.

OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–VereadorCalvo,temosdúvidasobreumaCaravan. O que aconteceu? Os jornalistas deO Estado de S. Paulo receberam umtelefonemade guardas rodoviários federais, quedisseram ter vistoumaCaravannolocal do acidente, emparelhada. Então, em dúvida a Caravan. Aí o Opala perde ocontrole, o ônibus freia duas vezes, o Opala entra à esquerda, sem controle, e dooutroladobate.Alimorreopresidente.

Aperguntanossa é por que essemotorista com experiência de décadas faria umaaceleraçãodessas,cruzaoônibuspeladireita,entrapelaesquerdaeprovocaamortedeleedopresidente?TemosaCaravan,citada...Depois,nodecorrerdoprocesso,faz-seaexumaçãodocorpodomotoristaem1996;descobre-seumburaconocrâniodeGeraldoRibeiro.Dentrodocrânio,umpedaçodemetal,menosque1cmdecomprimento.Será que da Caravan duvidosa partiu alguma agressão? A suspeita que se tem:projétil de arma de fogo. Na época, o perito Antonio Carlos de Minas deu essaopinião.Segundoo laudodaperíciaépregodocaixão.Operitoquefezoexamedeexumaçãoéoutroeeuoencontreiagora,fuiaosecretáriodeDefesaSocialdeMinasepedioreexame.Agora,sobasluzesdaComissãodaVerdade,osecretáriochamouoperitoque,naépoca,assinouolaudocomopregodocaixão.

OVereadorRubensCalvo – Sópara eu entender.O senhor vinhana esquerdaporquehaviacaminhõesàdireita.OOpalachegouaassustarosenhor?

OSr.JosiasNunesdeOliveira–Não.Tinhaespaço.Uns40metros.De30a40metros.Esenãotivesseacarretaemquebateudooutrolado,eleiadarnomeiodomatoeiaandarmuitotempodentrodomato.

P -Aí cabe aCaravan.Uns 3, 4 km, emparelha comalguémque está entrandonaestradaemumavelocidadetranquila,parachegaraoRiodeJaneiro.

OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Bom,oimportanteparanós,nestaoitiva,éapresençadoJosiasmostrandoqueaversãodadanaépocalevouadoisprocessos73eduasabsolvições.Elenoscontouqueforamàcasadelelevarumdinheiroparaqueeleassumisseoacidente.Oinquéritopolicialtentourelacionaratintadoônibuscoma tinta do carro, como quem diz: “O ônibus participou, achamos o culpado”.

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Desmentidopelamanilhanapassagemestreitadarodoviária.

Um jornalista da sucursal carioca do jornalOEstado de S.Paulo, ValérioMeinel,falecido, escreveuna revista Interview, em 1996, que um colega recebera da PolíciaRodoviária a informaçãode queGeraldoRibeiro fora baleadona cabeça. Por isso oOpalasedesgovernara.OtiroteriasidodisparadodeumaCaravan.Quantoaometalencontradonocrânio,deacordocomoperitoAntonioCarlosdeMinas,poderiaserfragmento de projétil de um fuzil Mauser, usado pelas Forças Armadas. Algunspossuemumaespéciedejaquetadeaço.Queremostrazerascontradiçõeseosfatos.Elembrarquetemos,paraquemquiserver, umofício de 1976do chefe do serviço secreto doChile,ManuelContreras, aodiretor do SNI do Brasil, o general João Baptista Figueiredo. Sugeria que o LetelierseriacandidatonoChileeoJuscelino,noBrasil.AlgunsmesesdepoisLeteliermorrenosEstadosUnidos,oJuscelinomorreaquieoJangonaArgentina.Sãofatos,dramasqueaconteceramenósqueremosverificaroquehouve.Sr.Josias,agradecemosporsuapresençaaqui.OsenhorfoiinocentadopelaJustiça.É preciso tirar da história do Brasil a culpa dos seus ombros. O senhor não tevenenhumaculpa.Foivítima.Somos a Comissão da Verdade, da Memória, da Justiça. Vamos levar ao nossorelatórioofatoatéagoramalconhecidodetentaremcomprarosenhorparaassumiraculpa. Por conta de um complô oficial, que saiu de dentro do regimemilitar, paraassassinaropresidente.O senhor já foi absolvido pela Justiça e nós vamos ajudá-lo a ter a absolvição dahistória do Brasil na sua conduta como brasileiro. Agradeço profundamente a suavindaaqui.Seiquetemdificuldadeatédetocarnoassunto, talosofrimento.Masosenhorconcordouemvir e serviumuitoo seudepoimento,paraessamontagemdoquebra-cabeçadocasoJuscelinoKubitschek.Muitoobrigadoaosenhor,Sr.Josias.(palmas)

DesagravoJosias Nunes de Oliveira sofreu processo e foi julgado duas vezes. Inocentado em ambas. AComissãodeDireitosHumanosdeMinasGerais, por unanimidadeedentrodos limitesde suaspossibilidades,procurousuavizarosofrimentoqueenfrentouaolongodesuavidacomumtermodedesagravo.Umareparação,mesmoquetardia.nexo)

2-ACenadeOliveredeBeltramiOadvogadoPauloOliverdeixaraoautomóvelnumestacionamentoemSãoPaulo,para viajar com tranquilidade ao Rio de Janeiro. Sentava-se à frente do ônibus da

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ViaçãoCometa,napoltronajuntoaocorredor.Gostavadeteramplavisãodaestrada.Conversava com três passageiros próximos: um médico da Marinha, Dr. CélioBenedito Beltrami (falecido) e duas moças. Subitamente, do nada, viu um carrocortarafrentedoônibus,peladireita,precipitar-separaaoutrapistaebateremumcaminhão. Lapso de segundo. O competente motorista do ônibus dera algumasfreadas e parou no acostamento. Uma tragédia. O advogado exclamou: que louco!Erguera-separavermelhor.PauloOliver compareceu àComissãoMunicipal daVerdadeVladimirHerzog dia18deagostode2013,37anosdepoisdodesastre.Erememorouoqueviveunaqueledia 22 de agosto de 1976, quando o Chevrolet Opala em que viajavam JuscelinoKubitschek e seu motorista Geraldo Ribeiro se espatifou contra uma jamanta. OpresidentedaCMVVHsaudouodepoente:“O senhor é o autor da descrição mais completa do acidente que matou opresidente.Viutudo.Muitoobrigadoporsuapresença”.“Não houve impacto algum do ônibus Cometa com o carro”, afiançou nodepoimentoàCMVVH. “Haviaumacurva,ouvimosumbarulho, viumclarão.Podiaser reflexo do sol.O carro atravessou para a outra pista, bateu bem ali onde fica oradiador do Scania-Vabis que vinha em sentido contrário. O motorista do Scaniatentoufrear,mastombou.Saiudapistaelevouocarrocomele.”O Dr. Beltrami, sentado na poltrona de número 5, alertado pelo Opala em altavelocidade,passandopeladireita,olhouparaoautomóvel:“Foicomoseofreiodoautomóveltivessefalhado,ouacontecidoumproblemanarodaesquerda.Parecequetravou.Omotoristadoônibusnãoteveculpaalguma,nãobateu.Aocontrário,deuespaçoparaoOpaladescontroladopassaraooutrolado.”

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AcervoCMSP

OadvogadoPauloOliveratudoassistiudesuapoltronanaprimeirafiladoônibusdirigidoporJosias.Nenhumabatidahouve,garantiu.Nãofoichamadoadepor

DepoimentodePauloOliver(resumo)

OSr.Presidente (GilbertoNatalini)– São poucas as perguntas, Dr. Oliver. Osenhor tem convicção de que o ônibus Cometa dirigido pelo Sr. Josias Nunes deOliveiranãobateunocarrodopresidente?

OSr.PauloOliver – Absoluta. De repente vejo o carro que entra rapidamente,comtodaavelocidade–eoônibusvinhaveloz–nafrentedoônibus,entranacurva,vejo um clarão, ele atravessa e bate em um Scânia Vabis novo, do outro lado. Oônibus,queveiodandofreadas,estacionounoacostamentoecorremosparaocarroestilhaçado.

P–OimportantedoqueosenhordizéquenãohouvebatidadoônibusdaViaçãoCometacomocarroOpala.R–Impactonenhum.Atémeperguntaramseeunãotinhamedo,eupasseiaseroúnico a desmentir que houve batida, todos diziam que foi o ônibus. Não houvebatida.P–Osenhorétestemunhaimportantenoprocesso?

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R–Seria.Nãomechamaram.Sabiamdemim,deientrevistas.Deiumdepoimentonodia23dejunhode1977,na2ªVaraCriminaldeSãoPaulo,porprecatória.Ojuizaté quis saber por que não fui chamado, afinal eu tinha mexido no relógio doJuscelino.Estavaestilhaçado.Tinhaumaesfingedentro.PegueiumlivroquedepoisentregueiparaaDonaSarah.Aícomeceiapensar:teriaumterceiro?Poderia.P–Nomomentodoclarão,osenhorpensouquepoderiahaveralgumproblemacomoOpala?R–Não.Nãoseisehouvealgumacoisa.

OSr.Relator(MarioCovasNeto)–OsenhorviualgumChevroletCaravanporperto?

OSr.PauloOliver – Não lembro.Omédico e eu corremos. Ele tentou salvar omotorista,ooutrojáestavamorto.Alguémfalou:JuscelinoKubitschek?Eupegueiolivro,serialembrança.Aquelahistóriademoçorecém-formado.Devolviàviúva.

3-AcenadeDaniel,ocaronaNodepoimentoàComissãoNacionaldaVerdade,emBrasília,nodia9dejunhode2014,DanielBezerradeAlbuquerqueFilho,marinheiromercante,contouquenodia22deagostode1976,quandotinha16anos,viajoudecaronaparaoRiodeJaneirocomo tio,AntônioFernandesdeBarros, falecido.DacabinedovelhoebarulhentocaminhãoAlfaRomeu180,conhecidocomoFNM,carregadocom18toneladas,viuoOpalaque“ultrapassouocaminhãoamil,pelaesquerda”.Devidoaopesodacarga,eporserrelativamentebaixaavelocidadedocaminhão,entre60e70km/h,aoverumOpala talvez a 120 km/h, o dobro da própria velocidade, o rapaz de fato teria apercepçãode“milporhora”.Em seguida, descreveu Daniel, o Opala foi para a pista da direita, em altavelocidade,àfrentedocaminhãodotio.ÉqueoônibusdaViaçãoCometa,àfrenteeàdireita,dirigidopor Josias, sinalizouvoltaà faixadaesquerdaparaultrapassarumcaminhão frigorífico.Nessemomento, o certo seria omotorista doOpala esperar ocoletivo fazer ultrapassagens de veículos lentos à frente e à direita, e depois voltarnaturalmente para a pista da direita, dando passagem aoOpala, que teria ficado àesquerda.Maso carro cortouoônibus emzigue-zague, desgovernado, atravessouocanteirocentraleinvadiuapistasentidoRio-SãoPaulo.AdemarJahn,cujacenaédescritaaseguir,explicouquenasestradasquepercorria,deumasópista,devotava todaaatençãoparaoquevinhaà frente–a impaciêncialeva alguns motoristas à ultrapassagem com pouca visibilidade, o que ocasionachoquesfrontais.Infelizmenteessetipodedesobediênciaàsleisdetrânsitocontinuaaocorrerquasetodososdias.UmmotoristaexperientecomoGeraldoRibeirojamais

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exporia JuscelinoKubitschek a um acidente assim primário, como deliberadamentemudarde faixa,ultrapassarpeladireita,cortarumônibus.Excetoseestivessediantedeumaemergência:fugaousabotagemnoautomóvel.4-AcenadeJahnAdemar Jahn viajava em comboio com o colega Ladislau Borges à frente, ambosdirigindocarretasScaniaVabis111.Seguia-oacercade50metros,nosentidoRio-SãoPaulo.“Naquelaépocaeufazia18viagensaoano”,destacaJahn.“Comoasestradaseramsimples,prestávamosgrandeatençãoaoquevinhapelafrente,paraevitarumchoquefrontal.ADutra era a única duplicada.Notei que vinha um caminhão sentido SãoPaulo – Rio, atrás dele umOpala, e atrás deste um ônibus da Cometa. Aí o carroatravessoueviqueomotoristaestavadebruçadosemvida,acabeçaentreaportaeadireção.”Jahn está convicto de que Geraldo Ribeiro já estava morto antes de atravessar ocanteirocentral.“Ummotorista que dirigisse há 38 anos jamais entraria à esquerda. Teria de ir àdireita, ficar atrás do caminhão. O carro, ao atravessar o canteiro, sofreu umaquedazinha–haviaumdegrau, talvezumencanamentode água, algo assim.Bateudefrente,doladodireitodocaminhãodeLadislau,querodopiouoOpala.Ocapôdocarro,emvezdesairparacima,entrounopara-brisa.AbatidaarrancouoeixodireitodoScania.Tenhoasfotos.”Ladislau Borges, motorista da carreta contra a qual o Opala se chocou, nodepoimento prestado na Delegacia de Resende, declarou que apareceram trêshomens no pequeno aglomerado de pessoas em torno do acidente. Borges deudetalhes: cor branca, umdepaletó claro, cerca de 26 anos, cerca de 1,72metro; osdemais, um poucomais baixos, todos brancos, roupas escuras. Um deles lhe disse:“Você não precisa ficar nervoso, porque eu sou passageiro do ônibus que bateu noOpala;omotoristadoônibusquisirembora,masnósnãovamossairdaquienquantoaperícianãochegar”.Oroteironaconduçãodeumacidenteoutiroteioforjado,jádescritopelodelegadoCláudioGuerra, não poderia sermais literal: surge quemdê falso testemunho paraespalhar um boato. Todos os 33 passageiros de São Paulo que o ônibus conduziaestavam sentados quando o motorista Josias Nunes de Oliveira deu novamente apartidaparaoRiode Janeiro.Masohomemque sedirigira aLadislau,na cenadoacidente, desapareceu comos outros dois. Sequer constavamda obrigatória lista depassageiros, exigência devido ao grande aumento dos assaltos a ônibus; quemembarcavaapresentavaoRG àporta,queeraanotado.Nãoseexclui, aqui,o intuitodarepressãoembuscadeinformaçõesecontroledosviajantes.

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AcervoCMSP

Testemunhadevalor:AdemarJahn,caminhoneiro,contaaGilbertoNatalinioqueviu.EstavalogoatrásdacarretacontraaqualocarroqueconduziaJKsechocou

DepoimentodeJahn(resumo)

OmotoristadecaminhãoAdemarJahnfalouàCMVVHnodia27demaiode2014.VinhadaParaíbanodia22deagostode1976.Encontrou-secomocolegaeamigoLadislauBorges,quesaíradoRecife,emGovernadorValadares(MG).Tomaramcafée almoçaram juntos em locais à beira das estradas. Seguiam em comboio paraFlorianópolis.

O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – Senhor Ademar, para repetir à nossaaudiência,osenhorpodeafirmarqueviucomclarezaomotoristadoOpala?Nahoraemque o carro veio, o senhor observouque omotorista estava coma cabeça caídaentreovolanteeovidrodaporta?Issoécertezaeosenhorpodeafirmar?

OSr.AdemarJahn–Issoeupossoafirmar.Vocênãopodefalarporouviroutrosfalarem.Euvi.Tenhoacertezadequeelenãoestavamaiscomvidaaoatravessarapista.Algumacoisahouvecomomotorista.Omotoristaestavasemvidaaoatravessarapista.Debruçado,comacabeçaentreaportaeadireção.

P–Ficouassimenquantoatravessavaocanteiro?R–Antesdeatravessarocanteiro.Antes,aindanapistadele.Assistinatelevisãoque

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oônibusdaCometajogouocarro,mostraramumdesenhodaperícia.Eunãoviisso.Nãohouveisso.P–Osenhorcostumavaprestaratençãoatudoquandodirigia?R – Principalmente no que vinha à frente, porque a Dutra era a única estradaduplicada.SóaRio–Bahiatinha3milquilômetrosdeestradasimples.P–QualadistânciaentreosenhoreoseucolegaLadislau?R–Uns50metros.P–OsenhordissequenãoviuoônibusbaternoOpala,quenãohouvebatida.R–Possoconfirmar:oônibusdaViaçãoCometanãochegou,demaneiranenhuma,abaternoOpalade JuscelinoKubitschek. Se tivessebatido,o carro teria rodopiadonamesmapista.OOpalabateunafrentedoladodireitonoScania,rodopiouepegouna traseira do cavalinho, na roda esquerda. O amassado do para-lama traseiro foicausadopelarodadoScania.P–Comoestavamosacidentadosnocarrodopresidente?R –Omotorista estava esmagado, jogadopara trás.O rosto irreconhecívelde tantosangue.Acho que as pernas estavammachucadas.O presidente, todo esmagado.Agentenãochegounemareconhecerorostodele.5-AcenadahorazeroUm Opala cor marfim, capa preta de vinil, se impacta com estrondo na carretaScania-Vabis111napistaRio–SãoPauloda rodoviaPresidenteDutra, à alturadokm 165. Bate com a frente, do seu lado direito, na lateral direita do caminhão.Rodopiaepeganarodatraseiradocavalinho,queéosegundoeixo.Porissoopara-choquetraseirodoOpalanãoamassa,emcontrastecomafrentedestroçada.OScaniatombacomoimpacto.Osdoisveículossearrastamporcercade40metrosesedetêmdoladodireitodapista,deixandoaestrada livre.Nessemomentooeixodianteiroérompido,arodadianteiracomeçaaroncar.Jahnestacionasuacarretaatrásdosdoisveículos,tirandoavisibilidadedodesastreaosquevematrás,pelaDutra,emdireçãoaSãoPaulo.Mesmoassimo trânsito ficavagaroso nas quatro faixas da Dutra, duas de cada lado, por curiosidade dosmotoristas. Jahn corre a socorrero colega.Ladislau tentadesconectar abateriaparaevitarogirodomotoremaltíssimavelocidadedevidoàavaria,oquepodereiniciaropequenoincêndiojácontrolado.Jahninterfere.Tirarocabodabaterianãocortaráacorrente.Sobabombaejetoraelearrancaumapeça,quesugaoar.Omotormorre.Pessoasjáacorreram,automóveisnãoparamdeestacionar,apolíciafoiavisadapelopatrulheiroque faloucomJosias.Osdoismortosestão irreconhecíveisecobertosdesangue.Omotorista doOpala, prensado entre a lataria e a poltrona emque estava

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sentado. O presidente, no banco de trás, possivelmente prensado pelo capô queatravessouopara-brisas.Hádocumentosespalhadosnobancoelivros,saídosdeumapastaqueserasgou.Aocircularonomede JuscelinoKubitschek,algunschoram. Jáseformouumaglomeradodepessoas.ChegaaPolíciaMilitar,umaviaturacomoficiaisdaAcademiaMilitardasAgulhasNegras, dois veículos da Polícia Rodoviária Federal. O motorista do caminhãofrigorífico, que estacionara atrás do ônibus da Cometa do outro lado da estrada eatravessara as pistas para observar o desastre, comunica a quem se interessar:“Chegouoguarda.Vouemboraquenãoqueromeenrolar”.SurgeomédicoGuilhermeRibeiroRomano,queretiraobjetosdocarro,inclusiveasfolhas soltas emque JKanotavao seudiário, agoramanchadasde sangue.Romanoinforma que é amigo da família. Rapidamente acercam-se soldados, mais pessoas.Entre elas o proprietário do hotel fazenda de onde saiu Juscelino Kubitschek, obrigadeiro aposentadoNewton JunqueiraVilla-Forte. Segundoo seu filho, deve terreconhecidoocarrodopresidente.AsviaturasdaPolíciaRodoviáriaFederal trazemfaixassinalizadorasqueprotegemcenasapericiar.Nãoasutilizam,oscarroscontinuamapassar,milharesdemarcasdepneusemambasaspistas.SeráimpossívelexaminarasmarcasdoônibusedoOpalanaspistasSãoPaulo–RioeRio–SãoPaulo.OudoscaminhõesScania.Operito de plantãonesse dia,HaroldoFerraz, é convocado.Demora,mas chega.Tira fotografiasdosveículosedosmortos,naposiçãoemque ficaramapósabatida.Serão anexadas ao seu Laudo de Exame em Local de Acidente. No dia seguinteFerraz será inesperadamente substituído pelo perito Sérgio de Souza Leite e, porordem superior, deve retirar as fotos do processo. Obedece e encaminha fotos enegativos ao Instituto Carlos Éboli. Souza Leite registrará outro laudo e outrasfotografias, comdetalhesnoOpalaquenão existiamnas fotosdeFerraz.OmédicoGuilhermeRomanoacompanhaosprocedimentos.À noite, caminhões-guincho se postam e mudam a posição dos veículosacidentados, embora estejam fora da pista e não atrapalhem o fluxo. Militarescomandamaoperação.Fazemumabarreiraparaimpediraaproximaçãodequalquerpessoa. O jornalista Ivan Bezerra de Barros veio cobrir o desastre para a revistaManchete.Porvoltadas22horas,aoveramovimentaçãodosguinchos,perguntaaopolicial rodoviárioporquenãoseesperaconcluiraperícia técnicaantesdemoverocaminhãoeoautomóvel.Depoisdemuitoinsistir,opolicialpedequesuaidentidadenãosejareveladaedizseguirordenssuperiores.Ivan Bezerra de Barros afirmará à Comissão Municipal da Verdade VladimirHerzog,em15dejaneirode2014,nãoterdúvidadequeainterferênciaprejudicouaperícia.

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ValérioMeinel, do jornalO Estado de S. Paulo, chega acompanhado pelo colegajornalistaWanderleyMidei.PassarãoquatrodiasemResendesemconseguirlocalizaros policiais rodoviários que atenderam à ocorrência. Captam rumores de que umChevrolet Caravan emparelhou com oOpala, forçou a passagem, um tiro atingiu acabeçadeGeraldoRibeiro.DeacordocomodelegadoCláudioGuerra,omatadordetirocerteiro,nãoémissãoimpossível.Umcordãodeisolamentoformadopormilitaresprotegeocarrodoscuriosos.OscorpossãolevadosaocemitérioAltodosPassos,emResende,cercadopor jipesdoExércitoemilitaresqueimpedemaaproximaçãodaspessoas.Ali,nadependênciaanexaà capelamortuária,ondecorpos sãopericiadosoupreparadosparao enterro,Juscelino Kubitschek jaz largado no chão, sobre o piso de material impermeável,cobertoporumlençol.Umdosfuncionáriosdocemitérioconsegueerguerotecidoever o corpo do presidente, conforme o relato do jornalista. Já o corpo domotoristaGeraldoRibeiroestáencerradoemumcaixãodetampalacrada,dentrodacapela.A população de Resende lastima até hoje o descaso ostensivo ao presidente, aintençãoquasepalpável dehumilhá-lo.E empenha-se emconstruirummemorial aJKnaestrada.AmbososcorposserãotransportadosdemadrugadapelaDutraatéoIMLdoRio.Em caixões. Policiais acompanham o carro fúnebre. Seguem para o Instituto deCriminalística Carlos Éboli. Ali, o diretor do Departamento Técnico-Científico daSecretariadeSegurançaPúblicadoRiodeJaneiro,GilCasteloBranco,eRobertodeFreitas Vilarinho, diretor do Instituto Carlos Éboli, mandarão radiografar o corpointeiro de Juscelino Kubitschek para averiguar se houve atentado. Já o de GeraldoRibeironãopassarápeloprocedimento.Não se fazperícianoOpala, para eventuaisresíduosdepólvoraedeoutrosmateriais,ousabotagemmecânica.AdentistadeJuizdeFora,Dra.HeloísaAndrade,representouafamíliadeGeraldoRibeiro e recebeu permissão para observar o corpo domotorista no IMLno caixão.Vestido e preparado por funcionários do IML tinha aparência normal, exceto porumamancharoxaclara,doladoesquerdodaface.OInstitutoCarlosÉbolieseusdirigenteserampeçaessencialparaaconduçãodosacidentesenquadradosnocódigo12daOperaçãoCondor.OGolberydoGolberySegundo Carlos Heitor Cony, no depoimento à CMVVH, Guilherme Romano eraamigoefinanciadordogeneralGolberydoCoutoeSilva.“PagouduasoutrêsviagensdeleàEspanhaparatratardeumadoençacomplicadanosolhos74.”Romanoapossou-sedorelógioRolexdeouroquePauloOliverdisseraterexaminado.Tambémpegouapastacomdocumentos,umlivro,ÓJerusalém75,eumexemplardarevistaManchetedaquela semana. Feito isso dirigiu-se à delegacia. Apresentou-se como médico e

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amigodeSarahKubitschek,encarregadoderecolherpertences.O delegado concedeu-lhe a permissão. Romano não possuía autorização nempedidoda famíliaparabuscarospertences, conformeSarahKubitschekassegurouaCony.Tambémnãoeramédicodafamília.ConyrelataqueRomanotiroucópiasdasfolhas avulsas agora manchadas de sangue – Juscelino mantinha o seu diário noescritório e quando viajava escrevia com o que tinha à mão. Deu um conjunto aGolbery,outroaumdosgenrosdeJKeficoucomumterceiro.OsoriginaisentregouàSarahKubitschek.“Romanonão tinhanada a fazer ali”, afirmouConyàCMVVH. “SemprequepodiaviajavaparaAraruama,naregiãodoslagos,ondetinhaumacasa.Dizemquenãofoiàpraiaporque chovia,mas só choveunoRionanoitededomingo”.Estava aliparacontrolarosprocedimentos.Com as folhas escritas, Romano ficou livre para chantagear a viúva e o fez:pressionou-aparaquenãooptasseporumainvestigaçãoaprofundada,poisodiáriosereferia frequentemente à amada de JK, Lucia Pedroso, que o aguardava no Rio.Ficaria ruim para a imagem da ex-primeira-dama e as filhas. Quatro dias depois,Sarah Kubitschek concordou em lhe dar uma procuração com poderes, atrasados,pararetirardocumentosevaloresdoautomóvel.Romanoprecisavadelaparaanexaraprocuraçãoaoprocesso.Mesmoassim, lembraCony,D.Sarahdeuumaentrevistaao Jornal do Brasil declarando que Juscelino fora assassinado, o que exigiriainvestigações.AfilhaMárcia,emumahomenagemaopairealizadanomemorialJK,em1981,disseaumaplateiagrandequeopaifoiassassinado76.De tal forma Romano se insinuara na intimidade deGolbery que se tornou umaespéciede eminênciapardanapolítica.Proprietáriodeumhospital, seu consultórioali passou a ser um escritório político e local de troca de favores. Gostava de serchamadodeGolberydoGolbery.

DepoimentodeCarlosHeitorCony(resumo)

O jornalista, escritor e cronista Carlos Heitor Cony escreveu os livros JK e aDitadura e JK –MemorialdoExílio77,entre numerosas obras. ACMVVH conversoucomoautornoRiodeJaneiro,nodia5defevereirode2014.AentrevistagravadafoiposteriormenteexibidaàComissão,queavice-presidenteJulianaCardosopresidiu.

OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Correu,nopassado,ainformaçãodequeosenhorteriaprovasdoassassinatodeJuscelinoKubitschek.

OSr.CarlosHeitorCony–Nãotenhoprovas.Meuprimeiro livro,MemorialdoExílio, aponta todas as hipóteses surgidas até aquele momento: tiro, bomba,

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sabotagemnadireçãoounasuspensãodocarro.

P – Enquanto exilado na Argélia, Miguel Arraes, ex-governador de Pernambuco,escreveu uma carta a Leonel Brizola, ex-governador doRioGrande do Sul.Qual oseuteor?R–Ele sedavamuitobemcomogovernoargelinoecomosexiladosdoConeSul.Recebiamuitainformação.NacartaaBrizolapediuqueavisasseaoJoãoGoulartparanão dormir duas vezes no mesmo lugar. Depois que voltou ao Brasil disseabertamente,noCongressoNacional:“OJuscelinofoiassassinado”.Acartadochefedo serviço secreto chilenoManuelContreras ao general JoãoBaptista Figueiredo jáeraconhecida.P – SobreomédicoGuilhermeRomano, comoexplicar a suapresençano localdasmortes?R–NãotinhanadaafazeremResende.Deviasaberquealgumacoisaacontecerianaestrada.P – Juscelino foi ao Rio de carro encontrar-se com a amante e não queria quesoubessem?PorquetinhapassagemaéreaSãoPaulo–Brasília.R–Não.MarcaranoRioumareuniãocomadvogadoAdrianoMoreira,nasegunda-feira dia 23, para tratar de um processo que corria em Lisboa. Não queria quesoubessemdo encontronemdoprocessoporque readquirira osdireitospolíticos; seestourasse o fato aumentaria a fama de possuir a sétima fortuna domundo, de ternegócios escusos em construções. O Juscelino era do conselho consultivo de umempreendimento. Entrou de gaiato nessa história, não consultava nada. Tenho ocartãodoadvogadoconfirmandooalmoço.AdrianoMoreira conseguiu retirá-lodoprocesso.Quanto à Lúcia Pedroso, JK encontrava-se normalmente com ela ondecombinassem, sem problemas.Até no edifício daManchete, no apartamento que oBlochpôsàdisposiçãodeleeondemorava,noRio.NaspoucasvezesemqueveioaoRio, nesse período, dormia na casa dela. Correu que ele foi ao hotel fazendaencontrar-se com ela, não é verdade, não haveria necessidade. A Lúcia Pedroso,nessemomento,foiumainvençãoparapressionarD.Sarah,queconheciaoromanceentreosdois.Sobreapassagem,escondeuaviagemaoRioporcausadoprocesso.Daímostrarobilhetedeaviãoquenãousaria,deSãoPauloaBrasília.Obilheteeraparadespistar. Também tinha reserva no Hotel Jaraguá, em São Paulo, que não usou.DormiunaCasadaManchete.

O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – O que aconteceu quando você foi aoHotelFazendaVilla-Forte?

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OSr.CarlosHeitorCony –Conversei comoguardadordo estacionamento.ElemedissequeomotoristaGeraldoRibeiroentrounocarroqueficouguardadoaliuns40, 45minutos, deu a ré e sentiu alguma coisa. Perguntou ao guardador: “Alguémmexeunocarro?”Oguardadornegou.Aminhasuspeitaéquemexerameocarroiaarrebentarlogonasprimeirascurvas,nadescidadaserra.

P–Eaconteceuantes.R–Porcausadasituação:umcaminhãonafrenteatrapalha.Aindamaisquandoviráa serra e ficar atrás de caminhão é ruim. Eu creio sinceramente que Juscelino foiassassinado.AchoquesabotaramalgummecanismodoOpalanoestacionamentodolocal. Há mais indícios do que provas. Arraes disse: “Fatos são fatos, indícios sãoindícios;masnessecaso,paradoxalmente,osindíciossãomaisfortes.”P–Vocêconversoucommaisalguém?R –OperitoSérgiodeSouzaLeitemedisse,quando se faloude armação:não soudetetive, sou técnico emacidentesde estrada.Mas ele foi aohotel fazenda e soubequeumacomissãodemilitarestinhaseantecipado.Dissetambémqueumacomissãovinha rastreando Juscelinodesde SãoPaulo. Eu tenhoo relatóriodele, gravadoporele.P–EssacomissãovinhaatrásdeJuscelinonaestrada?R–Provavelmente.PorquefoilogoaoVilla-Forte.P–VocêachaqueotelefonedeJuscelinoeragrampeado?R – Sim, todos os telefones. Depois que morreu fiquei com o gabinete dele naManchete e o grampo era geral. Parou depois de algum tempo. Juscelino foi a SãoPaulo participar de uma reunião com ex-governadores. Estava sem dinheiro,emprestou10mil cruzeirosdeumprimo, IldeudeOliveira.Amigoso sustentavam.Eumesmoleveidinheiroaeleduasvezes,doBloch.FoiaSãoPaulodeavião,viajoucom Ulysses Guimarães. Desceram em Cumbica por causa do mau tempo e elechegou atrasado ao almoço na Casa da Manchete. Durante o almoço perguntoubaixinho para mim onde tinha um telefone. Pedi licença, mostrei, dentro de umacabinefechada.EleligouparaoGeraldo,marcouoencontro,eparaaLúcia.P–Houveoboatoanteriordeumacidenteemqueeleteriamorrido.R – A montagem do acidente estava preparada para duas semanas antes, emLuziânia. Não foi possível porque Juscelino não saiu. Eu creio sinceramente queJuscelinofoiassassinado.Aquilonãofoiumacidentecomum.OamigoinconformadonãodesisteAtentadosnemsempredavamcertonaprimeiratentativa.JámencionamosCláudioGuerra, que disse não ter conseguido aplicar a picadamortífera emAlexandre von

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Baumgarten (capítulo II), durante a simulação de um assalto. Ele reagiu, gritou econseguiu segurara seringa.SabemosqueGuerranão levouao fimnomínimodoisoutrosatentados:mataratirosodelegadoSergioFleuryederrubarcomumabombao avião de FernandoGabeira.No caso de Fleury, tiraramGuerra do esquema e osplanos mudaram. E o atentado a Gabeira não progrediu porque era um projetopessoaldotorturadoreassassinoFreddiePerdigão.Entre os acontecimentos anteriores ao desastre que matou JK, seu amigo esecretário Serafim Jardim lembra-se da correria no início daquelemês de agosto78.Um jornalista mineiro lhe telefonara no dia 7 para saber de Juscelino – morreramesmo em um acidente de automóvel? Serafim ligou para o filho, em Brasília, epediu-lhe que fosse averiguar na fazendinha de JK, em Luziânia. A respostatranquilizadoraveioànoite:estavabem,nãopassavadeboato.Masatelevisãoderaanotícia. Jornalistas seguidamente chegavam à fazendinha. Populares. O prefeito deLuziânia.AocomentaroassuntocomJKnodiaseguinte,quandooapanhounoaeroportodaPampulha,emBeloHorizonte,Serafimouviuocomentáriocostumeiro:“Queremmematar,masaindanãoconseguiram”.“Paramimfoiumbalãodeensaio,paraverarepercussão”,avaliaSerafim.“Todososórgãosdeimprensaforamavisados,emissorasderádioetelevisão,jornais,revistas.Quando reabrimos o processo, em 1996, recebi uma carta da linha dura de...tamanha violência! Que eu não deveria ter nascido,mas aomenos ficasse calado”.Assinava um Grupo Inconfidência, que reunia 52 civis e militares das ForçasArmadas.JuscelinocomentaratambémestarnalistadobrigadeirodaAeronáuticaJoãoPauloBurnierparasermortoe jogadoemaltomar.Burniereraconsideradopsicopataatépor alguns militares. Defendia e planejava explosões catastróficas a fim de matarmilhares de pessoas e culpar a esquerda. Foram goradas graças, principalmente, aocapitãodoPARA-SAR79,SérgioRibeiroMirandadeCarvalho,falecidoem199480,queserecusouacumprirasordens.FoiexpulsodaAeronáutica.“Nãoaceitaraassugestõespara aquietar-se em nome da unidade da FAB,” escreve Elio Gaspari81. No caso,Burnier queria explodir o gasômetro do Rio, na hora do rush. Ordenara o atoterroristaaosoficiaisdoPARA-SAR.Matariamilharesdepessoas.Aomesmotempo,40políticosseriamsequestradosejogadosemaltomar.JKeraumdosprimeirosdalista.

DepoimentodeSerafimJardim(resumo)

PresidentedaCasade Juscelino, emDiamantina (MG), Serafim Jardimé autordolivro já citado, Juscelino Kubitschek – Onde está a Verdade?, um depoimento aos

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jornalistas Luiz Carlos Bernardes e Orlando Leite, com apresentação de MárciaKubitschek. Dedicou-se a restaurar a casa em que JK morou, na infância, paratransformá-la nomuseu que hoje oferece aos visitantes uma visão da trajetória dopresidente desde a infância. Ex-secretário particular, sobretudo amigo de Juscelino,Serafimconseguiuareaberturadoprocessopoucoantesdesuaprescrição,comajudadoadvogadoPauloCasteloBranco.PrestoudepoimentoàCMVVHnodia13deagostode2013.

O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – Bem-vindo à Comissão Municipal daVerdadeVladimirHerzog.ObrigadoporsuapresençaeasuaviagemdeDiamantinaaté aqui. Senhor Serafim, o senhor duvidou que as mortes na Via Dutra fossemacidente?

OSr.SerafimMeloJardim–Primeiro,devodizerque tiveoprazerdoconvíviocom Juscelinopornove anos.Viajávamos juntos, euo ajudava comoumsecretário.Sobreapergunta, sim,duvideidesdeoprimeiromomento.PoucoantesdodesastrenaDutra,nodia7deagosto,correuoboatodequeelefaleceranumacidente.Nãoacreditei e de fato não aconteceu nada.No dia seguinte disse a ele: “Presidente, osenhor ontem nos deu um grande susto.” Ele respondeu: “Queremmematar,masaindanãomataram”.

P–DepoisdoacidentenaDutra,osenhorfaloucomaD.Sarahsobreapossibilidadedeatentado?R -ConverseiváriasvezescomaDonaSaraheelapreferiu secalar,porquerecebiatelefonemas e ouvia que não era o momento de falar. Temia exploraçõessensacionalistas.Foimuitopressionada.Atéamortedelafizomesmo,respeitando-headecisão.Elafaleceuemfevereirode1996.Pediareaberturadocaso.P–OsenhortinhaconhecimentodequeotelefonedeJuscelinoestavagrampeado?R – Sim.E ele sabiadosgrampos.Quase todosos telefonesdepessoas ligadas a JKestavamgrampeados.P –Portanto, a repressão teve acesso à informaçãodo encontrodeGeraldoRibeirocom Juscelino no dia 22 de agosto, no quilômetro 2 da Via Dutra, num posto degasolina.OsenhorconsiderapossívelqueseguissemoOpalanaviagemaoRio?R–Tenhocerteza.P–QuandoosenhorsoubequeJuscelinoKubitschekparounoHotelFazendaVilla-Forte?R – Depois de pedir a reabertura do caso conheci um jornalista do Rio, ValérioMeinel,quemecontouissoemostrouareportagem“OtiroquematouJK”,narevistaInterviewdejulhode1996.ArevistaManchetechamouolugardeHoteldoSNI.

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P–Issolhedeuaconvicçãodoassassinato?R – Não só. Primeiro, a percepção de Juscelino: querem me matar. Segundo, asuspeitadeD. Sarah.Terceiro, a cartadeManuelContrerasprevenindoFigueiredoque a vitória de JimmyCarter, nosEstadosUnidos, beneficiaria Letelier noChile eJuscelinonoBrasil.Quarto,apresençaemResendedoamigodeGolbery,GuilhermeRomano,dizendo-seaserviçodafamíliaparaapossar-sedospertencesdeJK.P–Afinal,Romanoeraamigodafamília?R–ConvivinoveanoscomJuscelinoenuncavioRomano.EupassavaréveillonscomafamíliaenuncaviRomano.Elexerocouasfolhasdodiário,deucópiaaoGolbery,aoSNIeachoqueaumdosgenrosdoJuscelino.PegouumacópiaparasieentregouasfolhasoriginaisàD.Sarah.

OSr.Relator(MarioCovasNeto)–Queroretomaraquele“estãoquerendomematar”.Elesofreualgumatentado?

OSr.SerafimJardim–Não.PrenderamJKem1968efoibemtratadopelomilitarqueolevou82.MaseleafirmavaquenãohaveriaaberturanoBrasilcomelevivo.

OSr. Presidente (Gilberto Natalini) – Apesar de o presidente Ernesto Geiselacenarcomumaaberturapolítica,sabe-sequeoseubraçodireito,ogeneralGolberydo Couto e Silva, ficou preso em 1956 por oito dias, por participar de umaconspiraçãopara impedir a chegadade Juscelino àpresidência.DepoisdamortedeJK,GolberyfoicontraoMemorialJK,emhomenagemaele,erguidoemBrasília.Osenhor considera que o Juscelino seria empecilho para os planos de fazer o generalFigueiredooquintopresidentemilitardoregimede1964?

O Sr. Serafim Jardim – Bem, eu acho que os militares continuavam a ser osmesmos que quiseram dar o golpe contra Juscelino. Em Jacareacanga, emAragarças83. O Golbery conspirava contra a candidatura do Juscelino desde omanifestodoscoronéis,de195484.

P–SobreogrupoInconfidênciaqueameaçouosenhor,háremanescentes?R – Dizem que em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte. Têm até jornal,Inconfidência.P–ReabertoocasoJK,em1996,exumadoocorpodeGeraldoRibeiro,descobriu-seo orifício no crânio e o metal dentro. De acordo com o perito Alberto Carlos deMinas,graveindíciodeprojétildearmadefogo.Porqueissonãotomouproporçõesmaiores?R–Nãosei.Abalatransformou-seempregodocaixãoeapartedoorifícioempó.OAlbertodiziaqueéimpossívelumapartevirarpóeoresto,não.

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P – A perícia do acidente, em 1976, foi feita por dois peritos criminais: NelsonRibeiro deMoura eHaroldo Ferraz, este como relator. Eles disseramque o veículoque bateu fugiu.Mas a realidade, e temos a prova, é que JosiasNunesOliveira, omotorista do ônibus daViaçãoCometa, ficou no local do acidente por 20minutos(para prestar socorro). E a autoridade do posto policial, onde Josias parou parareportar o acidente, registrou a sua parada. O senhor acha que o ônibus bateu noOpala?R–Nãobateu.Alémdisso,mudaramoperito.ONelsonRibeirodeMouraescreve:“Deixam os signatários de anexar ao presente laudo as fotografias referentes aoposicionamentodoscadáveres,acolhendoarecomendaçãodeordemsuperior.”Queordemsuperior?Nãotemumasófotonoprocesso.Nuncaviisso.Evejaqueonovoperito,SérgiodeSouzaLeite,abemdoserviçopúblicofoidemitidonoveanosdepois.Oslaudosdele,parece,tinhamproblemas.P–OrepórterValérioMeinel,quecobriuamortedeJKparaojornalOEstadodeS.Paulo, concluiuqueatiraramemGeraldoRibeirodeumaCaravan.Oqueo senhorachadisso?R–AcreditoqueatingiramoGeraldo.P–Aprovaestarianocorpodomotorista?Umdos funcionáriosdocemitériodisseque conseguiu ver o corpodopresidente porque ficou largado, no chão, só cobertoporumlençol.EodoGeraldo,emcaixãolacrado.Ninguémpôdever.R–É isso. Inclusive radiografaramocorpodo Juscelino.EnenhumaradiografiadeGeraldo! Fiz uma palestra emResende e uma professorame contou que esteve nacenaelogochegouumjipedoExércitoetiroutodoomundo.P–Quesentidoteriaabandonaraestradae iratéohotel?Usa-seumlugaràbeiradaestradaparadescansar.PorqueJuscelinoteriadesviadoparaohotel?R–Nãosei.CarlosMuriloconta,nolivrodele85,queopresidentedeumacompanhiadesegurosquediziamserligadoaoSNI,procurara-o.QueriamarcarumencontrodeJKcomdoisemissáriosdeGeisel.Combinou-seodia25deagostonafazendinhaemLuziânia.P–Golbery?Figueiredo?R–FigueiredoeraochefedoSNI.Quandopresidente,contraavontadedeGolbery,doouo terrenoparaD. Sarah construir omemorial de Juscelino emBrasília. Pensoque foi por causa da consciência pesada. Figueiredo marcou um encontro com D.Sarahemostrouseisterrenosparaelaescolher.DonaSarahpediuumprazo–queriaconversarcomoarquitetoOscarNiemeyer.AssimnasceuoMemorialJKemBrasília.

OSr.Presidente(GilbertoNatalini)– Informoqueo vereadorRobertoTripoliestáconosco.

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O Sr. Vereador Tripoli – Bom dia. Quero apenas entender por que matar JKdepoisdetantosanosforadapresidência.

O Sr. Serafim Jardim – Todos sabiam que ele seria candidato a presidente.Invencível.

AincógnitadohotelfazendaGabriel Junqueira Villa-Forte, filho e herdeiro do falecido brigadeiro NewtonJunqueiraVilla-Forte,atualproprietáriodohotelfazenda,prestousuasinformaçõesàCMVVH,algumascontraditórias,nodia13deagostode2013.Declarou,deinício,quenadadoqueocorreunodia22deagostode1976,quandotinha21anos,foiporeletestemunhado.Portanto,tudooquedissesseteriadeserapuradoemoutrasfontes.

DepoimentodeGabrielJunqueiraVilla-Forte(resumo)

OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Agradecemos,Sr.GabrielVilla-Forte,porter comparecido a esta Comissão da Verdade. Sabemos que o brigadeiro NewtonJunqueiraVillaForte,seuprogenitor,teveproximidadecomJuscelinoKubitscheknosanos1950,quandofezsobrevoosnoPlanaltoCentralpara identificaromelhor localpara a construção de Brasília, como piloto da reserva da Aeronáutica. A nossaperguntaé:osenhorestavanohotelquandoJuscelinochegou,entre16h30e17h00,nodia22deagostode1976?

OSr.GabrielJunqueiraVilla-Forte–Os voos forampara fazer um campo deaviação,especialidadedele.Não,eunãoestavanohotel, já tinhasaídoparapegaroônibusaSãoPaulo,ondeestudava.Quandochegueisoubedodesastrepelorádio.

P – Do que conversaram seu pai e JK nos 90 minutos em que ele e o motoristaficaramnohotel?R–Nãofoigrandecoisa,garanto.Meupaisócomentoucomigo:“Ohomemesteveaqui antes de acontecer o acidente”. Se houvesse conversa eleme contaria. JK nãoconheciaohotel.P–Haviahóspedes?R – Só os empregados. No fim da tarde de domingo saem todos. Só haveriamovimentonasexta-feira,éumhoteldeturismo.

OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Informoaospresentes(dirige-seàplateia)apresençadovereador JoséPoliceNeto. (perguntaaodepoente) Seupai saiunumaKombieJKficousozinhocomGeraldo?

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OSr.GabrielJunqueiraVilla-Forte–Juscelinoparoualiparaesticarascanelas,comoagentediz.Talvez lembrassedonomeaoveraplacanaestradaequisver seeraamesmapessoa.Comofaltouassunto,meupaidisseparaficaremàvontadequeele iria resolver alguns problemas. Ele tinha outro hotel perto, na beira da estrada.AchoquedepoisdelancharemJKeomotoristaficaramporlá,sentadosnumbanco,pertodaentradadacasacentral.Meupaisoubedepois.

P–Enquantoestavamnohotel,ondeficouoOpala?R – Perto deles, a dois metros mais ou menos. Não tem garagem lá. Os carrosestacionamdebaixodasárvores.P–Conformeoseurelato,aovoltarparaohotelobrigadeiroviuocarrodestroçadodopresidente.Podeinformaraestacomissãoondeelefoi?R –Não sei.Eleme levouaoônibus em Itatiaia, voltouparaohotel edeude caracomoJuscelino.AívoltouaItatiaia.Fazeralgumacoisa,nãosei.EngenheiroPassos,anossacidadezinha,quasenãotemcomércio.

Foto:FábioJrLazzari/CMSP

GabrielJunqueiraVilla-FortedizaosvereadoresGilbertoNatalini,MarioCovasNetoeJoséPoliceNeto:ignoraoquelevouJKafazerumapausainesperadanohotelfazendadeseupai

P–Oseupaifezcomentáriossobreacenadosdestroçosedoscorpos?R–ACurvadoJuscelino,antes,chamava-seCurvadaBrisaporcausadacorrentedevento forte.Opiso era irregular, a curva édescompensada.Omotorista fez a curvamuitodepressaeperdeuocontroledocarro.Junteavelocidadecomabrisaeocarro

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voalonge.Agoraamuretaimpedequepassemàoutrapista.P–Oseupaiparounolocal?R–Nãosei,masdeveterparadoporqueviuqueeraocarrodoJK.JáestavaaPolíciaRodoviárianolocal.FuiveroOpalaumasemanadepois,nadelegaciadeResende.Sósobrou a lanterna traseira direita. Ele estava correndo demais, decolou, encaixoudebaixodoScania.Arrebentouoeixodireitodocaminhão.P–ConstaqueobrigadeiroVilla-FortefoiumdoscriadoresdoSNI.R–Éoutroerro.Eramilitarmaisdecampo,nãodemexerempapel.Podeterdadoalgumaopinião.EraamigopessoaldoGolbery,quesehospedouváriasvezesnohotel.P – Foi seu pai que informou o governo sobre a morte do presidente? O generalFigueiredoeraochefedoSNIefoialunodele.R–NaAcademiadoRealengo,hámuitotempo.Nãoinformou.Euligueiparaomeupaidepoisqueouvianotícia,conteiqueviodesastreaopassardeônibus,pergunteiseviu.Eeledissesim,eraohomemqueestevenohotel.JuscelinoKubitschek.P–Seupaitinhacontatocommembrosdogoverno?OGolbery?R–Meupainãotinhacontatocomninguémdogoverno.Ficavanafazenda,cuidavade hóspede, de vaca. Ele se aborreceu com a Aeronáutica e se isolou. Acho que oGolbery começou a ir ao hotel depois do acidente. Talvez tenha passado algumgeneral para visitar. Desde o tempo do meu avô meu pai era o relações públicas.Recebiapessoasimportantesquandojovem.RecepcionouoJoséAmérico86.P–Sabedoquetratavam,oseupaieoGolbery?R–Nãotenhoideia.Parece-mequeoGolberyfalouempenduraraschuteiras.P–SeupaigostavadoJuscelino?R–Admiravamuito.P – Por que saiu e deixou Juscelino sozinho? Ao chegar um ex-presidente daRepública,umhomemamadocomooJK,porquesair?P–Meupai,comotodomilitarantigo,eraumhomemmuitofrio.Semrapapés,nãocortejavaninguém.Seco.Masquandogostavadapessoaeraamigoatéo final.Diziaque Juscelino erahomemde campo, comoele, enãodegabinete: gostavade fazer,executar.P – O médico que tentou dar socorro, Dr. Celio Benedito Beltrami, disse que opresidenteestavairreconhecível.ComoosenhorexplicaquesouberamtãorápidodequesetratavadeJuscelinoKubitschek?R – Estive na delegacia uma semana depois, fui ver o carro, tinha mais genteolhando.Perguntei:“Ocarrotãoamassado,comoidentificaram?”Responderamqueacharamosdocumentosdele.

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P–Osenhorachaqueoacidentefoiporcausadacurva?R–Ah,aquelacurvaéfogo.Acho.Omotoristafoiumbodeexpiatório.P – O senhor disse, para a revista Caros Amigos, que o seu pai pegou muitocomunistaàtapa.Comofoiisso?R–Elediziabaderneiros.Issofoinadécadade40,quandoestavaemSãoPaulo.P–SeupaideuaentenderquesabiaqueJKestavaarticulandoacandidaturadeleàpresidência,quandomorreunaDutra?R –Unsmeses antes,meu pai estava lendo uma revista,Manchete ouCruzeiro, edisse: “Ih, o homem está querendo voltar. Esse cara sabe fazer, será bom para oBrasil”.P – Após a morte de Juscelino, outros militares se encontraram com o seu pai?Conversavam?R–Podeser,tinhamuitogeneralqueiapassartemporadaedeviamconversar.Nãosei,jáestavaemSãoPaulo,meusinteresseseramoutros.P–Porfim,qualasuaopiniãopessoalsobreoacidente?R–Acurvaédifícil,malprojetadaeopisoerairregular.

AjustiçacomoinstrumentodaditaduraComdificuldade,o advogadoPauloCasteloBrancoobteveo telefonee conseguiufalar comodiretor doDepartamentoTécnico-Científicoda Secretaria de SegurançaPúblicadoRiode Janeiro,oprocuradorGilCasteloBranco,parentede seupai.Foiatendidocommávontade.AntesdecompareceràComissãoMunicipaldaVerdadeVladimir Herzog, em São Paulo, o advogado concedeu um depoimento aWagnerGonçalves,subprocuradorgeraldaRepúblicaecolaboradordaComissãoNacionaldaVerdade.

DepoimentodePauloCasteloBranco(resumo)

O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – Agradecemos a presença aqui doadvogado que acompanhou a reabertura do processo do caso JuscelinoKubitschek,em1996,eveiodeBrasíliaprestarseudepoimento.

ODr.PauloCasteloBranco–Serei técnico nas respostas. Esse é omeu papel.Concluí ser possível solicitar ao Ministério Público um novo procedimento deinvestigação no caso do acidente de Juscelino Kubitschek, devido a três razões.Primeiro,a trocadeperitos.Segundo,aretiradadas fotografiassobaalegaçãodesepreservar a imagemdopresidente; juridicamente issonão existe.Terceiro, a análise

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superficial e primária da perícia na hipótese de ferimento à bala. Todos os queparticiparam dessas falhas ou colaboraram para produzi-las eram instrumento daditadura.

Bem.Ospedidosque fizemosà Justiça foramatendidoscomceleridade.O juizdeResendeagiucomoespíritodebuscaresclareceralgoimportantedavidadoPaís.Operito Carlos Alberto deMinas detectou o objeto metálico. Mas ficamos sem umaconclusão da perícia, o processo prescreveu e o encaminhamos à Universidade deMinasGerais.AmortedeJuscelino,JangoeLacerdajuntam-seatantasoutras.P–Oquesepodedizersobreasperícias?R–Foifeitaumaperícianahoraedepois,outra.Absurdonumprocedimentocomoo de acidentes.Uma perícia é uma perícia.O que se pode discutir, depois, é se foibemfeitaounão.P – As principais contradições da investigação de 1976 são o desaparecimentocriminoso das fotografias dos corpos de Juscelino Kubitschek e de seu motoristaGeraldo Ribeiro. Sumiram. Também os negativos. Em 1996 a perícia no automóvelOpaladopresidentefoifeitanumoutrocarro,tambémOpala.Peçoqueconfirmeissotudo.EquantoaoobjetometáliconocrâniodeGeraldoRibeiro,descobertoem1997?R –Afirmei em1997que, se a informação sobre o objetometálico tivesse chegadoem tempo hábil, antes da prescrição do caso, e também a perícia no carro certo, oOpaladopresidente, seriaperfeitamentepossívelapurarsehouveumtirooualgumtipodeexplosãonocarro.ODr.PauloOliverafirmou,àépoca,tervistoumclarão.P–Porqueteriaopresidenteparadonohotel?Eoenvolvimentodeoutroveículo?R–Sãopontosquecontinuamnebulosos.Nãoseconseguiu,atéhoje,encontrarumapessoaquepudesseexplicarisso,comprofundidade.Vejoqueofilhodoproprietáriodo hotel pouco esclarece – porque não sabe ou não quer esclarecer. Achei asexplicaçõesmuito frágeis.Mas fiquei surpreso coma informaçãodele, de que o paiagrediapessoasemépocasanteriores.P–Equantoaoenvolvimentodeumterceirocarro?R – Não sei como poderia ter acontecido. Sei, sim, que D. Sarah, com quem tiveconvivência, e também a Márcia Kubitschek, falavam a respeito dessa Caravan. OcarroteriapassadoaoladodoOpalaedalisairiaodisparoquealvejariaoGeraldo.P–OsenhorapontaapresençadeGilCasteloBranconolocaldoacidente.R–EleeraochefedeperíciadoInstitutoCarlosÉboli,noRio.Determinou,segundoapurado,aabsurda trocadeperitos.Àépocaemqueestávamos investigando, ligueipara o Gil, Francisco Gil Castelo Branco. Promotor e diretor, parente domeu pai.Consegui,pormeiosfamiliares,falarcomelepelotelefone.Atendeu-mecomgrandemá vontade.Nãome recebeu em casa. Perguntei: reinava amentira em relação ao

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acidentedeJuscelinoKubitschek?Ouvi:“Sóotempovaimostraraverdade”.Issofoiimportante.

OSr.Relator(MarioCovasNeto)–Perguntoseháalgomaisquegostariadenosrelatar.

ODr. Paulo Castelo Branco –Quero fazer uma observação. Sempre que souconvidado compareço, mas fico desiludido com as conclusões. A politização dasinvestigaçõesme surpreende. Talvez se prefira que o presidente tenhamorrido poracidente,aoinvésdeinvestigar.Talvezsejamelhor.Masissopodenãoseraverdade.

AoSomdoPeixe-VivoJuscelino Kubitschek foi acompanhado por centenas de milhares de pessoas emcortejos no Rio e em Brasília, onde foi enterrado. Cantavam Peixe Vivo: cantigapopularquerepresentouJK;oHinoNacional;emúsicasdeprotesto,comoApesardeVocê,deChicoBuarque,ePranãoDizerquenãoFaleideFlores,deGeraldoVandré.Em Brasília, as multidões no aeroporto, nos cortejos, na cátedra, no cemitériosomaram em torno de 350 mil pessoas. Pela televisão, milhões acompanharam oenterro. A comoção nacional foi única, o que só confirmou o terror do governomilitaràideiadeeleições87.OolhardeoutroperitoDepois que Sarah Luísa Lemos Kubitschek de Oliveira faleceu, com 87 anos, emfevereirode1996,SerafimJardimempreendeuoqueseprometeradesdeamortedeJK:reabriroprocesso,chegaràverdade.AlémdaajudadoadvogadoPauloCasteloBrancocontoucomoperitocriminaldoInstitutodeCriminalísticadeMinasGerais,Dr.AlbertoCarlosdeMinas.Opedidodereaberturadoprocesso foi feitoemmaiode1996,trêsmesesantesdesuaprescrição.AlbertoCarlosdeMinasconcedeuoseudepoimento à Comissão Municipal da Verdade Vladimir Herzog no dia 13 denovembrode2013.Odepoente,68anos,peritoporcercade35anos,cursoepráticadebalísticaemParis,éexímioconhecedordeprojéteisdearmasdefogoeexplosivos.

DepoimentodeAlbertoCarlosdeMinas(resumo)

O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – Depois de solicitada a exumação eposteriorexamenecroscópicodosrestosmortaisdeGilbertoRibeiro,oqueosenhorverificou?

OSr.AlbertoCarlosdeMinas–Umacaixadefibradevidropequenacontinhatodos os ossos e percebi que havia um provável orifício provocado por entrada ou

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saídadeprojétildearmadefogo.

P–Osenhortemcertezadoqueviu?R – Absoluta. Não me deixaram fotografar. Muitas pessoas estavam presentes efecharamacaixa.Talvezpoliciais,agentes.Nadaavercomaexumação.Osauxiliaresdanecropsiaeomédicolegistafizeramumaparedehumana,impediramfotografias.

OSr. VereadorRicardoYoung – Por favor, é importante, de que lado era oorifício?

O Sr. Alberto Carlos de Minas – Não me recordo se era de direita ou deesquerda.Nãomedeixaramfotografar.Eujáestavacomamáquinaeoteleconverterpreparados88. Depois reclamei: “Sou a parte mais interessada, sou policial”.Responderam: “Não, o senhor aqui é só um convidado”. Explícita a resistência àminhapresençaali.Fiqueiatémuitochateado.

P–Edepoisdesseepisódio?R–Oquemaismecausouespéciefoiaquantidadedeequívocoseerrosemtodooprocesso.Segundoos legistas,ocrâniohavia seesfaceladodevidoaomanuseio. Issomostraquequeriamtirartudooquepoderiaexistircomoprovadehomicídio.Desdeoprincípio,afraudulênciafoiclara.EumanipuleiumcrânioencontradonobairrodeLurdes (zona central de BeloHorizonte), com um buraco de bala na parte occipitaltraseira, com saída do projétil um pouco acima da fossa do globo ocular. Tive essecrânioemcimadaminhamesaporunsvinteanosedeimaistrêstirosnele,napartetraseira,comsaídanafrente.Fizissoparasaberocalibredabala.Adiferençabásicaera ser de crâniomorto; crânio vivo tem outra resistência. Fiz teste com três armasdiferentes. Esse crânio jamais pulverizou emminhasmãos. É sabido e notório querestos de múmias de milhares de anos podem ser manipulados sem risco deesfacelamentooudesagregação.

O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – O senhor está nos dizendo que esseesfarelamentodocrânionãoénatural.

OSr.AlbertoCarlosdeMinas–Nãoéfactível.Assim,sehaviaburacodebala,amelhor coisa seria desaparecer como sinal. Eles poderiam ter tido a inteligência deme apresentar outro crânio.Mas que não digamque esfacelou porque não dá paraengolir.

P–SegundoaPolíciaCivildeMinas,haviaumfragmentometáliconocrânio,restodepregodocaixão.Ofragmentopoderiaserpartedebala?R–Pregoémetal ferroso,depreferêncianãodeaço.Suadesagregaçãoemcontato

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com a ação deletéria dos elementos naturais o transformaria em pó de ferrugem.Quanto ao aço em projéteis de armas de fogo existiram na Primeira e na SegundaGuerraMundial.Pordentrosãodechumbo,paraopeso.Chamam-sejaquetados.Ajaqueta pode ser de aço. Tenho vários jaquetados, de 1912, 13, 14. De 1930,austríaca,grossurade7mm.Coincidênciacomamedida(doprego)encontrada.P–Nãoserealizaramcomparaçõescompregosdaépoca.Qualasuaopinião?R – Sim, comparações são necessárias. Pocurar pregos antigos da época domesmofabricante,docaixãooudecaixõespróximos.P–Écomumatiradoresdeelitefazeremsuaprópriamunição?R–Nãomeconsta.Masarecargademuniçãoéumaconstanteeatiradoresdeeliteatirammuito.Snipers,naguerradoIraque,atrêsmilmetros,acertavamalguématrásdeummuro.AbalaPonto50atravessavaomuro.P–Mascomoacertaremumcarroemmovimento?R–Deumponto fixoépossívelacertar.Deoutroveículocomamesmavelocidadeacerta-seporqueécomosenãohouvessemovimento.P–OacidenteseriaumaaçãodeCódigo12–acidentedetrânsitoprogramado?R – Código 12 não diz respeito só a acidentes de trânsito. Trata de fazer umhomicídio,qualquer,pareceracidente.P–Equantoàpossibilidadedeumacidentevascularcerebraldomotorista?R – Existem alcaloides infalíveis. Insípidos, inodoros e incolores. Na época dogangsterismo americano, década de 20, levavam a rolha do vinho para a vítimacheirar. Bastava. Em dez minutos passava mal, tinha obliteração do sistemacardiovascularinteiroemorria.P – Para o conhecimento de todos, esta Comissão da Verdade solicitou aogovernadordeMinasnovaperícianofragmentometálico.Após50dias,informaramque o fragmento não foi localizado, nem o laudo original do exame de 1996. Osenhortemalgumcomentário?Esobreofatodeteremtambémdesaparecidoasfotoseosnegativosdacenaoriginal?R – Só sepericiaoque se fotografa, jádisseummestredaperícia.A fotografia éodado mais correto que existe. Esses desaparecimentos reforçam-me a ideia de quetudo continua igual. As interrupções, as fraudes. Não há necessidade disso. O queinteressaéoresgatedahistoriografiadopaís.Esperoquealguémsearrependaefale.AreaberturadoprocessoqueenvolveuasmortesdeJuscelinoKubitschekeGeraldoRibeiroprescreveusemhaverconclusãodaJustiça.“Nãohouve tempoparadesenvolveraapuração,nãosódabalaque teriaatingidoGeraldo, como a perícia do carro. Com mais tempo e a tecnologia de hoje, seriaperfeitamente possível examinar também se houve alguma explosão no carro, algo

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queoPauloOliveraventou”,lamentaoDr.PauloCasteloBranco.

AcervoCMSPOperitocriminaleespecialistaemarmasAlbertoCarlosdeMinaséouvidosobreamortedeGeraldoRibeiro,motoristadeJKTombamentodaestaçãoAComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzogoficiouaoSr.UbirajaraRitton,presidentedaCâmaraMunicipaldeResendeem6denovembrode2013,propondo,dentro das possibilidades, que fossem tombados e restaurados os dois prédioserguidosnasegundametadedoséculo19,quecompõemaantigaEstaçãoEngenheiroPassos, no distrito demesmo nome, ao sul domunicípio de Resende.O objetivo éclaro: preservar o último local em que esteve, com vida, o presidente JuscelinoKubitschek.

AcervoCMSP

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EntregadoRelatórioJK:114indíciosqueclamamporverdadeejustiça

RelatórioJK-daComissãodaVerdadeVladimirHerzogEm nome da História do Brasil, da Memória, da Verdade e com base em 114circunstâncias, evidências, indícios e testemunhos, todos abaixo relacionados, aComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzog(CMVVH),ematividadenaCâmaraMunicipaldeSãoPaulo,concluiosseustrabalhoseDECLARAnãohaversustentaçãoparaatesedequeoex-presidentedaRepúblicaJuscelinoKubitschekdeOliveirafoivítimadeumacidentede trânsitonaRodoviaPresidenteDutra.Nossa investigaçãoAPONTA que JK perdeu a vida, em 22 de agosto de 1976, em consequência deconspiração, complô e atentado político perpetrado por agentes da ditaduramilitar,quetemiamumanovacandidaturadeJKàPresidênciadaRepúblicanaseleiçõesde1978.ACMVVHCONSIDERAnula,portanto,acausamortisoficial,forjadanoregimemilitar, segundo a qual o ex-presidente morreu em decorrência de desastreautomobilísticoemviagemdeSãoPauloparaoRiodeJaneiro.1 Juscelino Kubitschek e seumotorista, Geraldo Ribeiro, morreram cerca de trêsminutos após deixarem oHotel Fazenda Villa-Forte, de propriedade do brigadeiroNewton Junqueira Villa-Forte, um dos criadores do SNI (Serviço Nacional deInformações).Ohotelsitua-senodistritodeEngenheiroPassos,emResende(RJ).2OOpalaemqueestavaJuscelinoKubitschek,placadoRiodeJaneiroNW9326,sobo comando do experiente motorista Geraldo Ribeiro, responsável por conduzir JKdurante36anos,saiudoHotelFazendaVilla-ForterumoàcidadedoRiodeJaneiroumpoucoantesdas18horas,aindacomaluzdodia.Eradomingo,22deagostode1976.Emaproximadamentetrêsminutosoveículopercorreuoscercade500metrosaté a Rodovia Presidente Dutra, entrou na estrada no km 168 (atual km 331) evenceu três curvas acentuadas.Logoapósultrapassar amarcadokm165 (atualkm328), na quarta curva, passou descontrolado para a pista oposta e colidiu com acarretaScania-Vabis,placadeSantaCatarinaZR0398,dirigidapelomotoristaLadislauBorges,quetrafegavanosentidoRiodeJaneiro-SãoPaulo.3 Em depoimento a esta ComissãoMunicipal da Verdade, em 1º de outubro de2013, JosiasNunesdeOliveira,ex-motoristadaViaçãoCometa,declaroutervistoasuafrente,naRodoviaPresidenteDutra,oOpalacormarfim,comcapadevinilpreta.OautomóvelacabavadeentrarnaDutra,naalturadodistritodeEngenheiroPassos,emResende(RJ),nokm168(atualkm331),nolocaldeacessoàestradaquelevaàsestâncias hidrominerais, emMinas Gerais, e que também servia de entrada para ocaminhoaoHotelFazendaVilla-Forte.Eramquase18horasdaqueledomingo,22deagostode 1976.Oliveira relatou terultrapassadopela esquerdaoOpala, que estavacorretamente posicionado na pista da direita da Dutra, por desenvolver velocidade

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pouco inferior àdoônibus.ConformeodepoimentodeOliveira, ambosos veículosestavamemposições e velocidades compatíveis como limitede80km/h,permitidonaépoca.Subitamente,deformainesperada,OliveiraobservouqueoOpalaemqueestavaJuscelinoKubitscheksurgiupeladireitadoônibusquedirigia,ultrapassando-opeladireita,emvelocidadeexcessivaeemmanobraarriscada,emcurva.NaspalavrasdeOliveira,“meultrapassoupeladireitaenãofezacurva”.OOpala,quesemostravadescontroladoedesgovernado,nãocompletaraacurvaàdireita,logoapósokm165(atualkm328).Seguiudireto,emvelocidade,paraapistaoposta,aRiodeJaneiro-SãoPaulo,ondehouveacolisão.Oliveiraqualificouacurvadokm165como“curvaleve”,quenãoapresentadificuldadeparaummotoristaexperiente.“Acurvaeraparaa direita e ele saiu para a esquerda”, relatouomotorista que conduzia o ônibus daViaçãoCometa.Naépoca,nãohaviabarreiraseparandoasduaspistasdaDutra.4 Em depoimento a esta Comissão Municipal da Verdade, em 13 de agosto de2013,SerafimJardim,ex-secretáriodeJuscelinoKubitschek,afirmouqueostelefonesdepessoasligadasaJKestavamgrampeadosem1976.Assim,agentesdarepressãoaserviço do governo militar, responsáveis por vigiar o ex-presidente, não teriamdificuldade em saber com antecedência que JK viajaria pela Rodovia PresidenteDutra, em22deagostode1976.Damesma forma, acrescentou Jardim,agentesdoregime militar saberiam do encontro do ex-presidente com Geraldo Ribeiro, nocomeçodaquela tarde,parao iníciodaviagemaoRiodeJaneiro,noentãokm2daDutra,nomunicípiodeSãoPaulo.5 Em depoimento a esta Comissão da Verdade, em 5 de fevereiro de 2014, nacidade do Rio de Janeiro, o jornalista e escritor Carlos Heitor Cony declarou que,como profissional de imprensa da revista Manchete, esteve nas dependências doHotelFazendaVilla-Fortenosdiasseguintesao“acidente”emqueperderamavidaJuscelino Kubitschek e Geraldo Ribeiro. Nessa ocasião ouviu do guardador deveículos do estacionamento do estabelecimento o seguinte: no momento em queRibeiro pegou o volante doOpala para prosseguir viagem rumo ao Rio de Janeiro,apósoperíodoemqueJKficounohotel,naquele22deagostode1976,aoengataramarcha a ré estranhou as condições do veículo. Como o Opala permanecera noestacionamento, o motorista perguntou ao guardador se alguém havia mexido nocarro.OguardadorcontouaConyquerespondeuaRibeironãoternotadonadadeerradocomoOpalaqueconduziaJK.6Em26dejulhode1996,apósareaberturadoCasoJK,umaequipedoInstitutoCarlos Éboli, do Rio de Janeiro, realizou em Resende (RJ) perícia nos supostosdestroços do Opala em que morreram Juscelino Kubitschek e Geraldo Ribeiro. Oresponsável pela reabertura das investigações, Serafim Jardim, ex-secretário de JK,nãofoiinformadodaperíciae,porisso,nãoacompanhouostrabalhos.

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7Houvegraveerronaperícia técnicaquedeveria ter sido realizadanosdestroçosdo Opala de Geraldo Ribeiro em 1996. O intento dos peritos era apurar se houvesabotagemmecânicaou explosãono automóvel.Concluírampela ausênciade sinaisdeaçãocriminosa.Noentanto,estranhamente,ostécnicosexaminaramosdestroçosde um veículo com o número de motor 7321818, conforme o laudo expedido,enquanto o número de motor do Opala de Ribeiro, de acordo com o título depropriedade,eraOJO4O3M.ParaSerafimJardim,ex-secretáriodeJuscelinoKubitschek,a análise foi propositadamente efetuada em outro carro, para impedir eventualresultadopositivo.8CélioBeneditoBeltramiePauloOliver,passageirosdoônibusdaViaçãoCometaconduzidoporJosiasNunesdeOliveiraem22deagostode1976,declararamqueoOpalaemqueestavaJuscelinoKubitschek,aparentementedesgovernado,ultrapassoupeladireitaoônibus sobo comandodeOliveira,nãocompletoua curvaapósokm165 e, sem haver choque com o coletivo, invadiu a pista em sentido contrário ecolidiu com o caminhão dirigido por Ladislau Borges. Beltrami, médico, Oliver,advogado eOliveira tentaramprestar socorro,mas JK eGeraldoRibeiro já estavammortosquandoostrêsalcançaramooutroladodaRodoviaPresidenteDutra.9MédicodaMarinha,CélioBeneditoBeltramifoioprimeiropassageirodoônibusdaViaçãoCometaatentarsocorrerJuscelinoKubitschekeGeraldoRibeiro,logoapósa colisão na Rodovia Presidente Dutra. Ele jamais foi procurado pelas autoridadespara testemunhar sobre o caso. Em 1997, entrevistado pela revista Caros Amigos,afirmou ter ouvido o barulho de freada, vindo do Opala, quando o veículo queconduziaJKestavaàdireitadoônibus.Emsuaspalavras:“Foicomoseofreiotivessefalhado,outivesseacontecidoumproblemanarodaesquerda”.Beltramiacrescentou:“Parece que travou a roda do lado esquerdo”. Como os demais nove passageirosouvidos pelas autoridades da época, o médico Beltrami também afirmou não terhavido choque entre o ônibus dirigido por Josias Nunes de Oliveira e o Opala deRibeiro.10 Em 23 de junho de 1977, o advogado Paulo Oliver, passageiro do ônibus daViaçãoCometa, cujomotorista, JosiasNunesdeOliveira, foi acusadode abalroar oautomóvelOpala emque estava JuscelinoKubitschek, depôs à 2ªVaraCriminal deSãoPaulo.Alémdenegarochoqueentreoônibuseocarro, como todososoutrospassageirosofizeram,odepoimentodeOliver,repletodedetalhes,chamouaatençãoaodescreveratrajetóriadesgovernadadoOpala,em“zigue-zague”,dapistadadireitaparaaesquerda,nafrentedoônibus,queseencontravaàesquerda.Oliverrelatoutervisto um “clarão” sobre o automóvel, antes que o veículo conduzindo JK,descontrolado, passasse em linha reta para a pista contrária da Rodovia PresidenteDutraecolidissecontraocaminhãodeLadislauBorges.Pode-sesuporqueo“clarão”

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foicausadoportirooumesmoexplosãodentrodocarro.11 Em depoimento prestado por ocasião dos 20 anos do “acidente” em quemorreram Juscelino Kubitschek e Geraldo Ribeiro, o advogado Paulo Oliver,passageiro do ônibus da Viação Cometa que esteve na cena da morte do ex-presidentenaRodoviaPresidenteDutra, afirmou: “Oônibus iaultrapassar todososveículos à direita, aproximou-se rapidamente doOpala, um rápido clarão se repeteuma ou duas vezes, o veículo [Opala], pelo que se vê, tenta voltar à direita, nãoconsegue,desgovernado,nacurvapassaparaoutrapistaechoca-secomumacarretaquevinhanaDutra,nosentidoRio-SãoPaulo”.12OsnovepassageirosdoônibusdaViaçãoCometasobocomandodomotoristaJosias Nunes de Oliveira, ouvidos no processo em que Oliveira foi julgado sob aacusação de abalroar oOpala que conduzia Juscelino Kubitschek, são os seguintes:José Taboada Carballo, Cid Vianna Montebelo, Guilherme Jorge Habib, CarlosBenevenuto Guisard Koehler, José Maria de Souza, Angela Maluf Homsi, PauloOliver, Nazile José Maluf e Danilo Martins de Lima. Todos testemunharam,unanimemente, não ter havido choque entre o ônibus e o Opala. Célio BeneditoBeltraminãofoiouvido.13 Em relato a estaComissãoMunicipal daVerdade, em 27 demaio de 2014, omotorista aposentadoAdemar Jahn descreveu omomento em que viu oOpala cormarfim, com capa de vinil preta, invadir na contramão a pistaRio de Janeiro - SãoPaulo da Rodovia Presidente Dutra. Jahn conduzia um caminhão carreta ScaniaVabis,placadeSantaCatarinaTN0899, semelhanteaoveículode seuamigoLadislauBorges, que estava imediatamente a sua frente na estrada. Jahn teve tempo detestemunhar, no intervalo de aproximadamente dois segundos que precedeu acolisão, algo que o marcou para sempre. Naqueles instantes que antecederam abatida, ele afirmou ter visto o motorista do Opala debruçado, com a cabeça caídaentreovolanteeaportadoautomóvel,nãorestandodúvida,deacordocomJahn,deque o condutor se encontrava desacordado e inconsciente, e já não controlava oOpala,antesdoimpactocontraocaminhãodeBorges.14 Em relato a estaComissãoMunicipal daVerdade, em 27 demaio de 2014, omotoristaaposentadoAdemarJahn,paraquemnãohouveabatidaentreoOpalaqueconduzia Juscelino Kubitschek e o ônibus da Viação Cometa sob o comando domotorista Josias Nunes de Oliveira, relatou que, apesar de ter informado os dadospessoaisàPolíciaRodoviáriaFederal,jamaisfoichamadopelasautoridadesdoregimemilitarparadaroseutestemunhonoprocessoque“investigou”amortedeJK.15NoslaudosdoAutodeExameCadavérico,de23deagostode1976,osmédicoslegistas IvanNogueira Bastos eHygino de CarvalhoHércules, do InstitutoMédicoLegalAfrânio Peixoto, doRio de Janeiro, respondem como termo “prejudicado” o

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quarto quesito sobre a perícia feita nos corpos de Juscelino Kubitschek e GeraldoRibeiro, cujo questionamento era se as mortes foram produzidas “por meio deveneno,fogo,explosivo,asfixiaoutortura,ouporoutromeioinsidiosooucruel”.16 A perícia realizada no corpo de Geraldo Ribeiro aferiu que o motorista deJuscelinoKubitscheknãoingeriubebidasalcoólicasantesdemorrer,masnãohouveexame para verificar se Ribeiro havia tomado remédios, drogas psicoativas ou sechegouaserinoculadocomalgumasubstânciavenenosaouentorpecente.17 No trecho de três quilômetros da Rodovia Presidente Dutra, percorrido emaproximadamente doisminutos peloOpala sob o comando deGeraldo Ribeiro, dokm168(atualkm331)aokm165(atualkm328),existem,nosúltimosmilmetros,quatrocurvasacentuadas, sendoqueaúltima, em leveaclive, amenosperigosa, foijustamenteondeocorreuo“acidente”quetirouavidadeJuscelinoKubitschekedeseu motorista. O trecho foi inspecionado pela Comissão Municipal da Verdade. Éimportantedestacarque,deacordocomosdepoimentosdeJosiasNunesdeOliveira,motorista do ônibus daViaçãoCometa, e do advogadoPauloOliver, passageiro docoletivo, ambos concedidos a estaComissãoMunicipal daVerdade, alémde outrosdepoimentostomadosàépocaequeconstamdoprocessooficialsobreamortedeJK,oOpalaemqueviajavaoex-presidente,emmanobraarriscada,ultrapassouoônibusdo motorista Oliveira pela direita, na curva, o que dificilmente um profissionalexperientecomoRibeirofaria,anãoseremsituaçãodeextremaemergência,comoade estar empreendendouma fuga. Frisa-se, ainda, que o automóvel deRibeiro, emdescontrole, de acordo com o relato de testemunhas, seguiu em linha reta, semcompletar a curva à direita, projetando-se para a pista em sentido contrário daRodovia Presidente Dutra, que não dispunha de barreiras de separação, como seestivessesemcomando.18Em7deagostode1976,exatos15diasantesdamortedeJuscelinoKubitschek,algunsdosprincipais jornaisdopaísreceberamainformaçãodequeoex-presidentehaviamorridoemacidentedetrânsito.NolivroJK–OndeEstáaVerdade?, SerafimJardim, ex-secretário de JK, classificou a notícia falsa como “teste psicossocial” paraverificar como o país reagiria ao assassinato que, àquela altura, já estaria sendoplanejado.19 Emdepoimento a estaComissãoMunicipal daVerdade, em5de fevereirode2014, na cidade do Rio de Janeiro, o jornalista e escritor Carlos Heitor Conydefendeu a tese de quemontaram a “máquina paramatar JuscelinoKubitschek naestrada”.ConformeCony,oatentadodeveriaterocorrido15diasantesdo“acidente”que tirou a vida de JK na Rodovia Presidente Dutra, caso o ex-presidente tivessedeixadodeautomóvelafazendadesuapropriedadeemLuziânia(GO)naqueledia7deagosto,oquenãoaconteceu.

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20 Emdepoimento a estaComissãoMunicipal daVerdade, em5de fevereirode2014, na cidade do Rio de Janeiro, o jornalista e escritor CarlosHeitor Cony disseestarcertodeque,casonãohouvesseo“acidente”quematouJuscelinoKubitschekeomotoristaGeraldoRibeiro no km165 daRodovia PresidenteDutra, oOpala queconduzia JK fatalmente se acidentaria quilômetros adiante, quando da descida daserradaDutra,repletadecurvas,nasequênciadocaminhoparaacidadedoRiodeJaneiro,apósasaídadoex-presidentedoHotelFazendaVilla-Forte,emResende(RJ).Conymanifestouconvicçãodeque JK foi seguidopor agentesda repressãodesdeoiníciodaviagem,nokm2daDutra,aindanomunicípiodeSãoPaulo.21 Em depoimento à Comissão Nacional da Verdade, em 9 de junho de 2014,DanielBezerradeAlbuquerqueFilho,marinheiromercante, revelouque,em22deagosto de 1976, era o carona do tio, Antônio Fernandes de Barros, já falecido, nacabinedocaminhãoAlfaRomeo180,placaNS8122,quesedirigia,comcargade18toneladas,deSãoPauloparaoRiodeJaneiro.ConformeAlbuquerqueFilho,com16anos na época, ele testemunhou o Opala conduzido por Geraldo Ribeiro, que“ultrapassou a mil, pela esquerda”, o caminhão sob o comando de Barros, que sedeslocava a uma velocidade entre 60 e 70 km/h. Em seguida, de acordo comAlbuquerqueFilho,oOpalafoiparaapistadadireita,àfrentedocaminhãoemqueeleseencontrava,poisoônibusdaViaçãoCometa,umpoucomaisàfrente,àdireita,havia se deslocado para a esquerda com a finalidade de ultrapassar um caminhãofrigorífico.Segundoodepoente,eleavistouquandooOpala,emaltavelocidade,peladireita,deuumameia-luaerodopiou,desgovernado,nafrentedoônibusdaViaçãoCometa, atravessando para a pista sentido Rio de Janeiro - São Paulo da RodoviaPresidente Dutra. Em seu depoimento, Albuquerque Filho disse não ter visto se oOpala que conduzia JK empreendia uma fuga,mas estranhou a alta velocidade doautomóveleaultrapassagemdoônibusdaViaçãoCometapeladireita.Naspalavrasdodepoente:“Eraesperaroônibusultrapassaraquelecaminhão,eelediminuiratrásdoônibus,elánafrentecomcertezaoônibusiriasaireeleiriapassar.Masnão.Eleseapavoroueentroupeladireitaefoiembora”.22 Em 25 de agosto de 1976, uma quarta-feira, três dias após o “acidente” naRodoviaPresidenteDutra,estavaacertadaumareuniãodeJuscelinoKubitschekcomdois generais, supostamente emissários do general-presidente Ernesto Geisel, nafazendadeLuziânia(GO),propriedadedeJK.Oencontro,marcadoporinfluênciadeemissário ligado ao SNI (Serviço Nacional de Informações), deveria ser secretoconformerelatodoex-deputadoeprimodeJK,CarlosMuriloFelíciodosSantos.JKchegariadeavião,vindodoRiodeJaneiro.23 No livroMomentos Decisivos, de Carlos Murilo Felício dos Santos, o autorlevantou a hipótese de que os responsáveis pelo complô que matou Juscelino

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Kubitschek obtiveram a informação da viagem pela Rodovia Presidente Dutra e,alegando urgência da reunião com os emissários do general-presidente ErnestoGeisel,convenceramoex-presidenteaanteciparareuniãododia25paraodia22deagosto, atraindo-opara uma cilada emResende (RJ), noHotel FazendaVilla-Forte.Com a pretensão de aplacar a beligerância de militares contra uma eventualcandidaturasuaàPresidênciadaRepública,JKteriaaceitadoumareuniãoprévianoHotelFazendaVilla-Forte,caindonaemboscada.24OautomóvelOpala,modelo1970,decormarfimecapotadevinilpreta,foiumpresentedeJuscelinoKubitschekaGeraldoRibeiro,porocasiãodoaniversáriode30anosdaamizadeentreosdois.Oveículotinhabaixaquilometragemeacabaradesairde revisão mecânica no Rio de Janeiro. Motorista experiente, Ribeiro, de 64 anos,moravanoRioechegaraaSãoPaulonavésperadaviagem,em21deagostode1976,para encontrar JK no dia seguinte, no km 2 da Rodovia Presidente Dutra, nomunicípiodeSãoPaulo.Cumpriuasinstruçõestransmitidasportelefonepelopróprioex-presidente.NaspalavrasdeMariadeLourdesRibeiro, filhadomotorista, “papaieramuitocuidadoso,sóusavaoOpalanosfinsdesemanaouquandoconvocadoporJuscelino”.JKeRibeiroiniciaramaviagemporvoltadas14horasepercorreramemaproximadamente duas horas e meia os 234 quilômetros até o acesso ao HotelFazendaVilla-Forte, emResende (RJ), situado a poucomais de três quilômetros dadivisaestadualSãoPaulo-RiodeJaneiro.25 As autoridades responsáveis pelas investigações das mortes de JuscelinoKubitschekeGeraldoRibeironão levaramemcontaaparadadoex-presidenteedeseumotorista noHotel FazendaVilla-Forte, de propriedade do brigadeiroNewtonJunqueiraVilla-Forte.O fatonão foi investigadoem1976nemem1996,quandooCasoJKfoireaberto.26 Em depoimento a esta ComissãoMunicipal da Verdade, em 13 de agosto de2013, o advogadoPauloCasteloBranco, que acompanhou a reaberturadoCaso JKem1996, relatouque a viúvade JuscelinoKubitschek,Dona SarahKubitschek, e afilhadoex-presidente,MárciaKubitschek, receberam informações e suspeitavamdeumautomóvelCaravanque teriaemparelhadocomoOpalaconduzidoporGeraldoRibeiro e, desse automóvel, jamais identificado, teria ocorrido disparo de arma defogocontraoautomóvelemqueestavaJK.27 Em 19 de outubro de 1986, o Jornal do Brasil publicou entrevista comDonaSarahKubitschek,naqualaviúvadeJKafirmounãoacreditarnaversãodoacidenteautomobilístico. Nas palavras de Sarah Kubitschek: “Precisaram matar, espezinhar,liquidar com Juscelino, porque não conseguiram liquidar com sua força, suadignidade,suacoragem,seucarismadegrandelíder”.28EmdepoimentoàComissãoExternadaCâmaradosDeputados,queexaminou

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oCasoJKnoanode2000,ajornalistaTâniaFusco,entãodoJornaldoBrasil,relatouter recebido duas ameaças telefônicas, em 1987, após publicar reportagens sobre amortedeJK.29 Emdepoimento a estaComissãoMunicipal daVerdade, em5de fevereirode2014,nacidadedoRiodeJaneiro,ojornalistaeescritorCarlosHeitorConydeclarouque agentes da ditadura militar fizeram “investigação paralela” sobre a morte deJuscelino Kubitschek para forjar que, antes do “acidente” na Rodovia PresidenteDutra, houve um encontro entre JK e a amante Lúcia Pedroso no Hotel FazendaVilla-Forte.Amentira procurou intimidarDona SarahKubitschek e levá-la a optarpelaconveniênciadenãoaprofundarainvestigaçãosobreasmortesdoex-presidenteedeseumotorista,GeraldoRibeiro.30 O brigadeiro Newton Junqueira Villa-Forte, proprietário do Hotel FazendaVilla-Forte, mantinha relações de proximidade com o general Golbery do Couto eSilva, um hóspede costumeiro do Hotel Fazenda. Quando da morte de JuscelinoKubitschek,em1976,ogeneralGolberyeraministro-chefedaCasaCivil,osegundocargomais alto doGoverno do Brasil, abaixo apenas do general-presidente ErnestoGeisel.31OgeneralGolberydoCoutoeSilva,ministro-chefedaCasaCivilem1976,éomesmomilitarque, aindacomo tenente-coroneldoExército, foipresoem1955porparticipardecomplôparaimpedirapossedeJuscelinoKubitscheknaPresidênciadaRepública.32 O brigadeiro Newton Junqueira Villa-Forte, proprietário do Hotel FazendaVilla-Forte, foi professor, na Escola Militar do Realengo, no Rio de Janeiro, dogeneralJoãoBaptistaFigueiredo,omesmoque,em1976,eraogeneral-chefedoSNI(ServiçoNacionaldeInformações).33 Em 1978, dois anos após a morte de Juscelino Kubitschek no “acidente” daRodoviaPresidenteDutra,ogeneralJoãoBaptistaFigueiredofoieleitocomooúltimogeneral-presidente da República do regime militar de 1964, escolhido em eleiçãoindireta peloColégioEleitoral89. Figueiredo sucedeu o general-presidente ErnestoGeiselegovernouaté1985.34 Em depoimento a esta ComissãoMunicipal da Verdade, em 13 de agosto de2013, Gabriel Junqueira Villa-Forte, filho do brigadeiro Newton Junqueira Villa-Forte, afirmou que não havia pessoas de fora do círculo de funcionários do HotelFazendaVilla-FortepararecepcionarJuscelinoKubitschek,natardede22deagostode 1976. Segundo suas palavras, “o hotel inclusive estava vazio, não tinha umapartamento ocupado”. No mesmo depoimento o filho do militar também relatouque não estava no local durante os aproximadamente 90 minutos em que JKpermaneceunoHotelFazenda.

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35 Em depoimento a esta ComissãoMunicipal da Verdade, em 13 de agosto de2013, Gabriel Junqueira Villa-Forte, filho do brigadeiro Newton Junqueira Villa-Forte,afirmouconsiderarafastadaapossibilidadedesabotagemnoOpaladeGeraldoRibeiro durante o período em que Juscelino Kubitschek esteve no Hotel FazendaVilla-Forte. Ao ser questionado sobre o local onde ficou estacionado o Opalaenquanto JK e Ribeiro permaneceram no hotel, Gabriel Junqueira Villa-Forterespondeuqueoveículoficara“pertodeles”.OfilhodobrigadeiroNewtonJunqueiraVilla-Forte, que não estava no hotel conforme o seu depoimento, assegurou que oOpala ficou “do lado deles [JK e Ribeiro], à distância de doismetros nomáximo”.Perguntadoacercadoquefizeramoex-presidenteeomotoristanohotel,ofilhodomilitarafirmouque“parecequeomotoristafoiaobanheiro”.36 Em depoimento a esta ComissãoMunicipal da Verdade, em 13 de agosto de2013, Gabriel Junqueira Villa-Forte declarou que seu pai, o brigadeiro NewtonJunqueiraVilla-Forte, proprietáriodoHotel FazendaVilla-Forte era, comoaviador,conhecedor do Planalto Central e, por essa razão, foi consultado por JuscelinoKubitschek,quandodadecisãodeconstruirBrasília,nosanos1950, sobreamelhorlocalizaçãoparaanovacapitalfederal.DeacordocomGabrielJunqueiraVilla-Forte,seu pai não manteve contatos com JK nas décadas de 1960 e 1970, até o ex-presidente, pela primeira e única vez, dirigir-se ao Hotel Fazenda Villa-Forte, natardede22deagostode1976.37 Em depoimento a esta ComissãoMunicipal da Verdade, em 13 de agosto de2013, Gabriel Junqueira Villa-Forte informou que seu pai, o brigadeiro NewtonJunqueira Villa-Forte, apesar de ser o anfitrião de Juscelino Kubitschek no HotelFazenda Villa-Forte, em 22 de agosto de 1976, saiu do hotel após receber JK noestabelecimento,deixando-osemcompanhianolocal.Teriasedirigidoaoutrohotelde sua propriedade, próximo dali. Conforme Gabriel Junqueira Villa-Forte, o ex-presidente era admirado por seu pai que,mesmo assim, teria saído da propriedadeenquantoJKláseencontrava.38Apesardeterconcedidoentrevistaem1997erelatadoqueobrigadeiroNewtonJunqueira Villa-Forte era “líder político muito atuante” e que “pegou muitocomunistaatapa”,GabrielJunqueiraVilla-ForteafirmouaestaComissãoMunicipaldaVerdade,em13deagostode2013,queseupai,anfitriãodeJuscelinoKubitschekno Hotel Fazenda Villa-Forte, teve de sair do estabelecimento na tarde de 22 deagosto de 1976, e que o fez em suaperuaKombi, deixandoo ilustre convidadonolocal.OqueterialevadoobrigadeiroNewtonJunqueiraVilla-Forteasedeslocarparaosarredores?39OrepórterRicardoAlbertodeOliveiraBruno,daRádioAgulhasNegras,chegouaolocaldo“acidente”em22deagostode1976,porvoltadas20horas,ouseja,duas

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horasapósasmortesdeJuscelinoKubitschekeGeraldoRibeiro.Foi impedidodeseaproximardoveículoacidentadoporumabarreiradesoldadosdaAcademiaMilitardeAgulhasNegras,queguardavaoscorposdasvítimaseosdestroçosdoautomóvelOpala.Maistarde,namesmanoite,ojornalistasedeslocouatéoCemitérioAltodosPassos, em Resende (RJ), onde, da mesma forma, não conseguiu chegar perto doscadáveresdoex-presidenteedeseumotorista,vigiadosporsoldadosdoExércitoatésertransportadosparaoRiodeJaneiro.40EmrelatoaestaComissãoMunicipaldaVerdade,em15dejaneirode2014,ojornalista IvanBezerra de Barros, de Palmeira dos Índios (AL), declarou que, comorepórter da revistaManchete, em 22 de agosto de 1976 foi designado para fazer acobertura do “acidente” da morte de Juscelino Kubitschek na Rodovia PresidenteDutra, ocasião em que estranhou amovimentação de policiais rodoviários federais,porvoltadas22horas.DeacordocomorelatodeBarros,ospoliciaisalteravam,coma ajuda de caminhões guincho, as posições em que se encontravam o Opala queconduziaJKeocaminhãocarretacontraoqualoveículohaviasechocado,antesdostrabalhos de perícia técnica. Jornalista, advogado e ex-promotor de justiça, BarrosafirmouàComissãoMunicipaldaVerdadenãoterdúvidadequeamudançadelocaldosveículosprejudicouaperíciatécnicado“acidente”.BarrosinformouquetantooOpala de JK quanto a carreta já estavam fora da pista da Dutra, sem atrapalhar acirculação de veículos na estrada e, portanto, não havia razão para justificar aalteraçãodaposiçãooriginaldocarroedacarreta.Inconformado,Barrosperguntouaumpolicialrodoviário federalporquehaviamdecididonãoesperaraperícia técnicaconcluirosexamesnecessáriosantesdemexernosveículossinistrados,massóobtevearespostadepoisdeinsistir.ConformeorelatodeBarros,opolicialsolicitouquesuaidentidade não fosse revelada pelo repórter, mas recebera ordens superiores paramodificaracenado“acidente”.41 Em sua totalidade, peritos e agentes policiais responsáveis pela apuração do“acidente” que tirou a vida de Juscelino Kubitschek em 1976, integrantes daComissãoExternadaCâmaradosDeputadosquesupostamenteinvestigaramamortede JK em 2000 e membros da Comissão Nacional da Verdade que também sedebruçaramsobreocasoem2013defenderam,unanimemente,atesedequeavariasnopara-lamaesquerdo traseirodoOpalaprovavamoabalroamentodoveículopeloônibus da Viação Cometa que, assim, teria sido o responsável pelo desastre quematou JK e o motorista Geraldo Ribeiro. Nenhum desses peritos e investigadoresexplicou,porém,asavariasquetambémexistiamnopara-lamaesquerdodianteirodoautomóvelqueconduziaoex-presidentedaRepública.42 Em relato a estaComissãoMunicipal daVerdade, em 27 demaio de 2014, omotoristaaposentadoAdemarJahninformouque,apósochoqueentreoOpalaque

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conduzia Juscelino Kubitschek e o caminhão sob o comando de Ladislau Borges,observou o rodopio do automóvel, nomomento em que o carro foi arrastado paraforadaRodoviaPresidenteDutrapeloimpacto.Damesmaforma,acrescentouJahn,a carreta contra a qual o Opala colidiu também rodopiou, sendo que, conforme odepoimentodeJahn,o“cavalinho”,ouosegundoeixodacarreta,chocou-secontraalateralesquerdadoOpala,oqueteriaprovocadoamassadoseavariasnessesetordocarroquetransportavaJK.43 No Laudo de Exame em Local de Acidente elaborado pelo perito HaroldoFerraz, em 22 de agosto de 1976, foram anexadas sete fotografias dos veículosenvolvidosno“acidente”.Asdenºs3e5mostramalateralesquerdaeapartetraseiradoOpalaemqueestavaJuscelinoKubitschek,erevelamqueestavamintactastantoalanternaesquerdaquantoalatariadoveículoemvoltadamesmalanternaesquerda.Chama-se a atenção para o fato de que o automóvel que conduzia JK ficou sob aguardaeocontroledasautoridades,inclusivesoldadoseoficiaisdaAcademiaMilitardeAgulhasNegras,efoipericiadonaRodoviaPresidenteDutra.44 Em 23 de agosto de 1976, dia seguinte ao “acidente”, Haroldo Ferraz foisubstituídopeloperitoSérgiodeSouzaLeiteeumnovoLaudodeExameemLocaldeAcidentefoiregistradopeloInstitutoCarlosÉboli,daSecretariadeSegurançaPúblicadoRiodeJaneiro.Destavez,124fotografiasforamanexadasaonovolaudo.Destaca-se a de nº 64, em que é exibida a traseira doOpala, que já fora transportado paradepósito da Delegacia de Polícia de Resende (RJ). A fotografia de nº 64 registra alanterna esquerda quebrada e a lataria amassada, em volta da mesma lanternaesquerda. Na legenda da fotografia lê-se “aspecto do ângulo traseiro esquerdo doveículo, comoenrugamentodopara-lamae aquebrada lanterna traseira”.Nãohádúvida de que omesmo setor traseiro do automóvel foi alterado de umdia para ooutro, após o “acidente”. A fotografia de nº 64 serviu para corroborar a tese dasautoridadesnaépoca,segundoaqualoônibusdaViaçãoCometa,sobocomandodomotorista Josias Nunes de Oliveira, havia abalroado o Opala dirigido por GeraldoRibeiro.45Emseulaudosobreo“acidente”naRodoviaPresidenteDutra,de22deagostode1976,operitocriminalHaroldoFerrazregistrouqueas fotografiasdoscadáveresdeixaram de ser anexadas ao documento “acolhendo à recomendação de ordemsuperior”. Ferraz informou que os negativos das imagens dos corpos de JuscelinoKubitschek e de Geraldo Ribeiro ficariam sob a responsabilidade da diretoria doInstitutoCarlosÉboli,noRiodeJaneiro.46 Após a substituição do perito Haroldo Ferraz por Sérgio de Souza Leite, asfotografias dos cadáveres de Juscelino Kubitschek e Geraldo Ribeiro jamais foramdivulgadas.

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47 Em depoimento a esta ComissãoMunicipal da Verdade, em 13 de agosto de2013,oadvogadoPauloCasteloBranco,responsávelporacompanharareaberturadoCaso JK em 1996, criticou o promotor Francisco Gil Castelo Branco, diretor doInstituto Médico Legal do Rio de Janeiro, por ter determinado a retirada dasfotografias dos cadáveres de JuscelinoKubitschek e deGeraldoRibeirodoprocessosobre o “acidente” na Rodovia Presidente Dutra, supostamente para preservar aimagemdoex-presidente.DeacordocomPauloCasteloBranco,“juridicamentenãoexiste issodepreservara imagemdeninguémseas fotografiaspoderiamservirparaidentificaçãodealgoquepudesseteracontecidocomopresidenteouseumotorista”.48Nolaudode22deagostode1976,relatadopeloperitoHaroldoFerraz,constaque os dois cadáveres, de Juscelino Kubitschek e de Geraldo Ribeiro, possuíam“inúmeros ferimentos produzidos por ação contundente”, mas que, em razão do“tumulto no local”, a descrição dos corpos e a causa das mortes ficaram paraconsideraçãodemédicos legistas, por ocasião dos exames denecropsia.O laudodeFerraztambémapontouqueapistadaRodoviaPresidenteDutraestavasecae“semdeformidadesouobstáculosfixosquepudessemterconcorridoparaodesenrolardoacidente”.49 Em depoimento a esta ComissãoMunicipal da Verdade, em 13 de agosto de2013,oadvogadoPauloCasteloBranco,responsávelporacompanharareaberturadoCasoJKem1996,lamentouqueopromotorFranciscoGilCasteloBranco,diretordoInstitutoMédico Legal do Rio de Janeiro em 1976, tenha determinado a troca deperitoscriminaisnaanálisedo“acidente”quetirouasvidasdeJuscelinoKubitschekeGeraldo Ribeiro. Conforme Paulo Castelo Branco, “foi feita uma perícia na hora e,depois,feitaoutraperícia,algoabsurdonumprocedimentocomoodeacidentes”.50 No laudo de 23 de agosto de 1976, o perito relator Sérgio de Souza Leiteafirmouque, feitaaanálisedetintas[nas latariasdoônibusdaViaçãoCometaenoOpala que transportava Juscelino Kubitschek], “se produziu prova técnica, segura,definitivaeincontrastável”,dequeocoletivoconduzidopelomotoristaJosiasNunesdeOliveira, nº 3.148, placa de São PauloHX2630, “se identifica como sendo aqueleque,envolvidonoacidentedetráfegosobexame,comparticipaçãoefetivaediretanodesenvolvimentodomesmo,seevadiradolocal[grifonosso]”.51Emdepoimento a estaComissãoMunicipaldaVerdade, em1ºdeoutubrode2013, Josias Nunes de Oliveira afirmou que os veículos da Viação Cometa quepercorriam linhas para oRio de Janeiro, Jundiaí (SP), Itapetininga (SP), São José doRio Preto (SP) e Juiz de Fora (MG) tinham a mesma cor de tinta no para-choque,semelhanteemcertamedidaàdoOpaladeGeraldoRibeiro,queeraprovenientedemanilhas existentes na rodoviária Júlio Prestes, no centro de São Paulo, onde osveículosraspavamaorealizarmanobrasdeacessoaolocal.

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52Apóspararnoacostamentoa fimdeprestarsocorroaosocupantesdoOpala,omotorista Josias Nunes de Oliveira seguiu viagem, sendo que logo depois fez novaparada, em posto da Polícia Rodoviária Federal, com a finalidade de informar oocorrido.Nenhumdos33passageirosabordoprestouqueixaàsautoridadespoliciaisoumencionou ter havido um choque entre o ônibus daViaçãoCometa e oOpalaacidentado.Portanto,nãoseevadira.53 Confirmação. Em 12 de maio de 1977, o policial rodoviário federal SidneyRamosPimenteldepôsnoFórumdeResende(RJ).Pimentelafirmouque,noiníciodanoite de 22 de agosto de 1976, o motorista Josias Nunes de Oliveira, conduzindoônibusdaViaçãoCometacomdestinoaoRiodeJaneiro,parouempostodaPolíciaRodoviária Federal, na Rodovia Presidente Dutra, com o objetivo de comunicar aocorrência do acidente que testemunhara. Conforme o depoimento de Pimentel, opolicial não notou nada de anormal com o motorista ou com o ônibus da ViaçãoCometa.Emseurelato,PimenteltambéminformouquenenhumdospassageirosdoônibussequeixoucontraOliveiraoudissequehouveumacolisãoentreocoletivoeoautomóvel Opala. Dessa forma, ficou claro que o motorista não se evadiu, comoafirmaorelatóriodeSérgiodeSouzaLeite.54 Mesmo após ter parado no acostamento para prestar socorro às vítimas do“acidente”nokm165(atualkm328)daRodoviaPresidenteDutraedecomunicaraocorrênciaaoagenteSidneyRamosPimentel,noprimeiropostodaPolíciaRodoviáriaFederalque encontrou,omotorista JosiasNunesdeOliveira foi acusado, em laudodaperíciatécnica,deterbatidooônibusdaViaçãoCometanoOpalaemqueestavaJuscelinoKubitschekefugido.55Em23deagostode1976,LadislauBorges,motoristadocaminhãocontraoqualo Opala que levava Juscelino Kubitschek se chocou na Rodovia Presidente Dutra,depôsaodelegadodepolíciaWaldirGuilherme,naDelegaciadeResende(RJ).Borgesrelatou, a respeito do “acidente” ocorrido na véspera, que, “em determinadomomento se acercaram dele três cidadãos de cor branca, magros, um dos quaistrajando paletó claro e aparentando 26 anos de idade, de aproximadamente ummetroe72centímetrosdealtura,eoutrosdois,tambémdecorbranca,aparentandomenos idadeedealtura inferioresentresi, trajandoroupasescuras.Queoprimeirodeles disse ao declarante [Ladislau Borges] que os três eram passageiros do ônibusque bateu no Opala e dizendo textualmente que você não precisa ficar nervosoporque eu sou passageiro do ônibus que bateu no Opala, o motorista queria irembora,masnósnãovamossairdaquienquantoaperícianãochegar”.56 Com base no testemunho de Ladislau Borges, o delegadoWaldir Guilhermedeterminou sigilo nas investigações, mas jamais foi apurado quem eram os trêshomens.Comoficouregistrado,todosos33passageirosdoônibusnº3.148daViação

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Cometa seguiramparaoRiode Janeiroapóso“acidente”, sendoque todososnovechamados para depor testemunharam não ter havido choque entre o Opala quelevavaJuscelinoKubitschekeoônibusdirigidoporJosiasNunesdeOliveira.57Emdepoimento a estaComissãoMunicipaldaVerdade, em1ºdeoutubrode2013, JosiasNunes deOliveira relatou ter sido procurado por dois homens em suacasa, situada no bairro do Ferreira, na periferia de São Paulo, alguns dias após o“acidente”. Os dois cabeludos apresentaram-se como repórteres e ofereceram umamala cheia de dinheiro aomotorista daViaçãoCometa, casoOliveira assumisse terprovocadoo“acidente”quemataraJuscelinoKubitschekeGeraldoRibeiro.Oliveiranão aceitou a oferta de suborno.Naspalavras do ex-motorista daViaçãoCometa aestaComissãoMunicipaldaVerdade,em1ºdeoutubrode2013:“Seeufalassequeeraoculpadodoacidente,aqueledinheiroseriatodomeu.Eufalei:não,nãotenhoculpadenada”.58OCertificadodeAnálisenº24.543,daempresaTermomecânicaSãoPauloS.A.,de 6 de setembro de 1976, apontou contaminações de tinta do para-choque doônibusconduzidoporJosiasNunesdeOliveiranacamadasuperficialdetintacordeouro doOpala deGeraldo Ribeiro.O laudo, entretanto, não possuía assinatura doanalista chefe, o que é considerado uma falha grave. Era assinado apenas,supostamente,peloengenheiroresponsável,mascujonomenãoestavaidentificado.59 O motorista Josias Nunes de Oliveira foi indiciado e julgado por conduzir oônibus da Viação Cometa em velocidade acima do limite máximo permitido,incompatívelcomo localdo“acidente”,eporterprovocado“umacolisãotangencialdosetordianteirodoônibuscomoOpala”.NasentençaqueabsolveuOliveira,em18deagostode1977,ojuizGilsonVitralVitorinoabordouoexamedetintasrealizadonaspinturasdosveículossinistrados.Considerou“deverasimportante”umaquestão:“Aindaqueseadmitisseapositividadedolaudo,cumpresalientarqueoscertificadosde fls. 129/130 não se encontram assinados pelos respectivos analistas,desconhecendo-se,destarte,oautordoexame–apenasoengenheiroresponsável”.60 O motorista Josias Nunes de Oliveira foi julgado pela segunda vez, no 2ºTribunaldeAlçadadoRiode Janeiro.Em10de agostode 1978, o juizLizardodeLimanegouprovimentoàapelação.Oliveiraabsolvidoumavezmais.61Em23deagostode1976,ochefedetráfegodaViaçãoCometa,AgripinoJoséBraga, negou que o ônibus nº 3.148, conduzido na véspera por Josias Nunes deOliveira, tivesse provocado o acidente que matou Juscelino Kubitschek e seumotorista,GeraldoRibeiro.OmotoristaOliveirafoiautorizadoacontinuarprestandoserviçosàempresa,ondeficouempregadoaindaporalgunsanos.62 Em23 de agosto de 1976, omotorista JosiasNunes deOliveira foi designadoparaconduzirônibusdaViaçãoCometada linhaRiodeJaneiro-SãoPaulo,apóso

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chefe de tráfego da empresa, Agripino José Braga, ter conversado com Oliveira everificadoasituaçãodoônibus3.148,semnotarproblemascomoveículo.63NoLaudodeExameemLocaldeAcidente,assinadoporSérgiodeSouzaLeiteem 23 de agosto de 1976, dia seguinte ao das mortes de Juscelino Kubitschek eGeraldoRibeiro, o perito fluminense calculou em 117 km/h a velocidade crítica doônibusdaViaçãoCometa sobo comandodomotorista JosiasNunesdeOliveiranasaídadacurvado“acidente”.Leiteestimouavelocidaderealdocoletivoempatamarpoucoabaixodamarcados117km/h,masemoutropontodomesmorelatório,deforma contraditória, registrou que a velocidade “prevista para o ônibus” era de 117km/h,nacurvaemqueoOpalaqueconduziaJKteriasidoabalroadopelocoletivo.64Emparecerde30dejunhode1977,realizadoporsolicitaçãodaViaçãoCometa,o perito criminal Alfredo Ambrósio, especialista em investigação de acidentes detrânsito,criticouoslaudosoficiaisdoInstitutoCarlosÉboli,doRiodeJaneiro,sobreo“acidente” em que perderam as vidas Juscelino Kubitschek e Geraldo Ribeiro. Deacordo comAmbrósio, houve erros em cálculosmatemáticos usados para apontar aresponsabilidadedomotoristaJosiasNunesdeOliveirano“acidente”.Alémdisso,aconclusãodosperitosforaeivadadeerrostécnicosprimáriosebaseadaemelementossubjetivos.ConformeolaudodeAmbrósio,asperíciasoficiais“sãobastantepobresnadescrição do local, desprezando mesmo características importantes para areconstituiçãodeumacidentedetrânsito,aindamaisselevandoemcontaamortededuas pessoas”. Para Ambrósio, os peritos oficiais “não apresentaram elementos deordem material que permitissem esclarecer o que realmente ocorreu na pista SãoPaulo-RiodeJaneirodaRodoviaPresidenteDutra.Aocontrário,pecaramporumasérie de omissões, algumas de aspecto grave e que os conduziram a uma conclusãoerrôneasobreofatoemquestão”.65Emseulaudo,operitooficialSérgiodeSouzaLeiteapontouoenvolvimentodoônibus da Viação Cometa no “acidente”, registrando “arranhaduras múltiplas ebastante pronunciadas” no Opala de Geraldo Ribeiro, da mesma forma que aexistênciade“amalgamentonopara-lamaposterioresquerdo”.Leitetambémafirmouquea“análisedastintaspermutadaspeloatrito”comprovou“aocorrênciadecolisãoentre o auto de passeio e o auto-ônibus”. Conforme o perito, o choque se deveu àimprudênciadocondutordocoletivo,quedesenvolveuvelocidadesuperioraolimite,impedindoafrenagemdoveículo.66OparecerdoperitoAlfredoAmbrósio,de30dejunhode1977,criticouoquechamou de “método olhômetro” e acusou o laudo oficial, relatado por Sérgio deSouza Leite, de ser temerário, por partir “de elementos não reais e sim apenas desimplessuposições,hipóteses,presunçõeseadmissões,semqualquersuportetécnico,e, principalmente, desprezando elementos tão importantes como declividade,

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aclividade, grau da curva, porcentagens de superelevação ou compensação oudescompensaçãodeumacurva,eassimchegaraqualquerprovávelresultado”enãoa“umaconclusãosobrevelocidadecríticanumacurva”.67 O perito Sérgio de Souza Leite, que substituiu o perito Haroldo Ferraz nainvestigaçãosobreamortedeJuscelinoKubitschek,acaboudemitidodoInstitutodeCriminalísticaCarlosÉboli,doRiodeJaneiro,em1995.Leitefoiafastadoapósnovedenúncias feitas pelo Ministério Público a respeito de irregularidades em laudosassinadosporele.68O promotor de justiça de Resende (RJ), JoséDiniz Pinto Bravo, que acusou omotoristaJosiasNunesdeOliveiradeterbatidooônibusdaViaçãoCometanoOpalaemqueestavaJuscelinoKubitschek,provocandoasmortesdoex-presidenteedeseumotorista,GeraldoRibeiro,informouàrevistaCarosAmigos,em1997,queomédicoGuilherme Ribeiro Romano acompanhou todo o processo em que se procuroucaracterizar as mortes como consequência de um acidente automobilístico,ocasionadoporexcessodevelocidadeeimperíciadeOliveira.69 Emdepoimento a estaComissãoMunicipal daVerdade, em5de fevereirode2014,nacidadedoRiodeJaneiro,o jornalistaeescritorCarlosHeitorConyrelatouter estranhado a presença do médico Guilherme Ribeiro Romano no local do“acidente”emquemorreramJuscelinoKubitschekeGeraldoRibeiro.Conyafirmouque Romano, que tinha ligações com os generais Golbery do Couto e Silva e JoãoBaptista Figueiredo, respectivamente ministro-chefe da Casa Civil e chefe do SNI(ServiçoNacionalde Informações) em1976, apresentou-seàs autoridadespresentesna cena da morte de JK na Rodovia Presidente Dutra como amigo da famíliaKubitschek,oquenãoeraverdade, e, emrazãodisso, apropriou-sedepertencesdeJK que estavam no Opala, incluindo as 22 páginas finais do diário pessoal do ex-presidente.70 Emdepoimento a estaComissãoMunicipal daVerdade, em5de fevereirode2014,nacidadedoRiodeJaneiro,o jornalistaeescritorCarlosHeitorConyrelatouqueoconteúdodas22páginasdodiáriopessoaldeJuscelinoKubitschek,apropriadaspelo médico Guilherme Ribeiro Romano após o “acidente” na Rodovia PresidenteDutra,foiusadoparachantagearDonaSarahKubitschekefazercomqueeladeixassede exigir uma investigação profunda sobre a causa do “acidente”. Nas 22 páginashavia o relatoda crise conjugal comDona Sarah e a revelaçãode trechosdodiáriotornariaevidenteoromancemantidoporJKcomLúciaPedroso.71Portersidoumdosprimeirosachegaraolocaldo“acidente”emqueperderamas vidas Juscelino Kubitschek e Geraldo Ribeiro, o médico Guilherme RibeiroRomanotevetempodeseapropriardepertencesedapastadeJK,comdocumentos,manuscritoseodiáriodoex-presidente.

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72Oque faziaomédicoGuilhermeRibeiroRomano, ligadoaosgeneraisGolberydo Couto e Silva e João Baptista Figueiredo, na cena do “acidente” que matouJuscelinoKubitschekeGeraldoRibeiro?73 Quem eram os três homens que surgiram na cena do “acidente” edesapareceramapósgarantiremaomotoristaLadislauBorgesqueoônibusdaViaçãoCometa havia batido no Opala de Juscelino Kubitschek? Existia relação entre omédico Guilherme Ribeiro Romano e os três homens? E o brigadeiro NewtonJunqueira Villa-Forte, proprietário do Hotel Fazenda Villa-Forte, de onde JK saiuparamorrer?Tevealgumpapelno“acidente”?74 Emdepoimento a estaComissãoMunicipal daVerdade, em5de fevereirode2014,nacidadedoRiodeJaneiro,o jornalistaeescritorCarlosHeitorConyrelatouque a família Kubitschek foi ameaçada por agentes da ditadura militar com adivulgaçãodas22páginasdodiáriodeJuscelinoapropriadaspelomédicoGuilhermeRibeiroRomano,queteriasidooresponsávelpelaentregadecópiasdoconteúdoparao general Golbery do Couto e Silva, ministro-chefe da Casa Civil do general-presidente Ernesto Geisel. De acordo comCony, Dona Sarah Kubitshcek e a filha,Márcia Kubitschek, também falecida, sabiam que JK havia sido assassinado pormilitares.75 O médico Guilherme Ribeiro Romano chantageou Dona Sarah Kubitschek?Obteve dela o compromisso de não fazer solicitação formal de investigação sobre amorte de JK em troca da não divulgação de trechos do diário pessoal do ex-presidente, nos quais havia citações à crise conjugal comDona Sarah e referênciasamorosasaoutramulher?76 Serafim Jardim, ex-secretáriode JuscelinoKubitscheke autorda solicitaçãodereaberturadoCasoJK,em1996,sópediuanovainvestigaçãosobreo“acidente”naRodovia PresidenteDutra após o falecimento deDona SarahKubitschek, quase 20anosdepoisdamortedoex-presidente.77 Em depoimento a esta ComissãoMunicipal da Verdade, em 13 de agosto de2013, Serafim Jardimafirmouque,depoisdepedir a reaberturadoCaso JK, sofreuameaças de coletivo formado por 52 militares da reserva e civis, integrantes deorganização conhecida comoGrupo Inconfidência, que divulgou carta com ataquesaoex-secretáriodeJuscelinoKubitschek.78 Em depoimento a esta ComissãoMunicipal da Verdade, em 13 de agosto de2013,oadvogadoPauloCasteloBranco,responsávelporacompanharareaberturadoCasoJK,declarouque,em1996,duranteasnovasinvestigaçõessobreo“acidente”naRodoviaPresidenteDutra,mantevecontatotelefônicocomopromotorFranciscoGilCastelo Branco, com quem tinha relações de parentesco, ocasião em que ouviu aseguinteafirmaçãodoex-diretordoInstitutoMédicoLegaldoRiodeJaneiro:“Meu

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filho,sóotempovaimostraraverdadedisso”.79 Em 17 de fevereiro de 1976, seis meses antes de morrer no “acidente” daRodoviaPresidenteDutra,JuscelinoKubitschekescreveuemseudiáriopessoalsobrea visita que recebeu do presidente das Organizações Globo, Roberto Marinho. Oempresário o procurou para dar um recado do entãoministro da Justiça,ArmandoFalcão.DodiáriodeJK:“Recebiumaestranhavisita:RobertoMarinho,quemedissefalar em nome do Falcão. Há ainda um grande movimento contra mim na linha-dura.Pretendemcoisasdramáticas, segundomedisse ele, inclusive sequestros. Saiudeixando-menaturalmenteapreensivo.Acompanhei-oatéaportaeviquantoelessedefendem.Estavaacompanhadodepoliciais,doisautomóveis,umna frenteeoutroatrás”.80Oex-ministroda Justiça,ArmandoFalcão,queocupouocargonogovernodogeneral-presidenteErnestoGeisel(1974-1979),telefonouparaoex-deputadoeprimodeJuscelinoKubitschek,CarlosMuriloFelíciodosSantos,porocasiãodareaberturadasinvestigaçõessobreamortedoex-presidente,em1996.Falcãoafirmou,conformerelatodeCarlosMurilo,que“JKmorreuemacidenteautomobilístico,mas,sehouveatentado,nãopartiudogoverno,esimdosmilitaresdalinha-dura”.81EmdepoimentoàComissãoMunicipaldaVerdade,em10deoutubrode2013,em Aracaju (SE), o jornalistaWanderleyMidei relatou ter recebido informação naredaçãodojornalOEstadodeS.Paulo,nacapitalpaulista,logoapóso“acidente”quevitimouJuscelinoKubitschekeGeraldoRibeiro,indicandoque,conformeumpolicialrodoviário federal presente à cena da morte de JK e Ribeiro, o motorista do ex-presidente tinha um buraco na cabeça, característico de penetração de projétil dearmadefogo.82EmdepoimentoaestaComissãoMunicipaldaVerdade,em13denovembrode2013, o perito criminal Alberto Carlos de Minas relatou ter sido impedido defotografarocrâniodeGeraldoRibeiroporpoliciaiseagentesdeestadoqueestavamno Cemitério da Saudade, em Belo Horizonte (MG), em 14 de agosto de 1996,durante os trabalhosde exumaçãoda ossadadomotorista de JuscelinoKubitschek.Alberto Carlos de Minas afirmou que viu um furo no crânio de Ribeiro, comcaracterísticasdeburacoprovocadoporprojétildearmadefogo.Emseudepoimento,o perito criminal, com larga experiência, disse ter ficado surpreso quando, semanasdepoisda exumaçãodos restosmortais deRibeiro, recebeu a informação, conformeele inverídica, de que o crânio de Ribeiro já estaria esfarelado no momento daexumação,oqueimpediriaqualquerconstataçãodefuroprovocadoportiro.AlbertoCarlos deMinas também relatou ter sofrido ameaças para não vincular o “acidenteautomobilístico”aumatentadopolítico.83 Exame de Corpo de Delito (laudo 12.311/96), realizado em 14 de agosto de

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1996naossadadeGeraldoRibeiroeassinadopelosperitosdoInstitutoMédicoLegaldeMinas GeraisMárcio Alberto Cardoso, Geraldo Piannetti Filho, Jorge de SousaLima e Luciene Theodoro Costa Menrique, concluiu por “ausência de sinais detraumatismoósseoporprojétildearmadefogo”.Olaudooficialregistraqueocrâniode Ribeiro possuía “áreas de deterioração por ação do tempo” e “fraturas ocorridasporocasiãodorecolhimento,transporteemanuseiodosossos,acometendooparietaldireito,frontalàdireitadoplanomedianoeescamadotemporaldireito”.84O jornalistaValérioMeinel,que investigoucomorepórterWanderleyMideiamortede JuscelinoKubitschekparao jornalOEstadodeS.Paulo, concluiuqueumautomóvel Caravan emparelhou com o Opala conduzido por Geraldo Ribeiro naRodoviaPresidenteDutrae,desseveículo, foidisparadoumtirocontraacabeçadomotoristadeJK.Nãohátestemunhas.85 Conformedenunciou Serafim Jardim, ex-secretário de JuscelinoKubitschek, odiretor do InstitutoMédico Legal do Rio de Janeiro, FranciscoGil Castelo Branco,determinou a realização de radiografia no corpo de JK, mas não tomou a mesmaprovidênciaemrelaçãoaocadáverdeGeraldoRibeiro.86 Em relato a estaComissãoMunicipal daVerdade, em 27 demaio de 2014, omotorista aposentado Ademar Jahn, provavelmente a primeira pessoa que chegoujunto aos destroços do Opala após o “acidente” na Rodovia Presidente Dutra,descreveuas condiçõesdocorpodeGeraldoRibeirocomo“esmagado, arrebentado,jogadoparatrás.Nãodavaparareconhecerorosto,machucado,acabeçacommuitosangue”.87EmrelatoaestaComissãoMunicipaldaVerdade,em16dejaneirode2014,adentista Heloísa Andrade, de Juiz de Fora (MG), declarou que, representando afamília deGeraldoRibeiro, observou o corpo domotorista de JuscelinoKubitschekemurna funerária,no InstitutoMédicoLegal,noRiode Janeiro,namadrugadade23deagostode1976.ConformeorelatodeHeloísaAndrade,ocadáver,quehaviasido vestido e preparado por funcionários do IML para ser velado, tinha aparêncianormal,semcontusõesouferimentos,anãoserporumamancharoxaclara,doladoesquerdodafacedeGeraldoRibeiro,cujamarcalhecobriadesdeasobrancelhaatéomaxilarsuperior.Pordecisãodafamília,aurnafuneráriafoilacradaparaovelórioeoenterrodeRibeiro.88 Em suas investigações, o jornalista Valério Meinel obteve informações deArmindo Soares, funcionário do Cemitério Alto dos Passos, em Resende (RJ), paraondeoscorposdeJuscelinoKubitschekedomotoristaGeraldoRibeiroforamlevadosapóso“acidente”.MeineltambémcontatouumhomemconhecidocomoBaleia,queeradonodecasa funeráriaemResendee foi responsávelpelo transportedoscorposde JK e de Ribeiro. Soares relatou ao jornalista que, antes de ser obrigado por

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militares a deixar o local, observou o corpo do ex-presidente enrolado em lençol,largadonochãoda salaque serviapara examinaros corpos,no fundodacapeladocemitério,enquantoocorpodeRibeirojáhaviasidofechadonumcaixão,aoqualnãosetinhaacesso,elevadoàcapeladocemitério.89 Vice-prefeito de Resende (RJ), Noel de Oliveira relatou a esta ComissãoMunicipal da Verdade, em 30 de outubro de 2013, ter ajudado nos trabalhos deremoçãoetrasladodoscorposdeJuscelinoKubitschekeGeraldoRibeirodaRodoviaPresidenteDutraparaoCemitérioAltodosPassos,emResende,cujasdependênciasforam visitadas por esta Comissão Municipal da Verdade. Oliveira testemunhou acolocaçãodocadáverdeRibeiroemcaixãodeprimeiralinha,guardadonacapeladocemitério,enquantoodeJKficouexposto,nochão,esódepoisfoiparaumaurna,desegunda linha. Conforme o relato de Noel, o tratamento dado ao ex-presidente odeixouenvergonhadoeconstrangeoscidadãosresendensesatéosdiasdehoje.90EmdepoimentoàComissãoExternadaCâmaradosDeputadosqueexaminouoCasoJKem2000,omédicolegistaMárcioAlbertoCardoso,umdosresponsáveispelaperíciatécnicanaossadadeGeraldoRibeiro,realizadaem1996,relatouqueocrâniodo motorista de JK mostrava “integridade da sua convexidade”, no momento daexumação,mas,depois,emrazãodo“transporte”dosrestosmortaisdoCemitériodaSaudade para o Instituto Médico Legal, em Belo Horizonte, e também emconsequência do “manuseio”, surgiram “áreas de fraturas” no crânio de Ribeiro.“Infelizmenteomaterial,muitofriável,fragmentou-se”,afirmouCardoso.91 O mesmo Exame de Corpo de Delito, realizado em 14 de agosto de 1996,indicou a presença, na fossa posterior do crânio de Geraldo Ribeiro, de “pequenofragmento metálico de forma cilindro-cônica, medindo sete milímetros decomprimento e diâmetromédio de doismilímetros que, recolhido, foi submetido aexamesoblupaestereoscópica,revelando-secomofragmentodepregoenferrujadoecorroído,posteriormenteencaminhadoaoInstitutodeCriminalística”.92 Em 21 de agosto de 1996, na véspera dos 20 anos da morte de JuscelinoKubitschek e do prazo final para a prescrição doCaso JK, o delegadode polícia deResende (RJ), Robson Rodrigues da Silva, entregou o relatório final de suainvestigação, sem o resultado da exumação da ossada de Geraldo Ribeiro. SilvaconcluiunãoterhavidoatentadopolíticoeapontouqueJKeRibeiroperderamavidaemacidentedetrânsito.93Olaudonº9610446,doInstitutodeCriminalísticadeMinasGerais,de27deagosto de 1996, assinado pelos peritos criminaisMarcos Francisco Passagli eMarioLucioOttoniGuedes,registrouarealizaçãodeexamequímiconofragmentometálicoencontrado dentro do crânio de Geraldo Ribeiro e, pormétodo de química de viaúmida, constatou tratar-se de “liga de ferro (aço) o material examinado”, sem

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quaisqueroutrascomparaçõesouconsiderações.94 Laudo de 5 de setembro de 1996, com o resultado da perícia na ossada deGeraldoRibeiro,atestoucomonegativaapesquisadechumbonofragmentometálicoencontrado no crânio do motorista de Juscelino Kubitschek, descartando apossibilidadedeRibeirotersidoalvejadoporprojétildearmadefogoconstituídoporchumbo. O documento foi assinado por Sônia Vieira Machado Prota, chefe daDivisãodeLaboratóriodoInstitutoMédicoLegaldeMinasGerais.95Em30desetembrode1996,comoCasoJKprescrito,oInstitutoMédicoLegaldeMinasGeraisdivulgouresultadosdosexamesnaossadadeGeraldoRibeiro,masnão levou a conhecimento público a íntegra do laudo.O documento concluíra queGeraldoRibeiro não fora baleado,mas informava ter sido detectado em seu crânio“pequeno fragmentometálicode formacilindro-cônica,medindosetemilímetrosdecomprimento e diâmetro médio de dois milímetros”, apontado, por autoridadespoliciais,como“restodepregodocaixão”emqueseenterrouomotoristaRibeiro.96 Só em 1997, um ano após a exumação da ossada de Geraldo Ribeiro, a filhadele,MariadeLourdesRibeiro,recebeuainformaçãodequehaviasidoencontradoumfragmentometálicodentrodocrâniodopai.97A filhade JuscelinoKubitschek,MárciaKubitschek, também só foi informadasobreofragmentometálicodescobertodentrodocrâniodeGeraldoRibeiroem1997,umanoapósaperícia.98Em12de setembrode2012,aComissãodeDireitosHumanosdaOrdemdosAdvogadosdoBrasilseçãoMinasGerais(OAB-MG),presididaporWilliamdosSantos,e aComissãodaVerdade edoMemorialdaAnistiaPolíticada (OAB-MG), presididaporMárcio Augusto Santiago, apresentaram relatório que acusa o regime ditatorialinstalado no Brasil em 1964 de ter cometido o atentado que tirou as vidas deJuscelinoKubitschekedeseumotorista,GeraldoRibeiro.99Em17deoutubrode2013,aCâmaraMunicipaldeSãoPaulo,emnomedestaComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzog,ingressoucomaçãojudicialna4ªVaradaFazendaPúblicaMunicipaldeBeloHorizonte,solicitandonovaexumaçãodaossadadeGeraldoRibeiro,sepultadanoCemitériodaSaudade,nacapitalmineira.Oobjetivoerarealizarperíciatécnica,combaseemmodernatecnologia,paradirimirasdúvidas que ainda persistiam sobre a causa da morte do motorista de JuscelinoKubitschek. A família de Ribeiro não autorizou a nova análise técnica nos restosmortais.100O brigadeiro JoãoPauloBurnier foi para a reserva em1972, um ano após oassassinato do estudante Stuart Angel Jones, militante do grupo guerrilheiro MR-8.Jonesmorreu após ser torturado no Cisa (Centro de Informações de Segurança daAeronáutica),situadonaBaseAéreadoGaleão,noRiodeJaneiro.AmãedeJones,a

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estilista ZuzuAngel, que denunciara o assassinato do filho,morreu em 14 abril de1976,quatromesesantesdo“acidente”comJuscelinoKubitschek.ZuzuAngel teriasido vítima de uma operação Código 12, um assassinato disfarçado de acidente deautomóvel,perpetradoporagentesdarepressão.ConformeaperíciaconduzidapeloInstitutoCarlosÉboli,cujodiretoreraRobertodeFreitasVillarinho,ZuzuAngel foidescuidada ao dirigir no Rio de Janeiro e perdeu a vida num acidente de trânsito.Villarinho também foi responsável pela “investigação” sobre a morte de JK. ObrigadeiroBurniermorreudecausasnaturaisnoano2000.101Noparecer“Ainversãodoônusdaprovanoscrimescometidosporagentesdoestadoduranteaditadura:indubioprovictima”,de30dejunhode2014,oprofessorGilbertoBercovici,daFaculdadedeDireitodaUniversidadedeSãoPaulo,defendeuatesedequeaditaduramilitar,responsávelportorturas,mortesedesaparecimentosdeadversáriospolíticos,nãohesitariaemencobriraverdadeiracausadamortedoex-presidente JuscelinoKubitschek,damesmaformaquenão titubeariaemfraudarouforjar perícias, laudos e inquéritos, ou destruir documentos e ocultar testemunhasparaencobrircrimesperpetradospeloregimedeexceção.102Emseuparecer,oprofessorGilbertoBercovici fez referênciaao fatodequeaJustiçadoRiodeJaneirodeclarounãoterhavidocolisãoentreoOpaladeJuscelinoKubitschekeoônibussobocomandodomotoristaJosiasNunesdeOliveira,quefoiinocentadonaépoca.Bercoviciafirmou:“EmhipótesealgumaoEstadoDemocráticode Direito poderia emitir alguma declaração em desfavor das vítimas de atosatentatórios dos direitos humanos durante o estado de exceção, especialmente emcasos de existência de dúvidas cuja causa última é a própria omissão do estado nainvestigação ou análise de documentos. Caso agisse desta maneira, o EstadoDemocrático de Direito se limitaria a corroborar as versões da ditadura, com seussilênciosfabricadosesuasversõesforjadassobreosfatosocorridosduranteoperíododeexceção”.103Cartade28deagostode1975,atribuídaaocoronelchilenoManuelContrerasSepulveda,diretordaDina,oserviçosecretodaditaduradoChile,eendereçadaaochefe do SNI (Serviço Nacional de Informações), general João Baptista Figueiredo,alertou para o apoio de políticos democratas dos Estados Unidos a JuscelinoKubitschek eOrlando Letelier, ex-ministro das Relações Exteriores doChile, o que“poderiainfluenciarseriamenteaestabilidadedoConeSuldonossohemisfério”.Em21 de setembro de 1976,menos de ummês após amorte de JK no “acidente” daRodovia Presidente Dutra, Letelier foi assassinado em Washington, nos EstadosUnidos, após uma bomba explodir no automóvel que o conduzia. Já como general,SepulvedafoicondenadoepresopeloassassinatodeLetelier.104 Na carta enviada ao general João Baptista Figueiredo, chefe do SNI (Serviço

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Nacional de Informações), o coronel Manuel Contreras Sepulveda agradeceucorrespondência anterior, do colega brasileiro, na qual Figueiredo, segundoSepulveda,alertouparaapossívelvitóriadoPartidoDemocratanosEstadosUnidos.TrechodacartadochilenoaochefedoSNInoBrasil:“Oplanopropostoporvocêparacoordenar nossa ação contra certas autoridades eclesiásticas e conhecidos políticossocial-democratas e democratas-cristãos na América Latina e Europa, conta comnossodecididoapoio”.105 Jack Anderson, jornalista investigativo, um dos colunistas mais lidos nosEstados Unidos à época, recebeu cópia da carta deManuel Contreras Sepulveda aJoão Baptista Figueiredo de um alto funcionário do serviço de informações norte-americano. A missiva foi investigada e considerada autêntica. Em 2 de agosto de1979,JackAndersondenunciounojornalTheWashingtonPostachamadaOperaçãoCondor90, uma articulação de regimes militares na América do Sul para eliminarpolíticos de oposição, com o apoio da CIA (Agência Central de Inteligência), dosEstadosUnidos.106 Em carta de 25 de abril de 1978, endereçada a Henrique Tejera Paris,secretário-geral do Partido Ação Democrática, da Venezuela, o vice-almiranteCândido da Costa Aragão91, cassado em 1964 e exilado em Portugal por suasposições contrárias à ditadura militar, denunciou que “Juscelino Kubitschek deOliveira foi friaebarbaramenteassassinadopelomandantegeneraldeExércitoJoãoBaptista Figueiredo, devido ao extraordinário prestígio político que desfrutava emamplasfaixaspopulares,eemtodaasociedadebrasileira”.107 Em sua carta a Henrique Tejera Paris, do Partido Ação Democrática, daVenezuela, o vice-almirante Cândido da Costa Aragão também denunciou ter sidoescolhido como alvo quando residia em Lisboa, por suas posições contrárias àditadura militar. Conforme a acusação, o SNI (Serviço Nacional de Informações)deveriaempreender,em1975,umaoperaçãoCódigo12contraAragãoeoadvogadoCarlosSá.AordemparaaCódigo12,ouseja,oassassinatodisfarçadodeacidentedeautomóvel,teriapartidodochefedoSNI,generalJoãoBaptistaFigueiredo.Caberiaaogeneral Carlos Alberto Fontoura, antecessor de Figueiredo no SNI e, na época,embaixadordoBrasilemPortugal,executá-la.Oatentadonãofoiconsumado.108 Em reportagem publicada pela revista Caros Amigos, em agosto de 1997, oempresárioJorgeGazalli,amigodogeneralJoãoBaptistaFigueiredo,informouqueomilitarnão falaria sobreamortede JK.NaspalavrasdeGazalli: “OFigueiredosabedemuita coisa. Se ele falar,muita casa vai cair. Nem o livro dememórias, que euinsistoparaelefazer,vaisair.Nemmesmoparaserpublicadodepoisdamortedele”.109ObrigadeirodareservaMárcioCallafange,adidomilitardoBrasilnoChilenosanos1980,confirmou,noano2000,queJuscelinoKubitschekeraalvodaOperação

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Condor na década de 1970. Conforme Callafange, eventual candidatura de JK àPresidênciadaRepúblicaeraconsideradaumriscoparaoregimemilitar.ObrigadeiroconfirmouaintegraçãodosregimesdoConeSulcontraasoposiçõesàsditadurasdoBrasil, Chile, Argentina, Paraguai e Uruguai. Nas palavras de Callafange: “Se nãofosse a solidariedade do Brasil, especialmente no governo [Ernesto] Geisel quandoJimmyCarter[presidentedosEstadosUnidos]retirouseuapoioaoChile,[ogeneral-presidenteAugusto]Pinochetenfrentariadificuldades”.110EmdepoimentoaestaComissãoMunicipaldaVerdade,em5defevereirode2014,nacidadedoRiodeJaneiro,o jornalistaeescritorCarlosHeitorConyrelatouqueoex-governadorMiguelArraes,queestavaexiladonaArgéliaduranteaditaduramilitarnoBrasileintegravaumaredeinternacionaldeinformaçõescomoobjetivodegarantir a integridade e a vida de políticos exilados e perseguidos por ditadurasmilitares,alertouparaos riscosà segurançade JuscelinoKubitscheke,apósamortedoex-presidenteno“acidente”daRodoviaPresidenteDutra,afirmou,taxativamente,queJKfoiassassinado.111Relatóriodivulgadoem12dedezembrode2014,elaboradoporpesquisadoresdas Universidades de São Paulo e doMackenzie para a Comissão da Verdade doEstadodeSãoPauloRubensPaiva,declaraque“opresidenteJuscelinoKubitschekdeOliveirafoivítimadeperseguiçãopolíticapeladitaduramilitar,teveseumandatodesenador e seus direitos políticos cassados, foi exilado, publicamente humilhado,encarcerado, difamado, foi vítima de campanha pública visando a destruir suareputação e sua honra, vítima de espionagem no Brasil e no exterior e vítima decomplôparaassassiná-lo”.112 Em seu relatório, a Comissão da Verdade do Estado de São Paulo RubensPaivareafirmaaconclusãodestaComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzogedeclara que Juscelino Kubitschek e seu motorista, Geraldo Ribeiro, foramassassinados em 22 de agosto de 1976, na Rodovia Presidente Dutra, em Resende(RJ).113 Em período de 272 dias perderam as vidas, em condições suspeitas, três dasmaioresliderançasdeoposiçãoaoregimemilitarnoBrasil,asaber:osex-presidentesdaRepública JuscelinoKubitschek (morto em 22 de agosto de 1976), JoãoGoulart(mortoem6dedezembrode1976),eoex-governadordaGuanabaraCarlosLacerda(mortoem21demaiode1977).114 Em 1974, Juscelino Kubitschek recuperara os direitos políticos. Em 1976,trabalhavadiscretamenteporsuacandidaturaàPresidênciadaRepúblicanaeleição,aprincípio indireta, de 1978. Morto JK, a ditadura elegeu como presidente daRepública o quinto general do ciclo militar, o chefe do SNI (Serviço Nacional deInformações) João Baptista Figueiredo, o mesmo Figueiredo que foi aluno do

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brigadeiroNewton JunqueiraVilla-Forte,umdoscriadoresdo SNI e proprietáriodoHotel FazendaVilla-Forte, emResende (RJ), de onde JK saiu, em 22 de agosto de1976,paramorrercercadetrêsminutosdepois.BorisFausto,HistóriadoBrasil,página360.Edusp,14ªediçãoatualizadaeampliada,2012,1ªreimpressão,2013.CarlosMuriloFeliciodosSantos,nolivroMomentosDecisivos–JKContraoGolpismonoBrasil.Página189,JK-Cultural–RonaEditora,2012.ElioGaspari,ADitaduraEnvergonhada,página261.Obracitada.AliançaNacionalRenovadora,umdosdoispartidospermitidospeloAtoInstitucionalnº2,deoutubrode1965,comfunçãodeapoiarogoverno.Ooutro,MovimentoDemocráticoBrasileiro,quesofreunumerosascassaçõesaolongodaditadura.DeacordocomJamesN.Green,noseulivroApesardeVocês–OposiçãoàDitaduraBrasileiranosEstadosUnidos,1964-1985,página137,ainiciativafoideCarlosLacerda.ParaseterideiadafúriadeLacerdaépossívelouvir,pelainternet,umtrechodoquevociferoucontraoalmiranteCândidoAragão,pelorádio,nodia31demarçode1964:“OPaláciodaGuanabaraestásendoatacado,nestemomento,porumbandodedesesperados.Fuzileiros,deixemsuasarmas,porquevocêsestãosendotocadosporumoficialinescrupuloso.AlmiranteAragão!AlmiranteAragão!Assassino,monstruoso!Incestuosomiserável!”AragãoeraconhecidocomooAlmirantedoPovonogovernodeJoãoGoulart.Oataqueaopalácioeramentira.PormeiodaInstruçãonº177de5.4.1968.Maisnapágina35dolivroJuscelinoKubitschek–OndeestáaVerdade?deSerafimJardim,emdepoimentoaLuizCarlosBernardeseOrlandoLeite.EditoraVozes,1999,2ªedição.RevistaCarosAmigos,agostode1997,nareportagemMataramJK?deIvoPatarra.Advogado,deputadofederal,presidentedoMDB,símbolodaresistênciaaoregimemilitar.CongressoNacional,AssembleiasEstaduaiseCâmarasMunicipaisfechados,suspensãodohabeas-corpus,censurarígidaàimprensa,cassaçãodepolíticostantodoMDBquantodaARENA,aposentadoriascompulsórias,dezenasdeprisões:acadêmicos,jornalistas,estudantese,emespecial,JuscelinoKubitschekeCarlosLacerda.OjornalAFolhadaTarde(18.12.1968),entãototalmentecooptadopelosmilitares,publicoudeclaraçãodogeneral-presidenteCostaeSilva,naqualafirmavaqueoAI5sedeviaàconspiraçãodeJuscelinoeLacerda.Pararesumir,tolerânciazeroparaadissensãoetolerânciamáximaparaatorturaemprisioneiros.ElioGaspari,ADitaduraEncurralada,páginas89-91,314.Oautorescreveainda:“ThalesRamalhonegociavacomPetrônioPortella,entãosenadordoPiauípelaARENAevice-líderdogoverno,umanovaordemconstitucionalsemoAI5.”CarlosMuriloFeliciodosSantos,obracitada,página189.“Nenhumaautoridadeprocurouinvestigarquemdirigiaocaminhãofrigoríficoavermelhado,deLages(SC),queprovavelmentepresenciouamortedeJK”,lê-senareportagemMataramJK?citada.HomenagemaoengenheiroedeputadofederalRubensPaiva,paulistadeSantos,assassinadopeladitaduramilitar.Emdezembrode2014foiinauguradoseubustonaEstaçãoEngenheiroRubensPaiva,nometrôdoRio.Oconjuntohabitacionalpróximofoiprojetadoporele.HáoutrobustodeRubensPaivanafrentedoantigoDOI-CODI,naTijuca,zonanortedoRio,ondeem1971otorturaramatéamorte.Seucorponuncafoiencontrado.OpromotordeJustiçadeResende,JoséDinizPintoBravo,acusouJosiasdebaternoOpala.AdmitiuaojornalistaIvoPatarra,em1997,queconduziuocasoprocurandocaracterizá-locomoacidente,poisoExércitosepreocuparaemnãoenvolverogoverno.RevelouquefoiassessoradopelopromotordeJustiçaGilCasteloBrancoequeomédicoGuilhermeRomanoacompanhoutudo.Giléquemandouoperitoretirarasfotografiassumidas.ElioGaspari,ADitaduraEscancarada,obracitada,página96:GolberyembarcouparaBarcelonadia21dejunhode1975.Levouamulher,Esmeralda,trêsmédicos,umdiplomataeomotoristadafamília.Teriaseissegurançasserevezando,diaenoite.

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PossivelmentesetratadolivrodeDominiqueLapierreeLarryCollins,sobreafundaçãodoEstadodeIsraeleoconflitoárabe-israelense.Provasnãohavia.Sempudorforameliminadasnacenadoacidenteenosprocedimentosposteriores.EditoraManchete,1982eEditoraObjetiva,2012.SerafimJardim,obracitada,página152.PARA,deparaquedistas,eSAR,doinglêssearchandrescue,buscaesalvamento.AsiglacorretaéEAS,EsquadrãoAeroterrestredeSalvamento.Emsetembrode1993oSupremoTribunalFederal,anuladaacassaçãodoparaquedista,determinouaoministrodaAeronáutica,brigadeiroLélioVianaLobo,quepromovesseocapitãoSérgioRibeiroMirandadeCarvalhoabrigadeiro.Aordemnãofoicumprida.ItamarFrancoerapresidentedoBrasil.Emfevereirode1994oheroicoSérgioRibeiroMirandadeCarvalho,quesalvouoBrasildeumgenocídio,morreucom63anos.Seisdiasdepois,suapromoçãofoiassinadaporItamarFranco.OministroVianaLobocontinuounopostoduranteogovernoseguinte,deFernandoHenriqueCardoso.ADitaduraEscancarada,obracitada,página122.ForaparaninfodeumaturmadaFaculdadedeMedicinadoRiodeJaneironoTeatroMunicipal,segundoCarlosMuriloFeliciodosSantos,livrocitado,página275.Levadoaumquartel,encerraram-noporváriosdiassempodertrocararoupaenadaparaler,emgrandesofrimentopsíquico,vigiadoatravésdeumorifício.Quandosaiupermaneceuummêsemprisãodomiciliar.DoisepisódiosconduzidosporoficiaisdaAeronáutica.Jacareacanga,noiníciode1956,aomesmotempodenunciavaainfiltraçãocomunistanospostosdecomandoeaameaçadeentregadopetróleoaempresasestrangeiras;foramanistiadosporJK.Aragarças,nofinalde1959,lideradoporBurnier.Oficiaisinconformados,comoescreveBorisFausto(obracitada,página361),eramafavordeumgolpequetirassedopodercorruptosecomunistas.Osmilitaresrefugiaram-seempaísesvizinhosevoltaramaoBrasilquandoJanioQuadrosfoieleito.Manifestaram-secontraa“deterioraçãodascondiçõesmateriaisemorais”doExército,nogovernodeGetúlioVargas,82coronéisetenentecoronéis.Enfrentava-segravecriseeconômicaepolítica.Informaçõesmaisdetalhadasnainternet:FGV–CPDOC.Obracitada,página300.JoséAméricodeAlmeidaseriacandidatoàpresidênciaem1938.NãoserealizarammaiseleiçõesporqueGetúlioVargasdeuogolpedoEstadoNovo,em1937.CarlosMuriloFelíciodosSantos,obracitada,apartirdapágina325.Lentesecundáriamontadaentreacâmeraealentefotográfica,paraaumentarapartecentraldaimagemobtidapelaobjetiva.PrevistonaConstituiçãode1967.CompostopelosmembrosdoCongressoNacionaledelegadosindicadospelasAssembleiasLegislativasdosEstados.Elegia-sepresidentequemobtinhamaioriaabsolutadevotosnoColégioEleitoral.Lembre-sequeamplamaioriadosopositoresforacassada.Acassaçãoeraameaçaconstante.Emnovembrode2014foramencontradosnacasadocoroneldareservadoExército,PauloMalhães,textosescritospeloCentrodeInformaçõesdoExércitosobredelatoresbrasileiroseargentinosinfiltradosentreoposicionistasdeesquerda,nofimdosanos70.Cercade100brasileiroseestrangeiroseramvigiadosnoBrasilenoExterior,maisumaprovadarededecolaboraçãoOperaçãoCondor.CândidoAragãofoipresonodia2deabrilde1964.ParaosgolpistaseraoAlmiranteVermelho.CarlosHeitorCony,emumacolunanojornalCorreiodaManhã,publicouumacartadafilhadomilitarquedenunciavaolamentávelestadoemqueopaiseencontrava,depoisdedoismesespresonafortalezadeLage,noRio.Aragãoperdeuumdosolhos.

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InstitutoVladimirHerzog

IgrejaemruínaduranteumadasváriasviagensdeVladoeClariceenquantomoraramemLondres

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CAPÍTULOVI

SomostodosVlado“Soucomprometidocomummundomelhor.Comprometidocomajustiça,

comprometidocoma

fraternidade,comprometidocomaverdade.”MartinLutherKing(1929-1968),ministrobatista,líderdomovimentodosdireitoscivisnosEstados

Unidos

OpequenorefugiadocresceuLongo foiopercursode fugadopequenomeninode4 anos até chegar à Itália, otépido, perfumado colo da mãe protegendo-o dos nazistas que os ameaçavam,enquanto fugiamdos invasoresdodesfalecidoReinoda Iugoslávia.Ferasdaespéciehumana.Adulto agora, pai de dois filhos, diretor de Jornalismo da TVCultura, asabominações o alcançaram. Vladimir Herzog não retornaria da pusilanimidade dostorcionários.AssassinadonoDOI-CODIdeSãoPaulonodia25deoutubrode1975.Muito tempo se passou antes que a ditadura militar fosse afrontada com oreconhecimento da Justiça de que houve homicídio. O feito se deve à coragem daviúva,ClariceHerzog, que emnome dos filhosmenores, Ivo eAndré, propôs umaAçãoDeclaratória contra aUnião Federal. Responsabilizava-a pela prisão arbitrária,tortura e morte de Vladimir Herzog, seu marido e pai dos meninos. A ação deuentrada trêsmeses depois do assassinato deManoel Fiel FilhonomesmoDOI-CODI,com achincalhe lúgubre: Manoel teria se enforcado com as meias, no dia 17 dejaneirode1976.Assinaramaação impetradaporClariceadvogadoseminentes,conhecidosporsuadignidade:Heleno Fragoso, Sérgio Bermudes, SamuelMacDowell de Figueiredo eMarcoAntônioRodriguesBarbosa.Esteatuoucomorepresentantedafamília.“Demoreiporquenãoqueria indenização,”esclareceuClarice. “Quisprovarparaasociedadequehaviatorturanestepaísequeelefoiassassinado.Elenãosesuicidou.Tinhamuitosplanos,avidapelafrente.Amavaosfilhos,amimeavida”.Comoseesperava,oprocuradordaRepública,TitoBrunoLopes,contestouaação:primeiro, os autores baseavam-se em fatos que a Justiça Militar negava. Depois, aquestão já foradecididano crime.Terceiro, a ação era inepta porqueocultavaumaaçãocondenatóriacontraaUniãoFederal.Noméritoconfirmouosuicídio,conformeos laudosdos legistasArildodeT.VianaeHarryShibata.Deacordocomeles,nãohavia sinais de violência, tortura ou culpa dos funcionários, que agiram no estrito

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cumprimentododever legal.OrabinoHenrySobel,comofoidescritonocapítuloI,contouqueos encarregadosda lavagemdos corpos, ritual judaico antesdo enterro,lhecomunicaramqueocorpotinhamuitasmarcasdegolpesesinaisdetortura.OjuizdoprocessoeraJoãoGomesMartinsFilho,da7ªVaradaJustiçaFederaldeSãoPaulo,quejáforadeputadopeloPSD(de1946a1951).Suasentençaserialidaem26 de junho de 1978. Mas, quatro dias antes, o Tribunal Federal de Recursoscomunicouqueconcederamedidaliminar.Ainiciativadosadvogadosimpediuojuizde ler a sentença e a Justiça Federal entrou em recesso no mês de julho. O juizcompletou70anosetevedeaposentar-se.AssumiuojuizMárcioJosédeMoraes,quedeuasuadecisãoem29deoutubrode1978: julgavaaaçãoprocedente.AUniãoteriadeindenizarClariceeosfilhospelosdanosmateriaisemoraisdecorrentesdamortedojornalistaVladimirHerzog,maridoepai.Foiumasentençacorajosaqueeletrizouaquemansiasseporjustiça.Adecisãofoi confirmada peloTribunal Federal deRecursos. Emmarçode 2013, passados 38anos,afamíliarecebeunovoatestadodeóbito,queapontalesõesemaus-tratoscomoascausasdamorte.ASra.ZoraHerzog,mãedeVlado,manifestouemumacartaasuagratidãoaojuiz:“Fizeramum símbolo doVlado, justo ele que detestava a notoriedade...Mas a suahonrafoirestabelecidagraçasàsuaatuaçãodehomemdebem”.AComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzogabordouodramadojornalista,a quem homenageia com o nome, convidando o desembargador aposentado Dr.MárcioJosédeMoraesparafalarsobreasuadecisão.ImpossibilitadodecompareceràCâmaraMunicipal de SãoPaulo,mandoupor escrito alguns aspectos sobre o seuentendimento,hoje,doquefoiocasoHerzog.“Os seus desdobramentos levaram a diversas sentenças de primeira instância daJustiçaFederal,quecondenaramaUniãoFederalpelaprisão ilegal, torturaemortede presos políticos na ditadura pós 1964”, expôs. “Essas sentenças certamentecontribuíram para a redemocratização do país, tanto assim que, um ano depois,adveioaLeidaAnistia.”Em sua opinião, a interpretação que o SupremoTribunal Federal deu a ela, numjulgamentoem2010,éumgrandeengano.Explica:“Entendeu como constitucional, em síntese, a interpretação de que a anistiaconcedida pela lei de 1979 abrange tambémos torturadores e os assassinos, dentreoutroscriminosos.Equivaleabanalizaraviolênciacomoformaderepressãoque,aodepois, se espraia comopraganocontexto social.Equivale adesconsiderar a torturacomocrimehediondoedelesahumanidade”.O Dr. Moraes considera negativas as consequências desse entendimento para ademocraciaeosdireitoshumanos:

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“É grave um julgamento do Supremo que desconsidera o principal princípio daConstituição, que é o da dignidade da pessoa humana e do direito à vida”, avalia.“Resta esperar que o STF possa evoluir seu entendimento sobre a Lei de Anistia aojulgarnovaaçãoquejáestáproposta.”Em16demarçode2013,apósreceberonovoatestadodeóbitodeVlado,ClariceHerzogdeclarouaojornalistaRoldãoArruda,dojornalOEstadodeS.Paulo:“Nuncaaceitei a Lei da Anistia para os torturadores. O crime é imprescritível. Estamosfalandodeassassinosqueerampagosparatorturarematar”.

OrespeitoàdignidadeVlado foi enterrado no Cemitério Israelita do Butantã em um ato político dedimensões extraordinárias. O cardeal arcebispo Dom Paulo Evaristo Arns, AudálioDantas, o presidente do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo, MinoCarta,odiretordarevistaVeja,amigosecolegasdeVladomobilizaram-separalevarmilhares ao cemitério, num séquito sem fimde automóveis, vigiados por ostensivoshelicópterosdarepressão.PropositadamenteVladimirHerzognãofoienterradonaalaseparadadossuicidas.Atentar contra a própria vida é um pecado grave para os religiosos zeladores docemitério. Contudo, como dissemos, os encarregados da lavagem do corpoencontraram indubitáveismarcasde ferimentos ede tortura.Oquedeveriam fazer,perguntaram, diante da interpretação oficial damorte?O rabino Sobel, já sabemos,determinou que não fosse enterrado na ala dos suicidas92. Em 2006, também osrestosdeIaraIavelberg93 foramtransferidosdaalados suicidasparapertodos seuspais.Alavagemdoscorposcomáguamornaintegraoritualdosenterros:apessoadeixaomundodaformacomqueneleingressou,nuaeimediatamentelimpa.Alimpezaérealizada da cabeça aos pés, incluídos os orifícios; a depender do sexo, homens oumulheres cumprema tarefa.Mesmoquandoéprecisoviraro corpoparabaixo, issonuncaéfeitocomorostovoltadoparabaixo.Zelocomofalecido.O caixão é necessariamente fechado. Visualizar a pessoa falecida é proibido porconsiderar-sequeatentacontraadignidadedomorto.Aqui,chegamosàabominaçãomáximaquefoiexporVladonafotoquedocumentaamonumentalmentiraquefoioseusuicídio.VladimirHerzognadatinhadereligioso.NohistóricoatoecumênicorealizadopelocardealarcebispoDomPauloEvaristoArnsnaCatedraldaSé,orabinoHenrySobeldisseque,paraVlado, ser judeu era serbrasileiro. Sinalizou com isso solidariedade,humanismo, respeito aos 10 mandamentos considerados como a base ideal dosvalorescivilizatórios.Vladoeraumidealistaquedesejavaumasociedademelhorpara

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todos.Existematoshumanosparaosquaisfaltampalavras.Asencenaçõesdostorcionáriose os laudos de seus fâmulos noDOI-CODI – e em tantos outros covis – é um deles.Vladimir Herzog saiu da Iugoslávia no colo da mãe Zora, para fugir “dos homensmaus”queseapossaramdasuacasa,dosseusbrinquedosedalojadosseuspaisemBanja Luka.Depois de uma vida de estudo, trabalho e ideais humanistas, a versãonacionaldosceleradosocapturou.

InstitutoVladmirHerzog

Oprazerdetocarviolãoecantar,emtemposdereuniõesqueterminavamemcantoriasatéamadrugada

DepoimentodeDomAngélicoSândaloBernardinoNaformaregimental,comapresençadosvereadoresRicardoYoung,MarioCovasNetoeRubensCalvo,opresidentedaCMVVH,GilbertoNatalini,abriuostrabalhosdareuniãoordináriadodia8deoutubrode2013.Apósa leiturados requerimentosedeumcomunicado,convidouparacomporemamesaobispoDomAngélicoSândaloBernardino,orabinoHenrySobel,opadreJúlioLancellottieoumbandistaAntônioBasílioFilho.O primeiro a falar, Dom Angélico, lembrou o culto inter-religioso realizado nacatedraldaSé,sobaliderançadocardealarcebispodeSãoPaulo,DomPauloEvaristoArns.Celebrou-senodia31deoutubrode1975,umasemanadepoisdoassassinatodeVladimirHerzogsobacustódiadoestado.

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“TiveaalegriacívicadeparticipardeumdosmomentosmaissignificativosvividosaquiemSãoPaulo,nacatedral,quandohomenageamosVladimirHerzog”,declarou.“Um jornalista militante que nada fez a não ser lutar pela dignidade da pessoahumana.Guardosempredeleafrase:Seperdemosadignidadedenosindignarcomasatrocidadespraticadascontraoutros,perdemostambémodireitodenosconsiderarmossereshumanoscivilizados.Afrasemeacompanha.”DomAngélicoprosseguiu,denunciandooquesevivianoBrasilnaquelemomento:“Rasgou-se a Constituição em 1964, ela foi jogada no lixo. A luta de VladimirHerzogfoicontradesigualdades, injustiças,vilaniaseasatrocidadesquecampeavamnaqueles anos. Por isso o prenderam, torturaram enodia seguinte, 25 de outubro,anunciaram a sua morte. Apresentara-se no DOI-COD convocado a esclarecer suasligaçõescomoPCB.”O ato inter-religioso sob os arcos e a cúpula da catedral teve a presença de um

hazan94,cantorprofissionaldevozpoderosa,queinterpretaasmúsicasnascerimôniasdasinagoga.“Não me escapam da memória as 8 mil pessoas presentes na catedral e aimpressionantesonoridadedamúsicaqueocantorentoou.Representouaauroraquenasceria do sacrifício de cidadãos da envergadura do Vladimir Herzog, uma dasvítimasdaditaduramilitarquerepresentaummarcohistórico–tenhamosemvistaodeclíniodosanosdechumboquenosmortificaram.”

Foto:M.Gomes/CMSP

MemóriadoatoecumênicoemhomenagemaVladimirHerzog,napalavradorabinoHenrySobel,dobispodomAngélicoSândaloBernardinoedopadreJúlioLancellotti

DomAngélico é jornalista e foi diretor, emRibeirão Preto, do jornalODiário deNotícias.MuitasvezestevedeprestardepoimentonoIIExército,emSãoPaulo.“Havia no jornal uma coluna diária,Meditação, de inocência infantil. Pinçavam

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alguma frasequediziamser subversiva.Qual eranosso crime?Defender emartigosinocentesosoprimidosnazonarural,aclassetrabalhadoranacidade,oscidadãos.”VladimirHerzogcomeçouatrabalharcomojornalistaem1959,nojornalOEstado

deS.Paulo,depoisdeseformaremFilosofianaUSP.Em1965pediudemissãoparaassumir o cargo de produtor e locutor no departamento da BBC dirigido ao Brasil.Viajou com a mulher, Clarice, e o casal de amigos Fernando e Fátima PachecoJordão. Fernando foi seu companheiro de trabalho na BBC. Em 1968, de volta aoBrasil,VladimirHerzogtrabalhouporcincoanosnarevistaVisão.Depois foiparaaTVCultura.Aqueles foram tempos difíceis para o jornalismo e os profissionais da imprensadesenvolveram técnicas para noticiar o que acontecia em situação de censura –proibidasquaisquerinformaçõesprejudiciaisàimagemdogovernomilitar.Acensuranão isentou o semanário O São Paulo, da Arquidiocese de São Paulo, conformerelatouDomAngélicoàCMVVH.Ojornalteve17095matériascensuradas.“Tenhamosmemóriaviva”,conclamou.“AediçãodeOSãoPaulonasemanade20a 26 de agosto de 1982 foi falsificada, adulterada. Atribuíram ao cardeal arcebispoDomPaulo,grandelíderdahumanizaçãoedaliberdadenoBrasil,umartigoemquese dizia arrependido de suamilitância e da postura de autêntico pastor.Mentira ehipocrisia. Perversão. Essa edição falsificada foi distribuída em surdina para ascomunidades.Emais,aRádio9deJulhofoifechadapordecretododitadorMédici,nodia30deoutubrode1973.Digoditadorporquereservootítulodepresidenteaosquesãoeleitospelopovo.”

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InstitutoVladimirHerzog

TEMPOSDEAMOREOTIMISMO

ClariceeVladocomofilhoIvoHerzog,quenasceuduranteapermanênciadospaisemLondres

(interrupção)

OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–AnuncioapresençadavereadoraJulianaCardoso, vice-presidente desta comissão. E do vereadorFlorianoPesaro96, que nosvisitanacomissão.VoltoapalavraaDomAngélicoSândaloBernardino.

Dom Angélico Sândalo Bernardino – Informo à Comissão que em RibeirãoPreto havia uma creche, o Orfanato Lar Santana, que acolhia meninasdesafortunadas. A diretora era a Madre Maurina Borges Silveira (1926-2011), daOrdemdosFranciscanos.Certodiaumgrupodeestudantespediuaelaqueabrisseumasalaparasereunirem.Elacedeu,algoqueécomumparanós.

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Umjovemfoipresoedisseondesereuniam.De acordo com JacobGorender97, os jovenspertenciamàs FALN (ForçasArmadasde Libertação Nacional), de Ribeirão Preto. “Pode-se dizer que foram o jardim deinfânciadasorganizaçõesdeesquerdadopós64,”escreveuohistoriador.“Editavamumjornal,OBerro.Apolícialevoumilitanteseassinantes”.InvadiramdepoisoLarSantanae levaramMadreMaurina,presa,paraCravinhos(municípioa20quilômetrosdeRibeirãoPreto).Sofreuvexames.“Talvezomaior,seracusadadesubversão”,apontaDomAngélico.“Dedicaraavidaaoacolhimentodecriançasna simplicidadeenaentregaao reinodeDeus, feitodejustiça,fraternidadeepaz”.Circulou que fora violentada, que engravidara. Madre Maurina o negou. Osmilitantesque em1970 sequestraramo cônsul japonês,NobuoOkuchi, a incluíramna lista dos que seriam trocados eMadreMaurina passou os 15 anos seguintes noMéxico.OarcebispodeRibeirãoPreto,DomFelíciodaCunhaVasconcelos,apoiadopor 42padres da arquidiocese, excomungouos delegadosde políciaRenatoRibeiroSoares eMiguel Lamano. E o cardeal arcebispoDomPaulo EvaristoArns observouque a prisão da freiramotivou-o a iniciar a sua luta por direitos humanos e justiçasocial.DomAngélicotermina:“Trago a questão àmemória porque as autoridades deste país, e fica aqui omeuapelo, devem um pedido de desculpas à família de Madre Maurina. Não háreivindicaçãodenada,somenteisso.Quepeçamdesculpasàfamíliaeàcongregaçãoreligiosaaquepertencia.”

OreverendoJaimeWrightPessoaquedevemos lembrar sempreéo reverendoda IgrejaPresbiterianaUnida,Jaime Nelson Wright (1927-1999), que participou do culto ecumênico emhomenagem a Vladimir Herzog ao lado de Dom Paulo Evaristo Arns, cardealarcebispodeSãoPaulo,edorabinoHenrySobel.ChegouatrasadíssimoàSédevidoaobloqueiodacidade–muitagentetevedecaminharlongasdistâncias.Umdosrefrãos,repetidosenquantooaguardavam:“Nasminhasdores,óSenhor,ficaameulado.NenhumgemidodeninguémnaTerraseráocultoaosolhosdoSenhor98”.AdedicaçãoemilitânciadeJaimeWrightemdefesadosdireitoshumanosotornoumembrodaComissãoPastoraldosDireitosHumanosedosMarginalizados.Planejou,junto com o jornalista Bernardo Kucinski e o advogado Luiz Eduardo Greenhalg,aproveitaravisitadopresidentedosEstadosUnidos, JimmyCarter,ede suaesposa

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RosalynnCarter, emmarçode1978,para lhes entregaruma listadedesaparecidos.ComoapoiodeDomPauloEvaristoArnseacolaboraçãodojornalFolhadeS.Paulopublicou-sepelaprimeiravezumalistade23desaparecidos.Apartirde1979, JaimeWrightdeutempo integralàáreadedireitoshumanosdaArquidiocese de SãoPaulo. Era incansável em todas as suas atividades.Umadelas,fundamental, foi o Projeto Brasil: Nunca Mais, já mencionado, obra realizadaclandestinamente entre 1979 e 1985, comadvogados a copiarpáginasdeprocessos,semelhante ao que fez o funcionário do Pentágono Daniel Ellsberg, resultando napublicação,em1971,dosfamososPapéisdoPentágono99.OlivroBrasil:NuncaMaisresumiu mais de um milhão de páginas, de 707 processos do Superior TribunalMilitar. Abrange de 1961 a 1979. Encontra-se no Arquivo Edgard Leuenroth, naBibliotecadaUniversidadedeCampinas(SP).PalavradeJaimeWright,nocultoecumênicodacatedraldaSé:“Quandocaianoite,opastornãovaiparacasaejamaisabandonaassuasovelhas.Quando a noite vem, o perigo émaior. {...}Quando as sombras danoite caírem, oBomPastornoslevaráparacasa.EoBomPastorjáinvestiudemais{...}emVladimirHerzog,paranosabandonaragora.”OdramaturgoeatorGianfrancescoGuarnieri(1934-2006)escreveuapeçaPontode

Partidaem1976,ambientadaemumavilamedieval,paraescreversobrearepressãodepoisdamortedeVlado.Umtrecho:Poderosos e dominados estão perplexos e hesitantes, impotentes e angustiados.

Contendo justos gestos de ódio e revolta, taticamente recuando diante de forçastransitoriamente invencíveis. Um dia os tempos serão outros. Diante de um homemmorto,todosprecisamsedefinir.Ninguémpodepermanecerindiferente.Amortedeumamigoéadetodosnós.SobretudoquandoéoVelhoqueassassinaoNovo.

OanjoprotetorO podermoral de Dom Paulo Evaristo Arns fez dele um homem lendário. Anjoprotetor de vastas asas, símbolizava a rejeição ao regime que gestara o sinistroaparelhodatorturaedamorte.Pouco antes da hora do culto em homenagem a Vladimir Herzog, Dom Paulorecebeudois secretáriosdogovernadorPauloEgydioMartins,que lhepediramparacancelar o evento. “Fui informadoquemais de 500 policiais se postariamna praça,com ordem de atirar ao primeiro grito. Se houvesse protestos, eles metralhariam apopulação”,lembravaDomPaulo.“Respondiqueláestaria.”SalmodeDavidrepetidopelamultidãonaCatedral:Easnossasangústias,Senhor,estãotodasnavossapresença.

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Alertas eram pronunciados: à saída poderiam encontrar provocadores.Imprescindível sair em silêncio. Não reagir. Grupos pequenos de pessoas que seconheciam.Eassimfoifeito.EmumaentrevistaaoPortaldaCâmaradosDeputados,em23deagostode2007,DomPauloEvaristoArnscomentouadisciplinaeaordemcomque8milpessoassaíramdacatedraleseafastaramdaPraçadaSé:“Quandoterminou(oculto)ouviumavozatrásdemim.EraDomHélderCâmara{...},quedissenomeuouvido:“DomPaulo,hágrandeperigode lá foraoriginaremdesordempara provocar os que estão aqui, na cerimônia.O senhor diga que saiamem grupos de 5 e não aceitem nenhuma provocação, não respondam a nada,absolutamentenada.Deixemopessoalfalarmalevamosparacasa,vamoslutarpeloBrasilmelhor.”“Quando saí ainda cumprimentavam a esposa de Vlado, Clarice, dentro dacatedral”,continuouDomPaulo.“Passavamgruposde jovensprovocando:“Olhaoscovardesrezandoporsuicidas,rezandoporgentequefazmalaoBrasil”.Nenhumdosjornalistas que estavam comigo respondeu nada, nada.O conselho deDomHélderfoimuitobometrouxeapaz.”Nãoreagir.Silêncio.Assimfoi.PalavradeDomPauloEvaristoArns,nocultoecumênico:“Ninguém toca impunemente no homem, que nasceu do coração de Deus {...} émaldito quemmancha as suas mãos com o sangue de seu irmão {...} A liberdadehumananosfoiconfiada{...}parapreservarmos,todosjuntos,avidadenossoirmão,pela qual somos responsáveis tanto individual quanto coletivamente. {...} Nãomatarás. Quemmatar {...} não será apenas maldito na memória dos homens, mastambémnojulgamentodeDeus.{...}Éhoradeseuniremosqueaindaqueremolharparaosolhosdoirmãoeaindaqueremserdignosdaluzquedesvendafalsidade.{...}Nestemomento, o Deus da esperança conclama para a solidariedade e para a lutapacífica,maspersistenteecorajosa,emfavordeumageraçãoqueterácomosímbolososfilhosdeVladimirHerzog,suaesposaesuamãe.”

OrabinoquetranscendeuEmLisboa,1944,nasceuHenryIsaacSobel, filhodepaisbelgasqueserefugiaramdo nazismo em Portugal e depois emigraram para os Estados Unidos. A famílianaturalizou-se e Sobel se formouno Jewish Institute of Religion, um seminário paraformar rabinosdeorientação liberal, emNovaYork.Ordenou-se rabino e em1970veio para o Brasil convidado pela Congregação Israelita Paulista (CIP), fundada porrefugiados judeus alemães na década de 1930. Muito jovem, o rapaz que atraía aatenção tinha postura liberal nas questões religiosas. Quanto à situação política

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brasileira, não integrava suas prioridades. Especialmente devido à pressão doconservadorismodoslíderesdacomunidade.De certa forma, pode-se dizer que a morte de Vladimir Herzog foi um choqueinesperado para Sobel. Conhecia Vlado, que já o entrevistara para a TV Cultura.Conhecia a sua mãe, Zora, que participava de cerimônias do shabat100, às sextas-feiras.Bem sabia da existência de brasileiros de famílias judias que faziam oposiçãomilitante ao regimemilitar.Não ignoravaqueváriosmorreramde torturanasmãosdoestado,comoChaelCharlesShreier,primodeCarlosBrickmann,GelsonReicher,irmãodeFelíciaReicherMadeira, entremuitos.Organizações judaicasdeesquerda,perfeitamente legais, funcionavam em variadas áreas: teatro, educação, caridade,movimentos juvenis sionistas.HaviaaCasadoPovo,comoTeatrodeArte IsraelitaBrasileiro.Umcentrodeesquerda.O brasilianista norte-americano Thomas E. Skidmore escreveu, em linguagemcautelosa– tantoemrelaçãoaocomportamentodamaioriadacomunidade judaica,quantoaoantissemitismodosmilitares–,queoassassinatodeVladodespertouumsentimentoderetração:“OfatodeHerzogserjudeusemdúvidaacrescentavaumareaçãoamedrontadadaelite (judaica) paulistana, uma vez que houvera vestígios de antissemitismo nocomportamentopassadodoslinha-dura101.”Sobel vacilava sob aspressões. Iluminou-o a senda religiosa: aobrigatória lavagemdos corpos com água morna, explicada acima. A postura que o rabino adotou, deinício tímida e insegura, a partir daí definiu seu papel durante o regime militar.Colaborador próximo do cardeal arcebispo Dom Paulo Evaristo Arns e de JaimeWright no Projeto Brasil: Nunca Mais, defensor dos direitos humanos. Ondeprecisassem dele, ali estaria presente. Quando Dom Paulo oficiou a missa emhomenagemaos19sem-terramortosduranteumacaminhadapacíficaemEldoradodeCarajás(PA),nodia17deabrilde1996,HenrySobelestavanoaltar.PalavradeHenrySobel:“Estou aqui na Catedral para participar deste Culto Ecumênico porque um judeumorreu.Umjudeuquefugiudaperseguiçãonazista{...},aquiseeducou,seformouese integrou perfeitamente. Estudou Filosofia, Artes, Jornalismo, Televisão. ParaVladimirHerzog,serjudeusignificavaserbrasileiro”.Preleção inspirada por Clarice Herzog, a quem visitara uns dias antes para falarsobreVlado,desculpar-seporquenãoforaaocemitérioeporteremosrepresentantesdaChevraKadishaapressadooenterro.Sobel prosseguiu comanarraçãoda fábuladeumvelho rabino, que legou a cadaumdosquatrodiscípulosumapartedesi:ainteligência,avisão,ocoração,alíngua.

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Vladimir Herzog legou a todos “a luz que emanava de seus olhos, digna de serguardada.Ocoração,dignodeser lembrado.Amente,dignadeserpreservada.Ealíngua,capazdetransmitirumasabedoriaquenemmesmoamortepodesilenciar”.

DepoimentodorabinoHenrySobel(resumo)O rabino Henry Sobel respondeu aos vereadores depois de introduzido pelopresidentedaComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzog.

OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Temapalavrao rabinoSr.HenrySobel,delongatrajetória.Religiosodacomunidadejudaica,conhecidomundialmente,éumnome importanteda resistência.DomAngélico referiu-se aoperíodode exceçãonaóticadaigreja.Gostariaqueosenhordesseoseutestemunhoarespeito,naóticadoseutrabalhonasarticulações,daparticipaçãonaluta.

OSr. Rabino Henry Sobel – Obrigado, vereador Natalini. Dom Bernardino epadre Júlio Lancellotti, irmãos. Irmãos são diferentes, têm ideias e opiniõesdiferentes, mas o que os une supera de longe o que os divide: amor e respeitofamiliar.VereadorRicardoYoung,shalom.VereadorMarioCovasNeto,emhebraicoMariosedizshemtov,bomnomeegranderesponsabilidade.

Amigos, eu estava no Rio de Janeiro para um debate promovido pela OAB, namanhã de 27 de outubro de 1975. Recebi um telefonema do Sr. Eich Lechziner,funcionáriodaChevraKadisha.Elemecomunicouumdramaquemudariaahistoriado Brasil. Minha vida tomou rumo diferente e desenvolveram-se novas formas derelacionamento entre a comunidade judaica e o conjunto da sociedade civil.LechzinermeinformouqueosmilitaresentregaramumcaixãocomVladimirHerzog,filhodeZora,dizendoqueelesesuicidaranaprisão.Então,deveriaserenterradonaaladossuicidas.Estranhei o suicídio de um homem casado com dois filhos. Sabia que era deesquerda,mas nunca dei importância a isso. E sabia que o simpatizante do regimemilitar, Cláudio Marques, fazia uma campanha acirrada contra ele pela TVBandeirantes.Duas horas depois, Lechziner ligou de novo. Disse-me que fizeram a Tahara,lavagem. O corpo tinha muitas marcas de golpes e sinais de tortura. Decidi: nãovamos enterrá-lo na ala dos suicidas. Se não houver provas definitivas, a dúvida ésempre em benefício do morto. Lechziner, zeloso, ainda fez uma chamada, maistarde.Perguntouseeutinhacertezatotal.Respondi:sealguémoquestionassedeveriadizerquefoiumpedidodorabinoSobel.Volteinodiaseguinte,depoisdodebatedaOAB,efuidiretoàcasadeClarice.

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Nomomentoemqueopteipelo enterronaárea comumsomei-meaomovimentodos indignados. Eu estava consciente. Era preciso fazer algo mais para que asbarbaridadesnãoacontecessemdenovo.Noentanto, trêsmesesdepoisdoVlado,ometalúrgicoManuel Fiel Filhomorreu no DOI-CODI em circunstâncias semelhantes:“estrangulou-secomasmeias”.OutrosimpatizantedoPCB.Em17dejaneirode1976.Depois de voltar a São Paulo e falar com Clarice, procurei o grande Dom PauloEvaristoArns, cardeal arcebispode SãoPaulo.Eu acreditava que entre os religiosostalvezfossepossívelencontrarumcaminho.Naépoca,aCúriaMetropolitanadeSãoPauloeraocentrodasdenúnciascontraviolaçõesdosdireitosdepresospolíticos.Fuiàcasadelenanoitedodia29.Falou-medocultoecumênico, ideiaqueachavaboaporquesomavaforçasreligiosas.Amissão do judeu e do católico não é a de tornar omundomais judeu oumaiscatólico, mas de tornar omundomais humano. Saí da casa de Dom Paulo com ocoraçãoquerendosaltardopeito.Audálio Dantas, presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, liderou omovimentodeconvocação,conseguindoanúnciosgratuitosemtodososjornais,coma ajuda dos colegas jornalistas nas redações. O fato ficou mais conhecido. O atoecumênicoseria,alémdeumahomenagem,umadenúncia.Procurei,então,BennoMilnitsky,presidentedaConfederaçãoIsraelitadoBrasil,aCONIB,que infelizmente faleceuhádois anos.Fora socialistana juventudee eraomeumaior aliado na comunidade. Benno deixou claro que a Confederação não semanifestariaparanãoatrairoódiodaditaduraemdireçãoaosjudeus.Bennoestavasendohonestocomeleeacomunidade,umareaçãotípicadosjudeusnadiáspora.

OSr.RicardoYoung–Umpequenodepoimentoaqui.Em1974,com17anos,eunamoravaumajovemjudiadefamíliatradicional.Clandestinamente,porqueaminhafamília era católica e protestante. Em 1975, na casa dela, acompanhei a discussãosobreaatitudedosenhor.Perguntavamseessadeveria seraposturadeumrabino.Decidi ir à cerimônia ecumênica. Não consegui porque fiquei preso em uma dasbarreiras, naAvenidaRebouças.Mas despertei para a política.Aminha indignaçãopelamortedeVladimirHerzog e odesassombrodos senhores, deDomPaulo edoreverendoJaimeWrightmudaramaminhapercepçãoecomeceiameenvolver,aindadurante a repressão. Muito obrigado, porque devo muito do que fiz na vida aoexemploqueosenhormedeuenquantoeueraadolescente.

OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Temapalavra, pela ordem, a vereadoraJulianaCardoso.

A Sra. Vice-Presidente (Juliana Cardoso) – Tenho nos meus amigos e

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companheirospadre Júlio,DomAngélico, rabinoSobel, exemplosda resistência, decomo podemos nos organizar, juntos, para termos uma vida mais humana, maisdigna.

InstitutoVladimirHerzog

Ojornalistadiantedasgrandesepoderosasmáquinasdeescrever,previstaspararesistiraanosdelongosserões

O Sr. Rabino Henry Sobel – Obrigado, vereadora. Dom Paulo foi muitopressionado.Pediram-lhequerealizasseoatoaportas fechadas.Comasuahabitualcoragem, respondeu que não fecharia as portas da igreja para o povo. Foi um atopolíticodeoposiçãoàtorturaeaoassassinato,emplenaditadura.

Policiaispasseavamcomassuasmetralhadoraspelasportasdacatedral.(voltando-separa a mesa) Padre Júlio, nunca esquecerei, tantos soldados com metralhadorasapontadasparaopúblico,dentroeforadacatedral,napraçainteira.(paraopúblico)Ao final, o hazan entoou uma oração tradicional judaica que começa com aspalavras“Deuscheiodemisericórdia”.GraçasaDeusfoiumatoecumênicopacífico.Mobilizou a opinião pública brasileira, marcou uma posição firme. Um homemmorreu.Ninguémaguentavamais.

OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Rabino,osenhornãorecebeupressãodemilitares?

OSr.RabinoHenrySobel–Houveumincidentequeeuchamariadepitoresco.Voucontarpelaprimeiravez,vereadorNatalini.Diasantesdoatoecumênicorecebia

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visitadetrêsgeneraisuniformizadosnomeuescritório.Muitoeducadoseelegantes.Todavia,umapontouodedoparamimedisse:“Rabino,osenhornãodeveria iraoato. Lugar de rabino é na sinagoga, não na catedral”. Minha resposta veioespontaneamente: general, vamos fazer um acordo. O senhor não decide qual é olugardorabinoeeunãodecidoondeosenhorvaiestacionarosseustanques.Penseiquetomassecomoprovocação.Mas,aocontrário,nadespedidaelemeabraçou.Logoquesaíram ligueiparaaembaixadadosEstadosUnidosemBrasíliaeaviseique iriaaoatoecumêniconacatedral.Justincase.

Àquela altura já se sabia que a ala radical do Exército articulava um golpe deextremadireita.Forjariamumaconspiraçãocomunistaparajustificá-lo.OnomedeVladimirHerzogseráparasemprerecordaçãodolorosadeumsombrioperíododerepressão.Masserátambémumecointernodavozdaliberdadequenãocala jamais. Devemos preservar o sentimento de indignação, sem nos acomodar àviolação dos direitos alheios. A indiferença em face do mal é um incentivo aorecrudescimento do mal. Vladimir Herzog nos inspira a dizer sim à dignidadehumana.

OSr.Presidente (GilbertoNatalini)–O rabino Sobel há décadas se dedica aconstruir uma sociedade brasileiramais humana, fraterna e democrática. Passarei apalavra ao Padre Júlio Lancellotti, que veio nos brindar com o seu trabalho eexperiência.

OSr. Padre Júlio Lancellotti – Depois de ouvir Dom Angélico e o rabino sóposso dizer amém e shalom. E homenagear amemória de Vladimir Herzog, SantoDias,Manuel Fiel Filho,DomÓscarRomero102.Acompanhei a celebração na Sé etambémotransladodocorpodeSantoDiasdaigrejadaConsolaçãoparaaSé.

Lembroasmetralhadorasemvoltadacatedral,dacidadesitiada,dosbloqueiosnasvias de acesso à Sé. Lembro-me do final. Dom Paulo muito preocupado com amultidão, apedirquenãoaceitassemprovocação.Vão embora, saiamempequenosgrupossemolharparaoslados,entremdepressanostransportes,aconselhava.Queromostraraquiquetodaessavergonhacontinua,aquestãodosdesaparecidos,otratamentocrueleindignoaplicadonospresospolíticosdehojequesãoospobres,oschamadosindigentes.OvereadorMarioCovasNetotemumprojetoparaarmazenaroDNAdeindigentesenterradosemvalascomuns.Gostariadediscuti-lo,talvezemumaaudiênciapública.Sabe-sequeentreosossosdavaladePerusaindaguardados,algunsressecaramesefragmentaramde talmodoquedeixaramde ser identificáveis. Impossível encontrarseuDNA.

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Muitosossossãodemoradoresderua.Eháaquelesdedesaparecidospolíticos.Acredito que uma forma de homenagearmos a vida de Vladimir Herzog, doManuel Fiel, do SantoDias e de tantas pessoas quemorreram de forma violenta ecruel nesta cidade, é torná-la mais humana e digna. Tanto no judaísmo como nocristianismo reverenciamos os corpos, mesmo sabendo que não têm mais vida eestarão deteriorados. Mas usar despojos humanos, comercializar cadáveres, fazertráfico de órgãos, desrespeitar suas identidades e continuar jogando-os em valascomunsévergonhoso.(O depoimento do Padre Júlio Lancellotti continua no capítulo XIV, dedicado àsvalascomuns).

O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – Anuncio a presença do vereador AriFriedenbach.TemapalavraovereadorMarioCovasNeto.

OSr.Relator(MarioCovasNeto)–AgradeçoapresençadorabinoHenrySobel,queconheçoháanos.Lembrodesuapresençaquandomecaseipelaprimeiravezeorabinoveioàigreja.Edepois,quandomeupaimorreuehouveumcultoecumênicono Ibirapuera. O rabino fez um discurso memorável. Agradeço a Dom Angélico,grandeativistadosmovimentospopularesdazonalestedeSãoPaulo,porcujapessoameupaitinhagrandeadmiração.NãopoucasvezeselefezmençãoaoDomAngélico,às suas lutas e à suaverdade.Eaopadre Júlio,que euconheciade famae tenhooprazerdeagoracompartilharcomeleomesmoambiente.

Escárniosempejo

O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – Passo a palavra ao deputado AdrianoDiogo,presidentedaComissãoEstadualdaVerdadeRubensPaiva.

O Sr. Adriano Diogo – Senhores vereadores, respondo primeiro ao rabino.Atualmenteestudoopapeldosjudeusnaditadura.Ocasoquemaismeimpressionaé o de Ana Rosa Kucinski Silva, porque a USP até hoje a considera demitida porabandono de cargo. Ana era irmã do jornalista Bernardo Kucinski. Recentemente,quandoBernardopublicouseu livroK,quecontaahistóriade seupaieabuscadocorpo de Ana Rosa, o diretor do Instituto de Química da USP queria processá-lo erecolhero livro.Bernardovem todaa semanaàComissãodaVerdadeperguntar sehánovidadearespeitodocasodairmã.

Descobrimos agora um relatório da Marinha do Brasil, rabino Sobel. Há umdocumento informando que Ana Rosa Kucinski foi tirada de circulação porqueErnesto Geisel assinaria o acordo nuclear Brasil-Alemanha103. Consideravam-na

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perigosaagentedupladaCIA(CentralIntelligenceAgency,dosEstadosUnidos),edoGovernodeIsrael.Repassaria,pormeiodeseuirmãoBernardo,informaçõessobreoprogramanuclearbrasileiro.Deoutrolado,qualfoiomaiscrueldosmédicoslegistas,aoladodeHarryShibata?Isaac Abramovic (ex-cunhado de Iara Iavelberg), que morava no Ipiranga e davacarona todos os dias ao estudante deMedicinaGelsonReicher, irmão da sociólogaFelíciaReicherMadeira.AssinoufalsamenteoatestadodeóbitodeGelsoneànoitetelefonouaopaideleparacontar.

OSr. Presidente (GilbertoNatalini) – Passo a palavra ao Sr. Carlos EduardoMagalhães.

OSr.CarlosEduardoMagalhães–SoudaComissãoJustiçaePazdeSãoPaulo.Ontem recebemos a informaçãodequenoChile sedivulgouonomedemédicos eprofissionaisqueatuaram juntoà repressão.Pergunto se seriapossível fazer isso emSãoPaulo,noBrasil.Setemosinformesdemédicosepessoasqueatuaramdurantearepressão,edosquefazemcomérciodeórgãos,porquenãodivulgar?Alémdeserviràrecuperaçãodahistória,éumdevernosso.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Esteve aqui o advogadoAntonioFunariFilho,presidentedaComissãoJustiçaePazdeSãoPaulo,esugeriuummemorialemhomenagem aos mortos e desaparecidos na cidade de São Paulo. Levantamos apossibilidade de ser no prédio que o DOI-CODI ocupou. Mandamos um ofício aogovernador Geraldo Alckmin, aprovado por todos desta Comissão, e obtivemosrespostapositiva,ogovernadoraceitadiscutiroassunto.Estáaceitaa suasugestãoevamosfazeroqueforpossível.

Fura-bumbosRepresentantesdediversoscredoscompareceramaoaltardaCatedraldaSé,paraoatoecumênicoemmemóriaecelebraçãodeVladimirHerzog.Entreeles,dareligiãoumbandista.A Comissão Municipal da Verdade Vladimir Herzog convidou suas lideranças afalar das perseguições que vitimaram seus fiéis, por preconceitos e racismo.Compareceram o Diretor Jurídico do Superior de Umbanda de São Paulo, oadvogado Antônio Basílio Filho; o professor Diamantino Fernandes Trindade, daFederaçãoUmbandistadoGrandeABC;eoSr.OrtizBelodeSouza,doMovimentoPolíticoUmbandista.“Areligiãoumbandistaéaúnicagenuinamentebrasileira.Nasceudamiscigenaçãodas religiões dos índios, caboclos (mestiços de índio e branco) e do kardecismo104”,explicoulogodeinícioAntônioBasílioFilho.

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Operíodo em que se desenvolveu a umbanda caracterizou-se por transformaçõessociais: a abolição da escravatura, a proclamação da República e o início lento epenoso de integração urbana dos negros. Religião de marginalizados, pobres,despertava preconceitos de classe e racismo. Tida como rudimentar e atrasada,acusavam-nadeenganarosingênuos,necessitadosesobretudoosdoentesembuscade curas. Durante o Estado Novo foi muito perseguida e alvo de condenação dapoderosaIgrejaCatólica.

OSr.Relator(MarioCovasNeto)–SenhorBasílio,háquantotempoaumbandaésuareligião?

OSr.AntônioBasílioFilho – Posso dizer que, de religião, sou um poucomaisvelho do que a minha idade. Tenho 56 anos. Mas, somando a espiritualidade, 56anosemaisnovemeses.SouIyalorixa105.

P–Houveperseguiçõescontraumbandistasduranteoregimemilitar?R–Tantoaumbandaquantoocandomblé foramperseguidos.Masopior foiantesdo regime militar, quando nossas casas eram invadidas. A perseguição ficava porcontadaDelegaciadeDiversõesPúblicas,quecontrolavaosfestejosdenossareligião–afestadeIemanjá,porexemplo.Interrompiameacabou.ADelegaciadeCostumesatacavaporqueamaioriadaspessoasdenossareligiãoénegra.Entendiamquepaisemãesdesantoeramvadioseosprendiam.Tinhamdepagarfiançaparasairemuitosnãotinhamdinheiro.Ficavampresosporalgumassemanas.P–Nainvasão,danificavamolocal?R–Chutavamtudo,quebravamatabaques.HáumaexpressãoqueperduranaPolíciaMilitar: fura-bumbos.Vemdessetempo.Éhojeusadaquandoumoficialrecebeumpraçaouumoficial subalternoeorejeita,dizendoquenãoqueraquele,éumfura-bumbo.Ouseja,semqualificação.P–AlgunsfiéisdaumbandasofreramaaçãodoDOI-CODI?R –Conheçoum caso, noRioGrandedo Sul, emque a cavalaria invadiu, chutou,prendeu e levou ao órgão repressor daquele estado pais emães de santo. SabemostodosqueemSãoPaulo,naRuaTomásCarvalhal,fundodo36ºDistrito,houvetodoo tipo de tortura. As pessoas passaram ali por todas as humilhações possíveis eimagináveis.Quandodigoumbandarefiro-metambémaocandomblé(vemdoscultosafricanos),pois sãoreligiõescoirmãs.Aumbandaestácrescendo,aConstituiçãonosampara,masaindasomosperseguidos.Digosemprequeoumbandista temde terahombridadededizerqualasuareligiãoeimpor-se.Estamosdeportasabertasparaaverdadeserapurada.

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O Sr. Relator (Mario Covas Neto) – Nós agradecemos. Volto ao nossopresidente.

O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – Professor Diamantino FernandesTrindade.

OProf. Diamantino Fernandes Trindade – Exponho um pouco do contextohistórico,arespeitodoqueaconteceudurantearepressãoinstaladaapartirde1964.Refiro-me à pergunta anterior do vereadorMarioCovasNeto sobre oDOI-CODI. Naépoca de Getúlio Vargas reprimiu-se brutalmente a umbanda e o candomblé, cujocontrole passou à Delegacia de Entorpecentes. O mesmo não acontecia com okardecismo. Por isso as tendas de umbanda se registravam como tendas espíritas, afimdeabrandarumpoucoavirulênciadaditaduraVargas.

Nocomeçodanovaditadura,em1964,eliminaramaDelegaciadeEntorpecentes.Ora,nessaocasiãoaindaviviammuitosdirigentesumbandistasda épocadeVargas.Aomesmo tempo, onúmerodeumbandistas crescia.Deu-se entãoummovimentobilateral,aquelahistóriadogatoescaldado.Muitosdirigentesprocuraram,dealgumaforma, ligar-se ao movimento da ditadura. Aumentou o número de entidadesfederativas.OgeneralNelsonBragaMoreira,entãotenente-coronel, fundouaSOESP–SupremoÓrgãodeUmbandaeCandomblédosFilhosdeTupinambádoEstadodeSãoPaulo.Deseu lado,aditaduramilitarusouasreligiõespopularesparamanipularopovo.Diversos militares, de uma ou outra forma, ligavam-se às entidades federativas. Opróprio governador Laudo Natel tinha um assessor que dizia ser “para assuntosespirituais”.Tambémhaviamuitainfiltração.(Manifestaçõesforadomicrofone.)OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Obrigado.O Sr.Ortiz Belo de Souza, doMovimentoPolíticoUmbandista.OSr. Ortiz Belo de Souza – Bom dia a todos. Quero registrar, em nome daumbanda e do candomblé, nosso agradecimento pela oportunidade de esclarecerfatos importantes que envolveram as religiões dematriz afro. E colocar o seguinte:onde ocorreram violações aos direitos humanos a transparência é necessária.DevemosdocumentarosfatosdahistóriarecentedoBrasil.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Muitoobrigado.

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Foto:M.Gomes/CMSP

VISTORIANACENTRALDETORMENTOS

SilvaldoLeungVieirachegaaoantigoDOI-CODI,ondefotografouacenaforjadadesuicídiodeVladimirHerzog

SilvadoqueriaelucidarcrimesAComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzogconvidouofotógrafoSilvaldoLeungVieira,quemoraemLosAngeles,nosEstadosUnidos,aprestardepoimentonaCâmaraMunicipaldeSãoPaulo.AlunodaEscoladeFotografiadaAcademiadePolíciadeSãoPaulo–ficaàentradadaUniversidadedeSãoPaulo–,seuobjetivoeracolaborar no combate a crimes. Ironia digna de uma charge: foi chamado parafotografar um “encontro de cadáver” no DOI-CODI. O seu primeiro trabalho. Namesmacela“apareceraenforcado”,nodia8deagostode1975,otenentedaPolíciaMilitarJoséFerreiradeAlmeida,diretordoClubedosOficiaisdaReserva.AssinaramoatestadodeóbitooslegistasHarryShibataeMarcosdeAlmeida.

DepoimentodeSilvadoLeungVieira(resumo)Nodia28demaiode2013, aCMVVH declarouaberta a sessão e agradeceuaoSr.Silvaldo Leung Vieira ter vindo de Los Angeles para contribuir com as suas

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informações.O fotógrafo jádera a suaprimeira entrevista aLucasFerraz,do jornalFolhadeS.Paulo,em5defevereirode2012.

OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Sr.SilvaldoLeung,osenhortinha22anosquandofoiconvocadopeloDOPS,em1975.Faziapartedoseucursofotografargenteassassinada?

O Sr. Silvaldo Leung Vieira – Até aquele momento, não. Fui colocado àdisposiçãodoDOPSparaatendimentodecasos.Eraasegundasemanadocurso.

OSr.RicardoYoung–Osenhorjátinhafotografadocadáveresantes?

OSr.SilvaldoLeungVieira–Nãodessetipo,masdepessoasmortas,sim.

P–OsenhorfoiaoDOI-CODIdaRuaTutoia?R – Veio uma equipe me buscar, acho que com uma perua Veraneio C 14. Noprimeiro final de semana. Éramos 21 fotógrafos no curso, ficamos duas semanas àdisposição.Naprimeira semana formou-seumgrupodedez alunos emplantão;nasegunda semana ficaram os outros. Dividiam os alunos por diversas repartições. Sólembro que era noite e o acesso ao local, fácil. Fotografei da porta, não entrei. Aspessoasquemelevaramdecarronãoforamaquelasquesubiramcomigo.Abriramaporta,memostraram.

OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Oqueosenhorviu?

OSr.SilvaldoLeungVieira–Ocadáveremfrentedaporta.Disseram:fotografa.Tirei três fotos com aberturas diferentes semmemexer de onde estava e saí. UseiumaMinoltaSLR35mm,doInstitutodeCriminalística.

P–Oqueosenhorachouquandoviuacena?R – Estranhei a posição. Pela posição dos pés, no chão. E a blindagem, de impediroutras fotos do local. Normalmente tínhamos liberdade de verificar o local emdetalhes.P–Osenhorjátinhafotografadoalguémqueseenforcou?R–Não.Sóposteriormente.Todossempossibilidadedopénochão.Normalmentevinhampenduradosdoforro.Estranheiesseporqueestavadepé.NaUSPcomeçaramafazercomentários.Asemanafoitumultuada.Nahoraeuestavatenso,nervoso;masnodecorrerdasemanaacheiquepodiaserhomicídio.P–Quemrevelouafoto?Quandoosenhoraviu?R – Eu me alojava na Cidade Universitária, no CRUSP, pois era de Santos. Nasegunda-feira, quando cheguei, havia um começo de tumulto, mostravam a foto.

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Soube então que era um jornalista, Vladimir Herzog, professor de jornalismo naprópria USP. Apareceu um caminhão da Polícia do Exército. Houve uma pequenacorreria.

OSr.RicardoYoung–Osenhorcomentoucomoscolegasquetirouafoto?

OSr.SilvaldoLeungVieira–Comenteicomváriaspessoas.Elasdiziamqueeletinhasidomorto.

OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Lembra-sedealgumagentedepolíciaquepudéssemosprocurarparasaberdedetalhes?

OSr. Silvaldo LeungVieira – No momento, não. A minha memória é que aminha intenção foi sairdo Institutoe tenteimeorganizarpara sairdoBrasil.Passeitrêsanosfocadonisso.

P –O senhor disse que saiu rápido depois de fazer três fotos. Nas outras vezes asfotoserammaisdemoradas?R – Com outros ângulos. Depois do curso me efetivei e tinha mais acesso,ajudávamosnaperícia.P – Hoje o senhor tem a convicção de que Vladimir Herzog foi assassinado, quemontaramaquelafotoeosenhorserviuparafotografarumafraude?R–Hoje,semdúvida.Tenhocerteza.P–Osenhortemcertezadequefotografouumhomemmorto,penduradoalipelosórgãosderepressão,equeaimagemfoiparadepoisdivulgaramentiradequetinhacometidosuicídio?R–Sim.

OSr.RicardoYoung –Quando tomou consciência da importância da foto e daconvulsãoqueseiniciava,osenhorchegouatemerporsuavida?Sofreuameaça?

OSr.SilvaldoLeungVieira–Aúnica lembrançaque tenhoéada importânciadosigilo,aobrigatoriedadedosigilo.

P–NãosentiumedoquandohouveoatoecumêniconaCatedraldaSéeacidadeparouemfunçãodocrime?R–Naquelemomento,não.Atéalieraumestudantenormal.

OSr.Relator(MarioCovasNeto)–Sente-seameaçadohoje?

OSr.SilvaldoLeungVieira–Nãomeconsideroameaçado.

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P – Enquanto ficou no DOI-CODI, o senhor percebeu alguma outra movimentação?Quetenhavistoououvido?R–Não.P–Osenhorrecebeualgumaremuneraçãoextra?R–Não,euerafuncionáriodoEstado.P–Ondeafotofoirevelada?R–No Instituto deCriminalística.A foto vai para o perito, por vias legais, e ele aincluinolaudo.Senãomeengano,foipublicadapeloJornaldoBrasil.Achoqueviafotonasnotíciaseouvicomentários.

OSr.Presidente (GilbertoNatalini)–AAcademia de Polícia tem o nome deCoriolano Nogueira Cobra, seu primeiro diretor. Depois verificaremos qual aimplicação de cederem alunos para fazer esse tipo de trabalho. Senhor Silvaldo, osenhorvoltouaoDOI-CODIparafotografar?

OSr.SilvaldoLeungVieira –Uma vez e não estava tãonervoso.Acredito quetenhasidoparafotografarManoelFielFilho,porqueasdatascoincidem.

P–OsenhorviuManoelFielFilhomorto?R – Não. Cancelaram e me levaram de volta. Não deram explicação e eu nãoperguntei nada. Eume formei, ficavamme transferindode uma repartição a outra.Fazia fotosnormaisdo InstitutodeCriminalística: acidente,homicídio, encontrodecadáver, furtoqualificado.Depois fui transferidoparaSantos,para fotografarpresoscondenados.NacarceragemdoantigopresídiodeSantos.P–OsenhorviuemSantosalgosemelhanteàfotoquefeznoDOI-CODI?Erampresoscomuns?Torturados?R – Não tinha informação sobre os crimes, mas acredito que sim. Não presenciei.Porém convivia quase que diariamente com gente gritando, gente levada emambulância.OspresospolíticoseramlevadospeloDOPS.

OSr.RicardoYoung–No iníciodoseucurso,quando tiroua fotonoDOI-CODI,teve a percepção de que havia torturas no regime militar, sentiu-se cúmplice emalgummomento?

OSr.SilvaldoLeungVieira –Não,masme sentiamuitomal. Também de teriniciadoavidadaquela forma.Desdecriançatrabalhocomofotógrafo,meuobjetivoera continuar assim. Naquele tempo, menor podia trabalhar, tenho a carteiraprofissional de 1970. E de repente vi um tipo de fotografia que não era o queimaginei, o que eu queria. O Instituto proporcionava facilidades, equipamentos de

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últimageração.Masnãoeraoqueeusonhava.

P–Porqueosenhornãoabandonouocursoquandoviuquealihaviatortura?R–Nãotinhapossibilidadedemedesvinculardotrabalho.Viviadele.Oquefizfoiguardardinheirodomeusalárioparapoderpagarodepósitocompulsórionaépoca,senãomeenganode22milcruzeiros.Compreiminhapassagem,pediférias,pegueiodinheiro das férias, tinha economizado entre 500 e 600 dólares. E abandonei otrabalho.Fiquei15anossemvoltaraoBrasil.

OSr. Presidente (GilbertoNatalini) – Foi por conta do serviço que fazia? Osenhorrejeitouaprofissão?

OSr.SilvaldoLeungVieira – Exatamente. Acredito queme tenha fechado asportas.

P – O senhor disse que não presenciou tortura. Ouvia algum barulho? Haviacomentários?R – Sim. Falavam, eu ouvia. Tinha movimentação, eles saíam, desciam para acarceragem.Nesseperíodomesuspenderamporquefiqueisemfotografarporuns30dias,fiqueisementregaroquetinha.Crisepessoal.

O Senhor Ricardo Young – O senhor se considera vítima ou colaborador dosistema?

OSr.SilvaldoLeungVieira–Maisvítima.Existiampoucoscursoseumdosquedavamescola era esse,do InstitutodeCriminalística.Minha intenção era aprender.Eraumbomcurso, comacesso amateriais inexistentesnomercado. Infravermelho,ultravioleta,luzes.Umfotógrafocomumnãotinhaacessoaessatecnologia.

OSr.Presidente (GilbertoNatalini)– Silvaldo, queria que você contasse aquisobreoatoecumêniconaSé.Algunsdaquiestavam lá,eu também.Umaequipedefotógrafos estudantes como você foi designada para fotografar as pessoas, pegar a“careta”dagente.Issodefatoaconteceu?

OSr.SilvaldoLeungVieira–Sim.Paraoarquivodapolíciapolítica.Eunãofui.EuquisdescerparaSantos.AúnicavagaeraparafazeressetipodetrabalhonoDOPS.

O Sr. Relator (Mario Covas Neto) – Entendo que começava a sua vidaprofissional e não vejo como responsabilizá-lo por qualquer coisa dessa época.Sinceramentenãofaçoessaligação.Eleéumavítimadoqueaconteceu.Sóofatodeteridoemboramostraoquantoincomodadoestava.Édescabidoligá-loaoórgãoderepressão.

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O Senhor Ricardo Young – Em retrospectiva, qual a lição que leva dessaexperiência?

OSr.SilvaldoLeungVieira–Cresci.Todaaminha infância foi commedo.Foiumaopçãoque,infelizmente,fiz.Atéhojemearrependo.Eupoderiatersobrevividode outra forma. Já tinha sido fotógrafo em jornal, emprefeitura.Achei que obteriamaior conhecimento nesse curso. Não posso mudar isso e terei de levar isso parasempre.

OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–ConvidoàmesaoSr.AnivaldoPadilha,coordenador do Grupo de Trabalho de Igrejas da Comissão Nacional da Verdade.MinhaperguntaaoSr.Silvaldo:osenhorfoiemboraeficou15anoslongepormedo?

OSr.SilvaldoLeungVieira–Pornojo.

Sarrafo,armadecovardeOjornalistaSérgioGomes,entreospresentesaodepoimentodo fotógrafoSilvaldoLeungVieira, foiconvidadopelaCMVVH a fazerumrelatosobreoquevivenciounoDOI-CODI de São Paulo quando assassinaram Vladimir Herzog. Sérgio Gomes forapresoesequestradonoRiodeJaneirocomoamigoWaldirQuadros,ambosligadosàbaseuniversitáriadoPartidoComunistaBrasileiro.Viajavammensalmenteparalevaralgum dinheiro a João Guilherme Vargas Neto, dirigente do PCB que, clandestino,morava em um pequeno apartamento noRio.No último percurso, Sérgio eWaldirperceberamqueosseguiam.Mudaramo itinerário,oqueprotegeuJoãoGuilherme.Masnãoescaparam.Foram levadosaSãoPaulodepoisque,noDOI-CODI doRio, osforçaram a beber água com creolina e espancaram com caibros, entre múltiplasbarbaridadesomitidasporSérgioGomes.NocaminhoaSãoPaulopassaramporumaestradinha com cadáveres, possivelmente local de desova do esquadrãodamorte, eforamvítimasdesimulaçãodefuzilamento.

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Foto:M.Gomes/CMSP

AméliaTelesmostraolocaldacelaondefoitorturadanafrentedosfilhospequenos.Atrás,SilvaldoeEmílioIvoUlrich.Aolado,daesquerdaparaadireita,osvereadoresRicardoYoungeGilbertoNatalini

RelatodeSérgioGomes(trechos)“No dia em que mataram Vlado, o comando da tortura estava na mão dotorturador Pedro Antonio Mira Granciere, de alcunha capitão Ramiro. Eram trêsequipes, cadauma com seu estilo.No casodeGranciere, andava comum sarrafo ebatia nas pessoas exatamente nas articulações. Desmontava a pessoa. Esse cara, aomesmo tempoemquebatiaedavachoque, sufocavaapessoacomoprópriocapuz.Feitodeumalonitarelativamentegrossa,ocapuzficavaempapadodeamoníacoqueelederramavaàalturada testa.Comoschoquesdamáquina, socosea inalaçãodoamoníaco, respirarera incontrolável, convulso.Nacadeiradodragão, imobilizado,acabeçaquerumacoisa,ocorpooutraevocêtemacertezadequesofreráumderramecerebral. Passei por isso. Percebi claramente que me aproximava de uma situação-limite,emqueiriaenlouquecer.”“Vlado foi morto nessas circunstâncias”, prossegue Sérgio. “Eu ouvia, por umajanela, alguém ser torturado e as perguntas repetiam: quem eram os jornalistas?Estranhava porque os jornalistas ligados ao PCB já estavam lá. Amaioria deles. Naépocapropusque,sefossetecnicamentepossível,seexumasseocorpodeVladoparaverificartraçosdeamoníaco”.Sérgio Gomes chama a atenção para a morte de José Montenegro de Lima, o

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Magrão,presonaquelesdias.AssassinadonosítiodoCIE106,provavelmenteo jogaramnorioAvaré,cortadoempedaços,providênciatomadaparaevitarqueocorpofosseidentificadoouboiasse.AComissãoNacionaldaVerdadeanalisouocaso.“A direita se valeu da extrema direita para eliminar os militantes que poderiamalargaroprojetodademocracia.EnquantoGeiselfalavaemaberturalenta,gradualesegura, era preciso eliminar fisicamente, se possível, uma parte dos que tinhamtrabalhadoparaagrandevitóriadaseleiçõesdenovembrode1974107.”Ogrupode jornalistasdoqual faziamparte SérgioGomes eVladimirHerzognãoeradeação.“Umpequeno grupo empenhado em construir um partido capaz de dar conta da

pólis, da sociedade, para que fosse mais justa, democrática e tivesse suas riquezasinvestidasnopovo.LigadoaoPartidoComunistaBrasileiroque,semsersalvadordapátria,talvezabrisseumcaminho.DiscordávamosdaideiadeGeraldoVandré,quemsabe fazahoranão esperaacontecer.Achávamosumestímulo aum individualismoprecarista,quemuitagentemorreria–comomorreu.”SérgioGomes fazpartedoConselhodo InstitutoVladimirHerzog,que temcomopropósito a recuperação da memória da história recente, não com o sentido devingança,masdeproduzirjustiça.

JornaldosjornaisEm 12 de outubro de 1975, duas semanas antes da prisão e morte de VladimirHerzog,ojornalistaAlbertoDinesescreveu,nasuaseçãoJornaldosJornais,publicadapelo jornal Folha de S.Paulo, a coluna abaixo. Foi reproduzida noObservatório daImprensade26deoutubrode2004sobotítuloAHoradaVerdade.TodaaVerdade,comaobservaçãodequeaprisãodogrupodejornalistasfoi“trombeteada”,quandotaiseventoscostumavamserclandestinosoudiscretos.

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Foto:M.Gomes/CMSP

Umadascelasdetortura,reformadaeemmauestado.PoucosmesesantesdeVlado,fotografaram“enforcado”otenentedaPolíciaMilitarJoséFerreiradeAlmeida,oPiracaia

Caçaàsbruxas“Fazer a crítica à imprensa considerando os aspectos puramente profissionais eobjetivoséumanecessidade.Fazpartedamaturaçãodoprocesso jornalísticoedeveserpraticadapor todos.Mas abandonarproblemas concretosdequalidade e ética eincorporar-se ao grupo de denunciadores da infiltração ideológica nos meios decomunicação é, no mínimo, uma traição à sua própria classe hoje amordaçada,pagandoporerrosquenãocometeu.É o caso de dois jornalistas, um de São Paulo, outro do Rio, que desencadearamultimamenteumaofensivapolítica.Aqui [SãoPaulo], trata-se deCláudioMarques,colunista do Shopping News (Coluna Um, pág. 2), que há três domingos veminsistindo contra o Departamento de Jornalismo da TV Cultura, apelidada pelocolunista de TV-Vietcultura. A campanha tentou macular a própria figura dosecretário[daCulturadoEstadodeSãoPaulo],JoséMindlin.NoRio, trata-se deAdirson deBarros, colunista daÚltimaHora que não apenasdenunciaa“infiltraçãovermelha”naimprensabrasileiracomo,inclusive,citacasosdoprópriojornal.Cláudio Marques já anunciava: os jornalistas da TV Cultura seriam em breveconvidadosahospedar-senas instalaçõesdoDoi-CodinaruaTutoia.Citavanomes,inclusive o de Herzog. Também tentava envolver o então secretário de Cultura doEstado, JoséMindlin. Preocupado com as ameaças,Herzog pediu a amigos comunsquesolicitassemaesteObservador,entãoresponsávelpelacoluna“JornaldoJornais”(Folha de S.Paulo, pág. 6, aos domingos) para desmascarar o agente da repressão

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disfarçado em jornalista. A denúncia contra Cláudio Marques foi publicada sob otítulo“Caçaàsbruxas”semcitarosnomesdosjornalistasameaçados(12deoutubro,duas semanas antes de consumada a prisão de Herzog). No intervalo CláudioMarquescontinuouseusataques.”

AuxiliadoresdoopróbrioNo dia 7 de outubro de 1975, em óbvia orquestração, o deputado estadual JoãoLázaro de Almeida Prado concedeu cincominutos do seu tempo para o colega daARENA,VadihHelou,pronunciaroseudiscursoprovocativonaAssembleiaLegislativadeSãoPaulo.DeclarouHelouqueestranhouaausênciadecoberturadaTVCulturanainauguraçãodeumserviçodeáguaseesgotosemCapãoRedondo(sudoestedeSãoPaulo). Indiferente à contradição, ironizou que não se surpreendia. Afinal, ojornalistaCláudioMarques, autor de uma coluna no jornal de distribuição gratuitaaos domingos, o Shopping News, denunciava semanalmente a “infiltração deelementosdeesquerdanocanal2,comacomplacênciadosecretáriodaCultura,Dr.JoséMindlin,edopróprioGoverno”.Odeputadoenfileirouprovas,acusandoocanaldesómostrarmiséria,deenaltecer líderesesquerdistasdeoutrospaíses.Ignoravaosfeitos do país, “umoásis nomundode hoje.”Marques a acusava de ser a televisãoVietnam Cultura de São Paulo. “Paga com o dinheiro do povo, desservindo nossogovernoenossaPátria”,concluiuHelou.A essa altura o deputado JoséMariaMarin entraria em cena. Pediu um aparte ecorroborou: “...causa-meestranhezaquandoosórgãosde imprensadonosso estadode há muito vem levantando esse problema, pedindo providências aos órgãoscompetentes com o que está acontecendo com o Canal 2, e não verificamos pelomenosnenhumapalavradeesclarecimento.”(sic)Vê-sequeMarinconsideravaoShoppingNewsrepresentantedetodaaimprensadeSãoPauloedescreviaCláudioMarques,quetambémusavaaexpressãoTutoiaHiltonparadesignaroDOI-CODI,comoojornalistaque,“deformaparticularecorajosa”,faziaasdenúncias.ConclusãodeMarin:“Oquenãopodecontinuaréessaomissão,tantoporpartedoSr.SecretáriodaCulturacomodoSr.Governador...paraqueatranquilidadevolteareinarnãosónestaCasamas,principalmente,noslarespaulistanos.”Naediçãode9deoutubrode1976doDiárioOficialdoEstado,Marinmanifestou-senovamente,destavezcomumalouvaçãoaodelegadoSérgioParanhosFleury,umhomemquepresta“relevantesserviçosàcoletividade,emboranemsempretenhasidofeitajustiçaaoseutrabalho...quehonraapolíciadeSãoPaulo.”Naquestãodosjornalistas“marrons”nãosepodeesquecerLenildoTabosaPessoa,no Jornal daTarde.Ummês antes damorte deVlado, escreveuna sua coluna: “A

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infiltraçãodaesquerdacontestatórianosistemaenademocraciaemváriosescalõessónão vê quem é conivente e burro. O caso da TV VietCultura extrapolou.” Seuinspirador era Cláudio Marques que, além da coluna citada, dirigia o Jornal doComércioeapresentavaumprogramanaTVBandeirantessobremercadoimobiliário,patrocinadopelomilionárioAdolphoLindenberg,ummantenedordaorganizaçãodeextrema-direitaTradição,FamíliaePropriedade.AComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzogporduasvezesconvidouJoséMariaMarinacomparecerparatomaroseudepoimento.Recusou-se.O governador de São Paulo nesse período, Dr. Paulo Egydio Martins, contou à

CMVVH que acabarade chegardo interiornodomingo,dia 26deoutubrode 1975,quandorecebeuumtelefonemadoseusecretáriodaSegurança,coronelErasmoDias.OuviuqueVladimirHerzogmorreranavéspera,noDOI-CODI.Nãooconhecia.Ligoupara JoséMindlin. Tambémnão o conhecia,mas informou que o nomeara porquedetinhaasmelhoresreferências.Eraperfeitoparaocargo.PauloEgydioficouestupefato.PorquematariamVlado?“Se o Jornal da Cultura tivesse audiência de 0,001%, seria um sucesso. Pedi queErasmofizesseumapesquisa.NadaconstavacontraHerzog,emlugarnenhum.Veiodo II Exército a explicação: ele representa uma ameaça à segurança nacional.“Pergunto, ao senhor ou a alguém, como um jornal desses pode pôr em perigo asegurançanacional?”Nodia27deoutubro,ogovernadoracreditaqueteveumapista,reveladapordoisdeputadosdaoposição,AlbertoGoldmaneAyrtonSoares.Recebeu-osnopaláciodogoverno. Acabavam de chegar do enterro de Vladimir Herzog. Ouviu que ambosestiveramcomváriosjornalistaspresos,liberadosparaoenterro.Alguns,entreelesojornalista RodolfoKonder, disseram que lhes perguntavam, durante a tortura, qualeraaligaçãodeVladocomPauloEgydio,umagentedaKGB.Equefaziamaperguntainsistentemente a Vlado, durante os tormentos. Como a buscar um pretexto paraintervir na TV Cultura e com isso atacar tanto o secretário da Cultura como ogovernador Paulo Egydio Martins, que não marchava com a linha dura. Ogovernador,umhomemdeGeisel,achouqueeraumapiada.Masaprendeuaouvirboatoseaverondeiamdar.“AminhateoriaéadequepretendiamdesestabilizaroGeisel”,dissePauloEgydioMartins à Comissão Municipal da Verdade Vladimir Herzog. “Talvez pareçapretensão minha, mas um atrito comigo em São Paulo poderia justificar umaintervençãomaior,nacional.Eu achei quehaviauma lutapelopodermuito grandenoExército.”

NoabrigodaCBF

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Emabrilde2013,IvoHerzog,presidentedoInstitutoVladimirHerzog,eosenadorRomário de Souza Faria entregaram à Confederação Brasileira de Futebol umapetição com acima de 50 mil assinaturas, que pleiteava a saída do apoiador daditadura militar, ex-vice-governador de São Paulo e ex-deputado da ARENA, JoséMariaMarin.ACBF ignorou-lhesacintosamenteapresençaeapetição.Recentemente,depoisdaderrotabrasileiraparaaAlemanhanaCopadoMundo,Romárionãovacilou:“ÉumainstituiçãocorruptaqueusaoBrasilparaenriquecer.EstouháquatroanospregandonodesertosobreosproblemasdaConfederaçãoBrasileiradeFutebol,umainstituiçãocorruptagerindoumpatrimôniodealtíssimovalordemercado,usandonossohino,nossa bandeira, nossas cores e, o mais importante, nosso material humano, nossosjogadores...Umbandodeladrões,corruptosequadrilheiros!”O jornalista Ricardo Setti fez uma enquete em seu blog em julho de 2014.Perguntava quem era o responsável pelo fracasso da seleção brasileira na Copa doMundo de 2014. Semmeias-palavras, como Romário, sugeria a resposta com umapergunta:“...tudodeveserdebitadoaodecrépitocartolãoJoséMariaMarin,políticoex-capacho da ditadura militar... presidente da CBF e do Comitê Organizador daCopa,queemúltimainstânciaéocamaradaqueescolheaComissãoTécnicaetomaasdecisõessobreaSeleção?”ParaojornalistaJucaKfouri,asrevelaçõesdaComissãoNacionaldaVerdadeligamonomedeJoséMariaMarin,naépocadeputadoestadualemSãoPauloe louvadordeFleury,aoepisódiodetorturadoex-maridodapresidenteDilmaRousseff.KfouriconsideraqueofatoimpossibilitaopresidentedaCBFdecontinuarnocargo.Emabrilde2013,CarlosPaixãodeAraújodeclarouàComissãodaVerdadeemPortoAlegrequeFleuryotorturouemagostode1970.

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Em7e9deoutubrode1975oDiárioOficialdoEstadopublicouodiscursodeódiocontraVladimirHerzog,doentãodeputadoJoséMariaMarin

Manifestodosjornalistas

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Sob a presidência de Audálio Dantas, de valoroso e fundamental papel políticoquando Vladimir Herzog foi assassinado, o Sindicato dos Jornalistas de São Paulopublicou, na edição de janeiro de 1976 do seu jornalUnidade, o documento EmNomedaVerdade.Assinavam851jornalistasdeSãoPaulo,RiodeJaneiro,BrasíliaePortoAlegre.Outras153assinaturas,entreelasasdeCuritibaeNatal,nãochegarama tempo de ser publicadas. O documento foi enviado à 1a. Auditoria Militar.Contestava o relatório fraudulento sobre a morte de Vladimir Herzog, diretor detelejornalismodaTVCultura,assassinadonoDOI-CODInodia25deoutubrode1975.O texto, com data de 6 de janeiro de 1976, respeitoso, indicava contradiçõescontidasnoRelatóriodoInquéritoPolicial-Militar,divulgadonodia20dedezembrode 1975, e fazia perguntas relativas a elas. Mencionava igualmente duas versõesconflitantesdedoismembrosdaChevraKadisha.Diantedetodasas inconsistênciaspediaaelucidaçãodosfatosejustiça.

PraçamemorialVladimirHerzogAComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzog,nasuaprimeiraformação,soba presidência do vereador Ítalo Cardoso, aprovou a instalação de ummemorial nologradouroatrásdoPalácioAnchieta, aPraçaeMemorialVladimirHerzog.O localfoiinteiramenterenovado.NaparedeexternaposteriordoprédiodaCâmara,oPalácioAnchieta,ummosaicode6metrosreproduzapintura25deOutubrodeElifasAndreato.OoriginalestánoSindicato dos Jornalistas. No dizer de Clarice Herzog: “Retrata o suplício dos quepassarampelo famigeradoDOI-CODI”.A realizaçãodomosaico teveaparticipaçãodecrianças do Projeto Âncora, de educação básica com autonomia de aprendizagemparacriançasdebaixarenda,nomunicípiodeCotia(oestedaregiãometropolitanadeSãoPaulo).Apraça é ajardinada, tembancos e espaçode convívio. Inauguradonodia 25 deoutubrode2013,passados38anosdoassassinatodeVlado,seráumadasmarcasdaComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzog.ParaojornalistaAudálioDantas,quefoiamigodeVladoeéautordolivroAsduas

GuerrasdeVladoHerzog108,acriaçãodeummemorialempraçapúblicaémaisumaconquista,nãosódafamíliaedosamigos,masdasociedadebrasileira.“Avidadelefoibreve,masdealtacontribuiçãoparaaslutasdemocráticasnopaís”,declarou durante a inauguração. Segundo o escritor e omais extraordinário diretordo Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo, Herzog foi o 22º jornalistaassassinadooudesaparecidonaqueleperíodo. “A suamorte foiomomentoemquenãosesuportoumais.”

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InstitutoVladimirHerzog

AtoecumêniconaCatedraldaSé,conduzidopelocardealarcebispoD.PauloEvaristoArns,emhomenagemaVlado:espessaatmosferadedor

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TestemunhaoculardoenterrodeVladimirHerzog,FernandoPachecoJordão,seuamigo,nolivrodossiêherzog–Prisão,TorturaeMortenoBrasil,relataomedrosoelastimávelcomportamentodaChevraKadisha,sociedadereligiosadaspessoasquepreparamoscorposdeacordocomoritual.“Foitantaapressaemterminarlogoacerimôniaque,apesardosprotestosdeClariceediversosoutrospresentes,nãoseesperoupelachegadadedonaZora.OauxiliardaChevrahKadishainsistiu,quasegritando,paraqueocaixãofossebaixadoimediatamenteàcovae,comumapá,começouasepultá-lo,semrespeitaratradiçãodequecompeteaosfamiliaresdiretosdomortoatirarosprimeirospunhadosdeterra.”Página54,EditoraGlobal,2005.IaraIavelberg,recém-formadaemPsicologia,engajara-senaVPR,cujocomandoCarlosLamarcaintegrava.Apaixonaram-se.Ocontínuocercolevou-osàBahia.Iara,paraSalvador,ondemorreunocercoaoprédioeaoapartamentoemqueserefugiaranobairrodaPituba.Lamarca,aointerior,ondefoimortoenquantodeitado,exausto,nochãodacaatingapertodePintadas(255quilômetrosaoestedeSalvador).PauloNovak,daCongregaçãoIsraelitaPaulista.JoséWilsonA.NevesJunior,FábioLanza,LuizErnestoGuimarães,emOidealdemocráticocatólicoprogressistanasmatériasvetadaspeladitaduramilitarnoBrasil(1964-85)dosemanárioCatólicoOSãoPaulo.ArtigoparaaXXVSemanadeCiênciasSociais–50AnosdoGolpeMilitar,de8a10deabrilde2014.UniversidadeEstadualdeLondrina.EleitodeputadofederalporSãoPauloem2014.CombatenasTrevas–AEsquerdaBrasileira:dasIlusõesPerdidasàLutaArmada.Obracitada,página220.TodasastranscriçõesreferentesaocultoecumêniconaCatedraldaSésãoextraídasdolivrodeFernandoPachecoJordão,dossiêherzog,citado,capítuloNinguémTocaImpunementenoHomem.NãoMatarás.EmNomedosFilhosdeVlado.Página85.OfuncionáriodoPentágonoDanielElsbergentregouaojornalTheNewYorkTimes14milpáginasquecopiou;oTheWashingtonPostcomeçouapublicá-losemseguida.RevelavamoenvolvimentocrescentedosEUAnaguerradoVietnã,comdesprezopelapromessadopresidenteLyndonJohnson.Ellsbergcopiou-osaospoucospormaisdeumano.Justificou-se:“Osdocumentosdemonstravamumcomportamentoinconstitucionalporumasucessãodepresidentes,aviolaçãodeseusjuramentoseaviolaçãodojuramentodecadaumdeseussubordinados.Tinhaesperançadetiraranaçãodaguerraerrada.”DiasagradoparaosjudeusreligiososporquecelebraodescansodeDeusterminadootrabalhodacriação.Judeusmaisliberaiseventualmentecomparecemafimdeparticipardeumritualcomunitário.ThomasE.Skidmore,Alentaviabrasileiraparaademocratização:1974-1985,nolivroDemocratizandooBrasil.Váriosautores,página38.EditoraPazeTerra,1988.ArcebispodeSãoSalvador,defensordosdireitoshumanosedeclaradoservodeDeusem1997pelopapaJoãoPauloII.Aderiuànão-violênciadoindianoMahatmaGandhiedonorte-americanoMartinLutherKing.Assassinadoaocelebrarmissaemmarçode1980.AsangrentaguerracivilentreguerrilheirosdaFrenteFarabundoMartídeLibertaçãoNacionaleasForçasArmadasemELSalvadordurouaté1992.AcordosdepaztrouxeramaFMLNàvidapolíticalegal.OpapaFranciscopromulgou,noiníciode2015,decretoquereconheceomartíriodeDomRomero.Poderáserbeatificadooucanonizadosemcomprovaçãodemilagre.Oprocessoestavaparado.Assinadoem27dejunhode1975.Seriamconstruídosoitograndesreatoresnuclearesparageraçãodeeletricidade.OtratadopermitiaaoBrasildesenvolvertecnologiadeurânioenriquecido.AnaRosadesapareceuem22deabrilde1974comoseumarido,WilsonSilva.Celebraçãodosespíritosdeíndiosancestrais,deancestraiscabocloseespiritismo,embebidosdeelementoscatólicos,emumricosincretismo.CargosacerdotaldanaçãoKetu.AcapadarevistaVejade18denovembrode1992,comotítuloAutópsiadoMedo,trazorelatodoex-sargentoMarivalDiasChavesdoCanto,sobreosítiodoCentrodeInvestigaçõesdoExército,a30

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quilômetrosdeSãoPauloeàbeiradarodoviaCasteloBranco.Eleapontouousodasinjeções,oesquartejamentodoscorposeaescolhadorioAvaréparaoslançaremdeumaponte.OsítiopertenciaaumamigodomajordoexércitoAndréLeitePereiraFilho,queatuounoDOI-CODIdeSãoPaulocomocodinomedeDr.Edgard.MariaHelenaMoreiraAlves,EstadoeOposiçãonoBrasil(1964-1984):vitóriadaoposiçãoespecialmentenoSenado,ondeoMDBrecebeu4milhõesdevotosamaisqueaARENA.NaCâmaradosDeputadosobteve10.954.440milhõeseasituação,11.866.482.Página185.EditoraVozes,1984.EditoraCivilizaçãoBrasileira,2012.

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Foto:M.Gomes

CADEIASDECOMANDOIvanSeixas:JudiciárioeLegislativonãopassavamdepoderesdecorativosnaditadura

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CAPÍTULOVII

Ateiadomonstro“Eufizisso-dizaminhamemória.

Eunãopossoterfeitoisso–dizomeuorgulho.Epermaneceinflexível.

Amemóriacede.”FriedrichNietzsche(1844-1900),filósofoalemão.

ComandoemcadeiaVitoriosoogolpecivil-militarde1964oSNI,queogeneralGolberydoCoutoeSilva,seu criador e cérebro, vinha gestando, tornou-se a cabeça de todo o sistemarepressivo.Ospropósitosde rígido controle social e político serviamàsnecessidadesdo regime militar. Os tentáculos cresceram e intimidavam. Os operadores da teiabeneficiavam-se duplamente do poder, do financiamento semioficial de apoiadorescivis e dos butins de várias procedências.Comos anos, na conhecidadefiniçãoqueGolbery teria expresso, transformou-se em um monstro. O feiticeiro perdeu ocontroledosaprendizes.IvandeSeixas,jornalistaemembrodoNúcleodePreservaçãodaMemóriaPolítica,foicoordenadordaCEVRP(ComissãoEstadualdaVerdadeRubensPaiva).Nodia22de outubro de 2013 veio à ComissãoMunicipal daVerdadeVladimirHerzog paraexpor como funcionava o esquema da repressão. A estrutura pôde ser desvendadainicialmente devido à documentação daMarinha do Brasil, descoberta no ArquivoNacional(RJ).“Vimosquenãosetratavasódeumsistemaderepressão”,destacou.“Eratambémum sistema de condução das decisões, porque envolvia a parte estratégica darepressão.Foiaimplantaçãodoterrorismodeestado”.IvanSeixaschamaaatençãoparaosobjetivosdosórgãosligadosaoSNI:“Conforme o documento original, além de produzir informações em proveito dapolíticadesegurança,dirigia-seàpolíticadedesenvolvimentodopaís.”Portanto, também à economia. A estratégia de ocupação da Amazônia, porexemplo,revelacomooSNIseriatambémoguardiãodoplanejamentodogoverno.De outro lado, a cúpula militar verificara ser necessário ir além da obtenção deinformaçõesereprimiroueliminarameaças.Nesseponto,emboraefetuassealgumasprisõeseinterrogatórios,aatuaçãodoSNIselimitavaàcoordenaçãodeinformaçõesecontrainformaçõesnoBrasilenoexterior.O CIE (Centro de Informações do Exército) conseguiu resolver o assunto ao

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centralizararepressãoacimadaMarinhaedaAeronáutica,nosgovernosdeCostaeSilva (1967-1969) e Garrastazu Médici (1969-1974). Foi o responsável por criar emanterdiversos centros clandestinos comoa casadePetrópolis (RJ)109,apelidada deCasadaMorte,queconduziamasoluçãofinaldeopositoresdetodooBrasil;emSãoPaulodestacaram-seonúcleodetortura,mortesedesaparecimentosdomunicípiodeItapevi (região oeste da Grande São Paulo); o sítio Fazenda 31 de Março, emParelheiros(distritonoextremosuldeSãoPaulo), transformadoporseuproprietário,Joaquim Rodrigues Fagundes, em campo de extermínio. A Comissão Nacional daVerdade identificou17 centros clandestinos emnove estados (SP,RJ,PA,MG,BA,PE,GO,CEeDistritoFederal),dezemestudos.“HaviaaindaoCIEx,aparentemente informal,articuladordarepressãonoexterior,que mirava os exilados e, principalmente, os banidos. Coordenava a OperaçãoCondor, papel exercido antes pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos”,acrescentaSeixas.Quantoaosministérioscivis,aDSI (DivisãodeSegurançaeInformação)vigiava-os,com núcleos em cada um deles. A ponta final da capilaridade eram as ASIs(AssessoriasdeSegurançaeInformação),ligadasamúltiplasinstituições:embaixadas,empresasestatais,privadas,universidades.“Compunhamobraçooperacional”,resumeSeixas.OvereadorGilbertoNatalini,quepresidiaareuniãodetrabalhonessedia–nãofoiumaoitivadaCMVVH–interrompeuoconvidado.

OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Perguntosealgumasdesuasinformaçõessãobaseadaseminterpretação.

OSr.IvanSeixas–Todasasinformações,confirmo,sãobaseadasemdocumentos.

NocasodaUniversidadedeSãoPaulo,queeraespecial,aASIchamava-seAESI.OsjornalistasJoséChrispiniano,MarcyPicançoeMarinaGonzalez,emartigonaRevistaAdusp110,intitularam-na“FilhaBastardadaUSP”,vinculadaaoGabinetedoReitoreàDivisãodeSegurançaeInformaçãodoMinistériodaEducaçãoeCultura.Intervinhaemmúltiplasatividades:“{...}triavacandidatosafuncionárioouaprofessor,colhiaerepassavaàchamada“comunidadede informações”dados sobre supostasatividadessubversivas ocorridas naUSP e até interferia nas disputas estudantis, dando apoio achapaspoliticamenteidentificadascomoregimemilitar”.AquartaforçaarmadaApartir dopapel centralizadordoCIE, e sob a chefiadoEstado-MaiordasForçasArmadas,o governoMédici criounoBrasil quatroZDI, subordinadas, cadauma, aocomandodosrespectivosExércitos.Abaixodeles,osCentrosdeOperaçõesdeDefesa

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Interna(CODI).OsDestacamentosdeOperaçõesInternas(DOI),operacionais.OsDOI-CODI, dos quais já falamos anteriormente, tinham pormissão prender e arrancar asinformaçõesdospresos (oDOI), analisando o que se obteve a fimde planejar açõesfuturas(oCODI).Em1970osDOI-CODIsubstituíramaOBAN(OperaçãoBandeirantes),invençãopaulistadetorturaeinformação,eosórgãossemelhantesemoutrosestados.Diretrizes sigilosas os orientavam, o que permitiu a criação dos surrealistas decretossecretos,paraogovernolegislaremseuprópriointeresse.ExplicaIvanSeixas:“O DOI faz a repressão direta. No caso de São Paulo reporta-se ao CODI do IIExército.EstesereportaaochefedoEstado-MaiordoIIExército,quemandaaoCODIcentral,emBrasília,quesereportaaoEMFA(EstadoMaiordasForçasArmadas).EstesereportaaoSNI,quesereportaapenasaoditador.”

OSr. Relator (MarioCovasNeto) - Às vezes chegava alguma coisa ao PoderJudiciárioouLegislativo?

OSr.IvanSeixas–Sóeventualmente,poisnãopassavamdepoderesdecorativosnaditadura.

OconvidadodaCMVVHprossegue:“NoRio,alémdoDOI-CODIdoExército,haviaoCENIMAR(CentrodeInformaçõesdaMarinha)naIlhadasFloreseoCISAdaAeronáutica,noGaleão.Todossereportavamao CODI central e seguiam na mesma corrente até o SNI, o EMFA e o ditador. Nãoexistiuporãoalgum,arepressãoétodaconectada.Tudoéinformado,háumacadeiadecomando.EssaestruturapassaaseraQuartaForçaArmadaquesereportaapenasàcabeçadaprópriaestrutura”.Há um diálogo horripilante a respeito, publicado por Elio Gaspari111, que ointerpretacomo“umrecadodoporão”.Geisel,queassumiria emummês, conversacom o seu escolhido para ministro do Exército, general Vicente de Paulo DaleCoutinho.Dacautelosaelongasondagem,pinçamosumdiálogo:Dale:Agora,aquientrenós,onegóciomelhoroumuito{...}quandonóscomeçamosamatar.Geisel: {...}ÔCoutinho,esse troçodemataréumabarbaridade,maseuachoquetemqueser.Seixas trouxe àCMVVH um esquema da estrutura da cadeia de funcionamento darepressão. Havia outros órgãos e organelas do monstro, que compunham o fluxoinformativo.Umabuscana internetsobreoSISSEGIN (SistemadeSegurança Interna)daráconhecimentoepistasaquemdesejaseaprofundarnoassunto.Seunomealgofantasmagóricoadotadonaépoca,noquadrodadeliberadaconfusão semânticaque

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continuapresentenoBrasil,erasistema.

ObolsodomonstroEm São Paulo, a semente do DOI-CODI foi a OBAN (Operação Bandeirantes), quecentralizou as ações repressivas e respondia ao CIE. Todas as delegacias deviamencaminhar-lhe os suspeitos de subversão. A ordem não excluía uma parada para

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torturaspreliminares,emespecialnoDOPS.AOBAN instalou-seoficialmentenumadelegaciadaRuaTutoia,emjulhode1969,numaáreacedidapelogovernadorRobertodeAbreuSodré(1967-1971).OprefeitoPaulo Salim (1969-1971) cuidou do asfalto e “outras necessidades foram supridasgraças à coordenação de Luiz Macedo Quentel, sóbria figura da grã-finagempaulistana112.”OcomandocoubeaomajorWaldyrCoelho,sobasordensdochefedoEstado-MaiordoIIExército,generalErnaniAyrosadaSilva.Pouco tempo depois, o banqueiro Gastão Eduardo de Bueno Vidigal, do BancoMercantil de São Paulo, recebeu representantes dos principais bancos de São Pauloparaumalmoço. Local: o seletoClube SãoPaulo, nopalacete que foi deVeridianaPrado e dá o nome à rua do bairro de Higienópolis (zona central de São Paulo).Segundo Elio Gaspari, no livro ao qual acabamos de nos referir, Antônio DelfimNetto, ministro da Fazenda, explicou aos presentes que as Forças Armadas nãotinham recursos para enfrentar a subversão. Num dueto perfeito entre Delfim eVidigal,oalmoço terminoudepoisque se estabeleceuaquantiaaproximadade110mildólaresporcabeça.Semexceção,osconvivasconcordaram.NaFIESP seguiram-sereuniõessemelhantes.Todososgrandesindustriaisecomerciantescontribuíram.“Dei dinheiro para o combate ao terrorismo. Éramos nós ou eles”, explicou obanqueiro Gastão Vidigal ao jornalista Silvio Ferraz em 1981113. Expressava umpensamentogeneralizado.AntônioDelfimNettoveioàCMVVHemjunhode2012enegounoseudepoimentoter participado de almoço de coleta.À pergunta do vereadorGilbertoNatalini se oregimemilitar lhepassaraatarefadeconvocaroempresariado114acolaborarcomacaixinhadaOBAN,respondeucomcertamofa:“Claro que não. O regime militar era uma coisa. A administração era civil.Vinculação entre os ministérios militares e civis, não havia. Como ia convocarcaixinha?Oqueéisso...”Já mencionamos que o governador de São Paulo, Paulo Egydio Martins (1975-1979),abordouaquestãoduranteoseudepoimentoàCMVVHemnovembrode2013,aoresponderqueseriamaisfácilperguntarquemnãocolaborou.OvereadorGilbertoNataliniperguntou-lhe,então,quempediadinheiroaosempresários.“Vários grupos coordenaram contribuições”, retorquiu Paulo Egydio. “Dois sedestacaram. Um, do presidente do Banco do Comércio e Indústria de São Paulo,TheodoroQuartimBarbosa.Outro,deGastãoEduardoBuenoVidigal,presidentedoBancoMercantildeSãoPaulo”.Os jornalistas JoséCasadoeChicoOtaviorelatam115umahomenagemdogeneralAyrosa aos “seus mais destacados colaboradores”: Henning Boilesen e Pery Igel(Ultra), Sebastião Camargo (Camargo Corrêa), Jorge Fragoso (Alcan), Adolpho da

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Silva Gordo (Banco Português), Oswaldo Ballarin (Nestlé), José Clibas de Oliveira(Chocolates Falchi), Walter Bellian (Antarctica), Ítalo Francisco Taricco (MoinhoSantista)ePauloAyresFilho(PinheirosFarmacêutica),entreoutros.Osdonativos intensificaram-se depois de julhode 1969, quando alguns incêndioscriminosos afetaramasTVsExcelsior,Globo,Bandeirantes,Record eo jornalFolhadeS.Paulo.Nuncasecuidoudeencontrarosseusautores.Financiamentosprivadosdogênerobrotavamderaízesmaisantigas.Oprimeirodasérie,queculminariaalgunsanosdepoisnosDOI-CODIs, veiono finaldogovernodeJuscelino Kubitschek. Um publicitário norte-americano, Ivan Hasslocher, fundou oIBAD(InstitutoBrasileirodeAçãoDemocrática).EmumacontasecretanoRoyalBankof Canada recebia contribuições de grandes empresas brasileiras e dos EstadosUnidos.Umórgão ligado ao IBAD, aADEP (AçãoDemocrática Popular), financiou aeleiçãodecandidatosquedefendiamosinteressesnorte-americanosnoBrasil.Noiníciodadécadade60,destinadoàcampanhacontraaeleiçãodeJoãoGoulart,entroudinheirodeformasub-reptíciavindodaUSAID(AgênciadosEstadosUnidospara o Desenvolvimento Internacional). O objetivo era fortalecer a oposição ederrotarocandidatonacionalista.OhistoriadorJamesN.Green116escrevequeoBrasilrecebeudaUSAID,entre1962e1970,aquantiade2,1bilhõesdedólaressobaformadesubsídiosouempréstimosajurosbaixos,comlongosperíodosdeamortização.Lembramos,aqui,dasseismaletasrepletas de dólares levadas pelo então presidente da FIESP, Raphael de SouzaNoschese, ao general Amaury Kruel, episódio testemunhado pelo coronel ErimáPinheiroMoreira.(CapítuloIII)Antes do golpe de 1964, a verba se destinava principalmente ao apoio doscandidatos de oposição a João Goulart; depois do golpe, para estabilizar o regimemilitarcomprogramasassistenciaise treinamentodemilitaresepoliciais.OgovernodosEstadosUnidos,noiníciodosanos60eemplenaGuerraFria117,reagira,bélico,àvitóriadeFidelCastroeàpassagemdeCubaàesferadaUniãoSoviética.Denunciavaos perigos que Jango representava para oBrasil, secundado por quase toda amídiabrasileira.Nacionalismopassouaeufemismodecomunismo.O IBAD tinha como financiadores a embaixada dos Estados Unidos; a companhiaServiçosAéreosCruzeirodoSul,compradapelaVarigem1975;AugustoTrajanodeAzevedoAntunes,donodaICOMI,amineradora(manganês)quedestruiuaSerradoNavionoAmapá118;aLight,multinacionaldeenergia,dirigidaporAntônioGallotti;aRefinariaUnião, petroquímica; o BancoNacional, de José deMagalhães Pinto, umdos grandes apoios civis do golpe; e Gilbert Huber Jr., das Listas TelefônicasBrasileiras,entreoutros.DeacordocomodeputadoEloyDutra(1916-1990),queàépocaliderouumaCPIa

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respeito, o grupoADEP/IBAD gastou 1 bilhão e 40milhões de cruzeiros nos 150 diasqueantecederamaseleiçõesde1962119.Duranteacampanhaeleitoralteriaalugadoojornal cariocaANoite. Até ali defensor dos candidatos de posições nacionalistas, ovespertino teria assumido por 90 dias oposição frontal a eles e ao candidato JoãoGoulart.“O IBAD promovia manifestações contra Jango”, destaca Ivan Seixas. “Depois davitóriadeJangodedicou-seacampanhascontraogoverno,commatériasemjornais,programasderádioetelevisão.”Ivanapontaaindaduasoutraslinhasdeatuação:“Desenvolveu um serviço secreto com informações sobre pessoas leais ao estadodemocrático;treinouesustentoumilíciasligadasaoMAC–MovimentoAnticomunistaeaoCCC–ComandodeCaçaaosComunistas.”Umdeputadodaoposiçãodenunciouesseserviçosecreto,originandoumaCPIqueforçouofechamentodo IBAD.Em20dedezembrode1963o institutofoidissolvidoporordemjudicial.“Quemfoiodeputadoquedenunciouoserviçosecreto?RubensPaiva.Elemorreuem1971porumacertodecontas,”afirmaIvanSeixas.Fechado o IBAD veio à cena o IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais), quetomariao seu lugar edaria asbasespara a criaçãodo SNI.O IPES empenhava-se emdestruir o que considerava a ameaça imediata de um regime comunista no Brasil.Pretendia gerar uma atmosfera de pânico que perturbasse a classe média, o quecontribuiria para um clima favorável ao golpe civil-militar em construção. E dariaestabilidadeaonovogoverno.Inaugurado em 29 de novembro de 1961, o IPES teve capital inicial de 500 mildólares, uma contribuição norte-americana intermediada pelo embaixador dosEstados Unidos, Lincoln Gordon. Um de seus membros influentes foi CândidoGuinledePaulaMachado,banqueiro(BancoBoaVista)eproprietáriodaCompanhiaDocasdeSantos.OsfundadoresGallotti,AntuneseogeólogoGlycondePaiva,seucolaborador,logopassaramaconduçãoaogeneralGolberydoCoutoeSilva.Graçasacontribuiçõesdegrandes empresas e de sobrenomes de peso, o IPES rapidamente cresceu120.Recebiatambém doações de entidades filantrópicas de senhoras cristãs de orientaçãoconservadora–dinheiro,joiasetrabalhovoluntário.Mediante “propaganda geral, esquemas de assistência e mesmo manipulaçãoclientelista, o IPES agia entre as classes trabalhadoras industriais”, escreve RenéArmand Dreyfuss121. Visava criar “ilhas de contentamento” entre as classestrabalhadoras. SeuMUD (MovimentoUniversitário deDesfavelamento) enfatizava apossibilidade de ascensão econômica individual e combatia a análise política das

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condições sociais.Multiplicaram-se os treinamentos de lideranças e as ações contramovimentos grevistas. Onde houvesse brechas, ali estava o IPES: ao lado do cleroconservadornosCírculosdeTrabalhadoresCristãos,emsindicatosrurais,emcursosparaliderançasnoBrasilenosEstadosUnidos,empublicações,nosmeiosestudantis.O IPES desmanchou-se no SNI, criado oficialmente em 13 de junho de 1964. Seusprincipais tentáculos foramosDOI-CODIs, nasZonas deDefesa Interna, o que cobriatodososestadosexcetooNorte(AM,PA,MA).O jornalFolha de S. Paulo de 1º de junho de 2014 publicoumatéria de RicardoMendonça sobre documentos recém-descobertos no arquivo da Escola Superior deGuerra.Ali empresários ligadosàFIESP,no iníciodadécadade1970,pronunciaramconferências e relataram sua colaboração nos preparativos da “revolução” de 1964,desde princípios de 1962. Um deles enumerou doações meses antes do golpe:“Veículos, pneus, baterias, remédios, caminhões e uma infinidade de materiais eequipamentos...”. Outro palestrante informou que o grupo atuou maisorganizadamente para desestabilizar o presidente JoãoGoulart a partir do início de1963.TheobaldoDeNigris,presidentedaFIESP, lembrouem1972a importânciadaguerrapsicológicaafimdeprepararapopulaçãoparaaderrubadadogoverno.AbocarradomonstroEmSãoPaulo,oDOI-CODIfoiumaespéciedesacosemfundo.Porserosucessorda

OBANcontinuouareceberascontribuiçõesempresariais,agorarobustecidas.Afomeédegigante.Exigecontribuiçõesdoempresariadoeameaçarepresáliasaquemaelasserecusa.Efetuam-secoletasnaFIESP,emreuniõesnoBancoMercantildeSãoPauloeoutroslocais.Associaçõesdecomerciantesefazendeirosseengajam.Paraumlistãosubstancialepossivelmentesemfalhasdoscontribuintesopulentos,atese de doutorado do cientista social René Armand Dreifuss oferece um pratocheio122.Alémdisso,empresascomoUltragás,Ford,VolkswageneChryslerauxiliavamcomblindados, ônibus, caminhões.O capitão de ExércitoDarcyRodrigues, sargento em1964,jácontouaestaCMVVHqueumdiaacordoueviuumaadmirávelfrotadejipeszeroquilômetroeváriosônibusparadeslocamentos.Todosalisugavam,famintos.EngoliamsemdiscriminarasrefeiçõesSupergelqueodonodogrupoUltra,PeryIgel,forneciaaopessoal,odinheirovivo,bebidas,veículosde transporte individual tomados de presos, objetos úteis e inúteis provenientes depilhagens. A cereja do bolo era capturar alguém de organização clandestina quecarregassebastantedinheiroconsigo,provavelmenteobtidodealguma“expropriação”bancária.Ouqueoguardasseemumaparelho localizadoe invadidopela repressão.Valia prêmio extra para os que matassem algum procurado famoso. Festejava-se adistribuiçãodobutimcomestardalhaçoegrandesbebedeiras.

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Aconteceu uma dessas festanças no DOI-CODI quando mataram YoshitaneFujimori123,aparentementepilhado.OprisioneiroEmílioIvoUlrich,queatuavacomFujimori (depoimento em seguida) foi obrigado a limpar sujeiras repelentes no diaseguinte.Ocarcereiroqueovigiava,chamadoRisadinha,contou-lheque“veiogentegraúda”.Emilio Ivo,que jáouviraconversas entre torturadoresdo tipo: “Vaipegar?Nãoégraúdo?Entãonãorende”,perguntou-lheseodinheirocorreusolto.“Atéeuleveialgum”,respondeuRisadinha.“Nós mesmos, um companheiro e eu, fomos presos no apartamento ondemorávamos”, contou Ulrich à CMVVH. “Eles acamparam lá (para prender quemeventualmente aparecesse).Depois que saímos da cadeia não tinhamais nada, nemcueca. Surripiaram tudo. Um dia já tinha visto lá dentro, noDOI-CODI, um coronelusando a minha gravata. Os torturadores também quiseram saber de mim quantodinheiroeuaindatinhadaVPR.Defato,eujáguardaradinheiroearma.”O mais famoso dos colaboradores do DOI-CODI, o dinamarquês Henning AlbertBoilesen, presidente da Ultragás, foi morto por integrantes de organizaçõesclandestinasquesechamaramComandoRevolucionárioDevanirJosédeCarvalho124.OsuperiordeBoilesen,PeriIgel,tambémestavanalista.Desistiramdointento,poiscercara-sedeseguranças.Boilesennunca escondeuque ajudavaos torturadores.Nemnegouque importaraparaoDOI-CODIamáquinadeaplicarchoquesbatizadade“pianolaBoilesen”,emsuahomenagem.Testemunhosdemilitaresemilitantesdaépocaapontamparaohábitodo empresáriode assistir às sessõesde tortura.Andavapela cidade sem seguranças,comonumaprovocação.Suamorte foi justificadapelo“Comando”comorespostaàstorturasdeDevanirnoDOPS.EstranhosprazeresDepoisdoAI5,emdezembrode1968,pode-sedizerqueopapeldosplutocratasfoi

redefinido125.Osistema jádeixaraapavoradaaoposiçãoemgeral,comcassaçõesdepolíticos,demissãodeprofessores,censuraàimprensaeàsartes,sequestros,torturaemortes. Agora, além de amedrontar os próprios capitães de empreendimentos,ameaçou-oscommedidaseconômicas.Ogoverno,donodabola,recolheu-aesaiudojogo.Mandoudizerqueabrincadeiraacabara,na linguagemcifradaqueprotegeosegosexacerbadamentesensíveistantodosempresáriosquantodosmilitares.Cadaumque cuidasse dos seus misteres e se retraísse, algo transmitido como num códigoquando a imprensa repetia “estudante é para estudar.” Da política, dosfinanciamentos, dos impostos, da repressão, de estabelecer o que fosse Justiça, deredefiniráreas,cuidavaosistema.O vereadorRicardoYoung, no depoimento deDelfimNetto, em junho de 2012,questionara-oduranteaoitiva.

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OSr. Ricardo Young - O senhor esteve presente quando foi decidido o AI 5.Suspendeu-seodireitodehabeascorpus.Nãopensouquepoderiahaverdescontroledasforçaspoliciais?

Ouviuarespostaemtomirônico:

O Sr. Delfim Netto – Vereador, não há nenhuma ligação necessária entre asuspensãodohabeascorpuseaviolênciapolicial.

De outro lado, o monstro continuava livre com seus órgãos e organelas. A estaspertenciaumaexcrescênciacujadefiniçãoédeIvanSeixas:“Eram as comunidades complementares de informação, pertencentes a entidadesprivadasselecionadas.Podiam,acritérioexclusivodochefedoSNI,colaborarnoquelhesfossesolicitado”.Abrigavam-se em grandes empresas, de onde espionavam os funcionários, cujasfichas seriam entregues ao DOPS e ao SNI. E colaboravam na tortura, se lhesaprouvesse.Um desses “complementares”, Geraldo Resende Mattos, teve a sua presençacomprovadanosdocumentosdeentradaesaídadoDOPSdeSãoPaulo, emhoráriosincomuns:podiachegarnoiníciodanoite,18h30;esairàs7h00damanhã.Àsvezessem horário de saída – durante a madrugada não havia porteiro a registrar omovimento.DeacordocominvestigaçõesdaComissãoEstadualdaVerdadeRubensPaiva, Matos era um empresário ligado à metalurgia e sócio de uma empresa deseguros e de reparações que atendia amilitares.Na discriminação de seu cargo, nolivrodeentradadoDOPSdeSãoPaulo,constaFIESP.Aparentementeeraumprepostode um dos fundadores da FIESP e seu fiel colaborador, Nadir Dias Figueiredo(indústriadevidrosdomésticos).O advogado Paulo Henrique Sawaya Filho, conhecido na época por assessorar oministro da Fazenda, Delfim Netto – que nega a informação – e um dosorganizadores de contribuintes para os órgãos repressivos, também teve númeroexpressivo de entradas. Atribuía-se identificações variadas: agente do SNI, do IIExército, assessor do Ministério da Fazenda, delegado. Sem horários de saída. AComissãoMunicipal daVerdadeVladimirHerzog localizou Sawaya e convidou-o adepor. Recusou-se. A Comissão solicitou, então, que a Comissão Nacional daVerdadeoconvocasse,masSawayanãofoichamadoparafalaraverdade.Mais um amante das atividades noturnas doDOPS devia ser o cônsul dos EstadosUnidos em São Paulo, Claris RowneyHalliwell. Esteve noDOPS 31 vezes. Em umadelas, no dia 5 de abril, entrou às 12h40min, cinco minutos depois do torturadorÊnioPimentelSilveira,conhecidoporDr.Ney.Saíramàs22horas.Durantetodoesse

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tempoDevanirfoitorturado.ACEVRPapurou,juntoàUniversidadedaCalifórniaemSanDiego,queHalliwellpertenceuàCIA(CentralIntelligenceAgency).EmdepoimentoàCMVVH,IvanSeixasenumeraoutrosnomespresentesnolivroderegistrosdoDOPS: JaimedeCarvalho, daEstradadeFerroCentral doBrasil –RedeFerroviáriaFederal.AloísiodeCampos,delegadodoTrabalho.MiguelSandesJúnior,daTelesp.MiltonRibeirodaSilva,funcionáriodaChrysler/Brasil.SegundoojornalonlineCausaOperária,de21demarçode2013,CarlosFranklinPaixãodeAraújo,que foipresoem1970epor issoadiouoprojetodesecasarcomsua companheira Dilma Rousseff, também presa, sofreu torturas na presença deempresáriosligadosàFIESP.“Assistiameestimulavam”,confirmouaojornal.Sabe-se que existem transtornos de personalidade, as parafilias, que englobamsadismoevoyerismoentreváriosoutrosdistúrbios.ACMVVHnãoabordaaquestão,de grande complexidade. Mas é uma associação quase inevitável quando se tomaconhecimento de pessoas que espontaneamente assistem e talvez participem dodilaceramentodemulheresehomensindefesos,sujeitosaoterrordecelerados.“AsmadrugadaseramdivertidasnoDOPS”,ironizaSeixas,hojecom59anos.

UmhomemchamadocachorroEmilioIvoUlrichnasceuem1947numapequenacolôniadointeriordoRioGrandedo Sul, hoje chamada São Valério do Sul (noroeste do Estado), reserva de índioscaingangueàmargemdireitadoRioInhacorá.Seuavôalemãoemãepolonesaparaali foram encaminhados pela administração governamental responsável pelosimigrantes,nadécadade1920.O pai de Emilio Ivo herdara uma pequena extensão de terra, insuficiente parasustentarosnumerososfilhos.Assim,decidiutentaravidaemPortoAlegre,acercade450quilômetrosdedistância.Masavidacontinuoudifícil eeledecidiuentregarquatrodosfilhosàLBA126.Outrosforamparaacasadeparenteseumdelesescolheuoseminário. Depois de certa idade foram para a Casa do Pequeno Jornaleiro127. “Opobre,setiveroportunidade,nãosetornamarginal.Masnãoéfácil.Trabalheicomoassistente social em São Paulo. O que pude fazer, fiz. Não consegui nada,absolutamentenada”,registraEmilioIvo.

DepoimentodeEmilioIvoUlrich

OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–VamosouviragoraoEmilioIvoUlrich,aquem peço que faça um resumo de suas vivências. Depois faremos algumasperguntas.

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O Sr. Emilio Ivo Ulrich – Quero saudar a Comissão da Verdade da CâmaraMunicipal de São Paulo, denominada Vladimir Herzog. Quero cumprimentar osvereadoresGilbertoNatalini,MarioCovasNetoeRicardoYoung,aquipresentes.

Sou um preso político. Alguns companheiros militantes dizem que são ex-presospolíticos.Considero-me umpreso político dos porões da ditadura.Não sou um ex-torturado,souumtorturado.Amarcadatorturanãoseapaga,pormaisquealguémtenharesistido.No dia 20 de novembro de 1970, incluído no processo da VPR, fui preso com osirmãosMiltonSaldanhaMachadoeRubemMauroMachado, jornalistas.Eumoravanoapartamentodeles.FiqueipresoummêsnoDOI-CODI.DoismesesnoDOPS.Eseismeses no presídio Tiradentes. Desde então me mantive em silêncio. Um silêncioquasemortal,poisapiorsequeladatorturaédeordemmental.Cheguei à VPR ao final de um processo em que se vai assumindo posições. Tivealguma experiência no Rio Grande do Sul como líder estudantil. O livro do ÍndioBrumVargas128 descreve esse período, desde o meu secundário. Com 16 anos deidadeeujásabiaoqueestavafazendo: iaparaarua,na luta,emPortoAlegre.VioBrizola comandar a rede da legalidade.Vimeu pai ser voluntário. Fui preso váriasvezes.

Foto:M.GomesEmílioIvoUlrichexibesuafichadoextintoSNI,comnotaçõesaté1989:nãoexisteex-perseguido,ex-

torturado

ColocadoàdisposiçãodaVPRparamilitaremSãoPaulo,participeidediversasações

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contraaditaduracivil-militar.DepoisdaquedadabasedetreinamentodeguerrilhanoValedoRibeira,municípiode Jacupiranga,conheciocomandodaVPR, inclusiveYoshitaneFujimori,quefoiumdosúltimosquatro,comocapitãoLamarca,asairdocercodoExército.Em 1994 fui atrás do meu arquivo no SNI e me surpreendi com as informações.Constavaatéumcongressoestudantilde1967,emUruguaiana.E,em1978,dentrode outra realidade, a coleta de assinaturas pela anistia. Anotaram a minhacandidaturaavereadorpeloPSDB, em1988, eaeleiçãoparaodiretório regional em1989.Oquemelevaaacreditarqueaditaduraaindamepersegue.FrancoMontoroe Mario Covas, governadores, inspiraram-me a lutar por democracia. Desanimapensarqueaindaestamoslongedela.No livro doMilton SaldanhaMachado,OPaísTranstornado129, ele me fez umahomenagem e nunca pude agradecer. Bem, ele está aqui, presente. (agradece commovimento de cabeça) A partir do livro achei que devia superar o silêncio. Levei aminhafamíliaparaconheceracelaemqueestiveencarceradonoDOPS,hojeoMuseudaResistência.Ao citar o livro deMilton,me remeto aomomento emque fui convidado para olançamento do livro do companheiro da época, Rubem Mauro Machado130, noMemorial da Resistência. São crônicas sobre pessoas como eu, talvez centenas, quemilitaramna resistência contra a ditadura e permaneceramna periferia da história.Issonãomefazacharqueanossaatuaçãotenhasidopequena,médiaougrande.EmPorto Alegre nós éramos do Exercito de Brancaleone, uma gozação que acaboudenominandonossogruponalutacontraaditadura.TenhocomigoquenuncahouveServiçoNacionalde Informações,nemsetoresdeinteligênciaparainvestigaraspessoas.Sóinfiltrações,muitodedo-duro.Etortura.OcaboAnselmo,queconheci,eraumdessestraidores.YoshitaneFujimori,comquemeu atuava, morreu por conta do Anselmo. Quando fui enquadrado nos chamadosinquéritos,nãohavia inquérito. Sóoquebementendiam,diversos absurdos enadasobre a tortura.Digopara estaComissãodaVerdade: oBrasil deve envergonhar-sedoseupassadoedoscivisemilitaresquederamogolpeem1964.Chegamos aoDOI-CODI em torno das cinco emeia damanhã e jáme torturaram.Direto.Durante30dias,menosum,sobreoqualfalarei.Quandoquisinstruiromeuprocesso para pedir anistia, obtive naAuditoriaMilitar algumas pastas. Por incrívelquepareça,disseramqueeupodiacopiaroquequisesse.Davamsóduashoras.Nadaencontrei sobre tortura. Mas consegui documentos do Governo Federal quereconhecematorturanosdiasemquepermanecinoDOI-CODI.QuandogovernadordoEstado,MarioCovas elaborouuma leipara reparaçãodospresospolíticostorturadosemSãoPaulo.Eumeinscrevi.Nãopelareparação,porque

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20, 30 mil ou qualquer outro valor nada reparam.Mas porque o Governo de SãoPaulo, por intermédio do Governador, reconhecia que fui preso e torturado. Nãoaceitei a reparaçãodoGovernoFederal quandome anistiaram.Processei pordanosmorais.O sofrimento não é sómeu. Extrapolou aos irmãos, à família, em especialminhamãe e meu pai. É sofrimento de muitos. Advogados, arquitetos, estudantes,professores,operáriossubmetidosàperseguição,prisões,torturaeatémorte.Resolvi,porcontadetodoessesofrimento,participardaClínicadoTestemunho.

OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Muitoobrigado.OsenhorpodecomeçarcomasrespostassobreocaboAnselmo.Porfavor.

OSr.EmilioIvoUlrich–Seeunãoestivessepresoantesdeaditaduracivil-militarmatarYoshitaneFujimori,euseriapresooumortocomele.Jáhaviainformaçõesdeque o cabo Anselmo teria passado a trabalhar para o Fleury, noDOPS. Informavasobre os militantes que retornavam ao Brasil. Fujimori já desconfiava, porquesabíamosquehaviainfiltrados.Tenhoditoqueaindasintomuitomedo,estoupresopela ditadura, pois os que me torturaram ocupam lugares de comando em váriasinstituições de governo. O chefe dos torturadores presenciava as minhas torturas.Quando fuipreso jáeracomandantedoDOI-CODI.Comandava epresenciava.Haviatrês equipes. Uma delas, do capitão Benoni Albernaz, bem conhecido. Temos 233nomesde torturadores, publicados.Não sei porqueninguémmais se lembradeles.Todosnarua.

P–Eletinhaalgumcodinome?R–EusóoconhecicomoAlbernaz131.VinhacomumchamadoCarioca132,emcujasmãospenseique fossemorrer.Duranteosprimeiros15diasde tortura, atéamortedoYoshitaneFujimori,AlbernazfoiomaiortorturadorqueconhecinoDOI-CODI.Estámorto. O Ustra, se é que se pode contar algo sobre ele, era soberano em todas asatitudesquetomavanastorturas.GaúchodeSantaMaria.P–Elelamentavaqueumgaúchotorturasseoutro?R–Não.Dizia:“Jáquenãoconseguimosfecharafronteira,nãovamosdeixarvocêsvoltarem”.P–Eletorturoupessoalmenteoueledavaordens?R–Nomeucasosóordens.P–Vocêpodenoscontarfatosconcretosdetortura?Seconseguir.R–Muitobem.Hápoucotempo,quandoV.Exª.meconvidou,comacompanheiraAmelinha,aacompanharo fotógrafoque localizariaacelaemque foiassassinadooVladimirHerzog,pelaprimeiravezvolteiaoDOI-CODI.

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P–Eutambém.R–Poisé.Fiqueiassombradoporqueignoravaseconseguiriaentrar.Chegueiuns15minutos antes, comecei a caminhar, muitos horrores afloraram. Num primeiromomento lembrei de quando mataram o Yoshitane Fujimori. Naquelas salas dofundo.Quando entrei com aComissão – o senhor e outros vereadores – entrei empânico.Alisofriquasetodasastorturas.

OSr.RicardoYoung–Semepermite,osenhorfezumadescriçãodacadeiradodragão.

OSr.EmilioIvoUlrich–DepoisdamortedeFujimori,nodia5dedezembrode1970, nas celas da parte superior. Naquele dia passei a me considerar um homemchamadocachorro.Haviaumapiaondeostorturadoresselavavam,poisaconteciadesujaremamãocomsangue,urina,fezes,suor.Àfrentedapiaestavaopaudearara.O preso sempre nu. De umas 11 e meia da noite às três horas da madrugada fuitorturadoalipelodelegadodapolíciadeSãoPaulo,JoséJoãoVetorazzo.

OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Eleestánaativa?

O Sr. Emilio Ivo Ulrich – Não, certamente aposentado. Depois da equipe doAlbernaz,daequipedo JesusCristo,comoOtavinho133, veioaequipedo José JoãoVetorazzo.Estemedissequedariaumpauparapassar tudoa limpo.Deusurrasdepalmatória, borrachada, espancamento de todo tipo. Eu gritava muito, não haviacomonãogritar.Emdadomomento,nãoseiquantotempodepois,devoterdito:“Ai,minha mãe.” Aí ele ficou uma pessoa absolutamente feroz, incontrolável. Gritou:“Aqui não existe Deus. Deus não entra por aquela porta. Nem a suamãe. Nem af.d.p. da suamãe. Aqui o Deus sou eu.” Eu já não tinhamais condição e o Ustraestavanaporta.

P–Viatudo?R–Sim.Masentrava,saia,eunãoseidizer.P–Circulavanasoutrasportas?R–Circulava.Andoumuito,porqueváriospresosesperavamavez.NaquelanoiteoVetorazzobateumuitonocompanheiroValneriAntunes,queeradosuletinhaumaavícola em São Paulo. O Valneri foi presidente do Sindicato dos Bancários do RioGrandedoSule,perseguidoemPortoAlegre,veioparaSãoPauloepassouaintegraraVPR.OVetorazzo dizia: “Não tenhomotivo,mas bato nele, bati e vou batermaisporque deixou a esposa e dois filhos para fazer subversão em São Paulo. Bato nelecomobatonosmeusfilhos.”P–Vocêestavacontandoqueeleviroufera.Oqueaconteceu?

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R–Penduradonopaudearara,semamínimacondiçãodefalar,oUstradisse:“Tiraoalemãodaí.Porcaridade,ponhanacadeiradedragão.Eleadorousentarnela”.Nasala havia todos os equipamentos que se possa imaginar para bater numa pessoa.Sentei,massemcondiçõesdefalar.Elesamarraramosmeuspés.Nisso,oUstradisse:“Oalemãonãovaiaguentar.”P–Oalemãoeravocê?R–Umdiaeueraalemão,nooutropolaco.Ougaúcho.P–EqualfoiareaçãodoVetorazzo?R–Estavapossesso,achoqueelequeriamataralguém.Nessanoitedefequei,urinei,vomitei, tudooquepoderiaacontecercomigoaconteceu. Jogavamumbalded’águaparalimparasujeiraeespancavam-memaisainda,porquesujeiasaladetrabalho.Euemaismeiadúzia.OUstra,queeramuitotreinado,disse:chamaocarcereiro.

OSr.RicardoYoung–Senãofosseessaintervenção,teriaacontecidoopior?

O Sr. Emilio Ivo Ulrich – Não sei, podia ter morrido naquela noite. É umahipótese.OJoséVetorazzoparoueveioocarcereiro.

OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Comosechamavaocarcereiro?

O Sr. Emilio Ivo Ulrich – Não soube o nome dele. Conhecíamos comoRisadinha134.Eu não conseguia andar porqueminhasmãos emeus pés sangravam.Colocaram-menochão,eosdoistiveramumaideiafantástica.Pegaramumaespéciedecoleiraeumcouro,amarraramnomeupescoçoemefizeramandar,bemnaquelasalaemqueaComissãodaVerdadeesteve.“Vem,vem”,diziaoRisadinha,quemepuxava.Eassoviavacomosechamaumcachorro.

O Ustra mandou me pôr no chuveiro, no extremo da sala, para que eu merecuperasseedisse: “SeoAlemão ficarbom,voltaparacá.”Echamouoenfermeirodo DOI-CODI, de apelido Pastor. Alguns o chamavam Pastor Indígena135, porqueparecia índio. Andava com a Bíblia embaixo de um braço e uma pastinha deprimeirossocorrosnooutro.UmoutrodaVPR, tambémnochuveiro, ficoumeajudando.AíoPastorentrounasaladochuveiro,abriuaBíblia.Pediunsconselhos.ElelevantouaBíbliaeeupensei:“Bom,agorasó faltaapanhardeBíblia”.Elepreparouumaseringaemeaplicouummedicamento no tornozelo direito. Teve o efeito de uma recuperação. Conseguisentar, quase levantar, mas sentia o corpo tremendo, muito calor, parecia que iaexplodir de calor, da cabeça aos pés. Em seguida, me senti gelado. Aí eu falei:“Desgraçados,elesqueremmematar”.OUstraiaevinhaeperguntava:“E,aí?oalemãoestábem?”Comonãofiqueibem,

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não retornei à tortura. Esse episódio e os choques no ânus e no pênis são as coisasmaisdeprimentes.É imperdoável ao estadobrasileiro.Alguémpergunta: “Você temmedo?”Tenho,porqueissoaconteceueoBrasilnãomudoutantoquantoseimagina.Digo a quemquiser ouvir, tenhoódioprofundonão sópeloUstra e oVetorazzo,maspeloestadobrasileirocomoumtodoepeloExércitobrasileiro.PorqueoExércitobrasileiro quase matou a pau o cabo José Mariane136, que eu conheci na cadeia.Quebraram-nodecimaabaixo,trituraram.MataramoLamarca.NoBrasilgovernavaum presidente da República, João Goulart; havia uma Constituição, um estadodemocrático em funcionamento. O Exército simplesmente pegou os canhões, ossoldadosederrubouogoverno.Queatoéesse?Issoéterrorismo.

OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–EoFujimori?

OSr.EmilioIvoUlrich–HouveumagrandemovimentaçãonoDOI-CODI,15diasdepois de minha prisão. Declaro que não entreguei Yoshitane Fujimori. Nemnenhum companheiro. Eles conseguiram, via cabo Anselmo, localizar o Yoshi naPraça Santa Rita de Cássia, em frente à Igreja Santa Rita de Cássia, no dia 15 dedezembro.

P–NobairrodaSaúde?(Zonacentro-suldeSãoPaulo.)R – Entre a Saúde e a Vila Mariana. Pela descrição das testemunhas, metralhadomaisoumenosaomeio-diadentrodocarro.Maisoumenosàs15horaselechegouaoDOI-CODI, no porta-malas de umaVeraneio.Ouvi a euforia. Eu, nomeu xadrez,sozinho.Veioocarcereiroemandouqueeuvestisseocalçãozinho,dessesdebanho,eumacamiseta.Eu iria reconhecerocorpodoYoshitaneFujimori.Aguardeialgumtempo,edaímeavisaramqueoutrosohaviamidentificado,oUbiratandeSouzaeoValmeriAntunes,companheirosdaVPR.Posteriormente os dois me contaram que o Yoshi chegou vivo. Nas investigaçõesrealizadas pela Comissão de Mortos e Desaparecidos, que fazia as reparações,concluíramqueelelevouquatrotiros,masnãomorreu.OUstra,nessedia,eraomaiseufórico. Andava pelos xadrezes, feliz. Para todos os torturadores era um grandetroféu. Vinham e me diziam: “O teu chefe morreu, você não vai entregar maisninguém?”Elessabiamqueeunãoentregueininguém.Ninguémfoi torturado.Entravamveículosa todoomomento,gritavamcomoseotime tivesse vencido o campeonato. Davam tiros de revólver. Gente e mais gente.Vinhamme ver na jaula. Durou a noite inteira. Um negócio que eu nunca tinhavisto.Algunscommetralhadoras,outroscomrevólver.“Ah,entãoéesse?”“Tremeu?”(sugeriam que Emilio entregara Fujimori) E tem mais que não vou contar, de tãodeprimente.Entendimelhoraeuforiadanoitedemanhã.

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VeioumcabodaAeronáuticabemcedo,tiposeisemeia,nahoradocafé–àsvezestinha café.Mandou que eu colocasse o calção, camiseta e saísse. Eu não conseguiaandardireito, ianapontadospés,muitomal.Atravessei opátio.Nos fundoshaviauma cobertura de lona, dessas de caminhão, e embaixo algumasmesas que nuncaestavamali.Nochão,papéis, copos,garrafasvaziasde todoo tipo–uísque,cerveja,muitochampanhe.Bandejasdefestinhas.Tudonochão.AíoRisadinhamedisse: “Você temsorte,hojenãovai tomarumpau, vai limparistodaqui”.Eufaleiquenãoconseguiameabaixar,andar.Epergunteioquehouve.Eele: “Ué, você não ouviu? Teve gente graúda ontem aqui. Essa noite vai se dormirbem.Atéeuleveialgum.”Efezumgesto(indicandodinheiro)Aíentendi: festapelamortedoFujimori.Ossenhoresvereadoresdevemtervistoumtanquedelavarroupa,aoseentrarparaaescada,nos fundosdoDOI-CODI.Comoeunão tinha condiçãode limparo recintoelemedisse:“Paranãoperderaviagem, limpeotanque”.Aí fuiatéo tanque:alémde sujeira, copo,papel, vômito,muitovômito.Elememandouenfiar amão láparalimpar.Confessoquefiz.Já que ele falou da presença de graúdos, perguntei se o coronel do Exército veioparaa festa.Ele: “Gentemaisgraúda”.Aíperguntei seodinheirocorreusoltoeelerespondeuqueaindavinhamais(prêmiosextrasdoscontribuintespelovalordopreso).Haviarumoresdequeficavamcomodinheirodospresos.MiltonSaldanhaMachadoe eu, quando voltamos ao apartamentoondemorávamos, não achamosnemcueca.Querdizer,surrupiaramtudo.Umdia vi umdos coronéis, lá dentro, usandominha gravata. Troféu! E queriamsaber quanto dinheiro eu ainda tinha da VPR, porque realmente guardei arma edinheiro. Enfim, cada preso, além dos troféus, rendia dinheiro dos empresárioscontribuintes.Continuei enclausurado por mais 15 dias.Queriam que eu entregasse LaerteDornelesMéliga, um remanescente da VPR em São Paulo. José Vetorazzo tambémqueriaque eupassasse certos fatos a limpo.Repito aos senhores: souumpreso,umtorturado.Nadadeex.Paranãoenlouquecer,desdeodiaemqueeusaídacadeia,durante 43 anos, até há pouco tempo, à noite, escrevi sobre tortura, torturados etorturadores.Sãoquase2milpáginassobredor,escritasemqualquerpapel.Ànoite,depoisdotrabalho,euiaparaobotecoe,enquantotomavaumascachaças,escrevia.Voulerumtexto,bemcurtinho:“Doutor,ésmeucapitão;soldado,meupelotão;fuzil,meuirmão;meucorpo,meucoração;minhamente,minhaprisão”.Em1971,1972.Descrevo a tortura do choque elétrico e digo que no fim resisti fisicamente.Mentalmente, não. A ditadura civil, comandada pelo Delfim Neto, torturou. Ele

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esteveaquiedissequenãohouvenada.OExércitobrasileirometorturouequemvairepararisso?Aanistiafoiautoanistia.Souanistiadodoquê?Anistiaseriaacura,nãosóminha,masdasociedadebrasileira.

OSr.Presidente (GilbertoNatalini)– Emilio, peço que nos permita copiar osdocumentosquevocêlevantounaAuditoriaMilitar.

OSr.EmilioIvoUlrich–Sim.

(Manifestaçõessimultâneas.)

OSr.Presidente (GilbertoNatalini)–Muito bem.Os vereadores querem fazeralgumapergunta,algumcomentário?

Pelaordem.

OSr.Relator(MarioCovasNeto) –Apenas imagino, já sei a resposta,mas nocomeço do depoimento o senhor disse que teve um dia em que não foi torturado.Imaginoque tenhasidoodiada limpezano tanque,é isso?Osenhordisseque iriadizerqualeraarazão.

OSr.EmilioIvoUlrich–Foiodiadalimpeza.Umaformadecontinuaratortura.Porque torturaéconhecidauniversalmentedevárias formas.Essa foiuma,violenta.Vereador, entre os revolucionários discute-se a questãoda resistência à tortura. FuipresoporqueumcompanheirochamadoUbiratandeSouza,depoisdeváriosdiasdeespancamento e tortura de todo tipo, muito pior do que todas as que sofri, nãoresistiumais.Foiperguntadoaeledequeformaelespoderiam–oExércitobrasileiro,aditaduracivil-militar–detectaraVPR.Elenãoresistiuedeuomeunome,supondoqueeujátivesseabandonadoolugar.

Com issoafirmo:nãohá traidores entreosque falamsob tortura.OcompanheiroUbiratande Souza, comandantedaVPR, um lutador, falou.Mas ele nãome trairia,nemaninguém.Euo vi dentrodaVeraneioquenosbuscou.Amim, a outro e aoirmãodele.Ubiratan tinhaos cabelos arrancados, onarizquebrado, asorelhasparabaixo,estavasemdentes.Alínguadelesaíaparaforaporqueestavaimensa,azul.Nãoconseguiafalar.Eletinhaosbraçoseasunhasquebradas.Irreconhecível.Nãodáparaalguém resistir à tortura que o Exército brasileiro impôs àqueles que combateram aditadura.

OSr.Relator(MarioCovasNeto)–Voufazerumrelatotambém,umpouconalinhadedizeroquantoosórgãosde repressão representaramà época.Meupai eradeputado, líder da oposição. Não militava em nenhum partido de esquerda ou

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organização.Depoisqueocassaram,aAeronáuticaprendeu-o.Duranteacimade20dias,nãosabíamosondeestava,incomunicável.Sódepoisquesaiusoubemosqueelefoi preso como testemunha de um processo. Prender, deixar incomunicável paratestemunhar um processo? Imaginem os que eram suspeitos de praticar algum atosubversivo.

Então, creio que nenhum de nós tem o direito de julgar quem sofreu ashumilhações e a violência que os senhores enfrentaram. Não acho que quem nãoresistiu e falou alguma coisa passou perto de traição. Quero cumprimentá-lo pelodepoimentoemocionante,percebe-seclaramenteoquantoosenhoraindasofre.

O Sr. Presidente (Gilberto Natalini)– Obrigado. Com a palavra o vereadorRicardoYoung.

OSr. Ricardo Young – Quero agradecer ao Emilio a coragem de compartilharconoscoosmomentosmaisdramáticoseterríveisdasuavida,comtodasassequelasqueaexperiênciadeixou.Essesdepoimentossãofundamentaisporque,nessacrisedademocracia, alguns ainda pensam que regimes autoritários e ditatoriais seriam umasolução. É fundamental usarmos os depoimentos para lembrarmos àqueles que seesqueceramounãotiveramtalexperiência,dequeoestadosemcontrapesosefreiosse tornaummonstro.Ahistória jáodemonstrouváriasvezeseoEmilio,hoje,maisumavez,provaqueoestadotodo-poderosoémonstruoso.Temosodeverderesistir,sempre.Estaeasfuturasgerações,pormuitasgerações.

(Palmas)

OSr.Presidente (GilbertoNatalini)–Obrigado, vereador Young.Vou ceder apalavra, para algumas considerações, ao nosso convidadoDr.MarcoAntônio Tura,Procurador-ChefedoTrabalhodoMunicípiodeMogidasCruzes.

OSr.MarcoAntônioTura – Primeiro, agradeço ao vereador Gilberto Natalini,que conheci comomédicona zona lestedeSãoPaulo, quandoeu erapequeno.ElemefaziarecitaroalfabetogregocomoformadediversãoparaseuscolegasdaEscolaPaulista de Medicina. Meus pais forammilitantes da resistência ao regime militar,adequadamentedefinidopeloconvidadocomoditaduracivil-militar.Vocêspoderiamse perguntar o que estou fazendo aqui. Estou como cidadão que curiosamente foidetido com 16 anos, no fim oficial do regime, em 1982.Minha detenção, por umanoite, ocorreu pelo simples fato de colar cartazes como esposo daDra. IedaMariaFerreiraPires,procuradoradaCâmara,queàépocatambémtinha16anos.Atéhoje,com 45 anos, penso naquilo. Imagino o que todas essas pessoas passaram. As suasdores.

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Minha presença tem outra razão. Com todo o respeito que sinto pelas doresindividuais, minha preocupaçãomaior foca a dor coletiva, porque a ditadura civil-militar, eficiente, perpetuou-se nos corpos e mentes. Perpetuou-se no aparato doestado.FalonacondiçãodemembrodoMinistérioPúblicodaUnião.Emboraeusejaagentedoestadobemseiqueháumaculturaautoritária.Nãoélatente.Épotente.Como coordenador regional de combate às irregularidades trabalhistas daadministraçãopública,aquiestouporqueostrabalhadoressofreramcomaculturadaviolência. Não foram poucos os atingidos do setor público. Tantos anos após o fimoficialdoregime,aculturadasrelaçõesdeviolênciaperduraemarcaaadministraçãopública.Aminha funçãoécuidardosacimade600municípioseórgãosestaduaisefederais de São Paulo. Constato aos senhores que, se juridicamente o estadoautoritárioacabou,permanecenacultura.Alógicadasrelaçõesaindaédaviolência,doquempodemais,choramenos,doespertoquesecala.Anossapreocupaçãoécomo estabelecimento de uma verdadeira cultura democrática, que não se pauta pelaviolência nas relações entre o capital e os trabalhadores ou nas relações entre osdetentoresdopoderpolíticoeosseusservidores.(Palmas)

OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–AgradeçoaoDr.MarcoAntônioTura,aosvereadoresRicardoYoung,MarioCovasNeto,LaércioBenko,conosconestareunião,eaoSr.EmilioIvo.

Comocirurgião, seiqueos abscessos sómelhoramquandovêma furo. Já lanceteimuitosna vida.Odesespero é visívelno rostodopaciente.Depois que lancetamos,emalgunsminutoso rostomuda.Consideramoso trabalhodaComissãoMunicipalda Verdade Vladimir Herzog semelhante ao de lancetar um abscesso de dor dapessoaquecontaasuaexperiência.O seu depoimento, Emilio Ivo Ulrich, além do que apontou, servirá como provapara questões que vamos encaminhar. Procuramosumasdez oudozepessoas sobrearrecadações. Nenhum desmentiu,mas nenhum aceitou, de bom grado, vir aqui econtar.As coisas sãodifíceis.Quanto anós, que sofremos a repressão, já contamos.Queremos agora ouvir o outro lado, os que festejaram, escorregando dinheiro nobolso do Risadinha. Queremos ouvi-los, circulam por aí. Virá o delegado Calandra(capítulo VIII), será ouvido pela CNV. O vereador Ricardo Young solicitou ocomparecimentodoSr.JoséMariaMarin.

OSr.MarcoAntônioTura –Agradeço e cumprimentoV.Exªs.A comissão eosvereadoresqueacompõemtêmoimportantepapeldeinformarasociedade,queemgeraldesconhecefatosocorridosduranteaditadura.Éprecisoumpoucodecoragemededesprendimentoparaconstituirumacomissãocomoessa.

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O Ivan Seixas, um combatente e hoje colaborador da Comissão da Verdade naAssembleia Legislativa, propôs o tombamento da área onde hoje funciona o 36ºDistrito Policial da Vila Mariana. Foi um centro maior de tortura. Até hoje nadaaconteceu com aquele espaço. Acho que esta comissão tem condições de propor otombamento.Eaconstruçãodeummemorialoudeummonumento.Morreugente,muitosforamtorturados.EhaviaosvizinhosdoDOI-CODI.Umacompanheiramoravanoedifícioaoladoenãodormia,aouvirosgritosdossupliciados.Outra coisa. Já existem dezenas de livros de pessoas que escreveram sobre operíodo.Econtinua-seaescrever.AComissãopodeproporqueestaCasaLegislativapossua todos os livros a respeito, inclusive o imprescindívelBrasil: NuncaMais, daCúria Metropolitana da Arquidiocese de São Paulo. Não questiono o acervo dabiblioteca.Querosóacrescentar.Muitoobrigado,vereador.(Palmas)

OSr.Presidente (GilbertoNatalini)–Vamos encaminhar a sugestão. Sobre aquestão doDOI-CODI, a proposta émuito louvável. Por sugestão doAntônio FunariFilho,daComissãodeJustiçaePazdeSãoPaulo,enviamosumofícioaogovernadorparaqueseconstruísseali,naqueleprédio,ummemorialaosmortosedesaparecidospolíticosdoBrasil,vítimasdaditadura.(aopúblico)Algumapergunta?

(pausa)Agradeçoapresençadetodos.Declaroencerradosostrabalhos.

HélioPellegrino

SobretormentosMédicopsicanalista,escritorepoeta,mineirodeBeloHorizonte,HélioPellegrino (1924-1988) foiumintelectual de grande prestígio e influência política, atuante desde a luta contra o Estado Novo.Manifestou-se irrestritamentecontraogolpemilitarde1964.Escreveuem jornaisdeSãoPauloedoRiodeJaneirosobrereligião–eraconvictocatólico–,arte,política, literaturaeprincipalmentesobrepsicanálise.ORio era a sua cidade adotiva, da qual foi cidadão públicomuito amado, famoso pelainteligência,ohumanismoeohumor.AcidadedeSãoPaulohomenageia-ocomaimportanteAvenidaHélioPellegrino,queligaosbairrosdoItaimaVilaNovaConceição/Moema(zonasul).Pellegrino criticou de frente a Sociedade de Psicanálise do Rio de Janeiro, por sua estruturamonárquica e submissa ao regime militar. Nesse momento já se denunciara a presença de umcandidatoàSociedade,AmílcarLobo,cúmplicedastorturasporavaliaroestadofísicodosupliciado.PellegrinofoiexpulsodaSociedade,masretornouaelapordecisãojudicial.Atorturapolítica137“A torturabusca,à custadosofrimentocorporal insuportável, introduzir umacunhaque levaà cisãoentreocorpoeamente.E,maisdoqueisto:elaprocura,atodopreço,semearadiscórdiaeaguerra

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entreocorpoeamente.Atravésdatortura,ocorpotorna-senossoinimigoenospersegue.Éesteomodelobásiconoqualseapoiaaaçãodequalquertorturador.{...}.Natortura,ocorpovolta-secontranós,exigindoquefalemos.Damaisíntimaespessuradenossaprópriacarne,selevantaumavozquenosnega,namedidaemquepretendearrancardenósumdiscursodoqualtemoshorror, jáqueéanegaçãodenossaliberdade.Oproblemadaalienaçãoalcança,aqui,oseupontocrucial.Atorturanos impõeaalienaçãototaldenossoprópriocorpo,tornando-oestrangeiroanós,enossoinimigodemorte.{...}Oprojetodatorturaimplicaumanegação total –e totalitária–dapessoa,enquanto serencarnado.Ocentrodapessoahumana é a liberdade. Esta, por sua vez, é a invenção que o sujeito faz de simesmo, através dapalavraqueoexprime.Natortura,odiscursoqueotorturadorbuscaextrairdotorturadoéanegaçãoabsoluta e radical de sua condição de sujeito livre. A tortura visa ao avesso da liberdade. Nessamedida,odiscursoqueelabusca,atravésda intimidaçãoedaviolência,éapalavraaviltadadeumsujeitoque,nasmãosdotorturador,setransformaemobjeto.”ElioGaspari,emADitaduraEscancarada,obracitada.CapítuloAMatança,página378.Ediçãodeoutubrode2004.ADitaduraDerrotada,capítulo“Essetroçodematar”,página319.ElioGasparidácomofonteoArquivoPrivadodeGolberydoCoutoeSilva/HeitorFerreira.ElioGaspari,ADitaduraEscancarada,obracitada,capítuloOban,apartirdapágina59.Sobreoparágrafoespecífico,páginas61e62.ElioGaspari,ADitaduraEscancarada,obracitada,capítuloOban,página60.Naépocachamavam-seindustriais,construtores,comerciantes,fazendeiros,capitalistas.JornalOGlobode9.3.2013,OElodaFiespcomoPorãodaDitadura.JamesN.Green,obracitada,página333.Maissobreoassunto,napágina61.De1947a1991,emboratenhacaídonofinalde1989omuroquedividiaBerlin.Associou-seàBethlehemSteel,produtoraamericanadeaço;eàHannaMining,mineradoradeferro.EloyDutra,IBAD–ASigladaCorrupção,EditoraCivilizaçãoBrasileia,1963.ElioGaspari,emADitaduraDerrotada,citado,capítuloOpaliteirodoIPÊS,páginas155-162.RenéArmandDreifuss,1964:AConquistadoEstado–AçãoPolítica,PodereGolpedeClasse,páginas305a319.EditoraVozes,3ªEdição,1981.RenéArmandDreifuss,1964:AConquistadoEstado–Ação,PodereGolpedeClasse,obracitada.PertenciaàVPR.Nãoentrounumpontocaído,excessodevendedoresdesorvete,pipoca,funcionáriosdaTelesp.UmdosagentesdesconfioudoVolkswagenquepassara,aobservarapraça.Onúmerodachapafoidistribuídopelapolícia.Fujimorinãoatrocou.Ocarrofoivistonodia5dedezembronaVilaMariana.Perseguição,tiroteio.NovizinhobairrodaSaúde,Fujimorieseuacompanhantemorrerammetralhados,segundoaversãooficial.EmilioIvoUlrichtestemunhaqueolevaramaoDOI-CODIaindavivo.EafirmaquealocalizaçãofoiobradocaboAnselmo.HomenagemaDevanirJosédeCarvalho,dirigentedoMRT(MovimentoRevolucionárioTiradentes).DocumentodoDOPSinformaquemorreuemumtiroteio.IvanSeixas,militantedoMRTàépoca,disseàComissãoEstadualdaVerdadeRubensPaivaqueDevanirfoiferidonumcercopolicialnobairrodoTremembé(zonanortedeSãoPaulo),quandotentavaresgatarumcompanheiroesuafamília.LevadoparaoDOPSfoitorturadoatéamortedurantetrêsdiasseguidos,sobocomandodeFleury.Demaispresosouviram-nogritaropróprionome,odaorganizaçãoaquepertenciaeinsultarFleuryatéquesilenciou.OMRTeracompostopormaioriadeoperários.Davaênfaseàlutaarmadaeprocuravaaliar-seaoutrosgruposparaefetuarasações.Nãodefendiaanecessidadedeumpartidopolíticocentralizador.ElioGaspari,ADitaduraEscancarada,obracitada,capítuloUmaEliteAniquilada.Apartirdapágina225,emparticularaspáginas232e233LegiãoBrasileiradeAssistência,entidadefundadapelaprimeiradama,DarcyVargas,em1942.Desdeafundação,asprimeirasdamasapresidiam.Em1991,sobagestãodeRosaneCollor,foramfeitas

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denúnciasde“desvios”deverbasdaLBA,emparticularumacomprafraudulentade1,6milhãodequilosdeleiteempó.Assimqueassumiuogoverno,opresidenteFernandoHenriqueCardosoextinguiu-apeloart.19,incisoI,daMedidaProvisórianº813,de1ºdejaneirode1995.Criou-seoMinistériodaPrevidênciaeAssistênciaSocial,queassumiriaospapeisdaLBAedoextintoMinistériodoBem-EstarSocial.FundadaporDarcyVargasem1940.Ofereciaformaçãoescolarecursosprofissionalizantes.GuerraéGuerra,DiziaoTorturador.EditoraCodecri,1981EditoraMovimento,2012.Jornalista,tradutoreescritor.Recebeuváriosprêmios,entreelesoJabutidemelhorromancede1986porAidadedapaixão(1985),ambientadanaspensõesdePortoAlegre.SeuromanceLobos,de1997,retrataavidanasredaçõesenosquartéisduranteaditaduramilitar.FoipublicadonaItáliacomotituloLupi.CapitãoBenonideArrudaAlbernaz,conformealistadetorturadoresdoBrasil:NuncaMais.TalvezAdervalMonteiro,“Carioca”,daequipeCdeinterrogatóriodoDOI-CODI.Fonte:CentrodeEstudosHannahArendt.TalvezOtávioGonçalvesMoreiraJúnior,“Varejeira”,“Otavinho”.DelegadodoDOPScomissionadonoDOI-CODI.Participavadosinterrogatórios.PertenceuaoCCC(ComandodeCaçaaosComunistas)eàTFP(SociedadeBrasileiradeDefesadaTradição,FamíliaePopriedade).Fonte:CentrodeEstudosHannahArendt,listadoacervodeLuísCarlosPrestes.TalvezsargentodaPolíciaMilitardeSãoPaulo,Bordini,“Americano”,“Risadinha”.DaequipeAdeinterrogatóriodoDOI-CODInoperíodode1969a71.Equipedebuscadesde1971.Fonte:CentrodeEstudosHannahArendt,listadoacervodeLuísCarlosPrestes.NalistadoBrasil:NuncaMaisaparececomoPauloBordini,ouGordine,sargentodaForçaPúblicaSãoPaulo.Talvez“Índio”,enfermeirodaequipeBdoDOI-CODIentre1970e74.DoExército,acreano.Fonte:CentrodeEstudosHannahArendt,listadoacervodeLuísCarlosPrestes.JoséMarianeFerreira,comosargentoDarcyRodrigueseosoldadoCarlosRobertoZanirato,lideradospelocapitãoCarlosLamarca,desertaramdoquarteldeQuitaúnanodia24dejaneirode1969.EmsuaKombi,Lamarcalevou63fuzisFAL,trêsoucincometralhadoras,revólveresemuniçãodoExército.PublicadonaFolhadeS.Paulonodia5dejunhode1982.

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AcervoCMSPRitaSipahi,sobreoDOI-CODI:aochegarsentiu-seemumlugarterrível,alucinado,povoadodegritos,

xingamentoshorríveiseempurrões

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CAPÍTULOVIII

Prisioneirasdasombra“Étorturatudooquedeliberadamenteumapessoapossafazeraoutra,queproduzador,pânico,desgastemoraloudesequilíbriopsíquico,provocando

lesão,contusão,funcionamentoanormaldocorpooudasfaculdadesmentais,bemcomoprejuízoàmoral.”

Brasil:NuncaMais,daCúriaMetropolitanadaArquidiocesedeSãoPaulo

“Ninguémserásubmetidoàtortura,ouatratamentocrueledesumano,ouàpuniçãodegradante.”

Artigo5daDeclaraçãoUniversaldosDireitosHumanos

No dia 25 de março de 2014, com a presença dos vereadores Gilberto Natalini(presidente) e Mario Covas Neto (relator), a Comissão Municipal da VerdadeVladimir Herzog ouviu os depoimentos da educadora e advogada Rita Sipahi e dasociólogaLeniraMachado.Rita foi presa enquanto militante do Partido Revolucionário dos Trabalhadores(PRT). O grupo originou-se da Ação Popular (AP), organização compostaprincipalmente pela Juventude Universitária Católica (JUC). Muito atuante nasuniversidades,aAPinspirava-senopensamentodeLouisJosephLebret(1897-1966),padre dominicano francês138. Paulo Wright, o desaparecido irmão do pastorpresbiterianoJaimeWright,mencionadonocapítuloV,pertenciaaoramoprotestantedaAP.Em1965,umapartedaorganizaçãodecidiu-sepela lutaarmada,aderindoàideiado focosob influênciacubana–umpequenogrupo iniciariaa luta,atraindoopovoàmedidaqueprogredisse, para ao finalda luta conquistaropoder139.Osquediscordavam do longo caminho saíram e criaram o PRT, adepto da guerrilha nocampo. Paralelamente, como a AP, integravam-se à produção como operários etrabalhadoresrurais.“RitaSipahifoipresaaos31anos,em1971”,apresentou-aopresidentedaCMVVH,Gilberto Natalini. “Integra atualmente a Comissão de Anistia do Ministério daJustiça. Temos várias perguntas” prosseguiu, voltando-se para Rita. “Peço-lhe querespondadentrodesuaspossibilidades”.

DepoimentodeRitaSipahi

(resumo)

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ASra.RitaSipahi–Antesdeiniciar,querodizerqueainiciativadeumaComissãodaVerdadenaCâmaraMunicipaldeSãoPaulo temgrandesignificado,porromperumsilêncioimpostoaopaíshá50anos.Cadavezmaisénecessárioqueaverdadesetorne evidente, que os fatos sejam esclarecidos e que a impunidade perca o valordominantedehoje.Agradeçoaossenhores.Paramiméintensoosentimentodeestaraquihoje.Nãoé fácil aninguém.Asmulheres têmdificuldade extra.Desdeontemtentomelembrardetudoparacontribuirdamelhorformapossível.Estouàvontadeetranquila.

O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – Nós é que agradecemos as suasconsiderações.Sócumprimosonossodevercívicoedemocrático.Pergunto,então:asenhorafoitorturadanoDOI-CODIdoRiodejaneiroedepoistransferidaaSãoPaulo?

ASra.RitaSipahi–Sim,emmaiode1971.MoravahápoucotemponoRioefuipresa.Masomeuprocesso estava emSãoPaulo.HaviamprendidoalgumaspessoasdoPRT,aoqualeupertencianaquelemomento.Sóquenãodispunhaminformaçõessobreaminha ligaçãoanteriorcomaAPnoinício(meadosdadécadade60).Então,paraarepressão,euerasódoPRT.Apesardissofuitorturadaváriasvezes.

P – A senhora diz que foi torturada no Rio sem que soubessem o motivo de suaprisão?R – Sabiam que eu era ligada ao PRT, sem outras informações. Torturaram semobjetivo.Queriam que eu reconhecesse pessoas torturadas em fotos.Não conhecia,era a minha resposta. Diziam-me: você não conhece agora. Em São Paulo a suahistóriaserácontadaevocêsaberáquemsãoaspessoas.QuandometrouxeramaSãoPaulo, emumaC14, faziam insinuações estranhas. Por exemplo, saíamda estrada eentravam em lugares. Punham capuz, tiravam capuz. Deixavam-me sozinha,voltavam. Um deles afirmava que me reconhecia de algum lugar. Enfim, comodirigiamemaltavelocidade,oqueeumaisdesejavaéqueocarrovirasseemorressemtodos.

OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–LevaramasenhoraaoDOI-CODI?

R–AoDOI-CODInaRuaTutoia.SaídoRionofinaldatarde,chegueipelameia-noite,talvez.Tinhaumportão,entramos,fecharamoportão.Fuilevadadiretamenteparaasaladetortura.Aíjáouviosgritos.P–Quemrecebeuasenhora?R–Umtorturadorqueidentifiqueidepois.Chamava-seJesusCristo,JC.NaequipedeleumhomematendiaporCapitãoJoséouDr.José.Eraumsenhor,jeitodistinto,sentado.Elefaziaperguntas.Nomeiodocaosvoltavaaperguntar.Éimportantedizer

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que,poucoantes,noRio,prenderamViníciusCaldeiraBrant.Amulherdeleveioàminhacasaedeuumrecado:queeumontasseumahistóriaenãosaíssedela.Eunãoeraclandestina.Meumaridotrabalhavaemumbancodeinvestimentos,eueraumadona de casa com dois filhos pequenos. Algumas pessoas que eu obrigatoriamentereconheceria,conhecera-asnaBahia,emumsemináriodeculturapopular,em1962.Oseminárioficousendoareferência.P–ComoeraJC?Jovem,adulto,magro,cabelocomprido?R–Sim.Elediferiadosoutrosporcausadocabelo,quepodiaidentificá-locomoumjovemrebeldedaquelageração.P–Asenhoralembradocrucifixo?R–Tenteime lembrar.Nãoconsigo.NopresídioTiradentessónosreportávamosaelecomousandocrucifixo.P–Elearecebeudequemaneira?R – Gritando: finalmente chegou a fdp, que sabe muita coisa e vai nos contar.Começouaperguntarumendereço.Faleiquenãosabiaeque ignoravaporquemeprenderam, eu não pertencia à organização que citavam. Aí me deram choques.Nessanoite,maisoumenosporumahora,elemedeumuitoschoques.Punhamosfiosnosdedosemoviamamáquina.P–Teveoutrotipodetortura?R –Nãodessavez.Quandocheguei aoDOI-CODI aminhapercepção foi adequeolocal era terrível, alucinado, por causa dos gritos, dos palavrões. Também meempurravam.P–JCeraolíderdasações?Daequipe?R – Naquele dia, sim. O senhor da situação. Importante eu falar que a minhaimpressão definia um pouco o sentimento de apreensão, a situação de fragilidade,comoseotetodacasadespencassesobremim.Paramelivrardaquilo,eutinhademeprotegerdasmadeirasedaareiaquecaíam.Foiumasensaçãomuitoforte.

O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – O JC, depois ficamos sabendo, é odelegadoDirceuGravina.Ele sabiaqueoDr.AytanSipahi era seu irmão,presonaépoca?

A Sra. Rita Sipahi – Sabia. E disse-me que eu conseguiria identificar algumaspessoas.LembroquefalavamdeumaDra.Pura,médica.Respondiquenãoconhecia.Ameaçaram:masvaisaber.Estavamsempreanunciandotortura.

P–Oquequeriamsaber?R – Endereço de uma pessoa, Iraci Poleti. No dia seguinte veio uma nova equipe,

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coordenada por um capitão Rolim, sobrenome do meu marido. Até pensei que ousasse por artifício. As torturas foram aumentando. Esse capitão não torturavadiretamente,mandava torturar. Ele tinha um auxiliar chamadoMarinheiro. Foramtorturasfortes.P–Asenhorapodedescrever?R –Muitos choques.Houve ummomento em que tomei choque no corpo inteiro,inclusivenavagina.Tiraramaminharoupaepuseramroupanaboca.Eudeviaestarmal porque esse capitãoRolim entra eme levapara tomaruma injeção.Reajo, nãotomo.Masaplicam.Nãoseioqueera.Emoutrasessão, lembroqueforamdoisdiasseguidos,mepuseramnopaudeararaporbastantetempo.Ocoordenadornessediaeraumjovemalto,meioaloirado.Umjovembonito.P–Nãotinhacodinome?R–Tinha.Nãomelembro.Enessemomentodopaudeararaeudisseoendereçodapessoa.É importante falar isso.Da Iraci.Foipéssimoparamim, senti-medestruída.Não queria falar, me propusera aguentar. Falei. Eles me levaram à casa dela. Parafelicidademinha,naquelemomento,naquelecaos,nãotinhamaisninguémnacasa.Senteisobreumapilhaderevistasnochão,vialgumasfotos.Tiveocuidadodecobri-las para que não me interrogassem sobre elas. Voltei ao DOI-CODI com eles. Foihorrível porqueme afirmaram que, como eu não tinha falado140, iamme tratar deoutro jeito, eu logo veria. Tiraram-me do carro e me empurraram de tal jeito quequasecaí.Achoquecaíealguémmesegurou.P–Etorturaramlogo?R–Sim, foramsessõescontinuadas.Queriamsaberdepessoasqueeudesconhecia.AtéperguntavammuitosobreaIaraIavelberg.Achavamque,portermoradonoRio,euteriainformaçõessobrepessoaseorganizaçõesdelá.P–QuantotempoasenhoraficounoDOI-CODI?R – Pouco tempo. O Capitão Rolim, cuja equipe atuou logo depois da visita aoapartamento,mechamouedisse:adependerdarespostamandovocêeseumaridoao DOPS. Diga a verdade: você era da Ação Popular? Àquela altura, eu não podiareconhecerque sim. Seriamuitopior,mentirahámais tempo.Respondi:nunca fui.Ele ameaçou: se viesse a saber do contrário, eu voltaria. Para pior. Então, memandaramaoDOPS.P–Asenhoracomentouqueprenderamoseumarido,poderiacitaronomedele?R – Antônio Othon Pires Rolim. Mandaram a mim e a ele ao DOPS. E ali, nomomento do inquérito policial militar com o delegado Alcides Singillo, de repenteapareceu um senhor alto, de olhos claros e paletó branco.Me olhou, atravessou asala, ficou atrás do delegando me encarando e se manifestou: você é Rita Sipahi.

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Respondi:sou.Eele,paraodelegado:elaéirmãdoDr.Aytanesabedemuitacoisa.ParticipoucomoauxiliardeenfermagememumcongressodoPCBR141.Ela vai descercomigoagora. Já.AíoSingillocomentouolhandoparamim:ela jádissequeé irmãdele.Eooutro:elaengana,onomesempreaparecediferente.Eu:nãotenhoculpaseescrevemerrado.Aessaalturacomeceiafazerbarquinhosdepapeleacolocá-losnamesa. Os barquinhos iam aumentando de tamanho. O delegado comentou para oescrivão:elanãoestábem.

OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Asenhoraidentificouohomemdepaletóbranco?

ASra.RitaSipahi–OFleury.AíoSingillomeperguntousenoDOI-CODI sabiamque Aytan era meu irmão. Sim, disse. Ele mandou um delegado telefonar.Confirmaram,masiampedirminhavoltaporque“elasabemuitacoisa.”

P–Pediram?OJC?R – O Singillo saiu para conversar com Fleury. Voltou e fez mais perguntas sobreAytan.Játínhamosmontadoumahistóriaecontei-a:nãonosentendíamosporumaabsurda questão de herança.Além disso, era de outra organização.Haviamais umhomemna sala quememostrava a palmatória. Saíram todos e fiquei sozinha até ameia-noite, mais ou menos. Não desci para a tortura, naquele dia e em nenhumoutro.NãofuitorturadapeloFleury.Foramameaçasotempotodo.P–Ameaçasotempotodo.R–Odelegadodisseexpressamenteaoescrivão:elesfazemoquefizeramcomelae,nofinal,acabamosnósosresponsáveis.Ouseja,umterritóriodemarcado.P–AsenhoratestemunhoumaistorturadeJC?Temconhecimentodealgumcaso?R–AchoqueoOthon,meuex-marido.P–Elecontouàsenhora?R – Não. Eu presumo, por causa da data em que ele chegou do Recife, onde foipreso.AEstrelaDalvaBushincontou...P–Éonomedela,EstrelaDalvaBushin?R–Sim.Contou,muito constrangida, queumanoitepuseram todas aspessoas emfila,nuas,cadaumacomumavelaacesa,cantandoJesusCristo,amúsicadeRobertoCarlos.Comosefosseumaprocissão,percorrendoassalas.P–PerguntoàsenhoraqualasuaavaliaçãopessoalsobreaLeideAnistiaque,vamosdizerassim,perdoouosdoislados.Aoposiçãoeosagentesdoregime.R–Antesquerofalarsobreosignificadodotestemunho.Oquefaçoaquiémaisdoqueumdepoimento,namedidaquenãosórespondoàsperguntascomoacrescentoo

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meu entender daquele momento da nossa vida política. Um momento em que aviolência do aparato militar foi organizada para intensamente destruir um projetodiferentedodeles.Umprojetoquepensavaumasociedadesocialistaeigualitária.Durantemuito tempo, emnossouniversodepresospolíticos,não falamos sobreoque aconteceu conosco.Cada um guardava dentro de si suas histórias, suas culpas,suas tristezas, seu sofrimento.Como se fosse umapágina virada.Não foi por acaso.Eraumprojetodaditadura.Atortura temtambémessesentido,de fazeraspessoascalarem,que é amelhor formadedar continuidade aoprojetodaditadura. Senãofalamos comprometemos a ação política porque deixamos de ser críticos daquelemomentodahistória.Hoje, uma das grandes contribuições da Comissão de Anistia do Ministério daJustiçaéoProjetoClínicasdoTestemunho,queatendeosafetadospelaviolênciadoestado durante a ditadura. Significa que a Comissão de Anistia possibilita umareparação econômica, uma reparação moral com pedido de desculpas e umareparaçãopsicológica.Há clínicas em cinco estados com a intenção de que a pessoa, ao assumir o seupassado, se torne um agente transformador. Que a política volte a ser umcompromissodetransformação.Nãoaconteceudeumahoraparaoutra,ofalar.Quanto à Lei de Anistia, ao lutarmos por ela nos anos 1978 e 1979, ainda numcontexto demuita violência e repressão, nunca pensamos que pudesse favorecer osagentes da repressão. Não houve negociação. Mudança só haverá, no meuentendimento,quandooobjetivoforrevelar,atodasasinstituiçõesdasociedade,quea punição dos torturadores é condição para que a tortura não seja legitimada. Asociedade legitima a tortura quando não tem a informação, ou não compreende osignificadoeaextensãodosprejuízosdatortura.

O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – Agradecemos a sua presença. O seudepoimento é muito importante para a Comissão Municipal da Verdade VladimirHerzogeparaasociedade.

Foto:AlessandroShinoda/FolhapressMamãeonçaAleideanistiafoipromulgadaem28deagostode1979pelogeneralpresidente

JoãoBaptistaFigueiredo.Excluía os condenados por atentados, crimesde terrorismo, assalto e

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sequestro entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979. Favorecia os militares e osresponsáveispelaspráticasdetortura.Aanistia foioápicedoMovimentoFemininopelaAnistia,iniciadonosanos70porumadonadecasa,TherezinhadeGodoyZerbini(1928-2015).“Tenhoacoragemdemamãeonça”,gostavadedizer.EracasadacomogeneralEuryaledeJesusZerbini,cassadoe reformadodepois dogolpede1964.GraçasaTherezinhaZerbini, quemanteve semdescanso a luta pela anistia aos presos e perseguidos políticos, criou-se em 1978 o ComitêBrasileiropelaAnistia.Váriasentidadesciviso formaram,comsedenaAssociaçãoBrasileiradeImprensa,entãopresididapeloadvogado,escritor,historiadorejornalistaBarbosaLimaSobrinho.

AleidoanistiadoEm13denovembrode2002,nofinaldogovernodeFernandoHenriqueCardoso,foipromulgadaaLeidoAnistiadoPolítico142.Declaravaanistiadospolíticostodososquesofreramviolaçõesemseusdireitosfundamentais, no período que se estendia de 18 de setembro de 1946 a 5 de outubro de 1988. Amesma lei criou a Comissão de Anistia no âmbito do Ministério da Justiça. Em março de 2013, aComissão lançou o projeto Clínicas do Testemunho, que dá atendimento psicológico a ex-presospolíticos,perseguidosesuasfamílias.EmSãoPaulo,aClínicadoTestemunhoseencontranoInstitutoSedesSapientiae.

LeniraMachado:conseguiusoltar-sedopaudeararaenquantosofriachoques,agarrou-seaotorturadorederrubou-ocomadescargatransferida.Elevingou-sedeixando-aquaseparaplégica

DepoimentodeLeniraMachado

(resumo)Lenira Machado, socióloga, escapou por pouco de ficar paraplégica, quando otorturadorDirceuGravinaeum“assistente” lheaplicaramumaversãopaulistanada

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tormenta da polé, instrumento de suplício na inquisição, como já expusemos nocapítulo I.Pertencia, comoo seumarido,aoPRT.Leniraprestouo seudepoimentonodia25demarçode2014.

OSr.Presidente (GilbertoNatalini)–Todos os vereadores e o povo brasileiroagradecemasuapresençaeadisposiçãodecontaroqueaconteceucomasenhora.

A Sra. Lenira Machado – Eu não quero que me agradeçam por estar aqui. Aminhapresençaéfrutodeobrigaçãopolíticadeumavidademilitância.Eusoube,porminha irmã, que JC é o delegado Dirceu Gravina, que atua como delegado eadvogado em Presidente Prudente. Pensei: um torturador sádico guarda presoscomuns emuma sociedadedemocrática? Imaginei o quepoderia estar acontecendonaquela delegacia no interior de São Paulo. E resolvi contar a história da minhaprisão.

P–Asenhora foipresacomoseumarido,AltinoDantas,em13demaiode1971.Tinha31anos.LevaramaoDOPS.ChegoucomeleaoDOI-CODIem16demaio.AltinoDantas,jábastantemachucado.R–Sim,começaramabaterneleemcasa.MorávamosemumatravessadaAvenidaRodrigues Alves (atual Vereador José Diniz, zona sul da cidade), atrás do ClubeBanespa.Enquanto espancavamAltino edestruíama casa toda, eudava comida aomeu filho de 4 para 5 anos. Consegui convencer o chefe da equipe, eles meconheciamdamilitâncianomovimentoestudantil,adeixarqueentregasseomeninoaos avós paternos. Com isso também abri a possibilidade de saberem que fomospresos,poisvivíamosnaclandestinidade.Tiveasorte,naquelecaos,deFleurynãoestaremSãoPaulo.Depoiselecomentouque estava ensinando a equipe no Recife a torturar e extrair informações.Posteriormente, no presídio Tiradentes, conheci a uruguaia, Cristina, que serviu decobaia.Perdeutotalmenteoolfatoemfunçãodastorturasquesofreu.P–NoDOPSpuseramasenhoranasolitária?R–Não.Nacela.Unstrêsdiasdepois,nãosei,perde-seocalendário,noslevaramaoDOI-CODI.Entrava-seporumpátioehaviaaliumaespéciedehallcomumbancodemadeira. Fiquei muito tempo sentada lá. Depois eu soube que Altino estava nasolitária.Equeomeusogro,generalAltinoRodriguesDantas,dareserva,vinhatodosos dias tentarme ver, comomeu filho. Segundomedisse depois, achava que seuscompanheirosdearmaseapiedariamdaquelacriançaquequeriaveramãe.P–Asenhorafoimuitotorturada.R – Começou com aquele jovem de cabelo amarrado e colares coloridos. Como aRita,nãomelembrodacruzemumapulseiradecouropreta,bastantecomentadano

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presídio. Ele veio para mim no banco e perguntou: “Conhece a Lei Universal dosDireitosHumanos”?Conheço,respondi.Eledisse:“Esquece,suavaca”,ecomeçouameesbofetear.Fuilevadaàsaladetortura.P–EraoJC,odelegadoDirceuGravina?R – Sim. Ele me conduziu à sala de tortura forrada de revestimento acústico.Fechavam a porta, começavam a gritar e punhammúsica clássica bem alto, emumaparelhodesom.P–Eletorturouasenhora?R–Sim.Começamoscomumabriga.DiferentedaRita, todaaminha família tinhamilitânciapolíticajáantesde1964.Nesseanoeuestavasemiclandestina.AequipedoFleury prendeu minha mãe em 64, para dizer onde minha irmã, meu irmão decriação,meupaieeunosencontrávamos.PapaieradoConselhoNacionaldasLigasCamponesas.EumilitavanaLiga,nomovimentoestudantilenaJuventudeSocialista.Fui presa muitas vezes por fazer comício na porta de fábrica, pichar em defesa deCuba.NoDOPSmeconheciambastante.Então,comoeueraclandestinaemeprenderamcomdocumentaçãofalsa,afirmei:não sou Lenira, sou Elza. Isso foi irritando demais. Eu insistia: sou Elza, nasci nointeriordoRio,nãoconheçoessaLenira.Outrospoliciaisquepassaram,sabiamquemeuera.Chegouomomentoemqueelecomandou:“Tiraaroupa.”Falei:“Nãovoutirararoupa”.A sala tinhaumaescrivaninha, comumaaparelhagememcima,eopaudearara:doiscavaleteseumcanode ferro.Elecomeçouamebatereacomandarquetirassearoupa.Eupedidesculpas,expliqueiquenãoeramulherdafamíliadeleenãotirariaaroupa.Aíelemandoumesegurar.Tiraramomeucasacoerasgaramaroupa.Passei45diasnoDOI-CODIapenascomocasacoazulmarinhoeumlençodesedadebolinhasverdes.Querofalardolenço.Foilembrança,em1964,deumacompanheiraparaguaiaquesehospedounomeuapartamento.Houveogolpeeelapartiu.Antes,colocouolençodelanomeupescoçoedisse: “Un recuerdo”.Nahora emquemeprenderampusolenço.Umelementoparamedarforças.PosteriormenteeusoubequeaassassinaramaopassarpelafronteiradoBrasilcomoParaguai.P–Asenhoraficou45diasvestidaassim,nacela.R–Aúnicaroupaqueeutinha.EcomelafuiàAuditoriaMilitardepor.Casacoazul-marinho,lençodesedadebolinhasverdes.P–Oqueaconteceudepoisnaquelasaladetorturas?R–Paudeararadireto.Choque.Umaeternidade.Nãoseidizerporquantotempo.ODOI-CODI,senãomeengano,tinhatrêsequipes.Todasmeinterrogavam.Portanto,

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trêsvezesaodia.SempreatorturamaispesadaficavaporcontadaequipedoJCeporumelementoquedepoisanalisei.QuandoocapitãoUstraabriaaporta,poisnãosedignavaaentrar,comospapéisnamão,chamavaochefedaequipeeorientavacomodeveriaseromeuinterrogatório.EaequipemaisservileraadoJC.Ocomponentedesadismo deles sempre foi muito forte. Acho que selecionaram para essa equipe osagentesque sentiamprazer especial como sofrimentodosoutros.Umdeles eraumnegro alto, grande,mais idoso. Nunca soube o nome dele, talvez o chamassem deGeneral,ouAlmirante.

O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – Lungareti? 143Alto, cabeça raspada.Acreditoquelembroexatamentequemé.

ASra.LeniraMachado–Umdia,quandoterminouasessãodetorturanopaudearara,oJCsaiudasalaedisseparaelemesoltar.Elemedesamarrou,mejogousobrea escrivaninha e deixou a porta aberta. Pegou um alicate e veio nos meus pelospubianos como se fosse uma pinça: “Com JC você não fala, comigo vai falar”.Comecei a berrarquemedeixaramnamãodeum louco, pedi socorro.Dobrei-me,aosberros.Ustrapôsacabeçanasalaedisse:“Oqueestáacontecendo?”Eurespondi:“Veja o que o seu louco de plantão resolveu fazer comigo, olhe o alicate na mãodele”.Achoqueatéeleficoumeioassim...edissechegaporhoje.Aímelevaramparaondeeuficava,emumquartoemcimadaantigagaragemdacasa.

P–Asenhoranãoficounascelasdebaixo?R – Não, só lá em cima. Atravessava o pátio, subia a escada. A garagem era umrefeitório das equipes. Nesse quarto tinha um colchão no chão, uma cadeira e umvitrô muito alto. Antes de mim, nessa cela, acho que ficaram pessoas da famíliaSeixas.AFanny(AxelrudSeixas).Quandoeuconseguia,usavaacadeiraparasubireacompanhar pelo vitrô amovimentação no pátio.Via a chegada de presos, quandoeram deixados no chão do pátio. Não dava para reconhecer quem era.Mas o queacontecia,asaídadepresosparacobrirpontos,oucoisasdessetipo,euconseguiaver.P–Lenira,oJCeraoprincipaldaequipedetortura?R–Eletorturavaecomandavaorestodaequipe:diziaamarra,dáchoque,colocaofionavagina,nosdedosdospés,dentrodonariz,nasorelhas.Comigoelesentavaemumdoscavaletescomamãocheiadesaleumcopodeplásticocheiodeágua.Jogavaágua no meu rosto, em direção ao nariz. Quando me afogava e abria a boca, elejogavasaldentro.Osal iaespalhando.Comopassei45diassemterdireitoabanho,tiveerupçãodesalgamentonapeletoda.Norosto,nocorpo.SaídoDOI-CODIcom38quilos.P–Porfavor,relateparaaComissãoMunicipaloepisódiodeserjogadanochão.

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R–Semprefuimuitoágil.Umdia,não lembroqual, tinhammeamarradonocanodo pau de arara. A gente ficava com os canos no vão das pernas e dos braços,penduradameiodecócoras.Duranteatorturaconseguiirafrouxandoasmãos,achoquefoiopontoemquemefixeiparasuportarsemdizernada.Eutinhadepensaremalgo que desviasse a minha atenção e me fixava em algumas coisas. Nesse dia mefixei:vouconseguirsoltaraminhamão.Paramimfoimaravilha.Nisso o JC sentouno cavalete do lado direito com água e sal e veio a costumeirasessãodeáguaesal.Nomomentoemqueeleseajeitouparapôrosalnaminhaboca,solteiamãoemeagarreinele.Euestavalevandochoque.Então,elelevouumacargagrandedechoque.Caiuporcimadocavaleteebateuorostonooutrocavalete!Recebi sangue dele no meu corpo, porque ao bater ele se machucou. Não tevenenhuma reação, saiu imediatamente da sala. Ninguém reagiu. Fiquei presa pelaspernas,osdoisbraçossoltos.Aí,umdelesmetiroudocano,amarradapelaspernasefiqueinochão,muitotempoassim.Estavafrio,inverno,aquelechão...Semroupa.

OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Elevoltou?

ASra.LeniraMachado–Sim,comcurativonorostoeoutrotorturador.Nãoseionome.Umhomemalto,claro.Elenãodizumapalavra,seabaixa,amarranovamenteminhasmãosnocano,muitoapertadas.Vira-separaooutrotorturadoredizparaelepegarnaoutrapontadocano.Elesmeiçam,esticamosbraçosparacimaeeleavisa:quandoeucontaraté três, você solta.Ele conta, soltamecaiodessaalturanochão.Nãoseidizercomosedeuaqueda.Masquandomelevantaramparapôrnopaudeararadenovo,perceberamqueperdiocontroledacabeça.Nãoconseguiamantê-lafirme.Voltamamepôrnochão,umdeles saievoltacomumsoldado japonês,umenfermeiro.Eleseajoelha,meexaminaedizqueestoumuitomachucada,quedevetersidoalgonacoluna:“Elaprecisairparaohospital”,conclui.

Jogamemcimademimunscobertorzinhosfinos,aquelesdeCasasPernambucanasesoulevadaaopátio.AbremaportadetrásdaC14,soucolocadanoporta-malas.Aío enfermeiro intervém: “Ela não pode ir aí.Não tem condições.”O JC vira-se paraele:“Eondevai?”Orapazdiz:“Nobancodetrás,comacabeçanomeucoloparaeusegurar, porque está sem controle”. Tiram-me do porta-malas e viajamos até oHospitalMilitarnoCambuci,elesegurandoaminhacabeça.Passeiumastrêshorasnohospital.Veioummédico,umenfermeiro.Ninguémmeexaminou.Omédicodizaoenfermeiro:“Medicaela.”Oenfermeirosaievoltacomuma injeção. Só voltei à consciência dentro da cela, muitas horas depois. Não melembrodenada.Sóqueacordeicommuitadoresensaçãodeparalisianocorpo.P–Tinhaalgumaproteçãonopescoço?Umcolar?

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R–Absolutamentenada.P–Acordouaindasemcontroledocorpo,dosbraçosedaspernas?R–Sim.Ecomdor,dor,muitador.P–Etorturaramvocêmachucadadessamaneira?R–Sim.Nuncamaisopaudearara.Agora,acadeiradedragão.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Umacadeiradeferro?ASra.LeniraMachado –Nãode ferro,masdemadeira comassentometálico echapa de metal no encosto. Os braços da cadeira eram largos o suficiente paraamarrarbraçoshumanos.Aliagentetomavachoque.P–Choquenacadeiradedragãocomaquelasequeladotombo!Asenhoraandava?R–Não,elesmearrastavam.Subiaedesciaasescadasarrastada.P–Asenhoraficouquasetetraplégica.R–Quase.Oladodireitoficouquaseinteiroparalisado.P–Quantotempodurouisso?R – Continuei a ser torturada, não sei. Um dia fiqueimuitomal, jogada no chão,quandooUstrachamouumpresoqueeraomeumédico,foimédicodaRita,assistiuosnossospartos:oDr.DécioTeixeiraNoronha.Comoostorturadoresdiziamqueeuera responsável por um esquema médico, prenderam muitos médicos que tinhamalguma vinculação comigo. Nessa situação prenderam oDécio. Aí oDécio veio, seabaixou,meexaminouedisse:“VocêsromperamumdiscodacolunadaLenira.Elaéminhapacientehámuitotempo.Nahoraemqueeusairdaquivoudenunciar.”Elesaiuecomeçaramaespancá-loparadizerquenãodenunciaria.

OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Depoisdos45dias levaramasenhoraaoDOPS?

A Sra. Lenira Machado – Acho que uns dois dias antes de sair do DOI–CODI,pararamdemetorturar.SaínãoparairaoDOPS,masàAuditoriaMilitar.Audiência.Na2ªAuditoria,comojuizNelsonMachado.NaAvenidaBrigadeiroLuísAntônio.

P–Semprecomamesmaroupa.Asenhorafaziaasnecessidades?R –Sim,mas eunão tinhabanheiro.Então, segurava.Docontrário seria amáximaindignidadeeeunãodariaesseprazeraeles.Quandochegavaahoradacomida,eufalava:possoiraobanheiro?Respondiam:“Deportaaberta”.Euatravessavadooutroladomeescorandonaparede.Umpolicialficavanaporta.Duranteorestodotempoeunãotinhaacesso.DoisdiasantesdaAuditorialevaramàminhacelaumacompanheiraqueforapresacomigo,aElisa.Umdelegado,queeuconheciadeantesde1964echefiavaumadas

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equipes, mandou levar uma cadeira de plástico e pôr embaixo do chuveiro. Elisadeveriamedarumbanho.Levouumpano,umatoalha.EuochamavadeZéPorradaporque quando a gente saía em passeata ele andava com um cassetete e enchia osestudantes,nós,decacetadas.

UmporãonaAuditoriaMilitar

ASra.LeniraMachado – Quero aqui abrir um parênteses. Nunca, ninguém selembraquetambémsetorturavanaAuditoriaMilitar144.Seodepoimentonãofosseo esperado, oDr.NelsonMachado, juiz da JustiçaMilitar, virava-se: “Vou dar umtempoparavocêrefrescarsuacabeça”.OcaboMariane145medescreveu.AequipedoDOPS ou doDOI-CODI que levara o preso conduzia-o aos fundos da casa. Havia umporãocomaparelhodechoquenumasaletadetortura.

QuandochegueiàAuditoria,ogeneral,meusogro,conversavacomojuiz.Obtevedele uma autorização parame levar ao Hospital das Clínicas.Meus advogadosmeacompanhavam,aReginaPasqualeeoBelisário.AímemandaramaoDOPS,deondeme conduziam diariamente ao atendimento médico. Depois me encaminharam aopresídioTiradentes.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Lembra-sedeoutrosprisioneirosnoDOI-CODItorturadosporJC?R–Todososcompanheirosecompanheirasdomeuprocessoforamtorturadospelasdiversasequipes.Equasetodosporele.AFannyeasfilhas,certamente.P–AsenhoraficoumuitotemponoTiradentes?R – Nãomuito, porque foi aberto outro processo do PRT emGoiás e queriam nosmandar a Brasília, Altino e eu, para interrogatório pela equipe do generalBandeira146. Novamente o general, meu sogro, os advogados e minha famíliaintercederamparaqueeunãofosselevadadevidoaoestadoemquemeencontrava.Fiquei no DOPS. O Fleury me chamou e disse: “Você, não torturo. Somos velhosconhecidos.Masnãopassaráporaquisemumcastigo.”Levaram-me ao fundão onde havia duas celas solitárias. Tinham dedetizado com

BHCeumcarcereirohumano–naquelasituaçãoemqueagentevivia,eleaindapodiaser classificado como pertencente ao gênero humano – viu aminha dificuldade derespirar. Conseguiu que eu fosse levada à enfermaria. Tiraram da cela nossocompanheiro Régis, que eramédico, eme levaram de novo ao hospital. O generalmeusogrovinhatodososdiasaoDOPSparaversemelevavamaohospital.Equandoeuchegavalá,noporta-malasdaC14,elejámerecebia.P–Porquantotempoficoupresa?R –Umanoe trêsmeses,porque fui condenada.Acondenação saiu emsetembro.

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Altinopegou59anos.Eu,cinco.Ojuizmecondenouporqueeueraumamulherfria,calculista e insensível – todas as vezes em que eleme perguntava alguma coisa, euperguntava: fui torturada tantas horas para responder a essa questão? A respostacontinuaasernão.”P-AsenhoraestevecomapresidenteDilmaRousseffnacela.R – Sim. No Tiradentes, sempre que prendiam alguém da VAR147 vinham buscar aDilmaparalevaraoDOPS.VoltavaparaoTiradentessearrastando.P–ElafoitorturadapeloJC?R –Não sei dizer. Enquanto estava noDOI-CODI não tive contato com asmulheresporqueficavaemcima,nacela.P–QuemmaisestavanaceladoTiradentes?R–Várias,inclusiveaRitaSipahi.Depoismudamosparaumacelagrande,emcima,porqueaGuiomartinhamuitoproblemadelocomoção.P–ADra.GuiomarSilvaLopeséhojeprofessoranaEscolaPaulistadeMedicina,daUNIFESP.R – Sim, amédica.A LinaTaddei (Eliana Taddei Bellini)me recebeu nessa cela equasevirouaminhaenfermeiranopresídio.Comoobanheiroeraturco,etínhamosdificuldadedenosabaixaresentaremfunçãodastorturas,oscompanheirosfizeramumvasosanitáriodemadeiraparacolocaremnossacela.

O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – Peço ao vereador Mario Covas Neto,nossorelator,queassumaofinaldareunião.VoudescerporqueoDirceuGravina,oJC, reluta em subir. Tentarei cumprir nosso papel institucional, convencendo-o asubir.

(OvereadorGilbertoNatalinilevanta-seesai.)

ASra.LeniraMachado–EstoucontenteporvocêestarnessaComissão.ConhecimuitoMarioCovasesentiaumcarinhoespecialporele.Éumafelicidadesaberqueafamíliacontinuanessabuscapordignidadeeliberdade.

OSr.Relator(MarioCovasNeto)–Muitoobrigado,muitoobrigado.Eeupensoemcomoa senhorapassoupor todoesseprocesso coma sua fragilidade física.Quecondicionamentoéodaresistênciaparaevitarentregarumcompanheiro,umamigo!E a tortura para quebrar essa resistência! E o quanto faz mal à pessoa,psicologicamente,seévencida.Talvezotreinamentosirvaparamantersobcontroleaparteruimdoqueaconteceu.

ASra.LeniraMachado–Houveumapessoananossacelaquesofreuumatortura

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muitomaior do que todas nós. Refiro-me àEleonoraMenicucci148.Ela não teve afelicidade e as condições de deixar aMaria com familiares. Sofreu, alémda grandetortura,essaameaçaconstantedetorturaremacriançaparaquefalasse.Nãoseinemconsigoimaginarqualseriaomeucomportamentofrenteaumasituaçãodessas.

Comissoquerodizerqueopreparoparaenfrentaratorturadeveserrelativizado.Oquemaisnosfortalecenarecusaemfalar,acho,énãoquererveroutroserhumanopassarpeloqueestamospassando.Essaéaquestãofundamental,alémdaideológica.P – Muito bem, continuo com as perguntas. O delegado Fleury disse que se asenhorasaíssedoTiradentes,ondeficouumanoemeio,eleamataria?R–OsadvogadoseafamílialutarameasentençacaiuparaumanoeseismesesnoSupremo. Fiquei dois meses além porque só fui considerada presa depois de ir àAuditoriaMilitar.Antes,nãoestavapresa.Otemponãoexistialegalmente.P–GravinadeuauladeDireitoInternacionalatéhápoucotempo,naFaculdadedeDireitodePresidentePrudente.Comoasenhoravêisso?R–Primeiro:entregar jovensnasmãosdessehomemparase formarememmatériajurídica?Segundo:nãoimportasepresoscomunsoupolíticos,deixá-losnasmãosdeumsádico?Estarrecedor.Eelefoicolocadoemumalistadepromoçãoparadelegadoespecial logo depois da denúncia da revista Carta Capital. É preciso fazer umlevantamento para saber o que aconteceu na cidade com os presos comuns, sob ocomando de Gravina. Esse homem constituiu família. O que a filha dele soube arespeitodopai?Meufilhonuncatevedeseenvergonhardasuafamília.P –Hoje, com 73 anos, a senhora está ativa profissionalmente, presta consultorias,trabalhaevivecomdignidade.Issoéumaafrontaparaostorturadores?R–Sim,poisasentençanaAuditoriaMilitartinhatambémafinalidadedemostrarque viveríamos na miséria, a vida seria iníqua para a família. Cassavam o direitopolítico dos presos. Não se podia votar. E sem comprovante de voto não se podiaprestar concurso, trabalhar na administração pública. E qual empregador da áreaprivada assumiria um “terrorista”? O objetivo era nos destruir psicologicamente edeixaremsituaçãofinanceiramuitoruim.Quandofuiprestarumdepoimento,comapresençadodelegadoAlcidesSingillo,oadvogadome perguntou se eu recebia dinheiro da Comissão da Anistia. Respondiquerecebia,nãopelaindignidadedatortura,maspelarecuperaçãodomeudireitodetrabalhadora negado pela ditadura. Para sobreviver respondia cartas da revistaCapricho.Eutinhaumfilhoparasustentareumpresopolíticoquedependiademimparareceberalimentosnacadeia.Faziamuitosbicosparadarconta.Ostorturadoresperguntavam se iríamos torturá-los também, caso ganhássemos no futuro. Não, agente respondia, a indignidade da tortura émaior para o torturador.Quem sofre a

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torturanãoécoitado,éumapessoa,homememulher,comobjetivonavida.

OSr.Relator (MarioCovasNeto) –Muito obrigado. Se a senhora quer falarmaisalgumacoisa,porfavor.Agradeçoapresençadasduasdepoentes,aSra.LeniraMachadoeaSra.RitaSipahi.

ASra.LeniraMachado–AgradeçoaformacomquemereceberamnestaCasa.Oquesebuscanãoévingança.Oquesebuscaé justiça.Oquesebuscaéquenãosematenopaíscomoapolíciacontinuamatando.Oquesebuscaéquenãosetorturecomo, infelizmente,ainda se tortura.Temosaobrigaçãopolíticadecontinuara lutacontraasprisõesarbitráriaseatortura.

CartaaogeneralTrechosdacartadeAltinoDantasJúnioraogeneralRodrigoOtávioJordãoRamos

ministrodoSupremoTribunalMilitar,datadadodia1deagostode1978,sobreAluísioPalhano.“NaépocacomandavaoDOI-CODIomajorCarlosAlbertoBrilhanteUstra(queusavaocodinomede‘Tibiriçá’),sendosubcomandanteomajorDalmoJoséCyrillo(‘MajorHermenegildo’ou‘Garcia’).Porvoltadodia16demaio,AluízioPalhanochegouàqueleorganismodoIIExército,recambiadodoCenimardoRiodeJaneiro(...)Nanoitedodia20para21daquelemêsdemaio,porvoltadas23horas,ouviquandooretiraramdacelacontíguaàminhaeoconduziramparaasaladetorturas,queeraseparadadacelaforte,ondemeencontrava,porumpequenocorredor.Podia,assim,ouviros gritos do torturado. A sessão de tortura se prolongou até a alta madrugada do dia 21,provavelmente2ou4horasdamanhã,momentoemquesefezsilêncio.Algunsminutos após, fui conduzidoa essamesmasala de torturas, queestava suja de sanguemaisquedecostume.Peranteváriostorturadores,particularmenteexcitadosnaqueledia,ouvideumdeles,conhecidopelocodinomede ‘JC’ (cujoverdadeironomeéDirceuGravina),aseguinteafirmação:‘Acabamosdemataroseuamigo,agoraéasuavez’.(...)Entreoutros,seencontravampresentesnaquelemomentoosseguintesagentes:‘Dr.José’(oficialdo

Exército,chefedaequipe); ‘Jacó’ (integrantedaequipe,cabodaAeronáutica);MaurícioJosédeFreitas(‘Lunga’ou‘Lungaretti’,integrantedosquadrosdaPolíciaFederal),alémdojácitadoDirceuGravina,‘JC’,eoutrossobreosquaisnãotenhoreferências”.InêsEtienneRomeu,umaheroína,únicasobreviventedaCasadaMorteemPetrópolis,afirma,emseurelatóriodeprisão,quePalhano foi levadopara lánodia13demaiode1971, tendoouvidovárias vezes sua voz durante os interrogatórios. Afirma, ainda, que Mariano Joaquim da Silva,desaparecido,comquemelaconversouduranteosequestrodeambosnaquelacasadehorrores,viu a chegada de Palhano e o estado físico deplorável em que se encontrava, resultante dastorturas.RetiradodositedaComissãoEspecialsobreMortoseDesaparecidospolíticos

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ConfusãonacalçadaO presidente da Comissão Municipal da Verdade Vladimir Herzog, vereadorGilberto Natalini, volta e reassume o seu lugar na mesa. Em seguida anuncia quehouveumpequenoentreverodiantedoPalácioAnchieta:“OdelegadoDirceuGravina, que combinou estar aqui hoje paradepor, chegou eviuaimprensa.Recusou-se,então,asubir.Estánosarredores,querconversar,massóseaimprensanãoestiverpresente.Anossareuniãoéaberta.Nuncatomamosdepoimentofechado.Vereadores,nãoénosso estilo ouvir a portas fechadas. Peço que se dirijam até onde ele se encontra,para convencê-lo. Caso se recuse, vamos articular com a Comissão Nacional daVerdadeparaquesejaconvocado,assimcomoagimosnocasodoCoronelUstra”.

O Sr. Relator (Mario Covas Neto) – Sempre tomamos o cuidado, aqui naComissão Municipal da Verdade Vladimir Herzog, de ser receptivo a qualquerdepoente.Essagarantiaagentedáparaqueapessoavenhaedêasuaversão,asuaverdade.Eéisso:nãopretendemosfazernenhumaacareação,tampoucodestratá-lo.Deportas fechadasnão fazmuito sentido, comodizopresidente. Sequiser vir serábem-vindo.Docontrárioocaminhoéoproposto.

OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Suspendereia sessãoporalgunsminutospararesolvermosisso.

Dirceu Gravina assustou-se com os jornalistas e fotógrafos na calçada diante doPalácioAnchieta.Nãoaceitavauma sessãopública, aberta.OpresidentedaCMVVH,vereador Gilberto Natalini, recusou a exigência de Gravina. Todas as sessões eramabertas ao público, afirmou. Gravina partiu. Com apelido de Jesus Cristo, ou JC,torturou Vladimir Herzog, provavelmentematando-o. O Centro de DocumentaçãoEremiasDelizoicoveaComissãodeFamiliaresdosMortoseDesaparecidosPolíticosapresentam Aloísio Palhano149 como torturado pelo agente da repressão DirceuGravina.QuempassassepeloDOI-CODInãoescapavadotorcionário.(Ostrabalhossãoreabertos)

O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – Peço às pessoas que ocupem os seuslugares. Obrigado. O delegado Dirceu Gravina veio à Câmara Municipal e estavaacompanhado.

OSr.Relator(MarioCovasNeto)–Possivelmentedeumadvogado.

OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Perfeito.Aoveramovimentaçãonãoquisentrar. Atravessou a rua, ficou lá. Fomos, além da assessoria, os vereadoresMario

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CovasNeto,ToninhoVespolieeuconvencê-loadaroseudepoimento.Explicamosque a comissão não convoca. Mas ele reafirmou que queria fazer um depoimentofechadosóparaosvereadores.Nãosesubmeteriaaumasessãoabertacomapresençade convidados e da imprensa. E nós dissemos, unanimemente, que nunca fizemossessãofechadanestacomissão.NaComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzogsórealizamossessõesabertaseaimprensaéavisada.

Então, ele queria mudar a nossa lógica. Expliquei que não podia ceder, com aconcordânciadosmeus colegas vereadores.Ele confirmouque recebeunossoofício,duas correspondências eletrônicas, viajou de Presidente Prudente até aqui,mas lhefaltaramcondiçõespessoaispara subir e serouvido.Preparamosquarentaperguntasparaele.(leem-seabaixo)Antesdepassarapalavraaosmeuscolegasvereadores,informopublicamentecomoagimoscomocoronelCarlosAlbertoBrilhanteUstraeodelegadoAparecidoLaerteCalandra, codinome capitão Ubirajara. Conversamos com a Comissão Nacional daVerdade,compoderconvocatório,mandamosofícios,aCNV concordoueeles foramouvidos.Umdosofícios foiparaosecretáriodaSegurançaPúblicadeSãoPaulo,Sr.FernandoGrella,comoseguinteteor:“Em nome da Comissão Municipal da Verdade Vladimir Herzog, emfuncionamento na Câmara Municipal de São Paulo, venho solicitar a V. Excia.autorização para a tomada de depoimento do delegado de polícia Dirceu Gravina,lotadonoDEINTER150dacidadedePresidentePrudente.Informo,outrossim,quejáfoiacordado diretamente como Sr.DirceuGravina o dia 25 demarço de 2014, às 11horas,nasededaCâmaraMunicipaldeSãoPaulo,adataeohoráriolocalparaqueoreferido depoimento seja tomado pela ComissãoMunicipal da Verdade. Certos decontarcomospréstimosdeV.Excia,assinado:aComissão.E aqui, um e-mail do Sr. DirceuGravina. É importante paramostrar que não hánenhumadúvida:“Acusoorecebimentodesteeconfirmominhapresençaàs11hnopróximodia25do3.Saudações,DirceuGravina.”Então,estáconfirmado.Faltouaelecoragemdesubirasescadasouoelevadoreviraté aqui. Pela ordem, vereador Mario Covas Neto. Corremos um pouco, não é,vereador?(Referia-seàpressaematravessarasduaspistasdoViadutoJacareí,ondeselocaliza

oPalácioAnchieta,atéchegaremaocaféondeGravinaesperava.)

O Sr. Relator (Mario Covas Neto) – É bom movimentar-se um pouquinho.Apenas para esclarecer o público. Nós não temos poder de convocação. Podemosapenasconvidar.Osconvitessãoaceitosounão.Nocaso,oGravinaachouqueforaconvocado. Isso ficou claro lá embaixo. Quando percebeu o engano, preferiu não

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passar pela sessão. Certamente por se constranger de encarar pessoas que conhecemuitobem.

Dissemosaelequeseriaaoportunidadededarsuaversão,defender-se.Masachouinsuficiente, a imprensa iriamassacrá-lo.Enfim, tem lá as suas razões.Dessa forma,nãopoderemosprosseguir.Oacompanhante,achoqueumadvogado,sugeriuqueodepoimentofossecolhidoemPresidentePrudente.Respondiquenãotemosestruturapara isso,nessascircunstâncias.Enfim,achamos importanteencaminharaquestãoàComissão Nacional da Verdade, para realizar a convocação se julgar conveniente.ConcordointegralmentecomovereadorNatalinideencaminharasolicitaçãoàCNV.

OSr.Presidente (GilbertoNatalini)– Vereador Toninho Vespoli, quer usar apalavra?

O Sr. Toninho Vespoli – Só reforçando. Do nosso ponto de vista, a reuniãofechadaqueelequeriaéumabsurdo.Desvendamosnãosóparaosvereadores,maspara a sociedade.Até penso: apesar de termos lutado por nossa democracia – umaconquistaaindafrágil–vivemosumprocessodifícilcomrelaçãoàverdade.Emalgunspaíses essa questão já teve avanços. Nós não conseguimos promover um debate nasociedadeparaexporoqueaconteceu.NoEstadoDemocráticodeDireitoaverdadeainda não prevalece. E mais, não gosto do termo reparação. Nada que se faça vairepararoqueaconteceu.

ConcordocomoencaminhamentodovereadorNatalini.ÉprecisolevaràComissãoNacional da Verdade. Acho que é um dever dele, Gravina, esclarecer a sociedadesobrecomovêtudooqueaconteceu.(ObteveaconcessãoquandodepôsnaComissãoNacionaldaVerdade, emBrasília,

ouvido apenas por Rosa Cardoso151 e José Carlos Dias152, o que trouxe à luz aescandalosaexplicaçãosobreosgritosqueseouviamnoDOI-CODI:tudofingimento.)

OSr.Presidente (GilbertoNatalini)–Muito bem. Temos aqui um documentoque nos foi passado. É um trecho de depoimento da ministra-chefe da SecretariaEspecial de Políticas para as Mulheres, Eleonora Menicucci de Oliveira. Ela foiconvidada a vir aqui hoje. Não pôde. Ela disse, em depoimento, que reafirma “apresençadoUstranasaladetorturadoJC,oDirceuGravinaedocapitãoUbirajara,Aparecido Laerte Calandra, que ora torturavam no pau de arara o Nicolau, LuizEduardo da Rocha Merlino, ora a mim, na cadeira do dragão. O assassinato deNicolau tem responsáveis e os diretamente responsáveis são esses, com a fúria e aselvageria que os caracterizavam. O Merlino, nem o nome dele abria. Essas trêspessoas, fortemente presentes no assassinato dele, são absolutamente responsáveispeloassassinatodeLuizEduardodaRochaMerlino.”

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TemostambémodepoimentodoIvanSeixasàComissãoNacionaldaVerdade,quevamosanexaraosnossosrelatórios.

Afinal,ocrucifixodeJCEnquantoosvereadorestentavamconvencerodelegadoGravinaasubirparadeporà CMVVH, aproveitaram para tirar a limpo a questão da cruz. Perguntaram-lhe arespeitoeelerespondeuque ficoumarcadoporqueefetivamenteusavanopeitoummedalhãocomumacruz.OSr.Relator(MarioCovasNeto) –Acruze a inicial JCporque,disse-nos,naépocaerameiohippie153.OSr. Presidente (GilbertoNatalini) – Proponho, e depois discutimos, nós osvereadoresdacomissão,poiséumapropostadocolegiado,queogovernadorGeraldoAlckmin,numatoadministrativo,demitaodelegadoDirceuGravinadosquadrosdapolíciadeSãoPaulo.(Palmas.Manifestaçãodaplateia.)OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Nãovejosentidodeumapessoacomtalmarca de vida participar da polícia. Vamos encerrar os trabalhos, infelizmenteincompletos.Porémestávamoscertosemconvidá-lo.Porfavor,Sra.Sipahi.ASra.RitaSipahi –Foiumdiade conquista.Odelegadoveio, chegouaté aqui.Existeumarealidadehoje,políticaesocial,quedácondiçõespropíciasaisso.Etemosde enfatizar: nossa democracia é frágil, mas está deixando de ser democracia deaparência. Durante muitos anos foi só de aparência. Agora há revelações, há umdever de memória. Além do dever, um direito à memória. Temos de comemorar.Agradeçoaossenhoresaoportunidadeeotrabalhoquetêm.O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – Nós é que agradecemos à senhora. EagradeçoàLeniraapesardeeladizerquenãodevemosagradecer.Devemos, sim.Épreciso coragem para contar publicamente o que aconteceu, em detalhes. Coragemparasuperarumasituaçãocomoaquela.Fizeramcomigoecommaisalgunsqueestãonesta sala. A tortura, física ou psicológica, não é apenas um método de arrancarinformações.Éummétododedesmontar,célulaporcélula,apersonalidadedeumapessoa.Sai-sedalicompletamentedesorientado.(Manifestação fora do microfone. O presidente pede que fale ao microfone, para

gravar.)OSr.LuizBosio–VereadorNatalini,senhoresdacomissão,amigos,bomdia.SeoGravinaveioatéaquiéqueestáprecisando,ameuver,deumempurrãoparasuperarassuasemoções.Veioporqueprecisadizeratodos.Sugiroque,antesdeencaminharo ofício à Comissão Nacional da Verdade, com poder de convocá-lo, que esta

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ComissãoMunicipaloconvidenovamenteemnomedetodosnós.Paraqueelepossadizer que é contrário ao que fez na época. E que estará entre pessoas que queremouvi-lo de maneira franca, sem o condão da vingança. Penso mais: não devemsolicitaraogovernadorqueodemita,poisseriaumatodevingança.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Muitoobrigado.Ocolegiadovaianalisaraminhaproposta.Somossetevereadores,sempredecidimoscomaopiniãodetodos.(Manifestaçãoforadomicrofone.Opresidentepedequeseidentifique.)OSr.AlípioFreire–Bomdiaatodos,tambémsouex-presopolítico.AoSr.Bosio,quemeprecedeu,respeitosamentedigoqueéobrigaçãopolíticaoficiaraogovernadorGeraldo Alckmin. Não se trata de vingança, mas de aprofundar e consolidar ademocracia.Nãosepodesujeitarpessoasaalguémcomoele.Sabemosquemassacresocorremnasperiferias.Nãoépelopassado.Épelapopulaçãodaperiferiaqueelenãopodecontinuarnapolícia.Muitoobrigado.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Ocolegiado,nós todos, vamosdecidiroqueserámelhorparaoavanço.Convidoatodosparaodia29demarçode2014,às15horas,quandoestacomissão faráumaaudiênciapúblicanoauditórioSantoDiasda Sociedade SantosMártires, no JardimÂngela. Fica naRuaBaldinatonúmero 9.Junto com a Comissão da Verdade do M’Boi Mirim e de várias instituições dasociedade civil faremos uma audiência específica. Ouviremos pessoas quetestemunharam amorte de SantoDias, ometalúrgico quemorreu diante da antigafábricadelâmpadasSylvania.Agradeçoprofundamenteapresençadosdepoentesedetodos,bemcomodemeuscolegasvereadores.Declaroencerrados,porora,ostrabalhosdaComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzog,daCâmaraMunicipaldeSãoPaulo.Bomdia.

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Foto:M.GomesSaritaD’ÁvilaMellonodiadeseudepoimento:entrememórias

penosas,umaafrontosaofertadesucodelaranja

Avisitadosuquinho

OdepoimentodeSaritaD’ÁvilaMelloàComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzogocorreunodia25demaiode2013.Ex-presapolítica,professoradeHistória,acircunstânciadeseupai,NewtonNunesD’ÁvilaMello,serprimoirmãodogeneralEdnardoD’ÁvilaMello,comandantedoIIExército,trouxemaisumaprovadequeosmilitaresemcomandodenadaignoravamacercadascâmarasdetortura.Instalaçõesilegaisetorturaconstituíam,nuncaédemaislembrar,políticadeestado.“Com a presença dos vereadores Natalini, presidente, Juliana Cardoso, vice-presidente, o relator da Comissão, Mario Covas Neto, Ricardo Young e LaercioBenko, temos quórumqualificado para abrir os trabalhos da reunião extraordinária

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da CMVVH”, anunciou o vereador Gilberto Natalini. Como sempre, o Portal daCâmaraMunicipaldeSãoPaulotransmiteareuniãonoendereço:www.camara.sp.gov.br,linkAuditóriosOn-Line.“Na mesa encontram-se a depoente e seu amigo de infância, Dr. Belisário dosSantos Jr., advogado reconhecido no país inteiro, grande democrata, da ComissãoEspecialdeMortoseDesaparecidosPolíticos”,prosseguiu.“Agradecemos,Sra.SaritaD’ÁvilaMello, suadisposiçãode falar sobreoqueviveucomopresanoDOI-CODI. Épenoso falar. Farei algumas perguntas, depois abrirei aos meus colegas vereadores.Temos60minutos.Tentaremosobter, comobjetividade, suas informações.Passo àsquestões.

DepoimentodeSaritaD’ÁvilaMello

(resumo)

OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Quandoasenhorafoipresaeporquantotempo?Emquecircunstâncias?

ASra. Sarita D’ÁvilaMello – Presa em outubro de 1975. Que eu me lembrefiqueideumasemanaadezdiasnoDOI-CODI.Eumoravacomosmeuspais,NewtonNunesD’ÁvilaMello eZislaMello, enão estava emcasa. Seriameia-noite ouumahora da manhã. Quando cheguei com o meu namorado – nós dois do PartidoComunista – vi a casa toda acesa e o camburão na porta. Percebi que seria presa efomosdarumavolta.Porsorteencontramosomeuirmãoechegamosdecarrocomele. Pensei: não vou fugir. Dou aula, tenho uma vida, não quero interromper. Eutinhameformadoem1974naUSP,emHistória.

P–Qualaacusaçãocontraasenhora?R–Naquelemomentoosdoisquemebuscaramdisseramaomeupaiqueerasóparaesclarecerumasinformaçõespolíticasdesencontradas.P–Asenhoratinhamilitânciapolítica?R–Sim,noPartidoComunistaBrasileiro.P–AsenhoraeraparentedogeneralquecomandavaoIIExército,EdnardoD’ÁvilaMello?154

R–MeupaieraprimoemprimeirograudoEdnardoeeuemsegundo.Semcontatoalgum,ideologicamenteopostos.MeupaieminhamãeforamdoPartidoComunista,viveramnaclandestinidade–nãoemSãoPaulo.OcontatodomeupaicomEdnardofoisónaadolescência,décadasantes.Tomaramrumosmuitodiferentes.P–Elesoubedesuaprisão?

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R –Quandoentraramemcasa,meupai fezumshowna sala. “Euvou falar comoEdnardo”,repetia.Eraumasexta-feira.Meupaidissequequeriairjunto.Deixaram.NacalçadadiantedoDOI-CODImandarammeupai embora,pois logo seria liberada.Sabíamosquementiam.Meupai conseguiuo telefonedoEdnardonodia seguinte,desuairmã,quetinharelaçõescomesseladodafamília.Parecequeaminhatia,quemoravanoRio,depoisagradeceuaoEdnardo.P–Seupaiconseguiufalarcomogeneral?Qualoconteúdodaconversa?R–Conseguiueatéficousurpresoporeleatender.Meupaidisse:“Olhe,nãoquerome intrometerno trabalhode vocês, sópeçoquepreserve a vidadela, é uma frágilmenina”.Umpapoassim,comdiplomacia.Ednardoencerrouaí,meupainãotinhaamínima ideiadoque ele faria.Aímeuspais emeu irmão forampelos caminhosdetodosospaisdepresospolíticos:contratouadvogado,foiàCúria.P–Asenhoraficoupresaunsdezdias.Poderelatarcomofoitratada?R–AchoquejárolavaonomedoEdnardo,peloauêquemeupaifez.Levaram-meparaumacela ao ladodo local emque torturavamospresos; cheguei aouvir gritosapesardoaltovolumedemúsicasertaneja.Alifiqueianoiteinteira.Váriasvezesmechamarampara depor e umdeles dizia: “Eu sou ummonstro. Fala tudo, senão vailevar uma cacetada.” O outro, de terno, me recebia em uma sala e dizia: “Eu soubonzinho.Vamosveroquevocê tema falarparanão levarporrada.”Ficounisso anoite inteira. Aquele que dizia ser um monstro passou diversas vezes batendo naportadacelaondeeuestava.P–Elesbateramnasenhora?R – Não. Fui bastante ameaçada. Um dia me chamaram para mostrar fotos depessoas que frequentaram a casa dos meus pais, pois abrigavam gente. As pessoasvinhamdeoutrosestadoseficavamatéobterumdocumentoouacharumcaminho.OSalomãoMalina155 ficouumtempo.Então,ospoliciaisdevemtervistoumálbumde pessoas do partido, que nada tinham a ver com o movimento estudantil.Perguntavam: “Você conhece?” Eu respondia que não e aí começaram a me darchoque.Nisso entrouna cela oEdnardo, e levei um sustoporque ele era a caradomeu pai, e eu tenho um tremendo orgulho de ser filha domeu pai,mas não comaqueleverde,asmedalhas.Ficoualiporcincoouseisminutos.Fiqueisemolharparaele,quemedisse:“Éverdade,oseupaitemrazão.Vocêémuitofrágilmesmo.”Claroquefoipapo,maseupesava42quilosenavegavanaquelemacacão.Foi interessante porque assim que entrou, todos puseram as mãos para trás eabaixaramacabeça.“Vocêsvãoprepararumsucodelaranjaparaela”,comandou.NoDOI-CODI,numaceladetortura,vocêouvirumnegóciodesses!Foiaúnicavezemqueolheiparaeledenovoefalei:“Aceitooseusucodelaranja,desdequeparatodasascompanheirasecompanheirosdecelas.”Nuncaaceitarianadaparamim.Aíelefez

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silêncioesaiu.Foiaúnicavezqueestivecomele.P–Edepoisqueelesaiu?R–Levaram-meparaacela.Imediatamentereuniasmeninasdacelaeconteioqueaconteceu.Podiamvirboatos, a genteprecisamanter adignidade.Mal sepassaram20minutose“monstro”dissenacela:“Viram,o tiozinhoesteveaquiemandoudarsuquinho,maçãzinha.” Não é que no final da tarde veio café com leite e pão commanteiga para todas? E parece que tambémpara os rapazes. Tudo bem, desde queviesse para todos daquela casa do inferno, do diabo. Alguma coisa para todos épositiva.P–Voltaramachamá-laparadepor?R–Não.Fiqueimaisquatro,cinco,seisdias,nãoconsigolembrarcomclareza.

OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Vouabrirparameuscolegasvereadores.

ASra.SaritaD’ÁvilaMello – Peço, antes, para falar sobre como vejo a ida doEdnardoaoDOI-CODI.Meupaicontou,nanossa infância,queopaidele,AscendinoD’ÁvilaMello,dizia: “Comunista,não interessa se é filho, se éparente.Temde serpreso.” Mas na hora H acho que Ednardo deve ter dado ordem para não meinfligirem tortura física. Sofri de tortura psicológica. E tenho a sensação de que eledeve ter idoaté láparacertificar-sedequeeuestavaviva.Teveo ladopessoal e aomesmotempoopolítico,poiseramosmandantes.

OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Pelaordem,MarioCovasNeto.

OSr.Relator(MarioCovasNeto)–Asenhoranuncamaistevecontatocomele?

ASra.SaritaD’ÁvilaMello–Nunca.Nemmeupai.

OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–VereadorYoung.

O Sr. Ricardo Young – A senhora sentiu alguma sequela psicológica, trauma?Minha segunda pergunta: o fato de o general ter interrompido a sua tortura criouconstrangimentoscomseuscompanheirosdemilitânciaeproblemasnavidafutura?

ASra.SaritaD’ÁvilaMello–Fiqueiumanocommedodequalquerbarulhoedebarulhodecarro.Muitoinsegura.Mascomaajudadosmeuspais,queerampessoasfantásticas,ecomoapoiodeamigos,nemfizterapia.Sóposteriormente.Masapagueimuita coisa, acho que é a forma deme proteger.Não consigome lembrar da cela,nemse tinhabanheiro.Antesdevirparacá telefoneiaomeu irmãoepediparaelerelembraralgumascoisas.

Quantoàsegundaquestão,soudeumafamíliadeguerreiros.Meuspais foramdo

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Partido Comunista por muitos anos. Meu irmão não está aqui porque teve umproblema de saúde. Então, sim,me incomoda qualquer insinuação sobre Ednardo.Quando voltei à cela e reuni as presas, uma delas, uma só, falou: “Será que éverdade?Você falou issomesmo para o Ednardo?” Eu estava sob grande pressão econstrangida, muito dividida, vem alguém e fala de suquinho! Por ordem de ummandantede tudooque sofríamos.Tantasmortes envolvidas.ADiléaFrates156 foide grande importância. Também uma jornalista, acho que da TV Globo, que veioapanhando de Brasília até aqui, de grande força e dignidade. Elas reagiram:Que éisso? Você está dividindo a gente? Ela quer deixar tudo transparente, limpo.Conhecemos a Sarita. Temos de estar unidas. Pensei: a primeira coisa a fazer écomunicar.OEdnardoeraprimodomeupai.Nessahoraagenteusaasrelaçõesparasalvaravida,ninguémtraiuninguém.Elesópediuparamepreservar.Meupai,umhomemtão digno, tenho orgulho de dizer isso para umamultidão, pena que não estámaisaqui. Ele era cauteloso, didático. “Não estoumemetendo no seu trabalho, só peçoquepreserveavidademinhafilha.”Enuncamaishouvecontato.Houvezum-zum-zumnaépoca,medeixoumuitochateada, talvez seja esteomomentodeesclarecercomofoioEdnardonaminhaprisão,qualaposturadosmeuspais,duaspessoasdasquaistenhograndeorgulho.

Foto:M.Gomes

BelisáriodosSantosJúnior,advogadoquedefendeupresospolíticos:torturaémarcaquenãosai.Nãotemgradação

OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–VereadorLaércioBenko.

O Sr. Laércio Benko – Esta Comissão, bem como as Comissões Estadual eNacionalregistramasresponsabilidadesdoestado,dosindivíduosetrazemapúblicooque aconteceu.A internet leva aomundo inteirooque aconteceunaqueles anos.

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Sra.SaritaD’Ávila,importanteéasenhoradeixarodepoimento,principalmenteparaosjovens,quedizempreferiraditaduraàbadernagemqueéapolítica.Epessoasque,comoeu,têm40anos.Oqueasenhoradiriaaeles?

ASra.SaritaD’ÁvilaMello–Muitasvezesouçoasuaperguntaemsaladeaula.Digoque,paraconstruirumpaísmelhor,umademocracia,éprecisoenfrentarerros,momentosdifíceis, e lidar comacertos,momentos fáceis.Assim se constróiumpaíscom liberdade.Fala-se tantona corrupção. Sempre existiu,masnaditadura tudo iaparadebaixodo tapetenaditadura.Agoraaparece tantoporqueestamosedificandoumpaísomaistransparentepossível.Virtudoàtonaéimportante–sósearrumaascoisas corrigindo erros. É muito bom fazer parte desse caminho. Na aula, quandomenciono ditadura, digo aos alunos: “Se estivéssemos numa ditadura, eu teria deestarfalandodecachorrinhos.Ouusarpalavrasmuitocuidadosas.

Dei aula durante a ditadura para classes com até 200 alunos. Precisava falar semdizer. Hoje criticam: “Veja o Congresso, os deputados. Deveria ser fechado”.Respondo: “Que bom, podemos denunciar algumas coisas do Congresso.Vamosdiscutirmais nas eleições, sabermelhor quem são os candidatos. Esse é o caminhoparaconstruiropaís.Enãoaditadura,queescondetudo,tortura,mata”.

OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–(paraamesaeaplateia)Estápresenteoadvogado Belisário dos Santos Júnior a quem agradecemos pela presença. (paraSarita)AsenhoraestavapresanodiaemqueVladimirHerzogchegou?

ASra.SaritaD’ÁvilaMello–Saínasexta-feira.Herzogentrounodiaseguinte.Euconheciamuitos dos jornalistas que eram do partido e foram, depois, confrontadoscomele.MasnãocruzeicomHerzog.

P –Peloque a senhoranos relatou, estavamcomeçandoadar choquesna senhoraquandochegouoseuprimoemsegundograu,ocomandantedoIIExército,generalEdnardoD’ÁvilaMello,comamissãoprecípuadeimpedirqueasenhorasofresse.R–Éumladofamiliar.P–NacelahaviaváriascompanheirassuasdoPartidoComunista.Foramsubmetidasàtorturaviolenta?R – Sim, a que veio de Brasília. E outra também. Sim. Algumas no pau de arara,coisasmuitoviolentas.Várias,nanossacela.P – A senhora acha que o comandante do II Exército tinha conhecimento dasatividadesdoDOI-CODI?Queaspessoaserampresasesubmetidasàtortura?R – Tenho certeza de que sim. Por que o general se locomover até o DOI-CODI?Certamente deu a ordem, do quartel, para me pouparem. Mas não confiava na

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máquinaqueeradele.Porissofoiatélá.Sabiadetudooquesefaziaali.Entretodososoutros,oVladoeoManuelFielFilhomorreramenquantoeleeraocomandantedoIIExército.Lembra-seaquinovamenteodiálogodogeneralErnestoGeiselcomogeneralVicente

dePauloDaleCoutinho,escolhidoparaministrodoExército:Dale:Agora,aquientrenós,onegóciomelhoroumuito{...}quandonóscomeçamosa

matar.Geisel: {...}ÔCoutinho, esse troço dematar é uma barbaridade,mas eu acho que

temqueser157.P–Comoasenhoraqualificaosmilitaresbrasileirosquetorturaram,participandodastorturas de compatriotas? Do comando? Os integrantes das Forças Armadas quepraticaramtaisações?R – Acho que é um lado fascista das Forças Armadas. No Exército havia genteprogressista,opróprioPartidoComunistatinhabasesdemilitaresquemorreram.Erainaceitável para os ditadores, tinham de matá-los. Agiam sem limites. Como naArgentina, no Uruguai e outros países. E quando você ouve alguns deles, nessasmanifestaçõesde rua, ainda sepronunciando,percebeque tudoparaeles énormal.Sem limites. Viraram monstros. Extremamente radicais, obcecados por uma ideia.Comocãesraivosos.OSr.Presidente (GilbertoNatalini) – Nosso relator, o vereadorMario CovasNeto.OSr.Relator(MarioCovasNeto)–Umcomentário.Passadosessesanostodos,ficanítidooseuconstrangimentopeloparentemilitar,quecausoumal-estarperanteascompanheirasdecela.Perduraosentimentodequererexplicarquenãosetratavadefavorecimento.Compreendoperfeitamente.Nãofoi favorecimento.Devetersidoembaraçoso também para o general ir ao DOI-CODI, até uma ousadia. Implicavaalgumaconsideraçãoportodosqueestavamlá,talveztenhaatébeneficiadoaspessoasqueestavamcomasenhora.ASra.SaritaD’ÁvilaMello–Seelefosseemfunçãodeaveriguareelespassassemanosdarestrogonofeemelhorcama.Estouironizando.OSr.Relator (MarioCovasNeto) – Só quero dizer que, ainda que lhe tenhacausadoconstrangimento,eventualmenteocasionouumbenefícioaosdemais.Essaéa parte boa a guardar namemória, pois temos de extrair umaparte boa das coisas.Também vivi esse período, meu pai era deputado, minha casa um refúgio.Compreendo bem. Esta é uma Comissão da Verdade e o objetivo aqui é procurarsaberoqueaconteceu,independentementedelados.A Sra. Sarita D’Ávila Mello – Para ser íntegra comigo mesma, houve

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favorecimento. Mas não foi em troca de nada, de traição. E houve favorecimentodele, porque se eu não tivesse esse sobrenome, torturariam. O favorecimento nãocomprometeuaminhadignidade.Issomeéfundamentalparacarregarnavida.OSr.RicardoYoung–Agradeçoasuapresençaedisposiçãoderesgataressefatode sua vida, que deixa claro que o general sabia de tudo, esteve nos porões,presenciou.Eparabenizo-apeladignidadeeserenidadecomquefaladoperíodo,dohistóricodafamília.CreioqueasenhoraacrescentoufatosimportantesaotrabalhodaComissão.ASra.SaritaD’ÁvilaMello – Agradeço também. A situação é nova paramim.Meudepoimento éumahomenagema todososque lutarame,principalmente, aosmeuspais,dosquaisherdamos,meuirmãoeeu,valoresedignidade.Tomaraque,dealgumaforma,agentecontribuaparadenunciarelimpar,deixandoclaroaosjovensoqueéumaditadura.Paranãovivermosissonovamente.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–PassoapalavraaoadvogadoDr.BelisáriodosSantosJúnior.O Dr. Belisário dos Santos Júnior – Cumprimento a Sarita, que conheciadolescente,elaeoirmão,infinitamentemaisnovosdoqueeu.ÉumaemoçãoouvirfalardovelhoProfessorNewton.Primeiramente,lembroqueSaritafoiinterrogadanoDOI-CODInaépocadoGovernoGeisel,quecontinuouapolíticada torturadosgovernosanteriores e foioquemaismatouoponentespolíticos.MesesantesdeprenderemSarita,morreunosporõesdoDOI-CODI o oficial da PM tenente José Ferreira de Almeida, cujo nome é poucolembrado. Morreu em julho de 1975, o ano do Partido Comunista. O governo játinha quase liquidado os partidos políticos de esquerda e completaria a liquidaçãocomachacinadaLapa,emdezembrode1976.Umdiadepoisde sair aSaritamorreuHerzog.Em trêsmeses seriaoManuelFielFilho. Falo isso na presidência do Vereador Natalini, que deu um exemplo decidadania e coragemaoenfrentaro coronelUstra.Aconversa entreosquemilitamna área dos Direitos Humanos é: “Você já viu o vídeo do Gilberto NatalinienfrentandooUstra?”Refiro-me agora à Comissão para Indenização de Tortura, em nível estadual, daSecretariada Justiça,quepresidi.Estudoseobservaçõesnos levaramaentenderporqueumatorturadapolíticadigaquenãofoimuitosupliciada,diantedoshorroresqueconhecemos. Que diga que só o foi psicologicamente. Mas o quadro que vejo sãopessoascominstrumentosdetortura,entraocomandantedoIIExércitoemandadarsucodelaranja.Façoalgumasconsiderações.

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Primeiro, o tormento não começava no DOI-CODI, mas quando se via a Caravanverde,ouquandocomeçavamosboatosdequeapessoaestavana listadepresos.Atortura começa ao se saber a que se podia ser submetido, osminutos, as horas, osdias.Muitos presos seguiram a lição dePedro e oCapitão158, decidiam ser mortos.Entravammortospsicologicamente,eraaformaderesistir.Entrarmortoparanãoterquenegociar.Ouseja,jáestavaprofundamentetorturada.Segundo, a Comissão de Indenização aos Torturados Políticos decidiu ignorar asdistinçõesquealei impôsentreváriostiposdetortura.Torturaémarcaquenãosai.Nãotemgradação.Oqueestabelecemossãoosefeitos,seavítimamorreuounão.Terceiro, os cães raivosos que a torturaram abriram mão da tortura depois quesouberam que poderiam ser prejudicados. Havia os sádicos, os psicologicamenteperturbados na linha de frente. De outro lado, muitos pais de família presidiam ecomandavamastorturas.Muitosiamàmissa.OgeneralVidela159comungavatodoodomingo. O aparato de cães raivosos tinha, no topo, presidentes do país. Mas arepressão, o apoderar-se do poder público, amanutenção desse poder, as violaçõesmassivas e sistemáticas estabeleceram-se por pessoas com família, filhos, sobrinhos.Não eram sádicos, talvez tivessem terapeutas. Foi um processo político que seenraizouatéhoje.Sarita,minhaquerida amiga, vocêdissequenão tevequalquer influência (sobre o

comparecimento do general, seu primo em segundo grau, ao DOI-CODI). A suadignidade,evocêestavasubmetidaàmaisvilindignidade,estáabsolutamenteforadediscussão. Você se preocupou em manifestá-la naquelas conversas com ascompanheiras.Poucoimportaseatorturafoiinterrompida.Vocêestavaarrasadaemum lugar emprestadopeloGovernodeSãoPauloparao IIExército,queoutilizavailegalmente porque a Constituição Federal não permitia tortura, nunca permitiu.Vocêestavapresanumestabelecimento ilegaldoIIExército.Eu jádisse issoemumdepoimento e ali havia um general, secretário do Clube Militar, que não ousouquestionaroquefalei.OSr. Presidente (Gilberto Natalini) – Se não há mais perguntas, agradeço àSaritaD’ÁvilaMellopelacoragememdaresseprimeirodepoimentopolítico.AoDr.BelisáriodosSantos Júnior, amigonossodemuitos anos,democrata convicto.EaosmembrosdaComissão.Estãoencerradosostrabalhos.

RoteirodeperguntasaodelegadoDirceuGravina

ACMVVHpreparouumasériedequestõesaresponderparacadapessoaconvidadaadepor. Aqui, as perguntas preparadas para o delegado Dirceu Gravina, 65 anos,codinomeJesusCristoouJC,acusadodetorturaedeassassinatonoDOI-CODI, sobocomandodoentãocapitãoCarlosAlbertoBrilhanteUstra.

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1–Osenhortemditoquesearrependedetersidopolicial.Mascontinuanaativa.Porquenãodeixouacarreira?2 – Por que o senhor não denunciou o que ocorria noDOI-CODI? Por ser jovem?Tinhamedo?3 –O senhor vem alegando não poder voltar atrás nas coisas erradas que fez.Osenhornãoasnega,masafirma ter cumpridoordens.Estáprontoa assumiros seuserros?4–Quaisforamosseuserros?5–Osenhordizsercatólico.Comoconciliaoseupassadocomareligião?6–Oqueéatorturaparaosenhor?7–Osenhorconsideraqueatorturasejustificacomométodoparaaobtençãodeinformaçõespelaautoridadepolicial?8–OsenhorfoiobraçoexecutivodocomandanteUstranoDOI-CODIdeSãoPaulo?9 – Em abril de 2012, o Ministério Público Federal chegou a denunciá-lo, e aocoronelCarlosAlbertoBrilhanteUstra,pelosequestroedesaparecimentodeAluízioPalhanoPedreiraFerreira.Qualo seuenvolvimentocomocaso?EcomamortedeLuizEduardodaRochaMerlino?10 – O Ministério Público Federal classificou o crime de desaparecimento deAluízio Palhano Pedreira Ferreira como de natureza permanente. Dessa forma,considera-oimprescritível.Oqueosenhordizarespeito?11–OsenhortorturouAluízioPalhanoPedreiraFerreira?12–OsenhoréresponsávelpelamortedeAluízioPalhanoPedreiraFerreira?13–QuemmatouAluízioPalhanoPedreiraFerreira?14–OsenhortorturouLuizEduardodaRochaMerlino?15–QuemmatouLuizEduardodaRochaMerlino?16 – OGrupo Tortura NuncaMais acusa o senhor de termetralhado ematadoLauribertoJoséReyeseAlexanderJoséIbsenVoerões,emSãoPaulo.Oqueosenhordizarespeito?17 – O senhor contou a presos do DOI-CODI que o integrante da VPR YoshitaneFujimorechegoucomvidaaoDOI-CODIem5demarçode1970?OsenhoréautordamortedeYoshitaneFujimore?18–QuemmatouYoshitaneFujimore?19 – O senhor estava presente na festa em comemoração à morte de YoshitaneFujimorenoDOI-CODI?20–OsenhorselembradeterprendidoAdrianoDiogoem1973?

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21 –AdrianoDiogo, que é deputado estadual, denuncia que o senhor o agrediuassimqueelerecebeuvozdeprisão.Oqueosenhordizarespeito?22–AdrianoDiogorelatatertomadodosenhorumacoronhadademetralhadoranoolhodireito.Oqueosenhordizarespeito?23–Osenhorafirmanãoterenriquecido.Temconhecimentodeoutrosagentesdarepressãoquesecorromperameenriqueceram?24–QuerelaçãoosenhortevecomodelegadoSérgioParanhosFleury?25–Fleuryenriqueceu?26–OsenhorpertenceuaoEsquadrãodaMorte?27 – Como era a sua relação com o capitão Carlos Alberto Brilhante Ustra,comandantedoDOI-CODI?28–OsenhortorturouaeducadoraeadvogadaRitaSipahinoDOI-CODI?29–AeducadoraeadvogadaRitaSipahiafirmouemdepoimentoaestaComissãoMunicipal daVerdade que o senhor a torturou com choques elétricos emmaio de1971.Oqueosenhordizarespeito?30 –A socióloga LeniraMachado também relatou a estaComissãoMunicipal daVerdade que o senhor a torturou várias vezes no DOI-CODI. O que o senhor diz arespeito?31–OsenhorusavaamúsicaclássicanasaladetorturadoDOI-CODIparaquenãofossemouvidososgritosdaspessoasseviciadaspelosenhor?32 – O senhor sempre ordenava que as mulheres tirassem a roupa antes dependurá-lasnopaudeararaparaaaplicaçãodechoqueselétricos?33–Osenhorusavaométododejogaráguanonarizdapessoatorturadaoqueaobrigava, sufocada, a abrir a boca para o senhor jogar dentro sal, potencializandooefeitodochoqueelétrico?34–OsenhorselembradodiaemqueLeniraMachadosesoltoudopaudeararaeoagarrounomomentoemquejogouosal,oquefezosenhordividirochoquecomela?35–Osenhorselembracomosevingoudela,apósreceberoscurativosdecorrentesdochoqueedaqueda?36 –O senhor jogouLeniraMachado violentamente contra o chão, emmais umatocovarde,oqueadeixouparcialmenteparalisadanaocasião?37–OsenhortorturouaatualministraEleonoraMenicuccinoDOI–CODI?38 – Afronta o senhor que pessoas como a educadora e advogada Rita Sipahi, asociólogaLeniraMachadoeaministraEleonoraMenicussisobreviveram,estãoativasprofissionalmenteevivemcomdignidade?

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39–Quantaspessoasosenhormatou?40–OsenhorconsideracertaainterpretaçãodaLeideAnistiaqueperdoaagentesde estado que sequestraram, fizeram prisões ilegais, torturaram, estupraram,assassinarameocultaramcadáveresdepresospolíticos?

Ofíciourgente

Nodia26demarçode2014 aComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzogenviouaogovernadorGeraldoAlckminoofícionº5745/2014–26ºGV.Seguem-seostermosdodocumento.SenhorGovernador,A Comissão Municipal da Verdade Vladimir Herzog, em atividade na CâmaraMunicipaldeSãoPaulo,convidouparadeporodelegadodepolíciaDirceuGravina,lotadonoDepartamentodePolíciaJudiciáriadoInterior8(DEINTER8),emPresidentePrudente, com a finalidade de lhe conceder a palavra, para que o policial pudesseexplicar,comtodaaliberdade,asgravesdenúnciasdeviolaçãodosdireitoshumanosde que é acusado, durante o período em que o senhor Gravina foi agente dofamigeradoDOI-CODIemSãoPaulo.Informamos aVossaExcelência que odepoimentodo senhorGravina, autorizadopelo senhor secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo e pelo senhordelegado-geraldaPolíciaCivildoEstadodeSãoPaulo, foiacordadocomoreferidopolicialparasertomadonoúltimodia25demarço.OcorrequeosenhorGravinanãocompareceuparadepor,evitandoresponderperguntassobrediversasacusações,entreas quais as das senhoras Lenira Machado e Rita Sipahi, que afirmaram a estaComissão Municipal da Verdade terem sofrido fortes agressões físicas do policial,como espancamentos e choques elétricos aplicados nas dependências do DOI-CODI,comousodeinstrumentosdetorturacomooconhecidopaudearara,em1971.ÉimportanteressaltaràVossaExcelênciaqueosenhorGravinafoiacusadonocasododesaparecimentodeAluízioPalhanoPedreiraFerreira,bemcomopelasmortesdeLauriberto José Reyes e Alexander José Ibsen Voerões. O policial também émencionado como envolvido no caso da morte de Yoshitane Fujimore, nasdependênciasdomesmoDOI-CODI.Porfim,senhorgovernador,DirceuGravinafoidenunciadoporagredirem1973oatual deputado estadual Adriano Diogo, e de ter participado de sessões de torturacontra Luis Eduardo da Rocha Merlino e das agressões contra a atual ministraEleonoraMenicuccideOliveira,daSecretariadePolíticaparaasMulheres.Diante do exposto, e certos de que a presença deDirceuGravina não é umbomexemploe,maisdoque isso,causaprejuízosà imagemdapolíciacivildeSãoPaulo,

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nós,integrantesdaComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzog,vimossolicitara Vossa Excelência o imediato afastamento do policial, que ainda se encontra ematividadenosquadrosdaPolíciaCivildoEstadodeSãoPaulo.Desenvolveuumideáriodesocialismohumanista,quearticulavamedidaseconômicas,sociaiseculturaisparaalcançarumaéticaintegraldodesenvolvimento.JacobGorenderrefutaatesedequeopequenogrupodeFidelCastroiniciousualutaparaderrubaroditadorFulgencioBatistaapartirdeumfoco.Argumentaquedesdeoprincípiocontoucomasimpatiaeaajudadoscamponeses.CombatenasTrevas,obracitada,apartirdapágina79.Ummilitantepresosabiaque,seaguentasseastorturaspelotempopreviamentecombinado,seriaumcódigo:perceberiamqueforapreso,poisdeixavadecomparecerempontosdeencontro.Nessecaso,osvulneráveisabandonavamos“aparelhos”oumesmoasmoradaslegais.PartidoComunistaBrasileiroRevolucionário.Pretendiaumarevoluçãopopularquedestruísseoestadoburguês.JacobGorenderemCombatenasTrevas,obracitada,apartirdapágina101.GorenderfoiumdosfundadoresdoPCBR.FernandoHenriquenarraumjantarinformalemcasadeseuministrodaMarinha,paraosseusministrosmilitares.Acertaalturapropôs,emtípicaabordagembrincalhona,umbrindeàdemocracia,tãoclaraquenemaimprensaestranharaojantarquereuniaopresidenteeseusmilitares.Nofinal,jánofumoir,digamosassim,lhesdissequepretendiapromoverreparaçõesnocasodepessoasmortas,torturadasoupresasdeformailegalduranteoregimemilitar.Osministros,terminaoautor,receberamainformaçãocomnaturalidade,semopinar.Páginas255a258.NolivroAArtedaPolítica:ahistóriaquevivi,página51.CoordenaçãoeditorialdeRicardoSetti.EditoraCivilizaçãoBrasileira,2006.AgentefederalMaurícioJosédeFreitas,alcunhaLungaeLungareti,dasequipesdeinterrogatóriodaOBANedoDOI-CODI.Participaçãoemcasosdetortura,execuçãoedesaparecimento.Outrasinformaçõesnositewww.documentosrevelados.com.br.Oprédio,naAvenidaBrigadeiroLuizAntônio,foientregueàOAB-SPetransformadonoMemorialdaLutapelaJustiça–AdvogadosBrasileiroscontraaDitadura.SediaaComissãodaVerdadedaOAB-SPeoNúcleodePreservaçãodaMemória.NesseprédiofoijulgadaapresidenteDilmaRousseff.JoséMarianeFerreiraAlves,falecidoem1988numacidentedecarro.Umdostrêsmilitaresque,sobaliderançadocapitãoCarlosLamarca,emjaneirode1969,deixaramo4ºRegimentodeInfantaria,emQuitaúna(SP),paraconstruirumacolunaguerrilheiraederrubaroregimemilitar,integradosàVPR.Osoutrosdois:DarcyRodrigues(CapítuloVI)eCarlosRobertoZanirato,quesesuicidouaoserconduzido,preso,aumponto,ondeseencontrariacomoutromilitante.Muitospontos“abertos”natorturaeramfalsoseocasiãoparasuicídio.GeneralAntonioBandeira,diretordaPolíciaFederal.SegundoElioGaspariemADitaduraEscancarada,obracitada,página425,ogeneral“secelebrizariacombatendoascomposiçõesdeChicoBuarquedeHollanda.”BandeiracomandouasduasprimeirascampanhascontraosguerrilheirosdoAraguaia,malsucedidas.Aterceira,sobasordensdogeneralHugodeAndradeAbreu,comandantedaBrigadadeInfantariaParaquedista,aniquilou-os.Todosforamexecutadossemqueatéhojesesaibaondeseencontramoscorpos.VanguardaArmadaRevolucionária-Palmares.Defendiaaguerrilharural,masvalorizava-seotrabalhodemassaseaatuaçãopolítica.Pretendia-seconstruirumpartido.JacobGorender,CombatenasTrevas,obracitada,página137.EleonoraMenicuccideOliveira,socióloga,ministra-chefedaSecretariaEspecialdePolíticasparaasMulheres.FoicolegadefaculdadedapresidenteDilmaRousseffeocuparamamesmacelanopresídioTiradentes.MilitounoPOC,PartidoOperárioComunista,fusãodeumadissidênciadoPCBeoquerestoudaPOLOP,PolíticaOperária,depoisdasaídadosadeptosdofoquismo.Pretendiamumarevoluçãosocialistabaseadanaparticipaçãodostrabalhadores,principalmentedosoperáriosdeindústrias.AoPOCpertenceuojornalistaLuizEduardodaRochaMerlino,torturadonoDOI-CODIelevadoamorrernohospitalcomgangrenadisseminadaemvirtudedelesões,deacordocom

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testemunhos.ÚltimodadireçãodaVPRaoladodoinfiltradoagentepolicialcaboAnselmo.PresoemSãoPaulopelasmesmasviasqueInêsEtienneRomeu.AnselmoaindaconseguiuintermediaroassassinatodeseismilitantesdaVPRnoRecife:SoledadBarretViedma,suacompanheira,grávida;PaulineReichstul,EudaldoGomesdaSilva,EvaldoLuísSiqueira,JarbasPereiraMarqueseJoséManueldaSilva.DepartamentodePolíciaJudiciáriadeSãoPaulo–Interior.RosaMariaCardosodaCunha,autoradelivrosjurídicos,advogadacriminalista,foicoordenadoradaCNVdemaioaagostode2013.AtuouemdefesadepresospolíticosnoRio,emSãoPauloeemBrasíliaduranteoregimemilitar.JoséCarlosDias,advogadocriminalista,defendeupresospolíticosdiretamentenaJustiçaMilitar.FoiumdosautoresdaCartaaosBrasileiros,de1977,redigidasobaliderançadoprofessorGoffredodaSilvaTellesJr.,querepudiouaditaduramilitar.Dificilmenteodelegadotinhanoçãodoquediziaaosedefinir“meiohippie”.Omovimentoerasobretudopacifista,comunitário,defensordomeioambiente.Universalizouolemaeogestodepazeamor.Usavamroupas,correntesesímbolosreligiososqueoscaracterizavamcomocontracultura.Talvezodelegadoseapegasseaosmodismosdocabelocompridoecolares,oqueajudariaacamuflá-lo.EdnardoD’ÁvilaMello(1911-1984),exoneradopordeterminaçãodoPresidenteErnestoGeiseldepoisdamortedooperárioManuelFielFilhonoDOI-CODI.ElioGaspariobserva:“GeiselexemplouogeneralpararestabeleceraautoridadedaPresidência.”ADitaduraEncurralada,obracitada,página220.UmdosmaiscondecoradospracinhasdaForçaExpedicionáriaBrasileira,SalomãoMalina(1922-2002)combateuofascismonaIIGuerraMundialenoBrasil.IngressounoPartidoComunistaBrasileironoiníciodosanos40,pertenceuaoComitêCentralpor40anosedurante20foiseuSecretárioGeral,oúltimo.Opartidotransformou-senoPPSehomenageou-ocomocargodeprimeiroPresidentedeHonra.Passou35anosnaclandestinidade.EscreveuOÚltimoSecretário–ALutadeSalomãoMalina,prefáciodeElioGaspari.EdiçõesAstrojildoPereira,2002.DileaFratefoipresacomomaridoPauloMarkun.Éjornalista,diretoradeTVeescritora.Seustrêslivrosparacrianças,altamenterecomendados,sãoHistóriasparaAcordar(1996),FábulasTortas(2007)eQuemcontou?(2014),todoseditadospelaCompanhiadasLetras.PauloMarkunéjornalistaeescritor.Entreseuslivros,umédeváriosrelatosqueorganizousobreVadimirHerzog:Vlado-RetratodaMortedeumHomemedeumaÉpoca.EditoraBrasiliense,1985.EMeuQueridoVlado,EditoraObjetiva,2005.ElioGaspari,jácitado.PeçadeMarioBenedetti(1920-2009),umdosprincipaisautoresuruguaios.Escreveuacimade80romances,contos,ensaios,livrosdepoesia,roteirosparacinema,dramaturgia.PedroeoCapitãoreproduz,emquatroatos,atorturadeumpresopolíticoexercidaporumoficialdainteligênciamilitar.Aviolênciasepercebedeformaindireta,masPedroaparececadavezmaismachucado.SegundoBenedetti,“éumaindagaçãosobreapsiquedeumtorturador.”JorgeRafaelVidela,ditadordaArgentina(1925-2013).Morreunaprisão.

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Foto:MarceloCamargo/AgênciaBrasil

MESTREEMDEBOCHEJoséCarlosDiasePedroDallariinterrogamAparecidoLaerte

Calandraquenadaviu,ouviu,sentiuenquantotrabalhavanoDOI-CODIcomosimplesburocrata

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CAPÍTULOIX

Orostodoimponderável“Aquelescapazesdelevarvocêaacreditaremabsurdos,olevarãoacometer

atrocidades.”Voltaire(1694-1778),filósofofrancês.

O depoimento de várias pessoas que sofreram torturas conduzidas por um capitãoUbirajara, posteriormente identificado como delegado de polícia Aparecido LaerteCalandra, levou aComissãoMunicipal daVerdadeVladimirHerzog a convidá-lo adepor.Calandra,porém,recusou-seacomparecer.OpresidentedaComissão,comaconcordânciadosdemaisvereadores,solicitouàComissãoNacionaldaVerdadequeoouvisse.ACNV acedeuaopedido e convocou-o.Nodia 12dedezembrode2013realizou-se a oitiva no escritório da Presidência da República, em São Paulo, napresençadosadvogadosJoséCarlosDiasePedroDallari,daCNV,edopresidentedaCMVVH,vereadorGilbertoNatalini.Épenosoinsistirnaimportânciadaverdadenahistóriabrasileiraenaesperançadereconciliaçãoquandodepoentesmentemsemacanhamento,semreconheceropapelque desempenharam durante os anos de regime militar. A recusa sinaliza queestariamprontosanovamentetrilharocaminhododesrespeitoaoestadodedireito.Lembre-sedoqueexplicouaojornalistaSilvioFerrazobanqueiroGastãoEduardodeBueno Vidigal, do Banco Mercantil de São Paulo (capítulo VI), ao justificar arepressãoplanejadanaOBAN,aprecursoradoDOI-CODI:“Deidinheiroparaocombateaoterrorismo.Éramosnósoueles”.

Ofícionº028/2013Ilma.Sra.RosaCardosodaCunha,M.D.CoordenadoradaComissãoNacionaldaVerdade.Cumpre-meodeverde informá-laqueestaComissãodaVerdadeVladimirHerzog, instaladanaCâmaraMunicipaldeSãoPaulo,convidouoex-policialAparecidoLaerteCalandraque,comoédeamploconhecimento,teveatuaçãoimportantedentrodosórgãosderepressãodaditaduramilitar,paradeporsobre

suasações,condutasepráticasduranteoperíodode1964a1985.Oex-policial,contudo,recusounossoconvite.RecorroaotermodecooperaçãofirmadoentreaCMVVHeaCNV,emplenovigor,para solicitar a V.S. que CONVOQUE o Sr. Aparecido Laerte Calandra a prestar os devidosesclarecimentos à sociedade brasileira e, desde já, à medida das possibilidades, sugiro que atomadadedepoimentosedênestaComissão,situadanomunicípiodeSãoPaulo,nomesmolocal

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deresidênciadopolicial.Certodecontarcomasuapresença,despeço-mecomvotosdeestimaeconsideração.OsvereadoresGilbertoNatalini(presidentedaCMVVH)JulianaCardoso(vice-presidentedaCMVVH)MarioCovasNeto(relatordaCMVVH)RicardoYoungJoséPoliceNetoRubensCalvoLaércioBenko

DefrentecomaimposturaOadvogadoecoordenadordaComissãoNacionaldaVerdade,Dr.PedroDallari,iniciouasessão:“Sr. Calandra, não somos uma comissão processante, de natureza jurisdicional ouinquisitorial.Mastemosaresponsabilidadelegal,hoje,deconstruirumquadrofáticoque revele para a sociedade brasileira graves violações dos direitos humanos. Combase nas informações que obtivemos preparamos um conjunto de perguntas. Osenhorteráaliberdadedeexpressar-se,apresentarseusargumentossejulgarporbemfazê-lo. Se quiser consultar o seu advogado poderá fazê-lo. Tenho clareza de quedespertará emoções entre os presentes, mas peço que todos colaborem para quepossamos ternodepoimentodoSr.AparecidoLaerteCalandraumelementoparaaelucidação dos fatos. Peço inicialmente que o senhor nos diga qual a sua atividadeatual.”

DepoimentodeAparecidoLaerteCalandra

OSr.AparecidoLaerteCalandra – Sou delegado de polícia aposentado. Semoutraatividade.ODr.PedroDallari(coordenadordaCNV)–PeçoaoDr. JoséCarlosDiasqueconduzaasquestões.ODr.JoséCarlosDias(ComissãoNacionaldaVerdade) –Antes demaisnadasaúdoomeucolega,Dr.PauloEsteves,quenoshonracomasuapresençaedáassistênciajurídicaaoSr.AparecidoLaerteCalandra.(voltando-separaCalandra)Osenhorpodenosinformarquandosetornoudelegadodepolícia?Emqueunidadesosenhorserviu?

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OSr. Aparecido LaerteCalandra – Tornei-me delegado de polícia em 1970.ServiemSantos,SãoJosédoRioPreto;depoisfuiaoDECAP(DepartamentodePolíciaJudiciáriadaCapital),distritodeSãoMiguel,ItaqueraeaoDOPS.P–DurantequantotemponoDOPS?R–Muitosanos,nãolembroaocerto.P–Emqueperíodo,jánosanos70?R–De70a80.DepoisfuiàPolíciaFederalefiqueioitoounoveanos.P–OsenhorparticipoudasequipesdoDOI-CODI?R–Não.FuidesignadoparadarassessoriajurídicaaoComandoMilitardoSudeste.EraocomandodoIIExército.Foraissoeunãotinhaatividadealguma.P–Éimportanteparaestacomissão,Dr.Calandra,precisarasuarelaçãocomoDOI-CODI. Vou passar às suas mãos e nas do seu advogado um auto de exibição eapreensãoemanadoparaoDOI, subordinadoaoórgãodoMinistériodoExército,noII Exército. Aqui, a relevância não está, obviamente, namatéria, mas consta comoautoridade,nocaso, a suapessoa,Dr.AparecidoLaerteCalandra, comoautoridadenesse ato administrativo do DOI-CODI. Vamos passar ao seu advogado para queexamine o documento. O senhor é o primeiro signatário como autoridade e tenhoaquiváriosoutrosdocumentosdeigualnatureza,doanode1975.Quero,então,queosenhoresclareçaovínculoquetinhacomoDOI-CODI.R–Éoquedisse.Aminhafunçãoeradeassessorjurídico.Todaapartejurídicaeradestinadaà2ªsessãoeagenteialálavrar.P–OsenhoreraconhecidocomocapitãoUbirajara?R–Negativo.Nuncauseiessecodinome.P–Osenhorparticipavadosinterrogatórios?R–Demaneiraalguma.Minhafunçãoerasódeassessoriajurídica.P–Osenhornuncainterrogouninguém?R–Não,nãoeraaminhafunção.P–Temcerteza?R–Absoluta.P – Esta comissão colheu umnúmeromuito expressivo de depoimentos, unânimesem apontá-lo como o capitão Ubirajara, envolvido em graves violações aos direitoshumanos.R–Sempreuseimeupróprionomeenuncainterrogueininguém,muitomenosvioleidireitoshumanos.Semprefuicontrárioaisso.P–OsenhortrabalhavaemligaçãoestreitacomocoronelUstra?

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R – Negativo. Eu o conheço, mas nunca trabalhei com ele. Eu era do ComandoMilitardoSudeste.P – O senhor não exercia nenhuma atividade no DOI-CODI? O senhor faz essaafirmaçãocategórica?R–Aatividadeúnicaeraaqueagentefaziana2ªSeção,adosautosdeexibiçãoeapreensão.ODr.PedroDallari– Insistonaperguntado JoséCarlos.Esteautodeexibiçãoeapreensão,aqui,constadasualavraturanasaladaassessoriajurídicanasededoDOI-CODI.Portanto,osenhortrabalhavanolocalemqueserealizavamatosdetortura.OSr.AparecidoLaerteCalandra –Eraumcartório,pura e simplesmente,quepertenciaà2ªSeçãodoExército.P–Ondeficavaessecartório?R–FicavanumasaladentrodoDOI.Masnãotínhamosnenhumcontatocomapartedointerrogatório,comapartepolicial.P–Osenhornãosabiaoqueacontecialá?R–Nada.P–DurantequantotempoosenhortrabalhounoDOI-CODI?R–Cercadeoitoanos.Nãotenhocerteza.P – O senhor pode me dizer exatamente o que fazia? Até agora não conseguientender.R - Pura e simplesmente assessorava juridicamente oComandoMilitar do Sudeste.Qualquer coisa que precisasse ser avaliada vinha para a minha mão. Eu avaliava.Lavravaautosdeexibiçãoeapreensão.P–Dêumexemplo.R–Essesautosdeexibiçãoeapreensão.Coisasemquehaviadúvidas.P–Duranteosoitoanos,sófezisso?R–Exatamenteisso.P–Aindanãotenhoclaro:osenhordissequeassessoravademaneiragenéricaoIIExército?R–Isso,exatamente.P – Como estava lotado no DOI-CODI, dava assessoria aos assuntos do II ExércitorelacionadosaoDOI-CODI?R–Perdão,oDOI-CODIeraumórgãodoComandoMilitardoIIExército.EuestavaàdisposiçãodoIIExército.P –Aindanão tenhoclaro.ObviamenteoComandoMilitar eramuitoamplo, teria

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muitosorganismos.O fatodeosenhorestardentrodoDOI-CODI significaparamim,quesouadvogado,queeraparaprestarserviçoparaaquelarepartição,porquesefossepara prestar serviços jurídicos para o Comando Militar do II Exército, não teriasentido a assessoria jurídica ficar naquele órgão específico, e sim junto ao próprioComando.R – Quando foi publicada a minha disponibilidade no II Exército, publicou-se àdisposiçãodoComandoMilitardoSudeste,queeraoIIExército.ODr.PedroDallari–Sim,formalmente.MasaíosenhorfoiparaoDOI-CODIparafazerserviçosjurídicos.Alémdosautosdeexibiçãoeapreensão,queoutrasatividadesosenhorprestava,comoassessorjurídico?OSr.AparecidoLaerteCalandra–OComandodoIIExército,quandorecebiaexpedientessobreatividadedoComandodoIIExército,mandavaexpediente(sic).P–Quetipodeexpediente?Podedarexemplos?R–Ofíciosdeoutrosórgãosquevinham.P–Queassuntos?R–Nãolembro.Sobremuitacoisa.P–QualoseuhorárionoDOI-CODI?R–Oexpediente.Chegavacedoesaíanofimdoexpediente.P–OsenhoralmoçavanoDOI-CODI?QuemeramosseuscolegasdetrabalhonoDOI-CODI?R–Eualmoçavafora.Comoscolegasdo36ºDistrito.P–HaviaumasaladentrodoDOI-CODIparaaassessoriajurídica?R–Não,umcartório.Sóisso.P–Quantaspessoastrabalhavamali?R – Só eu, que presidia os autos, e o escrivão que datilografava. Manoel AurélioLopes.P–OsenhorintegravaosistemadeinformaçãodoIIExército.Osenhorfaziapartedosistemadeinformação?R–Nãotinhaacessoanenhumassuntoquenãofosse...P – O que era esse sistema de informação? O senhor podia dizer, como assessorjurídico?R–Não,não.P–OsenhorfalouqueeraassessorjurídicodoIIExército.EnãosabedizeroqueeraosistemadeinformaçãodoIIExército?R–Não,porqueeunãopassavadessaatividadeespecífica.Burocrática.Nadamais.

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ODr.PedroDallari(coordenadordaCNV)–Háumdocumentoquevoupassarao seu advogadoporque contradita oqueo senhordiz.Queroqueo seu advogadotenha acesso antesdeperguntar ao senhor, especificamente, oque erao sistemadeinformação.(Pausa.Oadvogadoexaminaodocumento.)ODr.PedroDallari(coordenadordaCNV) –Na folha 22háuma informação,noseuregistro funcional,quedesmenteoqueosenhoracabadedizer.Vou leremvozalta.Exibimostambémnatela.Noofíciode14deabrilde1977,denúmero172-E/02, do chefe do estado-maior do II Exército, se diz que o interessado, no caso osenhor,foielogiadoporeficiênciaededicação,aoexecutarasmaisdiversasatividadesem1976,visandoaconsecuçãodosobjetivospropostosnocombateàsubversãoeaoterrorismo,comointegrantedosistemadeinformaçãonaáreadoIIExército.Essarelaçãocomosistemadeinformaçãoestáemsuafichafuncional.Consigna-sede formaelogiosaacondutadosenhorparaocombateàsubversãoeao terrorismo.OsobjetivosnoDOI-CODIenvolviamgravesviolaçõesdosdireitoshumanos.Porqueosenhor acaba de nos dizer que não integrava e não sabe o que é o sistema deinformação, se o senhor foi elogiado por seu desempenho junto ao sistema deinformação?OSr.AparecidoLaerteCalandra–OelogioerapartedacondutadoComandoMilitardoSudeste,paraquemsededicavaàsuaespecíficafunção.Eaminhaeraadeassessorjurídico.Nadamais.P–Aquiestáescritoexpressamente:comointegrantedosistemadeinformação.R–Éalinguagemqueusavam.ODr. José Carlos Dias (Comissão Nacional da Verdade) – Isso então émentira?OSr.AparecidoLaerteCalandra–Hã?P–Émentira,então?R–Éumaverdadeemrelaçãoaoquefazia,sóisso.ODr.PedroDallari(coordenadordaCNV)–Não,osenhor integravaoserviçodeinformação,estáescritoaqui.OSr.AparecidoLaerteCalandra–ODOI-CODIeraumórgãodosistema.Eunãotinha nada a ver com a atividade do DOI. Minha atividade era especificamentejurídica.Nadamais.O Dr. José Carlos Dias (Comissão Nacional da Verdade) – Nessedocumentoelogia-seasualutanocombateàsubversãoeaoterrorismo.Osenhorseengajounessalutacontraasubverãoeoterrorismo?

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R–Omeuengajamento foiemdecorrênciadaminha função,daatividade jurídicaquemecabia.P–Dr.Calandra,osenhorjáfalou,masparameajudaraformularoutraquestão:osenhortrabalhoudurantequantotemponoDOI-CODI?R–Nãolembroaocerto,seteaoitoanos.De72a...Nãotenhoisso.P–Períodomuitoduro,nãoé?R–É.P–Omovimentodecontestaçãoaoregimeeramuitointenso.ParaqueexistiaoDOI-CODI?R–ODOI-CODIeraumórgãooperacionaldoIIExército.Agora,oresto...P–Oquequerdizerórgãooperacional?R–Faziaasatividadesdecombateàsubversão.Orestonãosei.P–DuranteosoitoanosemquetrabalhounoDOI-CODI,osenhornuncapresencioutortura?R–Negativo.P–Nuncaouviugritos?R–Nuncaouvi.P–Nuncaouviuqueixas?R–Paramimnãochegounada.P–Osenhortevecontatocompresos?R–Negativo.P–Osenhornãosabia,nuncaviuumpresodentrodoDOI-CODI?R–Nãoviporquenãoeraaminhafunção.P–Osenhorsabeondeeramascelas?R–Eramascelasdo36º,masnuncativeacessoaelas.P–Porquê?Eraimpedido?R–Nãoeradaminhafunção,nãopodiateracesso.Eueraumburocrata.P–EquantoaomajorUstra,qualasualigação?R–Eraconhecidocomocomandante.Maisnãoseidizer,porqueocontatocomeleerapouco.ODr.PedroDallari(coordenadordaCNV)–OsenhorjáesclareceuaoDr.JoséCarlos Dias que não participou de tortura, não se envolveu, sequer tinhaconhecimento.Colhemosumasériededepoimentosqueapontamasuapessoacomoparticipante emesmo responsável por atos de tortura. Então farei perguntas que sereferemdemaneiraespecíficasobreosdepoimentos,paraqueosenhorreconheçaou

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negue.OsenhorconheceuNádiaLúciaNascimento?OSr.AparecidoLaerteCalandra–Não.P–Segundoadepoente,quandofoipresasobaacusaçãodesubversiva,em1974,osenhoratorturou.Éessasenhora.Osenhorvêaimagem.(ProjeçãodeimagemmostrafotografiadeNádiaLúciaNascimento)R–Nãomelembrodessapessoaenãoparticipeidenadadisso.ODr. PedroDallari (coordenador da CNV) – O deputado Nilmário Mirandaafirmou, em testemunho gravado, exibidopara esta comissão, que foi torturado emtrêsocasiõespelosenhoresuaequipe.Porqueosenhorotorturou?O Sr. Aparecido Laerte Calandra – Não participei de tortura alguma, muitomenosdodeputado.Nemoconheço.Sódevernatelevisão.P – O jornalista Vladimir Herzogmorreu no DOI-CODI na época em que o senhorexerceuassuasfunções.OsenhorconheceuVladimirHerzog?Tevecontatocomele?Presencioutorturascontraele?R-Nãoconheci,nãotivecontato,nadapresenciei.P–Dr.Calandra,comoassessorjurídico,osenhorfoiconvidadoaemitirumparecersobreVladimirHerzog,quandosediscutiasehaviaounãosesuicidado?Foiouvido?R–Negativo.P–Escondiamascoisasdosenhor,dentrodoDOI-CODI?Osenhoracredita?OsenhortrabalhavadentrodoDOI-CODIederepenteumapessoateriaseenforcado,eosenhornãosabedenada?OmajorUstranãoseabriucomosenhor?R–Essapartenãoeracomigo,eradeoutro.Eomajornãofalavanada.P–OmajormoravacomafamílianoDOI-CODI?Aesposa?Afilha?R–Não.Negativo.P–Ondemorava?R–NumprédiodoExércitonaAvenidaSãoJoão.Nãosei,nuncafui.P–AmortedojornalistaVladimirHerzog,apolêmicaemtornodosuicídioenvolveuaspectosjurídicos.Nãooconsultaram?R–Emabsoluto.Euficavasabendodepois,pelaimprensa.P–Eosenhorsabia,pelaimprensa,queocorreunoseulocaldetrabalho.Nãotevecuriosidadedesaberoqueaconteceu?R–Nãoeranomeulocaldetrabalho.Equemtrabalhanaatividadedeinformaçãonãoseenvolvecomcoisasforadesuaatribuição.P–Ah,entãoosenhortrabalhavanaáreadeinformações.R – Não. Eu trabalhava como assessor jurídico. Não fazia parte da cadeia de

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informações.P–QuemsolicitouaosenhorqueoficiasseàPolíciaCivilparaobterumaequipedeperícia?Comquefinalidade?R–Achefiada2ªSeçãodoIIExército.QuerequisitasseperíciadaPolíciaCivil,doInstitutodeCriminalísticaparaatenderaumsuicídio.P–Então,nessemomento,osenhorfoiinformado.R–Fiqueioficializadopela2ªSeção.P–OsenhorestevecomoSr.HarryShibata?R–Nãoestive.Nãoconheço.Sódeouvirfalar.P–Osenhorfoiacionadopela2ªSeçãocomoassessorjurídicooucomodelegadodepolícia?P–Assessorjurídico.R–Ocorreuoutrasvezes?Houvemuitasmortesali.P–Queeumelembre,sóessa.R–Osenhor conheceuCarlosNicolauDanieli,dirigentedoPartidoComunistadoBrasil?Podeesclareceralgumacoisasobreamortedele,sobtortura?(PedroDallariapontaafotoprojetada.)R–Negativo.Nãoconheci.P-OsenhorconheceuHiorakiTorigoi?Podeesclareceralgumacoisasobreamortedele,sobtortura?R–Não.Nãoconheci.P–OsenhorconheceafamíliaTeles?MariaAméliaTeles,CesarAugustoTeles,seusfilhos Janaína Teles e Edson Teles? Tendo denunciado o senhor por prática detortura,osenhorrespondeupelaimprensaetravouumdebateverbal.R–Nãotivecontatoalgumcomeles.Nãotenhoconhecimento.P–ErapermitidaaentradadecriançasnoDOI-CODI?R–Nuncavi,poucoficavanopátio.P – O senhor conheceu Gilberto Natalini? Ele foi muito peremptório sobre suaatividadedetortura.R–Nãoconheci,nuncativecontato.P–OsenhorconheceuManuelHenriqueFerreira?ParticipoudointerrogatóriodelenoDOI-CODI?R–Nãoconheço.Nemseiquemé.ODr.PedroDallari(coordenadordaCNV)–Háumaaçãocivilpública,movidapor ele contra o senhor. Esse preso teria enviado, em 1976, uma carta ao cardeal

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arcebispodeSãoPaulo,DomPauloEvaristoArns, relatandode formaminuciosaastorturasquesofreuemváriasrepartiçõespúblicas.Elefazumalistagemde26agentesedelaconstaonomedosenhor.(VejaabaixoOCaminhodaJustiça.)O Sr. Aparecido Laerte Calandra – Ignoro. Não conheço. Não tenhoconhecimento.P–OsenhorautorizouqueojornalistaArturMachadoScavonefossetorturado?R–Nãoconheço.Nãoseiquemé.P – O senhor conheceu Maria da Conceição Coelho Sarmento da Paz, e em quecircunstâncias?ConstaqueessasenhorafoiinterrogadapelosenhornoDOI-CODI, em1974.Elafazreferênciasdetalhadasdacondutadosenhor,conhecidopeloapelidodeCapitãoUbirajara.R–Nãoconheci,nãotenhoconhecimento.P–NoDOPS,osenhorinterrogava?R–Negativo.FuiassistentedoDr.RomeuTuma,odiretor.Ficavanadiretoria.Fuiporofício.P–Em1983 (quandooDOPS foiextinto), o senhor volta àPolíciaCivil e vai para aPolícia Federal, junto com o Dr. Romeu Tuma. Nessa ocasião o senhor ficaresponsávelpelosarquivosdoDOPS.R – Negativo. Não era atividade minha. Eu era assessor do superintendente daPolíciaFederal.P–Paraondeforamosarquivos?R–ParaaRuaPiauí,sededaPolíciaFederal.Oresponsáveleraumdelegadoquefoiconoscoejámorreu.Nãomelembrodonome.P –Muitos pesquisadores trabalharamnesses arquivos e constataram que o senhortinhaocontrolesobreelesquandoforamtransferidosparaaPolíciaFederal.R–Nãoéverdade.Nãotinhacontatocomarquivoalgum.P–EquetipodeassessoriaosenhorprestavaaodelegadoTuma?R – Assuntos da Polícia Civil, solicitados na Polícia Federal, para que euprovidenciasseapresentações.P–Dr.Calandra,quemeramosoutrosdelegadosquetrabalhavamnoDOI-CODI?R–Sótinhaeu.P–Eeraoúnicoquenãofaziainterrogatório.R–Interrogatórionãoeracomagente.P–Interrogarnãoeraafunçãoprincipaldodelegado?

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R–Não.P–QuemfaziainterrogatóriosnoDOI-CODI?R–Nãosei,porqueeramváriasequipeseeunãoparticipava.Nãotinhacontatocomeles.Eramsómilitarestrabalhando,queeusaiba.Nenhumcivil.P – Durante oito anos o senhor trabalhou no DOI-CODI, entrava e saía e não tevecontatocomninguém.R–Nenhumcontato.Sócumpriaoquememandavam.ODr.PedroDallari(coordenadordaCNV)–Em1995osenhorfoicogitadoparaassumiroDETAN (DepartamentoEstadualdeTrânsitodeSãoPaulo).Em funçãodedenúnciasdogrupoTorturaNuncaMais,ogovernadorMarioCovashouveporbemnãoefetuaressadesignação.Cogitou-setambémdoseunomeparaumapromoçãonoDENARC (Departamento Estadual de Investigações sobreNarcóticos). Não houve. OsenhorentendequeasautoridadesdoEstadoeogovernadorMarioCovasagiramdemaneirainadequada,porconsiderarqueosenhorteveparticipaçãonaqueleseventos?OSr.AparecidoLaerteCalandra –Absolutamente. É condição de carreira sernomeadoparaumafunção.QuemdecideéoExecutivo.P – O senhor é réu em uma ação civil pública que trata da responsabilidade dosagentes públicos do Estado de São Paulo que, lotados no DOI-CODI, praticaramgravíssimas violações aos direitos humanos. O senhor foi reconhecido por diversasvítimas. Um grande número. Ao que o senhor atribui? Acha que é um erro depessoa? Uma perseguição? Por causa de alguma posição que o senhor tenhaassumido?R–Sópodesererrodepessoa,porquenuncafuicitadonessaação.Nemsabiadisso.P – Tantas pessoas depuseram aqui, reiteradamente o apontando como sendo oCapitãoUbirajara,participantedastorturas.Aqueosenhoratribuiisso?R – A erro de pessoa porque nunca fui capitão em lugar algum. Aminha funçãosemprefoicivil.Nuncaparticipeidetortura.P – Sim. Mas ninguém disse que o senhor era capitão. Seu codinome é que eraCapitãoUbirajara.R–Nuncauseicodinomealgum.Nãoparticipeidetortura.Nãofazpartedaminharotina.P–Dr.Calandra,osenhoréumhomeminteligente.Aprovaéqueescolheumuitobemoseuadvogado.Queroqueosenhordigacomtodaasinceridade,comocidadãobrasileiro.DuranteoitoanososenhortrabalhounoDOI-CODIenuncaouviuquelásetorturava?Ounãoacreditou?R–Nuncaouvireferênciaaisso,oassuntonãochegouamim.

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P–Maschegouaumnúmeroenormedecidadãosquenão trabalharam ládentro.Pergunto:Ouviualgumareferência?Osenhordiznão.R–Nuncaouvi,nuncavinadaqueindicasseisso.Enãoacreditoporquenãovi.Nãopossofalardeumacoisaquenãovi.Essestestemunhos...nãosei.Apessoafalaoquedevefalar,nãoé?P-OsenhorconheceaSra.DarciToshikoMiaki?Participoudatorturadela,quefoidescritacommuitorealismo?R–Nãomelembrodessenome.Nãomelembrodeterconhecido.Então,nãopossoterparticipadodetorturasenãoconheço.P–OsenhortinhaumrelacionamentoprofissionalcomoSr.ManuelAurélioLopes,oescrivão.ComquemmaistevecontatonoDOI-CODIporsuaatividadeespecífica?R–Todaaatividadedecontatoerafeitapeloescrivão.P–Veja,umdosautosdeexibiçãoeapreensãoquetenhoeestáàdisposiçãodoseuadvogado, descreve que o senhor estava presente para a lavratura e haviatestemunhas.Nesteauto,de13deoutubrode1975,compareceuoSr.AriJoséCruz,tenente do Exército, chefe da Seção Administrativa do DOI-CODI. O senhor oconheceu?R–Essarotinaerafeitapeloescrivão.EsseArideviaserchefedaadministração,nadamais.P–Masestáescritoqueodocumentofoiexibidoàautoridade,queeraosenhor.Osenhorestavapresente.R – Não. É linguagem formal. Usa-se sempre nos autos. O escrivão recebe,providenciaeagentetomaconhecimentoeassina.P –O senhornãoverificava se era verazounãooqueo escrivão tinha escrito?Háumalistadecoisasaqui.Conferiaosbens?R–Euliaemandavalavrar.Conferia.P–Comoconferiaosbens,seestavamnapossedotenenteAriJoséCruz?R–Não,ficavaemoutrolugar,ondeelepassouparaaassessoriajurídica.P–Passouoquê?R–Arelação.P–Masaquiestáescritoquenãofoipassadaarelação.Aquiestáescritoqueforampassadososautos.R-Osobjetos...P -Trêsvolumesdo livroObrasEscolhidas, deLenin.EdiçãoProblemas.O livroElÚnicoCamino.Eaquitemumalista.R–ÉrotinadaPolíciaJudiciária.ODr.JoséCarlosDiasconhececomofunciona.

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P–Osenhornãotinhacontatocomisso?Emboraassinasseodocumento,ondeselêqueo senhor estavapresente quandoo tenenteAry JoséCruz entregouomaterial.Está escritona presença de testemunhas. E o senhor diz que nem o tenente nem osenhorestavampresentes.R–Foramentreguesàassessoriajurídica,aoescrivão.Érotina.P–OsenhorassinouumdocumentoquediziaestarpresentequandoosdocumentosforamentreguespelotenenteAri.Estáaqui.Osenhorconhecia-o.R–Eleeraadministrativo.Conheciadevista.Nãotinhacontato,nãoficavacomigo.P–Então,alémdoManuel,jáachamosoutrapessoaqueosenhorconhecianoDOI.Estamos indo bem. Quemmais? Dr. Calandra, não é crível que o senhor, em oitoanos de trabalho em uma repartição pública que não era muito grande, nãoconhecesseninguém.R–Arealidadeéessaquefalei.P–Outrospoliciaiscivis?R–Nãoconheci.P–RenatoD’Andrea,conheceu?R–Não.P–Otavinho?R–Negativo.P–Massabequemé?Eradelegado.R–Sim,pelamortedele.DelegadodaPolíciaCivil.P–ODr.OrestesRafaelRochaCavalcante,conheceu?R–Não.Nuncaouvifalar.P – Os interrogatórios lá eram tomados como? O senhor mencionou que haviaequipesdeinterrogatório.R–Nãomencionei.QuemtrabalhavanointerrogatórioeraopessoaldoExército.Eunãotinhacontato.ODr.PedroDallari (coordenadordaCNV) – Impressiona-me o senhor quererque se creia que os policiais civis, especializados em interrogar, não o faziam.TudoficavanasmãosdoExército.OSr.AparecidoLaerteCalandra–OcomandoeradoExército.P–Osinterrogadoreserammilitarestambém?R–Nãosei.Tinhasómilitaresqueeusaiba.Eunãoconhecianemsabiaonome.P–Como,queeusaiba?Ousabeounãosabe.R–Nãotivecontatocomnenhumdeles.

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P–Osenhoreraproibidodeentrarnasdependências?Quemproibiu?R–Eraproibido.Nãoseiporquê.Ocomando,a2ªSeçãodoIIExércitodeterminavaqueagentenãotivesseacessoàquiloquenãofossedanossaatribuição.P–Porqueosenhorachaqueeraproibido?R-Eunãotenhoqueachar.Eucumpriaamissão.Elógicoqueaceitavaisso.P–OsenhorfalousobreissocomoDr.Tuma?R–Negativo.NãolevavanenhumproblemaaoDr.Tuma.P–Dr.Calandra,qualarelaçãodosenhorcomoUstra?Mantevecontatocomele?R–Quandoeumeapresenteina2ªSeçãodoIIExército, foi feitoumdespachomeapresentandoaocoronel.Conheci-oenãotivemaiscontato.P–Nodiaadianãoseencontravacomele?R–Negativo.P–Comosabia,então,ondemorava?R–ComentárioseramdequeoficiaismoravamnoprédiodoExércitonocentro.Sóisso.P –QuandooDr. JoséCarlosDiasperguntou seo senhor sabiaqueUstramoravanasdependênciasoDOI-CODI,osenhornegou.R–Euseiquenãomorava.EsabiaqueoficiaismoravamnoprédiodoExército.P–OsenhorsabiaqueomajorUstraerahomemmuitoreligioso?R–Absolutamente.Nãotinhaamizadenemcontato.P –Dr.Calandra, em vista da importância daComissãoNacional daVerdade, emvistadadeferênciaquetemosemouvi-lo,dadoagravidadedasacusaçõesaosenhor,a Comissão quis que o senhor estivesse presente para que pudesse esclarecer todosessesfatos.Algumacoisaqueosenhorqueiradizernofinal,emrelaçãoàsacusaçõesfeitasaosenhor?R - Atribuo a engano pessoal de quem acusa. Nunca participei de atividade detorturaemuitomenosapoiariaisso.O Dr. Pedro Dallari (coordenador da CNV) – Sr. Calandra, esta Comissãocontinuará as suas atividades e o trabalho de investigação dos fatos, que é o nossodever. Temos um conjunto de informações muito robusto que, infelizmente, nãocoincidemcomaversãoapresentadapelosenhor.Digoissodemaneiratransparente,diantedosenhoredoseuadvogado.AComissãonãotemoutraalternativasenãodarsequência. Peço aos senhores presentes: caso se recordem de qualquer fato ouinformaçãoqueentendamrelevante,osfaçamchegaraténós.Evidentemente,melhorseriaparanóseoBrasilseosenhorsedispusessearesgatarumpoucomaisosfatosqueestãorelacionadosàsuapresença,porquasedezanos,no

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DOI-CODI de São Paulo. Com toda a franqueza, Dr. Calandra, não é crível que osenhor não tenha tido contato com qualquer pessoa nem informação sobre o quepúblicaenotoriamenteocorrianoDOI-CODIdeSãoPaulo.Os esclarecimentos que o senhor poderia prestar seriam muito úteis para aComissão Nacional da Verdade. Por razões que só o senhor pode avaliar, tomououtra opção que temos de respeitar porque vivemos no estado de direito, graças aDeus.Mas sempre ficaremos disponíveis caso queira fazer chegar informações a nós,pessoalmente ou por meio do seu advogado. Será uma grande colaboração que osenhor dará ao país. O Brasil precisa superar o desconhecimento de um períodotrágicode suahistória.Éum legadoparaas futurasgerações.Então, façoao senhoresse pedido para que colabore com a comissão. Fará bem ao país, às pessoas queforamvítimas.Farábemaosenhoreàsuaprópriaconsciência.PerguntoaoDr.JoséCarlosDiassequersemanifestar.ODr.JoséCarlosDias–Não.ODr.PedroDallari (coordenadordaCNV) –Agradeço a todos e encerro estaaudiência.

ResumodoscrimesEntre as acusações a Aparecido Laerte Calandra estão torturas que mataram ojornalistaVladimirHerzog,cujomandadodeprisãoassinoucomoCapitãoUbirajara.OsassassinatosdodirigentecomunistaCarlosNicolauDanielliedolíderesquerdistaHiroakiTorigoi, o estupro damulher grávida do operárioPierinoGargano, expulsodo Brasil. Maria Amélia Almeida Teles descreve-o frio, calculista, terrivelmenteameaçador. Apavorava os presos com o molho de chaves para avisar a próximaaberturadas celas e o iníciodas torturas.Batia comcanosdemetal para avisar quepresosseriampenduradosnopaudearara.QuandoogovernadorAndréFrancoMontoroextinguiuoDOPS,oentãodiretordoórgão,RomeuTuma,confiouaAparecidoLaerteCalandraaguardaeoexpurgodosseus arquivos. Em 30 de agosto de 2010 foi proposta uma ação civil pública compedido de antecipação de tutela pelo Ministério Público Federal, em face deAparecido Laerte Calandra, David dos Santos Araújo, já aposentados, e DirceuGravina, ainda em atividade, por graves violações de direitos humanos ocorridasdurante a ditadura militar no Brasil (1964-1985). A ação pede a responsabilizaçãopessoal, a condenação à reparação por danos morais coletivos e a restituição dasindenizações pagas pelaUnião às vítimas.Assinama açãooprocurador regional daRepúblicaMarlonAlbertoWeichert,osprocuradoresdaRepúblicaEugêniaAugustaGonzaga, Luiz Costa, Sergio Gardenghi Suiama, Adriana da Silva Fernandes e o

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procuradorregionaldosDireitosdoCidadãoemSãoPaulo,JeffersonAparecidoDias.CalandraédelegadoaposentadodaPolíciaCivil.RequisitadoparatrabalharnoDOI-

CODI, usava a alcunha de CapitãoUbirajara. Calandra foi reconhecido por diversasvítimas como autor de torturas. Em função do seu trabalho na repressão recebeu acondecoração do Exército “Medalha do Pacificador”, em 1974. Atuou na PolíciaFederalapartirde1983,quandoodelegadodePolíciaCivilRomeuTumaassumiuafunçãodesuperintendentedessaforçaemSãoPaulo.Tumaencarregouoréudezelarpelos arquivos do DOPS, transferidos para a Polícia Federal. Consta que Calandraretiroupartesubstancialdoarquivo.No Dossiê Ditadura: Mortos e Desaparecidos Políticos no Brasil (1964-1985),publicadopelaInstitutodeEstudossobreaViolênciadoEstadoeaImprensaOficialdeSãoPaulo,encontram-seregistrosdascondutasdoréuCalandra.Seguem-se:Tortura e desaparecimento de Hiroaki Torigoe. Preso na Rua Albuquerque Lins,bairrode SantaCecília (região central de SãoPaulo), por uma equipe chefiada pelodelegadoOtávio GonçalvesMoreira Jr., vulgoOtavinho, em 5 de janeiro de 1972.LevadoparaoDOI-CODI,chefiadopeloentãomajorCarlosAlbertoBrilhanteUstraeocapitão Dalmo Lúcio Muniz Cirillo. Segundo o documento do Comitê deSolidariedade aos Presos Políticos do Brasil, intitulado “Aos Bispos do Brasil”, defevereirode1973,encontradonosarquivosdoDOPS, levaram-no feridoaoDOI-CODI.Foi intensamente torturadopela equipeB, compostapelo capitãoRonaldo,HomeroCesar Machado, tenente Pedro Ramiro, capitão Castilho, capitão Ubirajara e ocarcereiroMaurício,vulgoLungareti.TorturaemortedeCarlosNicolauDanielli.TorturadeMariaAméliadeAlmeidaTelesedeseumaridoCésarAugustoTeles.Os três forampresosemSãoPaulo,em28dedezembrode1972, e supliciadosnoDOI-CODI.Durante trêsdiasmartirizaramintensa e continuadamente Danielli os torturadores capitão Dalmo Lúcio MunizCirillo e Capitão Ubirajara, codinome do delegado de polícia Aparecido LaerteCalandra, sobo comandodomajorCarlosAlbertoBrilhanteUstra.MariaAmélia eCesarrelataramàAuditoriaMilitar,jáem1979,detalhesdasviolênciasquesofreram.“Arrastaram-nos para três salinhas separadas, duas no andar de cima e uma napartetérrea.Nessassalashaviacadeirasdodragão,ondenosamarravamelevávamoschoques elétricos por todo o corpo nu, paus de arara, palmatórias e toda umaaparelhagem para violentar o ser humano {…} Numa ocasião caí numa cama decampanha, semiacordada. Um dos torturadores aproveitou-se para se esfregar emmim,masturbando-se,jogandoesperma.Durante todoo tempoouvimososgritosdeDanielli,que foramse tornandocadavezmaisfracoseroucos.{…}NofimdosegundodiavimosDaniellijáquasemorto,nu,meiosentadonochão,encostadoàparede,comacabeçatombada,osolhossemi-

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abertoseabarrigaenorme,muitoinchada,ocorpocheiodemanchasroxaseferidas.{…}Nodia30retiraramocorponamaca.Estavatodosujodesangue:nosouvidos,boca, nariz.Danielli estavamorto.A participação do réuCalandra na sequência defatoséexplicitadanadescriçãodamontagemdafarsasobreohomicídio:nodia5dejaneirode1973oCapitãoUbirajara,chefedeumadastrêsequipesdetorturadores,nosmandoubuscaremostrou-nosumjornalondeestavaestampadaamancheteemletrasgarrafais:terroristamortoemtiroteio.Nãopudemosnos conterdiantede tamanhoabsurdo.Émentira, retrucamoscomveemência. Vocês não deixaram de torturá-lo um só instante. Ele morreu dastorturas, não em tiroteio. O Capitão Ubirajara quis nos convencer de que Daniellitinha se recuperado das torturas e saiu para encontrar um companheiro,morrendoem tiroteio com policiais. Retrucamos que saiu morto do DOI-CODI. O CapitãoUbirajara deu de ombros e disse que era a versão que dariam à morte. E quepoderíamostermancheteigual.Tambémsofremospressãopsicológica,poisusaramosnossos filhos.Umdia forambuscarJanaína,decincoanos,eEdsonLuís,dequatro.Colocaram-menacadeiradodragão, todaurinada e sujade vômito eme exibiramas crianças. Jamais esquecereiqueJanaínaperguntou:mãeporquevocêestároxaeopai,verde?”Há documentos dos presos políticosManoel Henrique Ferreira e ArturMachadoScavone,querevelamaparticipaçãodoréuCalandraemtorturasnoDOI-CODI.Estavaenvolvido nos casos de Paulo Vannuchi e Nádia Lúcia Nascimento. O deputadoNilmárioMirandadeclarouque foi torturado trêsvezespelaequipedeCalandra.Otorturadorestevepresentena torturaemortedeVladimirHerzogedeManoelFielFilho.Eteriautilizadoseucodinomeatéemdocumentosoficiais.

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Foto:FábioLazzari

ADEFORMAÇÃODALÓGICA

Asóscomasuaverdade:AntônioDelfimNettochegapontualmenteàComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzog

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CAPÍTULOX

Intimidar,umpoderespecial“Numregimetotalitáriooterroreaviolênciasãousadosparaintimidar.O

medoéseumecanismomaisimportante.”HannahArendt(1906-1975),filósofapolíticaalemã.

AntônioDelfimNetto nasceu em 1928 no então bairro industrial e de baixa classemédiadoCambuci (zona central de SãoPaulo).Trabalhou comocontínuo emumafábrica de sabonetes e conseguiu ingressar na Faculdade de Economia eAdministraçãodaUSP,àquelaépocanaRuaDr.VilaNova,quaseesquinacomaRuaMariaAntônia.AFEApartilhavacomaFaculdadedeFilosofia,CiênciaseLetrasumgrande pátio e restaurante em comum, pois ambos os prédios ligavam-se na parteinterna. Mas os alunos estranhavam-se – eram tempos exacerbados, a Economiatendia à direita, a Filosofia à esquerda. Delfim destacou-se rapidamente entre osprofessores e os colegas. Foi eleito presidente do Centro Acadêmico Visconde deCairu,em1951.FernandoHenriqueCardoso,contemporâneoeprofessorassistentedeSociologianaFaculdadedeFilosofia, lembrano seu livroAArtedaPolítica, já citado, que jovensprofessoresdasfaculdadesdeMedicina,EconomiaeFilosofiaseenvolveramemumacampanha para modernizar o Conselho Universitário. Entre outras reivindicaçõesqueriamofimdacátedravitalícia.DelfimNetto,desde1958professordacadeiradeTeoria Econômica, representava o pensamento conservador. Porém foi suplente dofuturo presidente brasileiro numa chapa apoiada por toda a esquerda acadêmica elograram eleger um reitor de mente aberta, Antonio Barros de Ulhoa Cintra, daFaculdadedeMedicina.OprofessoreeconomistadavatambémassessoriaaoIPES,àConfederaçãoNacionaldaIndústriaeapoioucomentusiasmooquedenominavarevoluçãode31demarço.A essa altura já conquistara ingresso na classe social de sobrenomes ilustres econsolidouaperspicáciaintimidantequeoprotegia.Caminhocerteiroparaapolíticaeopoder.Iniciou a carreira pública indicado pelo presidente Humberto de Alencar CasteloBranco ao cargo de secretário da Fazenda de SãoPaulo. LaudoNatel (1966-1967),vice-governador,assumiraopostodogovernadorAdhemardeBarros,cassadopelosmilitares.Delfimreduziuconsideravelmenteodéficitdaadministração160paulistaeoministrodoPlanejamento,RobertoCampos,recomendou-oparaduascomissõesemaltoníveldoGovernoFederal.Ainflaçãoem1966aindaeramuitoalta:38%.

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Quando Arthur da Costa e Silva subiu à Presidência nomeou-o ministro daFazenda, posto até então sob a responsabilidade de Octavio Gouvêa de Bulhões.DelfimmudouapolíticadeRobertoCamposeBulhões.Acreditavaqueumainflaçãoaté 15% acelerava o crescimento, se ao mesmo tempo afrouxasse o crédito,controlandopreços e salários.Com isso irritou empresários e trabalhadores–houveperdadenomínimo25%dopoderdecompra.OfatonãodiziarespeitoaDelfimeàsua equipe. Convicto tecnocrata, questões sociais e morais ligadas às políticaseconômicaspertenciamajurisdiçõesoutras,quenãoasua.NareuniãodoConselhoNacionaldeSegurança(CSN)quesancionouoAI5,em13de dezembro de 1968, quando chegou a sua vez demanifestar-se, afirmou: “Estouplenamentedeacordo{...}direimesmoquenãoésuficiente.”Miravaaliberdadequeseanunciavaparalegislarsobrematériaeconômicaetributária.A censura à imprensa foi implacável, mas Delfim Netto enxergava de longe aimportância da televisão para o governo, e conseguiu de Costa e Silva isençãotributária sobre equipamentos importados para empresas de rádio e TV. A Globomergulhou com vontade e talento nas facilidades, e usou-as para modernizar-se.Nuncamaisperdeuaprimazianamídiaeletrônicaenoimprescindívelpoderpolítico,devidoàsuapenetração.Nãodemoroueas favelasdepopulaçãopobresecobriramde antenas de televisão para entretenimento, noticiário viesado e propaganda dogoverno.Jáaimprensaescritasofreu.Censura,pressãoeconômica,perseguições.Numerososjornalistas foram presos em São Paulo, no Rio e em vários estados. No Rio, aproprietáriadojornalCorreiodaManhã,GuimarMonizSodréBittencourt,foipresa.NãohouvecomosalvarojornalquedeinícioapoiaravigorosamenteaquedadeJoãoGoulart e o golpe,mas começou a reagir quando a fúria deCarlos Lacerda levou apolícia a empastelar a Útima Hora. A condessa opunha-se também à perda dasliberdadesindividuaisimpostapeloAI1,de9deabrilde1964.Com incentivos tributários, manipulação do mercado financeiro e de dados,injeções de crédito na economia, empréstimos elevados do exterior161, controle depreçoseempenhoemreduzirocustodamãodeobra,DelfimNettoconduziuopaísaocrescimentode9ou10%aoano.Chamaram-lhemilagreeconômico.GarrastazuMédicisubstituiuCostaeSilvaeDelfimcontinuoucomosuperministro.Ocorreu, todavia,queoBancoMundialnãopôdemaisprescindirdedadoscorretose, diante das discrepâncias, afinal fez a sua própria estimativa em 1973. Calculou22,5%de inflação.Houve reações indignadas eos líderes sindicaisusaramo estudoparaprovarqueDelfimenganaraatodoscomamanipulaçãodosíndicesdecustodevida.O novo governo foi entregue ao general presidente Ernesto Geisel, que deu a

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Delfim um presente irrecusável: a embaixada de Paris. Queria-o longe. O novoministro da Economia,MárioHenrique Simonsen, teve de enfrentar a inflação e acrisedaaltadospreçosdopetróleo,quetriplicou.Naépoca,oBrasilimportavaquase80% do que necessitava. A recessão mundial aumentou o déficit da balançacomercial.AntônioDelfimNettoveioàComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzognodia25de junhode2013.Osvereadoresquestionaram-nosobrearepressãoduranteosanosemquefoiumdoshomensmaispoderososdoBrasil.

DepoimentodeAntônioDelfimNettoOSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Bomdia,Dr.Delfim.Preparamosalgumasperguntasepassoaelas.EmsabatinapromovidapelojornalFolhadeSãoPaulo,em2007, o senhor disse que não poderia ser solidário ao que ocorreu nos porões daditadura.“Umavidavalemaisdoquequalquercoisa”,explicounaocasião.OsenhorsearrependedetersidoumsignatáriodoAI5dedezembrode1968?OSr.ProfessorAntônioDelfimNetto–Não.Seascondiçõesfossemasmesmaseofuturonãofosseopaco,eurepetiria.TambémassineiaConstituiçãode1988,daqualfuirelatordeprincípios.

A Constituição de 1988, denominada Constituição Cidadã pelo presidente da Câmara dosDeputados, o deputado federal Ulysses Guimarães (1916-1992), afirma no preâmbulo quepromulga um Estado Democrático de Direito na República Federativa do Brasil, destinado aasseguraroexercíciodosdireitossociaise individuais,a liberdade,asegurança,obem-estar,odesenvolvimento, a igualdade e a Justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna,pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna einternacional,comasoluçãopacíficadascontrovérsias.Nummomentoinesquecível,apresentou-adepé,comovidoeeloquente,comaspalavras:“Senhorasesenhores,oEstatutodoHomem,daLiberdade,daDemocracia”.Abaixo,osprincípiosdosquaisfoirelatorDelfimNetto.Princípiosfundamentais:Art.1ºARepúblicaFederativadoBrasil,formadapelauniãoindissolúveldosEstadoseMunicípiosedoDistritoFederal,constitui-seemEstadoDemocráticodeDireitoetemcomofundamentos:I-asoberania;II-acidadania;III-adignidadedapessoahumana;IV-osvaloressociaisdotrabalhoedalivreiniciativa;V-opluralismopolítico.

Parágrafoúnico.Todoopoderemanadopovo,queoexercepormeioderepresentanteseleitosoudiretamente,nostermosdestaConstituição.

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Art.2ºSãoPoderesdaUnião,independenteseharmônicosentresi,oLegislativo,oExecutivoeoJudiciário.Art.3ºConstituemobjetivosfundamentaisdaRepúblicaFederativadoBrasil:I–construirumasociedadelivre,justaesolidária;II–garantirodesenvolvimentonacional;III–erradicarapobrezaeamarginalizaçãoereduzirasdesigualdadessociaiseregionais;IV–promoverobemde todos, sempreconceitosdeorigem, raça, sexo, cor, idadeequaisqueroutrasformasdediscriminação.Art.4ºARepúblicaFederativadoBrasilrege-senassuasrelaçõesinternacionaispelosseguintesprincípios:I–independêncianacional;II–prevalênciadosdireitoshumanos;III–autodeterminaçãodospovos;IV–nãointervenção;

V–igualdadeentreosEstados;VI–defesadapaz;VII–soluçãopacíficadosconflitos;VIII–repúdioaoterrorismoeaoracismo;IX–cooperaçãoentreospovosparaoprogressodahumanidade;X–concessãodeasilopolítico.Parágrafoúnico.ARepúblicaFederativadoBrasilbuscaráaintegraçãoeconômica,política,socialeculturaldospovosdaAméricaLatina,visandoàformaçãodeumacomunidadelatino-americanadenações.

O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – O senhor disse algumas vezes que aequipe econômica possuía informações sobre o que ocorria sob a influência dosministériosmilitares.Masemnenhummomentodeixoudeapoiararepressão,tantoqueassinouoAI5.OSr.ProfessorAntônioDelfimNetto–Nuncaapoieiarepressão.OAI5 tinhaumprojetoeestávamosemummomentodifícil.Ia-sereeditarumaconstituição162ehaveriaeleiçõesem1969.P–NareuniãodoCSNosenhordefendeuaindamaispoderesafimderealizarcertasmudanças.Quemudançasqueria?R–Eraprecisofazerumareformatributária.EfizemosoCódigoTributário163.Nadaavercomarepressão.P–NãohouverelaçãocomoprocessorepressivodesencadeadoapartirdoAI5?R–Claroquenão.P–Osenhorconsideraqueparaenfrentarosproblemaseconômicosdaépoca,comodesemprego, baixos salários, redução dos níveis de consumo, todos geradores de

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tensõessociais,havianecessidadederepressãopolítica?R – Na verdade, desenvolvia-se um processo de crescimento econômico. De outrolado,haviaomovimentode1968,umaagitaçãoenorme,deformaqueascondiçõesobjetivassugeriamessaligação.P–Asuaconfiançanoregimemilitareparticipaçãonelevinhamdacertezadequenãohaveriaoposiçãoporpartedoempresariadobrasileiro?R–Não.Certeza,de lugarnenhum.Nuncativecertezas.Nadaeracerto,comonãohá certezas hoje. O empresariado não tinha participação alguma na políticaeconômica nacional. Atribuo o rápido desenvolvimento que se instalou depois àseparaçãoentrepodereconômicoepolíticaeconômica.P –O senhordiz com issoqueapolíticadesenvolvidapelo regimeera separadadoconvívio,conivênciaouopiniãodoempresariadobrasileiro?R–Oempresariadotinhaasuaopinião,masnãoseobedeciaaelaparafazerpolítica.Disso,talvez,tenharesultadoocrescimento.P–Em1969,anoseguinteaodaentradaemvigênciadoAI5,foicriadaaOBANsobaestrutura do II Exército. Foi uma das maiores máquinas de repressão e tortura daditadura militar. Financiada por grandes empresários. Mulheres e homensbarbaramente seviciados e estuprados.Muitosmorreram naOBAN. O que o senhorpodenosrelatararespeito?R–Nãotenhoamenorideiasealguémdosetorprivadofinanciouisso.Nuncaouviessa história. Não havia nenhuma ligação entre a administração econômica e osistemamilitar,separadodetudoisso.Aadministraçãoeconômicasemprefoidecivis.Começou com Bulhões e Campos, depois Delfim Netto, depois Velloso. (Antes deVelloso,Simonsen.)

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Foto:FábioJrLazzari

EntreosvereadoresRicardoYoung,JulianaCardoso,GilbertoNataliniqueoquestionaeMarioCovasNeto

OSr.RicardoYoung–ProfessorDelfimNetto,osenhorparticipoudoConselhoNacional de Segurança entre 1968 e 1972, correto?Os casos de tortura e repressãoeramventilados?OSr.ProfessorAntônioDelfimNetto–Nuncaouvi,dentrodogoverno,nadasobre tortura.Em1972 aindaperguntei aopresidenteMédici: existe isso?Eledisse:“Não.Hábatalhasderuaemorregente.Presossãointerrogadosedepois julgados.”A hierarquia era muito arrumada. Tinha o presidente, o chefe da Casa Civil e osministros.Oprocessomilitareratotalmenteàpartedisso.EtemasatasdoCNS, é sóconsultar.O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – A minha pergunta é um poucosemelhante, mas vou seguir o roteiro para ouvi-lo novamente. Como ministro daFazenda,osenhoreraumdoshomensmaispoderososdoBrasil.OSr.ProfessorAntônioDelfimNetto–Éoquedizem164.P – É o que era. E quanto aos empresários paulistas, sim, transferiam fundos parafinanciar a Operação Bandeirantes. O senhor tem conhecimento das torturas, dosassassinatos, dos crimes de ocultação de cadáveres cometidos por agentes públicos,hoje classificados como torturadores cruéis, comoo ex-delegadoFleury eoCoronelUstra?R – Nunca tive conhecimento disso. Já respondi ao vereador Young. Não havia

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ligaçãoentreogovernoeesseprocesso.P–Naquelemomento,ogovernoentendiafazersentidoeliminarosesquerdistas.Ogovernodoqualosenhorparticipava.R–Queméquedisseisso?Quefaziasentidoeliminaralguém?MeuDeusdocéu!P–Masforameliminadaspessoas?R–Nãosei.Osenhoréqueestádizendoqueforam.P–Não.Estouperguntandoparaosenhor.R–Nãosei,nuncativeconhecimento.P –Nosdias de hoje, o senhor entende que crimes cometidosna época, tais comotortura, assassinato, ocultação de cadáver, devem continuar protegidos pela Lei daAnistia?R – Claro que sim. Votei pela Lei da Anistia, que foi um acordo dentro doCongresso165.Pontofinal.Sequiseremmudaraleiéoutracoisa.P–Osenhorécontra?R – A minha posição pessoal é a de respeitar a lei promulgada pelo Congresso eratificadapeloSupremoTribunalFederal.P–Peçoquesemanifestenovamente.Oregimemilitar,queosenhorrepresentavanaáreaeconômica,convocouoempresariadoacolaborarcomumacaixinhadaOBAN?R – Claro que não.O regimemilitar era uma coisa, a administração era civil.Nãohaviavinculaçãonenhumaentreosministériosmilitareseoscivis.Comoiaconvocarcaixinha?Oqueéisso!P –O senhor participou, ao lado do governadorRoberto deAbreu Sodré, de umasolenidadeemquefoicriadaaOBAN,em1ºdejulhode1969?R – Provavelmente não. Não me lembro disso e duvido que o Sodré apoiasse onegócio.JáseoSodrémeconvidouparaalgumacoisa,euteriacomparecido.P – Qual a sua opinião sobre um suposto financiamento da OBAN por gruposfinanceiros e empresários ligados, por exemplo, aoBancoMercantil, aoBradesco, àFord, à Volkswagen, à General Motors, Camargo Corrêa, Grupo Ultra, Supergel,Grupo Objetivo de Educação? O senhor teve alguma atuação nesse processo? Eleexistiu,osenhorteveconhecimento?R – Presidente, se esse processo existiu eu nunca soube dele e duvido de suaexistência. Pelos nomes que o senhor citou, tenho sérias dúvidas. Eram pessoasabsolutamentecorretas.P – Professor Delfim Netto, no livro do jornalista Elio Gaspari, A DitaduraEscancarada,háumtrechoquerelataumalmoçocomrepresentantesdebancos,em1969. Na ocasião, o senhor disse que às Forças Armadas faltavam condições

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financeiraspara enfrentar a subversão.Em seguidao empresárioGastãoVidigal, doBancoMercantildeSãoPaulo,pediu110mildólaresacadaumdospresentes.R–SóoEliopodesaber.Primeiroporquenãofoialmoço,masjantar.Segundo,como objetivo de discutir juros.Oministro da Fazenda se reúne com empresários paradiscutir taxa de juros. Sem discussão sobre OBAN, dinheiro para a OBAN. O Elioconfundiuoutemoutrainformação.O Sr. Ricardo Young – Senhor presidente, quero fazer uma pergunta ao Dr.Delfim. (dirige-se ao convidado). Na reunião em que foi decidido o AI 5 o senhorestevepresente,comojáfoidito.UmadasdecisõesdoAI-5foisuspenderodireitodohabeascorpus.Osenhor,umadasmentesmaisbrilhantesdoPaís,nãopensouqueasuspensãodosdireitosconstitucionaisdohabeascorpus retirariaos limitesdas forçasdarepressãoepoderíamosentrarnumprocessodedescontrole?OsenhorponderousobreissonoConselhodeSegurançaNacional?166

OSr. ProfessorAntônioDelfimNetto – Vereador, não há nenhuma ligaçãonecessáriaentreasuspensãodohabeascorpuseaviolênciapolicial.P–Então,paraquesuspenderohabeascorpus?R–Porqueéprecisomanterumcontrole.Nãosignificamatar,assassinar.OSr.Relator(MarioCovasNeto)–Bomdia.Obrigadoporaceitarnossoconvite.Concordo com o vereadorRicardoYoung em relação àmente brilhante deV. Exª.Pergunto:osenhornãotevenotícias,duranteoseuperíododegoverno,emnenhummomento,emnenhumaconversa,dedenúnciasarespeitodetorturasemortes?OSr.ProfessorAntônioDelfimNetto–Vocêsabia,ouviadizer.Eeupergunteidiretoaquempodiameinformar,quemegarantiuquenão,quehaviaumcombatenaruaeéoqueeujádisseaqui.Aadministraçãopública–ministériosdaFazenda,Planejamento, Minas e Energia, Indústria, Transportes – é separada. Sem ligaçãonenhuma,vínculoalgum.P – Mas houve desaparecimento de deputado. Certamente falava-se disso noCongresso Nacional. Não despertou a sua curiosidade saber o que estavaacontecendo?R – Você está se referindo ao deputado (Rubens) Paiva? Despertou, tanto queperguntei ao presidente. Existia uma confusão na história, não se tinha realmenteinformaçãoalguma.OSr.Presidente (GilbertoNatalini)– ProfessorDelfimNetto, novamentemerefiro ao livro do ElioGaspari. Ele cita, ao referir-se a Paulo EgydioMartins, entãogovernadordeSãoPaulo,que levandoemcontaoclimadaépoca, todososgrandesgruposcomerciaiseindustriaisdoEstadocontribuíramparaoiníciodaOBAN.Dissoosenhortemconhecimento.

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OSr.ProfessorAntônioDelfimNetto–OElioéumgrandeescritorejornalista,publicou um livro seríssimo, é a melhor história desse processo. Isso tem de serperguntadoaoPauloEgydio.Eunãotenhoconhecimento.P – Outras fontes, além do Elio Gaspari, informam que a Ford e a Volkswagendavam automóveis; a Ultragás emprestava caminhões; a Supergel abastecia comrefeições.Eosenhorcontinuaadizerquenãotinhaconhecimento.R – Eu era ministro da Fazenda. Nenhuma ligação com a FIESP. Se essas coisasaconteceram,eeunãoseiseaconteceram,nãoeranemdoconhecimentodogoverno.P–Osenhornãoafirmaquenãoaconteceu,masqueosenhordesconhecia.R –Não tenho ideia.Acho improvável.Mas se vocês têma informaçãochamemasfontesparafalar.P –Professor, gostaria de ter a suaopinião sobre o enriquecimento ilícito do entãodelegadoSérgioParanhosFleury,que foiumexpoenteda repressãopolíticaemSãoPaulo,umhomemextremamenteviolento,torturador,assassinoe,comodisseaestaComissão daVerdade o ex-delegadoCláudioGuerra, foi eliminado por agentes daprópria repressãoporque saíra do controle.O senhor tem alguma informação anosdarsobreisso?R–Nenhuma.NãoconheciFleury.Euouviaessashistórias.Aliás,forampublicadas.Agora,abrigaentreeles,nuncasoube.P –O senhor foi favorável à aberturapolítica ou entendequeo regimedeveria termantidoaposturafechadadostemposdeCostaeSilvaedoMédici?R – Deveríamos ter eleições em 1969. Depois do AI 5, a ideia era promulgar aConstituiçãoelaboradapelovice-presidentePedroAleixonodia7desetembro.MasCostaeSilvateveumderrame.Daíparaafrenteascoisasdesandaram.P–Osenhorerafavorávelaessaabertura.Opessoaldalinhaduranãoerafavorável.R –Todos eram favoráveis.A linhaduranunca estevenogoverno.Aocontrário,ogovernoeracontraalinhadura.Senãofosse,teríamosodiabo.P–AlinhadurapromoveuatentadoscomoreaçãoàpolíticadeaberturapolíticadosgeneraisGeiseleFigueiredo.Comoosenhoravaliou?R–Apartequeconhecidalinhaduraeraumbandodemaluquetes.P – O senhor teve alguma relação pessoal, algum encontro com o empresárioHenningAlbertBoilesen?R–ConhecioBoilesencomopresidentedeumgrupoimportantedegás,maisnada.Provavelmentepediuumaaudiência.P-No filmeCidadãoBoilesen, deChaimTedeschi, háuma cena emqueo senhorestácomelenumencontroaparentemente...

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R – Deveria estar inaugurando alguma coisa, encontrado acidentalmente, pois euconheciBoilesen,sim,eépossívelqueexistamvárias fotografias.EueraministrodaFazenda.Eeleumimportanterepresentantedosetorindustrial.P–Nasuavidapúblicacomoministro,osenhornãotinhaainformaçãodequeessehomem não só dava dinheiro e estrutura para o DOI-CODI, como participavapessoalmentedesessõesdetortura?R–Não.A Sra. Vice-Presidente (Juliana Cardoso) – Eu gostaria de fazer umaintrodução.OSr.ProfessorAntônioDelfimNetto–VereadoraJulianaCardoso.ASra.Vice-Presidente(JulianaCardoso)–Ministro,hojerecebemososenhorna Comissão Municipal da Verdade Vladimir Herzog, que tem trabalhado naorganizaçãodedepoimentos,nestemomentoemquea sociedadevive aquestãodamemóriaedaverdade.Hámuitotempofamiliaresdepessoasdesaparecidasbuscamaverdade. Não vivi a época. Conheço-a. Tanto a Comissão Nacional da VerdadequantoaEstadualaexplicitam.Ficoindignadaporqueosenhordiz:nãosei,denadatinha informação.Osenhoreraministro importante, estavaem todasas relaçõesdegoverno.Edizerquenãosabia...Nãoéfácilacreditar.Sabemoscomosãoasaçõesdegoverno, em especial na questão do financiamento. Tudo começa a partir disso e osenhortemqueterinformações.Asempresasfinanciavamatortura!Nesta foto o senhor está com o Boilesen (a vereadora mostra a fotografia ao

depoente). O grupo desse homem era de torturadores, policiais e militares. Ele iapessoalmente às sessõesdoDOI-CODI.OAI5, assinado pelo senhor, pretendia acabarcomosquedesejavamumasociedademaisjusta,democrática,deDireito.Eraprecisotorturar e matar as pessoas consideradas comunistas, pois, achavam os senhores,ocupariamopaís.Éinadmissívelqueosenhor,comoministrodaFazenda,nãotivessenotíciadoqueacontecianosporões,principalmentedeSãoPauloedoRiodeJaneiro.OSr.ProfessorAntônioDelfimNetto–Senhorpresidente,possoresponder?OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Porfavor,Dr.DelfimNetto.O Sr. Professor Antônio Delfim Netto – Vereadora, a senhora estádesinformada.Nãobuscaaverdade.EstouaquiporquerespeitooPoderLegislativo.Ninguémqueresconderoqueaconteceu,equeprecisaseresclarecido.Aafirmação“você tem de saber, devia saber” é desconhecer como funciona o governo. Não éverdadequetudocomeçanasfinanças.Tudoacabanasfinanças.Quantoàfoto,nãoprovanada.Éumaproximidadefísica.ASra.Vice-Presidente(JulianaCardoso) –Reuniõesparaarrecadação foram

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comprovadasporpessoas,issojáestánahistória.Eosenhornãoreconhece.OSr.ProfessorAntônioDelfimNetto–Jáesclarecioalmoço.Aliás,jantar.OSr.Presidente (GilbertoNatalini)–Professor, o senhor tinha conhecimentodequeagentesa serviçodogovernobrasileiro, alémdo saláriooficial, recebiamporumafolhadepagamentoparalela,depositadaemcontasidentificadasporcodinomes,nosbancosqueapoiavamarepressão,comooMercantildeSãoPauloeoSudameris?O ex-delegado Cláudio Guerra admitiu a esta Comissão da Verdade que recebiamporfora.OSr.ProfessorAntônioDelfimNetto–Nãotinhaconhecimento.Maséfácildeverificar.Ésóverificarnacontabilidadedessesbancos.P-Aquestãopropostanãocontémverificação.Masoconhecimentodoministro.R–Nãotinhaconhecimento.P–CláudioGuerranosdissequehaviaumairmandade,deex-agentesdarepressãopolítica. Ativos. Articulavam-se. Ele mesmo foi ajudado financeiramente pelaorganizaçãoaté2005.Osenhorjáouviufalar?R–Não,não.(Manifestaçõessimultâneas.)OSr.RicardoYoung – Professor Delfim, qual era o seu relacionamento com ogovernadorPauloMaluf?OSr.ProfessorAntônioDelfimNetto–Muitobom,comoatéhoje.Souamigodele.P – Durante o governo dele, com a intimidade natural que ambos tinham comempresáriospaulistas,conversaramsobrearepressão?AOBAN?R–Não,nunca.NemcomoPaulonemninguém.P –Os banqueiros, principalmente o Vidigal, nunca suscitaram o assunto?Mesmoquando o aparelho de repressão começou a prender gente importante, como ojornalistaCláudioAbramo,queosenhorconhecia?R–CláudioAbramofoimeuamigoíntimo.Deixeeulhedizer.OGastãojámorreu,obancofoivendido,masosregistroscontinuam.TenhosériasdúvidasdequeGastãosemetesseemcoisascomoessa.Osenhoroconheceu?P–Não.Sópublicamente.OSr.ProfessorAntônioDelfimNetto–OGastãopoderiaserumlordeinglês.Éverdade que os lordes já não eram grande coisa... É pouco provável que o GastãoVidigal e outros banqueiros de São Paulo, o João Melão, o Ademar de AlmeidaPrado,oQuartimBarbosasemetessememcoisascomoessa.O Sr. Ricardo Young – O senhor disse que foi amigo do Cláudio Abramo.

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DesconhecequeficoupresonoDOI-CODIporumasemananomínimo?R–OCláudionuncafaloucomigosobreisso.Aliás,conheci-oposteriormente,comosecretáriogeraldaFolha.Nuncasoube.O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – Uma pergunta, professor, que nos foienviadaporIvoHerzog,filhodoVladimirHerzog.(dirige-seaospresentesnaplateia)Sealguémquiserperguntar,mandeporescritoque,namedidadopossível,dentrodotempo,perguntamos.(volta-seaoprofessor)Emoutubrode1975osenhorocupavaocargodeembaixadordaFrança.Nodia25morreunoDOI-CODIojornalistaVladimirHerzog,conhecidocomoVlado.Emsuaopinião,Herzogfoimortoousuicidou-se?OSr.ProfessorAntônioDelfimNetto–Osenhortemdeapurar.Nãopossoteropinião sobre um fato que desconheço, e a Comissão da Verdade está apurando.Achoquedeveserapuradomesmo.P–AopiniãodeSilvaldoLeungVieira, fotógrafodacenaemqueVladimirHerzogaparece morto, é que ele foi pendurado naquele cinto depois de morto. Era umaencenação,umafraude.Eosenhornãotemopinião?R–Não.EuestavaemParis.Comosaberiadealgumacoisa?P –O senhorpodenosdizer algumacoisa sobreo empresárioGeraldoResendedeMatos, conhecido nas dependências do DOPS, homem de confiança de Nadir DiasFigueiredo,daFIESP,entre1960e1980?R–NemseiqueméesseGeraldo.Nadirconheci.P – O senhor, claro, tinha relações com setores empresariais do Brasil. Teveconhecimento ou participou de alguma articulação que possibilitou um encontrocomoode9dedezembrode1970,nasededoIIExército,noIbirapuera,quandoogeneral Ernani Ayrosa, chefe do Estado-Maior, recebeu empresários? Boilesen, daUltragás;PeryIgel,dogrupoUltra;SebastiãoCamargo,ConstrutoraCamargoCorrêa;JorgeFragoso,Alcan;Adolphoda SilvaGordo,BancoPortuguês;OswaldoBallarin,Nestlé; José Clibas de Oliveira, Chocolates Falchi; Walter Belian, CompanhiaAntarctica; Horácio Chercassky, Associação Paulista dos Fabricantes de Papel ePapelão; Ítalo Francisco Taricco, Moinho Santista; Paulo Ayres Filho, PinheirosFarmacêutica.EsteescreveuaogeneralAyrosaumacartaemqueagradeciaoconviteeofatodecolocá-losapardetudo.Ogeneralmencionaraascontribuiçõesàcausaeàsoperaçõesemcurso.R – Conheci quase todas as pessoas que o senhor mencionou, mas não tinhaconhecimentodessareunião.P – O senhor nos diria, ministro Delfim Netto, que nenhuma dessas pessoascontribuiuparaajudaresustentarosistemarepressivoqueoExércitomontounoDOI-CODI,omesmomontadonoDOPScomodelegadoFleury?

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R–Seofizeramnãotenhoomenorconhecimento.P–Podemterfeito?R–Nãosei.Éprecisoperguntaraeles.P – Queria que o senhor, que eu diria ser o segundo homem do sistema naquelaépoca,osenhormandavamuito,dissesseoquepensaarespeito.R–Issoéhistória(sobreopoderquedetinha).Osenhoréquepensa.P – Eu penso. O povo brasileiro pensa também. O senhor tem conhecimento deatuaçãodoAmadorBueno,doBradesco,edojuizNicolaudosSantosNeto,oLalau,naajudaàquelasoperações?R–OLalau,nãoconheço.OAmadorconhecibem.Tirarumtostãodeleiasermuitodifícil.P–Elepoderia tirardeoutros, semcontribuirpessoalmente.Bem, caminhoparaofinal.Antesperguntoaosenhorse teve ligaçãocomPauloHenriqueSawayaFilho?167Elefoiseuassessor?NoMinistériodaFazenda,duranteogovernoMédici?R–ConhecioPauloSawaya.Empresário.Tinhaumaempresadebiotecnologia168.Aliás,noestadodaartenessamatéria.Depoisquebrou.Duvidoquetenhasidomeuassessor.Achoquenuncafoifuncionáriopúblico.P –Transitavamuito entre os empresários e a partir de 1969 atuava junto àOBAN.Depois, em1970, frequentavaoDOPS e oDOI-CODI deSãoPaulo169.O senhor tinhaconhecimento?R–Não.A Sra. Vice-Presidente (Juliana Cardoso) – Consta que Paulo HenriqueSawayaFilhotrabalhavanoMinistérioeeraassessor.OSr.ProfessorAntônioDelfimNetto–ÉsóiraoMinistérioeverificar.Afirmoquenuncafoiassessor.P–IamuitoaoDOPS,apresentava-sedediversasformas:oradelegado,oradoSNI,oraassessor.NoseuMinistério.R–Não.Epelojeitopertenciaatodososministérios.P–Qualeraafunçãodele?R–Nuncafoiassessor.Conheci-ocomoempresáriodebiotecnologia.Maseleestáaí,convide-o170.P –Não arrecadava recursos, com ajudadoMinistério, para financiar os órgãos derepressão?R– Isso não faz sentido. O Ministério só cuida de verba que está no orçamentofederal.ConhecioSawayacomoempresáriodebiotecnologia.Essas ligações,o SNI...nãotenhoamenorideia.

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OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Vamosemfrente.ProfessorDelfimNetto,esseSawayaestevenoDOPS47vezes.ApenasumavezeleseidentificoucomoassessordoministériodaFazenda.Estánosregistros.Osenhordizquenuncafoiseuassessor.Tudobem.Estourelatandoaosenhorasinformaçõesqueagentetem.R – Nunca foi assessor. Todas as folhas de pagamento do Ministério da Fazendaestãoarquivadasemlugarcerto.OSawayadeveterdeclaraçãoderenda.Serecebeualgumrecursotemdeestardeclarado.O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – Comunico que se encontra aqui overeador Eliseu Gabriel, secretário do Trabalho do Município de São Paulo. Overeador Rubens Calvo está conosco. Os vereadores Andrea Matarazzo, NabilBonduki.Minhaúltimapergunta,professor.EmílioIvoUlrich,ex-presopolítico,deu-nos um depoimento.Ouviu a festa de noite inteira noDOI-CODI que comemorou amorte deYoshitane Fujimori, daVPR.O carcereiro disse que houve a presença degente ilustre e premiação a todos. Ulrich teve de limpar a sujeira da festa no diaseguinte, inclusive restos fisiológicos dos participantes.O senhor teve conhecimentodealgumacomemoraçãodessetipo?171

OSr.ProfessorAntônioDelfimNetto –Acho isso uma coisa tão bárbara, tãoabsurdaquenemacredito.Se tivesseassistido,nãoacreditaria...quediabo!Pipocas!Ummínimoderespeito!Nãoseiseissoaconteceu.O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – Ulrich estava preso ali, testemunhou,ouviuafesta.OSr.ProfessorAntônioDelfimNetto–Recolheuolixo.Presidente,eletemdemostrarasprovas,coisatãobárbaraqueduvidotenhaacontecido.P–Aminhaperguntaeraseosenhortinhaconhecimento.R–Não.P–Perguntoaossenhoresvereadoressealguémmais temperguntaparaestaoitivada Comissão Municipal da Verdade Vladimir Herzog. (pausa) Pela ordem, overeadorMarioCovasNeto,relatordaComissãoMunicipaldaVerdade.OSr.Relator (MarioCovasNeto) – Professor, o que podemos extrair do seudepoimentoéqueosenhorparticipouativamentedapartecivildogoverno,quenãofezparteda linhaduranemteveconhecimentodenadadoqueocorreuemtermosdetortura,definanciamentodetortura,demortesnaqueleperíodo.Éisso?OSr.ProfessorAntônioDelfimNetto–Éisso.P–Osenhorteriaalgoparanosajudaraesclareceraverdadenaqueleperíodo?R – Acho que vocês devem convidar todos os que possivelmente tenham algumainformaçãoparaesclareceraverdade.EuestouaquiprestandoumserviçoàComissãodaVerdade.Estacomissãotempapelimportanteparareescreverahistória.

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P – O objetivo de minha pergunta é se o senhor, apesar de dizer que não teveconhecimento de nada, tem alguma sugestão de pessoas que possam esclarecer osfatos.R–Nãotenho,vereador.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Pelaordem,vereadorRicardoYoung.OSr.RicardoYoung – ProfessorDelfim, com todo o respeito à sua biografia einteligência, eu vivi a minha adolescência e idade estudantil quando o senhor eraministro da Fazenda e do Planejamento. É grande a dificuldade de acreditar emdisciplina tal que aprincipal figura civil, umdosúnicos civispresentesnoConselhoNacionaldeSegurança,ignoravaatortura,arepressão,aperseguiçãodeestudantes,odesaparecimento de políticos, de pessoas. O senhor era extremamente bemrelacionado,nãosócomossetoresmilitarescomocominfluentessetorescivis.Senóstomarmosoqueosenhordissecomoverdade,estacomissãoajudaráaobscurecerahistóriaenãoaesclarecê-la.Nãoseiporqueosenhordizignoraracontecimentosdosquaiscertamenteouvira falar.Seosenhorachaquecontribuiaoesclarecimentodosfatos, há uma profunda discordância deste vereador. Eu sinto muito! Acho que abiografiadosenhormereceriamuitomais172.(discussõesforadomicrofone)OSr.ProfessorAntônioDelfimNetto –Vereador, eudeiomeudepoimento.V.Exª.podejulgaroquequiser,éoqueaconteceu.V.Exª.quercriarumaverdade.Haviaamaisabsolutaseparação.Nomeugabinetenuncaentrouumoficialfardado.Não existia nenhum vínculo entra as administrações, nenhum. E tem as atas doconselho,vereador.Hoje, comaLeideTransparência, é só requisitarasatase tudoestarálá.ASra.Vice-Presidente(JulianaCardoso)–Desculpe,ministro,maisumavez.Achoqueosenhorfazumdesserviçoaonãotrazeraverdadedosfatos.Sabemosquenos documentos (no caso, as atas mencionadas, mas referindo-se a demaisdocumentos citadospelodepoente) só se colocavaoqueos senhoresqueriam.Muitonãoseregistrava.Então,comtodoorespeitoàcomissãoeaosenhor,portervindo,senos basearmos no seu depoimento, não chegaremos à verdade. Só a alcançaremosgraças às pessoas que se dispõem a vir aqui e falar das torturas que sofreram, ou acontaraverdadesobreosparentesdesaparecidosporcontadosdesserviçosquevocêsfizeramaoBrasil,torturandoequerendocalaravozdopovo.OSr. Professor Antônio DelfimNetto – A sua proposição é simplesmente aseguinte:eusouaportadoradaverdade.Meusparabéns.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Ministro, temosduasquestõesque foramtrazidas agora. O senhor conheceu o cônsul americano em São Paulo, Claris

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Halliwell?Eleparticipou,noDOPS,deinterrogatórios?OSr.ProfessorAntônioDelfimNetto–Nãocreioqueotenhaconhecido.P – Outra pergunta: qual foi a sua relação com Raphael de Souza Noschese,presidentedaFIESPentre1963e1966,umdos fundadoresdogrupopermanentedemobilizaçãodaFIESPcomaEscolaSuperiordeGuerra?173Eleparticipoucomosenhordogrupodeestudosedoutrinadogrupodetrabalhoeação,GTA,doIPES.Osenhorsabia que as atividades do GPI (grupo de política industrial) da FIESP tinha estreitorelacionamentocomosistemarepressivobrasileiro?R–ORaphaelNoschese,meuchefecomosecretáriodePlanejamentodeSãoPaulo,presidiaaFIESP.Semligaçãocom IPES.Comcoisanenhuma.Podeatéteracontecido.SeriaprecisoqueoNoschesetivesseduasvidas.P–Caminhoparaofimdanossareunião.ProfessorDelfimNetto,fuipresopolítico,torturado no DOI-CODI. Inclusive pelo próprio major Ustra. Em 1972 eu era umestudante. Na Comissão Nacional da Verdade, em Brasília, ele me chamou deterrorista.Depoisda sessãoeudissea elequenunca levanteiamãoparaprejudicarninguém, nunca dei tapa em ninguém, desde os oito anos nãomemeto em brigapessoal. Não aceito aquele adjetivo. Era uma luta que eu considerava democrática,ministro.E aqui estou. Presido a comissão junto commeus colegas vereadores, não temosnenhuma intençãodereplicaràspessoasoquenos infligiram.Oquebuscamos?Osfatos,quais as aplicações,noque implicavam,as ramificaçõesequemparticipava.Osenhor nos deu várias respostas hoje, o senhor tem todo o direito, não podemosconvocá-lo,o senhor foiconvidado,o senhoraceitouoconvite.Sinceramente,acheicorajosoosenhorsesubmeteraestaaudiência.Com todo o respeito, deixo claro que discordo de uma série de suas respostas.Vamos buscar, pormeio do relatório do vereadorMario Covas Neto, costurar issotudo e encontrar o máximo de verdade do que aconteceu na nossa cidade. Nãodispomos de predestinação e nem é de nossa alçada julgar e condenar ninguém.AComissãodaVerdadenãotratadisso.Buscaraverdadeedizeraopovobrasileirooqueaconteceutemoobjetivoprimeirodequenuncamaisvenhaaocorrer.Osenhoréumhomemmuitovivido.Todosnós,aquinestasala,somosvividos.Masatortura,professor,nãofoisódeunsmaluquetes,como o senhor falou, referindo-se à linha dura174.O general Humberto de SouzaMello, à época comandante do II Exército, visitou oDOI-CODI aomenos duas vezesenquantoestivepreso,em1972.Fardado,foivisitaropaudearara.Vigentesairdeláarrastada,morta.TivemosaquiodepoimentodeSaritaD’ÁvilaMello175,asobrinhado general Ednardo D’Ávila Mello, comandante do II Exército quando VladimirHerzog foiassassinado.Ogeneral sabiade tudoeentrounasalade torturaquando

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elaiatomarchoque.Osenhormedesculpe,conheço-o,asuacapacidadeprofissional,ainteligência,masconcorde comigo que é quase impossível aceitar que o senhor, no seu cargo, nãosoubessedastorturasedosofrimento.Difícilentenderasuaassertiva.Queriaqueosenhorentendessetambémoladodasvítimasdoprocesso.Termino e repito: não caçamos bruxas e jamais faríamos comoos que cometerambarbaridades. Somosdiferentes.Não temosomesmocaráter, amesma formação.OBrasil não podia agir assim com o seu povo. Opositores que radicalizaram, os queforam à luta armada, talvezmorressemno combate, na refrega, o que já aconteceumuitas vezesnopaís.Masprender,desarmar, torturar até exaurirum indefeso, issomanchouanossahistória.(palmas)O Sr. Professor Antônio Delfim Netto – Simplesmente quero dar a minhasolidariedadeaosenhor.Souafavordequeseapuretodaaverdademesmo.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Muitoobrigado.Estáencerradaasessão.InformaçõessobreaeconomiaemThomasSkidmore,Brasil:deCasteloaTancredo,páginas143a147.EditoraPazeTerra,1989.JohnWellseJ.Sampaio,EndividamentoExterno–Umanotaparadiscussão.Cebrap–BibliotecaVirtual.ReferênciaàConstituiçãode1967,quegarantiraaimunidadedosparlamentares.Tentou-sesuspendê-la.Estessenegaramaobedecer,emvotaçãode216votoscontra141.OdiscursohistóricododeputadooposicionistaMárcioMoreiraAlvesfoiopretextoparaefetuar“acontrarrevoluçãodentrodacontrarrevolução{...}UmdosaspectostrágicosdoAI5foiodereforçaratesedosgruposdelutaarmada”,segundoBorisFaustoemHistóriadoBrasil,obracitada,página409.ParaElioGaspari,aConstituiçãoeraautoritáriademaisparaquemficoudeforaedemenosparaquemestavadentro.ADitaduraEnvergonhada,obracitada,página278.Resumidamente:menorparceladaarrecadaçãoparaestadosemunicípios;reduçãodoscustosdamãodeobra;cortesderecursosfederais;manipulaçãodomercadofinanceiro;cobrançaorganizadadeimpostoderenda;aumentodosinvestimentosestrangeiros;créditosespeciaisparaaproduçãoindustrial,agrícolaeimobiliária;crediáriofacilitadoparaitenscomotelevisoreseautomóveis;reduçãodeimpostossobrelucrosdevendasexternas.ResultounoPIBelevado.ThomasSkidmore,emBrasil:deCasteloaTancredo,obracitada.OautorconsideraqueoBrasilfoidivididoparatrêsvice-reis:oministrodoExército,OrlandoGeisel,cuidavadosassuntosmilitares;oministrodaFazenda,DelfimNetto,dosassuntoseconômicos;ochefedaCasaCivil,LeitãodeAbreu,dapolítica.OstecnocratasdaequipedeDelfimocupavamospostosnosbancos,empresasdeserviçospúblicoseoutrasinstituiçõesdoEstado.Página216.EleitodeputadofederalporSãoPauloem1987peloPDS,oPartidoDemocráticoSocial,sucessordaARENA.Reeleitoquatrovezes,aúltimaem1990.NolivroADitaduraEnvergonhada,citado,ElioGaspariescrevequeDelfimNettosereferiaaosagentesdarepressãocomo“atigrada”.Página345.BernardoKucinski,embuscadesuairmãAnaKucinski,recebeudePauloHenriqueSawayaFilho,em3dejaneirode1975,nacondiçãopresumidadeagentedoserviçoderepressão,ainformaçãodequeelaforapresaetransferidadajurisdiçãodoIIExército.“Ficoudemedardetalhesnodiaseguintequando,assustado,negoutudo”,declarouKucinskiàComissãoEspecialsobreMortose

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DesaparecidosPolíticos(CEMP),criadapelaLei9.140/1995eligadaàSecretariadeDireitosHumanosdaPresidênciadaRepública.)Embrabio–EmpresaBrasileiradeBiotecnologiaS/A.Encontra-senosarquivosdoautorElioGasparireferênciaàsimpressõesdePauloHenriqueSawayaFilho,doDOI,apósamortedeVladimirHerzog,noInforme247doSNI,de29deoutubrode1975.Mençõesemrodapésnaspáginas174e176nolivroADitaduraEncurralada,obracitada.Foraconvidado,portelefone.Recusou-seacomparecer.MarivalChavesDiasdoCanto,quefoifuncionáriodoDOI-CODI,emdepoimentoàComissãoNacionaldaVerdade,informouque,duranteagestãodomajorCarlosAlbertoBrilhanteUstra,cadáveresdemilitantesmortoseramexibidoscomotroféusaosagentesdoórgão.DiasdoCantodissequeexpuseramassimocadáverdeYoshitaneFujimori.NolivroADitaduraEscancarada,citado,ElioGasparidescreveumdiálogohavidoentreDelfimNettoeosecretáriointerinodogovernoamericano,ElliotRichardson,emWashingtonD.C.Cautelosamente,osecretáriodisse-lhequeatorturapoderiaafetararelaçãoentreosEUAeoBrasil.Oministrorespondeu:“naextensãoemqueocorre,atorturanãoéapoiadapelogoverno,quenomomentoconduzumainvestigaçãoarespeito”.Nãoconduzia.Comofonte,ElioGasparidáumtelegramadoDepartamentodoEstadoàembaixadanorte-americanaemBrasília,nodia26demaiode1970.Páginas284e285.Leia-se,nocapítuloIII,odepoimentodocoronelErimáPinheiroMoreirasobreasmaletasdestinadasaogeneralAmauryKruel,cheiasdedólares.NadissertaçãodemestradoemHistória,daUniversidadeFederaldoRioGrandedoSul,TaiaraSoutoAlvesmencionaalistadetorturadoresliberadapeloBrasil:NuncaMaisnodia21denovembrode1985.Entreeles,algunsmilitaresquedetinhamaltasposições.EscreveelaqueoentãogovernadordoRiodeJaneiro,LeonelBrizola,demitiuosqueestavamsobsuajurisdição.DepoimentonocapítuloVII.

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Foto:MGomes/CMSPPAVIOMEIOCURTO

PauloEgydioMartinsentreosvereadoresMarioCovasNetoeGilbertoNataliniàesquerda,RicardoYoungeRubensCalvoà

direita:choquescomocomandantedoIIExército,humorecertoclimadearrependimento

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CAPÍTULOXI

Temposdeintriga“Ditadorescavalgamtigresdeumladoaooutro,semousardesmontá-los.E

osoutrostigresestãoficandocomfome.”WinstonChurchill(1974-1965),estadistainglês.

Em junhode 1975houveuma reunião secreta entre o generalGolberydoCouto eSilva, chefe da Casa Civil da Presidência da República, e os deputados federaisUlysses Guimarães e Thales Ramalho176. Constituíam lideranças da oposição tidacomo responsável pelo governomilitar.A reunião foimaquinada porThales e pelomarechalOswaldoCordeirodeFarias177,quecondenavaosradicalismosdeesquerdaededireita178.Reuniõessecretasquevisavamoafrouxamentodoregimeocorreram,portanto, meses antes de Juscelino Kubitschek saber do assunto, como vimos nocapítuloIV.OmarechalCordeirodeFariassugeriaumnomecivilparasubstituirGeisel,quandoterminasse o seu termo: o engenheiro Paulo EgydioMartins. O governador de SãoPaulo (de 15demarçode 1975 a 15demarçode 1979), eleito indiretamentepeloColégio Eleitoral, pertencia ao grupo do general presidente Ernesto Geisel e deGolbery. Já atuara emvárias situações.Uma, que levou à suspensãoda censura aosjornaisOEstadodeSãoPauloeJornaldaTarde,dafamíliaMesquita,emSãoPaulo.Outra, que se precavia de conspirações da linha-dura contra Geisel e a si próprio,contatandoaliadosemMinasenoRioGrandedoSul.Amovimentação terminouquandoUlyssesGuimarãesdetectouqueogovernodeGeiselnãoabririamãodospoderesexcepcionaisdoAI5, emespeciala suspensãodohabeascorpus.Equeapretensãosubjacenteeraadedissolverospartidos,porqueaseleições futuras, em1978, pendiampara a oposição.ComentáriodeUlysses, depoisdeumdiscursoqueolevouatemerumacassação:“Queingenuidadeaminha,pediraosdonosdopoderareformadopoder179.”ObservaçãodeElioGasparinolivrocitado,rodapé: “A cassação reprisaria a fúria punitiva que se seguiu à edição doAI 5. SuaprincipalvítimaseriaopresidentedaRepública,nãooMDB.”AvivênciamaisdifícilparaogovernadorveiocomoassassinatodeVladimirHerzognoDOI-CODI.PauloEgydiodescobriu,desnorteado,queacusavamojornalistadeseroseu braço direito e agente secreto da KGB, a principal agência de segurança da ex-URSS180.RodolfoKonder,JorgeDuqueEstrada,PauloMarkuneAnthonydeChristo,amigos e colegas jornalistas deVlado, aindapresos, ouviramdeum torturador esserelatodelirante.Markuninterveio,dizendoqueVladosequerconheciaogovernador,

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aoquetodosouviram:“Vocêsnãosabemdenada.”Antes de Vladimir Herzog ser aprovado para a direção do telejornalismo daCultura,ogovernadorsubmeteraoseunomeaoSNI.Quandooassassinaram,PauloEgydio foi visto ao telefone, segundo Fernando Pacheco Jordão em dossiê Herzog,citado181, chorando, a reclamar: “Vocêsme garantiram que a ficha dele era limpa.Vocêsmegarantiram!”Jordãolembraqueumasemanadepois,naediçãodojornalOEstadodeS.Paulo de7denovembrode1975,ogovernador recuouao sugerir, ementrevista, que Vlado era desequilibrado mental, submetido a tratamentos médicopsiquiátricos–umnonsense.Vladofaziapsicodrama182.

DepoimentodePauloEgydioMartins(resumo)O presidente da Comissão Municipal da Verdade Vladimir Herzog, GilbertoNatalini, dá as boas-vindas ao ex-governador de São Paulo, o engenheiro PauloEgydio Martins, no dia 26 de novembro de 2013. O convidado alegra-se com apresençadorelatordaCMVVH,vereadorMarioCovasFilho.RelembraimediatamenteopolíticoMarioCovas,ex-governadordeSâoPaulo,eaamizadequeosuniu:“Começouquandominha famíliamorouemSantos e euandavanabicicletadele.Emprestada.ColaboreicomMarioCovasquandofoicassado(em1969,comoAI5183).Houve até um episódio, enquanto ele era da oposição e eu,ministro.Combinamosjantar juntosumavezporsemana,emumdaquelesrestaurantesdeBrasília.Foiumescândalo. O Roberto de Oliveira Campos184 me disse que o único deputado emquemeuprecisavaprestaratençãoeraoMarioCovas.Consideroo seugovernoumdosgrandesdeSãoPaulo”.OSr.Presidente (GilbertoNatalini)– Emnome de todos os vereadores destaComissão,agradecemosaosenhorporcomparecer.Osenhortem85anos.Nãoéfácilviratéaqui.Garantimosaosenhorquetrabalhamoscomespíritorepublicanoneutro.Sinta-se à vontade, responda livremente. O seu depoimento é muito importante.Passoàsperguntas.Governador,comoosenhor lidoucomacensuraà imprensa?Emmaiode1978oprogramaVoxPopuli,daTVCultura,quis entrevistarLula,presidentedoSindicatodosMetalúrgicosdeSãoBernardodoCampoeDiadema.OSNItentouimpedir.OSr.PauloEgydioMartins–Osenhorcitouumexemplosignificante.Oentãodiretor da TV Cultura, Paulo Roberto Leandro, ia começar o programa quandosurgiram elementos do SNI, comunicando que o programa fora suspendido.Telefonou-me e perguntou o que fazer. Eu disse para levar o programa ao ar. Ofuturopresidentepôdefalarlivremente.Nadaaconteceu.Não pude lutar contra a censura em todos os fronts, mas criei uma comissão

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chamadaSEADE185.Comumúnicopropósito:atransparênciatotaldogoverno.Opovopaulistapôdeseinformarsobrecomosegastavaoorçamento,oandardasobras,qualonúmerode funcionáriospúblicos, alémdenumerososoutrosdados.NomeeiumapessoainsuspeitaemecriticaramporqueteriapertencidoaoPCdoB.Instaleiaoladodomeu Gabinete uma Sala da Situação, na qual eu tinha acesso direto a todas asinformações do SEADE. Quanto à grande censura, nada a fazer, exceto publicarCamões,comoojornalOEstadodeS.Paulo.P – O senhor disse ao jornalista Elio Gaspari, como se lê no livro A DitaduraEscancarada,quetodososgrandesgruposcomerciaise industriaisdoEstadodeSãoPaulocontribuíramparaaOBAN.OsenhorconfirmaoqueinformouaoGaspari?R – Totalmente. Se o senhorme perguntasse quem não contribuiu eu não saberiaresponder.Quem contribuiu? Eu diria todos.Vários grupos se destacaram.Um, deTheodoro Quartim Barbosa, presidente do Banco do Comércio e Indústria de SãoPaulo.Outro,deGastãoEduardoBuenoVidigal,doBancoMercantildeSãoPaulo.A cada discurso do Jango aumentavam as contribuições. O discurso do Jango noClubedosSargentosdeveterresultadoemXdoações;noCampodeSantana,YvezesX.Quandohouveolevantedaarmada,YvezesXvezesZ186.Pessoas ligadasao IPES(capítuloVI)contribuíramaoníveldosbanqueiros.Emdinheiro.P–AsdoaçõeseramfeitasdiretamenteaosoficiaisdoExército?R-NinguémnoExércitopediriadoações.EntregavamaoscoronéisdoEstado-MaiordoIIExército.Dinheiroeoutrasdoações.Participeideformaindireta.EueradiretordaAssociaçãoComercial. Trabalhávamos junto com a Federação das Indústrias e aSociedadeRural.O IIExércitoestavanochão, semverbaparacompraeequipagemdoscaminhões,sempneus,carburadores,gasolina.Monteiumgrupodecoordenaçãoe as fábricas desses produtos doaram para recolocar o II Exército em condiçõesoperacionais.Contoucomamaiorboavontade.AreequipagemdoExércitoocorreujáno fimdoprocessoconspiratório.ApesardeogeneralAmauryKruel seramigoecompadredopresidente.Tudofeitoàsescâncaras.P –O senhor está falandode1964.Edepoisde1969,namontagemdaOBAN e doDOI-CODI?R – Desconheço especificamente. Mas não vejo razão nenhuma paradescontinuarem.P–Écorreto,deacordocomosenhordiz,chamarmosoregimededitaduracivilemilitar?R – Quisera eu poder dizer que sim. A conspiração civil militar não era paraimplantarumaditadura.Comoparticipeidesdeoinício,possoafirmarqueobjetivavaderrubar um presidente constitucionalmente eleito, sim. Saber-se da gravidade do

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ato,sim.ParaevitaracubanizaçãodoBrasil,sim.Paramilitaresexercitaremopoder,não.Amudança ocorreu namadrugada de 31 demarço e até hoje não foi estudada.Temgrandeparticipaçãodeoutroatopoucoestudado,oAI2,quelevouCostaeSilvaa suceder Castelo Branco. Revelou aosmais próximos dos eventos a divisão dentrodas Forças Armadas. Nós, civis, a desconhecíamos completamente. Vivíamos umespíritocivilantiditatorial,antigolpista.OspronunciamentosdeJangonos levaramajulgar que se constituiria um estado socialista, sindicalista, nosmoldes de Cuba. Jáhouveraoepisódiodaespadadeouro187.Querdizer,nós,civisdomovimento,fomostraídos.Nuncanosdisseramquenossaparticipação seriausadapara implantarumaditaduramilitar.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–OsenhorpodenoscontarcomochegouaserindicadoparagovernadordoEstado?Perguntoemrelaçãoàsarticulações.OSr.PauloEgydioMartins–EueramuitoligadoaoJulinho(JúliodeMesquitaFilho), do Estadão, muito mais velho. Um dia ele me comunica que o presidenteCastelo Branco nos convidou, e ao seu filho Ruy Mesquita, a jantar no palácio.MandariaoaviãodaFABnosbuscar.Estranhei,emborafosseumahonra.Ojantarfoiáspero,difícil. Júlio erahomemde forteopinião. Intervimquandoacheinecessário,poucopodiadizer.Quandoterminouo jantar,oRuyeeufomostomarumdrinquenoHotelNacionalecomentamos:“Anossarevoluçãoacabou.” Isso,unsdoismesesdepoisdeCasteloestarnopoder. “Acabou,nãohámaisvozes,nossos telefonesnãotocammais,estamosemumaditaduramilitar.”OJúlio,depois,disseomesmo.Eu tinha bastante contato comomarechalCordeiro de Farias, noRio, por razõesfamiliares.PercebiaquesuasopiniõesdivergiamdasqueouvimosdeCastelo.ConcluíqueoExército estavadividido.Certo sábado,umemissáriome convidou a visitar opresidenteCasteloBranco.NoencontroelemeconvidouparaMinistrodaIndústriaedo Comércio. Relutei muito. Disse que poderia ser útil como engenheiro, noMinistériodeViaçãoeObrasPúblicas.Eleretorquiu:“Osenhordácontadorecado.”Pediparapensar,poiseradiretordeseteempresasepresidentedaAlcoa(AluminiumCompany of America), a maior produtora de alumínio do mundo, que eu estavaimplantandonoBrasil.Respondeu:dou-lhedoisdias.É impossível, argumentei.Nofim acertamos emuma semana e, com38 anos, fui oministromais jovemehoje oúnicovivodosministrosdoCastelo.Pela juventudeentrosei-mecomarapaziadadaCasaMilitar – tenentes, capitães, majores. Eu lutava caratê, aluno. Eles brincavamcomigo de lutar caratê. Amigos, ouvia deles referências a terceiros com osmaioresadjetivos da época. Percebi a existência de divisãomais profunda ainda do que euidentificava,poisvinhadefora.TiveumdesentendimentocomJúliodeMesquita,quedecidiuseroposiçãototalao

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governo.Julgueiumerro.Argumentava:nãovamosficardefora,impossívelderrubarumgovernomilitar.TemosdesaberoquesepassaporqueoExércitoestádividido.OElio Gaspari, que é meu amigo, concorda e discorda. Diz: “Dividido quandoconvinha,unidoquandoconvinha.”Atépodeserverdade,masexistiaadivisão.PelopodersemeleiçõessebatizoualinhaduradeSorbonne,porcausadaEscolaSuperiordeGuerra.CostaeSilvaafirmavaqueacorrupçãoeoscomunistasimpediamoBrasilde ter regime livre, o país não estava preparado. Tinha de ser tutelado. Já Castelopregavaabertamentequequeriarealizareleições.Participeideconspiraçãodentrodeconspiração,seéquesepodeusartalpalavra.Adivisãodesaguounaanistia,discutidamuitasvezesnogovernodeGeisel.AdemardeQueiroz188brigava,comaconcordânciadeCordeirodeFaria:precisamosdeanistia,marcaradatadaseleições.O Sr. Ricardo Young – Governador, o senhor participou do governo paraconspirardentrodeumaconspiração.Algunsanosdepois,quando jágovernavaSãoPaulo, no tempo de Geisel, surgiu um movimento civil e uma de suas principaisexpressõesfoioentãoministrodaIndústriaeComércio,SeveroGomes189.Culminoucomapropostadeumacandidaturaalternativa,dogeneralEulerBentesMonteiro190.QuaisasrelaçõesdosenhorcomSeveroGomes?OSr.PauloEgydioMartins – Severo, um irmãomeu.Contraparentedeminhaesposa.FomosministrosnofinaldogovernoCasteloBranco.Ele,daAgricultura.Nosdávamosmuitíssimobem.DiscordeidacandidaturadoEuler,omovimento teriadeser empunhado por um líder mais forte, como foi o caso do Geisel. E faltava-lhemassacríticaparaprevalecer.OpróprioGeiselenfrentouriscodedeposição,quandodemitiuoministrodoExército,SílvioFrota, e estenegou-sea sairdoForteApache(apelidodoquartel-generalemBrasília).OchefedaCasaMilitar,HugodeAndradeAbreu,àreveliadeFrota,convocouatropadeparaquedistasparasobrevoarBrasília.Comumultimato:ousaíadoministérioouoconfronto.Comosempre,venceuoladoquecontabilizoumaiscanhões.Frotacaiu.OSr.Presidente (GilbertoNatalini)– Uma pergunta mais específica. De queforma o senhor conviveu com o lado perverso do regimemilitar, as atrocidades, astorturascontraopositores?OSr.RicardoYoung–Apenascomplementando:osenhorerapersonanongrataparaoIIExército.Comoadministrouarelação?OSr.PauloEgydioMartins–Logoquetomeiposse,ogeneralEdnardoD’ÁvilaMello,ocomandantedoIIExército,pronunciouumdiscursoviolentocontramimnopátiodoquartelnoIbirapuera.Acausa:intervimparaqueumarquiteto191,intimadoadepornoDOI-CODI, não se apresentasse. Eu ainda nem tinha consciência clara doque se passava ali.Uns três dias depois daposse192, tarde da noite, festejando com

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amigosnaminhacasa,veioaarquitetaMariaHelenaQueiroz,aMané,muitoamiga,sobrinha e afilhada do marechal Ademar de Queiroz. Contou que invadiram ereviraram o IAB. Acusaram o marido, presidente da entidade, de comunista. E sefosse?pergunto.Nãoestavafazendonada.Liguei para oAdemar deQueiroz, tirei-o da cama.AoGolbery. E liguei a outrosque conhecia, emBrasília.Veioaordempara suspender a convocação.Uns15diasdepois,emumeventonopátiodoIIExército,noIbirapuera,ogeneralpronunciouodiscursoquemencionei.Euchamariaodiscursodeviolento193.Tenho algumas características do pai dessemoço (indica o vereadorMario Covas

Neto).Paviocurtoàsvezes.CaracterizavaoMariode formabrilhante.Omeupaviotalvez fosse maior, mas não muito. O que me segurou foi meu amigo AntônioAngarita, professor da Fundação Getúlio Vargas. Pedi-lhe que reproduzisse odiscurso,inacreditável,semsuspeição.Fomos almoçar noCírculoMilitar, ao lado do II Exército.Não havia discurso naprogramação.PoisogeneralEdnardopedeapalavraefazumsegundodiscursoaindamaisviolento.Osanguemesubiuàcabeça.OgeneralArielPaccadaFonseca,chefedo Estado-Maior do II Exército, sentado aomeu lado, pôs amão nomeu braço edisse: “Governador, se acalme. Nós sabemos o que o senhor faz, está no caminhocerto.Não se exalte,deixeohomem falar.”Nãocrieio casoqueoEdnardoqueria.No fundo, a pressãonão vinha por eu ser contra a tortura,mas por ser homemdeconfiança do presidente Geisel. Havia uma disposição de depor o Geisel, como oepisódiocomFrotademonstrou.Asituaçãoerapiordoqueeupensava.Depoischegouaomeuconhecimento,pelochefedaminhaCasaMilitar,coronelda

PM Braga (Moacir Teixeira da Silva Braga), que o DOI-CODI liberou sargentos,suboficiaiseoficiaisdaPM.Foramreincorporadosàtropa.Eudesconhecia,aconteceunofimdogovernodeLaudoNatel,anterioraomeu.Muitosexibiamsinaisevidentesde tortura, como queimaduras de cigarro. Um sargento nissei, de cabelos cor degraúna, ficou totalmente grisalho. Tudo isso causou revolta na PM. Braga pediu-mequefossevisitardoisoutrêsquartéisdaPMdeSãoPaulo.Tentou-se repetir o episódio no meu governo194. Meu secretário de Segurança,coronel Erasmo Dias, me comunicou que Ednardo desejava ouvir no DOI-CODI umgrupodecomunistasdaPM.Euestavareunidocomunstrês,quatromilitaressentadosemtornodamesademadeiramaciçaquepertenceuaoRodriguesAlves–encontrei-aenterrada em um sótão do palácio. Um dos militares pertencia ao SNI. Dei umaporradanamesa,desculpem-mepelapalavracerta,quenãoficoucopoemcima.Emtom hilário o Erasmo começou a me chamar de general: “General, acalme-se”.Ordenei-lhe que avisasseEdnardo: nenhum soldadoda PM iria paraoDOI-CODI. Euentraria junto.Do quartel, o Erasmo ligou.O comandante ressentia-se porque pela

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Constituição o responsável pela segurança era do Exército e não do Governo doEstado. E havia infiltração comunista que colocava em risco a segurança nacional.RespondiquenãoproibiaaentradadelenosquartéisdaPMparaouvirquemquisesse.MaslevarparaoDOI-CODI,não.Encerrou-seoassunto.O Sr. Ricardo Young – (dirige-se ao vereador Natalini) Presidente, não sei seatrapalho.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Osenhornãoatrapalhanunca,pergunteàvontade.OSr.RicardoYoung–(paraodepoente)Umdosaspectosmaiscontrovertidosdosenhorcomogovernadoreraa suarelaçãocomocoronelErasmoDias.Àépocaeu,estudante,militavanomovimentoestudantil.Paranós,o coronel recebiaordensdeBrasília. Achávamos que com frequência o senhor tomava um remédio amargo,obrigado.Depois,comaapuraçãodosfatos,ficouclaroquehaviamaiorproximidadedosenhorcomele.Dequemaneirao senhor reagiaàpressãodo IIExército?OsenhordissequenãotinhaclarezaarespeitodoDOI-CODI.Quandolheficouclaro,comoosenhorreagiuàstorturas e ao assassinato de Vladimir Herzog? Por que não renunciou naquelemomento?OSr.PauloEgydioMartins–Asuaopiniãoeadeoutrosestudanteséigualàdedoisfilhosmeusedaminhaesposa.Primeiro,sobreErasmo:elelatiamuitoalémdoquemordia; e quem estava dirigindo era eu.O fato é que ele,mais ligado à linhadura, trazia informações vitais sobre o que se passava do outro lado. E quando eudavaumaordem,elecumpria.Eu dei a ordem para a invasão da PUC195.Discordava do presidente Geisel e doGolbery sobre a importância do movimento estudantil para a segurança nacional.Participei como estudante e o conhecia a fundo. Os dois não entendiam nada doassunto. Achei um erro político enorme do Geisel baixar um decreto proibindoqualquerautoridadedepermitirumcongressodaUNE.Então,passadosalgunsmesesdo decreto, o Erasmome telefona e diz: “Governador, desconfio que os estudantesestão realizando uma reunião da UNE na PUC”. Eu respondo: “Erasmo, continuedesconfiando,masnãofaçanada.”Enoscomunicávamosporrádio.OSr.PauloEgydioMartins–Às9h30Erasmoligoudizendoquehaviaumafaixanaqualselia“AquiestáreunidaacúpuladaUNE”.Respondi:vocênãoenxergafaixanenhuma, não intervenha, deixe haver a reunião. Cerca de 17h30 nova ligação:“Governador,saíramdaPUC,foramaoTUCA.”Eudisse:oTUCAédependênciadaPUC,nãofaçamnadaeissoéumaordem.Às18h30:“Governador,saíramdoTUCAeestãoagredindoaPMeoBatalhãodeChoque.”Falei:agoraédiferente.Deemumavisoe,se continuarem, prendam os agressores. Há uma versão de que um grupo deles

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correu de volta para a PUC. Se não me falha a memória, existe a versão de que areitoradaPUCpediuaodelegadoRomeuTumaqueentrasseparaprotegerosbensdaPUC.Nãotenhocomoafirmarisso,seéverdadeirooufalso196.TestemunhodaprocuradoradaJustiçaLuizaNagibEluf,entãoestudantedeDireitodaUSPepresenteàassembleia.PublicadonojornalOEstadodeS.Paulonodia26desetembrode2007,aniversáriode30anosdainvasão.

AinvasãodaPUCLuizaNagibEluf

Oanode1977foimarcadoporepisódiosdeterminantesparaarestauraçãodademocracianopaís.Em8deagosto,foilidanopátiodaFaculdadedeDireitodaUSPacélebreCartaaosBrasileiros,deautoriadoprofessorGoffredodaSilvaTellesJunior197.Nanoitede22desetembro,soldadosdaPolíciaMilitardoEstadodeSãoPaulo, comandadospelo então secretário deSegurançaPública, coronelErasmoDias, invadiram a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, situada na RuaMonte Alegre, noBairro de Perdizes, e prenderam os alunos que ali estavam reunidos, provenientes de váriasfaculdades. O motivo alegado era a desobediência dos estudantes, que teimavam em recriar suaentidadenacional,aUNE,queforabanidapordeterminaçãodaditaduramilitarqueimperavanopaís.Ainvasãofoiumatodeselvageria,detruculência,dearbitrariedade,quesópoderiatersidoconcebidopelamenteobscuraedoentiadosopressoresdeplantão.Os soldadosentrarambatendoegritandoofensasdetodocalão,lançandobombassabe-seládequeefeitos,masofatoéquemuitaspessoaspassarammal,desmaiaramepelomenosduasalunasdauniversidadeforamgravementequeimadas.É evidente que os estudantes estavam desarmados. É evidente, também, que a manifestação deinsubordinaçãodiantedaproibiçãodesereuniremeraperfeitamentejustificada.Épróprioda juventudedesafiar certasnormas.Énatural e saudável queassimo seja, ouomundocontinuariasempre igual,nãoprogredindo jamais.Épapeldamocidadepromovera renovação,eosestudantes da época queriam se livrar da ditadura tenebrosa que engessava o ensino, punia aparticipaçãopolíticaequerialimitarosaber.A reuniãoestudantil da noite de22de setembrode30anosatrás tinha comoobjetivo recuperar osideais de melhores condições de vida para a população, propondo a restauração das liberdadesdemocráticaseainstauraçãodoestadodedireito.Nadamaislegítimo.No entanto, a ação policial de invadir uma escola por razões políticas (!), desrespeitando qualquerparâmetrodecivilidade,nãopodeseresquecida,paraquenãomaisserepita.Emmatériapublicadanestejornalnoúltimodia22,ocoronelErasmoDias,aosedefender,declarouque“tinhamuitamulherláemulhernãotemjeitoparacorrer,tempernapresa”.Com essa frase o coronel demonstra, mais uma vez, sua visão distorcida sobre os fatos da vida.Primeiramente,porqueevidenciaumpreconceito inadmissívelcontraapopulaçãofeminina.Segundo,porqueeleestranhouapresençademulheresno local, fatocorriqueironasuniversidades jánaquelaépoca–sóeledesconheciaessacircunstância.Terceiro,porquemulhernãotem“pernapresa”coisa

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nenhumaequalquerpessoa,mulherouhomem,queforatingidaporbombaatiradapelapolíciavaisequeimar,correndoouparada.Passados tantos anos, a única conclusão sensata a que o coronel deveria ter chegado é que aoperação foi um desastre. Sacrificou pessoas inocentes que estavam pacificamente reunidas,causando-lhessequelas indeléveis tanto físicasquantopsicológicas,e colaborouparaenfraqueceraditadura. É certo que o coronel Erasmo não foi o único responsável pela ação repressora. Foi dogovernadordoEstadoàépoca,PauloEgydioMartins,quepartiuaordem.Equenãosemintasobreocomportamentodosestudantes.Elesnãoderamcausaàbrutalidade.Nãotentaramagredirospoliciaiscomatosoupalavras.Aoperceberemaentradada tropadechoquenocampus, os grupos estudantis não reagiram. Correram para dentro do prédio, subindo escadas erampas,procurandoabrigonassalasdeaula,atéalcançaremoúltimoandar,ondeforamencurraladosepresos.Nãosemantessofreremespancamentoindiscriminadocomcasseteteseseremintoxicadoscomquantidadesabsurdasdegáslacrimogêneo.Possodescrevermuitobemoqueaconteceuporqueeuláestava,commeuirmãoeminhairmã.Éramos,ostrês,alunosdaFaculdadedeDireitodoLargodeSão Francisco, e havia outros colegas conosco, que hoje são juízes, advogados, promotores deJustiça.Fomostodoslevadosaumestacionamentopróximo,ondesefezumatriagem.OsalunosdaPUC foram liberados e os da USP seguiram, de ônibus, para o quartel da Polícia Militar. Algunsprofessorestambémforampresos.Meus pais ficaram em desespero, sem notícias dos filhos, durante toda a madrugada em que osestudantes, mesmo confinados, continuavam a ser submetidos a emanações de gás lacrimogêneo.Nunca fui omissa, nunca me senti diminuída por ser mulher. Ainda que consciente dos riscos quecorria, achei quemearrependeria se não comparecesseàquele ato de repúdio à ditadura.Hojemeorgulhodadecisãoquetomei.Alémdisso,lembro-mebemdequepoucosdenósacreditavamqueapolíciainvadiriaasdependênciasdauniversidade.Algumtempoantes,houveraumepisódiosemelhantenaFaculdadedoLargodeSãoFrancisco. Os alunos reviveram a “tomada” das Arcadas em protesto contra a ditadura e a políciaacorreu ao local para reprimir o ato. Só que não conseguiu entrar.Quebraram os vidros e atirarambombasdegáslacrimogêneoparadentro,masodiretorPintoAntunesnãopermitiuquearrombassemasportasdoprédio.NainvasãodaPUC,noentanto,arepressãonãorespeitouninguém.Depoisdofato,oquerestadeleéasuaversão.Daavaliaçãodoocorrido,ficouclaroqueosestudantesnão sofreram essa violência em vão. A invasão da PUC abalou irremediavelmente os alicerces, jádesgastados,doregimedeopressãopolítica.Osestudantesnãoforamingênuos,foramheróis.Quenãosepercaadimensãohistóricadesseatodebravuracoletiva.*Procuradora de Justiça do Ministério Público de São Paulo, atualmente afastada da carreira paraexercerocargodesubprefeitadaLapa(nadatadapublicação).

OSr.PauloEgydioMartins –Oquequisdizer é que aminhaordem infringiuuma ordem presidencial. Durante bastante tempo tentei diálogo com movimentosestudantis. Sempre tive conversa aberta e diálogo. Quem deu a posse ao Lula naPresidência do Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo, fui eu. Na semanaseguinte houve um churrasco oferecido pelo prefeito de São Bernardo, Tito Costa.Lulapediu,contraavontadedele,quemeconvidasse,desdequeeudebatessecomos

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metalúrgicos sobreoquequisessem.Passeiuma tardeno sindicato.Aprendi issonaUNE,láatrás.Com meu avô aprendi a odiar as ditaduras, o fascismo, o comunismo. Odiei amaneiracomoseapresentouemCuba,naNicarágua.UmadasrazõesquemelevouàconspiraçãofoisentiraameaçadetrazeremaoBrasilumaformaditatorialemnomedobem.Milhõesdepessoas foramtorturadaseassassinadaspelosbolcheviques,porMaoTse-TungeFidelCastro.NãoqueroissoparaomeuBrasil.Então,orompimentocomogeneralEdnardoD’ÁvilaMello,depoisdetrêsdiasdomeu governo, foi porque a tortura noDOI-CODI era ummeio ditatorial, que afeta adignidade da pessoa humana. Não aceitava. E, em resposta à sua pergunta, nãoacreditoemrenúncia.Renunciarsatisfazaprópriaconsciência.Nãoajudaemnadaaresolveroproblema.ModestamenteestouconvencidodequepudeajudaroBrasilachegaràdemocraciaemquevivemos.Comváriosgovernossesucedendo,nosúltimos20anos.ComestaComissão da Verdade e meu depoimento sobre o DOI-CODI. A minha vida foipesquisadaporumaequipedoCODI.Duasoutrêsentrevistadorasapareceramsemeusaber de onde e como, abriram um livro e me perguntavam sobre diversosacontecimentosmencionadosno livro.Eeu tivede responderdebatepronto, comoaqui.

OSr.Presidente (GilbertoNatalini)– Só para dar sequência. Ouvimos váriaspessoas, até o fotógrafo que registrou a cena do Vlado noDOI-CODI. Aconteceu nogoverno do senhor. Como o senhor recebeu a notícia? Quais as suas atitudes, asimplicações? A morte de Vlado e a morte de Manoel Fiel Filho resultaram nademissãodogeneralEdnardoD’ÁvilaMello.

OSr.PauloEgydioMartins–AdemissãodeumcomandanteemplenopoderdeseucomandofoiumcasoúniconahistóriadoExércitoBrasileiro.P–EmquemomentoosenhortomouconhecimentodamortedoHerzog?R–Omeusecretáriodesegurança,ErasmoDias.OHerzogfaziapartedaequipedomeu secretário da Cultura, JoséMindlin. Ao longo deminha vida empresarial, noministério, no governo, sempre escolhi os auxiliares, comuniquei-lhes a política ecobrei. Quem o meu auxiliar contrata é problema dele. Fiquei estatelado. Pedi aoErasmoquefizesseumapesquisaparasaberoqueconstavasobreHerzognoSNI, noCIEx,naMarinha,naAeronáutica.Nada.VeiodoIIExércitoaexplicação:ojornalistarepresentavaumaameaçaàsegurançanacional.Essarespostamedeixouatônito.Três ou quatro dias depois, ligam da portaria que desejam falar comigo osdeputados estaduaisAlbertoGoldman (presidiria a CPI sobre a invasão da PUC pela

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PolíciaMilitar,em1979)eAyrtonSoares,ambosdaoposição.Recebo-os.Dizemqueeudevoestranhar apresençadeles.Concordei, e respondiqueos recebiadebraçosabertos–comocidadãospaulistastinhamdireitoaoacessoàsededoGoverno.Ouvioseguinte: “Governador, acabamos de sair do enterro do Vladimir Herzog, ondeestivemos com fulano, beltrano – um dos nomes que me ficou foi o de (Rodolfo)Konder.Foram interrogadosnoDOI-CODI(etorturados) para saberqual a ligaçãodoHerzogcomosenhor,queéumagentedaKGB”.(manifestaçõesforadomicrofone)

OSr. Presidente (Gilberto Natalini) – E o senhor não era agente do KGB noBrasil?

OSr.PauloEgydioMartins–Nãoconto.(risos)

OSr.PauloEgydioMartins–Àquelaaltura,comaminhavidaestudantilclara,aminhavidaempresarial,homemdeconfiançadoGeisel,alguémmeacusardeagentedaKGB,piada.Maspormeiodepiadassevailonge.AprendicomomarechalCasteloBranco. Em despachos com ele, perguntava-me:ministro, quais os boatos de hoje?Explicou-me, logo de início: sou oficial de informações, o informe começa com oboato.Nãodeixedeouvi-loesigaoboato.Hojeestoumenossurpresocomaquilo.AminhateoriaéquequeriamdesestabilizaroGeisel, e uma dasmaneiras era criar um atrito sério comigo, aqui em São Paulo.Parecepretensioso.No entanto justificariauma intervençãomaior,nacional. Se elessãointeligentes,burrosnãosomos.Essaéaminhaversão,nãodigoqueverdadeira.Éaúnicaqueconsigodar,porquenãoentranaminhacabeçaqueoHerzogsejaumperigoparaa segurançanacional,nãoacreditonosuicídioenãosemataumapessoa...

OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Osenhordisseissonaépoca?OSr.PauloEgydioMartins–Sim.Depoispubliquei.P–Tornou-sepúblico?R–Achoquedeimilentrevistassobreoassunto.A lutapelopodereramuitoforteno Exército. Acontece que o Geisel tinha um homem forte em São Paulo, amigoíntimo do governador de Minas Gerais, Aureliano Chaves, que se tornou grandeamigodogovernadordoRioGrandedoSul,SinvalGuazzelli.Fizreuniõesperiódicascom eles e os comandos das políciasmilitares de SãoPaulo,MinasGerais e doRioGrandedoSul.Vamosbrincar?Cadaumbrincacomobrinquedoquepossui.Marcara-se uma visita do presidente Geisel a São Paulo, que coincidiu com a

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véspera do ato ecumênico em homenagem a Vladimir Herzog. Recomendaram-lhequenãoviessedevidoaoambienteextremamentehostil.EudeiapalavradequeeleseriarecebidoaquicomopresidentedaRepública.Marcamos uma recepçãono palácio.Antes, um episódio pitoresco.Os deputados,meio bravos, se cotizaram para o Alberto Goldman comprar terno e gravata. Elenuncausara.

OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Eraumpoucopãodurotambém.(risos)

OSr.PauloEgydioMartins–VieramGeiseleacomitiva.Nograndesaguãodopalácio,deumladoficouoIIExércitoempeso,inclusiveoEstado-Maior.Dooutro,oMDBeaARENA,ambosempeso.Umolhandoacaradooutroeopresidenteandandodeumladoaooutro,livre.Semnenhumahostilidade198.

OSr.RicardoYoung–Nesseepisódio,houvemençãorelativaàmortedeHerzog?Emconversaparticularsua,comopresidente?

OSr.PauloEgydioMartins – Claro. Terminada a etapa no saguão, convidei opresidente para um cafezinho na biblioteca do palácio. Localizava-se na alaresidencial. Assim que entramos ele pediu: “Chame o Ednardo aqui.” O generalchegou,fizumgestoindicandoquesairiadasala.Elememandouficar.Emseguida,dirigiu-seaoEdnardo:“Vocêmeconhecehámuitosanos.Queroque fiqueclaro:éaúltimavezquevoutoleraralgodogêneroqueaconteceuemumadependênciadoExércitoNacional.Osenhormeouve?”“Sim,senhor”,respondeuEdnardo.Geiselprosseguiu:“Então, tome bem atenção.O que lhe digo agora será publicado numdecreto no

DiárioOficial.ParaoconhecimentodetodososcomandosdoExércitonoBrasil.“Sim,senhorPresidente.”“Agora,podeseretirar.”Fiquei com um frio na espinha, pois a autoridade do Geisel era muito forte,imperial.Comenteiissoemumpequenocírculo.Doismesesemeiodepois,euestavaemviagemno interior,morreunoDOI-CODI ometalúrgicoManoelFielFilho.VolteiimediatamenteaSãoPaulo.O Manoel Pedro Pimentel, meu secretário de Justiça e excelente conselheiro,professor de Direito Criminal naUSP, me disse que haveria revolta grande em SãoPaulosenadaacontecesse.Demanhã,aoredorde8h30,Geiselpediuparaesperar–

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logo o Golbery me transmitiria instruções. Pelas 10h00 o Golbery liga e diz que opresidente exonerara o Ednardo, por telefone. Em seu lugar, Dilermando GomesMonteiro. Busquei informações sobre ele. Linha castelista. Portanto, favorável aoretornodademocracia.NoIIExército,Ednardosereuniacomoficiais,quandorecebeualigação.Perplexo,comunicouaosdemaisqueacabaradeserdestituído.Dilermandoaindanãochegara.ComoEdnardonãotransmitiaocomando,ocomandanteda2ª.RegiãoMilitar,ArielPacca da Fonseca, seu substituto legal, proclamou em tom de voz apropriado:“Assumo o comando do II Exército. General, por favor, me acompanhe até o seucarro.”

OSr.RicardoYoung–Emdezembrodesseano,1976,houveainvasãodacasanaRuaPioXI,nobairrodaLapa,eaexecuçãodocomitêCentraldoPCdoB.Lembrobem,porqueeueradaFGV eoprofessorAntônioAngaritaeraodiretoracadêmico.Foiumacomoçãosemprecedentesentreosprofessores.Acomoçãodevia-seaofato,gravíssimo, e porque não se esperava que pudesse acontecer de novo, que não secontrolavamasforçasdarepressão.Osenhortemalgumaconsideraçãoafazer?

OSr.PauloEgydioMartins –Não.Lamentonãome lembrarpara responder àpergunta.

OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Governador,tivemosaquiumdepoimentodetalhadosobreaação.OresponsávelfoioDOPS,comandadoporFleury,enãooDOI-CODI199.

OSr.PauloEgydioMartins–Ah,bom.P–Osenhoroconheceu,tevealgumarelaçãocomFleury?R–Não.Nuncaovi.SemeapresentassemaelecomoJoaquim,seriaJoaquim.

OSr.Presidente (GilbertoNatalini)–Noto que o senhor não está confortávelcomasuacoluna.Querdescansarumpouco?Estamoschegandoaofim.

OSr.PauloEgydioMartins–Vamosemfrente.P – Governador, qual a sua opinião sobre a morte de Juscelino Kubitschek?Atentado,acidente?R – Sempre tive grande admiração por ele. Discutia-se desperdício e inflaçãocausados pela construção de Brasília e da rodovia Belém Brasília. Eu apoiava ainteriorizaçãomesmocomaquelecusto,porseressencialaocrescimentodoBrasil.Eeramuito amigo das filhas, principalmente daMaria Estela, casada comoRodrigo,filhodoLucasLopes200.Grandeamigomeu,umengenheiro.

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P – O senhor tinha conhecimento de que Juscelino estava se articulando para sercandidatonaseleiçõesde1978?R–Não.P – Voltando, o senhor acha que a morte foi por acidente ou prefere não semanifestar?R–AcreditomaisnumacidenteporqueoJuscelinoerapessoamuitocautelosa.Nãoiriasecolocaremsituaçãocomriscodeserassassinado.Essaaminhaconvicção.P – O senhor acha que o Paulo Maluf subornou deputados estaduais para serescolhidogovernadordeSãoPaulo?R–Prefironãoresponderaessapergunta.P – Quando prefeito, de 1969 a 1971, Paulo Maluf teve relação com as valasclandestinasdocemitérioDomBosco,emPerus.Alidescobriram-serestosmortaisdedesaparecidospolíticos.Osenhortemalgumcomentárioarespeito?R–NãotenhoinformaçõessobreavidadePauloMaluf.Porrazõespessoais,nãomedoucomele.

OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–OcoronelErasmoDiasfoisuaescolhaouveioindicado?

OSr.PauloEgydioMartins–Nomeadoporminhaescolha,pelomeujulgamentoemeujogopolítico.P–Temosa informaçãodequeoSr.PauloHenriqueSawayaFilhoeraassessornoMinistério da Fazenda e visitante do DOPS. Arrecadava fundos que ajudaram asustentarasdependênciasondesetorturava.Osenhoroconhece?R –É irmãoda esposa de FernãoBracher201, filhode umgrandeprofessor daUSP,biólogobrilhante.ConheçooPaulinhoSawaya,seuapelidonaintimidade,hámuitosemuitosanos.P–Osenhorachaqueeleprestouesseserviço?R–Nãoacho...nãosei.NuncaviPaulinhopraticaratoqueeunãoaprovasse.Masseiqueépessoacontrovertidaparamuitos.Comigo,peloperíodoemqueoconheço,nãoseiresponder.

OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–TemapalavraovereadorRubensCalvo.

O Sr. Rubens Calvo – Governador, o senhor realmente possui esse sensodemocrático e humanitário, mesmo sendo um político da ditadura. Quero meexternar a respeito domeu pai, o psiquiatra Alberto Calvo que, ao lado de outrosmédicos progressistas saídos da Escola Paulista de Medicina, faziam psiquiatria

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volante. Tiravam a população da rua. Depois houve mudança da mentalidadepsiquiátricaedosmanicômioseumadesinternação.Nagestãodosenhorrealizaram-se vários convênios com hospitais filantrópicos espíritas – eu sou espírita – e seconstruíram acima de 36 ambulatórios de saúde mental pelo Estado. Foi a maiorhumanização da psiquiatria, com objetivo de reinserir os pacientes à sociedade. Osenhordeuameupaiocomandodesseprojeto,quandoerasecretáriodaSaúdeoDr.WalterLeser.

OSr.PauloEgydioMartins–WalterLeser,ohomemmaissantoqueconheci.

O Sr. Rubens Calvo – Quero dizer que até hoje um dos melhores hospitaispsiquiátricos das Américas é o Américo Bairral, em Itapira, São Paulo. O senhorconseguiu,dentrodeumaditadura,darumatônicadedemocracia.

OSr.PauloEgydioMartins–Obrigadoporsuaspalavras.Euviviaumpesadeloporminhaparticipaçãoemumprocessoquederrubouogovernoconstitucionalenoslevou a viver em uma ditadura. Principalmente por causa do meu avô, que meensinou a odiar ditaduras. Fiz o que pude para voltarmos ao regime democrático.Reconheço que muito se apagou porque participei do governo militar do qual,aparentemente,paraumagrandemaioria,fuifãardoroso.Alémdaáreapsiquiátricaqueosenhorcitou,pudecontribuirparaaconstruçãodo

Incor202.O Zerbini203 veio conversar comigo e perguntou até onde eu apoiaria oprojeto. Respondi: até onde for necessário. E por que o Incor, que envolveumaiorimpacto? A doença de Chagas é doença cardíaca que só dá em pobre. Rico teminfarto. Também pude contribuir com ambulatórios do Hospital das Clínicas, oHospital da Criança, oHospital Universitário e oHospital das Clínicas de RibeirãoPreto,hojetalvezamaiorunidadedemedicinanucleardaAméricaLatina.No entanto, falhei lamentavelmente em dois aspectos. Primeiro, quis reformar oJuqueri. Impossível.Comissõestentaramrelocarospresosparasuasresidências,masas famílias não aguentaram e largaramesses supostamente loucosnas estradas. Elesvoltaram para uma pensão do Governo do Estado. Segundo, o que ocorria entre afamília do preso e o presidiário. Uma das coisas mais nojentas de que tenhoconhecimento. Ali se prostituía mulher de preso, filha. O que rendesse dinheiro.Rapazes,meninosestupradosemtrocadetratamentomelhoraopreso.Visiteiváriospresídios, atuei pessoalmente,mas aminha sensação era a de dar soco em chão deborracha. Tirava a mão e a máfia voltava. Conto para que a comissão tomeconhecimentodessesproblemas.Sãogravíssimos.

OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Obrigado,Sr.Governador.Comunicoquecontamos com a presença do vereador Roberto Trípoli, vereador decano da

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Câmara204.TemapalavraovereadorMarioCovasNeto.

O Sr. Relator (Mario Covas Neto) – Agradeço muito a sua presença,Governador. Identifiquei-me com seu apreço pela democracia em contraponto àditadura, dedireita oude esquerda.O senhor tinha apenasum terçooumenosdaAssembleiaLegislativa,oquesurpreende,poissefaztodotipodeatentado,hoje,emnomeda governabilidade.Meupai, quandoprefeito, tinha amaioriadoPMDB, mascincovereadoresdomesmopartidofaziamoposiçãoaele.Essetipoderelaçãocomolegislativotemdeserretomado.Pergunto apenas. Depois de tudo o que aconteceu durante o regime militar,passados esses anos, as coisas são mais claras embora algumas estejam enterradas.Valeu a pena a sua decisãode se filiar àquelemovimento e depois apoiar o regimemilitar? Sei que as decisões de homem público são solitárias e só o futuro as diráacertadasounão.

OSr.PauloEgydioMartins –Aquiloqueeualmejavadeucerto e eudiriaquesim.Bastaveroqueaconteceucomasrepúblicasproletáriassocialistasdomundo.Oqueobolchevismo fez.OqueMaoTsé-Tung fez– talvezamaiormatançahumanade que se tenha conhecimento. Veja Cuba, até hoje. Nem vou falar daNicarágua.Mas a incertezada volta àdemocraciame fariapensar,hoje, queo risco eramaior,pois a linha dura visava a quem tinha o poder real,Geisel. Perguntei a um grandeamigo,quefoidoPCB:hojetenhodúvidas.ArespostadeAntônioAngaritafoi:“Nós,em casa, podíamos dormir porque você estava no Palácio dos Bandeirantes e nãodeixariapassardoponto”.Foiomaiorelogioquerecebinaminhavidapública.

OSr.RicardoYoung–SenhorGovernador,umreconhecimentoqueéodetodosos ambientalistas. Na sua gestão, Paulo NogueiraNeto205, que estava na SecretariaEspecialdeMeioAmbiente,eoseusecretáriodaAgricultura,PedroTassinariFilho,se uniram para criar a iniciativa pioneira do Parque Estadual de Ilhabela, dasprimeiras reservas estaduais.Não fosse a sua gestão, Ilhabela provavelmente estariadestruídapelaespeculação.Geraçõesdeambientalistas,incluindooseufilhoMarcosEgydio,liderançaambientalista,agradecemainiciativa.

OSr.PauloEgydioMartins – O senhor se esquece que tombei todas as ilhaslitorâneas paulistas. Ilha do Cardoso, Ilhabela, Ilha Anchieta. Criei os mananciaishídricos,ocontroleclimáticodaGrandeSãoPaulo.Numaépocaemquenãosefalavaemambientalismo.

OSr.Relator(MarioCovasNeto)–CuriosidadedovereadorAndreaMatarazzoeminha:porqueosenhordeixoudefazerpolítica?

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OSr.PauloEgydioMartins – Porque também fazia política na ex-ARENA. Meucompetidor chamava-se Paulo Maluf. Ou seguia os métodos dele ou não faziapolítica.Afastei-me.Quandosurgiualternativa206,fuicomoTancredoNevesparaoPartido Popular (PP). Fui vice-presidente do PP. Quando Tancredo se candidatou àPresidência, o PP incorporou-se aoMDB207. Com amorte dele e Sarney no governo,começouamesmavergonheira.Eumedemiticomumacartapublicadanaprimeirapágina do jornalOEstado de S. Paulo, envergonhado com a podridão no início daredemocratizaçãobrasileira,igualoupiordoqueestaquevemos.Éumcrime,porqueo dinheiro que se tira é da boca de quem precisa comer ou encontrar tratamentomédico. A revolta democrática ou das ruas, no meu entender, ainda é muitopequena. Sou velho, semiparalítico.Mas no que eu puder lutar contra a podridão,voulutando.

O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – Muito obrigado ao governador PauloEgydioMartinspelapresença.Obrigado,vereadorAndreaMatarazzo,porcolaborar.Obrigado aos senhores vereadores e a todos os presentes. Dou por encerrada areuniãodetrabalhodaComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzog.OjornalistaLuizGutembergacitoupelaprimeiravezemseulivroUlyssesGuimarães-Moisés,codinome.Umabiografia.CompanhiadasLetras,1994.Páginas144-145.OsvaldoCordeirodeFarias(1901-1981)participoudetodososmovimentosconspiratóriosdesde1922.ComandouumdosquatrodestacamentosdaColunaPrestes.EstevecomaFEBnaItáliacombatendoonazi-fascismo.AtuounomovimentocontraapossedeJoãoGoulartenogolpede1964.CasteloBranconomeou-oMinistroExtraordinárioparaaCoordenaçãodosOrganismosRegionais,quedepoissetornouoMinistériodoInterior.ElioGaspari,ADitaduraEncurralada,obracitada.Página89.AntonioCarlosScarteziniemDr.Ulysses,Ed.MarcoZero,1993.Página89n,nolivrodeElioGaspari.FernandoPachecoJordão,obracitada,página103.Páginas204e205.ApsicanalistaAnnaVerônicaMautner,deSãoPaulo,explicaquetratamentomédicoepsiquiátricoseaplicaapsicoses,distúrbiosgravesqueimpedemocotidiano.Psicodramastêmporobjetivoentenderasprópriasemoçõespormeiodegestosesons.Referem-seàprocuradeautoconhecimento.AodepornaComissãoNacionaldaVerdade,em26denovembrode2014,oex-presidentedaRepúblicaFernandoHenriqueCardosodisseterobtidoasnotastaquigráficasdareuniãodoConselhodeSegurançaNacional,de1969.Descobriuqueoex-ministrodaFazenda,DelfimNetto,foideterminantenacassaçãodeMarioCovas,aoafirmarqueopolíticoerasocialista.OgeneralpresidenteArthurdaCostaeSilvaresistia:erareligioso,conhecia-o;nãoseenvolviacomsubversãoecomunistas.“Bommoço”,disse.Diantedosdemaisfavoráveisàcassação,sugeriuquesóseretirasseoseumandatodedeputadofederal(líderdabancadaoposicionistadoMDB),mantendo-lheosdireitospolíticos.Asnotastaquigráficas,segundoFHC,registramqueDelfiminsistiu:“Ésocialistamesmo.”Conhecia-odeSantos.CostaeSilva,então,acedeu.EmbaixadordoBrasilemLondresapartirdedezembrode1974.NesseanooseuBancoUniãoComercialfaliu;oBancoItaúabsorveu-o.Ogovernoassumiuopassivoestimadoemmilhõesdedólares,provenientesdeempréstimosnoexterior.OBancoCentralficoucomadívidadoscredoresinternos.Em1975instituiu-seoSistemaEstadualdeAnálisedeDadosEstatísticos,queremontaapartirdoantigoDepartamentodeEstatísticadaSecretariadoPlanejamento,de1892.Em1978tornou-se

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FundaçãoSistemaEstadualdeAnálisedeDadosEstatísticos–FundaçãoSEADE.ArevoltadosmarinheirosemAConjunturaderadicalizaçãoideológicaeogolpemilitar.CentrodePesquisaeDocumentaçãodeHistóriaContemporâneadoBrasil/FundaçãoGetúlioVargas.cpdoc.fgv.brReferênciaàespadadeouropresenteadaaogeneralHenriqueBatistaDufflesTeixeiraLott(1894-1984),noprimeiroaniversáriodoquesedenominoucontragolpeegarantiuapossedeJuscelinoKubitschekedeJoãoGoulart,seuvice.ConstaqueogeneralarecusouebrandiuaespadadoExército.Lottfoicandidatonaseleiçõespresidenciaisde1960,derrotadoporJânioQuadros.OjuristaHeráclitoFontouraSobralPinto(1893-1991),defensorirrestritodosdireitoshumanosemilitantecatólico,escreveuarespeito:“{...}setivesseidoparaaPresidênciadoBrasil,teriainstauradoumgovernodelegalidadeederespeitoàpessoahumana,eumavinculaçãocompartidospolíticos,porqueeraumdemocratasincero,inteligenteehonrado.ComLottnaPresidência,nãoteríamosditaduramilitardurantevinteanos,nãoteríamosafalêncianacional.Nadadissoteriaacontecido.”PresidentedaPetrobrásedepoisministrodaGuerradogeneralpresidenteCasteloBranco.SeveroFagundesGomes(1924-1992),fazendeiroeindustrial,dementeaberta,defensordosdireitoshumanos.Renunciouaocargodepoisdereagiraumprovocador,emumaopulentafestaderepercussãosocialepolítica.ElioGasparidescreveacenadeformasaborosaemADitaduraEncurralada,apartirdapágina343.Severo,senadorporSãoPaulode1983a1991,faleceucomaesposa,AnnaMaria,nodesastredehelicópteroquematouodeputadoUlyssesGuimarães,suaesposaMoraeopilotoJorgeComeratto,em1992.OgeneralEulerBentesMonteiro(1916-1979)candidatou-sepeloMDBàpresidência,naseleiçõesindiretasde1978.OgeneralJoãoBaptistaFigueiredo(1918-1999)derrotou-onoColégioEleitoral.EuricoPradoLopes,presidentedoIAB-SP(InstitutodosArquitetosdoBrasil).Autor,comoparceiroLuizTelles,doCentroCulturalSãoPaulo.DetalhesnodepoimentodePauloEgydioMartinsaoCPDOC/FGV.Oconteúdo:políticosdealtonívelprejudicavamseutrabalhodegarantirasegurançanacional,intervindoquandolevantavampistasdeagentesinfiltradosparadarumgolpecomunistanoBrasil.CPDOC/FGV.OcoronelVicenteSylvestreexpõeasatrocidadesnodepoimentoaseguir.Ocontextodasgrandespasseatasestudantisde1976e1977impulsionouatendênciadereconstruiraUNE.Em22desetembrode1977realizou-senumsalãodaPUCoIIIEncontroNacionaldosEstudantes-ENE,queintegravaoprojetodereconstruçãodaUNE.Foraimpedidoderealizar-senavésperadevidoaoscercospoliciaisdaUSP,daPUCedaFGV.ConstavaqueaassembleianaPUCdodia22discutiaarepressãopolicial.Tropasdechoqueepoliciaismilitaresinvadiramoprédioeatacaramosestudantescombombasdegásecacetes.Muitoscaíramnarampadesaídaeamultidão,tocadapelospoliciais,nãoconseguiaevitarpisoteá-los.Quinzejovensficaramqueimados,algumasjovenscomqueimadurasdeterceirograu.Circulouquecausadaspornapalm.ÔnibusdaPrefeituralevaramcercade700aoquarteldaPM.Alguns,aoDOPS.Alegou-sequeosjovensteimavamemrecriaraUNE,banidapeladitadura.Falso.AreitoradaPUC,NadirGouveaKfouri(1913-2011),segundooblogdeseusobrinho,ojornalistaJucaKfouri,recusou-seacumprimentarErasmo:“NoepisódiodaviolentainvasãodaPUCpelapolíciadeSāoPaulo,em1977,emplenaditadura,aeducadoramostroutodaadignidadeeindignaçāodamulherdefibraaodeixaroentāosecretáriodaSegurançadeSāoPaulo,ocoronelErasmoDias,detristememória,comamāosuspensanoar,virando-lheascostasaomesmotempoemquedizia“Nāodouamāoaassassinos”.Erairmãdemeupaieatiamaisqueridadafamília.Umabrasileirarara,orgulhomaiordetodosnós.”PublicadanesteRelatórionapágina291.ElioGaspariescrevesobreodiálogoquehouvequandoodeputadoAlbertoGoldmanconseguiuseaproximardeGeisel,narecepção:“Presidente,oMDBestáapreensivocomoquevemacontecendoemSãoPaulo,quantoaorespeitodosdireitoshumanos.”Respondeuogeneral:“Nãopensemqueeunãoentendoosignificadodesuaspresençasaqui,nestemomento.”ADitaduraEncurralada,obra

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citada,página197.Lembra-seaquiquenoCapítuloIICláudioAntonioGuerracontaemseudepoimentoqueveiodoRiocomFreddyRibeiroPerdigãoparaapoiaraequipedeSérgioParanhosFleury.OmineiroLucasLopes,formadoemEngenharia,ocupoudiversoscargospúblicosemMinasGeraisdesdeadécadade40edepoisemâmbitofederal.FoiministrodaFazendadeJuscelinoKubitschek.FernãoBracherfoipresidentedoBancoCentralnogovernodeJoséSarney.InstitutodoCoração,umdossetehospitaisqueformamoHospitaldasClínicasdaFaculdadedeMedicinadaUniversidadedeSãoPaulo.EuryclidesdeJesusZerbini,cardiologista.Foioprimeiromédicobrasileiroarealizarumtransplantecardíaco.Eleitodeputadoestadualnaseleiçõesde2014.FoisecretárioEspecialdoMeioAmbiente.Formou-seemDireitoeemHistóriaNatural,naUSP.Naturalista,titulardeEcologia,fundouoDepartamentodeEcologiaGeralnoInstitutodeBiocênciasdaUSP.OrganizouaSecretariaEspecialdeMeioAmbiente(SEMA),cargoqueexerceupor12anosemeionoâmbitodoMinistériodoInterioreMinistériodoMeioAmbienteeHabitação.ASEMAcriou26EstaçõeseReservasEcológicas.Conseguiuapoiodegovernoeoposiçãoparaaaprovaçãodeleisambientaisem1981.Em1977alertouqueaáguadocedeSãoPauloedeBeloHorizonteestavacaminhandoparaofim,ecriticouoseumauuso.NogovernodogeneralpresidenteJoãoBaptistaFigueiredo,aamplainsatisfaçãopopularedepolíticoslevouoseuchefedaCasaCivil,GolberydoCoutoeSilva,asugeriraaberturaaopluripartidarismo.EstefoicriadopelaLeiFederalnº6767,de20dedezembrode1979.Venceuaseleiçõesdejaneirode1985masadoeceunavésperadetomarposse,14demarçode1985.Morreunodia21deabrilde1985,diadaexecuçãodeoutromineiro,JoaquimJosédaSilvaXavier,oTiradentes,em1792.

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Arquivopessoal.UMHOMEMDECARÁTER

CoronelVicenteSylvestrequandochefedaGuardaCivil,emumarecepçãonoConsuladodoJapão,em1966.Ocoronelrecusou-seainvadiraFaculdadedeFilosofiaetentouevitarqueatirassem

coquetéismolotovapartirdoMackenzie.Nãodemorouaserpreso

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CAPÍTULOXII

MariaAntônia,violentada“Coragemémanteravirtudesobpressão.”ErnestHemingway(1899-1961),escritornorte-americano.

Sob a presidência da vereadora Juliana Cardoso, vice-presidente da ComissãoMunicipal da Verdade Vladimir Herzog, compareceu para depor no dia 24 desetembro de 2013 o coronel Vicente Sylvestre, inspetor-chefe do Agrupamento daGuardaCivilemoutubrode1968.Avereadoraapresentou-o:“OcoronelVicenteSylvestre,de83anos,recebeuordensem3deoutubrode1968parareprimiroconflitoqueseconheceucomoBatalhadaMariaAntônia,umabrigaentrealunosdoMackenzieedaFaculdadedeFilosofia,CiênciaseLetrasdaUSP.Noentreveromorreuumestudante secundarista, JoséCarlosGuimarães.É importante,coronelSilvestre,queosenhoresclareçaquaisasordensrecebidasecomoosenhor,bravamente,resistiuaoseucumprimento.”

DepoimentodoCoronelVicenteSylvestre(resumo)

O Sr. Vicente Sylvestre – Inicialmente agradeço o convite e quero, nestaoportunidade, deixar os meus comprimentos ao vereador Gilberto Natalini, peloenfrentamentodo coronelUstranaComissãoNacionaldaVerdade.Foiumdebatehistórico.Antesdeentrarnomeudepoimento,gostariadefazerumaretrospectivademinhavidapolítica.

ASra.Vice-Presidente(JulianaCardoso)–Claro.

OSr.VicenteSylvestre–Fomoscriadosdentrodeumaditadura,oEstadoNovode Getúlio Vargas. A II Guerra Mundial terminou em 1945 e em seguida veio areabertura.OPartidoComunistafoilegalizado.Muitojovem,eumeentusiasmeicomasposiçõesdopartido.Eleiçõesforammarcadaspara1945208.Ingressei na Guarda Civil de São Paulo e quando cheguei a cargos de comando,principalmente com a implantação da ditadura em 1964, já era muito visado.“Cuidado como Sylvestre”, diziam,me excluindo de certas conversas do comando.Ademais,haviagrandemovimentaçãodesdeamortedosentinelaMarioKozelFilho,noIIExército209.RecebiordemdeintervirnoconflitodaRuaMariaAntônianodia3deoutubrode1968. (A reitora Esther de Figueiredo Ferraz chamara a polícia.) Desci com o meu

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contingente para manter a ordem. Procurei o diretor do Mackenzie, professorOswaldoMüller da Silva, e avisei que entravam garrafas vazias e gasolina em umaobraemconstruçãodoMackenzie.Decima,os rapazes começarama jogarmolotovsobre a Maria Antônia (o prédio da Faculdade de Filosofia, defronte). Eu disse:“Professor, não pode mais entrar gasolina, garrafa vazia. Temos de evitar.” E ele:“Sylvestre, tranquilize-se, está tudo sob o meu controle.” Respondi: “Não está, vãoacabarcomaMariaAntônia.”Meu pessoal tomou posição para preservar a Faculdade de Filosofia e coibir osabusos dos alunos do Mackenzie. Durante a conversa com o diretor veio umemissáriodocomandoedisse:“Sylvestre,pegaopessoaleevacuaaMariaAntônia”.Respondi:“Não,nãoéaMariaAntônia.”(trechomalcompreendido)

ASra.Vice-Presidente(JulianaCardoso)–Porfavor,repitaessapassagem.

OSr.VicenteSylvestre–Sim,eudiziaaoemissárioqueopoliciamentonaMariaAntôniaestavacontrolado.

ASra.Vice-Presidente(JulianaCardoso)–Quemeraoemissário?

OSr.VicenteSylvestre–Jáfaleceu,JoãoBatistaTrambaioli.Colega,assistentedocomando.ExpliqueiqueaMariaAntôniaeravítima.Estávamosnessaposiçãoquandoo emissário voltou a instar: Silvestre, é ordem do governador para invadir aMariaAntônia. Ordem do governador Sodré210. Aí eu disse que, se fosse ordem dogovernadoreucumpriria,desdequeviesseporescrito.Verbal,nãocumpriria.Ésóvero que está acontecendo, adverti o Trambaioli. Os professores do Mackenzieperceberamaminhaposiçãoevierammeapoiar.Aí afirmeique enquantoaordemnãoviessetentaríamosevacuaroprédioemconstrução.EninguémentrarianaMariaAntônia.Nissoveioaordemparaeusersubstituídoimediatamente.Nomeulugar,ocomando e a cavalaria da Força Pública. Não teve conversa, invadiram a MariaAntôniaedominaramasituação.SóaíopessoaldoMackenzieaceitouaorientaçãodapolíciaeoproblemafoiresolvido.Considerei esse episódio irrelevante, mas ele reapareceu quando fui sequestrado,dia 9 de julho de 1975, emplena atividade naPM211.Terminava o curso superior depolícianaAcademiadoBarroBranco.Levaram-meaoQGdaPM.Nodiaseguinte,aoDOI-CODIeàstorturasmaisabsurdasdomundo.Aqueles verdadeiros bandidos me chamavam pelo nome: “Você é o CoronelSylvestre,deesquerda?Vemaquiesentanacadeiradedragão.”Tevechoque,paudearara,afogamento.Atéoutubro.Lembrodeumbanhofrionumamadrugadamuitofria.E alguémmeemprestouuma toalha.Paramim, foi oHerzog.Nãoo conhecia.

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Mas o jeito doce, atencioso, me sugeriu ser o Herzog. Estava na cela forte. Muitoescuro,nãoseenxergavanada.Voltei para a prisão no Regimento da Cavalaria. Bastaram quatro dias, em queimpediramaentradadomeuadvogado,paraoscolegasmeconduziremaoConselhode Justificação eme exonerarem. Expulso depois de 33 anos de serviço. Foimuitochocante. Proibido de ter atividade remunerada, pública ou privada. Quem tomouumaposiçãohumana,decoragem,foiocardealarcebispodeSãoPaulo,DomPauloEvaristo Arns. Ele foi ao governador Paulo Egydio212, que mandou um projeto àAssembleiaLegislativaconcedendoumapensãoàminhamulher.Umapensãocomoviúvademaridovivo.Passamosaviverdisso.Eu,morto-vivopornoveanos.Veioaaberturae trabalheinacampanhaparaoSeveroGomes juntocomoSérgioGomes,queestá aquipresente. (acenacomacabeça)Veio aLei daAnistia.Os ex-presos deveriam requerer recompensa. Fomos, uns 30 companheiros da PolíciaMilitar. Para surpresaminha a relatora do processo, Vera Lúcia Santana, disse quenão ficouprovadoqueo coronelVicente Sylvestre foi expulsodaPM pormotivaçãopolítica.Comtudooqueaconteceu,etodososrecortesdejornaisqueapresentamos.

ASra.Vice-Presidente(JulianaCardoso)–Quandoeladecidiuisso?

OSr.VicenteSylvestre–Em2004.Recorremos,juntamosnovosdocumentos.AComissãoreviuoprocessoedeferiu.Nodespacho,primeiro,souanistiado;segundo,isentodeimpostoderenda.OministrodaJustiçaendossou.Emseguida,oengodo:acomissãonãodá resposta.OadvogadoLuizEduardoGreenhalgentroucomação,aJustiça anulou o processo. Inconcebível tanto problema em um processo que a leimanda cumprir em 30 dias, prorrogáveis por 30. Reintegrado à PolíciaMilitar, nãoaceiteiusarouniformeedeimediatopasseiàinatividade.No governo da companheira Erundina213 fui comandante da Guarda CivilMetropolitana e imprimimos nela uma orientação humanista. Essa, a nossa grandepreocupação.P–Coronel,quando lhepediramparaevacuaraMariaAntônia,noqueconsistiaaordem?Oqueteriadefazer,quenãofez?R – Dentro da Maria Antônia estava, digamos, o estado-maior que defendia aFaculdade de Filosofia – professores, alunos. Evacuar significa retirar o poder dereagir.P–Nemquefossepelaforça?R–Exatamente.Nãocumpri.Aocontrário,orienteiomeupessoalacoibirosabusosdoMackenzie,armadoscommolotov.P–Coronel,sabia-sequeoCCC214estocavagasolina.Osenhorsabiaquemeram?

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R – Sim. Incluíam a TFP. A Guarda Civil incorreu na falha de me pôr à testa docomando, porque eu estava mais próximo. Meu contingente ficava na AvenidaAngélica, aRuaMariaAntônia ficaumpoucoabaixo.NopaudeararadoDOI-CODImeperguntaramarespeito.Confirmei:nãomandeievacuar,tomeiposição.P–Quandooprenderam,em1975,haviaumcoronel reformadodaForçaPúblicapreso?R–Sim,ocoronelreformadoMaximino.Quandomeviu todoarrebentadonoDOI-CODI disse: se você, da ativa, está desse jeito, comigo o que farão? Resultado:torturaramequandoviramqueocoraçãonãoagentava,opuseramnarua.Aoutrocoleganosso,JoséPereiradeAlmeida,jáaposentado,homemdeidade,militantedoPCBcomoeu,oempalaramquandonãotinhamaisnadaadar.Umcabodevassouraenfiadonoânus.Amortenãodeixavestígiosporquesãorompidosórgãosinternos.

LargadonacalçadaNilmário Miranda e Carlos Tibúrcio, no livro Dos Filhos deste Solo – Mortos e DesaparecidosPolíticos durante a Ditadura Militar: a Responsabilidade do Estado (Boitempo Editorial, 1999),relatamocasodocoronelJoséMaximinodeAndradeNetto,paidedoisfilhos.Convalescentedeumacirurgia,recuperava-seemcasaquandomilitaresdoDOI-CODIainvadiramàs22horasde11deagostode1975.Levaram-noencapuzadonaviatura,apesardassúplicasdaesposaqueadvertiaparaoestadodesaúdefrágildomarido.SofreutorturascomoosdemaisPMspresos, acusados de simpatizar com o PCB ou pertencerem a ele. Segundo o PM SalomãoGaldino,olegistaHarryShibatarecomendouasolturaparaquenãomorressenorecinto.Nodia18deagostoocoronelfoilargadonacalçadaemfrenteasuacasa.Omédicodafamíliainternou-onohospital,masMaximinomorreuàtardedomesmodia.

OSr.DeputadoAdrianoDiogo–Quantosforampresos?

OSr.VicenteSylvestre–Maisoumenos30.

P–Outroscasosdemorte?R–NãodentrodoDOI-CODI,nocasodaPM.MasonossocompanheiroCavalcante,aposentado, saiu e no dia seguinte se pendurou. Só via torturador ao redor,enlouqueceu(comooFreiTito).Nãoconseguiuse suicidarmasmorreu logodepois,emcasa.

ASra.Vice-Presidente (JulianaCardoso) – Nessesmomentos, imagino vocêcompletamente torturado, e como é tocante uma pessoa se aproximar e estender atoalha.

OSr.VicenteSylvestre –Quando eu estavamais ferido, cheio de hematomas,

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umcoroneldoExército,comandanteda2ªRegião,coronelPaes,abriuaportaedisse:“Mas o que vocês fizeram com esse homem? Ele tem de ir para o hospitalimediatamente.” Aíme tiraram e fui para oHospital dosDefeitos da Face, porquemeus hematomas eram muito grandes. Fizeram curativos e voltei ao DOI-CODI.TemposdepoisoLuizEduardoGreenhalghpediuaessehospitalinformaçõesameurespeitoenãoconstavaregistrodeminhaentrada.

O Sr. Deputado Adriano Diogo – Coronel, o senhor se lembra de quem otorturou?

O Sr. Vicente Sylvestre – Não. Sei que na equipe C havia uma pessoaextremamenteviolenta.Avozdele já intimidavaa todos:o tenenteFabrício215.Nósnos encontramos posteriormente e eleme surpreendeu ao dizer que esteve noDOI-CODI e nunca torturou ninguém. Fabrício ficou cheio de problemas mentais,perturbado.Faleceuhápoucotempo.

P–Coronel,quemdoconselhojulgouosenhorparaexpulsá-lodacorporação?R–HélioGaicurudeCarvalho,ocoronelTranchesieumcapitãocujonomeesqueci.Todosfalecidos.Maseuestouaqui,83anos.(risos)

OSr. Deputado Adriano Diogo – A Justiça reconheceu o seu direito a ter osalárioeosprovimentosdaPolíciaMilitar?

OSr.VicenteSylvestre–Correto,fuireintegrado.

ASra.Vice-Presidente (JulianaCardoso) – Tem a palavra o nobre vereadorRubensCalvo.

OSr.RubensCalvo–Ficamosmuitocomovidoscomasuahistória.Osenhorcom83anosetodoessevigor.Deusfazajustiçaqueoshomensnãofazem.Osenhor,queéporumapolíciamaiscomunitária,achaqueaGuardaCivilMetropolitanaregrediudagestãodaprefeitaLuizaErundinaparacá?

R – Bom, houve uma influênciamilitarista.O próprio equipamento imita a PolíciaMilitar. A nossa polícia humanista prevaleceu por pouco tempo.Nós adotamos umconceitopedagógiode tirodedefesa.Ensinaopolicial ausaraarmaparaatingirosbraçoseaspernas.Neutraliza.Significaquevocêtemdesaberusaraarma.Eopõe-seà tradição de acertar o coração ou a cabeça. Outras polícias da América do Suladotaramessesistema.Mashojeotiroacertacriança.Nãoexistetreinamento.Tudosemodificou:oPoderLegislativo,oJudiciário,oExecutivo.Masapolícia...Lamento,

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apolíciaconservaorançomilitar.P–Guardadasassituaçõesconjunturais,oqueosenhorfariahoje?Estaéumacasadeleis.AmelhoriadaGuardaCivilMetropolitanatambémdependeriadenós,aqui.R–Olhe,nãosurtiriaefeito.Oquesurteefeitoédizer:aorientaçãoéesta.Eficaràtesta, acompanhar. Vou contar um episódio. Um governador do norte veio a SãoPaulo, ia dar um depoimentomuito sério. Não lembro onome216.Assassinaram. APolíciaMilitareaCivilprocuravamocriminosoquando,paraminhasurpresa,amãedo criminoso me procurou e disse: meu filho matou esse governador, mas só oentrego na mão da Guarda Civil Metropolitana, a polícia da Erundina. A PolíciaMilitaromataria.Elanoslevouaofilho,queseentregouedissequeaarmaestavanacaixad’águadeumacasa.Épreciso teraarma,semela ficadifícilprovar.Esclareceu-sequenãoeramortepolítica,mascrimecomum–açãodebandido.

Foto:FábioLazzariJr./CMSPVicenteSylvestreaodepornaCMVVH.

OSr.RubensCalvo – Recentemente, o povomarchou nas ruas de São Paulo apedir melhorias dos serviços essenciais. Vieram pessoas de todas as faixas etárias ecamadassociais.Aomesmotempo,algunsgruposjogaramcoqueteismolotovcontraapolícia.Essesconfrontossãoiguaisaosdeantigamente?

OSr.VicenteSylvestre–APMtematualmenteoutrosinstrumentosparadominaramassaemtaiscircunstâncias:ogás lacrimogêneo,ogásdepimenta.Éumcuidado

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paraqueopolicialnãouseaarma,comriscodeatingir inocentes.Essaéasituação,hoje.

Deoutrolado,aPMantiga,particularmenteaForçaPública,nãoerainstrumentodesegurança pública, porém do Estado. Encontramos, assim, a força pública naRevoluçãode32,embatalhavisandoasegurançadogovernador,doEstado.Comafusão, criou-se outra filosofia.Hoje a sociedade obriga a polícia a ser de segurançapública.Osmovimentosdehojenãosãonadaparecidoscomosdeantigamente.P–Seosenhorfosseocomandantedessasmanifestações,osenhorusariaseuefetivopara preservar o patrimônio e para rechaçar quem usasse molotov contra seuscomandados?R–Tiveumaexperiênciamaisatualizada: jogosde futebolnocampodoMorumbi.Infalível: no dia seguinte recolhiam-se talvez 200 ônibus porque a torcida osdepredava.ComoaSra.Prefeitaestavasendoacuada,e se tratavadepatrimôniodaCMTC,montamosumpoliciamentoaolongodotrajetodoscoletivosatéoestádio,comviaturas. Quando os motoristas percebiam possível depredação, paravam perto doscarrosdapolícia.Aorientaçãoeramanteraordempeloargumento,poiséassimqueseconsegueosmelhoresresultados.Depoisde implantadoo sistema,nodia seguinteaodeum jogoentrePalmeiraseSãoPaulohouvequatroônibusdepredados.Moraldahistória:opolicialnãopodevera grandemassa como inimiga. Por esses dias vi ummajor da Polícia de São Pauloorientando os comandados a segurar o trânsito em manifestação. Comportamentocorreto.Opovonãoéinimigo.Repito:orançoqueaindaexisteéherançadaditaduramilitar.

OSr.RubensCalvo–Fiqueimuitocomovidocomasuahistória.Ajuízaquelhenegou anistia não tinha sensibilidade.Deveria dar a anistia com louvor emedalha,poisosenhornãoinvadiuaFaculdadedeFilosofia.Obrigadoporsuavinda.Saímosengrandecidos quanto à nossa responsabilidade. Devemos fazer valer os que nosantecederam e que, com muita coragem, arriscaram a própria segurança física emental,eadeseusfamiliares,porumBrasilmelhor.

A Sra. Vice-Presidente (Juliana Cardoso) – Obrigada, coronel VicenteSilvestre, obrigada à plateia. Agradeço também em nome do vereador GilbertoNatalini.Meu respeito intenso pelo Sr. Silvestre, demanter a postura e a coragemparaenfrentaramonstruosaditaduraqueveioparadestruirosquejulgavainimigos.Estãoencerradosostrabalhos.

Nacontramão

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Em 1988, 20 anos depois da invasão que destruiu com selvageria o prédio da Faculdade deFilosofia,CiênciaseLetrasdaRuaMariaAntônia(àépoca,ojornalOEstadodeS.Paulointitulou-aDiligência),aeditoraNobelpublicouolivroMariaAntônia:umaruanacontramão.Contribuíram31pessoasentreintelectuais,ex-professores,ex-alunos.São textos ricos de história, saber, pensamentos, experiências pessoais, memória, inteligência.Encontram-se contribuições dos professores de Sociologia Azis Simão e Fernando HenriqueCardoso;dosfilósofosGérardLebrun,BentoPradoJunior,MarilenaChauí,JoséArthurGiannottieLuizRobertoSalinas Fortes (torturado, o que certamente lhe encurtou a vida –morreu com 50anos, em 1987); Paul Singer, economista; Antonio Candido, professor de Teoria Literária eLiteraturaComparada;OliveirosS.Ferreira,cientistapolítico;SimãoMathias,TrechodoescritorejornalistaÁlvaroAves de Faria, no capítulo que intitulouAnotações de umDiário Enlouquecido:“{...} a bomba explodia na parede cinzenta, nascia a labareda queimando os sonhos de umageraçãoquepassariapelosanoscomosepegasseobondenafrentedaigrejadaConsolaçãoeseguisseparaonada{...}”.

Candidatos:ogeneralEuricoGasparDutra,ministrodaGuerradeVargasdesde1936,peloPSD(PartidoSocialDemocrático).OgaúchoYedoFiúza,peloPCB(PartidoComunistaBrasileiro).ObrigadeiroEduardoGomes,pelaUDN(UniãoDemocráticaNacional).Açãodo“grupomilitarista”daVPR,comdinamiteroubada,contraoquarteldoIIExércitonoIbirapuera.Osentinelaaproximou-sedocaminhão,seudevercomovigilante,emorreunaexplosão.Causougrandeabalonaopiniãopúblicaefoiamplamenteexploradopelosmilitareseamídia.RobertodeAbreuSodré(1917-1999),eleitoindiretamentepelocolégioeleitoral.Governoude1967a1971.Em1970,ogovernomilitarfundiuaantigaForçaPúblicaeaGuardaCivildoEstado,impondoàcorporaçãoonomePolíciaMilitardeSãoPaulo.PauloEgydioMartinsrefere-se,nodepoimentoàCMVVH(CapítuloX),ànovainvestidadoDOI-CODIparaprenderPMsnoseugoverno.LuizaErundinadeSousa,deputadafederalpeloPartidoSocialistaBrasileiro(PSB),foieleitaparaaPrefeituradeSãoPaulopeloPartidodosTrabalhadores(PT)em1988.Exerceuocargode1989a1992.ComandodeCaçaaosComunistas,organizaçãoparamilitardeextremadireita.SegundoahistoriadoraClarissaBrasil,asaçõesdoCCCpermitemanalisaroutrasaçõesegrupossemelhantes;indicamquepartedasociedadebrasileiradosanos1960corroboroucomaditaduramilitar,coniventeaoaceitaraçõesdeviolênciaextrema.EstasocorreramduranteoendurecimentopolíticodoregimemilitardepoisdoAtoInstitucionalnº5esugeremqueasociedadeparticipoudoendurecimento,nãosópolítico,massocial.ExtraídodotextoAsAçõesdoCCC(1968-1969),apresentadoporClarissaBrasil,daUFRGS/CAPES,noIXEncontroEstadualdeHistória.InnocêncioFabríciodeMattosBeltrão,majordaCavalariadoExército,oficialdeligaçãoentrea2ªSeçãodoIIExércitoeoDOI-CODI-SP(1969);emmarçode1970foicolocadoàdisposiçãodaSecretariadeSegurançaPúblicadeSãoPaulo.OjornalistaAntonioCarlosFonafirmouàComissãoEstadualdaVerdadeRubensPaivatercertezadequeumdosresponsáveispelamortedoamigoecompanheiroVirgílioGomesdaSilva,daALN,foiomajor.“InnocêncioFabríciodeMattosBeltrão,ocapitãoBenonedeArrudaAlbernaz,osargentoPauloBordinieocapitãoMaurícioLopesLimaassassinaramVírgilioGomesdaSilva,sobtorturabrutal.Afirmoaquieafirmoemjuízosefornecessário.”PossivelmenteEdmundoPintodeAlmeidaNeto,governadordoAcre.Tratava-sedeumcasodemalversaçãodefundos.

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Foto:MGomes/CMSP

INOCÊNCIAPERDIDA

RecepçãoàantigaUNEnosalãonobredaCâmaraMunicipaldeSãoPaulo:JoséSerraeDuartePereirafalamsobreasemanaque

abalouoBrasil

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CAPÍTULOXIII

Odiadamentira“Apiorpuniçãodomentirosonãoéquedeixamdeacreditarnele,masque

elenãoconsegueacreditaremninguém.”GeorgeBernardShaw(1856-1950),dramaturgoeromancistainglês.

1ºdeabrilde1964.Pormeiodeumgolpe,instalou-senoBrasilumaditaduramilitarde 21 anos, que agiu de forma sanguinária contra os que a ela se opunham eempobreceuprofundamenteopaísnosseusvaloreséticos.Constrangidoscomadata,dedicada aos mentirosos, os golpistas dedicaram-se a martelar o dia 31 de marçocomoadatacerta.Mentira.Cinquenta anos depois, a Comissão Municipal da Verdade Vladimir Herzogrecebeudoisperseguidosdeentão,jovensetalentososuniversitáriosdirigentesdaUNEeorigináriosdaJUC–JuventudeUniversitáriaCatólica:JoséSerraeDuartePereira.OvereadorGilbertoNatalini,presidentedaCMVVH, saudoua todosospresentes elembrouqueademocraciabrasileiraéumajovemadulta:“Nós a saudamos sem cansar. Todavia não esquecemos o que aconteceu. Hojelembramosaexperiênciadedoisestudantesemummomentocríticodopaís.Declaroabertos os trabalhos da Comissão Municipal da Verdade Vladimir Herzog, napresençadosvereadoresRobertoTripoli,MarioCovasNeto,LaércioBenko,RubensCalvo, Andrea Matarazzo, Floriano Pesaro217, Patricia Bezerra, Eduardo Tuma eAurélioNomura.ConvidoaparticipardamesaovereadorMoacirLongo,cassadoporperseguiçãopolíticaem1969.Nossos convidados de hoje atuaram no movimento estudantil da época: ogovernador José Serra e o jornalista Duarte Pereira, respectivamente presidente evice-presidente da UNE. Antes dos depoimentos ouviremos duas entrevistasconcedidas por José Serra à Rádio Nacional, na madrugada do dia 1º de abril de1964,etransmitidasemcadeianacional.(Apresentação de áudio; encontra-se na internet no endereço

ebc.com.br/cidadania/2014/03/jose-serra-)

O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – Tem a palavra o Sr. Duarte PachecoPereira.

(resumo)

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FábioLazzariJr/CMSP

DuartePereiranaCMVVH:osestudantestentaramresistiraogolpemilitaredemoraramaadmitirqueseriainviável

OSr.DuartePereira–Minhassaudaçõesatodos,aosvereadoresdaComissãodaVerdade destaCâmara. Em 30 demarço de 1964 a diretoria daUNE, representadapelo José Serra, porMarcelo Cerqueira, vice-presidente para Assuntos Nacionais, epor mim, tentou comparecer a um ato em apoio ao presidente João Goulart,promovidopelaAssociaçãodosSargentos.Fomosimpedidosdeentrarpormilitares,oquenoscausouestranheza,poisoExércitoeradefensordalegalidadeedopresidenteda República. Fomos ao Correio, chefiado pelo coronel Dagoberto Rodrigues,vinculado ao entãodeputado federal LeonelBrizola. Ele interceptava telefonemas etinha informações. Informou-nos que telefonemas indicavam aquartelamento epreparativosparadeslocartropasmilitaresemdireçãoaoRio.

Voltamos à sede da UNE e divulgamos uma nota que, em termos sucintos,denunciavaosquepretendiamimpedirreformasprogressistasetramavamumgolpe.Econclamavaosestudantesaresistirem.InspiradosnomovimentoquegarantiuapossedeJoãoGoulart,adiretoriaresolveudividir-se.Marcelo iria a PortoAlegre. Serra ficaria noRio. E eu viajaria aoRecife,onde governavaMiguelArraes; antes deveria parar em Salvador, importante centroestudantil.ÀnoiteconseguichegaremSalvador–osvoosnãoeramtãocomuns.Fuidiretoaorestaurante universitário e improvisamos um comício. Li a nota daUNE. Decidiu-se

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mobilizar os estudantes para a greve. Segui à assembleia sindical da Federação dosTrabalhadores da Indústria na Bahia. Avisei que parte do comando geral dostrabalhadores fora presa de manhã. Houve discussão e nisso as tropas da PolíciaMilitarcomeçaramacercarapraça.Fuiparacasatranquilizaraminhamãe.Nodia seguinte tentei embarcar para oRecife.Voos suspensos. Procurei chegar àFaculdade de Direito, cujo centro acadêmico eu presidia. Já estava ocupada. Aslideranças, presas e espancadas. Reuni-me com companheiros da direção da AçãoPopular, à qual pertencia. Concluímos que a resistência pacífica era inviável eembarcamosparaointerior,acidadescomprefeitosprogressistas.SeguiparaFeiradeSantana comHaroldo Lima e JorgeGonçalves, hoje um dos desaparecidos, preso etorturadoatéamortenoRio.

JorgeGonçalves(DositedaComissãoEspecialsobreMortoseDesaparecidosPolíticosdaSecretariadosDireitosHumanos.)JorgeLealGonçalvesPereira,desaparecidopolítico. Integraa listaanexaàLeinº9.140/95,quereconheceestaremmortasaspessoaspresaspormotivospolíticosde2desetembrode1961(porcontadosassassinatosdetrabalhadoresruraisedisputasfundiáriasprincipalmente)a5deoutubrode1988,edesdeentãodesaparecidas.BaianodeSalvador,engenheiroeletricista, trabalhounaRefinariadeMataripe,daPetrobrás.Presoemabrilde1964,foidemitidodaestatal.CasadocomAnaNériRabelloGonçalvesPereira,tevequatrofilhos.Libertado,trabalhounaCompanhiadeEletricidadedaBahia.SequestradonoRio,emoutubrode1970, levaram-no ao DOI-CODI. Cecília Coimbra, psicóloga e fundadora, mais tarde, do GrupoTorturaNuncaMais,presanaquelemomento, viuJorgesendo levadopara interrogatório.MarcoAntoniodeMelo,comquemseriaacareado,confirmouaprisão.OIExércitonegouofato.Emnovembrode1972,amãedeJorgeLeal,senhoraRosaLealGonçalvesPereira,enviouumacartaàesposadopresidentedaRepública,ScylaMédici,comoseguinteteor:“HádoisanosmeufilhoJorgefoipresonaGuanabara.Jorgeécasado,temquatrofilhinhoseeu,comomãee avó, venho lhe pedir para ter pena destas crianças que ainda tão pequenas estãoprivadasdoseuamoredoseucarinho.Osmeninostêm8,6,4e2anos.{...}Eameninaestácom2anosemeio,eestanãoconheceopai.D.Scyla,perdoe-metomaralgumtemposeuparameouvir,masachoquenão tenhooutrapessoaaquemmedirigir.Assim façonestemomento, lhedirijoopedidodeumamãeeavóàoutra:ondeestáJorge”?Acartanãoobteveresposta.

ComoprefeitoFranciscoPintopensamosemorganizarumaresistêncianacidade.Mas o noticiário informou que não houve resistência no Rio. Em Pernambuco,MiguelArraesforapreso.SeriagrotescoresistirsóemFeiradeSantana.NoRio,1ºdeabril,incendiaramaUNE.Dispersamo-nos.VolteiaSalvadorealifiquei.Nodia2dejulho,quandose festejaa independênciadaBahia218,bemno seu estilo frenético, odeputadoAntônioCarlosMagalhãesexaltouosgolpistas.

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Nessemeio tempo, enquanto tropas golpistas avançavam, no dia 1º de abril, paracercar a cidadedoRiode Janeiro, Jangodirigiu-se aBrasília.Ficoupouco tempo,osuficiente para obter a confirmação de que uma força-tarefa dos Estados Unidosnavegavaemdireçãoaos litoraisdoEspíritoSantoedeSãoPaulo.VoouparaPortoAlegre,ondeseencontroucomLeonelBrizolaeonovocomandantedoIIIExército,o legalista general LadárioPereiraTelles.Depois de dialogarem Jango resolveunãoresistir:nãoqueriaensanguentaropaíscomumaguerracivil.DeixouoBrasil.Porquehouveogolpe?Umaversãopropagaqueseevitouumarevoluçãoemcursonopaís.Porémnãoseencontrouplanodecombate,arsenaldearmasnemresistênciaque justificasse a versão. Lembra a justificativa do governo norte-americano parainvadiroIraque:armasdeextermínionuncaencontradas.VersãomaisaceitávelfoiadequeseevitouumgolpetramadopelogovernodeJoãoGoulart. Há alguma verossimilhança nessa argumentação porque meses antes, em1963,JangoteriaencaminhadoaoCongressoumprojetodeestadodesítio.Pretendiaafastar o governador da Guanabara, Carlos Lacerda, e o governador de São Paulo,AdhemardeBarros,alémdesuspenderasgarantiasconstitucionais.O projeto, submetido à consulta da Frente de Mobilização Popular219, quecongregava partidos de esquerda, o Comando Geral dos Trabalhadores, a UNE eentidadespopulares, foi rejeitado.Umgolpe sevoltaria contra as forçaspopulares–essa, anossaprevisão. Jango retirou-odoCongresso.Aalternativa era empenhar-separa mobilizá-las mais a fundo, caminho que Jango e seu ministro Darcy Ribeirotrilharam. Todos, portanto, renunciaram ao projeto, embora fosse um golpe emautodefesa, pois os governadores mencionados faziam campanha aberta peladerrubadadopresidenteJoãoGoulart. Jáorealgolpede1964visouademocraciaeasreformasdebase220.Paroporaqui.Muitoobrigado.

Osufocodeumageração(resumo)

OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–AnuncioapresençadeCarlosFernandes,presidente municipal do PPS, o Partido Popular Socialista. Passo ao depoimento dopresidentedaUNEem1964,oengenheiro,economistaepolíticoJoséSerra.

O Sr. José Serra – Cumprimento a todos os presentes, meu abraço a DuartePachecoPereira,colegadaépocadaUNE,meuamigodetodasasdécadasposteriores.DuartepermaneceunoBrasil, foidirigentenacionaldaAP, viveunaclandestinidadecoma vida em risco a cadamomento.Éumexemplodoque foi o sufocodanossageração, que apenas saía da adolescência, e das gerações subsequentes.Uma perda

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poucomensurável e de enorme importância, numademocracia imperfeita,masquerepresentavaavanço.Oregimefechadotrouxeenormeprejuízo.Osmelhoresquadrosafastaram-sedapolítica.Ouforampresos,perseguidos,torturados,mortos.Custoaltoda ditaduramilitar que durou 15 ou 20 anos, segundo diferentes análises. Tempodemais.Todaaimprensaapoiouogolpe,excetoaÚltimaHora.Porissohouveumconsensodefixaradatade31demarço,evitandoo1ºdeabril,diadamentira.Asituaçãoeracrítica na noite do dia 31, mas o golpe se definiu no dia 1º. No fundo, o golpeexpressou a mentira de que estava ameaçada a democracia e que o comunismoespreitavanovirardaesquina.Tudofolclore.PorémasforçasdedireitatransmitiramàpopulaçãoaideiadequesepreparavaumaguerraparatrazeraoBrasilumregimede tipo cubano. Realmente assustou muito a classe média e outros tantos setores.Lembro, aqui, que a UNE não era janguista, e sim uma força independente. Haviaorganizações,mastudoinocentenoqueserefereàpreparaçãopolítica,aospartidos.NãohaviahipótesedeimaginaraUNEoudemaisentidadesestudantisengajadasempartidospolíticos.Lembro que em janeiro ou fevereiro de 1964 fui a Belo Horizonte, para umatentativa de juntar centrais sindicais e criar uma central única dos trabalhadoreslatino-americanos – a CUTAL. Pois umas senhoras, do movimento da Família comDeuspelaLiberdadeealgunsmatõesimpediramareunião.Marcamosoutra.Brizolae os deputados foram em avião alugado; Betinho221 e eu em avião de carreira.Chegamos atrasados. Quando nos aproximamos do local, impossível entrar: haviauma praça de guerra. Discretamente nos afastamos, pois seria terrível se nospercebessem.Resolvemos andar até o palácio do governador deMinas, Magalhães Pinto, paraexigirmedidas em relação ao que acontecia.Ao caminharmos por aquele bairro declassemédia,fiqueiabismadoaover,emcadacasa,mulheresrezandocontraaguerrarevolucionária, contra o comunismo. Esse sentimento pegou boa parte da classemédia.Nodia19demarçode1964sefez,aquiemSãoPaulo,aMarchadaFamíliacomDeus pela Liberdade.Muita gente! Trouxe-me grande apreensão, porque deurespaldoimportanteaquemqueriadarogolpe.Tudo fruto de um trabalho magistral de comunicação por meio da Rede daDemocracia, criada em outubro de 1963222.Toda a mídia colaborou exceto, comodisse, a Última Hora. A televisão mais importante, na época, era a dos DiáriosAssociados,aTVTupi.Nãohavia tecnologiapara redenacional.Não se via emSãoPauloaprogramaçãodoRioevice-versa.MasemtodososlugaresexistiaaTVTupi.Do Assis Chateaubriand, a figura sinistra da época, inteiramente embarcado noprojeto.

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NanoiteanterioràMarchadaFamíliavimaSãoPauloparaumdebatenatelevisão,aovivo–nãoexistiaprogramagravado.Nósdois,oRioBrancoParanhoseeu.Eleeraum advogado trabalhista, homem tímido, amigo do Moacir Longo aqui. Do outrolado uma deputada agressiva, a Maria da Conceição da Costa Neves; e o CunhaBueno223.Nuncaemminhavida,atéhoje,participeideumdebatetãovirulentoefuitãocontraacorrente.Eutinhaacabadodefazer22anosediziaàpopulaçãoquenãofosseàmarcha.Nodiaseguinte,centenasdemilharesdepessoasnarua.Paravocêsteremumaideiadaradicalização,oatorLimaDuarteveioaoestúdiomedar uma força. Era de esquerda, ligado meio na moita ao Partido Comunista. Nointervaloelemedissequeeunãoconseguiriasair,umbandomeesperavaláforaparaagredir.Esseoclima.Violência,espancamento.PediaelequeligasseparaaCasadoPolitécnico, onde moravam alunos da Poli que vinham do interior. Eles seorganizaram e ficamos com maioria fora do estúdio. Como éramos pacíficos, nãoespancamos ninguém. E a manifestação simplesmente se desfez. Quem praticava aviolência–querodeixarbemclaro–eraadireita.

Arquivopessoal

JoséSerranocomíciodeJangoemdefesadasreformasdebase,naCentraldoBrasil,em13demarçode1964:comoamigodeputadofederalAlminoAfonso

AsbandeirasdaUNEO Congresso da UNE que me elegeu em 1963, em Santo André (SP), tinha umencarregadodasegurança:essesenhordecabelosbrancosqueestápresente,oEgídioBianchi.(gestoemsuadireção,naplateia)Sem experiência alguma na área. Simplesmente ometralharam de bombas de gáslacrimogêneo.Vocêsjáviram?Nãoexplode,soltafumaçaetornaoarirrespirável.Eraopãonossodecadadianoscomíciosemrecintos fechados.Euasconheciadesdeo

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congresso daUNE de 1962, noHotel Quitandinha, em Petrópolis (RJ). Da parte daesquerdasóhaviaostentaçãodeforça.Econfiava-senolegalismodasForçasArmadasedas forças leaisaopresidentedaRepública.AviolêncianoBrasilcomeçouapartirdo golpe. Discutem-se as ações armadas posteriores, mas as forças golpistas é quefecharamoscaminhosdademocraciagerandoviolência.Omovimento estudantil tinha forçamuitomaior do que hoje, embora só 1% dapopulaçãocomidadesuficientefrequentassea faculdade.Hojesão70vezesmais.OensinoprivadoemSãoPaulo,de30a40%,limitava-sebasicamenteaoMackenzie,àPUCeàCásperLíbero.Orestante,USP.Inexistiamfaculdadesprivadasestiloempresas.Os estudantes eram mais homogêneos, melhores condições econômicas. Cursosnoturnos,umaexceção.ParamemantercomoestudantedaPolitécnicaeudavaaulasparticularesdematemática.Amaiorianãotrabalhava.Basicamente, quanto ao ensino, a UNE defendia a ampliação das vagas nasuniversidades federais, melhora de sua qualidade e fim da cadeira vitalícia, quetornava o professor um monarca absoluto. Exigíamos também campanhas dealfabetização.Naépoca,osanalfabetoschegavama40%!Duasemcadacincopessoas.EteveoCPC,CentroPopulardeCultura.Quando eu era criança, apresentavam-se sempre as mesmas peças estrangeiras.DepoissurgiramdramaturgoscomoDiasGomes.AUNE,nagestãoanterioràminha,acertou a cessãodeumespaçoparaumgrupodepessoasque tinhamconstituídooCPC224.Eramautônomos.NaminhaépocaopoetaFerreiraGoulart, jáconsagradonaépoca,presidiu-o.EuqueriaumfilmesobreaUNEeelesnãoqueriam.Estavamcertos.Masbarganheiechegamosaumacordo.Ofilme,comdireçãodoChicodeAssis,umtalentoenorme,ficariaprontoalgumassemanasapósogolpe.A UNE tinha peso e participou da Frente de Mobilização Popular, que reunia osdeputadosmaisàesquerdadeváriospartidos.OsmaioresexpoentesforamoLeonelBrizola, o Almino Afonso e o Arraes. Criou-se também o Comando dosTrabalhadores Intelectuais, do qual faziam parte escritores, pintores e artistas emgeral.Paramimfoiumprivilégioconhecê-los.ODiCavalcanticombinouconoscodepintar umpainel na porta doCPC. A época era de participação, ousadia, esperança.Muita.

UmadasmuitasproduçõesdoCPCfoiocompactodacançãoquetratavadosubdesenvolvimento,exuberantedevitalidade,inconformismoeinocência.AcançãodosubdesenvolvimentoDeCarlosLyraeFranciscodeAssisOBrasiléumaterradeamoresAlcatifadadefloresOndeabrisafalaamores

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EmlindastardesdeabrilCorreiprasbandasdosulDebaixodeumcéudeanilEncontrareisumgigantedeitadoSantaCruz...hojeoBrasilMasumdiaogigantedespertouDeixoudesergiganteadormecidoEdeleumanãoselevantouEraumpaíssubdesenvolvidoSubdesenvolvido,subdesenvolvido,etc.(refrão)EpassadooperíodocolonialOpaíspassouaserumbomquintalEdepoisdedarascontasaPortugalInstaurou-seolatifúndionacional,ai!Subdesenvolvido,subdesenvolvido(refrão)

EntãoobravopovobrasileiroEmperigoseguerrasesforçadoMasqueprometiaaforçahumanaPlantoucouve,colheubanana.BravoesforçodopovobrasileiroMasnãoviocapitalládoestrangeiroSubdesenvolvido,subdesenvolvido,etc.(refrão)AsnaçõesdomundoparacámandaramOsseuscapitaistão“desinteressados”Asnações,coitadas,queriamajudarEaquela“IlhaVelha”nãoroubouninguémPaísdepoucaterra,sónosfezumbemUm“big”bem,un“big”bem,bom,bem,bom/Nosdeuluz,ah!Tirououro,oh!Nosdeutrem,ahhh!Maslevouonossotesouro/Subdesenvolvido,subdesenvolvido,etc.(refrão)MasdatahouvequeseacabaramOstemposdurosesofridosPoisumdiaaquichegaramoscapitaisdosPaisesamigosPaísamigodesenvolvidoPaísamigo,paísamigoAmigodosubdesenvolvidoPaísamigo,paísamigoEnossosamigosamericanos

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Commuitafé,commuitaféNosderamdinheiroenósplantamosSócafé!ÉumaterraemqueplantandotudodáPodeseplantartudoquequiser

MaselesresolveramquenósiríamosplantarSÓCAFÉ!SÓCAFÉ!Bentoquebentoéofrade-frade!Nabocadoforno-forno!Tiraiumbolo-bolo!Fareistudoqueseumestremandar?Faremostodos,faremostodos...ComeçaramanosvenderenoscomprarComprarborracha-venderpneuComprarmadeira-vendernavioPranossavela-venderpavioSómandaramoquesobroudeláMatériaplástica,/QueentusiásticaQuecoisaelástica,/QuecoisadrásticaRock-balada,filmedemocinhoArrefrigeradoechicletdebolaEcoca-cola...!Subdesenvolvido,subdesenvolvido...etc.(refrão)OpovobrasileirotempersonalidadeNãoseimpressionacomfacilidadeEmborapensecomoamericanoEmboradancecomoamericanoEmboracantecomoamericanoLá,lá,lá,lá,lá,láÊh,êh,meuboiÊh,roçadobãoOmeiordomeusertão,thu,thu,thuComeramoboi...Opovobrasileiroemborapense,danceecantecomoamericano

NãocomecomoamericanoNãobebecomoamericanoVivemenos,sofremaisIssoémuitoimportanteMuitomaisdoqueimportante

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PoisdifereosbrasileirosdosdemaisPersonalidade,personalidadePersonalidadesemigualPorém...subdesenvolvida,subdesenvolvidaEessaéqueéavidanacional

OmaremquesenavegaEra muito difícil governar o Brasil nessa época. Às vezes dizem que o Jango,incompetente,nãotinhavocaçãoparagovernar.Elenãoeraumbrilhoemmatériadepolítica,de administração.Noentanto, já vipresidentesmaisdespreparadosdoqueelesesaírembem.Tudodependedecomoomarsecomporta,ondesenavega.Nosanos1950oBrasilviveuenormeexpansãoindustrial.Naépoca,maisde5%doPIB. Até meados dos anos 50 não havia geladeira fabricada no Brasil. Todasimportadas. Lembro-me da primeira em casa, motivo de orgulho. Uma Clímax. AregiãodoABC,umnada,derepentevirouograndepoloindustrialbrasileiro.Osaltocomeçou no governo Vargas e aconteceu principalmente no governo de JuscelinoKubitschek, com capital estrangeiro e sem mexer na estrutura agrária. Isso trouxedesequilíbriosemigraçãorápidadocampoàcidade.Um desequilíbrio foi a demanda por alimentos na cidade e a inflação. Claro quereformaagrárianãoresolveria,poistrazmudançaamédioelongoprazo.Ébandeirapolítico-social e não econômica stricto sensu.Mas passou-se a identificar uma coisacomaoutra.Em1963ainflaçãochegoua90%.Semmecanismosdeindexação,comoreajustesdesalárioeoutros,despertavatremendacomoçãosocial.Douoexemplodomeupai. Pequeno comerciante nomercadomunicipal, a inflação arruinou-o. Ficousemnada.Deixavaodinheironobancoa jurosde10%aoano;morreusemsaberoque era a inflação. A migração evidenciou uma pobreza antes oculta e a falta deserviçossociais.Agarotadanãoiaàescola,nãohaviaserviçodesaúdepública.OmardeJoãoGoulartnãoerabomdenavegar.

IngredientesindigestosDeoutrolado,tudoeraolhadopelaóticadaguerrafriaentreosEstadosUnidoseaUniãoSoviética,quedisputavamcadapalmodomundo.Umpresidentepopulista ereformista seria visto como um comunista exaltado. Não só o Jango. O ArturoFrondizi225 na Argentina, eleito em 1958, reformista moderado, deposto por umgolpe em 1962.O presidente JuanBosch naRepúblicaDominicana, ummoderadoqueosmilitaresderrubaram.Osamericanosinvadiramopaísem1965226e,vergonhanossa,oBrasilmandoutropas.QuandoFidelCastroderrubouaditaduradosargentoFulgencioBatista,viram-no

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comsimpatia:osEstadosUnidos,aopiniãopúblicamundialeatéoEstadão.Maselesedeslocouparaaórbitasoviéticaeosocialismo.DealgumaformapegoudesurpresaosEstadosUnidos.Ouseja,radicalizou-seopapeldaguerrafrianaAméricaLatina.Um historiador alemão-americano, Fritz Stern, considerou a I Guerra Mundialcomo aprimeira calamidadedo séculoXX, que gerou todas as outras.Tivemosumterceirocomponente,o JânioQuadros,eleitocomapregaçãomoralistadavassoura.O único que deixou uma conta na Suíça. Não estou dizendo que os outros eramhonestos, mas é a ironia. De repente o Jânio mandou uma carta de renúncia,achando que o Congresso, ao rejeitá-la, lhe dariamaiores poderes. Não deu certo.Aceitaram.AConstituiçãode1946determinavaqueseelegiaoviceseparadamente,vejamqueloucura.Queriasaberquemteveessaideia!Agora,imaginem:oviceeraoJango,quetinhasidovicedoJuscelinoeeravicedogeneralLott,queperdeu–tantoaesquerdaquantoadireitaadoravamfazerpolíticacomosmilitares...umequívocofatal.Bem, o Jango venceu e o Jânio pensou: “Os militares não gostam dele, não vãoaceitar.” E mandou o Jango à China, em missão diplomática. Aí, quandoconfidenciouquerenunciaria,osmilitaresofereceram:“Agentedáumgolpe,quer?”Claro,nãodevem ter falado comessaspalavras.Porém Jânionãoqueria ficar sob atutelamilitar.Osmilitaresentãodecidiram:Jangonãotomaposse.Criou-seimpassetremendo no país. Dividiu a sociedade. Por exemplo, o Abreu Sodré, udenista,presidentedaAssembleiaLegislativa,contraoJango,estavaafavordaposse.AresistêncianoRioGrandedoSul levouaumasoluçãoconciliatóriaqueo Jangotopou – a meu ver, não precisava. Mudou-se para o parlamentarismo, regime quedefendoatéaalma.Masnãoassimdeafogadilho,afimdeenfraqueceropresidente.Bem. Jango veio e concentrou-se em restaurar o presidencialismo. Para enfrentar acrise precisava-se de reformas; reformas pedem presidencialismo. Havia políticas equadros bons no governo, só que o foco era esse: acabar com o parlamentarismo.Afinal derrubaram esse regime no plebiscito de 1963. Jango fez seu primeiroministério, basicamente com objetivo de controlar a inflação. O Plano Trienal nãodeucerto.Queriamdaraofuncionalismoreajustede40%.Elesqueriam80%.Nofimderam70%.Eaespiralpreço/salário,disparada.Nãotinhajeito.Jamaissedevesubestimaraquestãoeconômica.VejamataxadeinflaçãonoBrasil:em 1957, 7% ao ano. Em 1958, 25%. Em 1959, 40%. Em 1960 recuou um pouco,30%.Em1961,anodarenúnciadoJânio,48%.Em1962,52%.Em1963,80%,masaquisetratadoíndicegeraldospreços,diferentedocustodevida.Imaginem o papel de disrupção dessa subida inflacionária e a ingenuidade deignorar o problema, numa luta popular que seja efetiva.Quando o Jango propôs oPlano Trienal, a grande oposição foi do Prestes. Nós, na UNE, organizamos um

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seminário. Chamamos o Celso Furtado, que era ministro do Planejamento. Odebatedor, Mário Alves, do PCB. O Mário destruiu o Plano, sem oferecer opçãorazoável.Estácerto?Então,presidencialismoposto,o Jangocontinuavaadiscursar: “Ouasreformasdebaseouocaos”.Achadoextraordinário,onomereformasdebase.Queminventou?Tenhoa impressãodeque foioSanTiagoDantas.Ecomoninguémdesmente,voucontinuardizendoisso.MasoPaísjáseradicalizara.Einsisto,Gilberto,

(voltando-separaopresidentedaCMVVH)Oproblemadebaseeraainflação.Sevocêpegarostrêsprimeirosmesesde1964,aacumulada, de 15%, caminhava para 150% ao ano. O Brasil teve isso na época doregimemilitar.DoSarney.Nãoestoudizendoquesóissoéacausa(dacrisequelevouao golpe). Mas naquele contexto compôs o quadro propício a algum desenlacedramático.

AsexcentricidadesdahistóriaO golpe era inevitável? Nada é inevitável. A posteriori a história sempre abrecaminhos,masaíadiscussãoésurrealista.Nãoháhistóriasemexcentricidades,semoinesperado, o novo, as consequências imprevistas. O fato é que o desenlace foi ogolpe.ODuarte relatou aqui a discussão sobre o estado de sítio proposto por Jango. Euestava na Bahia, porque era aniversário da Petrobrás. Apenas o Duarte, oMarceloCerqueiraeoAlminoAfonsoforamcontraogolpe.Osrestanteshesitavam.Foinumaquarta-feira, acho. No domingo todos nos reunimos com Jango. A Frente deMobilização Popular era dividida: de um lado o partidão, de outro o Brizola. Semmuito conflito, mas certa disputa. Passaram-me a palavra e eu posicionei a Frentecontra o sítio, porque o regime de exceção desembocaria em golpe. Haveria umaditaduramilitarcomonossoapoio.DepoisqueengolissemoJangobateriamprimeironadireita,depoisnaesquerda.ComofoicomoEstadoNovodoGetúlio.Jango respondeu: retiro a proposta do estado de sítio e digo a vocês que nãoterminareiestemandato.Nãoafirmouparafazerchantagempolítica.Sabiaquetinhapouca sustentação. Aliás, a esquerda achava que tinha grande capacidade demobilização,porcausadabatalhapelapossedoJango. Jáparaadireita,muitomaislúcidaeobjetiva,onegócioeraderrubar.Semmais.Essas tropasmineiras que oDuartemencionou, eramde recrutas.Umaviãozinhoroncandoemcimaasdispersaria.Noentanto,nãoaconteceu.OesquemamilitardoJangonãofuncionoueaquelastropasforamofatordeigniçãodogolpe.

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Umtemaquemeintrigaéacontinuaçãode1964.Porquê?ARevoluçãode1930nãocontinua.Éapré-história.Mas64estáaqui.Achoqueháummal-entendidodoBrasil coma suahistórianoperíodo.Éonossomaiormal-entendido.Certavez, euestava no Congresso ou em algum cargo do Poder Executivo, nos anos 1980, veiofalar comigo um sujeito e disse que queria me pedir desculpas, pois fora o meupromotorde acusação.Nãoaceitei: “Comoo senhor fazumacoisadessas?Cumprirordens?”–respondi.Saí do Brasil em 1964, voltei em 1965. Não deu para ficar. Eu tinha um rostorazoavelmenteconhecido,poderiaserpreso.HouveprisõesmuitoesquisitasdaAP, àqualeupertencia.NumadelasfoiaMarli–euaviporaqui.Marli, levanteobraço,porfavor.

(umasenhoradaplateiaergueobraço)Era uma reunião da AP de todo o Brasil. Não me deixaram participar. Nuncaentendi a causa da reunião, mas o fato é que a polícia compareceu. Todos presos,também a Marli que está aqui. Insustentável ficar. Fui para o exílio, 14 anos.Interrompidos,mas14anos.A questão das prisões arbitrárias passameio batida, Gilberto (Natalini). Mas elasviolamos direitos humanos.A prisão do professor e historiadorCaio Prado Júnior,por exemplo. Passou dois anos no presídio Tiradentes. Absurdo! Puro intelectual.Não estou justificando que, se fosse militante, podia. Aquela Lei de SegurançaNacional –qualquerumdenunciava epronto, todos eramcondenados.Epassamosbatidos,certo?Chamoaatençãoparaisso.Fuicondenadoporela,artigo11,incisoA.(fazer publicamente propaganda de processos violentos para a subversão da ordempolíticaousocial)Coisamaisimpossível!

Lição?Jovens,nãoháÀs vezes não se valoriza o que se tem: as regras do jogo democrático. Comopresidente da UNE, quantas vezes eu disse: “Para que democracia se há pobreza,desigualdade?” Estava errado! Temos de resolvê-las e chegar a um sistema justodentrodasregrasdojogodemocrático.Chamoaatençãodosjovens:vocêsnãosabemoqueéumaditadura,oqueéperseguição.Chamo a atenção para outra questão: o patrimonialismo, doença na históriabrasileira, que é o uso dos bens públicos para fins privados. Já corrupção é tirardinheiroouusaramáquinaparaseubenefício.Sãofenômenosdiferentes,emboranaessênciasejamamesmacoisa.Aerapré-64édeinocênciaemrelaçãoaoqueaconteceunoBrasileatudooquesedeu a partir da Nova República e da redemocratização. Termino com a pergunta:Qualéalição?Nãotem.Háqueaprenderdaexperiência.Cadaumcomoquemaiso

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sensibiliza,aquiloqueoatingemaisfundo.Muitoobrigado.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Agradeçoaosnossosconvidados,DuartePereira e José Serra. Agradeço ao Moacir Longo a presença. E aos estudantes doColégio Madre Paula Montalti, parabéns pela consciência de vocês. Agradeço aosvereadorespresentes.Muitoobrigadoatodos.Estãoencerradososnossostrabalhos.(palmas)Eleitodeputadofederalnaseleiçõesde2014.Em2dejulhode1821,aentãoprovínciadaBahiasedeclarouindependentedePortugal–antesdadeclaraçãodeindependênciadoBrasil,em7desetembrode1822.AFrenteenglobavaorganizaçõessindicais,estudantis,femininas,camponesas,algunsintegrantesdoCongressoNacionaledoPartidoComunistaBrasileiro.Limitararemessadelucros,reformasbancária,fiscal,urbana,nacionalizarrefinariasparticulares,reformaagráriaàsmargensdasrodoviasfederais,ferroviaseaçudes,votodosanalfabetos,marinheirosesargentos,aumentodasvagasemescolaspúblicas,democratizaçãodasuniversidades.HerbertJosédeSousa(1935-1997),símbolodecidadaniaesolidariedade.FundadordoInstitutoBrasileirodeAnálisesSociaiseEconômicas(IBASE).UmadesuasmúltiplasiniciativasfoiacampanhaAçãodaCidadaniacontraaFome,aMisériaepelaVida.AsrádiosTupi,GloboeJornaldoBrasiltransmitiamdiariamenteopiniõeseentrevistasagressivasaogoverno.Emissorasdetodoopaísreproduziamosprogramas,comobjetivodederrubarogoverno.Jornaisdogrupopublicavamospronunciamentosemseguida.TudoarticuladocomoIPES(capítuloVI).AntônioSílvioCunhaBueno(1918-1981),deputadofederal,ajudouaarticularogolpede1964eaorganizaraMarchadaFamíliacomDeuspelaLiberdade.FoicassadopeloAI5.Deu-sesobapresidênciadeAldoArantes,tambémdaJuventudeCatólicaeposteriormentedaAP.Constituíamogrupo:OduvaldoViannaFilho,oVianinha,dramaturgo;CarlosEstevamMartins,cientistasocial;LeonHirzman,cineasta;FranciscodeAssis,atoredramaturgo;CarlosLyra,compositor.OCPCrealizoucursosdeteatro,cinema,artesvisuais,filosofiaea“UNE-Volante”,quepretendiaexpandirasuaproduçãoaoutrosEstados.UmmarcodoCPCfoiapeçaAMais-ValiaVaiAcabar,seuEdgar,deOduvaldoViannaFilhoeChicodeAssis,commúsicadeCarlosLyra.CarlosEstevamajudounoroteirocomexplicaçõesdidáticassobreamais-valia.Incentivouinvestimentosexternosemindústriapesadaenaproduçãodeveículos.TornouaArgentinaautossuficienteempetróleo,aumentouosgastospúblicosemcréditosparaempreendimentoseaconstruçãodeinfraestruturaparaenergiaelétrica.Umgolpemilitartirou-odopoderporquesuspendeuobanimentodoperonismoemostrouaberturaparaodiálogocomCuba.DepoisdaabominávelditaduradeRafaelTrujillo,assassinadoem1961,oescritor,historiadoreprofessorJuanBoschfoieleitoepromulgouumaConstituiçãoliberal.Emsetemesesmilitaresoderrubaram.Aintranquilidadeseinstaloueem1965,àbeiradeumaguerracivil,osEstadosUnidosinvadiramopaís,receososdeumanovaCuba.

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Foto:FábioLazzariJr./CMSP

TODOSPRESOS

OsadvogadostrabalhistasHenriqueBuzzoni(esquerda)eJoséCarlosArouca,demitidosepresosdepoisde1964,falamdasperseguiçõesàsliderançassindicaisduranteaditaduramilitar

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CAPÍTULOXIV

Cavaleirostrabalhistas“Masembalde...QueodireitoNãoépastodepunhal.Nemapatasdecavalos

Sefazumcrimelegal...”CastroAlves(1847-1871),poetabaiano,nopoemaOpovoaopoder.

Antesde começar a sessãododia 27de agostode2013daComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzog,comodepoimentodosadvogadostrabalhistasJoséCarlosAroucaeHenriqueBuzzoni,overeadorRicardoYoungpediuapalavra.“Senhor Presidente, quero registrar que no filmeRepare Bem, da diretora e atrizportuguesa Maria de Medeiros, a Denise Crispim, que foi casada com o EduardoLeite,oBacuri,mutiladodeformaindescritível,relataoprocessodaquedadetodososquadrosdaVPR.RepareBemganhouoprêmioKikitosdemelhorfilmeestrangeiro,em Gramado (RS). Seria esclarecedor que os vereadores da CMVVH o assistissem.Denise sónãomorreuporque estavagrávidadeEduarda, eodocumentáriomostratambématrajetóriadessafilhaórfãdepresopolítico.OvereadorGilbertoNatalinirequerquesejaadquiridaumacópiadofilmeparaquetodosoassistam.“Bacurifoipresopolíticoeintegraoâmbitodenossotrabalho”,explica,antesdedarinícioaosdepoimentos.

OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–PeçoquecomponhamaMesaJoséCarlosArouca eHenriqueBuzzoni, advogados trabalhistas.Temapalavra,primeiro,oDr.Arouca.

O Dr. José Carlos Arouca – O meu relato se refere inicialmente ao períodoanterior a 1964, na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP). Minhaatuação política era intensa naUEE, naUNEe na dinâmica interna da Faculdade deDireito. Tinha um cargo remunerado no Departamento de Apostilas. Meucompanheiro ali era oDr.KazuoWatanabe.Mais tarde ele foi professor deDireitoCivildaFaculdadeedesembargador.MilitavanoPartidoSocialista.

Atrevimentosmeusnafaculdadenãofaltaram.Umdosbons,comoKazuoeoJoséMário Cardinale, foi o movimento contra a escolha, como paraninfo, do Gaminha(LuísAntôniodaGamaeSilva),depoisministrodaJustiçadoditadorCostaeSilva.Perdemosparavaler.Comecei a me interessar por advocacia trabalhista no Departamento Jurídico do

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CentroAcadêmicoXIdeAgosto,da faculdade.Graças aumexcelenteprofessordeDireito do Trabalho, um negro, Dr. Cesarino Júnior. Tornou-se um nomeinternacional.Umafrasedeleficounahistória:“ODireitodoTrabalhofoifeitoparaproteger o trabalhador contra o empregador, contra o Estado e contra ele próprio.”Quer dizer, é aquela história, “eu não quero ser registrado, não quero pagar INSS.”RespondeoDr.Cesarino:“Ah,vaipagarsim,vouprotegervocê...”O Departamento Jurídico era um pronto-socorro, é até hoje. Os estudantes sóqueriamcrime, separação.Eu chegava às 18horas ehaviaunsdez clientes à esperapara encaminhar causas trabalhistas. Assumi a responsabilidade e gostei dabrincadeira.A essa altura, recém-formado, um advogado de vários sindicatos – metalúrgicos,químicos,coureiros–,Dr.WalterMendonçaSampaio,precisavadeumestagiário.Eufui. Devagar comecei a minha carreira pessoal advogando para os químicos, aconstruçãocivil,osbrinquedoseinstrumentosmusicais.Umescritóriopequeno,malganhavaparapagarascontas.Depois trabalhei com o Luiz Tenório de Lima, que presidia o sindicato quechamávamos café com leite. Açúcar refinado, torrefação e moagem de café elaticínios.Tambémtrabalheicomaconstruçãocivil.TodosdoPartidoComunista.Acerta altura o Tenório enfrentou o desafio de concorrer para o maior antro dopeleguismodoEstadodeSãoPaulo, aFederaçãodaAlimentaçãodoEstadodeSãoPaulo.NamãodeumcapitãoOliveiraquenemsoldadorasoera.VogaldaJustiçadoTrabalho, vejam só. Tenório ganhou por um voto e me levou com ele. Agoraatuávamostambémnoâmbitoestadualeatéfederal.Valeapenacontarocasoimportantedopessoaldasusinasdeaçúcar.Eramruraisepor isso não tinham legislação trabalhista nem previdência social. O Tenóriocomandou o movimento para enquadrá-los na previdência. O Dante Pelacani erapresidentedaFederaçãodosGráficos epresidente, agora jáno tempodo Jango,doDepartamento Nacional da Previdência Social. Tenório, Dante e Jango acertarampara incluir na previdência esses trabalhadores canavieiros, bem como todos daagroindústriaedaagropecuária.Muitopolítico,nodiadaaprovaçãoTenóriochegoucomuns20dirigentessindicaisvindos de todo o Brasil. Maior mobilização. Ao entrar no plenário, Dante fez umsinal:nãoderacerto.OspatrõesprensaramoJango,querecuou.Nãoseriaaprovado.Tenóriovira-separaoauditórioediz:“Todoomundocomasuacaixadefósforo?”Aquele alvoroço! Dante Pelacani disse: “Eles vão tocar fogo nos canaviais”. Bem.Aprovou-se a inclusão dos trabalhadores na Previdência Social e na Legislação doTrabalho.Umagrandeconquista.OSupremoTribunalFederaleoTribunalSuperiordoTrabalhoaprovaramsúmulasreconhecendo-oscomoindustriários.Recentemente,

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uns anos atrás, o TST cancelou a súmula. Ninguém sabe por que, algo semprecedentes.EmtodoocasooSTFamantém.Veio1964,veioo1ºdeabril,ogolpe.Todosnós fomosdemitidos.Fuipresopelaprimeiravezem1964,naportadaJustiçadoTrabalho.NaceladoDOPS encontreioprofessordeFísicadaUSPMarioSchenbergeoConstantinoMilanoNeto,daOrdemdos Músicos e do Sindicato dos Músicos de São Paulo. Da segunda vez fuidenunciadocomoagenteperigosíssimoparaanação.Quandosaí,cometiabobagemdeprestarconcursopara juiz.Eu já tinhadois filhos,minhamulhergrávida.Queriaum trabalho seguro. Fui dos primeiros colocados. Nada de nomeação até vencer oprazodoconcurso.Então, quandomepreterirampela 15ª vez, entrei commandadode segurançanoSupremo Tribunal Federal contra o Costa e Silva e o Gaminha, que não menomeavam. Ganhei por unanimidade. Mas continuou na mesma. Em 1968anunciaram o AI 5 e acabou a brincadeira. Eu não podia continuar a insistir. Fuipreterido35vezesatésernomeado.

SindicatossobintervençãoVoltando. Veio o golpe. Intervenção no sindicato. O Adhemar de Barros,governador, correu a determinar intervenções. Oministro do Trabalho do CastelloBranco, o Arnaldo Lopes Sussekind, mandou que cada sindicato instruísse umprocessoemtrêsviasparaconfirmá-las.DemorouumpoucoeoOliveirabrigoucomointerventorMantovani,umcaradeníveluniversitário,quesóandavadeternoegravata.Osdoisseconfrontaramporquequeriam a presidência da Federação, já liberada.Depois resolverampor um acerto:um levava a presidência, o outro seria o delegado principal junto à ConfederaçãoNacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI). Chapa única. Acertados, o caramandaoOliveiramedemitir.“Nãovejomotivo”,respondeu.Mantiveoemprego.LogomechamaramdevoltaaoSindicatodaConstruçãoCivilporqueointerventoreracroonerdeorquestra,entendianadadenada.Pediuparaeuacharumadvogadoparacuidardeacidentedetrabalho.OSindicatodosPadeirostambémmechamou.No Sindicato dos Brinquedos o interventor viu uma pilha de revistas daURSS, daChina, daAlemanhaOriental emandou: “tem de fazer cópia de tudo isso em trêsvias.”Respondiqueeleenlouquecera,nãohaviadinheiroparaisso.Ocara insistiuedesconfioqueligouaoDOPSmeacusandodeprotegeroscomunistas.Parlamentamos.Decidiu-sequeeumandariaumofícioaoSussekindpedindoinstruções,porfaltadedinheiro para xerocar tudo. Até hoje não veio resposta. No final da intervenção,quando foi eleita uma diretoria, processaram o interventor por dilapidação dopatrimônio.Elegastoutudoemxerox.

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OTenóriofugiu.Umadasprincipaisfigurasdomovimentosindical.Condenarama30anos.OAdelso,doSindicatodosQuímicos, liderouumagrevenaNitroquímica,doclãdosErmíriodeMoraes,umagreveporqueotratamentoeraomaisdesumanopossível. Ele trabalhava na carvoaria, daí seu apelido, Neguinho. Demitido, meprocurou: “Arouca, preciso trabalhar”. Escrevi ao velho Ermírio de Moraes, erasenadordoPTB.Nãorespondeu.NoSindicatodaCarne,otesoureiroRomildoChaparim,paravocêsteremideiadoprocedimentomoral,daintegridadedaquelesdirigentessindicais,depoisdogolpefoivenderbugigangasnafeira.Nembancaeletinha.Colocavaumatoalhanochão.Mascontinuamosalutar.Naconstrução,nosbrinquedos.OBrasilassinaraem1945oTratadodeChapultepec,noMéxico,quereconheciaodireitodegreveeodireitodeorganizaçãosindical.MasoEuricoGasparDutra,quenãoseelegeriaanadanemnaterradele,emMatoGrosso,ungidoporVargas,podialegislar por decreto-lei enquanto não se editasse a Constituição de 1946227. Então,editou o Decreto-Lei 9.070, que criminalizou a greve. Fechou a Central dosTrabalhadoreseTrabalhadorasdoBrasil(CTB)einterveioem230sindicatos.Fechouo Partido Comunista, cassou os mandatos de seus deputados, vereadores e dosenadorLuísCarlosPrestes.Em 1964, a vez do Sussekind. Entre 1964 e 1965, de cara 760 intervenções emsindicatos; 43 federações; três confederações eoComandoGeraldosTrabalhadores(CGT).Representou19%dossindicatosreconhecidos,70%dosgrandessindicatos.Atéofinalde1979somaram-se1565intervenções.Que tempos foram esses? Que homens foram esses que são hoje nomes de ruas,viadutos,rodovias,praças?Vamosrevelaroqueforamaquelestemposparaquenãovoltemnuncamais.Lembro que a ditadura aposentou ministros e juízes. Quando lemos os livros eaprendemos as lições do extraordinário advogado, professor e escritor Evaristo deMorais Filho, devemos ter em mente que foi aposentado compulsoriamente daFaculdade de Direito do Rio de Janeiro. Em 2009 o homenagearam com outrosprofessoresdaUniversidadeFederaldoRiodeJaneiro,atingidospeloregimemilitar.Tinha95anos.Asolenidadechamou-seHomenagemaosqueforamcassadosnalutapelauniversidadecobertaporcéudechumbo.

NaceladoVladoOSr.Presidente (GilbertoNatalini)–Muito obrigado. Passo a palavra aoDr.HenriqueBuzzoni.

ODr.HenriqueBuzzoni–Bomdiaatodos.Começopelaminhaprimeiraprisão.

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Foi na porta da Justiça do Trabalho, em abril oumaio de 1964. Era advogado desindicatos.AndaramcomigopelacidadeemelevaramaoDOPS.Ospoliciaisentraramno Sindicato da Construção Civil e rasgaram um por um os livros da biblioteca,inclusive a História Universal. Disseram que depois iriam a minha casa. Fiqueiapavorado,pensandonoquefariamlá.

Asegundaprisão,nodia8deoutubrode1975,dessaveznoDOI-CODI,veiocomoarrastão que varria o PCB. Processaram-me por crime contra a segurança nacional,inclusiveincursonodecretodagreve.Acontagemdetudoaquefui indiciadodariaumapenade25anos.Peladenúnciadopromotorpúblico,DurvalAirtonSoaresdeMelo,eueraumagenteperigosíssimoparaanação.Daírequererdesdelogoaminhaprisão preventiva. Nessa época eu trabalhava no Sindicato dos Condutores deVeículos,sobintervenção–todaadiretoriaforapresa.ÀchegadanoDOI-CODIsentei-meemumbancoaoladodacelaemquetorturavamalguém.Começavaassim.Ouvia-seosgritosdealguémtorturado.Aintençãoerasaberqueseríamos o próximo. Ameu lado, um jovem a reclamar que queria um advogado.Tinhaodireito, insistia.Ocarcereirosugeriu:“Consulteoqueestádoseu lado, ficamaisfácil.”Nueencapuzadorecebiummacacãoemedeterminaramquetirasseatéoscordõesdossapatos.Comamaiorcaradepau.DepoisdeverasfotografiasdeVladomorto,reconheciacelaemqueeuficaraporcausadacadeira.Sentei naquela cadeira para escrever. Vinham presos, mencionavam nomes, oagente voltava e dizia: você não citou tal pessoa. Inclua. Era preciso acrescentar aotexto escrito que o preso obrigatoriamente redigia, terminadas as torturas228.Armaramacenadofalsoenforcamentoali.Eu estava preso hámais de 20 dias quandome levaram a uma celamaior, ondetodososquesairiamdoDOI-CODIesperavamoalvarádomédico.Elevinhanosexaminar,atentoespecialmenteaferidasgrandesnacanela,causadaspela cadeira do dragão. Esse aparelho, forrado de metal, tinha um caibro ondeamarravamospés,paratrás;acadachoqueocorpodavaumtrancoeacanelabatianocaibro.Osmaistorturadostinhammaioresmarcasedemoravamasair.OsmenostorturadosiamparaoDOPS,opurgatóriodepoisdoinferno.OpresídiodoHipódromoeraquaseumparaíso,comgeladeiraetelevisão.A Ordem dos Advogados conseguira um acordo com o DOI-CODI: os advogadosseriamconvocadosenãopresos;aOABoslevariaàdelegaciaparaointerrogatório.Nunca deram bola. E não havia necessidade de justificativa para intervir em

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sindicatosdevidoàlegislaçãodaCLT,baseadanaCartadelLavorodoMussolini.Porela,osindicatodependiadogovernoparaqualquercoisa.TudoprecisavapassarpeloMinistériodoTrabalho,atéparapediraumento,quesãoosdissídioscoletivos.Sematuação clandestinanematividade armada contrao regime, as reivindicaçõesdo advogado eram três: redemocratização, anistia ampla, total e irrestrita e eleiçõeslivres.QuandolevadoàAuditoriaMilitar,eumequeixeidetersidotorturadoaojuiz;eleteveaincrívelcaradepaudemedizerque,seeuviofilmeODiadoChacal229,sabiaquenaFrançatambémsetorturava.Eumorava emumpequenoprédio.Quando a polícia chegouparameprender, ozeladorrecebeuordemdesubiredizerquemeuautomóvelpegarafogo.Essa pessoa, muito simples, recusou-se a obedecer, tremendo de medo. Isso osobrigouasubir.Exigiquememostrassemascarteirinhas,aviseiaminhaesposaepedia ela que no dia seguinte fosse à Assembleia para denunciar a minha prisão aosdeputados de oposição. Naquela época, em que presos desapareciam, era muitoimportante tornar aprisão conhecida.Contoo episódioporquedesejo agradecer aozelador,homemsimplesdopovo,pelacoragemqueteve.(palmas)

OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–TemapalavraovereadorRicardoYoung.

O Sr. Ricardo Young – Agradeço ao Dr. Buzzoni e ao Dr. Arouca pelosdepoimentos. Peço que me esclareça, Dr. Arouca. O senhor não foi torturado emfunçãodoacordocomaOAB?

O Dr. José Carlos Arouca – O presidente da OAB, Cid Vieira, fez o acordointermediadopelocardealarcebispodeSãoPaulo,D.PauloEvaristoArns.Oacordonão foi cumprido.Umpresidente daOAB, o Bigi, brincava: se você for pego na ruapela polícia política, diz que é ajudante de tintureiro. Se falar que é advogado, vaipreso.Outra coisa. Em 1969 a ditadura aposentou compulsoriamente três ministros doSupremoTribunal Federal:Hermes Lima, que foi primeiro-ministro no gabinete deJoão Goulart (parlamentarismo); Evandro Lins e Silva e Victor Nunes Leal. Opresidente do Supremo, ministro Gonçalves de Oliveira, renunciou em protesto; eoutro,AntônioCarlosLafayettedeAndrada,seaposentouporcontaprópria.

O Dr. Henrique Buzzoni – Lembro também de juízes como Edgar de MouraBittencourt,emSãoPaulo;eOsnyDuartePereira,doRio.

Quanto ao TST, aprovou um prejulgado – hoje se chama súmula, ou seja, não se

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podediscutir–determinandoqueàJustiçadoTrabalhosevedavaapreciarqualquercaso fundado em atos institucionais. Ou seja: atos da ditadura, não apreciamos.Vejam só. OMário Lago, que todos conhecemos, era empregado estável da RádioNacional.Comoo JorgeGoulart, aNoraNey,o JorgeVeigae tantos.Demitidos.OMárioabriuprocessodereintegração.Estavana lei.Ganhou.Aíveiooprejulgadoemandaramarquivaroprocesso.Golpe.OsestudantesdeDireitoeosadvogadosprecisamsaberoqueaconteceuno STF enoTST,oqueaJustiçadoTrabalhoesconde.

O Sr. Presidente (Gilberto Natalini)– Com a palavra o jornalista Sr. MiltonBellintani.

O Sr. Milton Bellintani – O Dr. Buzzoni foi advogado do Sindicato dosTrabalhadoresemEditorasdeLivros,doqual fuiSecretárioGeral.Querodestacaropapel dos advogados trabalhistas no enfrentamento da ditadura, tão importantequanto o dos advogados de presos políticos. Não só orientaram sindicalistasempenhadosemretomarossindicatosdasmãosdospelegoscomoexplicavamdequeformadeveríamos enfrentar o autoritarismo institucionalizado e o controle exercidonopróprioMinistériodoTrabalho.

Lembro de uma conciliação em que o sindicato não cedia a uma editora, numacordo simples para compensar horas da jornada de trabalho aos sábados. Envolviaaumento de uma hora de trabalho durante a semana. A inspetora do Trabalho seirritouenosameaçou,dizendoqueumadasatasdareuniãoiaparaoSNI.Em1983!O enfrentamento pós-anistia foi importantíssimo para a retomada do Estado deDireito,dademocracia.Nãodevemosesquecerqueaditaduraseestendeuaté1985.Queropublicamenteagradeceraosadvogadosqueatuavamnaáreatrabalhistadessaépoca,naspessoasdoBuzzoni,doAroucaedeoutroscomoJoãoJoséSadi,VicenteHoig,ClaudineiNakarato.Etantosoutros.(palmas)

OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Temtodaarazão,Bellintani.OirmãodoBuzzoni que é médico, e eu, enfrentamos uma eleição duríssima no Sindicato dosMédicos.Ganhamosdeumachapaqueestavaalihavia50anos,ligadaaosdonosdemedicina em grupo, de convênios. Fui dirigente por três gestões. E médico doSindicatodosMotoristaspor 24 anos.Conhecimuitosdirigentes sindicais, fui presocomoRaimundãodospadeiros,emmanifestaçãocontraoMalufnometrô.Vocêssãomuitorespeitadospelossindicalistas,porsuacoragemededicação.

MaisumavezanuncioovereadorMoacirLongo.TiveumaestadacomelenoDOI-

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CODI e ele jogava xadrez com o preso da cela ao lado.Gritavam as suasmanobras.Aquilonuncamaissaiudaminhacabeça.Elefoibarbaramentetorturadotambém,oMoacir,juntocomumcoleganosso,oEfraimdeCampos,médicodaLapa.Obrigadopelapresençadetodos.Douporencerradaestaprofícuareunião.

CartaaosbrasileirosDasArcadasdoLargodeSãoFrancisco,do“TerritórioLivre”daAcademiadeDireitodeSãoPaulo,dirigimos,atodososbrasileirosestaMensagemdeAniversário,queéaProclamaçãodePrincípiosdenossasconvicçõespolíticas.

Na qualidade de herdeiros do patrimônio recebido de nossos maiores, ao ensejo doSesquicentenáriodosCursosJurídicosnoBrasil,queremosdaro testemunho,paraasgeraçõesfuturas, dequeos ideais doEstadodeDireito, apesar da conjuntura dahorapresente, vivemeatuam,hojecomoontem,noespíritovigilantedanacionalidade.

Queremosdizer,sobretudoaosmoços,quenósaquiestamoseaquipermanecemos,decididos,comosempre,alutarpelosDireitosHumanos,contraaopressãodetodasasditaduras.

NossafidelidadedehojeaosprincípiosbasilaresdaDemocraciaéamesmaquesempreexistiuàsombradasArcadas:fidelidadeindefectíveleoperante,queescreveuasPáginasdaLiberdade,naHistóriadoBrasil.

Estamos certos de que estaCarta exprime o pensamento comumde nossa imensa e poderosaFamília–daFamíliaformada,duranteumséculoemeio,naAcademiadoLargodeSãoFrancisco,naFaculdadedeDireitodeOlindaeRecife,enasoutrasgrandesFaculdadesdeDireitodoBrasil–Famíliaindestrutível,espalhadaportodososrincõesdaPátria,edaqualjásaíram,navigênciadeConstituiçõesdemocráticas,dezessetePresidentesdaRepública.

1.OlegaleolegítimoDeixemosdeladooquenãoéessencial.

O que aqui diremos não tem a pretensão de constituir novidade. Para evitar interpretaçõeserrôneas, nem sequer nos vamos referir a certas conquistas sociais do mundo moderno.Deliberadamente, nadamais diremos do que aquilo que, de uma ou outramaneira, vem sendoensinado,anoapósano,noscursosnormaisdasFaculdadesdeDireito.Enão transporemososlimitesdocampocientíficodenossacompetência.

Partimosdeumadistinçãonecessária.Distinguimosentreolegaleolegítimo.

Toda lei é legal, obviamente.Mas nem toda lei é legítima. Sustentamos que só é legítima a leiprovindadefontelegítima.

Dasleis,afontelegítimaprimáriaéacomunidadeaqueasleisdizemrespeito;éoPovoaoqualelas interessam–comunidadeePovoemcujoseioas ideiasdas leisgerminam,comoprodutosnaturaisdasexigênciasdavida.

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Osdadossociais,ascontingênciashistóricasdacoletividade,ascontradiçõesentreodeverteóricoe o comportamento efetivo, a média das aspirações e das repulsas populares, os anseiosdominantesdoPovo,tudoisto,emconjunto,équeconstituiomanancialdeondebrotamnormasespontâneasdeconvivência,originaisintentosdeordenação,àsvezesusosecostumes,queirãoinspiraraobradolegislador.

Dasforçasmesológicas,dosfatoresreais, imperantesnacomunidade,équeemergeaalmadosmandamentosqueolegislador,naforjaparlamentar,modelaemtermosdeleislegítimas.

Afontelegítimasecundáriadasleiséoprópriolegislador,ouoconjuntodoslegisladoresdequesecompõemosórgãoslegislativosdoEstado.Masolegisladoreosórgãoslegislativossomentesãofonteslegítimasdasleisenquantoforemrepresentantesautorizadosdacomunidade,vozesoficiaisdoPovo,queéafonteprimáriadasleis.

O único outorgante de poderes legislativos é o Povo. Somente o Povo tem competência paraescolherseusrepresentantes.SomenteosRepresentantesdoPovosãolegisladoreslegítimos.

AescolhalegítimadoslegisladoressósepodefazerpelosprocessosfixadospeloPovoemsuaLeiMagna,poreletambémelaborada,equeéaConstituição.

Consideramos ilegítimas as leis não nascidas do seio da coletividade, não confeccionadas emconformidadecomosprocessosprefixadospelosRepresentantesdoPovo,masbaixadasdecima,comocargadescidanapontadeumcabo.

Afirmamos,portanto,queháumaordemjurídicalegítimaeumaordemjurídicailegítima.Aordemimposta,vindadecimaparabaixo,éordemilegítima.Elaéilegítimaporque,antesdemaisnada,ilegítimaéa suaorigem.Somenteé legítimaaordemquenasce, que tem raízes, quebrota daprópriavida,noseiodoPovo.

Imposta,aordeméviolência.Àsvezes,emcertosmomentosdeconvulsãosocial,apresenta-secomoremédiodeurgência.Mas,emregra,émedicaçãoquenãopodeserusadapor

tempodilatado,porqueacabaacarretandomalespioresdoqueoscausadospeladoença.2.Aordem,opodereaforçaEstamosconvictosdequeháumsensolevianoeumsensogravedaordem.

O senso leviano da ordem é o dos que se supõem imbuídos da ciência do bem e do mal,conhecedorespredestinadosdoquedeveedoquenãodeveserfeito,proprietáriosabsolutosdaverdade,ditadoressoberanosdocomportamentohumano.

Osensogravedaordem éodosqueabraçamosprojetos resultantesdoentrechoque livredasopiniões,daslutasfecundasentreideiasetendências,nasquaisnenhumaautoridadesesobrepõeàsLeiseaoDireito.

Ninguém se iluda. A ordem social justa não pode ser gerada pela pretensão de governantesprepotentes.AfontegenuínadaordemnãoéaForça,masoPoder.

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OPoder,aquenosreferimos,nãoéoPoderdaForça,masumPoderdepersuasão.

Sustentamosque oPoder Legítimoé o que se funda naquelesenso grave da ordem, naquelesprojetosdeorganizaçãosocial,nascidosdoembatedasconvicçõesequepassamapreponderarnacoletividadeeaseraceitospelaconsciênciacomumdoPovo,comoosmelhores.

OGoverno,comosensogravedaordem,éumGovernocheiodePoder.Sualegitimidaderesidenoprestígiopopular dequase todosos seusprojetos.Suaautoridade seapoiano consensodamaioria.

NistoéqueestáarazãodaobediênciavoluntáriadoPovoaosGovernoslegítimos.

Denunciamos como ilegítimo todoGoverno fundadonaForça. Legítimo somente o é oGovernoqueforórgãodoPoder.

IlegítimoéoGovernocheiodeForçaevaziodePoder.

AnósnosrepugnaateoriadequeoPodernãoémaisdoqueaForça.Paranossaconsciênciajurídica,oPoderéprodutodoconsensopopulareaForçaummeroinstrumentodoGoverno.

Nãonegamosautilidadedetalinstrumento.MasoqueafirmamoséqueaForçaésomenteútilnaqualidadedemeio,paraassegurarorespeitopelaordemjurídicavigenteenãopara

subvertê-laouparaimporreformasnaConstituição.

A Força é ummeio de que se utiliza o Governo fiel aos projetos do Povo. Desgraçadamente,tambémautilizaoGovernoinfiel.OGovernofielautilizaaserviçodoPoder.OGovernoinfiel,aserviçodoarbítrio.

ReconhecemosqueoChefedoGovernoéomaisaltofuncionárionosquadrosadministrativosdaNação.MasnegamosqueelesejaomaisaltoPoderdeumPaís.Acimadele, reinaoPoderdeumaIdeia:reinaoPoderdasconvicçõesqueinspiramaslinhasmestrasdaPolíticanacional.ReinaosensogravedaOrdem,queseachadefinidonaConstituição.3.AsoberaniadaConstituiçãoProclamamosasoberaniadaConstituição.

SustentamosquenenhumatolegislativopodesertidocomoleisuperioràConstituição.

Uma lei sóéválidaseasuaelaboraçãoobedeceuaospreceitosconstitucionais,que regulamoprocesso legislativo. Ela só é válida se, em seu mérito, suas disposições não se opõem aopensamentodaConstituição.

Aliás, uma lei inconstitucional é lei precária e efêmera, porque só é lei enquanto suainconstitucionalidade não for declarada pelo Poder Judiciário. Ela não é propriamente lei, masapenasumacamuflagemdalei.NoconflitoentreelaeaConstituição,oquecumpre,propriamente,nãoéfazerprevaleceraConstituição,masédarpelanulidadedaleiinconstitucional.Emboranãosejarazoávelconsiderá-lainexistente,umavezquealeiexistecomoobjetodojulgamentoquea

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declarainconstitucional,elanãotem,emverdade,adignidadedeumaverdadeiralei.

Queremosconsignaraquiumsimplesmasfundamentalprincípio.Daconformidadedetodasasleiscom o espírito e a letra da Constituição dependem a unidade e coerência do sistema jurídiconacional.

ObservamosqueaConstituiçãotambéméumalei.MaséaLeiMagna.Oque,antesdetudo,adistingue nitidamente das outras leis é que sua elaboração e seu mérito não se submetem adisposiçõesdenenhumaleisuperioraela.Aliás,nãopodemosadmitircomolegítimaleinenhumaquelhesejasuperior.Entretanto,sendolei,aConstituiçãohádeter,também,suafontelegítima.

AfirmamosqueafontelegítimadaConstituiçãoéoPovo.4.OpoderConstituinteCostuma-se dizer que a Constituição é obra do Poder. Sim, a Constituição é obra do PoderConstituinte.Masoquesehádeacrescentar,imediatamente,équeoPoderConstituintepertenceaoPovo,eaoPovosomente.

AoPovoéquecompetetomaradecisãopolíticafundamental,que irádeterminaros lineamentosdapaisagemjurídicaemquedesejaviver.

AssimcomoavalidadedasleisdependedesuaconformaçãocomospreceitosdaConstituição,alegitimidade da Constituição se avalia pela sua adequação às realidades socioculturais dacomunidadeparaaqualelaéfeita.

Distoéquedecorreacompetênciadaprópriacomunidadeparadecidirsobreoseuregimepolítico;sobreaestruturadeseuGovernoeos camposdecompetênciadosórgãosprincipaisdequeoGovernosecompõe;sobreosprocessosdedesignaçãodeseusgovernanteselegisladores.

Disto, também, é que decorre a competência do Povo para fazer a Declaração dos DireitosHumanosfundamentais,assimcomoparainstituirosmeiosqueosassegurem.

Emconsequência,sustentamosquesomenteoPovo,pormeiodeseusRepresentantes,reunidosemAssembleiaNacionalConstituinte,oupormeiodeumaRevoluçãovitoriosa, temcompetênciaparaelaboraraConstituição;quesomenteoPovotemcompetênciaparasubstituiraConstituiçãovigenteporoutra,noscasosemqueistosefaznecessário.

Sustentamos, igualmente, que só o Povo, por meio de seus Representantes no ParlamentoNacional,temcompetênciaparaemendaraConstituição.

E sustentamos, ainda, queasemendasnaConstituiçãonão sepodem fazer comose fazemasalterações na legislação ordinária. Na Constituição, as emendas somente se efetuam, quandoapresentadas,processadaseaprovadasemconformidadecompreceitosespeciais,queaprópriaConstituiçãohádeenunciar,preceitosestesque têmpor fimconferiràLeiMagnadoPovoumaestabilidademaiordoqueadasoutrasleis.

DeclaramosilegítimaaConstituiçãooutorgadaporautoridadequenãosejaaAssembleia

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Nacional Constituinte, com a única exceção daquela que é imediatamente imposta pormeio deumaRevoluçãovitoriosa,realizadacomadiretaparticipaçãodoPovo.

Declaramos ilegítimas as emendas na Constituição que não forem feitas pelo Parlamento, comobediência,noencaminhamento,nasuavotaçãoepromulgação,atodasasformalidadesdorito,queaprópriaCartaMagnaprefixa,emdisposiçõesexpressas.

NãonospodemosfurtaraodeverdeadvertirqueoexercíciodoPoderConstituinte,porautoridadequenãosejaoPovo,configura,emqualquerEstadodemocrático,apráticadeusurpaçãodepoderpolítico.

Negamos peremptoriamente a possibilidade de coexistência, nummesmoPaís, de duas ordensconstitucionaislegítimas,emboradiferentesumadaoutra.Seumaordemélegítima,porserobradaAssembleiaConstituintedoPovo,nenhumaoutraordem,provindadeoutraautoridade,podeserlegítima.

Se,aoPoderExecutivo fosse facultado reformaraConstituição,ousubmetê-laauma legislaçãodiscricionária,aConstituiçãoperderia,precisamente,seucaráterconstitucionalepassariaaserumfarrapodepapel.

Aumfarrapodepapelsereduziriaodocumentosolene,emqueaNaçãodelimitaacompetênciadosórgãosdoGoverno,pararesguardar,zelosamente,deintromissõescerceadorasdospoderespúblicos,ocampodeatuaçãodaliberdadehumana.5.OEstadodeDireitoeoestadodefatoProclamamosqueoEstadolegítimoéoEstadodeDireito,equeoEstadodeDireitoéoEstadoConstitucional.

O Estado de Direito é o Estado que se submete ao princípio de que Governos e governantesdevemobediênciaàConstituição.

Bemsimpleséesteprincípio,masluminoso,porqueseergue,comobarreiraprovidencial,contraoarbítriodevetustoserenitentesabsolutismos.AeleasinstituiçõespolíticasdasNaçõessomentechegaram após um longo e acidentado percurso naHistória daCivilização. Sem exagero, podedizer-sequeaconsagraçãodesseprincípiorepresentaumadasmaisaltasconquistasdacultura,naáreadaPolíticaedaCiênciadoEstado.

OEstadodeDireitosecaracterizaportrêsnotasessenciais,asaber:porserobedienteaoDireito;porserguardiãodosDireitos;eporserabertoparaasconquistasdaculturajurídica.

ÉobedienteaoDireito, porquesuas funçõessãoasqueaConstituição lheatribui,eporque,aoexercê-las,oGovernonãoultrapassaoslimitesdesuacompetência.

ÉguardiãodosDireitos,porqueoEstadodeDireitoéoEstado-Meio,organizadoparaserviroserhumano,ouseja,paraasseguraroexercíciodasliberdadesedosdireitossubjetivosdaspessoas.

Eéabertoparaasconquistasdacultura jurídica,porqueoEstadodeDireitoéumademocracia,

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caracterizado pelo regime de representação popular nos órgãos legislativos e, portanto, é umEstadosensívelàsnecessidadesdeincorporaràlegislaçãoasnormastendentesarealizaroidealdeumaJustiçacadavezmaisperfeita.

OsoutrosEstados,osEstadosnãoconstitucionais,sãoosEstadoscujoPoderExecutivousurpaoPoderConstituinte.SãoosEstadoscujoschefes tendemase julgaronipotenteseoniscientes,equeacabampornãorespeitarfronteirasparasuacompetência.SãoosEstadoscujoGovernonãotoleracríticaenãopermitecontestação.SãoosEstados-Fim, comGovernosobcecadosporsuaprópria segurança, permanentemente preocupados com sua sobrevivência e continuidade. SãoEstadosopressores,quemuitasvezessecaracterizamporseussistemasderepressão,erguidoscontra as livresmanifestações da cultura e contra o emprego normal dosmeios de defesa dosdireitosdapersonalidade.

Esses Estados se chamam Estados de Fato. Os otimistas lhes dão o nome de Estados deExceção.Naverdade,sãoEstadosAutoritários,quefacilmentedescambamparaaDitadura.

Ilegítimos,evidentemente,sãotaisEstados,porqueseuPoderExecutivoviolaoprincípiosoberanodaobediênciadosGovernosàConstituiçãoeàsleis.

Ilegítimos, em verdade, porque seusGovernos não têm Poder, não têm o Poder Legítimo, quedefinimosnoiníciodestaCarta.

DestituídosdePoderLegítimo,osEstadosdeFatoduramenquantopuderemcontarcomoapoiodesuasforçasarmadas.

SustentamosqueosEstadosdeFato,ouEstadosdeExceção,sãosistemassubversivos,inimigosdaordemlegítima,promotoresdaviolênciacontraDireitosSubjetivos,porquesão

Estados contrários ao Estado Constitucional, que é o Estado de Direito, o Estado da OrdemJurídica.

Nos países adiantados, em que a cultura política já organizou o Estado de Direito, a insólitaimplantação doEstado deFato ou deExceção– doEstado emqueoPresidente daRepúblicavoltaaseromonarcalegesolutus–constituiumviolentoretrocessonocaminhodacultura.

UmavezreimplantadooEstadodeFato,aForça tornaagovernar,destronandooPoder.Então,benssupremosdoespíritohumano, somentealcançadosapósárduacaminhadada inteligência,emséculosdeHistória,sãosimplesmenteignorados.OsvaloresmaisaltosdaJustiça,osdireitosmaissagradosdoshomens,osprocessosmaiselementaresdedefesadoqueédecadaum,sãovilipendiados,ridicularizadoseatéignorados,comosenuncativessemexistido.

OqueosEstadosdeFato,EstadosPoliciais,EstadosdeExceção,SistemasdeForçaapregoaméqueháDireitosquedevemsersuprimidosoucerceados,para tornarpossívelaconsecuçãodosideaisdessesprópriosEstadoseSistemas.

Porexemplo,emlugardosDireitosHumanos,aqueserefereaDeclaraçãoUniversaldasNaçõesUnidas,aprovadaem1948;emlugardohabeascorpus;emlugardodireitodoscidadãosdeeleger

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seus governantes, esses Estados e Sistemas colocam, frequentemente,o que chamam deSegurançaNacionaleDesenvolvimentoEconômico.

ComastenebrosasexperiênciasdosEstadosTotalitárioseuropeus,nosquaisolemaé,esemprefoi,“SegurançaeDesenvolvimento”,aprendemosumaduralição.AprendemosqueaDitaduraéoregime,porexcelência,daSegurançaNacionaledoDesenvolvimentoEconômico.ONazismo,porexemplo,tinhapormetaobinômioSegurançaeDesenvolvimento.Neleaindaseinspiraaditadurasoviética.

Aprendemosdefinitivamenteque,foradoEstadodeDireito,oreferidobinômiopodenãopassardeumacilada.ForadoEstadodeDireito,aSegurança,comseusórgãosdeterror,éocaminhodatorturaedoaviltamentohumano; eoDesenvolvimento, comomalabarismode seus cálculos, apreparaçãoparaodescalabroeconômico,paraamisériaearuína.

NãonosdeixaremosseduzirpelocantodassereiasdequaisquerEstadosdeFato,queapregoamanecessidadedeSegurançaeDesenvolvimento, comoobjetivodeconferir legitimidadea seusatosdeForça,violadoresfrequentesdaOrdemConstitucional.

AfirmamosqueobinômioSegurançaeDesenvolvimentonãotemocondãodetransformar

umaDitaduranumaDemocracia,umEstadodeFatonumEstadodeDireito.

DeclaramosfalsaavulgarafirmaçãodequeoEstadodeDireitoeaDemocraciasão“asobremesadodesenvolvimentoeconômico”.Oquetemosverificado,comfrequência,équedesenvolvimentoseconômicossefazemnasmaishediondasditaduras.

NenhumPaísdeveesperarporseudesenvolvimentoeconômico,paradepois implantaroEstadodeDireito.AdvertimosqueosSistemas,nosEstadosdeFato,ficarãopermanentementeàesperadeummaiordesenvolvimentoeconômico,paranuncaimplantaroEstadodeDireito.

Proclamamos que oEstado deDireito é sempreprimeiro, porque primeiro estão os direitos e asegurança da pessoa humana. Nenhuma ideia de Segurança Nacional e de DesenvolvimentoEconômicopreponderasobreaideiadequeoEstadoexisteparaservirohomem.

EstamosconvictosdequeasegurançadosdireitosdapessoahumanaéaprimeiraprovidênciaparagarantiroverdadeirodesenvolvimentodeumaNação.

Nósqueremossegurançaedesenvolvimento.MasqueremossegurançaedesenvolvimentodentrodoEstadodeDireito.

EmmeiodatrevaculturaldosEstadosdeFato,achamaacesadaconsciênciajurídicanãocessadereconhecerquenãoexistem,paraEstadonenhum,ideaismaisaltosdoqueosdaLiberdadeedaJustiça.6.AsociedadecivileogovernoOquedásentidoaodesenvolvimentonacional,oqueconferelegitimidadeàsreformassociais,oque dá autenticidade às renovações do Direito, são as livresmanifestações do Povo, em seus

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órgãosdeclasse,nosdiversosambientesdavida.

QuemdevepropulsionarodesenvolvimentoéoPovoorganizado,maslivre,porqueeleéquetemcompetência,maisdoqueninguém,paradefenderseusinteresseseseusdireitos.

SustentamosqueumaNaçãodesenvolvidaéumaNaçãoquepodemanifestarefazersentirasuavontade. É uma Nação com organização popular, com sindicatos autônomos, com centros dedebate,compartidosautênticos,comveículosde livre informação.ÉumaNaçãoemqueoPovoescolheseusdirigentes,etemmeiosdeintroduzirsuavontadenasdeliberaçõesgovernamentais.É uma Nação em que se acham abertos os amplos e francos canais de comunicação entre aSociedadeCivileoGoverno.

Nos Estados de Fato, esses canais são cortados. Os Governos se encerram em Sistemasfechados, nos quais se instalam os “donos do Poder”. Esses “donos do Poder” não são, emverdade,donosdoPoderLegítimo:sãodonosdaForça.OquechamamdePodernãoéoPoderoriundodoPovo.

Aórbitadapolíticanãovaialémdaáreapalaciana,redutoaureoladodemistério,hermeticamentetrancadoparaaSociedadeCivil.

Nos Estados de Fato, a Sociedade Civil é banida da vida política da Nação. Pelos chefes doSistema, a Sociedade Civil é tratada como um confuso conglomerado de ineptos, semdiscernimento e sem critério, aventureiros e aproveitadores, incapazes para a vida pública,destituídosdesensomoraledeidealismocívico.Umamultidãodeovelhasnegras,queprecisasercontinuamentecontidaesempretangidapelainteligênciasoberanadosábiotutordaNação.

Nesses Estados, o Poder Executivo, por meio de atos arbitrários, declara a incapacidade daSociedadeCivil,edecretaasuainterdição.

ProclamamosailegitimidadedetodosistemapolíticoemquefendasouabismosseabrementreaSociedadeCivileoGoverno.

ChamamosdeDitaduraoregimeemqueoGovernoestáseparadodaSociedadeCivil.Ditaduraéo regime em que a Sociedade Civil não elege seus Governantes e não participa do Governo.DitaduraéoregimeemqueoGovernogovernasemoPovo.DitaduraéoregimeemqueoPodernãovemdoPovo.Ditaduraéoregimequecastigaseusadversárioseproíbeacontestaçãodasrazõesemqueelaseprocurafundar.

Ditaduraéoregimequegovernaparanós,massemnós.

ComocultoresdaCiênciadoDireitoedoEstado,nósnos recusamos,deumavezpor todas,aaceitara falsificaçãodosconceitos.ParanósaDitadurasechamaDitadura,eaDemocraciasechamaDemocracia.

Os governantes que dão o nome de Democracia à Ditadura nunca nos enganaram e não nosenganarão.Nós saberemos que eles estarão atirando, sobre os ombros do povo, ummanto deirrisão.

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7.Osvaloressoberanosdohomem,dentrodoEstadodeDireitoNeste preciso momento histórico, reassume extraordinária importância a verificação de um fatocósmico.AtéoadventodoHomemnoUniverso,aevoluçãoerasimplesmudançanaorganizaçãofísicadosseres.ComosurgimentodoHomem,aevoluçãopassouaser,também,ummovimentodaconsciência.

Seja-nospermitidoinsistirnumtruísmo:aevoluçãodohomeméaevoluçãodesuaconsciência;eaevoluçãodaconsciênciaéaevoluçãodacultura.

Anossa teseéadequeohomemseaperfeiçoaàmedidaque incorporavaloresmoraisaoseupatrimônio espiritual. Sustentamos que os Estados somente progridem, somente se aprimoram,quando tendem a satisfazer ansiedades do coração humano, assegurando a fruição de valoresespirituais,dequeaimportânciadavidaindividualdepende.

SustentamosqueumEstadoserá tantomaisevoluídoquantomaisaordemreinanteconsagreegaranta o direito dos cidadãos de serem regidos por uma Constituição soberana, elaboradalivre¬mentepelosRepresentantesdoPovo,numaAssembleiaNacionalConstituinte;odireitodenão ver ninguém jamais submetido a disposições de atos legislativos do Poder Executivo,contráriosaospreceitoseaoespíritodessaConstituição;odireitode terumGovernoemqueoPoderLegislativoeoPoderJudiciáriopossamcumprirsuamissãocomindependência,semmedode represáliasecastigosdoPoderExecutivo;odireitode terumPoderExecutivo limitadopelasnormasdaConstituiçãosoberana,elaboradapelaAssembleiaNacionalConstituinte; odireitodeescolher, em pleitos democráticos, seus governantes e legisladores; o direito de ser eleitogovernanteoulegislador,eodeocuparcargosnaadministraçãopública;odireitodesefazerouvirpelos Poderes Públicos, e de introduzir seu pensamento nas decisões do Governo; o direito àliberdadejusta,queéodireitodefazeroudenãofazeroquealeinãoproíbe;odireitoàigualdadeperante a lei que é o direito de cada um de receber o que a cada um pertence; o direito àintimidadeeàinviolabilidadedodomicílio;odireitoàpropriedadeeodeconservá-la;odireitodeorganizarlivrementesindicatosdetrabalhadores,paraqueestespossamlutaremdefesadeseusinteresses; o direito à presunção de inocência, dos que não forem declarados culpados, emprocessoregular;odireitodeimediataeampladefesadosqueforemacusadosdeterpraticadoatoilícito; o direito de não ser preso, fora dos casos previstos em lei; o direito de não sermantidopreso,emregimedeincomunicabilidade,foradoscasosdalei;odireitodenãosercondenadoanenhumapenaquea leinãohajacominadoantesdodelito;odireitodenuncasersubmetidoàtortura,nematratamentodesumanooudegradante;odireitodepedira

manifestação do Poder Judiciário, sempre que houver interesse legítimo de alguém; o direitoirrestrito de impetrar habeas corpus; o direito de ter Juízes e Tribunais independentes, comprerrogativas que os tornem refratários a injunções de qualquer ordem; o direito de ter umaimprensalivre;odireitodefruirdasobrasdearteecultura,semcortesourestrições;odireitodeexprimiropensamento,semqualquercensura,ressalvadasaspenaslegalmenteprevistas,paraos

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crimesdecalúnia,difamaçãoeinjúria;odireitoderesposta;odireitodereuniãoeassociação.

Taisdireitossãovaloressoberanos.Sãoideaisqueinspiramasordenaçõesjurídicasdasnaçõesverdadeiramentecivilizadas.SãoprincípiosinformadoresdoEstadodeDireito.

Fiquemosapenascomoessencial.

O que queremos é ordem. Somos contrários a qualquer tipo de subversão. Mas a ordem quequeremoséaordemdoEstadodeDireito.

AconsciênciajurídicadoBrasilquerumacousasó:oEstadodeDireito,já.

GoffredoTellesJúnior

SãoPaulo,8deagostode1977NOTA:Antesdesualeitura,a“CARTA”foisubscritapelosseguintessignatários:

José IgnácioBotelhodeMesquita,ProfessorTitulardaFaculdadeDireitodaUSP;FábioKonderComparato, Professor Titular da Faculdade Direito da USP; Modesto Carvalhosa, Professor daFaculdade Direito da USP e Presidente da Associação dos Docentes da USP; Irineu Strenger,Professor Titular da Faculdade Direito da USP; Dalmo de Abreu Dallari, Professor Titular daFaculdadeDireitodaUSPePresidentedaComissãoJustiçaePazdaCúriaMetropolitanadeSP;MárioSimas,Vice-PresidentedaComissãoJustiçaePaz;GeraldoAtaliba,ProfessordaFaculdadeDireitodaUSPedaFaculdadeDireitodaPUC,ex-ReitordaPUC;JoséAfonsodaSilva,ProfessorTitulardaFaculdadeDireitodaUSP;MiguelRealeJúnior,ProfessordaFaculdadedeDireitodaUSP;IgnáciodaSilvaTelles,ProfessordaFaculdadedeDireitodaUSP;TércioSampaioFerraz,ProfessordaFaculdadedeDireitodaUSP;AlcidesJorgeCosta,ProfessordaFaculdadedeDireitoda USP; Gláucio Veiga, Professor da Faculdade de Direito da USP e da Faculdade Direito doRecife;

MárioSérgioDuarteGarcia,Vice-PresidentedaOrdemdosAdvogadosdeSP;AntônioCândidodeMello e Souza, Professor Titular da USP; Paulo Duarte, Professor Catedrático da USP,aposentado; André FrancoMontoro, ProfessorCatedrático da PUC eSenador; Flávio Flores daCunha Birrembach, Professor da Faculdade Direito da PUC; José Carlos Dias, Advogado,ConsultorJurídicodaComissãoJustiçaePaz,daCúriaMetropolitanadeSP;AliomarBaleeiro,ex-PresidentedoSupremoTribunalFederaleProfessordaFaculdadeDireitodaUniversidadeFederaldo Rio de Janeiro; Hermes Lima, ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal e Professor daFaculdade de Direito da Universidade Fedederal do Rio Janeiro; Heleno Fragoso, Professor daFaculdade deDireito daUniversidadeFederal doRio Janeiro; JoãoBatista deArrudaSampaio,Desembargador do TJSP, aposentado; Raul da Rocha Medeiros, Desembargador do TJSP,aposentado; Odilon da Costa Manso, Desembargador do TJSP, aposentado; Darcy de ArrudaMiranda, Desembargador TJSP, aposentado; Hélio Bicudo, Procurador da Justiça de SP; DomCândidoPadim,BispodeBauru,BacharelpelaFaculdadedeDireitodaUSP;SérgioBermudes,

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Conselheiro Federal daOrdem dos Advogados; Tércio Lins e Silva, Conselheiro daOrdem dosAdvogados do Rio; Cid Riedel, Conselheiro da Ordem dos Advogados do Distrito Federal; RuyHomemdeMelloLacerda,ex-PresidentedaAssociaçãodedosAdvogadosdeSPeConselheiro;Walter Ceneviva, Vice-Presidente da Associação de Advogados; Sérgio Marques da Cruz,Conselheiroeex-PresidentedaAssociaçãodosAdvogados;LucianodeCarvalho,SecretáriodaEducação e Fazenda, do Governo Carvalho Pinto; João Nascimento Franco, Conselheiro doInstituto do Advogado e Ordem Advogado; Domingos Marmo, ex-Conselheiro da Ordem dosAdvogados;Walter Laudísio, Conselheiro da Associação dos Advogados; Homero Alves de Sá,Conselheiro da Associação dos Advogados; Salim Arida, Conselheiro da Associação dosAdvogados; José Carlos da Silva Arouca, Conselheiro da Associação dos Advogados; JoaquimPachecoCyrillo,ConselheirodaAssociaçãodosAdvogados;RubensIgnáciodeSouzaRodrigues,Conselheiro da Associação dos Advogados; Jayme Cueva, Conselheiro da Associação dosAdvogados; Maria Luiza Flores da Cunha Birrenbach, Procuradora do Município de SP; JoséGregori, Advogado e Professor da PUC; Lauro Malheiros Filho, Advogado; Aldo Lins e Silva,Advogado;JoséRobertoLealdeCarvalho,Advogado;CantídioSalvadorFilardi,ex-ConselheirodaOrdemdosAdvogados;AntônioCarlosMalheiros,Advogado;LuizEduardoGreenhalgh,Advogado;Márcia Ramos de Souza, Advogado; Arnaldo Malheiros, Advogado; Dione Prado Stamato,Procuradora do Estado de SP; Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França, Advogado; PedroGaraudeJúnior,Advogado;AlbertoPintoHortaJúnior,Advogado;ManoelFerrazWhitakerSalles,Advogado;MariaEugêniaRaposodaSilvaTelles,Advogada;EdmurdeAndradeNunesPereiraNeto, Advogado; Márcia L. B. Jaime, Advogado; Areobaldo Espínola de Oliveira Lima Filho,Advogado; Alexandre Thiollier Filho, Advogado; Jayme A. da Silva Telles, Advogado; Clóvis deGouvêaFranco,Advogado;AgripinoDoria,Advogado;

EdgarddeNovaesFrançaNeto,Advogado;EdgarddeNovaesFrançaFilho,Advogado;JoséV.Bernardes,Advogado;LuizBaptistaPereiradeAlmeidaFilho,Advogado;LuizBaptistaPereiradeAlmeida, Advogado; Marcelo Duarte de Oliveira, sacerdote e bacharel, Advogado; Celso CintraMori, Advogado; Clarita Carameli, Advogada; Paulo Pereira, Advogado; José Melado Moreno,Advogado;MariaFerreiraLara,Advogada;PedroLuizAguirreMenin,Advogado;JoséNuzziNeto,Advogado; João Henrique de Almeida Santos, Advogado; Carlos Alberto Queiroz, Advogado;Jayme Queiroz Lopes Filho, Advogado; Paulo R. C. Lara, Advogado; Walter Arruda Júnior,Advogado;JoaquimRenatoCorreiaFreire,Advogado;DarcyPaulilodosPassos,Advogado;SílvioRoberto Correia, Advogado; Francisco Mencucci, Advogado; Antônio Costa Correia, Advogado;FranciscoOtáviodeAlmeidaPrado,Advogado;MarcoAntônioRodriguesNahun,Advogado;LéoDuartedeOliveira,Advogado.

SobreaopacidadecerebraldeDutrasecontavaumaanedota.ApresentadoaopresidenteamericanoHarryTruman,esteocumprimentou:Howdoyoudo,Dutra?Aoquerespondeu:Howtrooyoutroo,Truman?VladimirHerzograsgouoqueescrevera.DirigidoporFredZinnemann,baseadonoromancepolicialdeFrederickForsyth,emtornodadescolonizaçãodaArgélia.Ofilmeéde1973.

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Foto:FábioLazzariJr./CMSP

OPODERDASOLIDARIEDADE

Daesquerdaàdireita:TerezaLajolo,LúciaSallesFrançaPinto,ElianaVendraminieEduardoFerreiraexpõemosproblemasno

enterrodeindigentes

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CAPÍTULOXV

Odespejodoscorposnus“NãoháninguémnaTerraqueconsigadescreveradordequemviuumentequeridodesapareceratrásdasgradesdacadeia,semmesmopoderadivinharoquelheaconteceu.O‘desaparecido’transforma-senumasombra,queaoescurecer-sevaiencobrindoaúltimaluminosidadeda

existênciaterrena.”DomPauloEvaristoArns,cardealarcebispodeSãoPaulo,noprefáciodo1ºVolumedaobraBrasil:

NuncaMais.

EstradadoPinheirinho,860,bairrodePerus.Ali ficaocemitérioDomBoscoonde,nodia4desetembrode1990,descobriu-seumavalaclandestinaquecontinha1049ossadas de pessoas desconhecidas: presos políticos desaparecidos, restos mortais deindigentes supostamente semdocumentos–homens,mulheres, crianças– evítimasdoesquadrãodamorte.Os integrantes da Comissão Municipal da Verdade Vladimir Herzog, surpresos,souberamquepersisteoenterrodepessoascomdocumentosdeidentificaçãocomosefossemdesconhecidas. Para compreender o que ocorre, e na tentativa de encontraruma solução, depôs, entre outros, Eliana Vendramini, do Ministério Público. Essapromotora investiga possíveis irregularidades em mortos identificados, sob aresponsabilidadedoServiçodeVerificaçãodeÓbitos(SVO)edoIML.Suspeita-sequesejamos“indigentescomRG”,sepultadosapósseretiraremórgãosetecidoshumanosqueseprestemàpesquisa.A CMVVH, acompanhada pelo padre Júlio Lancellotti, foi a Perus inspecionar oossuário.Emumaposentonosubterrâneoencontrouincontáveisossadasdesupostosindigentes,emsacosplásticos.Serviuparaentendermelhoranecessidadedesecriarum protocolo para impedir o sepultamento de pessoas sem qualquer registro deidentidade;eaimportânciadesecolhermaterialgenéticoparapossível identificaçãofutura. Ouviu-se também a ex-vereadora Tereza Lajolo, que presidiu a CPI sobre oassuntoem1991.Paraentenderofuncionamentodoeloentrearepressãopolíticaeasautoridadesmunicipais,aCMVVHconvidouCarlosEduardoGiosa,quepertenceuàcúpuladoServiçoFuneráriodoMunicípiodurantelongoperíodo.FalouconoscoRuiBarbosa Alencar, seu superintendente quando se descobriu a vala; a atualsuperintendente,LuciaSallesFrançaPinto;oSr.CarlosAugustoPasqualucci,doSVO,daFaculdadedeMedicinadaUSP.Lutadorincansávelnadenúnciadeindigentesenterrados,opadreJúlioLancellotti

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veiofalaràCMVVHsobreotratamentodadoaoscorpos.“Muitas vezes participei de celebrações em Perus”, disse o padre. “Numerosaspessoas morrem nas ruas da cidade. Com imensa dificuldade consegui do ServiçoFunerárioMunicipaldeSãoPaulodadossobreindigentessepultados.”Padre JúlioentregouàCMVVHumacópiadosnúmerosqueobteve:noscemitériosDomBosco,VilaFormosa(1e2),de2008a2013,númeroparcial:4544.Econtouqueos funcionários implicavamcomele. “Umavezmedisseram, irônicos: o senhorgosta tanto de benzer o corpo dos mendigos, chegou um caminhão agora. Querbenzer?Eume aproximei. Era um caminhãobaú fechado.Os corposnus, emmeiocaixão,sãodespejados.Éapráticadaditadura,tratamentocrueledesumano.Sãoosrefugiadosurbanos,aqueménegadacidadanianavidaenamorte.”DeacordocomLancellotti,11pessoasdesaparecempordiaenãohácruzamentodedados com os indigentes. Assim, se algum desaparecidomorre e é enterrado comoindigente,onomedelenãoécruzado.Eafamíliadeixadeseravisada.“QuandoummoradorderuaentranaSantaCasadeMisericórdia,recebeonomede JoãoouMaria, e umnúmero.Mesmoque esteja acompanhadopor alguémquesabeoseunome.Oqueéfeitodosórgãosdessaspessoas?Seconseguimossepultá-las,muitas estão empalhadas por dentro. Sem órgãos. Sabemos que no mercadointernacional a hipófise230 é uma das glândulas mais caras. O que é feito com ashipófises,valiosasparaafabricaçãodemedicamentos?AsfaculdadesdeMedicinaeaSantaCasaprecisamesclarecerodestinodaspessoasquechegam.Os serviços sabem distinguir quem são os moradores de rua. Dom Angélicoacompanhouo sepultamentodepessoasbemsimpleseviuqueoscorpos se tornammoedadetroca.HáumesforçodoServiçoFuneráriodecoibiracorrupçãoalarmantenesseserviço.Corpos são necessários para o estudo científico. Mas isso deve ser normatizado.Lembromuito da DonaHelena, do grupo Tortura NuncaMais. Ela sempre achouque um dia localizaria a sepultura do filho231.Um sonho, no seu imaginário. Asfamíliasnuncaencontrarãoosdesaparecidos.Proponho que o IML se desvincule da Secretaria da Segurança Pública. E que aComissãodaVerdade,aqui,cruzeosdadosdedesaparecidoscomodeindigentes.Eque o Serviço Funerário continue sistematizando seus dados. São medidas bemconcretas a tomar. Proponho garantir a identificação depois da morte, oferecerdignidade.”OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–PadreJúlio,nãosepodeconvivercomisso,comoafirmouDomAngélicoSândaloBernardino.PadreJúlio,muitoobrigado.

RondaporCamposSantos

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Em24desetembrode2013,sobapresidênciadavereadoraJulianaCardoso,veiooSr. Carlos Eduardo Giosa à reunião conjunta das Comissões da Verdade VladimirHerzog e Rubens Paiva,municipal e estadual. Funcionário antigo da administraçãodo Cemitério D. Bosco, em Perus, entrou em 1973 como escriturário e evoluiu nacarreiraatéchegarasuperintendentedoServiçoFunerário.

DepoimentodeCarlosEduardoGiosa(resumo)ASra.Vice-Presidente(JulianaCardoso)–ChamoparacomporamesaoSr.CarlosEduardoGiosa e o coronelVicente Silvestre, inspetor-geral doAgrupamentoda Guarda Civil de São Paulo, que em 1968 recusou-se a invadir a Faculdade deFilosofianabatalhadaMariaAntônia.TemapalavraodeputadoestadualAdrianoDiogo,presidentedaComissãoEstadualdaVerdade.O Sr. Deputado Adriano Diogo – O assunto é a vala comum de Perus232,encontrada no Cemitério Dom Bosco na década de 1990. Presos políticos nãoidentificados, vítimas do Esquadrão da Morte e mortos na epidemia de meningiteestão enterrados ali. Lembroque o regimenão queria que se falasse da doença. Sr.Giosa,qualajustificativaparaavala?A Sra. Vice-Presidente (Juliana Cardoso) – O senhor se referiu à valaclandestinacomofarsa.Podejustificaressaspalavras?OSr.CarlosEduardoGiosa–Emtodososcemitériosexisteessetipodevala.P–Osenhorteveconhecimentodaproposta,nostemposdaditadura,desecremarindigentes?R–AautorizaçãoparasecremarrestosmortaisemSãoPauloédeumaleide1967.OSr.AdrianoDiogo–Osenhortemrazão,avalanãoésóemPerus.Nocemitériode Vila Formosa há uma vala com centenas de sacos de ossos esmagados eenterrados233.OSr.CarlosEduardoGiosa–OcemitériodeVilaFormosadatade1949.Temquase2milhõesdepessoassepultadas.Asfamíliaspedemexumaçãoparasecertificarde quem se trata e depois abandonam porque o ossuário é caro. Daí a vala. A leimunicipal determina que quando não há exumação a ossada deve ser rebaixada a1m55cm profundidade. Uma lei de 1932. Se hoje abrimos uma cova no VilaFormosa,encontramosoitoossadas.NoPerus,comquase200milsepultamentos,nomínimoquatroossadasporsepultura.P–Ossuárioéumacoisa.Sãoaquelascaixinhasqueguardamossos.Paga-seporelas.Ossadaéoutracoisa.Osenhordisseque,seafamílianãotemestruturaparamanteras caixinhas, eles são enterrados em uma vala. É isso? É a regra? Alguém pode

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mostrar as imagens do documentário sobre as ossadas de Perus? Por favor. São dodocumentárioValaComum,direçãodeJoãoGodoy.(exibiçãodasimagens)Pois bem. Entende-se que vale paraVila Formosa. Contudo, Perus era novo. Porque cavar uma vala em cemitério novo, sem ninguém saber? Nosso foco são oscompanheirosmortos, enterrados comnome falso.Não localizamosvalas, ossuários,identificação,destino.Queremossabertambémcomonasceuaideiadoscrematórios.Por que em Perus? Depois acabou na Vila Prudente? O senhor não está sendoacusadodenada.Masémemóriaviva.R–Perusécomoosoutroscemitérios.Asfamíliaspediamexumação,nãolevavamosossoseabandonavam.Aquilo seavolumou.Entãoconstruíramavalaedepositaramaliosossos,semregistro.Essefoioerro,semregistro.Emnenhumdoscemitérios.OSr.AdrianoDiogo–Construíramagoraumenormevelórioemcimadasvalas,naquadradospresospolíticos.Eremodelaramtodasasruas. Impossívelrecomporolocaldavalaantiga.O Sr. Carlos Eduardo Giosa – O prefeito determinou que se construísse umpiscinãoparaevitarenchente.Emqualquerlugarumaobraserásobresepulturas,comummilhãoemeiodeenterros.A Sra. Vice-Presidente (Juliana Cardoso) – Existe uma legislação paraedificaçõesdentrodocemitério.Osuperintendentepassouporcimadela?OSr. Carlos EduardoGiosa – Não! A legislação permite implantar o velóriodentro do cemitério. O prefeito escolheu a área e desativou-se a quadra. Não temoutraforma.OSr.AdrianoDiogo–QuandocomeçouavaladoVilaFormosa?O Sr. Carlos Eduardo Giosa – Entrei na funerária em 1973. Já existia. Semregistros.Continuouaseralimentadasemregistros.

AangústiadabuscaA Sra. Maria Amelia Teles – Sou da Comissão de Familiares de Mortos eDesaparecidosPolíticos edaComissãodaVerdadedoEstadode SãoPauloRubensPaiva. A vala de Perus não é uma farsa. É vala ilegal, sem registros. Só em 1975 e1976surgiramrumoresacercadeumavalaclandestinaenós,familiaresdemortosedesaparecidos,tomamosconhecimentodela.Dizíamosquesedestinavaaesconderoscorpos de militantes assassinados pela ditadura234. Em 1990 o jornalista CacoBarcellos,queinvestigavaassassinatosdejovensdaperiferiadeSãoPaulo,constatou,no IML, que levavam os jovens ao Cemitério de Perus. Depois os exumavam eninguémconheciaodestinodos restosmortais.CacoBarcellos solicitou autorização

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doserviçofunerárioparaabriravala,certodequeocemitériodePerusabrigavaaliossos de desaparecidos políticos entre indigentes. Pergunto ao depoente: o senhorrecebiaafichadeencaminhamentodoIML.Enterravaelogoosexumava?OSr.CarlosEduardoGiosa – Senhora, a reinumação é feita nomesmo local,estánalei,quediz:seasfamíliasnãoprocuraremosrestosmortais,serãoenterrados1m55cmabaixo.ASra.MariaAmeliaTeles–Identificamosseiscorposdedesaparecidospolíticosna vala de Perus. Eles foram reinumados, sem registro e não no mesmo local.Misturavam-seasossadasdentrodeumsacoeassimencontrávamosdoiscrânios,trêsbraços etc. Acompanhei, falo do que vi. Identificamos o Dênis Casemiro235, oFredericoEduardoMayr236 e o Flávio deCarvalhoMolina237. Tínhamos certeza dequeestavamnessavala.Eassimfoi.OSr.CarlosEduardoGiosa–Acredito.EstivelácomoadvogadoLuizEduardoGreenhalgeaex-deputadaBeteMendes.ExumamosAntonioCarlosBicalhoeSoniaMoraes Angel Jones238.A família dela levou outra ossada porque já era o terceiroaproveitamentodolocal.Abrimosdenovoeaencontramos.ASra.MariaAmeliaTeles–Opedidode levantamento foinaaberturadavala,só em1990.Acompanhei, entreguei as ossadas aopai da Sônia, tenente-coronel dareservaJoãoLuizdeMoraes.Eletinhaenterradoduasossadasquenãoeramdafilha.OSr.CarlosEduardoGiosa–AíencontramostambémoBicalhoLana.Agenteenterravacomonomequeofalecidotinhanodocumento.ASra.MariaAmeliaTeles–Façoumapergunta:comoosdocumentoschegavamaocemitério?Vocêsdistinguiamummilitantedenãomilitante?OSr.CarlosEduardoGiosa–Nunca,nunca...ASra.MariaAmeliaTeles –MostroodocumentodoHiroakiTorigoe.TinhaonomedeMassahiroNakamuraeaprópriapolícia colocouentreparêntesesTorigoe.Acrescentou um T, terrorista, como os denominavam os militantes. Até hoje nãoencontramosocorpo.OSr.CarlosEduardoGiosa–Nãotemosacessoaessesdocumentos.ASra.MariaAmeliaTeles–Maschegamaocemitério.Tematéasepulturadeleaí.OSr.CarlosEduardoGiosa–OIMLnosencaminhaacertidãodeóbitoecomelefazemososepultamento.ASra.MariaAmeliaTeles–TodoseramdoCartóriodePazdoJardimAmérica,o mais próximo do DOI-CODI, onde os matavam. Entregavam a vocês com odocumento.OSr.CarlosEduardoGiosa – Sim, mas a gente não olhava. Colocava nele o

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númerodasepultura,aquadraefaziaoassentodosepultamento.ASra.MariaAmeliaTeles–EesseTaqui?OSr.CarlosEduardoGiosa–Nãotínhamosconhecimentodisso.ASra.MariaAmelia Teles – Andamos por muitos cemitérios, inclusive Perus,aberto em 1971. Aliás, o primeiro preso político enterrado lá foi o Sr. JoaquimAlencardeSeixas,opaidoIvan.OSr.HiroakiTorigoetambémfoienterradolá,em1972.Todos os presos políticos dessa época são exumados e escondidosnuma vala.Algumas famílias descobriram logo e buscaram os corpos.Nem todos conseguiram,comoéocasodeHiroaki.HaviaarticulaçãoentreoServiçoFunerárioearepressão.EmVilaFormosaouvi“quadradosterroristas”.Ouseja,dosmilitantes.OSr.AdrianoDiogo–QuandoPeruseranovinho,em1973,oscorposjáiamparaa vala. O Exército e a polícia cercavam o cemitério. Só o pai podia assistir. Todossabiamqueeraaquadradosterroristas.OSr.CarlosEduardoGiosa–Exumadoemdoisanos?Issofoi ilegal.OCódigoSanitário determinava cinco anos. O penúltimo Código Sanitário determinou trêsanos, porque nesse prazo os corpos se decompuseram. Enterrávamos indigentes.TodososquevinhamdoIMLsemidentificaçãoiamparaaquadradeles.Depoiséquesesoubequehaviapresospolíticosechamaramaáreadequadradosterroristas.

FábioLazzariJr/CMSP

RuiBarbosaAlencardescreveuopassoapassoatéquemandouabriravalaclandestinanocemitériodePerus.Aliestavamseidesaparecidos

OSr.CarlosEduardoGiosa–Exumadoemdoisanos?Issofoi ilegal.OCódigo

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Sanitário determinava cinco anos. O penúltimo Código Sanitário determinou trêsanos, porque nesse prazo os corpos se decompuseram. Enterrávamos indigentes.TodososquevinhamdoIMLsemidentificaçãoiamparaaquadradeles.Depoiséquesesoubequehaviapresospolíticosechamaramaáreadequadradosterroristas.

ASra.MariaAmeliaTeles – Lembro ao Sr.Giosa que todos os presos políticostinham identificação. Enterrados como indigentes e exumados ilegalmente. Todostêm no documento um F.F., fichado e fotografado.No caso doHiroaki tenho fotodele morto, vivo, o codinome, o nome verdadeiro. E com tudo isso, não olocalizamos.

OSr.CarlosEduardoGiosa–Quandodigoindigente,refiro-meaofalecidoqueos familiares não sepultaram. O necrotério aguarda cinco dias. Há algunsidentificados,sim,comdocumentosefotografiasparaevitartrocas.Eregistrados.Aomenosdoquetenhoconhecimento,poistrabalheinonecrotérioentre1986e1987.

OSr.AdrianoDiogo–OqueaAmelinhadizéqueasubnotificaçãoeranonomedapessoaenacausadamorte.Porexemplo,omédicoDr.IsaacAbramovitch,quefoicunhado da Iara Iavelberg e dava carona ao irmão da Felícia Madeira, o Gelson,autopsiou-ocomnomefalso.OGelsonfoienterradocomnomefalso,massaiudoIMLcomoTdeterrorista.Afuneráriasabiaquesetratavadepresopolítico.EmSãoPauloteremosdecorrigir154assentos,anossacota.

R–Eraaquadradosindigentes,deputado.Ondeeramenterradososterroristas.P–Pronto!Agoraosenhorfalou.R–Mas isso tememtodoocemitério.Alguns foramàVilaFormosa,queaté1970enterrava60pordia.QuandoseestabeleceuPerus,dividiram-seosmortos.CreioqueamaioriadospolíticosestejaemPerus.Maspoderiamserenviadosparaocemitériode Lajeado, o da Saudade, São Miguel, Itaquera. Todos sepultavam indigentes.Estamos pesquisando Formosa e Perus. Mas por que só esses dois, se havia 30cemitérios?OSr.AdrianoDiogo–Porqueládescobrimosasduasvalas.E,aomenosemdoiscasos,usou-seocemitériodoCampoGrande(noJardimMarajoara,zonasuldeSãoPaulo).Haviacritériosparalevaremosmilitantesaoslocais?OSr.CarlosEduardoGiosa–EmParelheirostinhaquadradeindigentes.239P–Sobreocrematório:éumelementoculturaldaclassemédia,médiaalta.PorquenoaugedarepressãoquiseramconstruirumcrematórioemPerus?R – Quando entrei, em 1973, o crematório já estava na Vila Prudente. A firmainglesa cremava oito corpos por mês. Era um acontecimento, todos iam ver como

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funcionava.Nãocreioquelevassempresosaocrematório.P–UmcrematóriofoilicitadoparaPerus.R–OgabinetedoprefeitoPauloMaluffaziaisso.Afuneráriasósepultaoucrema.240NãomelembrodecrematórioemPerus,deputado.Sinceramente.

OSr.AdrianoDiogo–AlémdePerusedeVilaFormosa,osoutroscemitériostêmvalascomuns.Asossadasestãodocumentadasouéamesmapráticadeantigamente?

O Sr. Carlos Eduardo Giosa – No livro de óbitos, quando se faz exumação,registra-seamudançaeolocal.

P – Com o advento do crack, muita gente é enterrada como indigente,principalmenteospobres.Vãoparaavalacomum?R – Sim. Exceto se forem identificados antes do sepultamento, com imagens edigitais, pois uma carteira de identidade de outro Estado não é registrada aqui. OdocumentodeveriaserintegralizadoemumsistemaparatodooBrasil.P – O senhor se lembra do Dentinho? Que tinha uma floricultura em frente aoCemitérioda4ª.Parada?R–Oportuguêsda4ª.Parada?Sim.P–Osenhortemalgoafalarsobreaexecuçãodele?Dentinhofezdenúnciassobreaantigaadministraçãodoserviçofunerárioeelefoiexecutado.Denunciavaocomérciodeflores.R–Ah, eledenunciava tudo.Nãoera só isso,dizemquedesviouumcaminhãodearroz. Ele trabalhava junto dos cemitérios desde criança. Filho da D. Ana. Nasceudentro do 4ª. Parada. Que tinha vala comum. Não têm vala comum os cemitériosAraçá,Consolação,Lapa,Freguesia,Penha,ChoraMenino,SantoAmaro,SãoPaulo.P – O senhor se lembra do pessoal do IML ou da polícia que mandava os mortospolíticos?R –Não.Euentrei comoadministradorde cemitérionoVilaMariana. Só trabalheinoIMLjáadulto.Quandovimparaadiretoria,oprefeitoeraJânioQuadros.

OSr.AdrianoDiogo–Obrigado,Sr.Giosa.

OSr.CarlosEduardoGiosa –Deixo aqui documentos e o livroCemAnos deServiçoFunerário.

ASra.Vice-Presidente(JulianaCardoso)–VereadorRubensCalvo.

OSr.RubensCalvo–Aleide1967,queinstituiacremaçãoderestosmortais,dizque a Prefeitura pode, conforme o caso, determinar a cremação. Há projeto

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tramitandonestaComissãoparaque seja realizadoarquivamentogenético.A leidizaindaque,nasmortesviolentas–casodosdesaparecidospolítico–acremaçãoprecisado consentimento da autoridade policial. Sabemos que os próprios delegados,coronéis e generais eram ligados à repressão. Então, autoridade policial são elesmesmos.De qualquer forma, Perus era afastado da cidade e perto do Juqueri e deCampinas.Issoexplicaapreferência.

ASra.Vice-Presidente(JulianaCardoso)–Obrigada,vereadorCalvo.SenhorGiosa, as investigações apuraram que Jaime Augusto Lopes, Superintendente doServiço Funerário do Município, e o Delegado Cintra Bueno, do DOPS, conhecidocomo Porquinho, tinham uma parceria. Porquinho entregaria os corpos de presospolíticosparaincinerarnocrematóriodeVilaAlpinaapartirde1974.

OSr.CarlosEduardoGiosa–Nãoacreditoqueusassemocrematório,comojádisse.Eachomuitodifícilencaminharumcorpoparasercremadosemidentificação.

P–Ocrematório,compradoem1969pelaPrefeitura,sófuncionouem1975porqueafirmainglesa,contratadaparaexecutarotrabalho,tinhaexigências,comovelório(eespaçoparacerimôniasreligiosas).

(NãoIdentificado)–Podeteracontecidoisso.Deputado,omaquináriochegouem1968esóoperouem1974,paracumprirexigências.Osistemadofornoéperfeito.Easfamíliaslevamascinzas,nãohámisturas.Masmuitasdeixamlá.Serãojogadasnosjardinsdocrematório,umaáreade150milmetrosquadrados.É localdealtaclassemédia.

OSr.VicenteSilvestre–Lembro-mequandooinstalaram.Asfamíliasassistiamàcremação. Foi proibido.Alémdisso, passou-se a cremar dois ou três dias depois dacerimônia, para a família não ficar com aquilona cabeça, que o familiar está sendoqueimado.

OSr.RubensCalvo–Souespíritaecontraacremação.Mas,guardadoorespeitopelas religiões, quemme garante quenão trocaramos corpos ouque sejamdoisnaurna?

O Sr. Carlos Eduardo Giosa – Vereador, na célula crematória só entra umcaixão,nãoháespaçoparadois.Temosquatrofornoscrematórios.Sãoligadosdoisadois.Noprocessoocorpoécolocado,retirado;ascinzascaemnacaixinhadecinzas.O que sobra é pulverizado. Dois funcionários fazem isso a cada período. Não temcomomisturar.

ASra.Vice-Presidente(JulianaCardoso)–Estacomissãoapurouqueaté1974

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odestinodoscorposdospresospolíticoseraocemitérioDomBosco,enterradoscomoindigentes ou com nomes trocados.241 A partir de 1974 o destino passou a ser ocrematóriodaVilaAlpina.Oqueosenhortemadizersobreisso?

OSr.CarlosEduardoGiosa – Senhora, é o que disse: acredito que isso fossemuitodifícil.Em1974,1975,talvezaté1976,quemoperavaocrematórioeraafirmainglesa.

P –Coma aberturapolíticaque se iniciava, quem sabedecidiram fazer a valaparadesaparecercomasossadas?R–Vimosas imagensdeossadasaqui.Todasemsacosplásticos.Paraguardar,nãosumir.P–Estavamsemidentificação.R – Identificavam em papeis dentro dos sacos. No cemitério há vermes, insetos.Alimentam-sedadecomposição.Osprincipaissãoasbaratas.Umpequenopapel,emdezanos,jáfoicomido.Hojeexisteumsistemanovocomplástico,soldagem.Mesmoassimnãovaidurarmuitotempo.A Sra. Vice-Presidente (Juliana Cardoso) – Obrigada, Sr. Carlos EduardoGiosa, por ter aceitado o convite da Comissão Municipal da Verdade VladimirHerzog.AgradeçotambémaodeputadoAdrianoDiogo,daComissãodaVerdadedoEstadodeSãoPauloRubensPaiva.

EsforçoconjuntoA premência em solucionar a ferida aberta dos indigentes enterrados semidentificação, levou aComissãoMunicipal daVerdadeVladimirHerzog a convocaruma reunião de especialistas para discutir o assunto. “Nosso encontro tratará demedidasquegarantamaidentificaçãodaspessoasfalecidasemSãoPaulo.Emseguidaserá efetuada a comunicação a parentes e familiares, para que não mais ocorramenterros de desconhecidos, entre aspas, pois na verdade possuem documentos deregistro”,disseopresidentedaCMVVH,vereadorGilbertoNatalini,aoabrirareunião.

OSr.Presidente (GilbertoNatalini) – Bom dia a todos. Tem a palavra o Dr.EduardoFerreira,representandoaSecretariadeSegurançaPública.

OSr.EduardoFerreira –A legislaçãodoServiçodeVerificaçãodeÓbitos (SVO)foirevistapeloentãogovernadorFrancoMontoro,masdeixouumresquício:nocasode pessoas desaparecidas, o enterro seria feito pelo SVO. Nos projetos de leitramitando no Congresso sobre reforma do Código de Processo Penal, não hádispositivo específico sobre procedimento de investigação policial para pessoas

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desaparecidas. Pois uma pessoa sumir não caracteriza um crime que justifique deinício a instauração de um inquérito policial. O próprio artigo 205 do Estatuto daCriançaedoAdolescente,reformadorecentemente,nãofalaeminquéritopolicial.Oque temos é a delegacia especializada em homicídios e proteção à pessoa, o DHPP.Investigapedofilia,desaparecidosehomicídios.Osdadosrevelamqueumpercentualelevado de crianças e adolescentes sumidos tem transtorno mental, em especialdeficiênciaintelectual.PorissoseinstalouaComissãoEstadualquetratadecriançasdesaparecidasnaSecretáriaEstadualdosDireitosdaPessoacomDeficiência.EtemosaleidodeputadoHamiltonPereira,quedefiniudiretrizesdebuscaecrioubancosdedadosdedesaparecidos.Nãofixouprazo,regulamentação,custeio,maséimportante,dáparasetrabalhar.

Conversamos com o SVO estadual, ligado ao Departamento de Patologia daFaculdade deMedicina daUSP e ao Serviço Funerário doMunicípio. Identificamosumfuroali.Recebemoscorposidentificados.DocontráriovãoparaoIML,ondeeramenterrados sem a polícia saber. Aí poderiam esconder pessoas. Logo em seguida àprimeira conversa, o SVO publicou uma portaria atualizando a situação. Também serevisou a própria atuação doDHPP.Hoje o serviço é feito pelas delegacias gerais dointerior.A4ªDelegaciacuidaespecificamentedoscasosdaCapital,oquejáémuito,edásuportecomexpertise,paraoEstadointeiro.Diferentementedeoutrasinstituições,apolícianãocuidoudeacumularseusabereregistrá-lo. Acredito que é só mesmo a partir do 3º Plano Nacional de DireitoHumanos, no dizer do Prof. Paulo Sérgio Pinheiro, que subiremos numa escalaevolutiva.Qualéadificuldade?Noprópriocampodamedicinatemosaquestão:issoémedicinalegaloupatologia?TaldebatenemexistemaisnosEstadosUnidos,étudoumramodapatologiacomassuasdiferenciações.Nasituaçãodosidosos,agentetemque verificar junto ao Sistema Único de Assistência Social (SUAS) a questão dasInstituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs), privadas e públicas. O idosoaparecesemdocumento.AVaradeRegistrosPúblicosdaCapitaldáumacertidãoetentalocalizaroregistrodapessoa,necessárioparaacessarqualquerserviço.

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FábioLazzariJr/CMSP

MariaAméliaTeles:incansávelnalutapeladescobertadasvalasclandestinaseidentificaçãodasossadasdemortossobtortura

Sóquemuitasvezes essapessoapodeestardesaparecidaaquinoEstadoouvirdeoutroEstado.Háummêsepoucoapareceuanotíciadeumcidadãoque tirouumaidosadacasaderepousoporqueafamílianãopagava.Largou-anomeiodaestrada.NodocumentárioCorporationvocêsvãoencontrarumacenaemqueaspessoastiramumaidosadeumhospitalea largamnafrentedeumaentidadedeatendimentoaoidoso.Aíénecessáriotrabalharcomoschamadosleitosderetaguardaetambémcomo sistema de saúde, cada um commonitoramento. A fiscalização de ILPs envolve otrabalhocotidianodaPolíciaMilitar.Têmdeterplacavisível,CasadeRepouso,LardeIdoso.Éprecisosediligenciarsetodasaspessoasali,comodizoEstatutodoIdoso,temseusdocumentos,oRG.Ealegislaçãoestadualfalaemdocumentaçãosuficiente:o RG. Aí temos o segmento do transtorno mental, dos hospitais com leitospsiquiátricos, clínicas, casas que recebem pessoas com transtorno mental. Tambémessa fiscalização, em parceria, é atribuição da Secretaria de Saúde e das secretariasmunicipaisde saúde.Omesmoparaas instituiçõesdeacolhimento, antigosabrigos,mais antigos ainda os orfanatos, já com esse know-how da Comissão deDesaparecimentodeCrianças.OregistrodecriançasabrigadasébemmaiscontroladoporqueexisteocontroledaJustiçadaInfânciaeJuventude.Aí,osserviços funerários,osSVOseo IML.Basicamenteo sistemaédecruzamentode dados, de diligências efetivas, registros compilados. Sem reforma no Código deProcessoPenalqueespecifique investigação sobrepessoasdesaparecidas,odelegadocontrola. Em alguns casos as diligências não avançam. É preciso rever as medidas

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anualmente, incorporar algo novo e ver o que pode ser feito. Enfim, o tema daspessoasdesaparecidaséadesconstruçãodalacunaditatorial.Lacunasideológicas,nasquais não se lançam luzes. Tentamos desconstruir no âmbito estadual, oxalátivéssemosumprojetodeleifederal,tudoamarradonoplanofederal.

OSr. Presidente (Gilberto Natalini) – Obrigado. Tem a palavra a promotoraElianaVendramine.

A Sra. Eliana Vendramine – Cumprimento a todos que levam à frente essahistóriadeviolênciaedissimulação.Voupontuarportemastudooquefoiabordadoaquiparadizeroqueestásendorealizadoeoqueaindaéinsatisfatório.Comrelaçãoaosdesaparecidos,oMinistérioPúblicodemandouque,emborasemleifederalesemrevisão da legislação estadual, se faça um acordo com a Secretaria de SegurançaPúblicaparainvestigar.Demandamosumadelegaciaespecializadadedesaparecidosenãoderegistro.Hánumerosos indíciosveementesdecrime,emespecialcomjovensadultosnegros,vítimasdotráficodedrogasedeoutroscrimes.Edetorturapolicial.Seminvestigação,seminquéritopolicial.

Não nos decidimos pelo inquérito civil apenas porque inexiste uma legislação e apolícianãosupririaaleifederal.Foiporquedescobrimosquehaviainvestigação,masodesaparecido,semnotíciaclaradecrime, levavaameroregistro.Serásolucionado,mastemosdedarumtempoparaseacostumaremnãosócomademanda,comocoma seriedade do tema. É impossível que 11 investigadores dotados de know-howpossam investigar SãoPaulo inteiro.Hádesaparecidos em cidades com realidades edistâncias totalmente diferentes. O Delegado Geral da Secretaria de SegurançaPública tomou importante medida, descentralizar a investigação. Se eu noticio queumparentemeudesapareceuemPresidentePrudente, será informadaaautoridadecentral, mas a local investigará. Antes mandávamos tudo para a delegadaespecializada. Tarefa impossível e portanto mero exercício de retórica dizer para afamíliaqueseprocurava.Outro problema refere-se às notícias dadas à polícia. Seja óbito de pessoasqualificadas com morte natural no SVO, seja por morte violenta, com ou semqualificação, todas demandam boletim de ocorrência (BO). De outro lado, se umdesaparecido fosse encontrado pelo próprio Estado ou o SVO, não havia queminformasseo familiar.CaberiaàautarquiadaUSP, quenão semanifesta sequerpeloseu reitor.Umapessoa que tevepai e sogro inumados comopresumidos indigentesdemandouocasoháduassemanas.Háumabaixoassinadonochange.org/indigentesobreeles,com50milassinaturas.ElaconseguiuumareuniãocomoreitordaUSP,eele pediu desculpas – desconhecia o fato. O reitor nomeia o representante doDepartamentodePatologiadaUSP,quenuncaavisoufamiliaralgum.

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Por fim,comrelaçãoà investigação.Eunãovou falardonúmeromais importanteou predominante de vítimas. Durante todos esses anos, talvez devido à lógicaditatorial, a Secretaria de Segurança Pública nunca ofereceu estatística oficial sobrevítimas,desaparecidos, locaisprioritários,datas, idades.Tenhocertezaqueos idososrepresentam grande número: senilidade, isolamento e às vezes a impossívelidentificação datiloscópica, por causa da idade. Nossa real identificação digital estásendoconstruídapelaSecretariadeSegurançaPública.Graveeprementeéasituaçãodosadolescentese jovensadultosquesãopegosemmeio à rua, levados em carro da polícia ou não, e ninguém dá satisfações. OMinistério Público pretende trazer estatísticas, ainda que seja um banco de dadospequeno;oProgramadeLocalizaçãoeIdentificaçãoseránacionalatéofinaldoanoetodos osministérios públicos o terão.Estamos construindoumbancodedados queenvolveIML,SVO,InstitutodeIdentificaçãoeSaúde,alémdoMinistérioPúblico,paraquepossamosfalaramesmalíngua.Teremosdadoscomrostos,vestimentas,marcasdecorpocomotatuagens,debilidadesfísicas.Ocidadão,aomenosopaulista,poderáservir-sedobancoparaprocurarumdesaparecido,ouosdesaparecidosàsavessas–osidosos,ascriançasemabrigos,quenãopodemsecomunicareseidentificar.O SVO, que deveria estar aqui presente e não está, ainda reluta em colocarassistentes sociais para esse serviço essencial.A assistência social doHospital daUSPestá junto ao SVO nomesmoprédio, usadopara amobilidadede corpos. Epor quenãoéusadopara a assistência social?Nãoentendoessa lógica enãoa aceito, comorepresentantedasociedadeecomocidadã.DisponibilizamosàSecretariadeSaúdeuma listade SVO’s do interior, que são 20,conformeoDr.Eduardonoscontou.QuemabrirositehojedaSecretariadeSaúde,cuidado, os serviços de óbito não são aqueles. Estamos refazendo a lista parapadronizá-la e também evitar indigentes não reclamados no interior. Finalmente, aausênciadeconsultadosfamiliaresaoscorposjáfoiindicadacomotalvezdeinteressedo SVO, porque os corpos seriam utilizados para pesquisa. Mas não cessou ainvestigaçãodentrodoMinistérioPúblicosobreoscorposeseusórgãos.Éissooquevemacontecendo.

O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – Tem a palavra a Sra. Lúcia Sales, doServiçoFuneráriodoMunicípio.

ASra.LúciaSalles–Bomdia.Cumprimentoasautoridades.OServiçoFunerárioéummonopóliomunicipalcriadoparacuidardos22cemitériospúblicos,fiscalizaros19privadosefazerfunerais.AConstituiçãodefinequedepoisdoatestadodeóbitoéprecisodarhomenagemdignaedestinarocorpo.Issocabeaomunicípio.Primeirooatestado de óbito, por médico que tem o CRM. Depois, o Serviço Funerário. A

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sociedade precisa saber se foi morte natural ou violenta, decorrente de crime.Questão de segurança pública. E quem vai lá quandomorre em casa?O delegado.Precisamossaberdoquemorreu.Doençaoususpeitadecrime.OdelegadodecidesevaiparaoIMLousevaiparaoSVO.Em todo o Brasil, os SVO’s são ligados, pelo Ministério da Saúde, ao serviço desaúde.Mas oEstadode SãoPaulodecidiu, hámuito tempo, que isso ficaria comoDepartamentodePatologiadaUSP.Omunicípio sóentraapósoatestadodeóbito,para destinar o corpo, depois de a sociedade estar tranquila sobre a apuração domotivodamortedapessoa.Essaseparaçãoéfundamental.NoEstadodeSãoPaulo,em localidades semSVO, quemverifica éo IML. Inclusivemortesnaturais.Aí falamosembancodedadosdedesaparecidos.QualéotemadaleidodeputadoHamíltonPereira?Segurançapública.Quandoalguémdesaparece,asociedadeprecisasabersenãofoicrime.Nãoéprecisoternoarcabouçojurídicoumprincípio,quenocasoéa sociedadesaberporquedesapareceuumentequerido,e,da mesma forma, por que morreu um ente querido. O trabalho da Dra. Eliana érecente como omeu no Serviço Funerário, onde cheguei em janeiro. Logo percebiqueàsvezesvinhaBOdedesaparecido,edepoisBOcomseunome,sobrenome,pais,RG. Ninguém cruzou. Foi um susto, não posso me recusar a enterrar quem tematestadodeóbito.Tenhoprazode48horasdepoisdacomunicaçãodoIMLoudoSVO.O que pedi à doutora? Publicar noDiárioOficial e nomeu site as pessoas quemeeramencaminhadas,quechameidenãoreclamados.Nasemanaretrasada,poressegestosimples,umaparenteencontrouumatia.São220mortospordiaemSãoPaulo,7milpormês.

O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – Com a palavra a ex-vereadora TerezaCristinaLajolo.

A Sra. Tereza Cristina Lajolo – A questão de desaparecidos tratados comoindigentessurgiramparamimquandofuidaCPI sobreaValaClandestinadePerus.OcemitérioDomBoscoficavanomeiodomato.Aliverificamosquenavalahavia1043 ossadas. Sabíamos que lá estariam seis corpos de pessoasmortas pela ditaduramilitar. Os companheiros mortos pela ditadura tinham o registro oficial, mas osenterraramcomo indigentes.Eos1043,quemsão?Pensavamnumcrematórioparaqueimartodos.Avalarevelouumproblemaaindaatual.Apessoatemidentificaçãoeestá como indigente. Isso despreza nossa condição humana: morreu, morreu, estámorto.Achoótimohavercrematórioporqueapessoaécremada,afamíliasabeondepõe as cinzas. O estado dos cemitérios é terrível e fechamos os olhos para isso.Sabemoscomofuncionamasfunerárias,odinheiroqueganham.Outrodiaeusoubequeofereceramparaumapessoaque,sepagasse,diriaondeestavaocorpo,senoSVO

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ounão.

Eraoqueeutinhaadizer.

OSr. Presidente (GilbertoNatalini)– Obrigado. Tem a palavra o Padre JúlioLancellotti.

OSr.PadreJúlio–Queromanifestar solidariedadeaoRafaelBraga,moradorderua preso, julgado hoje no Rio de Janeiro. Neste momento também deve estarterminandomais uma ação truculenta da Prefeitura de São Paulo em operação delimpezanoParqueDomPedro. Lembroque esta semana faz dez anosdomassacredos moradores de rua de 2004, até hoje impune. E mais: no Cemitério de Perusalguns corpos chegam em tal estado de desrespeito que são devolvidos ao IML semidentificação. Agora, o que é feito dos corpos? Presidente, não há mais fila paratransplante de córnea em São Paulo. Não sou contra ajudar uma pessoa comdeficiência visual a enxergar.Mas a sociedade tem de saber que às vezes a pessoatratadacomolixoforneceráacórnea.Eacórneaégratuita?Comercializada?

O Sr. Presidente (Gilberto Natalini)– A Comissão da Verdade, pelo projetoaprovado, tem como obrigação estudar, investigar e elucidar os crimes do regimemilitar, o desaparecimento, tortura, morte e o resgate da memória daqueles queperderamavidaouficaramcomsequelasnalutapelaredemocratizaçãoeemproldasliberdades políticas no Brasil. Um dos itens era a questão da vala de Perus. Nãopoderiaserdiferente.AcompanhamosoconvênioentreaPrefeituraeaUnifespparaoestudodasossadasqueaindarestam.Estamostrabalhandonessecampo.Aí,surgiuumdesdobramento:asituaçãonãoerasócomosperseguidospolíticos,mastambémcomosperseguidos sociais.Emboranão seja o escopodestaComissão– alguns têmnos questionado, Vereador Covas, V.Exa. sabe disso -, não podemos nos furtar aaprofundar isso. No limite das nossas possibilidades e na medida da nossainteligência, estamos trabalhando nessa questão e estamos investigando também;tomandopéda situaçãopara saberoque está acontecendo.Cadavezqueandamosum pouco, a cada esquina temos uma surpresa desagradável. O desentrosamentoentreosórgãosdentrodoEstado,entreoEstadoeaPrefeituraeentreoutrosórgãospúblicos que deveriam cuidar desse tipo de problema – que é respeitar a pessoadepoisquemorreoufazerapessoachegaràmortedeumaformamaisdigna-,essedesentrosamentoeaconfusãoqueobservamossãoespantosos.Nossaposiçãoédelevantarolençol,buscaraquelesquejátrabalhamhátempocomissoeaquelesqueestãotrabalhandonissomaisrecentemente,poissãopessoasdeboaintenção. Nesta Mesa há vários deles, que estão trazendo seu trabalho, suainformação, e sentimos que têm vontade de acertar;mas amorosidade é grande, e

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nãoconseguimosaindadarotombo,virarapágina.Estamosaindaemumasituaçãodedifícilsolução.Nossa Comissão irá até o final. Os vereadores aqui estão extremamenteinteressados.OsvereadoresCovas,Vespoli,Youngemesmoeu tomamosumasériede medidas que estão ao nosso alcance. Até projetos de lei foram aprovados evetados,eestamosanalisandocomosuperaresseimpasse.Então,minhaintervençãoéno sentidode deixar claro quenão vamos fugir da raia, vamos levar isso até o fim,poisqueremosverassoluçõesqueirãosurgindo.Precisamosacompanharessasinstituiçõesrepresentadasaquietrabalharemtermosdeunidadee conciliaçãoedepressão legítimaparaqueaquelesqueestãoandandomais devagar apressem o passo e para que haja conversação entre todos, porque setrata de uma questão institucional grave. Vemos aqui um dizer: “Minha função éessa”, “Sua função é aquela”, mas o fato é que temos que ajudar a destrinchar aquestão.JáéasegundavezqueoDiretordoSVOfalhaemviraqui.Nãovamosdeixá-loempaz. Se ele pensa que vai fugir de nós não vindo à reunião, está enganado: vamosmarcarevamoslá.Eseelenãonosreceberlá,sabemosfazeraspessoasaprenderemareceberearespeitaraautoridadelegislativadoMunicípio.Nóstemosexperiênciadefazerissocomváriosgestoresemváriasinstâncias.Pergunto à promotora o seguinte.Recebomuito boato,muitos rumores de tráficodeórgãosnoSistemadeVerificaçãodeÓbitosdeSãoPaulo;vendadeórgãos.Comomédico, praticante da Medicina há quase 40 anos, trabalho com isso, lido com amorte,comsituaçõesdifíceisdepessoassedesmanchandosobreumacama.Perguntoà senhora: em sua atuação como promotora pública – e tudo nos faz crer que asenhora tem uma posição independente e firme de cobrar para resolver e de punirquemdeve-,essesrumorestêmalgumaprocedência?Háalgumainvestigaçãosendofeita sobre pedaços de pessoas, de órgãos sendo vendidos de forma clandestina noServiço de Verificação de Óbitos doMunicípio de São Paulo ou do Estado de SãoPaulo?ASra.ElianaVendramini- Sim, essa investigação já foi demandada, junto comoutras demandas que informei aqui, à Promotoria de Direitos Humanos.DemandamoscomoGrupodeCombateaoCrimeOrganizado,queestáinvestigandoofato,colhendojáprovasdocumentais,quesão,segundoaargumentaçãodoórgão,asprovasdequeelestêmocontroledevidodetodososórgãosecorposqueusaramnesseperíodo.Porhora,oquefoirecolhidocomoindícioounão,nãopodeserinformadoporqueainvestigaçãoésigilosa;maselaédiuturna.Existeumainvestigaçãosigilosa.O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – Vereador Mario Covas Neto com a

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palavra.O Sr. Mario Covas Neto – Eu gostaria de fazer uma introdução.Independentementedoescopodestacomissão,achoqueotrabalhodetodosnósédetentar melhorar a qualidade de vida das pessoas que moram nesta cidade. Dessaforma,acreditoquenãosóainvestigaçãoéimportante,mastambémcontribuirparaqueas soluçõesapareçam.Sedeum ladoaComissãodaVerdade temporescopoainvestigaçãodefatos,achoquecabeanóspropormossoluções.Nesse caso específico, quando nós, num primeiro momento, fomos ao ServiçoFunerário–aindanoanopassado-,edesseencontrosurgiuaideiadesefazeraqueleprojeto de lei a respeito do DNA dos desaparecidos ou daqueles enterrados comoindigentes,nósenveredamosporoutrocaminhonumprimeiromomento,mas,agora,estamosretomandoessetema.Observamos uma série de coisas, e eu listei algumas delas – queme parecem tersidoditasaquinestaMesa-,quesãoproblemas.Aideiadechamarosváriosórgãosque estão hoje presentes era para que um tomasse conhecimento do problema dooutroparaverdequeformaumpoderiaajudarooutronasoluçãodessesproblemas.Acho que vamos sair daqui enriquecidos com esses tópicos. Citei alguns: não háinvestigaçãoemrelaçãoaosdesaparecidos,mesmocomaquelescomsuspeitasdequeodesaparecimento tenha envolvido algum tipo de violência; nãohá cruzamento deinformação entre óbitos e desaparecidos, a estatística dos desaparecidos, os locais,cidadesetc;nãoháoacréscimodeserviçosocialnoSVO;umaatualizaçãodosite daSecretariadeSaúdearespeitodosdesaparecidos;especialmenteocontroledousodoscorposparapesquisa,quedissodecorreoutroproblemaqueéeventualmenteotráficode órgãos; uma melhor identificação do IML, que eu acho que está previsto nocruzamentode informaçõesentreóbitosedesaparecidos.Alémdisso, já foisugeridoque se fizesse um site expondo todas as características dos desaparecidos de formageral, dos anunciados na delegacia ou os que chegam para ser enterrados comoindigentes.Assimosfamiliarespoderiamidentificá-los.HojeapessoaachaoparentepeloGoogleeéóbvioqueositeseriainteressante.OSVO, apesardeserumórgãoestadual,é ligadoaumauniversidadeemepareceque seja esseograndeproblema,porqueoolhardauniversidadenãoé igual aodaSegurança Pública nem ao do resto das pessoas, e talvez se precisasse de umaintegração entre os vários interessados para que não ficasse cada um tratando oassuntoseparadamente.Confessoquefiqueiumpoucodecepcionadocomosilêncioarespeitodosmilharesde sacos de ossos de indigentes que encontramos em Perus, num ambienteabsolutamenteinadequado,emumaobrainacabada,paradaporfaltadeverbas,comsacos sem identificação, sem a menor condição de uma família que já tenha

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procurado identificar seu familiar desaparecido consiga resgatar seus ossos, porquenãohácomolocalizarnadanaquelelugar.Não se falou a respeito disso e lamento que a representante do Serviço Funeráriotenhavindoaquimuitomaisinteressadaematribuirresponsabilidadesdoquebuscarsoluções.O objetivo desta reunião é procurar soluções para as coisas e não tirar docolo aquilo que achamos que não é da nossa responsabilidade. Não estamos aquiquerendo investigar por que o Tribunal de Contas rejeitou as contas do ServiçoFunerário nem estamos querendo investigar por que, depois do Governo Pitta,passados tantos governos na Prefeitura, inclusive o da Marta, essa questão doconvênio nunca foi abordada. Emais: também não estamos aqui para querer dizerque uma sentença de um juiz é desconsiderada porque o juiz julga usando umcritério diferente do que o Serviço Funerário e a Prefeitura consideram o maiscorreto.AchoqueessasoberbadaAdministraçãoMunicipal,quenãoadmitequenãoédonadaverdade,continuapresente.Talvezpor issoos índicesde impopularidadedoGovernoHaddad.Enquantoelecontinuarnessacoisadequesabetudo,quesuaadministração faz tudobemfeitoequeapopulaçãoéquenãoconsegueenxergaroquantoelaéboa,talsituaçãovaipermanecer.A senhorame desculpe, eu pensei que sua atuação viria no sentido colaborativo,mas a senhora veio aqui apenas paradizer quenão temnenhuma responsabilidadecomo superintendente do Serviço Funerário. Acho uma pena. Não sei se é pior apessoada SVO não ter vindoou ter vindo alguémquenão está querendo contribuirparaasoluçãodoproblema.Eraoque eu tinha adizer.Não tenhoquequestionarmaisninguémenão tenhomaisnenhumaperguntaa fazer.Achoque todosexpuseramsuaóticadoproblema,mas lamentoqueoServiçoFunerárionão tenhaexplicadoporqueaquelesmilharesdeossosdeindigentesestãosocadosnumsubsolodocemitério.O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – Tem a palavra o vereador ToninhoVespoli,parasuasconsideraçõesfinais.OSr.ToninhoVespoli – Sr. Presidente, eu queria saudar o EduardoDias, quesempre esteve na região para discutir a questão dos direitos da criança e doadolescente, e a Promotora Eliana Vendramini, com quem conversei há cinco, seismesessobretodasessasquestões.Porissonãoestoutãoabismadocomtudo,atéporcontade já ter ficado abismadona conversa anterior. Saúdo aLúcia Salles; oPadreJúlio,quesempreéumaluznofimdotúnelparaaquelesquetentamprocurarumasociedadebemmaishumana, e aTerezaLajolo,umaguerreiraque comcerteza fazmuita falta nesta Casa. Saúdo ainda os nobres colegas, principalmente o vereadorNatalini,cujapresidênciadaComissãodaVerdademuitonosorgulhapelaposturaaoafirmarquevaiinvestigaratéofimessasquestõeseestaráaoladodaspessoasquejá

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batalham.ApesardeaComissãodaVerdadeinvestigarumespaçotemporalespecífico,aépocadaditadura,elaémuitoimportante,poisomodusoperandidaPolícianacidadeenoEstadodeSãoPauloéomesmo.Naminharegião,adeSapopemba,hátestemunhaseprovasdeque jovens forammortospelaPolíciaMilitar. Issoparamiméassassinato.Tudo isso decorre de ummodo de formação da Polícia, que vive em permanenteestadodeguerra:opolicialjáolhaocidadãocomouminimigo,nãocomocidadão,eporissotemqueenfrentá-lo.Asociedade,então,passaasersuainimiga.Estou falandoemrelaçãonãosóaessecaso.É sóabrirmosos jornaisparavermostodososdiasoabusodaPolíciaMilitarnoEstadodeSãoPaulo.Issoénotório.Sehátanto abuso assim, não é possível pensar que não tenha um erro de lógica dacorporação, porque não é um caso isolado. Então, a Secretaria de Estado tem quetomarprovidências.Nãoépossíveladmitirmosisso.Outra questão importante: o pessoal em situação de rua, a curto prazo, não temesperança. Digo isso porque aqui nesta Casa, no ano passado, colocamos verba noorçamento para políticas públicas em pessoal de situação de rua, porém não foiaprovada. Na Lei de Diretrizes Orçamentárias, aprovada no final do primeirosemestre, tambémcolocamos verbas, que foram retiradas de operações urbanas.Noano passado, tiramos essas verbas da reforma do Autódromo de Interlagos. Oproblema é que o interesse do capital vê a lógica do lucro, não o ser humano.Portanto,senãohouverdinheiro,realmente,parainvestimentoempolíticaspúblicasnessaárea,veremosissoserepetirnestacidade.Infelizmentenãohápolíticapública,não há vontade política para resolvermos a situação e, para mim, isso é muitoevidente.QuantoaalgumasquestõesaquinaCasa,muitobemcolocadas,digoqueémuitodifícilsolucioná-las,porqueasnossasinstituiçõesinfelizmenteestãomuitoviciadas.Ésó irmos a umaDelegacia a fim de fazer um B.O. para ver como nos tratarão! É sóvirmosaquinaCâmaraMunicipaldeSãoPaulo,porexemplo,eelaborarmosumalei,de minha autoria, para a divulgação de pessoas desaparecidas na grande mídia,porque isso tambéméde responsabilidadedaPrefeitura.Entretanto, omeuprojetodeleifoivetado,sobadesculpadeinconstitucionalidade.Nãoentendocomoumaleidesse porte possa ser inconstitucional. Entretanto, nesta Casa, passa projeto de leiparainstituirSecretaria,apesardeservetadopelaLOM(LeiOrgânicadoMunicípio).Enfim, émuito difícilmudar determinadas práticas, porque as pessoas envolvidasnessas instituições representam interesses de classes sociais. Não tenho dúvidas dequeagrandepartedosdesaparecimentosestáligadaàprostituiçãodemulhereseaotráficodeórgãos.Agora farei uma pergunta ao Sr. Eduardo Dias. É notória, nos meios de

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comunicação, a questão do tráfico humano para a prostituição de mulheres. Háalgumproblemamaisespecífico,daSecretaria,quantoaesseassunto?Outra questão. Quando o senhor diz que há fiscais que verificam a situação dosabrigoseasilos,digoaosenhor,eissonoMunicípiodeSãoPaulo,verifica-sequeemumaúnica regiãoqueabarcaquasequatromilhõesdepessoas, às vezes, só temseisfiscais!Querdizer,nãose fiscalizanada.OEstado temfiscais suficientesparavisitaressesasilos?Outra.Quantoaotráficodeórgãos,issoénotório.ÉsóconversarcomváriaspessoasdaáreadaSaúde e se verificaráqueo tráficodeórgãos, apesarde ser tratadomeioque “pordebaixodospanos”, é recorrente.Então,oqueaSecretariadeEstadoestáfazendoparainibiressetipodeprática?Muitoobrigado.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–PerguntoaosrepresentantesdaPrefeituraeàPromotora,sequeremfazerconsideraçõesfinais,ousepossoencaminhar.ASra.LúciaSalles–Comofuicitada,tereiqueresponder.Muitobem.Aquestãodamorteenvolveumamísticainteressantíssima!Sougestorapúblicahá27anos.SoufuncionáriaconcursadadaAssembleiaLegislativadoEstadodeSãoPaulo,masjáfuiconcursadadoJudiciárioetambémjátrabalheinoExecutivodoEstado.Souagrônomaeadvogada.Játiveoportunidadedecolocarserviçomeiodesmanteladoempée,porisso,aceiteio desafio de pegar o Serviço Funerário, desde janeiro. Encontrei umpassivo difícil!TodossabemqueoServiçoFunerárionãoéfácil.Interessanteéqueamísticadamorteme levou–eeuestousendoabsolutamentesincera – amuitas reflexões, que faço em conjunto. São Paulo tem 220mortos pordia; seismil, setemil pormês. Portanto, por anomais de 70milmortos.Ninguémpensanisso,são70milmortosporano!Tenho formação católica. Estudei em colégio de freiras. O que não pensamos:“Gente, aonde é enterrado todo esse povo?!” Setentamil pessoas por ano émuito!QuaiscidadesdoBrasiltêm70milhabitantes?Então, o Cemitério do Araçá tem 48 mil túmulos: uma média de 11 pessoasenterradas e exumadas por túmulo. Então, já são 500mil pessoas lá.Quais cidadestêm500milhabitantes?Não pensamos nisso tudo e não percebemos que é necessário um espaço paraenterrarmosessaspessoas.Nãorefletimossobreisso,porqueobrasileiro,emespecial,nãofalasobreamorte.VamosfazerumseminárioarespeitoeoJosédeSousaMartinsjáfezumsemináriomuito interessante, em 1984, sobre a questão da morte e os mortos; para a gente

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voltarafalardealgumacoisaquefazpartedavidaequeamortesetorneumacoisanaturaledeboalembrança.Muitobem.Comoéquese faz issonostúmulos?QuemtemtúmulonacidadedeSãoPaulo?EusoupaulistanaetodaaminhafamíliatemtúmulosnosquatrocantosdacidadedeSãoPaulo.Comoagentefaz?Quando,infelizmente,faleceualguém,agentediscutequemvai exumar.Faz-sea exumação,vai aumsacoe ficanaprópriacapela.Comoé feitonorestodaCidade?Paraquemtemtúmulo,ocemitério jáéparquejardim desde 76. Então, faz-se o túmulo debaixo da terra com seis a oito gavetas.Alguémqueémaisvelhojásabedisso,masninguémconversaarespeito.Nosparquesjardinsouotúmuloestádebaixodaterraouécarmeira,querdizer,éemterramesmo.Daíatrêsanosexuma,colocanumsaco,cava,põemaisparabaixopara dar lugar a outro familiar. É assim porque senão o mundo seria um grandecemitério.Mais importante, a natureza dá conta. Em uma cidade de 500mil habitantes demortos noAraçá, não há nenhuma notícia de contaminação, de pestes, nada dissoporqueanaturezadá conta.Como tenho formaçãocatólica, seiquea almaestá embomlugar.Oquefica–e issoéduroparaagentesaber–équesomosanimais.Dopó, ao pó voltaremos.Como agrônoma, tenho esse ladomuito claro.Que bomqueviramosadubo.Quebom!Porquetemostantadificuldadedeentendermosquesomosanimais?Vamosparaanatureza, graças aDeus.No começo fica umperíodo de piada pronta, depois vai areflexõesmuitosériaseprofundas.Vamos às ossadas que eu encontrei, porque ninguém resolveu nos últimos anos.Sou uma pessoa extremamente calma e humilde, porém, encontrei uma situação enissoeutenhoorgulhodedizer:“vouconsertarevoupôrdepé”.Dra. Eliana, a senhora está pondo de pé um assunto. Meus parabéns. Por quê?Porque amulher temumolhar em lequequeohomemnão tem,por isso sabemosqueagente éque constróios tecidos sociais.Eu tenhoumolhar em leque.Não seipor que até hoje não tinha havido uma mulher superintendente do ServiçoFunerário.Euherdei.Desde 2003, existemossos ali depositados.Temcemitérioque édesde1998,1997queelespõemnoossuárioeficamaconstruirnovosossuáriosaoinvésderesolveraquestãocomacorregedoriadaJustiça,queautorizaacremaçãodosossos.Não é a minha postura, ao contrário. Eu estou falando com o Corregedor doTribunaldeJustiçaporqueelepede–aportariaédele–queoossuárioestejalotadoparadaíautorizaracremação.Númeroum, querodeixar claro, no ossuário só temossadas de lugares emque o

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familiaracompanhouoenterro.Quandoacompanhouoenterro,daliatrêsanos,naexumação,elesabequedeveráestarpresente.Vejaquenósenterramostodos,nãoésóquemtemtúmulo.Todos,inclusive15%dosenterrossãogratuitos.O Estado é amparador e por isso é um serviço social. O corpo não pode virarmercadoria,comoqueremalguns.Essaéumapartedobem-estarsocialeporissofuiconvidada a um desafio que eu poderia não aceitar. Sou funcionária efetiva daAssembleia.Euaceiteiporqueeuvoupôrdepé.Oqueaconteceuali?Eu encontrei aquilo e fui ver como corregedor se épossívelcremar. Primeiro, é para deixar claro que ali só tem ossos de familiares que nãoacompanharamaexumação, talvezporquemuitagentecrêqueaalmaestáembomlugarequeaquilonãoémaisprecisoacompanhar...Sóquealei,deformaburra,nãopermite que aquele osso possa ser destinado à cremação. Então, vai a um ossuárioidentificado esperando que a família, por lei são três anos, fique aguardando até oossuáriolotarparaoTribunaldeJustiçapermitiracremação.Asidentificaçõessãode2003eeramfeitasempapel.Asbaratasdevemadorar.Eusou agrônoma e para mim isso não é o fim do mundo, mas estou enfrentando oproblema que outros não enfrentaram. Eu vou enfrentar esse problema e não éconstruindomaisossuários–queéoqueosanteriores faziam.Seestoufalandoquesão 70mil pessoas, vamos dizer que 20% vá ao ossuário. Vai entupir em um ano.Qualacapacidadedoossuário?Então,euherdeioproblemaeestouenfrentado.Nãovoumexernaquilosemtirartudo antes dali. Estou com uma força tarefa programada e será acompanhada pelaControladoriaGeral doMunicípio e vamos limpar, comomulherque sou, oqueoshomensnãolimparamtodosessesanos.Muitoobrigada.OSr. Presidente (GilbertoNatalini)– Não havendo mais nada a tratar. Estãoencerradosnossostrabalhos.

IndigenteégenteOfícionº5980/2014-26ºGV

SãoPaulo,13denovembrode2014ExcelentíssimoSenhorGovernador,AComissãoMunicipal da Verdade Vladimir Herzog, em atividade naCâmaraMunicipal de SãoPaulo,surpreendeu-seaodescobrirque,norastrodavalaclandestinaencontradanoanode1990,no Cemitério de Perus, na Zona Norte de São Paulo, com restos mortais de presos políticosdesaparecidosnadécadade1970,aindahá,nosdiasatuais,sepultamentosdesereshumanos,devidamenteidentificados,comodesconhecidosouindigentes.InumaçõescomessascaracterísticasocorremcotidianamenteemSãoPaulo,sobajustificativadequeparentesefamiliaresnãoreclamamoscorposdeseusmortos.Essarealidade,paraaquala

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PromotoraElianaVendramini,doMinistérioPúblicodeSãoPaulo,vemnosalertando,causamuitapreocupação.

Nesse sentido, entendemos como de suma importância que os trabalhos conduzidos peloMinistério Público para solucionar o problema, em conjunto, entre outros órgãos, com o IML(InstitutoMédicoLegal)eoSVO(ServiçodeVerificaçãodeÓbitos,daFaculdadedeMedicinadaUniversidadedeSãoPaulo),caminhemembonstermos.Vimos, por meio deste, alertar Vossa Excelência sobre a necessidade de açõesintergovernamentaiseefetivas,capazesdegarantir,deumavezportodas,anotificaçãoaparentesefamiliaresdetodososmortosemSãoPauloe,naimpossibilidadedefazê-lo,asegurançadequeserãotomadasasprovidênciasqueasseguremorecolhimentodefotografias,impressõesdigitaisematerialgenéticodoscorposinumadosemSãoPaulo,paraeventuaisidentificaçõesfuturas.Certos de que os diversos órgãos estaduais e municipais atuarão em cooperação, em prol dahumanizaçãodosserviçosdesepultamento,oqueincluiatençãoespecialàspessoasemsituaçãoderuaqueperdemasvidasemviaspúblicaseacabamenterradascomoindigentes,aproveitamosparasolicitaraVossaExcelênciaprovidênciasqueimpeçameventuaisabusoseirregularidadesnamanipulaçãodetecidoseórgãosemrestosmortaisdepessoastidascomodesconhecidas.

Atenciosamente,GilbertoNataliniPresidenteJulianaCardosoVice-PresidenteMarioCovasNetoRelatorToninhoVespoliRubensCalvoLaércioBenkoRicardoYoungC.c:Exmo.Sr.FernandoHaddad–PrefeitodeSãoPaulo

Exmo.Sr.FernandoGrella–SecretáriodeSegurançaPública

Exmo. Sr. Rogério Sotilli - Secretária Estadual de Justiça, Secretário Municipal de DireitosHumanos

Exma. Sra. Promotora Eliana Vendramini – Coordenadora do Programa de Localização eIdentificaçãodeDesaparecidos(PLID)

IImo.Sr.IvanDiebMiziara–DiretordoInst.MédicoLegal–(IML)

IImo.Sr.Prof.LuizFernandoFerrazdaSilva–DiretordoSVO–USP

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Abre-seavalaEm 1990, segundo ano da gestão de Luiza Erundina como prefeita, o Sr. RuiBarbosaAlencar,atualsupervisor-geraldaSecretariaMunicipaldeDireitosHumanoseCidadania, era responsávelpeloServiçoFuneráriodoMunicípioe recebeuavisitadeSusanaKenigerLisbôa,mulherdefibrajá inscritanahistóriabrasileira.Disse-lheelaquesouberadeumavalaclandestinanocemitérioDomBosco,emPerus,equeriafazerumavistoria.BarbosaAlencar tentouantes informar-secomfuncionários,masouviuquenuncasouberamdealgosemelhante.No dia 11 de junho de 2013, o Sr. Rui Barbosa Alencar veio prestar o seudepoimentoàComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzog.ContouqueSusanachegounadatamarcadaacompanhadapelo jornalistaCacoBarcellos.Nocemitério,umasurpresa:jornalistasestavampresentes,incluindocorrespondentesestrangeiros.

6eixosNo dia 14 demaio de 2013, o procurador-geral daCâmaraMunicipal, Paulo Augusto Baccarin,resumiuostrabalhosdaComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzognalegislaturapassada,presididapelovereadorÍtaloCardoso.Aex-vereadoraTerezaLajolosupervisionouostrabalhos.OresumodeBaccarin,queassessorouaComissão:

“Partiu-sedetrêspremissas.Uma,quenãoseanalisariasupostoscrimesdosresistentes,poisàépocahouve inquéritos.Outra,quenão foiumaguerraentreequivalentes.Masumgolpe,poderilegítimoeresistência.Aterceira:nãohájustificativa,nunca,paratortura.Eporqueesclarecercrimescometidoshátantotempo,jáprescritos?Resposta:aritualizaçãodamorte, desde os primórdios, foi um dos fatores a nos tornar humanos. Impedir o luto viola acondiçãohumanaeretira-seodireitodapessoaàmemóriaeàHistória.Estabeleceu-se a continuidade entre as três comissões da Câmara: as duas comissões daverdade,adalegislaturapassadaeesta,eaCPIdaValadePerus,queavereadoraTerezaLajolopresidiu, instalada em outubro de 1990, um mês depois de sua descoberta no cemitério DomBosco.Entendeu-sequeaviolênciaea impunidadegeraramumaculturadaviolênciaqueaindaestá aqui. O que nos levou à iniciativa de criar amemória geográfica da cidade, nos locais deresistênciaedetortura.Acomissão,portanto,abordouseistemas:ouvirtorturados,ouvirtorturadores,claramenteapontartorturadores,ouvirhistoriadores,identificarfisicamentelocaishistóricoseligaraculturadaviolênciadeentãoàatualidade.”

“Eu achava que era uma visita de exploração porque os familiares não recebiaminformações do Serviço Funerário. Mas sabiam muito além. Com a imprensapresente, e a confirmaçãoda existênciada vala, tivede tomarumadecisão.Eunãotinhaidolácomesseobjetivo.Pretendiaaveriguar.Masmandeiabrir.”Barbosa comunicou à prefeita o que sucedia, e Luiza Erundina imediatamente

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seguiuparalá.“Abertaavala,vimosumainfinidadedesacosplásticosazuis.Contaram-setemposdepoiscercade1049adultossemidentificaçãoetrêsdesaparecidospolíticos.Mashásuspeitadeoutros,atéhojenãolocalizados.Quaisosdoisfatosqueconsidereiestranhos?Nãoépraxeexumareescondercorposem outro lugar. Vencido o prazo, publica-se um chamado às famílias para quedestinemosrestosmortaisaoossuário,àdisposiçãomediantealuguel.Depoisfaz-seaexumaçãogeral,queos funcionárioschamavamde limpezadequadraoudevala, ecolocam-se os restos no ossuário geral. No caso de Perus, não. Além disso, umacoincidência: o cemitério foi inaugurado em 1971 e a lei reduziu o prazo daexumação de cinco a três anos, porque os cemitérios se esgotavam.Operíodomaiscurtopermiteo rodíziodos terrenos.Quanto ao crematório, oprocessode aberturapolíticalevouàdecisãodedeixarascoisascomoestavam.”

DepoimentodeRuiBarbosaAlencar(resumo)AaberturadavaladePerusimpactouamídiaeacidadedeSãoPaulo.Emergiramquestõessubmersaspelacensura,queprevaleciammesmodepoisdaConstituiçãode1988.OSr.Presidente (GilbertoNatalini)–Muito obrigado por sua presença aqui.Perguntologo,Sr.Rui.Nassepulturashaviaidentificação?OSr.RuiBarbosaAlencar – O sepultamento é feito por ordem de sepultura.Numeração.Nolivroderegistrocoloca-seaplacadeidentificaçãodecadasepultura.P–Querdizer,agrandemaioriaeraidentificada.Depoislevou-seàvalaemisturou-setudo?R–Éoqueconsta.Segundoosfuncionários,umpadrãoemtodososcemitérios.P–AífizeramumconvêniocomaUNICAMPparaidentificação.Oquefoifeito?R – Uma equipe grande do IML daUNICAMP, chefiada pelo legista Badan Palhares,separouosadultosefizeramexamespericiais.P–Qualametodologia?R–Nãoconheço.Mas seiquemediramdecrânios,os reconstituíram,compararamcom fotos. Identificaram três desaparecidos. O convênio acabou com o término dogovernoErundina, em1992,mas já antes a equipechegaraao limite.Não sei senaépocahavia tecnologiaparaavançar.OsossosacabaramnocolumbáriodoAraçá, senãomeengano,àesperadenovainvestigação.P–Épossívelquehouvessemaisrestosdedesaparecidos?R – Sim, pode termuitomais.Achoquenão é suspeita sem fundamento. EmVila

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Formosatambém.NocemitériodeSantoAmaroteriamseencontradodesaparecidoscom identificação. Recentemente ouvi falar de Parelheiros. Os cemitérios maisdistantes de São Paulo eram os de Parelheiros e o de Perus, este na divisa domunicípiodeCaieiras,ambosdequadrageral,comoodeVilaFormosa.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Obrigado.AbroapalavraaoscolegaseaodeputadoAdrianoDiogo,muitobem-vindoàCMVVH.O Sr. Adriano Diogo – Quando o Rui Barbosa assumiu, o passivo do serviçofunerárioeraenorme.Eutinhaumamigo,oDentinho,quetrabalhavacomamãeemcadeiraderodas,nafloriculturadeles,nafrentedocemitério.ODentinhodenunciouao jornalFolhadaTarde a corrupção no comércio de flores. Assassinaram.Amãe,velhinha,morreulogodepois.OSr.RuiBarbosaAlencar–Defato,asituaçãodoserviçofunerárioeracaótica.Uma dívida enorme, descontrole e reclamações. Não havia regulamentação parafloriculturas.Eoscomerciantesdisputavamentresi.Éumjogoperversoporquenummomento de elevada fragilidade familiar, o pessoal age como ave de rapina. E oDentinhoadenunciarintermediários.Oserviçofuneráriotinha,eaindatemfamadequeporalipassacorrupçãopesada.Nossogovernoprocuroucombatê-la.Semapretensãodedizerqueaextinguimos.Reduzimos os custos em 51%.Trabalhavamno serviço pessoas que cumpriampenaem liberdade, pois antes de 1988 a legislação permitia a admissão de pessoas semconcurso. Ninguém mexia com alguns, protegidos de vereadores. Desarmeipessoalmentefuncionáriosarmados.Climaconvulsivo.OSr.Relator(MarioCovasNeto)–Osenhordissequeoconvênioacabouenãofoirenovado.ASra.Vice-Presidente(JulianaCardoso)–PoderíamosbuscarrecursosdentrodoorçamentodoMunicípio.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Obrigado.TemapalavraAdrianoDiogo.O Sr. Adriano Diogo – Houve pressão contra as investigações? Em outroscemitérios?R–Nãosobremim.Os funcionáriosqueparticipavamdos trasladosdo IML ficaramalvoroçados, pois temiamuma caça às bruxas.Havianotíciadeque algumas figuraspúblicas de hoje trabalharam no serviço funerário, sem registro, para a logística detransportedoIML.OSr.AdrianoDiogo – Qual era o clima na época? Denunciou-se que, no IML,HarryShibataeoutrolegistaretiravamdoscadáveresashipófiseseasvendiam.Doisdelegados, com a responsabilidade pelos corpos, acobertavam. Funerárias ilegaiscomerciavam cadáveres. Quanto ao crematório de Perus, serviria para desaparecer

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comtodos:vítimasdoesquadrão,dameningiteepresospolíticos.TodaessamáquinadeguerraligadaaoTumão(delegadoRomeuTuma).Umvereadordaquimandounoserviço funerário por mais de 20 anos. Brasil Vita, ligado a Paulo Maluf. VouterminarcomumagradecimentoaoRui,eleenfrentouavendadecadáveresnaportadoIML,enfrentouasmáfias,brigaduríssima.OSr. Emílio Ivo Ulrich – Faço uma homenagem aqui ao meu querido amigo,militantequemetrouxeaSãoPaulo:LuizEuricoLisbôa.Minhamãe,NadiaUlrich,acolheu-o em Porto Alegre. Tratava-o como filho. Luiz Eurico, um líder contra aditadura!O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – Muito obrigado ao Sr. Rui BarbosaAlencar por sua colaboração.Agradecemos pelo seu tempo.Obrigado a todos, Estáencerradaasessão.

AportavaievemArelatoradaComissãoParlamentardeInquéritodaValadePerus,entãovereadoraTerezaLajolo,notoualgunsfatosduranteaCPI:

“OcemitérioerareivindicaçãodaSociedadeAmigosdePerus,poisodeCaieirasestavalotado.Aplantapreviaaconstruçãodeumcrematório,comconstruçãopelafirmaDawson&Mason,nobairrodePerus,depoisemVilaNovaCachoeirinha(zonanortedeSãoPaulo).Éde1969.Oprocesso, denúmero2230362, registraopedidode tramitaçãourgente, injustificado, e incluiuma carta da firma D&M, estranhando o projeto do prédio. Considerou-o inadequado para oacompanhamentodosfamiliares,eigualmenteinadequadooacessoaoforno,queseriaporduasportasvaievem,abertatodososdias,odiainteiro.O cemitério de Perus, inaugurado em 1971 na gestão PauloMaluf (semcrematório), passou aacolher corpos de indigentes vindos do IML e da Faculdade de Medicina (enterrados em valacomum). Mortes violentas pela miséria, fome, criminalidade social, de vítimas do esquadrão damorteedepessoasreprimidaspeladitadura.OcrematóriofoiparaVilaAlpina.”

Muitopequena,compesode0,5a1grama,ahipófisetemimportânciacolossal:regulaofuncionamentodetodasasoutrasglândulas.Ficanabasedocrânio.HelenaPereiradosSantos(1919-1996)foipresidentedoGrupoTorturaNuncaMaisdeSãoPaulo.Seufilhomaisvelho,Miguel,com19anosabandonouocursonaEscolaSuperiordeAgriculturaLuizdeQueiroz,emPiracicaba(SP),eparticipoudaguerrilhadoAraguaia,ondemorreu.Valacomuméacovaondeseenterramcadáveresnãoidentificados.Emprincípio,seispresospolíticosaindaestariamenterradosali:DenisAntonioCasemiro,DimasCasemiro,FlávioCarvalhoMolina,FranciscoJosédeOliveira,FredericoEduardoMayreGrenaldodeJesusSilva.Aexumaçãomostrouindíciosdeoutrosdesaparecidospolíticos.OcorpodeJoaquimAlencardeSeixasfoilocalizadoporumatiadeIvanAxelrudSeixas.Elaconseguiuoatestadodeóbitodosepultamento.NoIMLCacoBarcellosencontroualetraT,deterrorista,emalgunslaudosdemorte.EnterradocomoindigentenoCemitérioDomBosco,alteradososdadospessoais.Tinha28anos.Dadoscorretosconstavamdoatestadodeóbito.Aossadafoilocalizadaapartirdasinvestigaçõessobreavala.Nodia13deagostode1991,seusrestosmortaiseosdeAntonioCarlosBicalhoLanae

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SoniaMariadeMoraesAngelJones,exumadosdomesmocemitério,foramtrasladados.HouveatonaCatedraldaSé.DênisfoiveladonaCâmaraMunicipaldeVotuporanga,commissadecorpopresentenaigrejamatriz.Informações:ComissãoEspecialsobreMortoseDesaparecidosPolíticos.Catarinense,24anos,estudanteuniversitáriodaUFRJ,assassinadoem1972.PertenciaàMOLIPO,MovimentodeLibertaçãoPopular.CisãodaALN,davaprioridadeàlutaarmada:guerrilhaurbanaecolunaguerrilheiranocampo.JacobGorender,emCombatenasTrevas,obracitada.Páginas202-203.Carioca,24anos,estudantedaUFRJ.MilitounaALNenoMOLIPO.AntônioCarlosBicalhaLanaeSôniaMariadeMoraesAngelJones,ambosdaALN.Presosemnovembrode1973.EnterradoscomoindigentesnavaladocemitérioDomBosco.OmartíriodeSônia,horripilante:alémdastorturasdepraxeteveosseiosarrancadosaalicateefoiestupradacomumcacetete.Shibataassinouolaudo-Sôniamorreranumtiroteiodia30denovembrode1973,emSantoAmaro.

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Foto:FábioLazzariJr./CMSPMENINOSSECUNDARISTAS

CarlosEugênioPaz,conhecidocomoCarlosClemente,relataasuaparticipaçãodemilitantedaALNemjustiçamentos.Elembra

dojazznoexílio

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CAPÍTULOXVI

Opesodosolhares“Fomoscapazes,nós,sobreviventes,decompreenderefazercompreender

anossaexperiência?”PrimoLevi(1919-1987),químicoeescritoritaliano.

CarlosEugênioSarmentoCoêlhoPazficoubemcontentenaquele1ºdeabrilde1964.Tinha13anoseasescolas fecharam: feriadonomeioda semana,umaquarta-feira.Percebeu que algo de grave acontecera porque seus pais agora discutiam,preocupados,ogolpemilitar.Casalpeculiar:opai,integralista,colocaraumbustodePlínio Salgado no bufê; a mãe, simpatizante dos comunistas, pendurara perto oretrato de Luís Carlos Prestes. Em eventos políticos, um acompanhava o outro.Tiveramquatrofilhos.MoravamemLaranjeiras,bairrodeclassemédiaealtadoRio(zonasuldacidade).Anos depois, já separada do marido, a mãe tornou-se a militante Juana da ALN.Presae torturadaparadizerondeseencontravao filho, sequercontouqueele saírado país. Anos depois, Carlos Eugênio perguntou-lhe por que nem isso falara, e elaretorquiu:“Euerasuacompanheirademilitânciaesuamãe.”A política rondava Carlos Eugênio também na casa de um grande amigo: umapequenamaletapertodaportade entradagarantia aopai confortomínimo se fossepreso. Impressionou-se e perguntou: “O senhor já foi preso?” A resposta veio comsimplicidade:“Sim,váriasvezes.”MasEugênio gostavamesmode futebol, flamenguista roxo.Daí veioo apelido.OFlamengo apanhou do Bangu por 3 a 0 em 1965, e um amigo apelidou-lhe oClemente,nomedozagueirodoBangu.Puraprovocação.Apolíticapegou-odejeitoquandoleuolivrodeCarlosMarighellaPorqueresistià

prisão242.Faloucomamãe,céticasobreresistências.ElaadmitiuquecomMarighellaeradiferente.Eugêniodecidiu:“Estoucomessecara.”

EncontrocomolíderPor intermédiodedois colegasdecolégioegrandesamigos,AlexdePaulaXavierPereiraeIuriXavierPereira243,encontrouMarighella.“Apaixonei-meporele,peloquepregava.Momentodepassaràação,parardefugir,edecrerqueaditaduracairiadepodre.”Sobreosanosdeclandestinidade,afirmaquelheforamensolarados,porquenuncaobedeceu a nenhuma ordem da ditadura. E, se estavam morrendo, morriam pela

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liberdade.Apropósito,lembre-seopoemaLiberdade,deCarlosMarighella,escritonaprisãoem1939,cujosúltimosversosrepetem:Equeeuporti,setorturadofor,/possafeliz,indiferenteàdor,/morrersorrindoamurmurarteunome244.

DepoimentodeCarlosEugênioPaz(resumo)O famoso e perseguido Comandante Clemente, codinome do alagoano-cariocaCarlosEugênioPaz,veioàComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzognodia22deoutubrode2013.Tinha63anos.OSr. Relator (MarioCovasNeto) – Inicialmente agradeço a sua presença. Anossa comissão procura apurar os fatos.A ideia é esclarecermomentos obscuros denossahistória.Porfavor,fiqueàvontade.Comoosenhoranalisaasuasobrevivênciaduranteaditaduramilitar?O Sr. Carlos Eugênio Paz – Permito-me usar a memória. Desde aclandestinidade mantenho o hábito de nada anotar. Sobrevivi graças aoscompanheirosecompanheirasquenãodisseramondeeuestava, embora torturadosdeformaatroz.NascelasdoDOI-CODI,doDOPS,naCasadaMorteemPetrópolis.Fuipoupadoporeles.SaídoBrasilemjaneirode1973,passeiporCubaevivioitoanosexiladoemParis.Ganheiavidatocandojazz.P–QualasuaconvivênciacomCarlosMarighella?R–Quandooconheci,eledisse:oanoédepreparação,aindanãoéhoradepartirparaalutaarmada.Respondi:estoudentro,contecomigo.IriafundaraALN.ÉramososmeninosdeMarighella,eu tinha17anos, todossecundaristas.Nossaconvivênciaduroude1966atéodia31deoutubrode1969.Foidemuitacamaradagem–eleeraextrovertido, gostava de caipirinha no bar, de ver o pessoal jogando pelada. Tinhaextremo apreço pela democracia e respeitava o outro. Foi contra o sequestro doamericanomasdisseque,seinsistíamos,quemsabetínhamosrazão?EuestavaentãonoExército,noFortedeCopacabana,porqueMarighellaquisqueme alistasse para fazer um curso antiguerrilha. Recebi atémedalha.Depois que elemorreu,emnovembro,deserteidoExércitoevimparaSãoPaulo,queémelhorparaseesconder,poiscadabairrofazfronteiracomváriosbairros.NoRio,fronteiraémaroumontanha.P–EaemboscadaqueFleuryarmouparamatarMarighella?R–Arrancaramdedoiscompanheiros,comtorturas,opontodeencontroeasenhapara marcar encontros por telefone. Quando Marighella chegou havia doiscompanheirosnocarro.OSr. Relator (MarioCovasNeto) – A partir de 1970 a ALN passou por uma

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reestruturação.Muitosforampresosetorturados.OSr.CarlosEugênioPaz–TodaacoordenaçãodaALN,montadapor JoaquimCâmaraFerreira,oToledo, foiassassinadaedesapareceu.PaulodeTarsoCelestino,LuizJosédaCunha,HélcioPereiraFortes,AldodeSáBrito245.EsoubemosquehaviaumadeterminaçãodenãodeixarninguémmaisdaALNescaparvivo.O Sr. Relator (Mario Covas Neto) – O senhor pode nos esclarecer sobre oMOLIPO?O Sr. Carlos Eugênio Paz – Constituído de 28 companheiros da ALN, quetreinavamguerrilhaemCuba.Queriamvoltaredizíamosaindanão,vocêsnãosabemcomoestáaqui.AALNmandouosprimeirosem1967edevíamosterparado.PorqueoBrasil e a repressão, a partir de 1968, eramoutros. Eles viam oBrasil com lentesultrapassadas. Chegavam e iam procurar gente presa, as famílias. Amédia de vidadesses companheiros era de sete a oitomeses depois de voltarem.Debatemos comeles,masquandoviramqueaALNnãoaceitariamudançaderumo,criaramoMOLIPO.AALNcontinuava na linha de acumular dinheiro e armas suficientes para iniciar aguerrilhanocampo.P–SobreHenningAlbertBoilesen.Osenhordirigiuaação.Ojustiçamento246deu-seporeleserempresárioouporquefinanciavarepressãoetortura?R-Tudoisso,sim.Emais:elenãodavaapenasassistência.Participavadatorturadeforma concreta. E coordenava a caixinha. Num caso rasgou o cheque e disse parafazer outro, com o dobro da quantia. Peço que vejam o documentário CidadãoBoilesen,deChaimLitewski.Temnainternet,nositewww.rededemocraticaorg.Vê-se on-line. No site tem filmes que mostram o Delfim falando. Depois passavam abandeja. Acho que os militares tinham interesse político em fazer os empresáriosparticiparem.Maispor comprometimento ideológicodoquenecessidadedo chequedoJoséPapaJúnior,eseiládequem.OSr.CarlosRussoJúnior–Houve tambémodelegadoOtávio,daequipequemetorturou.DeiodepoimentoàComissãoNacionaldaVerdade.OSr.CarlosEugênioPaz –OctávioGonçalvesMoreira Júnior. Em1973 aALNtambémojustiçou.EmCopacabana.Portudooqueelefezdemal247.OSr.Relator (MarioCovasNeto) – O senhor foi uma das cinco pessoas querecebeu pena de morte, além de condenado a 124 anos de prisão. Qual a suasensaçãoarespeito?OSr.CarlosEugênioPaz–Eumepreocupavacomapena informal,aquelaemqueameaçavamfazerpicadinhodemim.Palavreadoouvidonacadeia.Comoeunãocaía,aumentavaoódiodeles.Eomeu,queeualimentava.Pelas5damanhãhaviaum programa de rádio que começava dizendo: “Acooooorda, Zé Povinho, que o

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presidente já está construindo o Brasil. Vai trabalhar, vagabundo!” Guerrilheirotambémacordacedo.Eminhacompanheira,AnaMariaNacinovic248,ficavadanada.Muitocedo,elareclamava.Eudiziaqueeraparaexercitaromeuódiodeclasse.Davavontadedesair, tomarcafé, felizdavidacomasminhaspistolasnacinta,orevólveratrás,ametralhadoranabolsa.Coitadadarepressãoqueaparecessenaminhafrente.Certamanhã,aAnaMariadesligouorádioeeudisseque,secaísse,seriaporcausadela,poisnãoestavacomomeuódioafilado,semprealerta.O Sr. Relator (Mario Covas Neto) – Um dos integrantes da CoordenaçãoNacional da ALN, Márcio Leite de Toledo, foi executado. O senhor atuou naexecução?Cogitou-sedealgumtipodepenaquenãofosseamorte?OSr.CarlosEugênioPaz –Emmeuprimeiro livro,ViagemàLutaArmada249,escritoem1996,contoaaçãoemdetalhes.AcoordenaçãodaALNdecidiu justiçá-lo,comomedidadedefesadaorganização.Coube-meatarefa.P–Porqueelefoiconsideradoumperigoparaaorganização?R–JoaquimCâmaraFerreira,oToledo,foipresoemumpontoemorreu,dizemquede infarto,mas Fleury o torturou. Precisávamos avisar a todos, desmobilizar o queestivesse em risco.Muita gente.Mas oMárcio sumiu, achamos que desapareceramcom ele. Estávamos em risco. Ana Maria e eu abandonamos o aparelho ondemorávamos e sumimos: fomosdormir emAparecidadoNortepordoisdias, depoistomamosotrematéBauru.DormimosnaestaçãoàesperadotremparavoltaraSãoPauloearrumaroutroaparelho.QuarentadiasdepoisMárcioreapareceu.Acharamelhorsepreservar.Bem,tiramosda coordenação. Como sabia usar uma arma imprescindível para dar cobertura aoscompanheiros, a metralhadora, passou com essa responsabilidade a um grupo defogo.Duasvezesfalhou.Faleicomele:acoordenaçãoconcluiuquevocêéumperigoambulantepara aALN.Oferecemos a você sair doBrasil. Pode escolher entreChile,Cuba, França e Itália, onde temos apoio.Nãoqueria, recusou.Então aALN decidiupelojustiçamento.Foitudoaberto,inclusivetevepanfletonolocal.P–EmentrevistaaoGloboNewsosenhordissequenãosetratoudeatoglorioso.R–Nuncaé.P–AoprogramaFantásticoosenhordissequefoiumerro.R – Nunca disse isso. Dei três horas e meia de entrevista, editaram, sobraram 20segundos,setanto. Isso foirecortado.Oqueeudisse: sepensaremcomacabeçadehojesobreoqueaconteceuhá40anos,nomeiodeumaguerraondeéramoscaçadosnas ruas, vão considerar erro. Mas é luta armada, é guerra. Nós não torturamosninguém,nacovardia.Carregodoresparaorestodavida.Carregoolhares.Asmortesquecarregamossãoas

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doresdocombatente.Mas,atenção:nãomearrependereijamais.Minhamãe,minhairmã torturadas, a Ana assassinada. O Alex e o Iuri assassinados, a Isis Dias deOliveira, oMarighella. E oToledo, entreguepelo famigerado Joséda SilvaTavares.Grande,aminhalista.OTavares,deapelidoSeverino,forapresonoPará.Estávamos,umdia,Toledo,Iurie eu numa padaria na rua Pedro deToledo, para tomar café e fazer hora para umencontro.DerepenteoToledochamaalguémediz:éoSeverino.Euestavacomascostasnaparedeeviocara.PegueiaminhaColt .45,a rainhadaspistolas,edeixeiembaixodocasaco.Edissevamosembora,vamos jáemboradaqui.Essecaraestevepreso,vamosembora.Pagueioscafés,saímoseentramosnocarro.Iuridomeulado,Toledo atrás como Severino, que contou ter tentado se enforcar comumcinto e omandaram ao hospital.Mostrou amarca. Eramaquilagem!Eu olhando o cara peloretrovisor, tentava olhar no olho, ele nada de olhar. Sem olho no olho coloquei apistola embaixo da perna esquerda que é a maneira de tirar mais depressa. Ficavavendosenãonosseguiam.Epensava:caramaisesquisito.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Eunãoodeixariaentrarnocarro.Porquedeixou?OSr. Carlos Eugênio Paz – Porque no carro eu tinha potência de fogo e eleestava só. E o Iuri, enorme, corpulento, estava ao meu lado. Pesava mais de 100quilos de tanto comermacarrão com sardinha ou salsicha, que era a nossa comida.Não se gastava dinheiro da organização! Jogávamos o saco de dinheiro no chãoquando chegávamos– e como aquilo cheiramal, de tantobolso, de tantamão! – enunca precisamos de livro de contabilidade. Aqueles milhões, roubados de banco,eramdarevolução,dalutaarmada.Ninguémsaiucomcaixinhade10%...SaímosdaALN comoentramos, pobresou como suporteda família.Éramos guerrilheiros, nãopolíticos.Voltando.OToledomedisse:arrumeumdinheiroparaoSeverino.Parei,pegueiasnotasedei.OIurisaiueoToledocomeçouamarcarumpontocomocara.Briguei.Vocêsvãolá fora,nãoquerosaberdeponto.CoitadodoToledo, tantacoisaviveuevemumgarotode19anos,eu,epassapito.Quandovoltouao carro, apenasnósdois,pergunteiqualograude confiançaquetinha no Severino. Foi seminarista, treinou em Cuba, respondeu. Eu disse: nãoaumentaograudeconfiança.Édoconhecimentode todasas lutasclandestinaque,seumcompanheirosaidacadeiaedizquefugiu,fezumacordocomarepressão.Defato. Levou dinheiro, arrumou trabalho na Fiat, foi para a Itália e voltou a BeloHorizonte. É muito rico, tudo por entregar Toledo. No meu livroViagem à LutaArmada,chamo-odeSilvério.Ouvi doToledoquedaí a pouco eu só confiaria emmim.Respondi quenem em

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mim–sóquempassapela torturasabeseaguenta.Quantoa isso, repitosempre: sóestouaquiporqueosmeuscompanheirosmepreservaramvivo.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–AgradeçoaoCarlosEugênio,aovereadorMarioCovasNeto,agradeçoatodosapresença.Estáencerradaanossareunião.

FábioLazzariJr/CMSP

CarlosEugênioPaz:carregodoresparaorestodavida,asdoresdocombatente.

EditoraBrasiliense,1965.Mortospelarepressãoedesaparecidosatéque,descobertasasossadasnocemitériodePerus(capítuloXIV),osfamiliarespuderamenterrá-los.Alexmorreuemjaneirode1972,comGelsonReicher.Iuri,emjunhode1972.Maisinformações:DossiêMortoseDesaparecidosPolíticosnoBrasil–CentrodeDocumentaçãoEremiasDelizoicov.Em1942,opoetafrancêsPaulÉluardtambémescreveuumaodeàliberdade,emfacedaocupaçãodaFrançapelaAlemanhanazista:Liberté.Fervorosolouvoràliberdade,opoemacirculoupelaFrançaeomundocomoumelixirparaaresistência.Atoresfamososodeclamaram.PaulodeTarsoCelestino,advogadogoiano,presonoRioedesaparecidoemjulhode1971.Maisinformações:DossiêMortoseDesaparecidosPolíticosnoBrasil–CentrodeDocumentaçãoEremiasDelizoicov.LuizJosédaCunha,pernambucano.EnterradocomoindigentenoCemitériodePerus.Ossadaaindanãoidentificada.HélcioPereiraFortes,mineiro,presonoRioelevadoaoDOI-CODIdeSãoPaulo.Assassinadoemjaneirode1972,enterraram-noemPerus.Somenteem1975foipossívellevarosrestosmortaisparaOuroPreto,ondefoisepultadonaIgrejaSãoJosé.AldodeSáBritoSouzaNeto,carioca,20anos,assassinadoemBeloHorizonteemjaneirode1971,provavelmentecoma“coroadecristo“,fitadeaçoqueafundaocrânio.IuriXavierPereira,23anos,guiavaocarroqueemparelhoucomodeBoilesen,eatirou.Otiroapenasraspou-lheacabeça.Boilesensaiudoautomóvelecorreunacontramão,masocompanheirodeIurimetralhou-o.Iuriaproximou-seeatirounoseurosto.JacobGorender,CombatenasTrevas,obracitada,página237:“OsinistroOtavinho,metralhadonodia25defevereirode1973numaruadeCopacabana,quandovoltavadeumbanhodemar.Membro

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fanáticodoCCCnostemposdeestudantedeDireito,ligou-seàOBANporescolhaprópriaesalientou-sepelaperseguiçãoimplacávelàsorganizaçõesclandestinas...”ErachefedaseçãodeBuscaseApreensãodoDOI-CODIdeSãoPaulo–ElioGaspari,emADitaduraEscancarada,obracitada.Página397.Metralhadanodia14dejunhode1972,juntocomIuriXavierPereiraeMarcosNonato.HárelatosdequechegaraaindavivaaoDOI-CODI.ForamcercadosquandoalmoçavamnorestauranteVarella,nobairrodaMooca(zonalestedeSãoPaulo).Considerou-senaALNqueManoelHenriquedeOliveira,proprietáriodolocal,osdenunciaraeojustiçaramem21defevereirode1973.EditoraCivilizaçãoBrasileira,1997.EscreveutambémNasTrilhasdaALN,editoraBertrandBrasil,1997.InspirouopersonagemTiagodofilmeCabra-cega,deToniVenturi,em2005.

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AcervoCMSP

JORNALEIROSAPERIGO

RepresentantesdaimprensaalternativaevereadoresouvemojornaleiroPaoloPelegrinifalardomedoquesentiam.Venderjornal

deoposiçãoatraíaarepressãoterrorista

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CAPÍTULOXVII

Bombasdacovardia“Ditadurasdetestamautópsias”

AlbertoDines,jornalistacarioca,diretordoObservatóriodaImprensa.

No final dos anos 1970 e iníciode 1980, setores da repressãopolítica radicalizaramaçõesnointuitodeinterromperoprocessodeaberturaeredemocratizaçãodoBrasil.Agentes a serviço do regime militar detonaram artefatos explosivos em sedes dejornais, livrarias, bancas de jornal. E, no que seria o mais inacreditável e terrívelatentado, tentaram explodir bombas no Riocentro, onde milhares de jovenscompareceramparaumshowemcomemoraçãoao1ºdemaiode1981.ACMVVH tratoudoassuntoem22deabrilde2014emconjuntocomaComissãodaVerdadedoSindicatodosJornalistasdeSãoPaulo.“Esse terrorismo comprometeu a circulação de jornais da imprensa alternativa,críticadoregimemilitar.Inviabilizouaspublicações”,iniciouopresidentedaCMVVH,GilbertoNatalini.“SaúdooSr.MiltonBellintani,presidentedaComissãodaVerdadedoSindicatodos Jornalistasde SãoPaulo ehomenageioo Sindicatodos Jornalistas,quecompleta77anos.Ojornalistaeprofessorestácomapalavra.”OSr.MiltonBellintani–Aanistiapolítica, em1979, foiummarco.Centenasdeexilados voltaram ao Brasil. O processo democrático ganhou vigor, qualidade emobilização. Situamos a escalada contra jornais e revistas entre 1979 e 1981, commaiorconcentraçãoem1980.Alargadafoiantes,emjulhode1978,quandoojornalEmTempopublicoupelaprimeiravezumalistade233torturadores.Baseou-senumlivro de 1976, publicado em Portugal por um comitê pró-anistia geral dos presospolíticos no Brasil250.Houve grande repercussão, esgotaram-se os exemplares e ojornal sofreu atentados nas sedes de São Paulo e Belo Horizonte. Quebraram,picharam.Num segundo momento os alvos foram as bancas de jornais. Lembro que oprincipalespaçodedenúnciaeraaimprensaalternativaounanica.Umlevantamentodo Sindicato dos Jornalistas revela que cerca de 160 publicações publicavamdenúncias contra a ditadura e viviam de assinaturas e vendas avulsas nas bancas.Houve ao menos 30 atentados a bomba contra bancas, entre 1979 e 1980251. Aestratégiadesufocá-laseconomicamentetevesucesso.AbombanoRiocentro252 foioápicedaescaladanatentativadeconteroprocessodeascensãodasociedadecivilcomoprotagonistanalutacontraaditadura.Orestoéconhecido. Devolvo a palavra ao vereador Gilberto Natalini a fim de ouvir os

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protagonistasdesseperíodo.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–TemapalavraoSr.DaviMoraes.O Sr. Davi Moraes – Pouco posso acrescentar ao relato bem encaminhado doMilton Bellintani. O Sindicato dos Jornalistas ofereceu um refúgio a perseguidos,inclusive companheiros da Argenina e do Chile. Como deixou claro o Milton, dagrande imprensa havia timidez. No caso do Riocentro, perplexidade. Duramentepedimos providências às autoridades. Porém ninguém se expressava com acontundência que o repulsivo exigia. Apesar dos sinais de enfraquecimento, aditaduraerapoderosa.Daíaimportânciadaimprensaalternativa.O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – Vamos ouvir o atual presidente dosindicato.JoséAugustoCamargo,oGuto.Sr.JoséAugustoCamargo–Bomdiaa todos. SugiroquevejamnapáginadoFacebook do Sindicato dos Jornalistas a foto em uma banca com o cartaz: nãovendemosOPasquim,EmTempoetc.Haviaumaescaladadeviolência.Osatentadosàs bancas deram continuidade à censura nas redações. Numa ponta: censura,intimidaçãoeviolênciacontraojornalista.Naoutraponta:violênciaparaimpedirqueas informações chegassem ao leitor. Faces da mesma moeda. Havia um grupo demilitares, agentes da repressão, que utilizavam o terror para os seus objetivos. Osatentados às bancas vinham de uma organização articulada, nacional. Visavam oúnicoespaçodecontestaçãoededebatemaisprofundodasociedade.Nãosetratavade atentados isolados ou ações de um pequeno grupo dos porões da ditadura.BombasexplodiramemSãoPaulo,noRiodeJaneiro,emMinasGerais,emBrasília,emLondrina.Ameaçaram jornaleiros emGoiânia eSalvador.Conseguiramabalaromovimentoforte,grandeericodosjornaisalternativos.Paralelamente, adécadade 80 trouxedificuldadesprofissionais aos jornalistas.Asempresas se modernizaram com a introdução de computadores, o que causoudesempregonasgrandesredações.Aimprensacooperativapodiaserumaperspectiva.Decertaforma,oterrorismoprejudicouessenovotipodeimprensa,quefariafrenteàaltaconcentraçãodamídia.Ascomunicações,hoje,seriammuitomaisdemocráticas.Pensoqueo registrodeve sero seguinte:não se refletiuna imprensa adécadademovimentaçãosocial,sindicalepolítica,apluralidadedinâmicadasociedadecivil.Osnanicos alternativos, ainda nascentes, livres, teriam cumprido esse papel. Muitoobrigadopeloconvite.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Agradecemosa suapresença.Anuncioapresença de dois ex-presidentes do sindicato, os Srs. Fred Ghedine e EveraldoGouveia.TemapalavraoSr.PaoloPelegrini,jornaleiro.OSr.PaoloPelegrini–Boatardeatodos.Sentimospâniconaépocadosincêndiosem bancas, porque nos colocaram na situação de vender um produto explosivo.

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Apreendiamaspublicaçõesquetraziamaverdade.Davamedo.EmTempo,Pasquim,Movimentoeramdeesquerda,quearepressãonãoaceitava.Masomercadoosexigiae de alguma forma tentávamos fazer com que chegassem aos leitores. Algunsavisaramcomcartazesquenãovendiamcertaspublicações.Otempopassoueatéqueascoisasnãomudaramtanto–devezemquandoagentesofrerepressãoporalgumprodutomalvisto.Masaquiestamoscontandoahistória.Ahistórianinguémrasga.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Sr.Paolo,ondeeraasuabanca?OSr.PaoloPelegrini–Atéhoje,naPraçadaRepública,emfrenteaonúmero32,esquinacomAvenidaSãoLuís.P–Lembra-sedealgumatentado,paradarexemplo?R–AbancadeMariaTerezadePaula,noItaimBibi,naproximidadedaAvenidaSãoGabriel. Explodiram a banca. A do pai, Sr. Vicente, ficava no Largo do Paiçandu.Aquiloprovocoupânicoemtodos.Pensávamos:quemseráopróximo?P–Osjornaleirosconversavamentresi?Articularam-secomosindicato?R–Retirávamososalternativosnosdistribuidoresdiariamentee falávamossobreoscaminhos a seguir. JáOEstado de S. Paulo eFolha de São Paulo tinham carros dedistribuiçãoprópria.NãoIdentificado–Erabomnegócioparavocês,venderemessesjornais?OSr.PaoloPelegrini–Sim.OPasquimerafortíssimo.Algumasediçõesatingiamavendadeumjornaldealtoporte.Àsvezesatriplicava.Qualquerfatomotivavaaltavenda.Notíciaschegavampelosjornaisduranteodia.Televisãovia-seànoite.Algunsanosantes,aúltimaediçãodaÚltimaHorasaíaàs21horas.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Muitoobrigado.VamosouvirajornalistaLiaRibeiroDias,dadiretoriadoSindicatodosJornalistasàépocadosatentados.Porfavor.ASra.LiaRibeiroDias–Ébomrememorarquea imprensaalternativaconsistiadeduasdezenasde jornaisdediferentesportes,desdeOPasquim,Movimento,EmTempoatéosregionais,osmimeografados,ospanfletos.ResistênciaescritaportodooBrasil, com o papel que hoje têm os blogueiros independentes, na minha visão.Contraponto à verdade estabelecida. Seu papel durante a resistência e naredemocratizaçãofoirelevante.Apontavaasatrocidadesdaditadura.Mobilizava.EuerarepórterdojornalMovimentoediretoradosindicato.Acategoriaaindasangravadepois da derrota da greve demaio de 1979.Mas restou um saldo e todos os diashavia reunião, evento, atividade. O sindicato foi espaço de organização. PresididapeloPerseuAbramo,suaComissãodeLiberdadedeImprensa,criadaem1978,teveimportânciaaoatuarcontraacensuradiretaeaasfixiadosjornaleiros,querecuavamanteoriscodedanoseatédeexporaprópriavida.Muitoobrigada.

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O Sr. Presidente (Gilberto Natalini)– Passo a palavra ao jornalista ArmandoSartori,quefoisecretárioderedaçãodojornalMovimento.OSr.ArmandoSartori–VenhorepresentaroRaimundoPereira,quefoioeditordojornal.OfimdacensuraaoMovimentoocorreuemjulhode1978,portantodoisanosantesdosatentados.Vendia7milexemplaressemanais.Osatentadosàsbancasampliaramasdificuldadesqueo jornal jáviviaemmeadosde1980–emnovembroas vendas caíram para 5 mil semanais. O jornal não tinha anúncios nem créditobancário.Viviadevendasembancasedeassinaturas.Naedição264,de21a27dejulhode1980,publicou-seoartigoADireitaClandestinaAtaca.UmadasautoraséaLia,aqui.Otextorelaciona74atentadosdedireita,cometidosdesde1968.Diferenciadois tipos de ação, embora superposições sejam possíveis.Um tipo,mais politizado,prefere atentados contra livrarias, teatros, entidades demassas e bancas de jornais.Nãoparecemorientadasporserviçosdeinvestigaçãocomoosegundotipo,doqualfoivítimaojuristaDalmodeAbreuDallari253.Alguns exemplosde atentados.Em julhode1979, terceira invasãoda sucursaldo

EmTempo,emBeloHorizonte.Derramaramácidoemmateriaiseequipamentos.Emoutubro, bombano automóveldo jornalistaHélioFernandes, do jornalTribuna daImprensa,noRio.Emabrilde1980,destruiçãodavitrinedalivrariaCapitu,emSãoPaulo. Também as livrarias Livramento e Kairós sofrem atentados. Emmaio, duasbombasexplodemnasededojornalHoradoPovo,noRio.Emjunho,bombacontraoSindicatodosJornalistasdeMinasGerais.Naedição265doMovimento,queéde26dejulhoa3deagosto,novoartigosobreos atentados. Banca incendiada em São Paulo e duas em Londrina, no Paraná.AmeaçascontrajornalistasnoRio,SalvadoreGoiânia.Jornaleirosreceberambilhetesapócrifos, alertandoque faziampropaganda indiretadocomunismoaovenderemOPasquim, Movimento, Hora do Povo, Companheiro, Voz da Unidade, O Trabalho,Tribuna da Luta Operária, Em Tempo, Correio Sindical, Coojornal, O Repórter eConvergência Socialista. Em Goiânia, segundo o artigo, os proprietários de bancascessaram as vendas. Em Belo Horizonte, Londrina e Rio de Janeiro, exigiramprovidênciasdasautoridadesegarantiaspoliciais.EmSãoPaulomuitosdeixaramdevender, mas vários estariam dispostos a continuar, fazendo vigilância contraatentados. A banca no ItaimBibi, referida pelo Sr. Paolo, teve prejuízo de 400milcruzeiros,equivalentes,hoje,a100milreais.Aproprietária,MariaTerezadePaula,havia recebido bilhete apócrifo com ameaças. Queixou-se na 15ª Delegacia, quealegouterencaminhadooassuntoaoDOPS.EmSãoPaulo,osjornaisalternativosformaramaComissãodaImprensaAlternativaque, ao lado do Sindicato dos Jornalistas, daAssociação Brasileira de Imprensa, daOAB edeoutrasentidades, coordenouumatopúblicocontraosatentados.Houveo

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atentado à OAB, no Rio, quando morreu a Sra. Lyda Monteiro da Silva, 60 anos,secretáriadopresidentedoConselhoFederaldaOAB254.EoatentadocontraaCâmaraMunicipal do Rio de Janeiro. Em abril de 1981, o atentado ao Riocentro. Muitoobrigado.OSr. Presidente (GilbertoNatalini) – Por favor, com a palavra a Sra. VilmaAmaro.ASra.VilmaAmaro – Fui exilada no Chile, ondemorei com companheiros domovimento trotskista, que tinhamcontato como jornalEmTempo.AssimconseguipublicarmatériasobreaNicarágua,queeutinhavisitado.EscrevisobreaVenezuela,ondefuiparardepoisdogolpenoChile.Aeditoradojornal,VirgíniaPinheiro,depôsà Comissão da Verdade do Sindicato dos Jornalistas. Contou que oEm Tempo foicriadopara omovimentooperário ter um instrumento teórico. Seria um suporte aosindicalismojáemebulição,comodisse.ElaeoFlávioAndradevenderamumacasaemBeloHorizonteparaviabilizaroprojeto.Eu trabalhavanaFolhade S.Bernardona época das greves dosmetalúrgicos, quetambém sofreu ameaça de bomba. E era jornalista responsável do Em Tempo.Durante as greves fui à portaria da Volkswagen e não queriam me deixar entrar.Estava toda a imprensa nacional, a alemã, a italiana. No fim entrei. A fábrica,totalmenteparada.Ànoite,aovivo,oJornalNacionalanunciouque95%daempresaestava trabalhando. Deslavada mentira. Já a Folha, no dia seguinte, mostrou umoperáriodormindoemcimadamáquina.Ouseja,empresaparada.Também fiz um jornal em Osasco, Tribuna do Povo. O jornal foi preso. Foiengraçado! Pegaram o jornal e levaram à delegacia. Tivemos de contratar umadvogadoparasoltarojornal.DeveserporquetinhamatériasobreoJoãoGoulart.UmavezchegueiàredaçãodoEmTempo,emPinheiros,paraentregarmatéria.Naparede estava pichado:Morte aos Comunistas. Houve um atentado ali perto, achoque numa banca da Praça Benedito Calixto. Com a abertura política, perdeu-se osentidoda resistência e os jornais alternativos foramacabando.Ficouo exemplodeluta e de coragem. Como disse o Milton, fomos os primeiros a denunciar os 233torturadores.PublicamosmatériasdenunciandooUstra,oExército,oDOPS.OFláviovinhafalarcomigo:olha, talmatéria, tudobem?Poiseueraa jornalistaresponsável.Mais jovens, mais coragem. Não nos intimidavam. Ignoro se hoje teria a coragem.Masesperoquenuncamaisvivamosaquelaexperiência.O Sr. Presidente (Gilberto Natalini)– Muito obrigado, Vilma. Anuncio apresença do vereador Rubens Calvo, da nossa comissão. Tem a palavra o vereadorMarioCovasNeto.OSr.Relator(MarioCovasNeto)–Em1979, terminaraoprazode10anosdascassações do AI 5. Os radicais tentavam desestabilizar o grupo no governo que se

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inclinavaàtransiçãoparaoscivis.Parece-mequeosatentadoseramparademonstrara insatisfação com os rumos que o país tomava. Até que a bomba estourou noRiocentro (no colo do sargento Guilherme Pereira do Rosário, matando-o; o capitãoWilsonDiasMachadoficoumuito ferido).Sofrimentodas famíliasdosdoismilitares,masfelicidadeparaoPaís:ficoucaracterizadoqueabombaestavanamãodopoder,doagentepúblicoenãodaesquerdacomopretendiamdivulgar.Apartirdaíparece-mequeasaçõesperderamforça.OSr. Presidente (GilbertoNatalini)– O Cláudio Guerra, no depoimento quedeuàCMVVH,gravadaemvídeo,faloudosatentadosàbombaedoRiocentro.Ajudaaesclarecer.Pelaordem,ToninhoVespoli.OSr. Toninho Vespoli – Pergunto: o Sindicato dos Jornalistas e os donos dasbancasnãoconseguiamburlararepressãoparavenderosjornais?Outra questão, trazida pelo José Augusto Camargo, o Guto: os meios decomunicaçãoveiculamasmesmasnotícias,comosmesmosenfoques.Seráquesónosrestamblogueirosindependentesparaquepossamosleralgodiferente?OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–TereiquesairparainstalaraComissãodeMeioAmbientedaCâmaraMunicipal.Emnomedestacomissãoagradeçoacadaumdospresentes.PeçoaovereadorMarioCovasNetoqueassumaapresidência.OSr.Relator(MarioCovasNeto)–Obrigado.OSr.JoséAntônioMantovanidaSilva,presidenteemexercíciodoSindicatodosVendedoresde Jornais eRevistasdeSãoPaulo.OSr.JoséAntônioMantovanidaSilva–Registrocomofuncionavaoprocessofinanceiro dos jornais alternativos. Hoje há predominância de assinaturas e menorvenda embancas.Na época, a vendaprincipal eranas bancas. Se os jornaleiros sãointimidados,afeta-seos jornaisdiretamente.Portanto,aorquestraçãodasameaçaseatentadosatingiuseuobjetivo.Naqueletemponãoexistiammuitasbancas.Imagineaproprietáriaque teveprejuízo, emdinheirodehoje,de100mil reais.Mesmoagoraum jornaleiro teriadificuldadede reverteresseprejuízo.Omedoeramuitogrande.Os jornaleiros diziam: não posso perder tudo por causa de um produto. E semvendas,comoosjornaissobreviveriam?OSr.Relator(MarioCovasNeto)–Muitoobrigadoporseudepoimento.PassoapalavraaoSr.ArmandoSartori,doSindicatodosJornalistas.Sr.ArmandoSartori – Só para esclarecer.Os atentados vieramdois anos após ofim da censura. Uma contraparte, digamos. No caso doMovimento, sem receitapublicitária,tantoavendadeassinaturascomoavendanasbancaseramimportantes.O jornal dependia do público e tinha um departamento de vendas, estruturado.Movimentoatingiraumpicodevendasumanoantes.Tratava-sedoperíododepré-

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eleiçãodo general Figueiredo enotaram-sedissidênciasmilitares.Quando a eleiçãodeleficoudefinida,asvendascomeçaramacair.Aíaquestãoécomplexa.Oimpactodasbombasacelerouaqueda.Mashaviaatendênciaàqueda.OSr.Relator(MarioCovasNeto)–TemosasatisfaçãodereceberoPresidenteda Câmara Municipal, vereador JoséAmérico255, também jornalista, presença quemuito nos honra. É autor de um projeto sobre bancas de jornais256. Alguém maisdesejafalar?(pausa).Porfavor,senhor.O Sr. Avelar Gomes Silva – Bom dia. Sou vice-presidente do Sindicato dosJornaleiros de São Paulo.O vereador Vespoli perguntou como se vendia jornaldurante a repressão.Represento aqui o Sr. Salvador, daBancadoEstadão, quenãopôde vir. Ele vendia quatro, cinco jornais alternativos, que escondia embaixo dabanca.Na terceiravezqueapolícia apreendeu,disseramque, se vendessedenovo,fechariamabancaeolevariampreso.O Sr. Relator (Mario Covas Neto) – Agradeço a todos os presentes. Estáencerradaasessão.Presospolíticosbrasileiros:acercadarepressãofascistanoBrasil.EdiçõesMariaDaFonte,1976,Portugal.DadosnolivroJornalMovimento–UmaReportagem,deCarlosAzevedo,MarinaAmaraleNatáliaViana.EditoraManifesto,2011.AJustiçaFederalnoRioaceitou,emmaiode2014,adenúnciadoMinistérioPúblicoFederalcontraseisacusadospeloatentadoàbombanoRiocentro,emmaiode1981,33anosdepoisdocrime.Tornaram-seréusocoroneldareservaWilsonLuizChavesMachado,oex-delegadoCláudioAntonioGuerra,osgeneraisreformadosdoExércitoNiltondeAlbuquerqueCerqueira,NewtonCruz,EdsonSáRochaeomajorreformadoDivanyCarvalhoBarros.Lembre-sequeaLeidaAnistiacobriade1961a1979.Outrabombaexplodiraaquilômetrosdedistância,nopátiodaminiestaçãoelétricaqueforneciaeletricidadeaoRiocentro.Masnãointerrompeuaenergia.Sequestradoeespancadoemjulhode1980.Emsetembrode2015,aComissãoEstadualdaVerdadedoRiodeJaneirodescobriuoportadordacarta-bombaquematouLydaMonteirodaSilva.FoiosargentoparaquedistaMagnoCantarinoMota,conhecidocomoagenteGuarany.AbombavisavamataropresidentedoConselhoNacionaldaOAB,MiguelSeabraFagundes.EleitodeputadoestadualpeloPTem2014.Permiteexplorarespaçospublicitáriosnaparteexternaeinternadabanca.

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AcervoCMSPHOMENAGEMASANTODIASDASILVA

OspadresJaimeKrowe(camisavermelha)eLuizGiulianiladeiamGilbertoNatalini,comoretratodeSantoDiasdaSilvaaofundo.À

frente:afilhaeasnetasdeSantoDias.

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CAPÍTULOXVIII

ResistênciaemM’BoiMirim“Levanta-teecome,porquemuilongoteseráocaminho.”

PalavradoanjodoSenhoraoprofetaEliasIReis,19:7

O nome, M’Boi Mirim, vem do idioma tupi, muitas cobras pequenas. Era umapequena aldeia jesuíta no início do século XVIII, na região habitada por índiosguaranis,impensáveloaglomeradocaóticoqueseinicioudepoisdeformadaarepresado Guarapiranga. A transformação vem de meados do século 20, quando aindustrialização fez de São Paulo a cidade-país, enorme de oportunidades e deproblemas. Inúmeros migrantes de vários Estados, em especial do Nordeste e deMinasGerais, vieram embusca de trabalho e perspectivas. Toda a região, que hojeengloba Campo Limpo, aos poucos tornou-se uma cidade em si. E foi ali que umhomem,daquelesconstrutoresdahistóriabrasileira,deixousuaherançadetrabalho,solidariedadeehumanismo.SantoDiasdaSilvaoseunome.Nãooesquecemos.

PresençadeSantoNodia29demarçode2014,doisdiasantesdocinquentenáriodogolpede1964quedesgraçouopaís,aComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzogtransferiu-se para o auditório SantoDias, da Sociedade SantosMártires, emM’BoiMirim.OpresidentedaCMVVH,vereadorGilbertoNatalini,abriuasessão:“Fazemos hoje uma audiência pública em homenagem a Santo Dias da Silva.Assassinadodia30deoutubrode1979pelapolíciana frentedosportõesda fábricadelâmpadasSylvania,emSantoAmaro.Participavadeumpiquetejáemdissolução,demetalúrgicosemgreve.ÀfrentedestaparóquiadeVilaRemoestáopadreJaimeKrowe,nossoanfitrião,aquempassoapalavra.”

3pontosmarcantesPadreJaimeKroweO encontro de hoje, de amigos e amigas de longa data, inclui o compromisso dedizer:ditaduranuncamais.Assinalotrêspontosquenosmarcam,aosbrasileiros,dahistória da humanidade. Primeiro, os dez mandamentos. Desenhado para dizerescravidão nuncamais. Bemmais tarde, no tempo de alguns de nós, a DeclaraçãoUniversal dos Direitos Humanos. Desenhou o respeito à vida e à pessoa humana.Dizia: guerra nuncamais.O terceiro, recente, é aConstituição de 1988, que váriosdesenharam,entreelesospolíticosAurélioPerezeIrmaPassoni,aquipresentes.Para

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dizer o quê? Ditadura nunca mais. E é esse o objetivo desta reunião, hoje: exigirdignidadeerespeitoaoserhumano.

QuemmostraocaminhoMarioCovasNetoÉ um prazer realizar uma audiência fora do ambiente da CâmaraMunicipal. Hápouco tempo, as pessoas se manifestaram em grande número diante da Câmara,reivindicando mudanças em um projeto de lei sobre corredores de ônibus.Sensibilizaramosvereadores,queacataramamudança.Por issoé importantíssimoocontato com a população, que nos ensina os caminhos. Vejo aqui pessoas queparticiparam,comoomeupaijáfalecido,daslutascontraaditadura.Meusrespeitosavocês.Vocêsnosrepresentaramnaqueleperíodo.

AlutaquevaleuIrmaPassoniNós resistimos na história! Uma salva de palmas para todos nós! Primeiro,homenageamos a quemmorreu, SantoDias da Silva.A quem foi torturado, e aquiestáoAurélio.Ea todosnós, torturadosnasmentes,emnossodiaadia,emnossasfamílias,emnossas lutas.Comemoramosavidaemque lutamos,nesteespaçoenasassembleias em todo o Brasil. Lutas da Pastoral Operária, da área sindical, daresistênciaàditadura.Agradeçopeloconvitequeresgataanossaluta,anossavitória.Podemosdizerquemelhoramosestepaís.Valeuapena!

DeCaratingaaVilaRemoVicenteCândidoGrande é o prazer de rememorar nossas vidas e lutas. Devemos preservar amemóriadonossopatrimônio imaterial,pessoase ideias.Entre tantas igrejas, aVilaRemo era um pulmão de resistência, reflexão e luta. Está muito presente ocompanheiroSantoDias.VimdeCaratinga,MinasGerais,comminhafamília.Tinha13 anos. Falta de condições de vida no campo, sem reforma agrária. Concentraçãoindustrial urbana sem planejamento. Ocorre ainda hoje na periferia do Brasil, semestudo,semacessoaempregos,sobretudoparaa juventudenegra.Daquia trêsdiasvem o 1º de abril, é para protestar e pensar. Para que nunca mais haja golpe editadura.Meuconselhoà juventude:pensemnoatrasoqueos21anosdeditaduracausaram.(OpresidentedaCMVVHanunciaumintervaloparaaprojeçãodo filmedaPastoral

da Saúde, realizado pelo cineastaRenatoTapajós, com roteiro dosmédicos do bairro

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Cangaíba,nofinaldadécadade1970.)

OsaldavidaSantoDiasdaSilvaFilhoSou Alex Ferreira de Carvalho, integrante da Comissão da Verdade do M’BoiMirim,queincluiaRegina,oEdinhodaSociedadeAmigosdeCopacabana,Reinaldo,daAssociaçãoGuará,aMérciaeaCéliadoMovimentoComunitárioVilaRemo.Leioo depoimento por escrito de Santo Dias da Silva Filho, que infelizmente não pôdecomparecer.“JesusCristo,paramimomaiorlíder,diziaquetemosdelevantareandar.Levanta,meu filho, e anda.O grupo domeu pai era o de Jesus Cristo, que imaginava umasociedadediferente,ummundomaisjusto.Jesus,emváriaspassagensdaBíblia,diziaquetemosdelevantareandar.Agir.Levanta,meufilho,eanda.Vamosfazeralgumacoisa para transformar esta sociedade.Meu pai eminhamãe diziam isso.Meu paiqueria que o mundo fosse melhor para todos, mais justo. O pouco que se faça aalguémnecessitadoémuito.Mesmoquesejasóumapalavra.Em1978meupaijáeraliderança,porquesempre tinhaumpontodevistaqueconciliava todasasvertentes.EusouoSantoDiasdaSilvaFilho,filhodeSantoDiasdaSilva,líderoperário,cristãoassassinadoem1979naditaduramilitar.Eletinha37anoseimaginavaverosfilhosformados,osnetos.Nãoteveessedireito.Direitoanada.OpadreLuizGiulianifoiàescola buscar a mim e a minha irmã Luciana, pequenos. Levou-nos ao IML.Encontramos a nossa mãe, Ana. Um coronel ou tenente-coronel xingava a nossafamíliadepalavrões.Emeupai,mortoali.DerepenteoDomPauloEvaristoentrouenos viu abraçados àminhamãe, em destroços. E os soldados todos vieram pedir abênção.Ocoroneltambém,masD.Paulofoiatéondeestavameupai,pôsodedonaferida e mostrou com o dedo em riste: “Olhe o que vocês fizeram.Mataram umapessoadebem.“Jesusfalou:querobeberdessecálice.Avidasóvaleapenaseadoamosaumirmão.FoioquemarcouavidadeSantoDiasdaSilva,meupai.AlutapelaJustiça,queéosaldavida257.

AconsciênciadeSantoEdnadeOliveiraUmdiachegouaobairroSantoDias,comaesposaAnaeduascrianças.Procuravauma igrejinha e veio ànossa capela,quemeuspais, os tios eosprimos construíramemumterrenoquemeuavôdoou.ComeçamosummovimentodeestudodaBíblia,de arrecadar alimentos. E ondehouvesse pessoadoente, oudesempregada, ou comdificuldade, Santo Dias não falhava com uma cesta básica. Sempre oferecia, junto,

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doisfolhetos:emum,apalavradoEvangelho;nooutro,notíciadoqueacontecianoSindicato dos Metalúrgicos. Santo levou muita gente para fazer oposição, pois adireção era de um pelego, o Joaquinzão258. A Ana foi elo importante: ao lado deoutrasmulheres, fortaleceu oClube dasMães259.Santo ia ao Clube dasMães fazerpalestras, ao campode futebol, aoboteco,ondequerqueencontrasse trabalhadoresnosmomentosde folga. Levava consciência.Nuncamais vi alguématuar como ele.Foi assim que ele me conscientizou e levou ao sindicato. Ele está vivo, somos acontinuidade.

NaçãoempobrecidaAurélioPeresMuitos tombaram,mas vencemos a luta.Aditadura caiu. SantoDias da Silva eranosso irmão. Participávamos juntos da Pastoral Operária, da oposição sindical, dacomissãodasComunidadesEclesiaisdeBase.Alguémdizquefoiaguerrilhaurbanaquederrubouaditadura.Nãoémentira,masnãoétodaaverdade.Outrovem:foiagreve doABC. Não émentira,mas não é toda a verdade. Nesses dias vi o AudálioDantasadizernaTVqueaditaduracomeçouacaircomamortedoHerzog.Nãoémentira,masnãoé todaaverdade.Averdadeéqueomonstroquetantomal fezànaçãocaiucomoesforçodetodaasociedade.Aqui,nestaregião,nãosepodeignorarosclubesdemães,ascomunidadeseclesiaisdebase,asreivindicaçõesdapopulação.NemamobilizaçãocausadapelamortedeSantoDiasdaSilva.Encerro destacando a perda enorme que a ditadura militar causou à Nação.Empobreceu-nos na economia, na educação, na saúde. Na experiência e noconhecimento dos líderes exilados e dos banidos. Por isso temos deputados naAssembleiaLegislativadosquaismeenvergonho.Onobrevereadormedesculpe,masvejoalgunsdosseusparesedigo:são indignosdesentaremnascadeirasdaCâmaraMunicipal. E desculpem-me todos, derrubamos a ditadura mas ainda nãoreconstruímosasociedadequequeríamos.

AlegrianocombateVitalNolascoVimdeBeloHorizonteporvoltade1970,porperseguiçãopolíticadevidoaomeutrabalho junto aos metalúrgicos de Contagem. Eu era militante da JuventudeOperáriaCatólica,depoispasseiàAP.Continueialutanaoposiçãosindicaleconhecivários companheiros. Um deles, Santo Dias da Silva. Além de combativo eraextremamentealegre.Temosdeseralegresporqueestamosvivosecombatemosferas.Quando assassinaram Santo fomos imediatamente participar do velório e damanifestaçãoderepúdioàditadura.ConheciasmasmorrasdoDOI-CODI.Comocorpo

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todo ferido, os torturadores me jogaram numa cela onde estava um casal. Ele sechamavaAlbino260.Explicaramqueera sóparaquevissemcomo ficavaalguémquenãodava informações.Umanoiteouvigrandemovimentação.Umdos torturadoresdisse: quer se matar? Então tome esta navalha. A moça imediatamente cortou ospulsos. Não sei se morreu, mas vi muito sangue pelo chão. Contei para que fiqueregistradamais essabarbárieque aditadura cometeu contrabrasileirosque lutaramporumBrasilmelhor.

HistóriaqueimadaMariaFilipiComecei a militância na paróquia da Vila Remo, com o padre Luiz Giuliani.Formamos diversos grupos demulheres, osClubes deMães.Conhecimuito bemoSanto Dias da Silva, nas comunidades eclesiais de base e nas reuniões sindicais.Estivemos juntos fazendo piquete em porta de fábrica, no dia da morte dele. Massentimos a movimentação. Diferente. Como havia outra atividade na porta daSylvania,voltamosaocomitêparafalarsobreissocomSanto.Maseledisse:“Euvou”.Fomosparacasae,nofinaldatarde,duascompanheirasvierammeavisar:mataramoSantoDias.Vamosqueimartudooquevocêtemdomovimento.Eucolecionavaosjornais, por anos escrevi tudo o que aconteceu, tinha um livro de 500 páginas.Queimamos e fomos velar o Santo. Devemos contar essa história, para que nuncamais se repita a ditadura. E mais: os jovens precisam continuar a luta, continuarconstruindo.

AgrandeperdaCarlosAlbertoPereiraSouoperário,filhodeoperáriosevenhodeGoiás.Fuipresotrêsvezes,emumadastemporadaspordoisanos.Trabalhavaparaorganizaraoposiçãosindical.Daprimeiravezfuitorturadopor17dias,passei40diasnaenfermaria;dasegunda,torturapor40dias.AindasofritrêsmesesnoDOPS,recepcionadopeloFleury.Nãoprecisodizermaisnada.Em1972conhecioSanto,naPastoralOperáriaenaoposiçãosindical.Nagreveem que assassinaram Santo, fui encarregado de ir a Osasco pedir o apoio dosmetalúrgicos em assembleia. Depois fui à igreja do Socorro para dar o informe aoSanto.Nodiaseguintesoubedoassassinato.Agrandeperda.Umcompanheirocomtrabalho sério nomovimento operário. Liderança crescente, importante na oposiçãosindical. Companheiro dedicado, solidário. Apoiou o trabalho e o papel destacadoqueasmulherestiveramemmobilizarapopulaçãocontraosdesmandosdopoder.Sou coordenador da ação dos cristãos pela abolição da tortura. A ditadura nãomorreu, está matando jovens, matando pais de família. Precisamos trabalhar pela

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desmilitarizaçãodaPolíciaMilitar.Hátodaumalegislaçãoamudar.AgrandetarefaécontinuaralutadeSanto.Santoestápresente.Enósprecisamosestarpresentes.

AforçadasmulheresCenerinoEvangelistadeAndradePosso falar sobre Santo. Lutamos juntos, somos da mesma comunidade. Ele nãomediaesforçosetodosconfiavamneleporquesabiaconversareconquistar.Nodiadamortedele estávamosna frentedeuma firma.Fuidetido comoutros, a polícianoslevouaoDOPS.Umcolega conseguiupassar comumradiozinho ede repente veio anotícia: Santo foi baleado. O líder. Um dia muito doloroso. Quero falar sobre aatuaçãodeSantonacomunidadetambém.Eletinhaavidadele,etrabalhava,lutava,organizava, ia ao sindicato. Na hora da missa amarrava tudo com o Evangelho, apalavra.Enquantopreparávamosagreve,havianobairrooapoiodasComunidadesEclesiaisdeBase,osclubesdemães,aforçadasmulheres.Porexemplo,depoisdeumdia na frente das fábricas, sem comer, elas iam até a igreja do Socorro ondepermanecemosváriasvezes,para fazersopa.Umavezopresidentedosindicato,umfalso,nosentregouàpolícia,quechegouaosalãodasubsedeeprendeuacomissãodagreve.Euescapeiporquefaziapiqueteànoite.NodiaseguinteoSantofoiemváriascasaseformounovacomissão.Equandoadireçãodosindicatochamouacomissão,certodequeestavamtodospresos,dezpessoasselevantaram.(palmas)Presidente,ograndetrabalhofoiaoposiçãosindicaleaatentaComunidadeEclesialde Base. Contávamos com padres muito bons. No encontro nacional dascomunidades, na Paraíba, não fui falar bonito,mas contar o que fazíamos aqui. Otestemunhodavaforçaàlutadeleslá.Foiassimqueajudamosaderrubaraditadura.(palmas)O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – Chamo o Sr. Vicente “Espanhol”. OsenhorestavanolocalemqueSantofoimorto.Porfavor,dêoseudepoimento.

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OlídermarcadoparamorrerVicenteGarciaRuizA greve de 1979 foi organizada pela oposição sindical, que tomou as rédeas. Nodomingo, vésperadagreve,houve reuniãonoArco-Íris, a subsededeSantoAmarodo sindicato.Apolíciapassoue levou todoomundo,113pessoas.Apolícia achavaque depois dessa rodada grande bastaria pegar alguns soltos por aí e acabaria omovimento.AínãofomosaoArco-ÍrisenosescondemosnocomitêdoAurélioedaIrma.NodiaseguintenosreunimosnaIgrejadoSocorro.Evitaríamosqualquernovaprisão.A recomendação foimanter a greve por piquetes.Da igreja partimos para aSylvania.Unspoliciais,jáàespera,tentarampegarumeoutro,masnósarrancávamosdas mãos deles. Quando começou a engrossar, o Santo disse: “Vamos embora, opessoal não está trabalhando e vai para o sindicato às 15 horas”. Éramos cincooperários. Nisso vieram duas viaturas, nos deram rasteiras, caímos no chão. EdispararamnoSanto,apessoamaispacífica.Porquê?Nãofoiporacaso.Elelevavaotrabalhoasério.OSr.AntôniodePáduaMachado–Foiumepisódioterrivelmentedramáticodaditadura militar contra a pessoa do Santo Dias, contra um pai, um militante, umbrasileiro.Ficamosmuitotraumatizados.Masoconvíviocomaspessoasmaravilhosasdaqui nos deu amparo, à minha esposa Vera e a mim. Todos ajudaram a nossaformação.O Sr. Miguel Abade – As comissões da verdade levantam muitos depoimentossobretorturasemortesdosqueresistiramàditadura.Emoutrospaíses,houvepenae

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prisão aos torturadores e aos quemataram.Por quenão se faz omesmonoBrasil?PorquenãomexemosnaLeideAnistiaquefoifeitapeladitaduramilitarem1979?Vamosmudá-laepunir!(palmas)A Sra. Neide de Fátima Martins Abate – A vida do Santo e da Ana nosmarcaramprofundamente,aoAbeleamim.Naqueletempoagentedavacursosaostrabalhadores. Tenho um irmão, Elídio PereiraMartins, barbaramente torturado sóporandarcomoscompanheiros.Nadafez,nunca.Sóhoje,com60anos,estásaindoda depressão. Tem os ossos todos prejudicados porque o jogaram de um lado aooutro mais de 500 vezes261. A ditadura militar deixou traços muito dolorosos epergunto: quem criou aComissão daVerdade?Respondo: o governoDilma.Gentetorturadaquenunca tevecoragemde falarvoltoua falar.Masos torturadoresestãoaí.MinhaperguntaéamesmadeAbel.PorquenãomexemosnaLeidaAnistia?O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – Com a palavra o deputado AdrianoDiogo, presidente da Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva, que faz umtrabalho importante na Assembleia, parceiro nosso, trabalhamos juntos em váriasocasiões.OSr.AdrianoDiogo–Quemestánessamesa,ao ladodopresidenteNatalini?ALuciana, filha do Santo, as duas netinhas, a Letícia e a Lívia. O companheiroespanhol,FernandodoÓ,aEdna,oVitalNolasco,aMariaFelipeSeverino,oAlex,oAurélio Peres, o João Carlos Alves e esse santo, o padre Jaime. Primeiro, sobreAurélio Peres. Na greve do 1º de maio de 1979, tensão enorme na assembleia doestádiodeVilaEuclides,oAuréliopegaomicrofoneedizqueacabarademorrerodelegado Fleury. O estádio, cheio de gente, veio abaixo. Malditos assassinos quedestruíram tantasvidas,mataram500,prenderam80milpessoas.MataramoSantono fimdo ano.Eos carasnãoqueriamdevolvero corpo!Em21 anosdestruíramahistóriadoBrasileavidadopovobrasileiro.MasquebomquetemosopadreJaime,afilhaeasnetinhasdoSanto.Epoderdizer:valeualuta.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–FizemosaquiummistodocerimonialdaCâmara com o cerimonial popular e parece que deu certo. Está tudo gravado eregistradograçasàLuciana.ACâmaraprecisadepessoascomovocê,Luciana.Todaessa documentação está à disposição de quem deseja pesquisar lá. E mandaremosnossacontribuiçãoparaaComissãoNacionaldaVerdade.Os acontecimentos foram muito amplos. Não dá para uma comissão sozinhainvestigar tudo. Cada uma dá a sua contribuição. Não trabalhamos por vingança erevanche.Buscamosaverdade,amemóriaeaJustiça.Somosdiferentesdeles.Outrotipodecarne,deespírito,degente.Jamaisfaríamoscomelesoquefizeramconosco.PararesponderaoAbeleàNeidedeFátima:noBrasilmuitacoisaéacochambrada

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e a transição democrática foi, sim, acochambrada pelas forças políticas. A Lei daAnistiacomparouoquenãopodiasercomparado:presosmassacrados, julgadosportribunais de exceção, punidos, e torturadores, assassinos, soltos por aí.Deveríamos,sim, fazerumagrandemobilizaçãopolíticaao finaldenosso trabalho,porque issoéumjogodeforças:deumladoquemquerreveraLeidaAnistia;deoutroquemnãoquereogovernonomeio.Devemosfazeroqueoutrospaísesfizeram,epunirquemusoumétodoscruéisedesumanosparamanteroregimemilitar.TemapalavraoAlex.OSr.AlexFerreiradeCarvalho –Devárias formasdá-se a luta e eume sintoprivilegiadopor estar construindocoletivamente.Este eventoéumsucesso,nãoporcausa de uma liderança, mas devido à história dessas pessoas. De forma coletivaorganizamos, estimulamos, para caminhar e compartilhar amemória. O sofrimentodaspessoastambémfoinaesferapública,nocoletivo.Ficaamarcanasociedade.ProtocolamosumprojetodeleinaCâmaraMunicipalparaqueseconcedaotítulodeCidadãoPaulistanoaopadreLuizGiuliani.PadreLuizcorreumuitorisco,nuncase acovardou.O pastor acolheu as suas ovelhas, acompanhou os filhos de Santo aoIML, na hora da dificuldade. Saúdo o padre Luiz comum trecho que usamos na fépolítica:Aminhaféépolítica,porquenãosuportaaseparaçãoentreocorpodeCristoeocorpodoserhumano.Aminhaféépolíticaporqueacreditaqueaeconomiapodemudar um dia e ser toda solidária. A minha fé é política porque acredita najuventude,nasuaforçaeinquietude,noseupoderdefazeradiferença.Aminhaféépolítica porque creio na força do idoso que, com sua sabedoria e experiência, temmuitoacolaborarparachegarmosaserumpaísjusto,igualitário,semtantainjustiçasocial.Assimseja.PoressafépolíticadeLuizGiulianioaclamamoshojeCidadãodeM’BoiMirim.EaComissãodaVerdadedeM’BoiMirimlhecertificaotítulodeCidadãodaZonaSul,porsuaincansávellutapelosDireitosHumanos.(palmas)OSr.PadreLuizGiuliani–Fiqueicontenteporque,depoisdetantotempo,ouvionome de Dom Paulo Evaristo Arns. Nesta arquidiocese ele foi fundamental nacaminhadacontraarepressão,parahavermaisdemocracia.Agradeçoahomenagemeaceito-aporque,atravésdemim,todososanônimosquetrabalharamarecebem.AreligiãoquerealmentequerviveroEvangelhoérevolucionária.Oproblemaéesse,aprática.Aparticipaçãopopularcontraainjustiça,atorturadafome.Vocêfaz?Porqueserealmentepraticoaminhafénãohábarreiras.Bem,agora,vouintroduzirumelementodotrabalhocomunitário:ocanto.Quantasmensagenspormeiodocanto?Gente,estamossócomeçando.Então,aSra.Odetevaicantar.

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OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Nadamaishavendoatratar,ouviremosoCoraldaTerceiraIdadeeostrabalhosserãoencerrados.Muitoobrigado.SantoDiasdaSilvafoiveladonaigrejadaConsolação.Nodiaseguintecercade10milpessoasoconduziramàCatedraldaSé,ondeocardealarcebispodeSãoPaulo,DomPauloEvaristoArns,rezouamissadecorpopresente.JoaquimdosSantosAndrade(1926-1997),presidentedoSindicatodosMetalúrgicospor21anos,de1965a1986;edaConfederaçãoNacionaldosTrabalhadores,de1986a1989.HávastomaterialsobreosgruposdeVilaRemonoCentrodeDocumentaçãoeMemóriadaUNESP(UniversidadeEstadualPaulistaJúliodeMesquitaFilho).OsClubesdeMãesnasceramdotrabalhocomunitárioemalgumasparóquiasdaIgrejaCatólica.Deiníciodebatiamproblemasderelacionamentofamiliar.Depoispassaramacobrarsoluçãoparaafaltadeescola,deassistênciamédicaedetransporte.CriaramoMovimentodoCustodeVida,queapolíciareprimiuem1978,naPraçadaSé.TalvezAlbinoWakahara.Outravariantedapolé,atorturadainquisição.

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AcervoCMSPNOREMÉDIO,VENENO?

JoãoVicenteGoulart,entreMarioCovasNeto(esquerda)eGilbertoNatalini(direita),descrevealuta,anoapósano,para

solveroenigmadamortedeJangoeacompanharopainosseusúltimosmomentos

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CAPÍTULOXIX

Jango,aquemanévoaencobre“Nãohálimiteparaademência,malíciaesofrimentoqueumaideologia

dominanteimpõeàsociedade.”JohnF.Burns,jornalistainglês,correspondentedeguerra,doisprêmiosPulitzer.

“João Vicente Goulart, filho do ex-presidente da República João BelchiorMarquesGoulart, está sentado à Mesa”, anuncia Gilberto Natalini, presidente da ComissãoMunicipal da Verdade Vladimir Herzog. “Agradecemos, João Vicente, a presença,prestezaecolaboraçãoconosco.Seudepoimentoéhistórico.AgradeçoapresençadovereadorMario Covas Neto, relator da CMVVH, aos convidados, aos munícipes e àimprensa,nestedia11defevereirode2014.FaçoumaintroduçãoparaexplicarporqueinvestigamosamortedeJoãoGoulart,jáque a Comissão Nacional da Verdade, em Brasília, se dedica à questão. Somosparceiros, assinamos um convênio com eles e a Comissão Estadual da Verdade.Ocorrequenoanopassadonósnosdedicamosainvestigaramortedoex-presidenteJuscelinoKubitschek.Concluímos quenão foi acidental e, sim, provocada. SucedeuumatentadocontraasuavidanaViaDutra.Publicamosumrelatórioarespeito.Como o presidente João Goulart morreu em data muito próxima ao atentado aJuscelino,eCarlosLacerdalogoosseguiu,queremos,apartirdodepoimentodoJoãoVicenteGoulart,verificarseexistealgumarelaçãocomoqueinvestigamos.Pedimosquenos ajude a ampliar as investigaçõesque conduzimos sobreo regimemilitarnoBrasil.Osenhortinha20anosquandoseupaisupostamenteteveuminfartomortal.Apartirdaíasuavidasetornoucontínuabuscanosentidodeentendereelucidaroquedefatoaconteceu.Se preferir, e o vereador Mario Covas Neto concordar, deixo-lhe a palavra livre,paraquefaçaumapanhadogeral.”

DepoimentodeJoãoVicenteGoulart(resumo)OSr.JoãoVicenteGoulart–Bomdiaatodos.Sr.Presidente,agradeçooconvite.VereadorMarioCovasNeto, foi uma satisfação conhecê-lo. Começo relatando quetivemos grande dificuldade para entrar com um pedido de investigação, em 2007,sobre a morte de meu pai. Se o pedido fosse da família, as autoridades do nossoJudiciário nos dariam uma resposta lacônica, porque o Código Penal prevê aprescriçãodequalquerassassinatoem20anos.

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Então, o pedido ao procurador-geral daRepública, à épocaAntonio Fernando deSouza, foi do Instituto JoãoGoulart – entidade criadaparapreservar amemóriadeJango e resgatar a história do que atingiu seu governo, sua vida e seu exílio. Oargumento, depois de muito estudar a questão, se baseou no fato de que um ex-presidenteéumbemculturalematerialdanaçãobrasileira.AProcuradoriateriadepediraaberturadeumaaçãocautelarepoderíamosaveriguaros indícios(dequesetratoudeassassinato).Os primeiros indícios são de 1981. Ainda vivíamos na ditadura e as informaçõesvieram do Uruguai. Alguns agentes teriam participado da operação que causou amortedopresidente JoãoGoulart.A famíliadecidiucriaro Instituto JoãoGoulartefazerumconvêniocomaTVSenado.RealizaríamosumdocumentárioquesechamouJangoem3Atos,direçãodeDeraldoGoulart.Terminamosem2008.Comecei pedindo, como jornalista, uma audiência ao secretário de Segurança doRioGrande do Sul. Permitiram que filmássemos dentro do presídio e nossa equipeconseguiu ouvir o agente Mario Neira Barreira. Ele estava em uma prisão desegurançamáximaemCharqueadas,noRioGrandedoSul.Dissequeparticipoudeváriasoperaçõesdoserviçosecretouruguaio.Relatou-nosque foradesignadoparaomonitoramentodospassosdeJango.Enosinformouquejátinhacontadotudoaumjornalistauruguaio,RogerRodrigues,dojornalLaRepublica.O Roger queria informações sobre outros acontecimentos também. Odesaparecimento, na mesma época, de tupamaros262 e da professora ElenaQuinteros263.Alémdisso,aquestãodovinhoqueem1981vitimouCeciliaFontanade Heber, esposa do senador Mario Heber Usher, em Montevidéu. Ela morreuimediatamente aobeberdeuma taça.Ovinhoprovavelmente continhaumvenenopoderoso.Em certomomento de nossa entrevista elemostrou que conhecia os números detelefones da fazenda do meu pai e comentou que o filho do Jango, JoãoVicente,nunca quis nada com isso. “Ele está criando gado no Maranhão”, disse. Naquelemomentointerferi:“Vocêmepermite,eusouJoãoVicenteGoulart”.Eleseassustoue deu um longo depoimento sobre a operação que exterminou João Goulart.Primeiro, a Operação Escorpião, de monitoramento. Depois, a reunião em que sedecidiumatá-lo,emMontevidéu,achoquenodia3deagostode1976.Participaramo general Luis Vicente Queirolo, Chefe da Inteligência das Forças ArmadasUruguaias; o delegado Fleury, do Brasil; o agente Frederick Latrash, da CIA emMontevidéu; e o capitão Adônis, codinome domédico legista CarlosMilles. Este équeteriapreparadoosvinhosparaoslíderesdoPartidoNacional,noUruguai.SolicitamosaoDr.AntonioFernandodeSousaqueouvisseodepoimentodopreso,permitindo em consequência uma ação pública. Para nossa surpresa, o procurador

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disse que não competia à Procuradoria-Geral da República investigar o caso. Eencaminhou-oaoMinistérioPúblicodoRioGrandedoSul.UmacomissãoexternadaCâmaraFederaldosDeputados,em2000,jáinvestigaraocaso, com relatoria do deputado Miro Teixeira. Sabia-se que o deputado NeivaMoreira,doRioGrandedoSul,cassado,presoedepoisexilado,passarapelaArgéliaparaencontrar-secomogovernadorMiguelArraes.Juntos,avisaramoLeonelBrizolaeoJangodequeesteseriaoquartonalistadospolíticosamatar.(Refere-seàcartadeManuel Contreras, de agosto de 1975; menções nos capítulos I e IV) A informaçãovinha do serviço secreto da Argélia. O Ministério Público do Rio Grande do Sulinstauroumaisumacomissãoparaaveriguar.Orelatóriorecomendouinvestigações.Depois disso, quando se formou a Comissão da Verdade, recorremos a ela, quetinhapoderesparaexumar.Deuumgrandeavanço.Semprefalamosqueaexumaçãonãoéoqueelucidariaoqueaconteceu.Éumdosmeios.ExistemoutrasprovidênciasqueoMinistérioPúblico até hojenão tomou.Uma, opedidodaoitivados agentesqueidentificamos.AlgunsmoramcomnomesdiferentesnosEstadosUnidos.Outra,nosso pedido para que sejam desclassificados documentos do Departamento deEstadodosEUA,arespeitodetodaaoperação.Atéhoje,nemaComissãodaVerdade,emcartaaoPresidenteObama,obtevereposta.De parte da família houve um esforço concentrado. Autorizamos a exumação,cientes de que poderia ser inconclusiva.Muito tempo se passou e as substâncias semodificam, transformam-se em outras. Aqui, é importante informar: no Chile aditadura construiu um laboratório químico que produziu dez tipos de venenos.Chamava-seProjetoAndrea.O Brasil ainda tem muito a averiguar sobre os múltiplos segredos da ditadura.Várias comissões da verdade se empenham, espalhadas pelo País.Que persistam ascomissões, que não desistam. Mostrarão às novas gerações tudo o que a ditaduravarreuparabaixodotapeteequenós,comobrasileiros,devemosconhecer.Sóassimascicatrizesfecham.OsbrasileirosprecisamconheceragrandeirresponsabilidadequefoiogolpecontraanossaConstituição.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Agradeçoaprimeira intervenção.TemapalavraovereadorMarioCovasNeto.OSr.Relator(MarioCovasNeto)–Gostariade fazerumapergunta,antesquefiquemuito longedodepoimento.PorqueoagenteestavapresonoRioGrandedoSul?Peloqueentendiéuruguaio.OSr.JoãoVicenteGoulart–Agenteuruguaio.Presoporcontrabandodearmase falsidade ideológica no Brasil. Vários desses agentes, não só ele, ficaramdesamparados no fim das ditaduras. E a maioria partiu para os crimes comuns:roubos, contrabando, assaltos a banco. Sempre digo que não fui a uma prisão de

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segurança máxima procurar um atestado de boa conduta. Fui ouvir um relatocondizentecomoqueaconteceu.OSr.MarioCovasNeto–Apenasumaobservação.Aprescriçãotemavercomapenaimposta,nãocomainvestigaçãodocrime.AComissãodaVerdade,demaneirageral, e a nossa, em particular, não se preocupam com a punibilidade ou nãopunibilidadedealguém.Buscamosarecuperaçãodahistória.Acreditoserumpoucoasuabuscatambém.Insisto:acircunstânciadeprescreverumcrimenãovalequandoseinvestiga.Valeapenasparaumacondenação.OSr.JoãoVicenteGoulart–Nossapreocupação foi exatamenteessa. Impediraabertura de uma investigação de assassinato. De outro lado, creio que o Estadobrasileiro temaobrigaçãodeouvirosagentes.Outrospaíses fizeramessaoitiva.Porque o Brasil não consegue? Alguns procuradores nos disseram: vocês deveriam terpedido a abertura de uma ação cautelar para que o juiz pudesse ir aos EUA ouvir oMichael Townley264, por exemplo. Chegou ao cúmulo de um dos procuradoressugerir que ouvíssemos o homem pelo skype. Um homem com nome falso, quepertenceuàCIAeestánoprogramadeproteçãoàtestemunha,vaifalarporskype?OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Estácerto.Houveumareunião,peloqueentendi,paradiscutirouplanejaraformadeassassinaroseupai.Porfavor,repitaosnomesdospresentes.OSr.JoãoVicenteGoulart –O relato édoagenteMarioNeira.OFleury teriavindo do Brasil. A reunião aconteceu no subsolo da Chefatura de Polícia deMontevidéu,entre6e10deagostode1976.EstavampresentesFrederickLatrash,daCIA,encarregadodemonitorarligaçõesdeMontevidéuaBuenosAires,edoisagentesque o acompanhavam; o general Luís Queirolo, chefe de Inteligência das ForçasArmadasUruguaias;odelegadoFleury;olegistaDr.CarlosMilles,cujocodinomeeraCapitão Adônis. Foi nessa reunião que teriam decidido que Milles produziriacompostos químicos venenosos, para substituir um dos remédios que João Goularttomavaparaocoração.

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AcervoCMSP

AassistênciaouveJoãoVicenteGoulartdetalharocercodosserviçossecretosaoseupai,JoãoBelchiorMarquesGoulart,noexílio

OSr.Presidente (GilbertoNatalini) – Seu paimorreu no dia 6 de dezembro,algunsmesesdepois?OSr.JoãoVicenteGoulart–Sim.TeriamtrocadoovidrodeummedicamentonoHotelLiberty,naArgentina.P–Tudoissoelecontouavocênopresídio?R – Sim. Existem depoimentos, que posso enviar depois. Oministro da Justiça naépocaeraoTarsoGenro,quenosdisse:“Chegadefalaràimprensa.NeirafalarácomaPolíciaFederal.”Defato,deumaisinformações.EstãonoinquéritofeitopelaPolíciaFederal,correndoatéhojenoMinistérioPúblicoFederaldoRioGrandedoSul.P–Ondemorreuoseupai?R–NaArgentina.NaquelemomentooUruguai, aArgentinaeoChile conduziampermanenteseviolentasperseguições.Mataramamigosdomeupai,foiumadesgraça.Hospedavam-se no mesmo Hotel Liberty, na Calle Corrientes. Vários exiladosmoravamlá,comooex-senadoruruguaio,ZelmarMichelini.Dezcarrossemplaca,osFalconqueosparamilitaresusavam,pararamdiantedoprédio.Ànoite.Fecharamohotel, subiram e tiraram o senador. Em maio de 1976. Meu pai também sepreocupavacomaprópriasegurança,porquejáhaviarecebidoorecadodeArraes.P–OremédiofoitrocadonohotelnaArgentina?Porqueasdatascoincidem.R–Sim.MeupaitinhaummédiconaFrança,quemandavaosremédiosdeláparao

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hotel.P–Seupaiestavanohotelquandosequestraramosenador?R–Não.Estavana fazenda.Houve invasãoparecidanoescritóriodele, emBuenosAires,queficavanamesmarua,maisabaixo.Porserprédiocomercial,entraramcomumcarro-forte.Disseramqueiambuscarvalores.Noescritório,sóestavaasecretária.Oshomensvasculharame foramembora.Então,ele tinhamuitomedopelaprópriasegurança.Aí aconteceuquedoisdias antesde irpara aArgentina,oministérioque cuidavados exilados e da segurança em Montevidéu mandou chamá-lo para depor. Elecomentoucomaminhamãequenãotinhasehumilhadocomosmilicosbrasileirosenão ia se humilhar comosmiliquinhos doUruguai.Não compareceu.Mas saiu doUruguaiefezumitineráriocomplexo.VooucomoCessnadele,monomotor,efoiatéumaponteemSalto,naArgentina.Atravessoudebarco,eseguiudecarroaPasodelosLibres.Alipegououtrocarrorumoàfazenda.Ondemorreu.Dia6dedezembro.Meupai tinharemédionosvários lugaresonde ficava.Elesmonitoravampara saberquando tomaria certo remédio e trocaram esse. Não envenenariam todos porquedeixariarastro.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–RelacionandoessesfatoscomaquestãodoJuscelino,JoãoGoulartpensavaemvoltarparaoBrasil?O Sr. João Vicente Goulart – Sem dúvida. Minha irmã e eu morávamos emLondres,porsegurança.Quandomeupaiveionosvisitarpelaúltimavez,participoudeuma reunião grande comos exilados. EmParis e emGenebra, para encontrar oArraes,oCelsoFurtado.Debateriamparachegaraumconsenso sobreavoltadele.Talvezajudasseaaceleraraabertura.Eelequeriavir.P–EssareuniãoconcluiuqueavindadoJoãoGoulartparaoBrasilpoderiaforçaroprocessodeabertura?Vocêlembraadatadareunião?R –Foina época emquemeuprimeiro filhonasceu,outubrode1976.Doismesesantes de Jangomorrer. Ele voltaria aoUruguai, liquidaria algunsnegócios de gado.Viria passar o Natal conosco. Depois, em Roma, falaria com o Papa. Planejavaencontrar-se com o senador Edward Kennedy em Washington e em seguidadesembarcarianoBrasil.P–EletinhaarticulaçõesaquicomoJuscelinoouoLacerda?R – Permanentemente com o Juscelino. O deputado José GomesTalarico e odeputado Doutel de Andrade, do antigo PTB, estavam sempre articulando. Erammuito próximos do meu pai. Um ano antes, lembro de estar em Paris e deconversaremdurante trêshorasnobardoHotelGeorgeV.OJuscelino ficavanessehotel. Deve ter sido em 1975. E, a respeito da volta do meu pai, temos um

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documento liberado graças ao habeas data. O Frota comunica a todos os postosmilitaresdealfândegaqueoJoãoGoulartdesembarcariaemalgumlugardoBrasil.Aordem:prendereconduziraumaunidadesecreta.P–Vocêstemessedocumento?R–Sim,porviajudicial,umhabeasdata.P – Você acha, nas suas pesquisas e vivência pessoal, viável que houvesse acandidaturado Jangoàpresidênciaem1978,emeleição indireta?Várias forçasqueseuniriamparaabreviaroregimedosmilitares?R –Não.Nem tenho conhecimento disso.Mas a figura do presidente JoãoGoulartera emblemática.Não representava só os trabalhistas. Era um símbolo da queda dademocracia brasileira. Ou seja, em qualquer mudança de regime, Jango, o últimopresidente constitucional do país, representava restauração da vida democrática nopaís. O golpe de estado de 64 foi contra a Constituição brasileira. Quem eram ossubversivos? Aqueles que subverteram a Constituição brasileira, e não aqueles quelutarampararestaurá-la.EntregueiàComissãoNacionaldaVerdadeumdocumentodoIIIExército,nodiadogolpenaArgentina,10dejunhode76.Pediainformaçõessobre subversivos brasileiros que estavam no país e do primeiro subversivo, JoãoGoulart. E que se tomasse seus depoimentos, logo que presos.AOperaçãoCondorfuncionava assim.No intercâmbiode informações, no intercâmbiodeprisioneiros enaextinçãodepessoas.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Notrabalhoquerealizamosaqui,ouvimosmuita gente. Existia a crença de que um deles, JK, Jango ou Lacerda, assumiria opapeldecandidatoàPresidênciadaRepública,noColégioEleitoral,em1978.Você,como filho, ou o instituto, entraram por essa vertente? Essa possibilidade teriacausadoaeliminaçãodostrês.OSr.JoãoVicenteGoulart –Sobre a articulaçãoparaoColégioEleitoralde78,nada sei.Mas analisou-semuito, na reunião emParis, amudançaque se previanapolítica externa dos Estados Unidos, com a possível eleição de Jimmy Carter. Emrelação aos direitos humanos e à globalização, imposta pelo sistema econômicointernacional.Os países integrados aomundo globalizado teriamde ser conduzidospor democracias. Então, teria de haver uma abertura, sem líderes nacionalistas quealmejassemaPresidência.Jangoeraumnacionalistaumpoucoàesquerda;JuscelinoeLacerda,nacionalistasdedireita.Defato,em1979tivemosaanistia.Maspassaram-sedezanosparatermosaprimeiraeleiçãopresidencial.Em1989.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Qualasuaopiniãoquantoaocontroledasbrechasqueogovernomilitarabriuparaaabertura?HaviaadivisãoentreoGeiseleo Frota. Em 1975, investiram contra o Partido Comunista. Mataram o Vlado. Emuitosoutros.Em1976,contraoPartidoComunistadoBrasil.Houveachacinada

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Lapaeoextermíniodesuadireção.Semlutaarmada,semmilitantesdeorganizaçõesclandestinas, investiram contra democratas e liberais E aímorreu Juscelino naqueleacidenteprovocadodeformaengenhosa.Emorreuseupai,JoãoGoulart,comtodosos indícios de trama. E resta a questão do Lacerda, morto em circunstâncias aesclarecer. Assim, controlaram a abertura. Você acha que esse movimento deextermínio das forças de resistência à ditadura, poderia atrapalhar os planos deaberturacontrolada?O Sr. João Vicente Goulart – Olha, sem dúvida alguma, temos indíciosgravíssimos. No caso do Juscelino, é de conhecimento público que o Contrerasescreveupara o Figueiredo, enquanto chefe do SNI, relatando a preocupação com aascensãodoCarternosEstadosUnidos.ContrerascolocouonomedeJuscelinocomoumdosentravesdaditadura.Sabe-sequeoBrasilestavapresentequandoseformoua Operação Condor. Aliás, a ditadura brasileira tem uma característica: a cara éoculta,aparecemsóostentáculos.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Mãodegato.OSr.JoãoVicenteGoulart –Mãode gato.Procuramos conheceros fatos,masaindaexistegrandeautoproteção.UmdosdocumentosqueconseguimosédoAgenteB,brasileiro.ElesereportaaoDOPSassim:“Ontemestivemosdeformaclandestinanoapartamentodoex-presidente JoãoGoulart {...} subtraímosdagavetade seuquartocarta do General Perón, carta do deputado Ulysses Guimarães, carta de não seiquem...”.Então, me digam: esse Agente B, capaz de subtrair várias cartas do criado-mudodentrodoquartodomeupai,nãopodetrocarumremédio?Agora,queméoAgenteB? Esse é o segundo estágio. Ele ainda está embaixo dos tapetes dos quartéis e dosgeneraisbrasileiros.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Nósvamoschegarlá.SeDeusquiser.OSr.JoãoVicenteGoulart–Tomara.OSr.Presidente (GilbertoNatalini)–Com a palavra o vereadorMarioCovasNeto.O Sr. Relator (Mario Covas Neto) – Apenas para esclarecer, houve umaintervençãodoClubeMilitarparaimpediraexumaçãodoJango,judicialmente?OSr.JoãoVicenteGoulart–Não,nãohouve,apesardozum-zum-zumdequecontestariam.Teses existemmuitas, vereador.Dequalquer formanão sepodemaisfazerexumação,estáextinta.OSr.Relator(MarioCovasNeto) –Sim,masnãoapareceunenhumaoposiçãoclara?OSr.JoãoVicenteGoulart–Não,porqueaexumaçãofoifeitadiretamentepela

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ComissãoNacionaldaVerdade.Essaéumacircunstânciaqueempartefacilitou.Deoutraparte,dificultou.Porexemplo,todaaexumaçãodopoetaNerudaéconduzidaporumjuiz,comautonomiaparafazeronecessário:laboratórioseoitivas.Nós,aqui,nãoconseguimosisso,oquefacilitaquantoarecursos,impedimentos.Porémdificultaporqueasaçõescolaterais,oitivasoupedidodedesclassificaçãodedocumentosficamsubordinadasaoMinistérioPúblico,quenãotomaasprovidênciasnecessárias.OSr.Relator(MarioCovasNeto)–Muitoobrigado.OSr.Presidente(GilbertoNatalini) –Os fortíssimos indíciosdoassassinatodeJoãoGoulartpeloregimemilitarbrasileiro,quecorrenabocadopovo,precisamserreconhecidos nos termos da lei. Convivemos com a imensa injustiça do Brasil emrelação ao seupai e a outros brasileiros democratas. Eu tinha 12 anos quando JoãoGoulartfoideposto.Umtio,quemeensinouoqueerajustiçasocial,teveuminfartodomiocárdionomomentoemquesoubequeo JoãoGoulart foradeposto.Doente,infartado, foi preso num quartel do Exército. Apesar das discordâncias, o regimepraticouumatobaixoecovarde.Osbrasileirossofreramisso.Agradeçomuitíssimoasuavinda,muitoprodutiva.O Sr. João Vicente Goulart – Eu agradeço a oportunidade. É dever de todoexiladomostraràsnovasgeraçõesoquevivemos,aprendemosesofremos.FazpartedalutapelaliberdadeealegalidadedosistemademocráticodenossaConstituição.Querolhedizerque,paramim,foiumahonraestaraquicomvocês,emSãoPaulo.MandareiàComissãotodososnossosdocumentos,inclusiveosreferentesaoAgenteB e a Sylvio Frota.Que sirvam para embasar a realidade que o país viveu.Grandeparte da nossa população as desconhece. E que tornem o Brasil mais justo, livre esoberanoparaosnossosfilhos.Muitoobrigado.O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – Perfeito. Informo que temos sofridoretaliaçõespolíticasde setores quediscordamdenosso empenho em levantaro véuda verdade, descobrir a verdadeira história. Sobrevivemos das masmorras do DOI-CODI,dastorturas.Continuaremosatéofim.Semespíritodevingançanemretaliação.Nãosomos iguaisaeles.Nãoqueremosser, jamais.Declaroencerradosos trabalhosdaComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzog.Muitoobrigado.GrupodeguerrilhaurbanaqueatuouanteseduranteaditaduranoUruguai,de1973a1985.OnomevemdeTupacAmaru,líderindígenaqueliderouamaiorrebeliãoanticolonialdaAméricadoSulcontraosespanhoisnoséculoXVII,novice-reinodoRiodaPrataenoPeru.AprofessoraElenaQuinterosfoipresaporforçasdesegurançanojardimdaembaixadadaVenezuelaemMontevidéu,ondetentavapedirasilo.Edesapareceu.OcasolevouaorompimentodasrelaçõesdiplomáticasentreaVenezuelaeoUruguai,reatadascomoretornodademocracia.Assassinoprofissional,agentedaCIAnaDINA,apolíciasecretachilena.ConfessouoassassinatodeOrlandoLetelierecumpriu62mesesdeprisão.ComadelaçãopremiadanãofoiprocessadonemextraditadoparaaArgentinapeloassassinato,em1974,dogeneralchilenoCarlosPratsesuaesposa,Sofia,porcarro-bombaemBuenosAires.NaItáliaocondenaramem1993,inabsentia.Tentaramatar

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emRomaodeputadochilenodemocrata-cristãoeopositordaditaduradePinochet,BernardoLeighton.TownleytrabalhounaproduçãodearmasquímicasnoChilecomocoronelGerardoHubereEugenioBerrios,bioquímicodaDINA.OpaideTownleyfoiagentedaCIAnoChileenaVenezuela.

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PALMASAOSCASSADOS

MoacirLongo,cassadoem1964,presidiuasessãoquedevolveuosmandatosaoscassadosouaseusfamiliares:democraciaéluta

permanente

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CAPÍTULOXX

DiadefestaComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzog.

Dia9dedezembrode2013,19horas.OPlenário1ºdemaio,localizadono1ºandardo Palácio Anchieta – morada oficial da Câmara Municipal de São Paulo – estárepleto. Começa a cerimônia da devolução simbólica de mandatos de vereadorescassados. Estão presentes vereadores da Casa e numerosas autoridades, além defamiliares dos homenageados que se pôde localizar. O presidente da ComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzog,GilbertoNatalini,apresentaoscomponentesdaMesasolene:“Presidem a Mesa, significativamente, os vereadores Moacir Longo, de 84 anos,atual presidente de honra do PPS, cassado pela ditadura em 1964, que presidirá asessão.EArmandoPastrelli,95anos,vereadorcassadopeladitaduradoEstadoNovoem 1937 e barrado na porta da Câmara em 1948, quando quis assistir à posse decolegas.Duasditaduras,pobreBrasil violentado.Começamosadevolução simbólicados mandatos com esses dois nobres vereadores, na cerimônia que encerra asatividadesdanossaComissãodaVerdade,em2013.Ditaduranuncamais!”(palmas)“OsdemaiscomponentesdamesasãoosvereadoresJoséAmérico(PT), presidentedaCâmaraMunicipaldeSãoPaulo,JulianaCardoso(PT),presidentedaComissãodeDireitosHumanosdaCâmaraMunicipal,eOrlandoSilva(PCdoB),líderdabancadadoseupartidonaCâmaraMunicipal.Eaminhapessoa(GilbertoNatalini,doPV).”O mestre de cerimônias convida a todos para que seja entoado, em pé, o HinoNacionalBrasileiro.(Canta-se o Hino, havendo à frente um vídeo com a letra escrita e em libras, a

linguagemdossinais.)OvereadorJoséAméricoinforma:“A presente sessão solene se destina ao desagravo das cassações demandatos devereadoreseleitospelopovoeàrestituiçãosimbólicadosseusrespectivosmandatos,deacordocomaResoluçãonº13de17deabrilde2013,destaCasa.Pormeiodelareconheceu-seocaráterantidemocráticoeinjustodacassaçãodosdireitospolíticosdevereadoreseleitosem1937,acassaçãodosdiplomasdosvereadoreseleitosem1952,acassaçãodedireitospolíticosdevereadoreseleitosnosanosde1964e1968.Passoapalavraaopresidente,vereadorMoacirLongo.Muitoobrigado.O vereador e jornalista Moacir Longo, eleito em 1963 pelo Partido Socialista

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Brasileiro,oPSB,ecassadoem1964,foienfático:“Estasolenidadedenunciaumpassadodearbitrariedadeseaausênciapermanentedeumregimededemocraciaplena.Pergunto:quandohouvedemocracianoBrasil,paraquesepudessefalaremredemocratização?”Longo reconhece que em certos períodos houve empenho em se estabelecer ademocracia,porémcomefêmerosresultados:“Democracianãoémeramentepolítica.Temdesersocial,ouseja,deacessototaladireitosparatodososcidadãos.Lutapermanente,portanto”.O vereador homenageia o juiz eleitoral Dr. Cassiano Marcondes Rangel, queconcedeuoregistrodesuacandidatura,apesardodossiêacusadordoDOPS.Amedidadesvaneceu-secomogolpemilitar.“ACâmarafoisolidáriaemuitostrabalharamparaqueeusaísselivre,comobjetivode lutar em meu partido e reunir forças contra a ditadura, embora vivesse naclandestinidade”, destaca. “Este evento é simbólico pela afirmação democrática daCâmara e a necessidade de reafirmar, sem esmorecer, um Brasil realmentedemocráticoparatodososbrasileiros.Nadafizdeextraordinário,nãocometinenhumatoheroico.FuisempreummilitantededicadoàdisciplinaeàstarefasdoPartido265.”MoacirLongocomeçounamilitânciadoPCBem1946,aos16anos,operáriorecém-chegadoàcapitalpaulista–vinhadeTaquaritinga.Participoudegreveseprotestos.Enfrentouaprimeiraprisãoaos19anoseaprendeujornalismoemjornaisdopartido.Em1963,oPCBodesignouparasercandidatoavereadorpeloPSB,quenaqueleanoacolheu os candidatos comunistas. Eleito, exerceu omandato até o golpe de 1964.Suacartadedespedida,lidanoplenáriopelocolegaDavidLerer,doPSB,qualificouonovogovernode “regimede terror”.Preso em1972, foi levado aoDOI-CODI. SofreutorturasedoisanosnospresídiosTiradenteseHipódromo.NaprisãoescreveuolivroBrasil:osDescaminhosdoPaísdasTerrasAchadas266.Vivecomaesposa,LedaRosadosSantosNeto.Ocasaltemduasfilhas.

ÉticaecoragemnosarquivosPróximo a falar, o comovido vereador Gilberto Natalini, presidente da CMVVH,observaquesenteemoçõesagridoces:“Ummistodefelicidadeaorestauraropapeldaquelesrepresentantesdopovo,edetristeza pela interrupção brutal de suas contribuições para a cidade”, explica.“Vivemosummomentodemocráticoinédito,massabemosolharparatrásevemosoque seperdeu.Pormaisqueixososquepossamosestar comoqueacontecenopaís,temosdecombaterosqueselevantameapelamporumaalternativaautoritária.”Em uma de suas várias prisões durante a ditadura militar, Gilberto Natalini

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encontrouMoacirLongonacela.Emconsequênciaaplateiasente,quasepalpável,aabsurdaeanacrônicatendênciademinoriasvociferantesadesejaroretornodeumaditaduramilitar.“Para consertar os erros da democracia, só a vontade democrática do povo!”conclamaNatalini.AvereadoraJulianaCardoso,vice-presidentedaCMVVH,destaca:“Acerimôniafortaleceoespíritodemocráticoeéeloquenteafirmaçãodequejamaissepermitaumanovaditadura.”Namesmalinha,overeadorOrlandoSilvaenalteceotrabalhoeoesforçoconjuntoquedárobustezàdemocracia:“Impedirapossedessesparlamentaresseconstituiuematodeinominadaviolênciacontra a democracia e os princípios da soberania popular”, afirma. “Com o nossogesto,aatuallegislaturapermitequeestaCasadeLeisseencontrecomasuahistóriaereforceaprópriavocaçãodemocrática.”A juíza Dra. Clarissa Campos Bernardo, que representa o Tribunal RegionalEleitoral,asseguraquedevolverosmandatosaoscassadosproclamaaconsolidaçãodademocracia. Amagistrada homenageia o desembargador do Tribunal de Justiça doEstadodeSãoPaulo,Dr.MarioGuimarães(1889-1976),quemanteveoregistrodascandidaturas de 1947, permitindo que a Justiça Eleitoral diplomasse os eleitos – oque,depois,oTribunalSuperiorEleitoralcassou.Oobrigatórioregistrodafirmezadodesembargadoréumregistropreciosoparaqueamemóriadecomportamentoséticosecorajosossejaconservada.“Preservemosdocumentos!”,adverte,emseguida,a juíza.“EleséquepermitemoresgatedasprovasdocumentaisdaComissãodaVerdadeeaoficialidadedogestodaCâmara.Qualquerinstituição,apúblicaemespecial,deveobrigatoriamentepreservara sua memória. Do contrário, fracassará em tornar efetivos os seus objetivos efinalidades”.Em relação à advertência da juíza, é preciso reconhecer que, infelizmente, aComissão Municipal da Verdade Vladimir Herzog não conseguiu descobrir oparadeiro de parte dos familiares de vereadores que perderam seus mandatos.Tornou-se impossível convidá-los a todos e entregar-lhes o pergaminho dadiplomaçãosimbólica.

AhistóriadeEliza,porFannyEntre os localizados encontram-se as filhas de Elisa Kauffmann Abramovich, aprimeira mulher eleita para a Câmara Municipal de São Paulo, em 1947. FannyAbramovich é conhecida escritora de livros infantis e pedagoga. Irene é médica.

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Fannydeuumdepoimento sobre amãeparaumdos artigosdo livroSãoPaulonaTribuna: Primeira Legislatura (1948-1951), editado pela Câmara paulistana. Eladescreveasuaadmirávelmãe:“Tinha 28 anos quando foi eleita vereadora pelo PST, tornando-se a primeiramulhernaCâmaraMunicipaldeSãoPaulo.Morreumuito jovem, em1943, aos43anos.”Elisa,lembraafilha,nosexplicouporquedeveríamosserindependenteseganharoprópriodinheiro.IreneeFanny,comautoconfiançaesatisfaçãopelaautonomia,aos14anosdavamaulasparticulareserecebiamosuficienteparaassuasdespesas.Autodidata,ElisatrabalhoucomofloristaantesdeentrarnaOrganizaçãoFemininaIsraelitadeAssistênciaSocial,OFIDAS.Atendia judeussobreviventesdoHolocaustoeoutros, como os refugiados do Egito na década de 50. Entre 1958 e 1962 dirigiu oColégio Israelita Brasileiro Scholem Aleichem, por designação do PCB. Escola deeducaçãopluralista,deestímuloàliberdadedepensamento.“Mudouacaradaescolaaorompercomosistemaformaldeeducação.Ampliou-a,abriujanelaseportas,inovou,abrasileirou”.Aescritoraprossegue:“Minhamãe, Elisa Kauffmann Abramovich, foi sobretudo comunista. Até na cordoscabelos,ruiva.Comunistaardorosa,inabalável,corajosa.Comunistavisceral(...);comunistateatral,reproduzindogestosefalasdaDoloresIbárruri,LaPassionária.OudaOlga Benário. Com emoção. Recitava poemas...Minhamãe sempre quebrou oscódigoseclichêsesperados...”A vereadora Juliana Cardoso impressiona-se com o relato de FannyAbramovich,em particular quando a descreve como uma “comunista ardorosa e visceral, quesempre quebrou os códigos e clichês esperados”. Para Juliana, um dos sentidos dacerimôniaestáemtrazeràvidaumpassadodedesaparecidoseperseguidospolíticos.“Tentaramapagar,comosenuncativessemexistido.Nãopermitimos!”garante.Aintençãodecassaros15mandatosdevereadorescomunistasveiodogovernadorde São Paulo, Adhemar de Barros, afinado com Victorino Freire, presidente dodiretório nacional do Partido Social Trabalhista – PST267.O PCB fora legalizado em1945, no clima de euforia democrática após a derrota do nazismo. Contudo, o TSEcassouseuregistroem7demaiode1947(doisanosdepoisdotérminooficialdaIIGuerraemterritórioeuropeu,8demaio).Paraaeleiçãode9denovembrode1947,o Diretório Estadual do PST em São Paulo acolheu os candidatos do PCB. PorémVictorino Freire passou uma rasteira baixa no Diretório Estadual. Declarou-oirregular e pediu a anulação do registro dos seus candidatos. O TSE colaborou,concluindopelainexistênciadadireçãodoPSTnoEstado,paraassimacataropedido.Praticouoesbulhonodia31dedezembrode1947268.

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O jornalista Milton Bellintani, diretor-executivo da Escola do Parlamento daCâmara Municipal de São Paulo e coordenador da Comissão da Verdade doSindicatodosJornalistasdeSãoPaulo,aponta:“TodaahistóriabrasileiraémarcadaporatosdeexacerbaçãodopoderdoEstado.”Abaixo, algumas histórias resumidas de vereadores cassados, cujos familiares secontatou.

PastrelliO vereadorArmando Pastrelli nasceu emCatanduva (SP), filho de uma lavadeiraque criou sozinha três filhos. Só pôde estudar até a terceira série do ensinofundamentale temorgulhodeserautodidata.Escreveucentenasdecrônicasparaojornal Folha do ABC e publicações do Rotary Club, do qual foi presidente. Por terrecebidooPrêmioTalentosdaMaturidadeeumacomendadaAcademiaBrasileiradeHistória,gostadeserchamadodecomendador.“Éalguémqueprestaserviçosrelevantesaumacomunidade”,explica.Pastrelli foi operário metalúrgico. Certa vez, nessa condição, em uma reunião deempresários e metalúrgicos em greve, o representante patronal apresentou aosoperários a planilha de custos da fábrica, para provar que a demanda salarial eraexcessiva. Em resposta, Pastrelli ofereceu-lhe a lista de compras de uma família deoperário. Por essa e outras ações de liderança o PCB lhe propôs disputar as eleiçõesmunicipaisde1947.Elegeu-se.Cassado e perseguido pela polícia decidiu recomeçar a vida primeiro noAmapá edepois ao lado do irmão, em Londrina (PR). Começou a fabricar máquinas para oramográficoemumapequenaoficina,cresceuedeixoudeseroperário.Afirmaquemanteve os ideais de justiça social embora “do outro lado”, com 100 funcionários.Viveu durante 64 anos comCatarina Tabain Pastrelli, falecida. Tiveram uma filha,quatronetosecincobisnetos.

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OspresentescantamoHinoNacional

LuchesiRamiroLuchesi foieleitopeloPartidoSocialistaBrasileiroem1951.FerroviáriodeCampinas, mudou-se para São Paulo ao entrar no movimento sindical, em 1949.Cassadoaindaantesdeassumiromandato,em1952,passouàclandestinidadecomoosoutroscompanheirosdoPCB.Sua família veio à Câmara Municipal receber a devolução simbólica de seumandato:afilhaItamar,pedagogaaposentada,anetaLígiaeobisnetoEnzo.“Depois da cassação mudamos de cidade. Mas voltamos a São Paulo e meu paitrabalhou como jornalista para o Partido”, relata Itamar. “Ele foi o homem maisextraordinário que conheci. Pai maravilhoso, marido exemplar, dedicado à vidapolíticaporquequeriafazerobemparaopovo.Nuncadesistiu.AmavaoBrasil.”

DonosoPortersidocombatenteem1932,ascinzasdoex-caboAntonioDonosoVidalestãodepositadasnoMausoléudosHeróisde32.MilitantedoPCB,esteveentreascentenasdepessoas levadasaopresídioMariaZélia269porGetúlioVargas, envolvidasounãono levante fracassado de 1935. Sua filha, Sonia Olga Colletti Donoso e Barros,mantématradiçãodecultuarasuamemória.

AbílioOPartidoTrabalhistaNacionalparticipavadaColigaçãoAliançaAutonomistapelaPaz e Contra a Carestia, nas eleições de 1952. Ambas as palavras, paz e carestia,alertavam os conservadores e a polícia política para a influência do PartidoComunista. Em especial, paz tornara-se um código para comunismo naquele

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momentodaguerrafria.Em1949,opintorespanholPabloPicasso,filiadoaoPartidoComunistaFrancês,desenharaasuaPombadaPazparaoCongressodaPazemParisePraga,deinspiraçãosoviética.Apombatornou-seumsímbolouniversal.AguerradaCoreia(1951-1953)motivouumdebatesobreaparticipaçãodetropasbrasileiras ao ladodosEstadosUnidos.Nodia 7 de setembrode 1950, noVale doAnhangabaú, durante o desfile, a militante comunista Eliza Branco, costureira declientela burguesa, abriu uma faixa diante do palanque das autoridades, com osdizeres “Os soldados nossos filhos não irão para a Coreia”. Foi condenada por umtribunalmilitaraquatroanosetrêsmesesdeprisão270.Nesse contexto o vereador Abílio Martins da Costa e o gráfico linotipista DantePelacaniperderamseusmandatos.AmbospeloPTN.Pelacaniiniciaraasuamilitânciasindical em 1948. Abílio foi representado por dois sobrinhos,o mecânico JefersonDedonoMartins,de48anos,eoprofessorMarcosAugustoFerreiraMarques,de50anos.“É um reconhecimento importante para a família”, comunicaMartins. “Nosso tioAbílio, homem de grande honestidade, falavamuito de política e insistia: todas aspessoasdevemterqualidadedevida.”Familiares de outros vereadores que a ComissãoMunicipal da Verdade VladimirHerzog conseguiu localizar: Iturbides Bolivar de Almeida Serra, Adroaldo BarbosaLima,CalilChade,MauroGattai(irmãodeZéliaGattai)eCarlosNiebel.

OscassadosdetrêsperíodosNem só de esquerda foram os vereadores cassados. Houve alguns militares dedireita que, apesar do apoio ao golpe de 1964, perderam seusmandatos. E de umadmirador ostensivo do nazismo alemão e do fascismo italiano, José Ferreira AlvesCyrillo, pertencente à Ação Integralista Brasileira. Suas manifestações secaracterizavam por tal radicalismo fascista que o cassaram. Convém lembrar, aqui,queogeneralpresidenteCasteloBranco,quandotenente-coronel,chefiaraaSeçãodeOperaçõesdaForçaExpedicionáriaBrasileiranaItália,duranteaIIGuerraMundial.ComamissãodecombaterosalemãesnaItália.“Nossaideiacentralderestituiçãodemandatoserafazerjustiçaapessoasqueforamperseguidas”, justifica Gilberto Natalini. “Eles foram eleitos pela soberania popular.Houvedebatesentrenós,a respeitodosdireitistasextremados,masa tese terminouconsensual.”Alémdoscassadosde1946jácitados,osdemaiscomunistasforam(inmemoriam):BeneditoJofredeOliveira,BenoneSimões,LuisJoão,MariodeSousaSanches,MeirBenaim,OrlandoLuisPiotoeRaimundoDiamantinodeSousa.Dosoutrospartidos,eleitosem1937,inmemoriam:

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PartidoConstitucionalistaAlcidesChagasdaCosta,AlexandredeAlbuquerque,AntônioCândidoVicentedeAzevedo, Francisco Machado de Campos, José Cerquinho de Assumpção, JoséPereira da Rocha Filho, Luiz Augusto Pereira de Queiroz, Miguel Paulo Capalbo,ModestoNaclérioHomem,ThiagoMasagãoFilho,ThomazLessa.PartidoRepublicanoPaulistaAbrahão Ribeiro, Achilles Bloch da Silva, Gaspar Ricardo Júnior, José AdrianoMarreyJúnior,LuizTenóriodeBrito,OrlandodeAlmeidaPrado,ReynaldoSmithdeVasconcelos,SylvioMargarido.AçãoIntegralistaBrasileiraJoséFerreiraAlvesCyrillo.ColigaçãoAliançaAutonomistapelaPazeContraaCarestia,em1952,PartidoSocialDemocráticoinmemoriam.FlorianoFranciscoDeseneRamiroLuchesi.PartidoTrabalhistaNacionalinmemoriam.AbilioMartinsdaCosta,DantePelacani.Vereadoreleitoem1963peloPartidoSocialistaBrasileiroMoacirLongo.MovimentoDemocráticoBrasileiro–MDB,em1969inmemoriamFranciscoMarianieJoséTinocoBarreto.

RazõesparacassargolpistasPerguntaóbvia:porquecassaramapoiadoresdogolpede64?JoséTinocoBarretoeFranciscoMarianiGuariba,ambosdoMDB,eramatémilitares.Aparentemente,oerrode Tinoco foi denunciar atos de corrupção do governo, por acreditar que, além decaçaresquerdistas,osmilitaresfossemcumprirapromessadecombateroscorruptos.OConselhodeSegurançaNacionalanunciouacassaçãodeTinocoem16dejaneirode1969.Em1ºdejulhode1969chegouavezdeGuariba,ex-presidentedoCírculoMilitardeSãoPaulo.Noseucurriculumvitae, datadode1971,disponívelnaBibliotecadaCMSP,ogeneralrevelaquedenunciou“algunserrosdaRevoluçãode31demarço,emSão Paulo, particularmente por ter deixado no poder falsos e tardios líderesrevolucionários”.

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Masomotivodesuacassaçãoseriamaismesquinho:“Tudofoimovidoporperseguiçãoouantipatiapessoal, tãocomumnogovernodeforça,noqualo cidadãoépunido sem teromais elementar e sagradodireitode sedefender”,afirmouGuaribanodocumento271.OvereadorMoacirLongodestaca:“Juiztitularda2ªAuditoriada2ªRegiãoMilitar,JoséTinocoBarretoeraumlinhaduranaperseguiçãoaosdissidentespolíticoseomais radicaldosanticomunistasdaépoca.”Nofinal,osmotivosparaascassaçõesdeGuaribaeTinocosãoobscuros, jáquesedavampordecretodogoverno.Epontofinal.PauloAugustoBaccarin,procurador legislativo-chefedaCâmaraMunicipaldeSãoPaulo, considera o reestabelecimento simbólico do mandato dos 42 vereadorescassadosumareparaçãohistóricaemquenãosedeixaosfatosembaixodotapete.Asociedadereconheceoilegítimo.Oprocuradoracrescenta:“A maioria das cassações ocorreu em períodos ditatoriais, mas em democráticostambém,comonogovernodeEuricoDutraenosegundogovernodeGetúlioVargas.Foramilegítimasporquedirigidascontraoscomunistas.Poratosdeconsciênciaenãoimpropriedades.Atentadosàprópriapluralidadedademocracia.”

Cassações,hojeDepois da redemocratização, políticos são cassados com base em duas acusações. Uma, porimprobidadeadministrativa.Outra,porquebradedecoroparlamentar.No primeiro caso, o parlamentar é cassado por sentença judicial, depois de um processo noJudiciário.Adecisãosubordina-seaostermosdalei.Nosegundocasoháumacassaçãopolíticaporcondutaincompatívelesubordina-seàdecisãodeseuspares.Umacondutaincompatívelenvolveumconceitojurídicoaberto.Asociedadeodefine,poisdependedamoralidadedaépoca.Umexemplosimples:

antigamente, a parlamentar que usasse calças compridas atentava contra o decoro. Hoje, nãomais.Paraasduasacusaçõesexige-seprocesso legal,comobservaçãorigorosadocontraditórioedaampladefesa.

TodosaosaguãoNofinaldasessãosolene,distribuídosaosfamiliaresosdiplomasderestituiçãodosmandatos, todos os presentes são convidados a descer ao andar térreo, para odescerramentodaplacaquedesagravaosvereadoreseleitospelopovoecassadospelo

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arbítrio.Háumalegre tumultodiantedaplacadealumínioescovado,ao ladodaescadariaprincipesca do Palácio Anchieta, onde se leem, gravados, os nomes dos 42parlamentares impedidosdeexercer seusmandatos.Todossão filhos, irmãos,netos,sobrinhos, ou parentes afastados daqueles homens e da única mulher, ElisaKauffmannAbramovich, a primeira vereadora daCâmaraMunicipal de São Paulo.Todosqueremtirarumafotoapontandocomodedoonomedoentequerido.A Câmara Municipal, em sua morada no Palácio Anchieta, tem 42 novosvereadores, presentes na placa entre os mármores do saguão. Estão inscritos nahistóriadaCidadedeSãoPaulo.Veja-seOLongoCaminhodeMoacir,documentáriodasérieBrasileiroseMilitantes,dohistoriadorIvanAlvesFilhoedoeditorecinegrafistaRodolphoVillanova(FundaçãoAstrojildoPereira).FundaçãoAstrojildoPereira,2008.SegundoWelitonResende,doBlogControleSocial,VictorinoFreireeraumoligarcamarinhensequereinouatépassarocetroàoligarquiadosSarney.PorseuprestígiocomogeneralEuricoGasparDutra,entãopresidentedaRepública,tinhadomíniosobrepolíticos.Fraudeseleitoraiscaracterizaramoperíododeseupoder,sobaproteçãodopaideJoséSarney,desembargadordoTribunaldeJustiçadoMaranhão.InformaçõesprestadaspeloCentrodeMemóriaEleitoraldoTribunalRegionalEleitoraldeSãoPaulo,porJoséD’AmicoBauab,pesquisadordoCEMEL.Mais:Aprimeiraeleiçãoaoparlamentopaulistanopós-ditaduraVargaseodramadosvereadorescomunistas,desuaautoria,emSãoPaulonaTribuna(1948-1951),org.deLuizManechiniCasadei,2012.E,deMaríliaGabrielaBuonavitaeUbirajaradeFariasPrestesFilho,ODebatePolíticonaCâmaraMunicipaldeSãoPauloentre1936e1937:ointegralismoealiberal-democracia.EmPaulistâniaeleitoral:ensaios,memórias,imagens,deJoséD’AmicoBauab.Presídiopolíticoimprovisadoquefuncionouem1936e1937,emcondiçõesbestiais,emumafábricadesativadanoBelenzinho(zonalestedeSãoPaulo).Objetivo:prendercomunistas,socialistas,anarquistasequaisqueropositores,sobopretextodolevantefrustradode1935contraGetúlioVargas,lideradoporLuísCarlosPrestes.DiantedeumatentativafrustradadefugadoMariaZélia,guardasenfileiraramosrecapturados,surrando-osaotangê-losparadentro.Aosquatroúltimos,fuzilaram:AugustoPinto,JoãoVarlota,JoséConstânciodaCostaeMaurícioMacielMendes.Aeste,quesobreviveuaosdisparos,assassinaramacoronhadasnorosto.Omovimentoporsualibertaçãolevouanovojulgamento.Absolvida,deixouaprisãoemumanoeoitomeses.Éconhecidaacaçaàsbruxasinstaladadepoisdogolpede1964,dasfábricasàsuniversidades,alémdosmandatospolíticosceifados.NocapítuloVI,IvanSeixasapontaasASIs(AssessoriasdeSegurançaeInformação),ligadasamúltiplasinstituições:embaixadas,empresasestatais,empresasprivadas,universidades.Leia-seoseguintetrechodolivroOControleIdeológiconaUSP:1964-1978,daAssociaçãodosDocentesdaUSP.Adusp,2004:“Oprópriodetodoexpurgoéovíciofundantedeenvolvernecessariamentenoprocessoasreferênciaspessoais,osódioseantipatias,aparcialidadedosacusadores.Porissomesmoéqueoexpurgopossuiumaafinidadeestruturalfundamentalcomofascismo.Dependendodedenúnciaanônimaedacalúnia,mobilizaamesquinhez,oespíritovingativoeabreespaçoparatodoequalquertipodeoportunismo.{...}oprocessodeexpurgoconstituiinstrumentopolíticoquefavoreceaascensãoàsposiçõesdemando,deumlado,dosespíritosmaistacanhoseintolerantes,deoutro,dosoportunistas{...}asduascoisas(nãosão)mutuamenteexclusivas.”

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EMDEFESADAMEMÓRIA

PlacanosaguãodaCâmaraMunicipalhomenageiaosvereadoresquetiveramosmandatoscassados

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CAPÍTULOXXI

Averdadeexigemais“Éprecisonãoconfundiraverdadecomamaioria.”

JeanCocteau(1989-1963),poeta,dramaturgo,cineastafrancês.

AComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzogdedicou-seaencontrar,noseuespaço limitado à cidade de SãoPaulo, a verdade do período sombrio que atirou oBrasilemumretrocessodoqualaindanãoconseguiusair.Sinaiseloquentesvêmdoníveldenossaeducação,davoracidadedoscorruptos.Sintomáticaaperseguiçãoquelevounumerosascabeçasaseexilar,enriquecendopaísesdoprimeiromundocomoseutalento.A verdade tem dimensões gigantescas e depende de múltiplas adesões. Cadacomissãodaverdadeéumapequenapedrademosaico,queno finalpoderá formarum conjunto compreensível e realista – como na obra 25 de Outubro de ElifasAndreato, na Praça e Memorial Vladimir Herzog, junto ao prédio da CâmaraMunicipaldeSãoPaulo,oPalácioAnchieta.

AdespedidaEm 9 de dezembro de 2014 realizou-se a sessão de encerramento da ComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzog.Osentimentodosvereadoreseramisto.Deumlado,a satisfaçãopor teremcumpridooprojetoquesepropuseram.Deoutro,aconsciência de que a tarefa não tem fim.O vereadorGilbertoNatalini expressou oqueoscomponentesdaComissão,avice-presidenteJulianaCardoso,orelatorMarioCovas Neto, os demais membros - Laércio Benko, Rubens Calvo, Ricardo Young,ToninhoVespoli-eelepróprio,opresidente,sentiam:“Ouvimos personagens dos dois lados. Quem sofreu, quem infligiu sofrimento.Delfimestevesentadoconosco,aquinestamesa.Zomboudagente,mastudobem.Oqueédeleestáguardado.Agimoscomcorreção.Agradeço muito ao relator da Comissão Municipal da Verdade e aos demaisvereadores. A vocês e à sociedade civil, à militância que veio, ajudou, enriqueceu,propôsideias,trouxegente.Àimprensaquecobriuonossotrabalho.A única pena foi a diferença que houve entre nós e a Comissão Nacional daVerdadesobreamortedeJuscelino.Lamentoprofundamentequedepoisdetodootrabalho que desenvolvemos, a CNV reedite um julgamento de 1976 e condene denovoopobremotoristadaViaçãoCometa,semouvi-lo,comoresponsávelpelamortede Juscelino. Não há produto de limpeza que remova essa mancha. Não consigo

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entenderporqueagiramassim.Dequalquerforma,nademocraciaconvivemoscomessesfatostambém.Nomais,abuscapelaverdadenãoterminahoje,amanhã,talveznestageração.Elaé composta de uma soma quase infindável de fatos e temos de encarar compersistência a necessidade de encontrá-los, submetê-los à verificação. Temos plenaconsciência:mesmoosrepressoresquesedispuseramafalaresconderamdocumentosque possuem, fatos que vivenciaram. Não raro deram respostas oblíquas, cínicas,quandonãomentiramabertamente.Mas algumdia teremos essa graça eumanovaHistóriadoBrasilserápublicada.Vamosemfrente.Não havendo mais nada a tratar, dou por encerrados os trabalhos da ComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzog.”

ConclusõesCorrupção. Ponto de referência inicial, a fúria com que o colonizador portuguêsespoliou a terra achada se transmitiu ao longo das gerações sob a forma, em linhasgerais,depatrimonialismo,corrupçãoeimpunidade,envoltosemcarapaçaslegalistas.Háummarcozerodecompradeconsciêncianogolpemilitarde1964:aadesãodogeneralAmauriKruel,essencialparaqueopresidenteeleitofossedeposto.Osubornodo general é conhecido. Nada indica que não houve outros. O combate contínuo,persistente,meticuloso em todas as instâncias enfrenta a corrupção, ativa e passiva.Esse crime sangra o país, prejudica o bem-estar damaioria e o desenvolvimentodanação.Tortura. Houve seres humanos capazes de torturar e assassinar outros, com aaprovaçãodosseussuperiores–oscivisemilitaresqueusurparamopodernoBrasil,emumdebocheàConstituição.Acomplexidadedascircunstânciasqueoslevaramatal nível de crueldade e a criar um submundo sórdido não é assunto da ComissãoMunicipal da Verdade Vladimir Herzog. Esta, porém, declarou na pessoa de seupresidente,GilbertoNatalini: “Não somos iguais a eles.Não queremos ser, jamais”.(capítulo XVIII) A situação inebriante de um poder absoluto sobre uma pessoaindefesa e subjugada cabe na conhecida frase de John Emerich Edward Dalberg-Acton,oLordActon(1834-1902),historiadorbritânico:“Opodertendeacorromper,eopoderabsolutocorrompeabsolutamente”.Olordconcluiqueporissoosgrandeshomens quase sempre são maus, porém não se referia a torturadores e matadorescomograndeshomens.Memória.Umaformadecultuarmartirizadoséconstruir-lhesmemoriais.Oimpactovisual de suas formas é um brado que conscientiza. Atrocidades foram cometidasaqui,nocaminhoquevocê,cidadão,percorre.Omemorialhomenageia,dátributoàcoragemeaosacrifíciodosqueousaramresistir.Ealertacontragovernosdeexceção.

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Quemcaminhapelas ruasdo centrodeParis, com frequência lê emplacas afixadasnosprédiososnomesdeheróisdaresistênciaquealiperderamavida,fuziladospelosmilitaresnazistas.Seusnomesnãoserãoesquecidos–nemaresistência.

Recomendações1–ReiterarapropostadaComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzognasuaprimeira legislatura,presididapelovereador ÍtaloCardoso,paraque se crie, juntoàpresidência, um grupo de trabalho que encaminhe e siga as recomendaçõesaprovadas.AmedidadevesertomadanomenorprazopossívelapósestaCMVVH,emsegundalegislação,presididapelovereadorGilbertoNatalini,encerrarasatividades.2–Sugeriroenviodopresenterelatórioainstituiçõespúblicaseprivadasdeensino,do fundamental às universidades, às bibliotecas públicas e aos órgãos dos governosmunicipaisdoEstadodeSãoPaulo,emespecialàssuasprefeituras.3 – Sugerir às secretarias de Educação de estados e municípios brasileiros quedeterminem o ensino de uma cadeira de Direitos Humanos e História Política doBrasil, desde a 6ª série do ensino fundamental até o término do curso secundário.Queeducadores ligadosàdefesadosdireitoshumanos,aoensinodasdisciplinasdeHistória e de Direito Constitucional sejam convidados a elaborar um projetoadequado a cada etapa do ensino, necessariamente incluindo o estudo das naçõesindígenas.4 – Propor aos ministros do Exército, Marinha e Aeronáutica que insiram noscurrículos de formação de seus recrutas o ensino de Direitos Humanos e HistóriaPolíticadoBrasil.Proporomesmoemseuscursosdeformaçãodeoficiais.5–ProporacriaçãodeumcursodeDireitosHumanoseHistóriaPolíticadoBrasilna Escola do Parlamento daCâmaraMunicipal de São Paulo, que pode vir a ser omodeloparaadisciplinaàsdemaisinstituiçõesdeensinosuperior.6 – Que todas as universidades de São Paulo, públicas e privadas, em atividadedesde 1962 e durante os anos de ditadura (1964–1985), criem suas própriascomissões da verdade, num esforço conjunto para cobrir ao máximo osacontecimentosdaqueleperíodo.7 – Homenagear, como proposto pela CMVVH em sua primeira legislatura, osadvogadosquedefenderampresospolíticosemSãoPaulo,comaMedalhaAnchietaou o título de Cidadão Paulistano. Sugerir à OAB reconhecimento e homenagemsemelhantes.8 – O Sr. Carlos Eduardo Magalhães, da Comissão Justiça e Paz de São Paulo,propõe a publicaçãodosnomesdemédicos e profissionais da saúdeque auxiliaramtorturadores a arrancar informações dos presos. Igualmente, dos médicos e

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intermediáriosquecomercializaramórgãosdeindigentes.9 – Prosseguir no debate em curso acerca da troca dos nomes de vias eequipamentos públicos que homenageiam autoridades do período militar, comopresidentesdaRepública,generais,policiais,políticoseempresáriosquecolaboraramcomaditadura.10–Sugere-seàPrefeituradeSãoPauloaelaboraçãodeumprotocoloqueobriguea identificação de todas as pessoas sepultadas em São Paulo, portando ou nãodocumentos.Equesomentecomordemjudicialsejapermitidaacremaçãodepessoasfalecidassemdocumentos.11–Sugere-sequesejaconstruídoummemorialemhomenagemaosmoradoresderuasepultadoscomoindigentesnoCemitérioDomBosco.Aconstruçãoseinserenaproposta da vereadora Tereza Lajolo de criar a memória geográfica da cidade, noslocaisderesistênciaetortura.12–Sugere-seàSecretariadeDireitosHumanosdaPresidênciadaRepúblicaumpedido oficial de desculpas à família damadreMadreMaurina Borges Silveira e àOrdemdeSãoFranciscoemRibeirãoPreto,àqualpertencia.MadreMaurinadirigiaum orfanato demeninas. Presa por ter cedido espaço para jovens se reunirem, foitorturadaesofreuvexames.AsugestãoédobispoDomAngélicoSerafimBernardino.13 – Prosseguir na penosa discussão, à luz da Lei da Anistia, sobre aresponsabilidadecriminaldosagentesqueprenderampessoasilegalmente,duranteaditadura, para a prática de torturas e assassinatos, com frequência ocultando oudesfazendooscorposdevítimas.14 – Sugere-se o estudo sobre a desvinculaçãodo IML da Secretaria da SegurançaPública. A mesma sugestão consta das propostas da CMVVH em sua primeiralegislatura,comarecomendaçãodequesejatransferidoparaaSecretariadaSaúde.15–Sugere-sequesecruzemosdadosdedesaparecidoscomosdeindigentes.16–Sugere-sequeoServiçoFuneráriodoMunicípioprossiganasistematizaçãodeseusdados.17 –Reitera-se ao governador de São Paulo providências que impeçam eventuaisabusos e irregularidades na manipulação de tecidos e órgãos em restos mortais depessoastidascomodesconhecidas.18–Reitera-seaogovernadordeSãoPauloasolicitaçãofeitapormeiodoOfícionº5252013,de23desetembrode2013,paraquese instaleummemorialaospresosedesaparecidos políticos no endereço dos antigos OBAN e DOI-CODI, na rua Tutoia,distrito deVilaMariana.O pedido original é do Sr.Antonio Funari, presidente daComissãoJustiçaePazdeSãoPaulo.19–Requer-senovamentequeopolicialDirceuGravina,delegadoemPresidente

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Prudente(SP),sejaafastadodeseucargoedequalquerfunçãopolicial,pelaextremacrueldadedesuaatividadecomotorturadornoDOI-CODI.20–Sugere-se,reiterandoarecomendaçãodaCMVVHemsuaprimeiralegislatura,que seja colocada placa na área do presídio do Hipódromo, alertando que serviutambémparaencarcerarresistentespolíticos.21 – Igualmente seguindo recomendação da CMVVH em sua primeira legislatura,solicitarqueseretiremdasfichasdeantecedentespoliciaisdeex-prisioneirospolíticosasimputaçõesdotempodaditaduramilitar.22–Sugere-sequesefaçaumasessãopararelembrarosdiscursoseopapelnefastodospolíticosJoséMariaMarin,VadihHeloueJoãoLázarodeAlmeidaPrado.Quesepublique uma crítica pública ao papel que desempenharam, de cumplicidade namortedeVladimirHerzogedeescárnioaosdireitoshumanos.23 –Reitera-se a solicitação para que seja construídoummemorial ao presidenteJuscelino Kubitschek no local de seu acidente, na curva do quilômetro 165 daViaDutra,municípiodeEngenheiroPassos,ondesofreuoatentadoqueomatoueaoseumotorista Geraldo Ribeiro. A solicitação foi dirigida ao presidente da CâmaraMunicipaldeResendepormeiodoOfício5363/2013–26ºGV,em6denovembrode2013.Pedirprovidênciasnesse sentido também juntoàPolíciaRodoviáriaFederaleaoMinistériodaJustiça.24–Reitera-seaopresidentedaCâmaraMunicipaldeResendeopedidoparaquesereformeetombeaantigaestaçãodetremdeEngenheiroPassos,emResende(RJ),efetuadopormeiodoOfício5364/2013–26ºGV,em6denovembrode2013.25–Sugere-seo reconhecimentooficialdequeopresidente JuscelinoKubitscheknãomorreuemacidentedetrânsitonaviagemdeSãoPauloaoRiodeJaneiro,masfoivítimadeatentado.

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ANEXOSOtrabalhonosbastidores

O presente anexo, estreitamente ligado ao relatório da Comissão Municipal daVerdade Vladimir Herzog, procura dar uma visão geral dos procedimentosnecessários até que se chegue ao substancial: os depoimentos, a história vivida, àsvezesescamoteada.Reportam-seaquiasreuniõesiniciais,documentossignificativoseatémençõesburocráticas.Semelhante às demais Comissões da Verdade em Casas Legislativas, associações,universidades e sindicatos, a Comissão Municipal da Verdade Vladimir Herzogprosseguiunocaminhoiniciadoem2012.Aoparticipardoesforçoporreestabeleceraverdade sobre as afrontas aos direitos humanos nos anos da ditadura militar,dedicou-seacontribuirparaodesenhodoquebra-cabeçasdecrimesperpetradosnoâmbitomunicipalouapartirdeles.OprimeiropassoconsistiuemoficiaraopresidentedaCâmaraMunicipal,vereadorJoséAméricoAscênsioDias,solicitandoacontinuidadedaComissãodaVerdade,em2013.

Ainstalação(resumo)ComissãodaVerdadedaCMSPPresidente:NataliniTipodaReunião:InstalaçãoLocal:CâmaraMunicipaldeSãoPauloData:26deMarçode2013OSr.Presidente (GilbertoNatalini)–Boa tarde a todos. Com a presença dosvereadoresJoséPoliceNeto,RicardoYoung,MarioCovasNetoeLaércioBenko,naqualidade de presidente, declaro aberta a reunião de instalação da Comissão daVerdade do Município de São Paulo, de acordo com os termos do artigo 43 doRegimentoInterno.A reunião está sendo transmitida pela internet, no portal da Câmarawww.camara.sp.gov.br, linkAuditórios On-Line. Pelo regimento interno, assumo apresidênciadostrabalhosporserovereadormaisvelhoentreosmembros.HáalgumvereadorquesecandidataàpresidênciadestaComissãodaVerdade?OSr.JoséPoliceNeto–OtempodoamadurecimentodaComissãodeVerdadeparaoanode2013nãodeixaoutraindicaçãoanãoserasua.Então,édesejoamplodaCasaqueaceiteodesafiodepresidi-laem2013.

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OSr.Presidente (GilbertoNatalini)–Obrigado.A vereadora JulianaCardosoestáacaminho.Seráqueelasecandidataàpresidência?Comofazemos?OSr.LaércioBenko – Creio que podemos prosseguir, e já quero registrarmeuvotonaesteiradasugestãodovereadorPoliceNeto.OSr.MarioCovasNeto–Apenasparalembrarque,naFrenteParlamentarpelaSustentabilidade,fizemosaeleiçãoinclusivenaausênciademembrosdareunião.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Senãohouverninguémcontrário,vamosproceder à eleição. O vereador Police indicoumeu nome para a presidência. Fiz oProjetodeResoluçãorecriandoaComissãodaVerdadenaCâmaraesteanoporquefoideliberaçãodaComissãodaVerdadedoanopassado,daqualfuivice-presidente.O projeto foi aprovado por 54 votos a favor e um voto contra. Como votam osvereadores?OsvereadorespresentesvotamemGilbertoNatalini.O Sr. José Police Neto – Presidente, em consulta à equipe de assessoria davereadoraJuliana,quemuitonosauxiliounostrabalhosdacomissãonoanopassado,sobre o desejo da vereadora de assumir a Vice-Presidência, submeto o nome àvotação.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Sábiadecisão.Podemosprosseguirouhámaisalgumaindicaçãoàvice-presidência?Comovotamosvereadores?Osvereadoressãofavoráveis.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Eleitospresidenteevice-presidente,cabe-noselegerorelator.OSr.JoséPoliceNeto–Presidente, achoquea comissão temoportunidadedeelegerumafiguraquecarreganavidaonomedeumhomemque,semdeixarumdiao território nacional, conseguiu enfrentar, demaneira responsável e democrática, operíododeexceção.IndicoovereadorMarioCovasNetoparaarelatoria,oquenostrará força. Teremos parlamentares dedicados, de capacidade intelectual, comcontribuição–oque,semsempre,aCasareúne.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Maisalguma indicação?ComovotamosvereadoresparaaindicaçãodovereadorMarioCovasNetoarelator?Osvereadoresvotamafavor.MarioCovasNetoagradeceaindicação.O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – Estão eleitos os vereadores JulianaCardoso,vice-presidente;MarioCovasNeto,relator;eNatalini,presidente.Passemosa discutir a forma de trabalho que adotaremos. Recebi há pouco uma ligaçãoimportante, do Paulo Sérgio Pinheiro, coordenador da Comissão Nacional daVerdade. Disse que não pôde vir, mas está à disposição. Deseja trabalhar junto,reunir-seemconjuntocomaComissãoEstadualdaVerdadeRubensPaiva,presidida

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pelodeputadoAdrianoDiogo,para aperfeiçoarmosos trabalhos,dividir as tarefas ecadaumfazeroqueépossível.Questão a resolver: o dia das reuniões, a frequência, o horário e ummínimo depautaparadarmosandamentoaoiniciadonoanopassado.Peçoàassessoriaquenospassede formadigitalorelatóriodoanopassado.Precisamos tambémcontarcomoapoio de várias pessoas. Vejo aqui o Ivan, a Amelinha, o Nemércio do InstitutoVladimirHerzog. Está aqui o Elci daComissão Estadual daVerdade, que nos darárespaldo. Bem-vindos. E há outras pessoas que não puderam estar aqui, mascontamoscomoseuapoio.Consulto-oseàvereadoraJulianaCardoso,quechegou,sobre a regularidade das reuniões. Ano passado eram quinzenais. Suspendo poralgunsinstantesareuniãoparaacertarmosaagenda.Intervalo.Ostrabalhossãoreabertos.OSr.Presidente (GilbertoNatalini)– Por consenso nos reuniremos às terças-feiras, às 11h, de 15 em 15 dias. (Pausa) A Comissão da Verdade da CâmaraMunicipaldeSãoPaulotrabalharáenquantoduraraComissãoNacionaldaVerdade.Nãoseextinguiránofinaldoano.SeaComissãoNacionalentrarpeloanoquevem,anossaprosseguirá,talvezcomoutrosvereadores.Veremos.Há dois inscritos: o Sr.NemércioNogueira, do InstitutoVladimirHerzog; e o Sr.Ivan Seixas, do Fórum dos ex-Presos Políticos e da Comissão da Verdade daAssembleiaEstadual.PeçoàassessoriaqueoficiemosaodeputadoAdrianoDiogo,etambém à Comissão Nacional da Verdade, para informar sobre o nosso trabalho.Depois veremos a quais outras instâncias informaremos. Tem a palavra, vereadorRubensCalvo.O Sr. Rubens Calvo – Será uma intervenção rápida. A Comissão Nacional daVerdadeestárealizandoumatoconjuntocomaAssembleiaLegislativa.Gostariaqueosenhorverificasseeatrouxesseparaestacomissão,paraparticiparmostodosjuntos.OSr.NemércioNogueira–PresidenteGilbertoNatalini, vereadores, senhorasesenhores,agradeçoaoportunidadedefazerumcomunicadosobreainiciativaVladoProteçãoaosJornalistas,doInstitutoVladimirHerzog.Queremosajudarafortaleceravozdoconjuntodeentidadesquejátrabalhamnessadireção.Éimportanteporqueemmeadosdemarço já temos três jornalistasassassinadosemdiferentes lugaresdoBrasil. Somos a democracia quemaismata jornalistas. Seria um serviçode interessepúblico unir várias organizações para fortalecer a voz do conjunto. Já participam aAbraji–AssociaçãoBrasileiradeJornalismoInvestigativo–,oComitêdeProteçãoaosJornalistas, de Nova York, entidade internacional que monitora a violência contrajornalistas no mundo inteiro; a Conectas, ONG de São Paulo; o Instituto PalavraAberta, entidade que trabalha em favor da liberdade de expressão, o InstitutoVladimir Herzog; a Internacional New Safety Institute e o Centro Knight para

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Jornalismo nas Américas, nos EUA; Repórteres Sem Fronteiras, da França. Essasorganizações internacionais têm representação no Brasil: o escritório de advocaciaRodriguesBarbosa,MacDowelldeFigueiredoGasparianAdvogados eoCentrodeInformações da ONU no Brasil. Estamos conversando com outras. Queremos nosrelacionar com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e aFENAJ,oSindicatodosJornalistasdeSãoPaulo,parafortalecerogrupo.Temos um lema, a segurança do jornalista é a segurança de todos nós. Significadireito da sociedade à informação, que só funciona por meio da liberdade deexpressão.Presidente,nossapreocupação fundamental éodireitoda sociedade,doscidadãosderecebereminformaçãoindependente,enãoprivilegiarapenasjornalistas.Obrigado.OSr.Presidente (GilbertoNatalini)–Peço ao senhor quenos encaminheumofício, informando-nos sobre a formaçãodesse trabalho, e comopodemos ajudá-losdeformaefetiva,porqueestamosdispostosaisso.AnuncioonomedosassessoresdaComissão:AlfredodeCamposAdornoeHelenaGrotkowsky. Passo a palavra ao Ivan, que representa a Comissão da Verdade daAssembleiaLegislativadeSãoPaulo.OSr.IvanSeixas–Boatardeatodos.SoucoordenadordaAssessoriadaComissãoEstadual da Verdade Rubens Paiva e trago uma saudação do presidente, AdrianoDiogo. Em todos os cantos devemos ter uma comissão da verdade. A repressão foimuito extensa. Precisamos de comissões municipais, setoriais, em sindicatos,universidades. No Estado de São Paulo existe comissão em Bauru, amanhã seráinstalada em Santos. Com todas, e também com a Comissão Nacional, temos umtermodecooperação.NocasodacidadedeSãoPaulovocêstêmumfocoimportante,daPrefeituracomoórgãocomplementardarepressão,especificamenteoServiçoFunerário,utilizadoparaocultação dos assassinados em tortura. A vala de Perus é o quemais aparece; poissaiba-se que o cemitério de Vila Formosa tem vala com o dobro do tamanho.Tentamos escavá-la,mas o estado émuito precário. É preciso ter olhos para isso, odesrespeito ao cidadão. São vítimas do esquadrão da morte, das epidemias – acensura vetou noticiar as mortes por meningite no ano de 1973, três mil em SãoPaulo.Semfalardasvítimasdodesabrigo,dafome.O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – Tem a palavra o Sr. Lucas Giannini,membrodaComissãodaVerdadedaFaculdadedeDireito doLargo SãoFrancisco(USP).OSr.LucasGianini –Boa tarde a todos.Venhodizer que estamos abertos paratrabalhar.Paraefetivarademocraciaprecisamosconfrontaropassadodebarbárie.Osdireitos humanos e a dignidade humana devem ser bases inegociáveis. O controle

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social com a justificativa de que há um inimigo da sociedade é altamentequestionável,inclusivenaAcademia.OSr. IvanSeixas – Ontem a Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva, daAssembleia Legislativa, reuniu-se com a Comissão Nacional em torno de um temaque é gênero e repressão: as violências cometidas pela ditadura contra asmulheres.Tivemos a presença de Paulo Sérgio Pinheiro, Rosa Cardoso,Maria Rita Kehl e daministra Eleonora Menicucci. Algumas audiências nossas são temáticas. Podemosfazerumtermodecooperaçãoerealizaresseseventosemconjunto.Emmaiofaremosuma audiência pública sobre violência contra crianças. Sem esforço reúnem-se 50casosdecriançasagredidas,torturadas,violentadas.OSr.Presidente (GilbertoNatalini)– Fizemos as eleições, marcamos o nossocalendário,discutimosalgumasquestõesprementes.Apróximareuniãoseránodia9de abril, às 11h. Até lá vamos conversando. Os ofícios que pedi, por favor, nosajudemaredigir.Nãohavendomaisatratar,declaroencerradososnossostrabalhos.Muitoobrigadoatodos.

CaminhosepropostasA troca de ideias com representantes das Comissões da Verdade enriqueceu oplanejamentodostrabalhosdaComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzog.Aprimeira,desugestõeserelatosdeexperiências,ocorreunodia9deabrilde2013naCâmaraMunicipaldeSãoPaulo.Presidente:NataliniTipodaReunião:OrdináriaLocal:CâmaraMunicipaldeSãoPauloData:09/04/2013(resumo)OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Bomdia,senhorasesenhores.Naformaregimental, com a presença dos vereadores Gilberto Natalini, que preside estareunião; Juliana Cardoso, vice-presidente; Mario Covas Neto, relator; e LaércioBenko.Háquórumpara iniciaros trabalhos. Informoqueos vereadores JoséPoliceNeto,RubensCalvoeRicardoYoungestãoacaminho.Hoje há umapauta relativamente grande.Comunico a presença do vereador JoséPolice Neto. Para esta reunião convidamos a Comissão Nacional da Verdade e aComissãoEstadual daVerdadeRubens Paiva. Está conosco o Sr.Anivaldo Padilha,representando o coordenador da Comissão Nacional da Verdade, Sr. Paulo SérgioPinheiro.Sejamuitobem-vindo.Agradeçoasuapresença.TambémviráopresidentedaComissãoEstadualdaVerdade,deputadoAdrianoDiogo.(São lidos os seguintes requerimentos do vereador Natalini: convite ao coronel

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CarlosAlbertoBrilhanteUstra;aoSr.AntonioDelfimNetto;aoSr.CláudioGuerra;aprovaçãodevisitatécnicaàsinstalaçõesdosantigosDOI-CODIedoantigoDOPS.ÉlidoorequerimentodovereadorLaércioBenko.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Esclareçoaosparesqueosrequerimentossãoremanescentesdapautadoanopassado.Nãohouvetempo.Acomissãoconvidoualgumas pessoas mas não tem o poder de convocação, trazer a pessoacompulsoriamente para prestar esclarecimentos. O ex-presidente, vereador ÍtaloCardoso,articulouconoscoecomaComissãoNacionaldaVerdadeumconvênio–otexto está aqui em mãos e assinamos – para que convocasse algumas pessoasimportantes,poisaCNVtempoderdeconvocação.Estaríamospresentesnessasoitivas.Oconvênioexpirouemdezembrocomofimdanossacomissão.Emconversacomocoordenador Paulo Sérgio Pinheiro propusemos refazer o convênio. A CNVmanifestou-sefavoravelmenteaintimarocoronelCarlosAlbertoUstra,comandantedoDOI-CODIdeSãoPaulo,entreoutros.Participaremosdessasaudiências.Está aqui o texto do novo convênio, que depois submeteremos à apreciação deV.Exas. Ponho em votação os requerimentos para passarmos à nova fase da pauta.Podemosfazeravotaçãoembloco?Nãohavendoobjeção,passemosàaprovação.Osvereadoresfavoráveisàaprovaçãopermaneçamcomoestão.(Pausa)Aprovado.Passo à segunda fase. Submeto aos vereadores a proposta reelaborada ereestruturada pela nossa assessoria jurídica e pela Procuradoria da Câmara,juntamente com a assessoria jurídica daCNV. No papel que nos foi entregue aindaconsta o nome da comissão antiga, porque nos enviaram de Brasília, mas deve serassinadopelossenhoresvereadoresquecompõemanovacomissão.Passareiapalavraao Sr. Anivaldo Padilha para a sua intervenção; agradeço, mais uma vez, suapresença.OSr.AnivaldoPadilha–Obrigado,vereadorNatalini.Éumprazerestaraqui.OprofessorPauloSérgioPinheiro,coordenadordaComissãoNacionaldaVerdade,nãopôdeviraSãoPaulo.PediuqueorepresentasseetambémàCNV.FicamossatisfeitoscomareconstituiçãodaComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzog.Algumaspessoas perguntam por que uma comissão da Câmara Municipal? Por que umaComissãoEstadual, sendoque jáháumaComissãoNacional?A resposta émaisoumenosóbvia.Alémdoterritório imenso,que impedeumasócomissãodedarcontada investigação dos crimes praticados durante a ditadura, há uma questão políticaimportante: quanto mais a gente pesquisa aquele período, mais percebemos que aditaduramilitarconseguiuestabelecerseustentáculosemtodooterritórionacionaleemtodasasinstituiçõesbrasileiras.Portanto, faz-se necessário incentivar a criação de mais comissões. Quanto maishouver e que colaborem entre si, melhor para darmos conta da grande tarefa de

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desvendar o que aconteceu. Resgata-se a memória histórica, compreende-se opresente e, principalmente, construímos um futuro diferente, que impeça aqueleperíododeretornar.AComissãodaCâmaratemgrandeimportânciaporqueàsvezesnosesquecemosdequeestemunicípiodeSãoPauloabrigou,talvez,oprincipalcentrodetorturadopaís,oDOI-CODI. Estivepreso em1970noDOI-CODI.Torturado. Somandoosperíodos emquefuievoltei,durantemaisoumenos35dias.Aquiestãopresentesoutrosquealiforam torturados. Temos de pensar no papel da administração municipal daqueleperíodo,deque formacolaboroue foiconivente.Temosdepensarqueacercade1kmdaqui está o lugar da conivência do poder judiciário com a ditadura: o edifícioondefuncionavama1ªe2ªAuditoriasMilitares.A Comissão Nacional da Verdade tem o interesse e o compromisso de colaborarcom esta comissão de várias formas, entre elas intercambiar informações, convocarpessoasparaprestardepoimento.Esperamosqueoconvêniofortaleçaasrelaçõesquese iniciaram no ano passado; que caminhemos no sentido de combinar oitivas ediligências conjuntas, a fortalecer esse momento importantíssimo, que é o dedesvendaraverdadedoquesepassounoBrasil.Que essa iniciativa daCâmaraMunicipal de São Paulo sirva de exemplo e leve àformaçãodeoutrascomissõesmunicipais,emSãoPauloeemoutrosestados.Comoeudisse,nenhumacomissãosozinhadarácontade levantar todososdadosdaqueleperíodo. Somente a colaboração entrenós.Agradeçopela acolhida.Paramiméumprazer e uma honra estar aqui - permitam-me dizer - ao lado de um vereador queconheçodeoutrostempos.Muitoobrigadoatodosvocês.O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – Nós é que agradecemos. Sem pedirautorização, contoqueoAnivaldo épai doministroda Saúde, oPadilha.Perguntoaos senhores vereadores se alguém quer falar. Tem a palavra a vereadora JulianaCardoso.A Sra. Vice-Presidente (Juliana Cardoso) – Obrigada, Sr. Presidente.ParabenizoavindadosenhorcomointuitodecontribuircomaComissãoMunicipaldaVerdade, na buscade informações, nesta cidadeque foi, comodisse, um centronotóriodetortura.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Algumasinformações.Temosaquiumex-presidente desta Casa, José Police Neto. Aprovamos a oitiva ao Brilhante Ustra.Vamosmandaroconvite,agoradecomumacordocomaComissãoNacional,quevaiconvocá-lo.Vamos pedir para que estejamos presentes.Gostariamuito de olhar norosto daquele senhor e conversar com ele. Eu já disse, ele desmentiu, disse que eumentia. Mas ele me torturou pessoalmente. Eu gostaria de vê-lo, não paraachincalhar,mascolocá-lonoseudevidolugarnahistóriadopaís.

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Quanto ao Cláudio Guerra, escreveu um livro polêmico. Ao ler o livro, sentiverdades do que sabia e vivi. Tentaram desqualificar o livro, porém ouvi iguaisinformações dentro da prisão. Muita coisa escrita ali aconteceu. O vereador ÍtaloCardoso já fez tratativas no Espírito Santo, onde Guerra mora. Ele não viaja, nãoaparececommedodesermorto.Fizemosumcontatocomele.Dispõe-seaconversarpessoalmente,comgravaçãoepublicidade.EmcertoendereçonoEspíritoSanto.Oadvogadonosrecebeenoslevaaté ele. Precisa ser de forma reservada, mas não em sigilo. Pergunto aos senhoresvereadoressepodemosdarcontinuidade,discretamente.Seacharemquesim,quempuder ir, custos pagos do próprio bolso. Não pediremos à Câmara Municipal parapagar.Oqueacham?O Sr. José Police Neto – A intervenção que a Comissão Municipal fará noEspíritoSanto,jávaiàluzdoimportanteacompanhamentodascomissõesEstadualeNacional?OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Sim.ChegouodeputadoAdrianoDiogo,presidente da Comissão Estadual da Verdade. Sente-se conosco, por favor.RespondendoàperguntadovereadorJoséPoliceNeto,odeputadoeorepresentanteda Comissão Nacional da Verdade estão aqui para que possamos trabalhar aomáximo em conjunto. Também lhes pediríamos que fizéssemos uma pauta deperguntas comuns, na medida do possível. Essa é a proposta. Deputado Adriano,aprovamos requerimentos, o Sr. Anivaldo Padilha falou em nome da ComissãoNacionaleagoraestamosdiscutindoumaoitivacomoCláudioGuerra,propostaanopassadopelaComissãodaVerdade. IremosaoEspíritoSantoouvi-lo.Éumarquivovivo.Então,sehouverconcordânciadetodos,confirmamosadatamarcadaporeles:dia22destemês,noEspíritoSanto.Senãopuder ir,designeumrepresentanteparaessaaudição.OSr.AdrianoDiogo – Peço desculpas pelo atraso. Cumprimento a todos. AchoimportantíssimaestaretomadadostrabalhoscomapresençadonossoíconeAnivaldoPadilha, a Juliana, o Police, o Covas, o Benko e os demais participantes. Achoimportantíssimotrabalharmosjuntos.Vivaademocracia!OSr.Presidente (GilbertoNatalini)–Muito bem. Está decidida, na presençadosdoisdirigentesdasoutrascomissões,aidaaoEspíritoSanto,nodia22destemês,para o oitiva do Claudio Guerra? (Pausa) Não havendo ninguém contrário,aprovamos a ida.Outro itemnapauta é apropostademudançadenomedapraçaVila Providência, que fica atrás da Câmara dos Vereadores, para Praça VladimirHerzog.OSr.JoséPoliceNeto–Oobjetivodahomenagem,propostanaminhagestão,debatidanaComissãodaVerdade, noColégio de Líderes e naMesa daCâmara, é

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perpetuar a figura daqueles que, como o Vlado, nos deixaram. A Comissão daVerdade e os demais vereadores que assinaram coautoria assumiram a proposta. Jápassouemprimeiravotação,estamosemviasdeaprová-laemsegunda.OSr. Presidente (Gilberto Natalini) – Já conversamos com o presidente JoséAmérico.Elenosdissequevaicolocaroprojetoemsegundavotaçãoequejátomouiniciativaspráticasparaareformadapraça,cuja licitaçãoestaráprontadentrode60dias.Depoisdareformaprevemosa instalaçãodeummemorialcomtrêspainéisdoartista plástico Elifas Andreato sobre Vladimir Herzog. A palavra está aberta paracomentáriossobreessainiciativa.(Pausa)O Sr. Adriano Diogo – A iniciativa é louvável e importante. Igualmente, acerimônianaUSPderetificaçãodoatestadodeóbitodoVlado,quepassoudesuicídioparamorteemdecorrênciadelesõesemaustratossofridosduranteinterrogatórioemdependênciado2ºExército–oDOI-CODI.Seria significativo,deoutro lado,mudaronomedoViadutoCostaeSilva.Parece-meatéque jáexisteumprojetodovereadorNabil Bonduki com esse teor. Há registro de nomes como Filinto Müller, SérgioParanhosFleuryeHenningAlbertBoilesennacidadedeSãoPaulo.Mesmoquenãohajamudançaémeritórioquehajaolevantamento.

ListãodenomesElisabeteMinaki(foto),daEquipedeDocumentaçãodoLegislativoSGP3,projetoueleuàCMVVHalistagemderuas,logradouroseescolasquehomenageiampessoasligadasàditaduramilitar.Otrabalho mobilizou 15 funcionários durante uma parte do dia, por cinco meses. Foram 9 500pesquisas, ao menos oito para cada nome. O resultado encontra-se à disposição na Base deDados “Verdad”, desenvolvida por SGP31 especialmente para esta pesquisa. Nela é possívelpesquisarnocadastrodetorturadores,consultandopornome,partedosnomes,apelidos,nomesalternativos,informaçõescontidasnasnotasenasobservações,datas,cargoseprofissões,nomedoslogradourosidentificados,títulosemedalhasconcedidos.

Alémdessasquestõessignificativas,quechamamosdesítiosdememória,oGovernoFederalcederáàOAB oprédioda antigaAuditoriaMilitarpara a construçãodeummemorial de resistência destinado a advogados que resistiram à ditadura. O Dr.BelizárioeoDr.LuizEduardoGreenhalghestãocoordenandoumacomissãodaOAB,juntamente com oDr.Mario SérgioDuarte Garcia1, para transformar aquele lugarnummemorial.Ontem o Ivan Seixas coordenou uma visitamonitorada ao prédioOBAN/DOI CODI.Juntamente com o Condeephat (Conselho de Defesa do Patrimônio HistóricoArqueológico, Artístico e Turístico), ele traz pessoas que estiveram presas ali emdiferentesépocas,tendoemvistaoprocessodetombamentodoprédio.Existemtrêssítiossignificativosdememória:oMemorialdaResistênciadoDOPS,consolidado;odaAuditoriaeodotombamentoOBAN/DOI-CODI.OstrêsnacidadedeSãoPaulo.

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O Sr. Rogério Sottili, secretário municipal dos Direitos Humanos, está muitointeressado em aproveitar, na redemunicipal de alunos e professores, as iniciativasdasComissõesdaVerdade,amunicipaleaestadual.Foiapresentadaumapropostade cinema voltada à Comissão da Verdade, direitos humanos e memória política.SeriainteressantequeaCMVVHaprofundasseodiálogosobreessaquestão.TemosalgunsproblemasnoGovernodoEstado,atéqueremospedirumsocorro.Oprocurador-geral de Justiça do Estado, Erival Ramos da Silva, não sabe o que fazercom o Fernando SantaCruz, que trabalhava noDepartamento deÁguas e EnergiaElétrica(DAEE).OdiaemqueoFernandoSantaCruzépreso,noRio,em1974,eledesaparece.NacarteiradoDAEElê-seabandonodeempregopordesídia.Atéhoje.Éumaexcrescência.AAnaRosaKucinskicontinuanaUSPregistradaporabandonodecargo.Essas coisasnão têmcabimento.Passaram-se 50 anos.Os carasnão corrigemnem... não é o atestado de óbito, mais complicado, é o negócio do cara ter sidodesvinculadodoserviçopúblico.Para a família Santa Cruz, é importantíssimo constar que o Fernando Santa CruznãofoimandadoemboradoDAEEporabandonodecargo,porqueelemorreu,eleédesaparecido.Temleiparaisso.Oprocuradornãofaráumaatitudeclandestina,temlei. É só escrever: segundo o artigo da lei tal, a pessoa é desaparecida política.Entendeu?Não é coisa que implique grandes tramitações. Está expresso. Acho quecom a proximidade das duas comissões e a nossa influência partidária, podemosresolvermuito.Obrigado.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–OAdrianoDiogopropôsoquepodemosvotarhoje:visitadosvereadoresaoprédiodoDOI-CODIeaoDOPSparatomarcontato.Vamosmarcarodia.Convidamosvocêsparairemconoscoecaminharemosjuntos,aestadualeanacional.Enos integramosnapropostade tombamento.Osvereadoresque compõem a Comissão concordam? Aprovado. Tem a palavra, pela ordem, overeadorJoséPoliceNeto.OSr. JoséPoliceNeto – Presidente, a Comissão da Verdade do ano passadoanunciou a necessidade de produzir uma legislação clara, o rito de substituição denomesque forampatrocinados,oupatrocinadores,doperíododatortura,doestadode exceção. Na semana passada, a Câmara Municipal aprovou matéria que versasobre tal competência. Solicitoque asduas comissões encaminhemapropositura aoprefeito Haddad para que tenha acolhida e se traduza em lei. É um esforço maispolítico do que técnico. Que não fique só na vontade da Câmara Municipal, comfrequênciavetadanaanáliseburocrática.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–PeçoaosvereadoresMarioCovasNetoeJosé Police Neto que suas assessorias façam os requerimentos, para constarem dasatas. Nós votamos aqui, Adriano, uma proposta do vereador Laércio Benko, que

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convida as Secretarias de Educação do Estado e do Município para discutiremconoscoumaformadeabrirespaçonasredesdeescolaspúblicas.OSr.AdrianoDiogo – Vereador, como a CâmaraMunicipal trabalhoumuito ocasodePerus,devemos insistirnodeVilaFormosa.Abarbaridadeali estápara sercontada.OentãodiretordoserviçofunerárioestánaSecretariadeDireitosHumanos,éoRuiBarbosadeAlencar.É corretíssimoepodeassessorá-los. Sabe tudo sobre asvalas.E,claro,sabemtambémosfamiliares,oIvan,aAmelinha.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–AnuncioapresençadeIvanSeixas.Veiocom Tatiana Merlino, Thaís Barreto e Vivian Mendes, da primeira ComissãoEstadual. É uma comissão de peso. Sejam muito bem-vindos. Requeremos que acomissãofaçaastratativasnecessárias,paraqueofotógrafodacenafalsadeVladimirHerzog seja convocado a depor aqui. Alguém objeta? (Pausa) Está aprovado. Oconvênio com a CEV está pronto. Peço aos senhores vereadores que assinem, porfavor.Temapalavra,pelaordem,overeadorLaércioBenko.O Sr. Laércio Benko – Presidente, enquanto são assinados os documentos,requeiro que sejam convidadas três pessoas para retratar a perseguição sofrida pelaumbandaeocandomblé.SãoopresidentedaentidadeSuperiorÓrgãodeUmbandadoEstadodeSãoPaulo;oPaiRonaldoLinhares,fundadordoSantuáriodaUmbandaemSãoPaulo;eopresidentedoMovimentoPolíticoUmbandista.OSr.Presidente (GilbertoNatalini)– Perfeitamente, vamos votar. Presente overeador Calvo, do PMDB e membro desta comissão, médico, meu discípulo namedicina. Brincadeira, nobre vereador. Coloco em votação, mas peço elaborar orequerimentoporescrito,porfavor.Aliás,naCNV,oAnivaldoPadilhaéoresponsávelpelaaçãodasigrejasnaépocadaditadura.Tantoasaçõesderesistência,quantoasdecertacolaboraçãoemalgunslocais.SobreorequerimentodovereadorLaércioBenko,osvereadoresfavoráveispermaneçamcomoestão.(Pausa).Aprovado.Temmuitacoisapráticaafazer.IremosaoEspíritoSantonoprimeirovooquetiver,demanhã, dia 22.Quempuder ir, por favor.Acho importante a presença tambémdosrepresentantesdasoutrascomissões.Informoqueaviagemseráfeitaàscustasdecada viajante.Vamos e voltamosnomesmodia.Pergunto aospresentes sedesejamfalarmaisalgumacoisa. (Pausa).Diantedoprofundosilêncio,meumuitoobrigado.Estãoencerradososnossostrabalhos.

EncontrodascomissõesdaverdadePresidente:NataliniTipodaReunião:OrdináriaLocal:CâmaraMunicipaldeSãoPauloData:09deSetembrode2013(resumo)

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A importância de se conhecerem, com o objetivo de trabalhar em cooperaçãoquando necessário, levou ao encontro de várias Comissões daVerdade. A ideia decontribuirparaumgrandepainelhistóricoapartirdosquepessoalmentesofreramosmalefíciosdaditadurareuniu-osnodia9desetembrode2013.Subjacente,odesejodemanterascomissõescomoalgoperene:nãointerromperostrabalhosdebusca.Emdocumentos, pesquisas, relatos, confidências, declarações, reconhecimento deresponsabilidade.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Bomdiaatodos.Vamosiniciarareunião.Para compor a Mesa chamo o Dr. José Carlos Dias, da Comissão Nacional daVerdade; o deputado estadualAdrianoDiogo, daComissãoEstadual; oDr.DalmoDalari,daComissãodaVerdadedaUSP;asra.RosalinaSantaCruz,daComissãodaVerdadedaPUC;oSr.RogérioSottili,SecretáriodeDireitosHumanosdoMunicípiodeSãoPaulo;WalterForsterJúnior,daComissãodeJustiçaePaz;aprofessoraAnaNemi, da Comissão da Verdade da Unifesp; o Sr. Diego Pegorario, da Escola deSociologiaePolíticadaUSP;asra.SolangedeSouza,daUNESP;aSra.MariaRitaKehl,daComissãoNacional daVerdade.Agradeço às senhores e aos senhores, porque éumahonratê-losconosco.Estareuniãoédetrabalho.Nossoobjetivocentralénosconhecermos,trocarideiaseopiniões,saberquaisaslinhasdetrabalhodecadaum,oquehádecomumeoqueprecisamosconstruir.Proponhoaseguintedinâmica:passamosapalavraaoDr. JoséCarlosDias,paraumapanhadogeral,síntesedostrabalhosdaCNV.Depoisabriremosa palavra para conhecermos o estágio de trabalho de cada um e qual a pauta dorelacionamento entre nós. Podemos tirar daqui uma série de diretrizes paracontinuarmos a cumprironossopapel.Agradecemos apresençada imprensa: aTVCâmaraSãoPaulo,aEmpresaBrasileiradeComunicação,oJornalOValoreoJornalOGlobo.ODr. José Carlos Dias – Vereador, Dr. Gilberto Natalini, minhas senhoras esenhores, companheiros, aceitei, claro,oconviteporqueconsideroqueé reuniãodeimportância.Uma das realizações daComissãoNacional daVerdade é incentivar aproliferaçãodessascomissões.CadanúcleoqueapresentaumtrabalhoefetivoparaadescobertadaverdadetrabalhaemconjuntocomaComissãoNacionaldaVerdade.SeoprazodevalidadedaCNVforprorrogado,orelatórioconteráaparticipaçãodotrabalho de todas as comissões. A CNV está assoberbada de tarefas. Tentamos nosdesincumbir delas da melhor maneira, mas não seria possível sem contar com aparticipaçãodascomissõesestaduais,municipaiseaquelasquerepresentamentidadesoucorporações.Oimportanteéqueasementeficaequeasoutrascomissõespoderãocontinuar trabalhando. Realizaremos no dia 30 deste mês uma reunião com ascomissões estaduais emunicipais.Definiremos amaneira de entrosar o trabalho de

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elaboraçãodorelatórioeasrecomendaçõesfinaisdaComissãoNacionaldaVerdade.Acho extremamente importante que as outras comissões – a não ser aquelas quetenham imposição legal e no sentido contrário – continuem a trabalhar, a partir dorelatório final e das recomendações que a CNV fará. Podemos dar todo o apoio eentrosamento. A comissão nacional tem a possibilidade de convocar pessoas paraprestar depoimento. Corresponde à obrigatoriedade do comparecimento da pessoaconvocada.Estive, recentemente, com o diretor-geral da Polícia Federal. Temos o seu apoioparaaintimaçãoeaconduçãocoercitivaseoconvocadoserecusaracomparecer.Esseé um dado importante. Duas pessoas convidadas a prestar depoimento nãocompareceramaqui.Iremosconvocá-las.Tenhoaimpressãodequeonossotrabalhoeentrosamentojáexistem.Portanto,estouaquiparaouvi-los.

AtestadosdeóbitodedesaparecidosO Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – Com a palavra o deputado estadualAdriano Diogo, presidente da Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva.Agradeçoasuapresençaeaparceriaprofícua.OSr.AdrianoDiogo–CarovereadorGilbertoNatalini,cumprimentoaComissãoMunicipalWladimirHerzogportomarainiciativadefazerestareuniãounificada.NaComissão Estadual estamos trabalhando em duas questões que, no Estado de SãoPaulo,sãomuitocomplicadas:adoslogradouros–queaquinoMunicípiojáavançoubastante, inclusive com a mudança da Rua Fleury lá na Lapa e a possibilidade dereexamedonomedoslogradouros.HaviaumainiciativadodeputadoMiltonFlávio,muitoclara,quaseemfasedeaprovação:nenhumlogradouronoEstadodeSãoPaulopoderiaternomeligadoàrepressãoeàtortura.Qualnãofoianossasurpresaquandooutro deputado domesmo partido, oCauêMacris, apresentou novo projeto de lei,criandoquaseumaclausulapétrea:“nenhumlogradouroestadualpoderia,apartirdaaprovaçãodanova lei,modificar o nome, de formanenhuma”.Oprojeto de lei deMiltonFlávio,queestavaparaseraprovado,foiarquivado.Para rever essa legislação existe uma Comissão Estadual de Denominação deLogradouros, muito conservadora, e não só quanto a mudanças. Devemos fazergestõespolíticascomoGovernodoEstado,paradizerquenãoépossível terassuasescolas com nomes associados a torturadores ou ditadores. Existe um númeroabsurdodenomes.Essaquestãodoslogradouroséseríssima.Aoutraquestãoquetocamoséadosatestadosdeóbitodosdesaparecidospolíticos.Graças à colaboração da Defensoria Pública do Estado de São Paulo fizemos umareuniãoque,acho,definiráumnovoparadigmaemrelaçãoaosatestadosdeóbitoeacorreçãodeles.Foiumareuniãoentreoórgão,ojuizMárcioBonilha,daCapital,eas

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promotoras responsáveis pelos registros públicos de desaparecidos e mortos comatestados de óbito irregulares, assinados pelos médicos legistas da ditadura. Essa éoutra questão que avança bem. A dos logradouros está mais difícil, mas a dosatestadosdeóbitoandabem.VouexemplificarcomumcasonaUSP:aAnaRosaKucinski.OjornalistaBernardoKucinski, quase 70 anos, vai todos os dias àAssembleia Legislativa e nos pergunta:“Alguma novidade em relação à USP, à forma como a minha irmã, Ana RosaKucinski,foidemitida?”Imagine,Dr. JoséCarlosDias,anossasituação.OdiretordoInstitutodeQuímicadaUSPqueriafazerumaaçãopararecolherolivroK.dojornalistaBernardoKucinski.O livro conta a história da sua família, dos judeus poloneses. O caso da Ana RosaKucinskiconstaatéhojecomoabandonodeemprego,desídia,eodiretordoInstitutode Química ainda quer recolher o livro de Bernardo Kucinski. Já fizemos a nossapartede todasas formase esperamosque, comapresençadoDr.Dalmo, esse casoque sangra todososdias,odaAnaRosaKucinski,possa seruma simplesdemissão,nos moldes do irmão da Rosalina Santa Cruz, que ocorreu em relação ao DAEE,problema finalmente contornado. São muitos os casos na USP. E grande é adificuldadedetratarqualquerassuntoali.Paraconcluir,duasquestões.AdesmilitarizaçãodaPolíciaMilitareacontinuidadedatorturacomométododecastigooudearrancarinformação.Seriapositivodiscutirpor que existem Polícias Militares, por que elas mantêm a mesma estrutura daditadura, com seus grupos secretos de inteligência e matadores profissionais, e porque a tortura ainda é usada como método de interrogatório. Na Fundação Casa,antigaFebem,veioapúblicoqueosadolescentes–euestivelásemanapassada–sãoespancados quando acontece qualquer coisa. Na comissão estadual, vamos tentardiscutir a estrutura da PolíciaMilitar, seu nascedouro, as teses que existem sobre adesmilitarizaçãoesobreatortura.Acho que se fazem muitos esforços por todo o Brasil. Deveríamos unificá-los.Procuramos,nacomissãoestadual,nãoconfundiragendadopassadocomagendadopresente,paranãohaverdisputapolítica.Noentanto, é inequívocaadificuldade.Aquestão dos logradouros é um exemplo. Outra visão muito conservadora é a dosarquivos do Estado. O governador designou a Secretaria de Justiça como órgão deinterlocução. Nem os processos da lei estadual de reparação econômica aos presospolíticosdoEstadodeSãoPaulonóstemos.Nemessesprocessos.Entãoalgumacoisanóstemosquedizerclaramente:nãodevehaverdisputapolítica.Sócolaboração.ASra.EdirSales–Eusóqueria lembrara todos,deputado,queo livroK. relatajustamenteodesaparecimentodaAnaRosaedoWilson.Opaiembuscada filhaedo genro desaparecidos. E relata a sessão em que se decidiu demitir os dois por

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ausênciaaotrabalho.Éissoquetemdeserrevertido.Sóquerialembrarisso.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–TemapalavraoDr.DalmoDallari,querepresentaaComissãodaVerdadedaUSP.

ProfessoresparticipantesODr.DalmoDallari–Antesdetudo,agradeçooconvite.AComissãodaVerdadedaUSPjá iniciouoseu trabalhoestabelecendodiretrizes.Umaspectoqueeupróprioquisdeixarclaro:oobjetivoéverificarasviolênciasdentrodaUSPcontraprofessores,funcionáriosealunos,praticadasporgentedaUSPouquenelainterferia.Paraevitaramultiplicação de trabalhos. Por exemplo, não abordamos um caso de aluno daUSPenvolvidonoAraguaia.O Instituto de Estudos da Violência da USP já verificou em minúcias quem foivítima. Vários volumes identificam professores, alunos e funcionários que sofreramviolência.Ameuver,hádoisaspectosqueprecisamserinvestigadosedifundidos:uméconhecerosmecanismosusadosdentrodaUSPparaatingirumapessoa;outro,comosedenunciava alguémàs autoridades daditadura. Existemvárias referências a umacomissãodetrêsprofessores,umdafaculdadedeDireito,outrodaMedicinaeoutrodaPoli,queorganizavamaslistaseasentregavamaoreitorouaopróprioDOI-CODI.Jáhá referência aos nomes. É preciso aprofundar, conseguir dados objetivos parapodermosafirmarissocomtodaasegurança.Vamos agora distribuir as escolas entre os membros da comissão, cada umencarregado de aprofundar a pesquisa. Um será responsável pelo Instituto deQuímica e verificará como sedecidia, quemagia.Existempersonagensque atéhojefazemposedegrandesdemocratas,liberais,defensoresdedireitoseque,noentanto,entregavam nomes, sugeriam punições arbitrárias, denunciavam. Acho importantefazer a identificação. Evidentemente, haverá familiares que ficarão indignados,maselassósetornarãopúblicasquandotivermosdadosobjetivos.Não vejo razão alguma para poupar um nome consagrado, um nome que éapontado como um grande personagem do Direito, mas que agiu ditatorialmentecontra o Direito. Ele deve ser denunciado e conhecido. Um dos objetivos daComissão da Verdade da USP é advertir para que não pensem que permanecerãoocultos, um dia pode-se vir a saber. Não façam jogo sujo, achando que ninguémsaberá.NocasoespecíficodaUSPmencionadopeloAdrianoDiogo, já começamos aouvirpessoas de grande influência junto aos órgãos de direção; não necessariamente osdirigentesostensivos.Podeserquecheguemosatélá,maséimportante,porexemplo,ouvirochefedaProcuradoria-GeraldaUSP;atravésdelasefaziaamontagemjurídicaquecriavaumaaparênciadejustificativaparaapunição.

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Alémdisso, planejamos verificar dentro das escolas quais eramosmecanismosnacongregação,ascomissõesespeciais.Porexemplo,nocasodaAnaRosaKucinski,háumregistroematadacongregaçãoafirmandoqueocorreraabandonodocargofaziatempo. E isso quando já era público e notório que ela desaparecera. Verificaremosquemmontouodispositivoquedeuajustificativaparaapunição.EassimemrelaçãoatodasasescolasdaUSPeàprópriareitoria.Já ouvimos um depoimento muito bom nesse sentido. Outros estão marcados.Convidaremosadeporosreitoresqueocuparamareitoriaapartirde1964até1984.Nãotemosopodercoercitivo.Nossoprimeiroconvite,aumprocurador, foiaceitoeele prestou depoimento. Já marcamos outro, importante para nos contar quematuava,quempropunha,comosetomavamasdecisões.DesdelogoaComissãodaUSPficaagradecidasealguémfornecernomesouindicarcaminhos.Muitoobrigado.NãoIdentificado–Dr.Dalmo,naFaculdadedeMedicinadaUSPfunciona,alémdaestruturada Secretariada Saúde, umorganismoda Secretariade SegurançaPúblicaligado à Faculdade deMedicina, que é o InstitutoMédico Legal. Não há capítulomaisterríveldahistóriadaFaculdadedeMedicinadoqueadosatestadosfalsosdosmédicos legistas, principalmente dois: Harry Shibata e Isaac Abramovitch, os maiscruéis.HátambémaquelahistóriaqueoRobertoGouveiatãobemlevantou,quandoeradeputado, sobre a vendade glândulas hipófises para laboratórios farmacêuticos.Issonasceudessaduplaeteveoutrosdesdobramentos.Nãoforamsóeles.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–ChamoparacomporaMesao jornalistaMilton Bellintani, que vem representar a Comissão da Verdade do Sindicato dosJornalistas de São Paulo. Anuncio também Luccas Cartocci,Michel Lutaif e RenanPerlati, da Faculdade de Direito da USP. Ivan Seixas, da Comissão Estadual daVerdade.MarceloOliveira, PauloCunha,MárcioKameoka eAnivaldo Padilha, daComissãoNacionaldaVerdade.AméliaTeles,daComissãoEstadualdaVerdade,eCynthiaSarti,daComissãodaVerdadedaUNIFESP.EstápresenteaDaianeMistieri,representandoovereadorRicardoYoung,quenãopôdecomparecer.Comapalavraaprofa.AnaNemi,daComissãodaVerdadedaUNIFESP.AProfa.AnaNemi–Bomdia.Primeiro, agradeçopela iniciativa.Começamosostrabalhos agora e nossa primeira preocupação é coordenar os depoimentos com apesquisadearquivo.Àépoca,aEscolaPaulistadeMedicinaerapequena.Maseraumuniverso que se articulava com outros lugares. Temos a preocupação do professorDallari, no sentido de compreender os mecanismos internos por meio dos quais aditaduraorganizavaosseusbraços.Deoutroladotemosapreocupaçãoexterna,poisosmédicosdaEscolaparticiparamde caravanasmédicas aoAraguaia.Muitosdeles,depois, construíram o Projeto Xingu2. O desejo de coordenação que o vereadorNataliniexpôsétambémomeu.Aproveitoparamanifestá-lo.Obrigada.

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O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – Dr. Sottili, Secretário Municipal deDireitosHumanos,querepresentaaPrefeituradeSãoPaulo,porfavor.OSr.RogérioSottili –Obrigado, vereadorNatalini.Bomdia a todos. FaçoumaexplanaçãodecomofuncionaaCoordenaçãodeDireitoàMemóriaeàVerdadedaSecretaria de Direitos Humanos. Primeiro: damos apoio à identificação de restosmortais, à disposição dos familiares que lutam por essa identificação. O segundopontoéosítiodememórias,ouseja,aconstruçãodealgunsmemoriais importantesnacidadedeSãoPaulo.Outra questão são os logradouros. Sobre isso, conto uma experiência vivida nasemanapassada a respeitodoprojetode lei do vereadorOrlandoSilva, que trocaonome da Rua Sérgio Fleury por Frei Tito.Marcamos uma reunião com as famíliasresidentes, 31. Compareceram oito ou nove. Foi uma aula para nós. Elas reagirammuito mal. Não tinham o menor conhecimento do projeto. E passaram a terdificuldadesnodia a dia:CEP, correio, táxis.Convenceram-sede quenãoqueriamterumtorturadorcomonomederua,masnãoaceitavamonomedeFreiTito,nãoqueriamtorturado.Houveoutrasconversas.Achoquemudançasdenomedevemteraparticipaçãodosmoradores.Todosacabamenvolvidosnumprocessohistóricoquedesconheciam.AindanãoficouonomedeFreiTito.Alguémsugeriuonomedeumapessoa que fez muito bem ao bairro. Portanto, é um processo muito rico, emconstrução.Planejamos também a abertura dos arquivos municipais, incluindo o ServiçoFunerário.EaçõesimportantesnasáreasdeEducação,DireitosHumanos,Educaçãoe Cultura, tais como a mudança do currículo escolar e a formação de professores.Temosaindareuniõesmensaiscomosparentesdosmortosedesaparecidos.Em relação à nossa Comissão da Verdade, trabalhamos num projeto de lei a serencaminhado ao Legislativo. Definimos três eixos de atuação. Investigar violaçõescometidas ou sofridas por funcionários da Prefeitura de São Paulo; pesquisar osarquivos públicos municipais, incluindo os cemitérios; ações recomendadas para assecretariasdaPrefeituraeoutrosórgãos.Ficoàdisposição.Obrigado.OSr. Presidente (Gilberto Natalini) – Professora Rosalina de Santa Cruz, daPUC.

AbravagentedaPUCAProfa.RosalinadeSantacruz–SaúdoaMesa.A instalaçãodaComissãodaVerdadeReitoraNadirGouveiaKfouri,daPUC, foiaprovadaoficialmentenodia10de maio de 2013, na primeira reunião do Conselho Universitário e depoisreferendada pela reitoria e a Fundação São Paulo. Já funcionava antes,extraoficialmente.Suafinalidadeéesclarecerasviolaçõesdedireitoshumanoseações

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deresistênciaocorridasnaPUCSãoPaulonoperíodode64a85,buscandogarantiramemória,averdadeeaJustiça.Os eixos da comissão: violência na ditadura contra a comunidade puquiana, comações de coerção e de resistência de professores, funcionários e do movimentoestudantil.Mortos edesaparecidosque foramestudantes, funcionários eprofessoresdaPUC; o Congresso daUNE, que resultou na invasão policial; os dois incêndios doteatrodaPUC;açõesderesistência,comoaprimeirareuniãodoCongressodaAnistia;o Congresso da SBPC, realizado na PUC e a incorporação dos professores cassadosFlorestanFernandes,OctavioIannieoutros.APUCtemumafunçãopedagógica,fazercomqueasquestõessejamconhecidasportodos os alunos.Na questão dosmortos e desaparecidos, oMarcio Beck e aMariaAugustaThomaz já têmaudiênciasnaComissãoEstadual.A audiência chega aumdeterminadopontoqueéamemóriaeaverdade.Chegaaofato,queestádito,queaMariaAugustaeoMarcioBeckforammortosemGoiás,numsítio.Quandosetentoufazer a identificação, em 83, os restos mortais já tinham desaparecido. ODepartamento Jurídico da PUC tentará, junto com a Comissão Nacional, investigarque ações devem ser conduzidas para garantir o que pedem os familiares, que é aresponsabilização eo esclarecimentodas circunstânciasdessasmortes.Éprecisoqueseavancenapesquisadoqueaconteceu,pegandoossuperiores.Não adianta mais chamar o dono da fazenda, os três rapazes que enterraram oscadáveres.Temosde ir além,porque tudo indicaqueamortedela foiplanejadanoDOI-CODIdo Rio. Conhecemos a história de todos os desaparecidos, inclusive os daPUC.FaltaaaçãodaJustiçaearesponsabilização.VoltandoaosexpulsosdaUSP.Nãoadiantasómostrarcomoretomaramàsuavidaacadêmica. Gostaríamos de ter acesso ao processo de expulsão deles e torná-lopúblico. Quais os professores envolvidos? Estão até hoje na USP? Quem deu odepoimento?ASociedadeBrasileiraparaoProgressodaCiência (SBPC) foi acolhidanaPUC.AnteselafoiàFortaleza,masauniversidadedelánãoaaceitou.Quemeraoreitor?Porquenegouquesereunisse lá?ASBPCprocurouaUSPque tambémnãoaaceitou.A Universidade tem papel pedagógico e de pesquisa. Houve uma pequenaComunidade Eclesial de Base, que serviu para dissertação de mestrado e tese dedoutorado. Muitas pesquisas de alunos estão dispersas. Enviamos subsídios àComissão Nacional da Verdade. Entendemos que é o momento de ir fechando,amarrando o que temos em nível nacional e estadual. É muito. Perdem-seinformações.Nocasodo(meuirmão)Fernando,porexemplo,nãotínhamosnenhumregistro. Aí achamos um arquivo com o registro da prisão dele. Mas é tudoincompleto,temos144mortosedesaparecidos.Nenhumesclarecido,nãoseavançou

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alémdamemória.AALNaparececomcincocompanheiros.Pegamostodososdados,memórias e responsabilização. Podemos fazer. Com relação aos incêndios e aocupação do TUCA, todos os dois, tivemos as CPIs, com documentação levada peloIvan.Mas sem apuração.Na época não dava. Só chegamos ao ErasmoDias,mas éprecisoiralém,porquenãofoisóele.EporfimhámuitosindíciossobreaposiçãodaIgrejacomrelaçãoaogolpe.TalvezatéaCIAatuandoparaquehouvesseamarchadafamília. Gostaríamos de chegar a essa questão. É importante que seja contada ahistóriadeDomPaulo, como tambémahistóriadeDomAgneloRossi.3APUC estádispostaafazer issocomtodaahonestidadeeoapoiodanossafundação,daCúria.Obrigada.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–EstápresenteFábioAraújoquerepresentao vereador Police Neto, e Lucas Ali, representando o vereadorMario Covas Neto,relatordacomissão.ComapalavraoSr.Foster,daComissãodeJustiçaePaz.OSr.Walter Forster Junior – Bom dia a todos. A Comissão de Justiça e Pazsegueamesmafilosofiadetrabalho,levantandotodososdocumentosqueguardamosparatrazerdadosconcretosatodasascomissões.Esseéumladodotrabalho.Ooutroéacompanharajuventudequequerparticipar.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–AprofessoraSolange,daUNESP.AProfa.SolangedeSouza–Agradeçooconviteemmeunomeeemnomedoprofessor Antonio Celso Ferreira, coordenador do Centro de Documentação eMemóriadaUNESP.NãocriamosanossaComissãodaVerdade,masdesenvolvemosumprojeto de pesquisa chamadoTenhoAlgo aDizer. É coordenadopeloCEDEM –Centro de Memória da Universidade – e o Observatório de Educação de DireitosHumanos, entidade sediada no campus de Bauru, coordenada pelo professorClodoaldoCardoso.Nossa primeira fonte são os depoimentos tomados pela professora Ana MariaMartinez Correa ao longo dos anos, no CEDEM. Não necessariamente depoimentossobre a repressão, mas histórias de vida dos professores, docentes e funcionários.Rastreamos 14 ou 15 nomes que se referem a algum tipo de repressão nauniversidade. Também há uma relação que a Comissão de Recursos Humanos daUniversidade enviou à Comissão Nacional da Verdade, quando arguida sobrepossíveisperseguiçõesa28nomes.Nós buscamos, com o Tenho Algo a Dizer, articular esses nomes com osdepoimentos que foram tomados ao longo dos anos pelo Projeto Memória,Universidade. É história oral. Levou a direção da Universidade a criar sua própriaComissão da Verdade. Então, provavelmente no mês que vem teremos nossaComissãodaVerdade.Gostaria de discutir uma questão que tem a ver conosco, do CEDEM. Nos últimos

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anos começamos a sair do pensamento de que arquivo é algo morto. Somos daArquivologia,nãopodemosperderaoportunidadededizeràspessoaseaosgestoresque iniciamos trabalhos com suasComissões daVerdade: os arquivos devem fazerpartedessasiniciativas.Obrigada.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–TemapalavraoSr.DiegoPergorario,daFundaçãoEscoladeSociologiaePolíticadeSãoPaulo.

AconstruçãodonuncamaisO Sr. Diego Pergorario – Felicito por este espaço de reunião ondecompartilhamos informações. No momento em que chegamos aos arquivos ecomeçamos a folhearos arquivosdoDOPS, encontramos informações tantodanossauniversidadequantodeoutras.Souumjovemde24anos,nãopasseipelosporõesdaditadura,masseiqueseuslegadossãomaléficosaindahoje.O que nós tentamos fazer, naComissão daVerdade da FESPSP, é trabalhar com aquestãodo “nuncamais”.Para alémda reparação comos familiares é essencial queisso se torne uma questão pedagógica. Há a questão que o Sottili levanta, que oAdrianolevanta,damudançadonomedelogradouros,mudançadonomedeescolas–algumasmatériasnestasemanainformaramquesãomaisdemilescolascomnomede pessoas ligadas à repressão. É precisomudar os nomes para que transformemosissonumprocessopedagógico.Temosdesairumpoucodoespaçode investigaçãoechegar aos espaços onde a sociedade discute as questões envolvendo os direitoshumanos. Acho essencial, também, que as Comissões da Verdade, além de semultiplicarem,sejamumespaçodeconstruçãodo“nuncamais”.A Comissão da Verdade da FESPSP constituiu-se informalmente no final do anopassado.Vamos,váriasvezesporsemana,aosarquivos.MergulhamosnoscasosqueenvolvemaFESPSP.AFundaçãoEscoladeSociologiaePolíticaesteanocompletou80anos e, com certeza, esteve envolvida nos processos ditatoriais. Por enquanto nosbaseamos no período de 64 a 85. Encontramos um convênio entre a Escola deSociologia e Política e a Escola Superior de Guerra. Por quê? Com que propósitos?Vimos que há indícios de desvio de verbas para a luta contrarrevolucionária naNicarágua.Ontemlançamosumeditalparapesquisadoresvoluntários.Queremosatingirumas20 pessoas. Outra coisa, a nossa primeira tomada de depoimento vai ser agora nocomeço de outubro, com José Adão Pinto. Ele foi militante da CorrenteRevolucionáriadeMinasGerais.Éolivreirodafaculdade.Elefoipresocom21anosde idade, passou cinco anosnaprisão.Precisamosouvir essashistórias, issodeve setornarumhábito.Obrigado.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Muitoobrigado.Porfavor,Sindicatodos

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Jornalistas.

ExíliosnademocraciaO Sr. Milton Bellintani – É rápido. Reorganizamos o trabalho da Comissão daVerdade do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo. Levantamos as perseguições àimprensa e a jornalistas e evitamos a superposição dos depoimentos. O que nospreocupa especialmente é o fato de que mais jornalistas foram mortos no pós-ditadura civil-militar no Brasil. Contando jornalistas como Vladimir Herzog e LuizMerlino,mataram24 jornalistas de 64 a 85.Depois daConstituinte, de 1988 até opresente, 25 jornalistas. Namaioria assassinados por agentes ligados à violência deEstado.No anopassado tivemosdois casosde exíliosde jornalistasnademocracia:AndréCaramante,daFolhadeS.Paulo,queseausentoudopaíspor90diasparapreservarasua integridade; eMauri Conigui, daGazeta do Povo, fora do Brasil por quase 70dias.Osindicatocrêquetrazeràtonaashistóriasdeperseguiçãoàimprensanaqueleperíodo contribui para ligar os dois momentos: o passado que nos remete a essepresente de perpetuação da violência, dos mesmos setores que agiam a serviço darepressãopolíticaduranteaditadura.Achamos que a contribuição do Sindicato dos Jornalistas para o trabalho dasComissões da Verdade é ligar a história do passado à história do presente.Finalizando, um dos pontos a investigar são os atentados às bancas de jornais erevistas no final dos anos 70, nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e BeloHorizonte,queestrangularameconomicamenteachamadaimprensaalternativa.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Obrigado.MariaRitaKehl,representantedaComissãoNacionaldaVerdade.ASra.MariaRitaKehl – Quando a Comissão Nacional da Verdade dividiu ostemas escolhi trabalhar com agressões aos direitos humanos dos camponeses. Nopacotedoscamponesesháumerrodequemfeza lei:vieramos indígenas.Comosefosse uma coisa só, está no mato e é tudo igual. Então, fiquei com um pacotegigantesco,masmuitointeressante.EmboranãosejaotemaespecíficodascomissõesestadualemunicipaldeSãoPaulo,talvez se possa conseguir ajuda em dois sentidos. Primeiro, talvez, os arquivos daUNFESP possuam alguns documentos sobre lideranças camponesas e movimentoscamponesesnoEstado.Tentoconseguirnopaísinteiro.VáriasComissõesdaVerdadepeloBrasilestãomeajudandocomalgumadocumentação.Outracoisa:adizimaçãode grupos indígenas para construir estradas, na construçãodehidrelétricas, ocorreunoParaná.Nãohavia,porpartedaFunai,omenorcuidadoempreveniroquejásesabia:ocontatode tribos isoladascomosbrancoscausavaepidemiascontraasquais

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os índios não tinham defesa. A Comissão Nacional da Verdade vai denunciar odescasodoEstado.Então, só peço a quem souber de casos ou tiver arquivos em seusmunicípios, emsuasuniversidades,quemecomuniquem.Outracoisa,sabemosquehámuitosíndiosguaranifaveladosemSãoPaulo,porteremperdidosuasterras.Então,quemconheceequeirafalarparaaComissãoNacionaldaVerdade,agradeço.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Nós agradecemos.Agora, umapanhadorápidodenossasatividades.Sobreonomederuas.Haviaumfestivaldemudançadenomes em São Paulo. Era abusivo. Substituíam nomes sem muito aviso. Então,fizemosumaleidificultando.Fuifavorável.ÉprecisopegarumXdeassinaturasdosmoradores. O vereadorOrlando Silva apresentou a lei paramudar o nome da ruachamada Fleury. Foi aprovado e é lei. Nós, na Comissão Municipal da Verdade,fizemos um projeto para flexibilizar a dificuldade se o nome for ligado à tortura, àditadura.Mais.Restituiremos simbolicamenteomandatode42vereadores cassadosde1936até1969.AchoimportanteparaacidadedeSãoPaulo.Temgentedetodosos partidos, inclusive um do Partido Integralista. Estamos aqui para defender aliberdade das pessoas de pensar e de agir ideologicamente como queiram, emboradiscordemos.Gostariamuitoqueossenhorespudessemestaraqui.Outra coisa é que procuramos o coordenador daComissãoNacional daVerdade.Nãopodemosconvocar,entãoissoatrapalhabastanteonossotrabalho.Porexemplo,convidamosoDelfimeeleveio.SentounaMesaeficouduashoras.Chegouaopontode dizer: “Eu nunca vi tortura no Brasil. Eu não sabia disso. Eu cuidava daeconomia”.Eu falei: “Mas,ministro, eu fui torturado juntocommuitosoutros”.Elefalouassim:“Ah,osenhorfoitorturado?Minhasolidariedade”.Mas ele veio. Outros não querem vir. Por exemplo, o Calandra. Terrível,extremamenteviolento.Quasebateuemnossosemissários.OuoMarin,queagentegostariadeouvirporcausadoVladimirHerzog.Então, pedimos ao presidente da CNV, que vai convocá-lo. Temos várias outraslinhas de investigação.OMarioCovasNeto tem umprojeto de lei, assinamos comele, que normatiza os sepultamentos no município. Ninguém mais seria sepultadosemidentificação.Se a gente tem dificuldade de avançar mais é porque a situação é difícil. Não ésimplesrefazeropassado,buscaraspessoas,identificá-las,decifraroseupapel.Achoque podemos caminhar com serenidade. Sempre digo quenão queremos fazer comeles o que fizeram conosco. Somos muito diferentes. Mas diante da história elesdevempagarporseusatos.OSr.AdrianoDiogo–VereadorNatalini, reconheçopublicamenteoesforçoquevocêstêmfeito.ASuzanaSingerescreveuumbeloartigonaFolhadeontemsobreo

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jornal O Globo reconhecer que se enganou ao apoiar o golpe de 64. Não nosabatamos,aFolhaaindanãofezaautocrítica,continuaacreditandona“ditabranda”.OSr.JoséCarlosDias–Louvomaisumaveza iniciativadovereadorNatalini.Estareuniãoéimportanteparanósnosconhecermos,nosunirmos.Ouviváriasvozespara fazermos o trabalho de entrosamento. Agradeço a oportunidade que temos eestimulo a realização de outras reuniões desse tipo na Câmara Municipal de SãoPaulo.O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – Obrigado. Não havendo mais nada atratar,declaroencerradaestareuniãodetrabalho.

AlgunsendereçosComissãoNacionaldaVerdadehttp://www.cnv.gov.br/ComissãoEstadualdaVerdade(SP)http://www.comissaodaverdade.org.br/ComissãodaVerdadedaUnifespMarcosLindenberghttp://www.unifesp.br/comissaodaverdadeComissãoEstadualdaVerdade(PB)http://www.cev.pb.gov.br/ComissãoEstadualdaVerdade(RS)http://www.comissaodaverdade.rs.gov.br/inicial

ComissãoMunicipaldaVerdadeRelatóriode2012http://www2.camara.sp.gov.br/dce/relatorio_final_comissao_da_verdade.pdfAbuelasdePlazadeMayohttp://www.abuelas.org.ar/ComitêpelaVerdadeeJustiçanoRioGrandedoNortehttp://www.dhnet.org.br/verdade/rn.htmlGrupoTorturaNuncaMais-SPhttp://www.torturanuncamais-sp.org/site/GrupoTorturaNuncaMais–RJhttp://www.torturanuncamais-rj.org.br/ArmazémMemóriahttp://www.armazemmemoria.com.br/NúcleoMemóriahttp://www.nucleomemoria.org.br/ProjetoBrasilNuncaMaishttp://bnmdigital.mpf.mp.br/#!/ArmazémdaMemória,comdiversasproduçõesaudiovisuaissobreotema.http://www.armazemmemoria.com.br/MemorialdaResistênciadeSãoPaulo.http://www.memorialdaresistenciasp.org.br/GrupoMãesdeMaiohttp://maesdemaio.blogspot.com.br/InstitutoHerzog.http://vladimirherzog.org/

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Projeto“MemóriasReveladas”doArquivoNacionaldoRiodeJaneiro.http://www.memoriasreveladas.arquivonacional.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?tpl=home

AverdadeferidadeJKA CMVVH abordou com resolução as dúvidas sobre a morte do ex-presidenteJuscelino Kubitschek. Ouviu testemunhas fundamentais para esclarecer o queaconteceu naquele fim de tarde do dia 22 de agosto de 1976. Testemunhas deoutrora depuseram, esmiuçaram-se processos. Entrevistas feitas à época continuamatuais. Em lugar de acidente, um atentado eliminou JK e seu motorista GeraldoRibeiro. Hipóteses continuam no ar: emboscada na estrada após sabotagem doautomóvelduranteumaparadaaindasemexplicação,oudepoisdoenvenenamentodomotoristanumhotelfazenda.Talvezambas.Reproduzimos a primeira reportagem sobre os indícios que apontavam para umcomplô.PublicadanarevistaCarosAmigosem1997.

MataramJK?“Averdadetemmuitaforça.Elasurgiráumdia,atéindependentedemim.A

únicacoisaquenãopodemosconteréaverdade.”(SarahKubitschek,viúvadeJK,ementrevistaaoJornaldoBrasil,em19deoutubrode1986)

Tem 21 anos o desaparecimento de Juscelino Kubitschek. O tempo passou, masficouadúvidasobreoqueprovocouamortedohomemque,entre1956e1961,foiomaisaltomandatáriodopaís.Parenteseamigossemprequestionaramaversãooficialdatragédia,segundoaqualumafatalidadetirouavidadeJK,aos73anos,numacidentedetrânsitoocorridonofinal da tarde de 22 de agosto de 1976. A família não aceitou a tese de que opresidentemorreu“naturalmente”,momentosdepoisdeoautomóvelOpala,dirigidopelomotoristaGeraldoRibeiro,sedesgovernarnaviaDutra,alturadomunicípiodeResende(RJ), atravessaro canteiro central e se chocar contrao caminhãoquevinhaemsentidocontrario.JK, acham os familiares, teria sucumbido num atentado político, junto com omotorista.Ocasofoireabertoem1ºdejunhode1996,exatos19anosenovemesesdepoisdamorte, por solicitaçãode Serafim Jardim,o ex-secretárioparticularde JK, quepediunovasinvestigações.ElesuspeitavaqueomotoristaGeraldoRibeirolevouumtironacabeçainstantesantesdeperderadireçãodoOpalacomopresidente.A exumação dos restosmortais de Geraldo Ribeiro tornou-se o ponto central doinquérito,quefoiinstauradoemResende.“Asdúvidassóaumentaram”,dizSerafim

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Jardim, que é presidente daCasa de Juscelino, emDiamantina (MG). “Eu continuocomacertezadequenuncahouveacidente.”As investigaçõesdemoraram.AossadadomotoristadesenterradadoCemitériodaSaudade, emBeloHorizonte, sócomeçoua seranalisadaem14deagostode1996,doismeses emeio depois da reabertura do caso, e faltando oito dias para vencer oprazodeprescrição–quesedá20anosdepoisdaocorrência.No dia anterior ao prazo que encerrava as investigações – e sem o resultado daexumação, ainda não disponível –, o delegado Robson Rodrigues da Silva, deResende, entregouo relatório final.O inquérito policial, presididopor ele, concluiuquenãohouveatentadopolítico.OcasoprescreveueninguémmaispoderáserprocessadopelamortedeJK.Em30desetembro,comocasoarquivado,oInstitutodeMedicinaLegaldeMinasGeraisdivulgouoresultadodosexames feitosnaossadadeGeraldoRibeiro.PassouquasedespercebidaaconclusãodequeomotoristadeJKnãoforabaleado.Ninguémseinteressoupelanotícia,publicadaempequenasnotasdejornal.Aíntegradolaudodo IML de Minas jamais chegou ao conhecimento publico. O laudo, no entanto,contémuma informação surpreendente: foidetectadono crâniodeGeraldoRibeiroum“pequenofragmentometálicodeformacilindro-cônica,medindosetemilímetrosdecomprimentoediâmetromédiodedoismilímetros”.Para o perito criminal Alberto Carlos deMinas, do Instituo de Criminalística deMinasGerais, a descoberta é “gravíssima”. Segundo ele, o objetometálico pode serresto de um projétil de fuzil Mauser, também conhecido como FAL, usado pelasForcas Armadas. O diretor do IML, de Minas Gerais, José Carlos Rogêdo, afasta ahipótese. “Nós examinamos o fragmento metálico e ele não tem características deprojétildearmadefogo.Deveserrestodocaixãoondeomotoristadopresidentefoienterrado.”Namesma linha, o delegado geral deMinasGerais,OttoTeixeira, afirmouqueoobjeto é “umpregodo caixão”.Odelegado também é titular daDivisãodeCrimescontra a Vida. De acordo com ele, o material sofreu análise do Instituto deCriminalísticadeMinasGerais e é feitode “ligade ferro,deaço”.OdelegadoOttoTeixeira acrescenta: “Se fosse um projétil de arma de fogo, teria que ser,necessariamente, de chumbo.Como é de aço, não há possibilidade de ser arma defogo”.OperitocriminalAlbertoCarlosdeMinasacompanhouocasoapedidodeSerafimJardim.Viuo fragmentometálico tiradodo crâniodeGeraldoRibeiro.Do altodosseus32anosdeexperiência,ele,quetambéméexímioconhecedordearmasdefogo,insiste: “Existemprojéteisde setemilímetrosquepossuemumablindagem, comosetivessemumajaqueta,queéfeitadeaço.Essesprojéteiseramusadosnopassado,em

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rifles e fuzis, como o Mauser. Um deles pode ter sido usado e matado GeraldoRibeiro”.OprefeitodeAraxá(MG),OlavoDrummond,amigohistóricode JK, sempreachouque a morte do presidente foi consequência do acidente. Ao ser informado dadescoberta do fragmento metálico no crânio de Geraldo Ribeiro, ele se disseestarrecido. Em Brasília, a filha de JK, Márcia Kubitschek, também não havia sidoinformada sobre o objeto metálico. No Rio de Janeiro, a filha de Geraldo Ribeiro,MariadeLourdesRibeiro,desconheciaofato.OadvogadoPauloCasteloBrancoépresidentedoTribunaldeÉticaeDisciplinada

OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) no Distrito Federal. Foi contratado porSerafim Jardim para acompanhar o caso. Ele pergunta: “Por que esconderam aexistênciadessefragmentometálico?”Oadvogadolamenta:“Sea informaçãotivessechegadoemtempohábil,antesdaprescriçãodocaso,nósteríamosmudadoahistóriadoBrasil”.OhoteldoSNIJuscelinoKubitschekdeixouSãoPaulo,comdestinoaoRiodeJaneiro,às14horasde 22 de agosto de 1976. Era um domingo de céu azul na capital paulista. OexperientemotoristaGeraldoRibeiro,de64anos,vieranosábadodoRiodeJaneiro,ondemorava,parapegaropresidenteemSãoPaulo.Navéspera,sexta-feira,fizeraarevisão do carro, que também ganhou faróis novos de neblina. O opala cinzametálico,comcapapretadevinil,modelo1970,estavaemótimascondições.“Papaitinhamuitocarinhopelocarro”,contaaadvogadaMariadeLourdesRibeiro.“Ele era muito cuidadoso, só usava o Opala nos finais de semana, ou quandoconvocadopor Juscelino.”Ocarro foiumpresentedopróprio JK aGeraldoRibeiro,em1970, emcomemoração aos 30 anosde amizadedosdois. JK conheceuGeraldoRibeiroemDiamantina,em1940,efoimotoristadopresidentedurante36anos.Por volta das 16h30, assim que ultrapassou a divisa São Paulo-Rio de Janeiro, oOpala com JK pegou o acostamento da viaDutra e entrou noHotel FazendaVilla-Forte. Ali é distrito de Engenheiro Passos, que pertence aomunicípio de Resende.Ficoulá,estacionadodurantecercade90minutos.Ofatojamaisfoiinvestigadopelasautoridades.Nemem1976,depoisdamortedeJK,nemem1996,quandoocasofoireaberto.O Hotel Fazenda Villa-Forte fica na margem direita da Dutra, no sentido SãoPaulo-Rio, a 28quilômetrosda cidadedeResende.Foi estabelecidopelobrigadeiroNewtonJunqueiraVilla-Forte,umdosresponsáveispelacriaçãodoserviçosecretonaAeronáutica. “Meupaipegoumuito comunista a tapa”, contao filhodobrigadeiro,GabrielVilla-Forte,o atualproprietáriodohotel. “Apesarde estarna reservadesde1949,meupaieralíderpolíticomuitoatuante.”

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NewtonJunqueiraVilla-Forte,quefaleceuem1981,eraamigodogeneralGolberydo Couto e Silva, o criador do SNI (Serviço Nacional de Informações). Teriatrabalhado com o general Golbery na estruturação do SNI. Em 1976, quando JKmorreu,ogeneralGolberyeraministrodaCasaCivil.ObrigadeiroNewtonJunqueiraVilla-Forte,deacordocomofilho,Gabriel,tambémfoiprofessordeoutrogeneral,oex-presidenteJoãoBaptistaFigueiredo.Em1976,ogeneralFigueiredoeraochefedoSNI,nogovernodopresidenteegeneralErnestoGeisel.O Hotel Fazenda Villa-Forte está situado no antigo quilômetro 168 da Dutra, acercade700metrosdaestrada.Umpoucoantesdas18horasdaquele22deagostode1976,JKeGeraldoRibeirovoltaramparaocarro,estacionadonafrentedohotel.Não se sabe se o presidente e o motorista pararam no Villa-Forte para fazer umlancheoudescansar,ouseJKforaatraídoaolocalparaumareuniãocommilitaresdacomunidadedeinformações.Ofatoéqueoautomóveldopresidenterodoumenosdetrêsquilômetrosdepoisdesairdohotel.Noquilômetro165existeumacurvaparaadireita–batizadadepoisdatragédia de “Curva do Juscelino”. O Opala jamais completou aquele trecho.Desgovernado, seguiu à esquerda, direto, atravessou a pista e foi colhido por umcaminhão,quevinhanosentidodeSãoPaulo.ObrigadeiroNewtonJunqueiraVilla-Fortedeslocou-seatéolocaldodesastre,apósamortedeJK.OnúmerodomotorAinvestigaçãodocaso,em1996,previaperíciatécnicanosdestroçosdoOpala,quese supunha estarem guardados no 89º Distrito Policial de Resende. O objetivo eraverificar a hipótese de o carro dirigido por Geraldo Ribeiro ter sido sabotado. Omotorista,sempoderacionaroscomandos,nãoteriaconseguidoimpedirqueoOpalaatravessasseo canteiro centraldaDutra.Oveículoacaboudestruídopelo caminhãoquevinhaemsentidocontrário.O examedos destroços, efetuadopor peritos do Instituto deCriminalísticaCarlosÉboli,doRiodeJaneiro,sóficouprontoem19dejulhodoanopassado–a34diasdaprescrição.Sófoidivulgado,porém,doisdiasantesdoprazofinal,comaconclusãodequenãohouvesabotagemmecânica.Odetalhe:osperitosanalisaram,conformeolaudo expedido, os restos do veículo com o número do motor 7321818. Mas onúmero do motor do carro de Geraldo Ribeiro, conforme o certificado depropriedade,é0J0403M.“Eles fizeram a perícia em outro carro”, acusa Serafim Jardim, o ex-secretárioparticularde JK. “Desconfioqueoveículo foi trocado intencionalmente,objetivandoimpedir a perícia”, denuncia Alberto Carlos deMinas, o perito de BeloHorizonte.“Além disso, os destroços que nos forammostrados representam apenas cinco porcentodocarro.CadêorestodoOpala?”

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OdiretordoInstitutodeCriminalísticaCarlosÉboli,naépocadaperícia,eraMárioBonfatti.ElefoilocalizadonoRiodeJaneiro.“Nossaresponsabilidadenãoéchecaronúmerodomotor”,dizele.“Nóssomosperitos,nãoinvestigadores.Fizemosaperícianocarroquefoiindicado.”O delegado de Resende, Robson Rodrigues da Silva, o mesmo que presidiu oinquérito policial do caso, também era responsável pela guarda dos destroços doOpala, nos fundos do 89º DP. Ele sustenta que o carro analisado pelos peritos émesmoodeJK,masnãoexplicaomotorcomnúumerodiferente:“Paradizerassim,agora,édifícil.OsautosdoprocessoforamarquivadosnaJustiça,nãotenhonadaporaqui”.SabotagemmecânicaAs investigações sobreodesastrequematou JK, em1976, procuraramcaracterizartudo comoum acidente de trânsito.O promotor de Justiça deResende, JoséDinizPintoBravo,terminouacusandoomotoristadeônibusJosiasNunesdeOliveira,quedirigiaumônibusdaViaçãoCometa.Oveículo sob seu comando teria abalroadoocarrodopresidente.AbatidateriafeitooOpalaperderadireçãoeatravessarparaaoutrapista.Masnenhumdosnovepassageirosdoônibusouvidoscomotestemunhasconfirmouaversãodochoque. Josias,omotoristadoônibus, acusadodehomicídioculposo (aquele em que não há a intenção de matar), acabou absolvido. Julgadonovamente,maisumavezfoiconsideradoinocente.Localizei José Diniz Pinto Bravo. Aposentado desde 1991 como procurador deJustiça, vive emVoltaRedonda (RJ). Ele disse que “a prova, difícil de fazer, não foibem definida, e isso favoreceu o motorista do ônibus. Afirmou ter recorrido,solicitando o segundo julgamento, “para depois não dizerem que fomospressionados”. E admitiu ter conduzido o caso, desde o princípio, procurandocaracterizá-lo como acidente. E acrescentou: “Eu jamais pude nem sonhar que setratassedeatentado”.Na conversa, ele revela: “O Exército estava preocupado para que o governo nãofosse envolvido.Afinal, era época de revolução”. Explicou ter sido assessorado pelopromotordeJustiçaFranciscoGilCasteloBranco,“colegameu,sujeitoíntegro,sério,uma pessoa que era para confiar, mesmo”. E contou que o médico GuilhermeRomano acompanhou tudo, “desde o início”. O médico, falecido em 1995, ficouconhecido como homem de confiança do general Golbery do Couto e Silva, quemorreuem1987.Em 1976, o promotor Francisco Gil Castelo Branco era diretor do DepartamentoTécnico-Científico da Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro. Respondia peloInstituto Médico Legal e pelo Instituto de Criminalística. Ele mandou retirar doprocessoasfotografiasdoscadáveres.

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De acordo com o perito criminal Alberto Carlos deMinas, de Belo Horizonte, amedidaconfigurou“errotécnicograve”:“Asfotografiastêmcondiçõesdedizermaisdoqueaspalavras.A lenteconseguecaptaraspectosquevãoalémdorelatoescrito.Porisso,asfotografiassãofundamentaisnostrabalhosdeperícia”.Asfotografiasdosdoiscadáveresacabaramdesaparecendo.Continuamsumidasatéhoje.Francisco Gil Castelo Branco também substituiu peritos criminais durante ainvestigação,em1976,oquenãoéaceitávelparaoadvogadoPauloCasteloBranco.Foi o mesmo Francisco Gil que providenciou a perícia do ônibus da Cometa, masapenasdiaseguinteaodesastre,eemSãoPaulo.O laudo apontou restos de tinta doOpala no para-choque do ônibus, um indíciofortedeocorrênciadabatida.Masháalgosuspeito:olaudofoianexadoaoprocessosemasassinaturasdosresponsáveispelasanálises.O jornalistaValérioMeinel investigou amorte de JK em1976. Ele acredita que omotorista do presidente levou um tiro, disparado do interior de um automóvelCaravan, depois de sair do Hotel Fazenda Villa-Forte. A hipótese jamais foiinvestigada pelas autoridades. Valério Meinel acusa Francisco Gil Castelo Branco,“uminformantedoSNI”,deter impedidoa imprensadefotografaroscorposde JK edeseumotorista,no IMLdoRio.Contatado,FranciscoGil recusou-sea falarsobreamortedopresidente.TrabalhouparaoSNI?“Issoéumainjúria,umacalúnia.”AcartadoChileEmagostode1975,ogeneralJoãoBaptistaFigueiredo,chefedoSNI,teriarecebidocorrespondênciadocoronelchilenoManuelContrerasSepúlveda,diretordaDina,oserviço secreto do governo do Chile – na época, uma ditaduramilitar, comandadapelogeneralAugustoPinochet.Acartaalertavaparaoapoiodosdemocratasnorte-americanos a Kubitschek (o presidente JK) e a Letelier (o ministro das RelaçõesExteriores do Chile, Orlando Letelier), que “poderia influenciar seriamente aestabilidadedoConeSuldonossohemisfério”.OrlandoLeteliermorreunodia21desetembrode1976,menosdeummêsdepoisda morte de JK. Uma bomba explodiu no carro em que estava, em Washington,capital dos Estados Unidos. Em 30 de maio de 1995, 19 anos depois do atentadocontra Letelier, o agora general Manuel Contreras Sepúlveda foi condenado pelaCorteSupremadoChileaseteanosdeprisão,comoautorintelectualdoassassinadodoex-ministrochileno.OadvogadoPauloCasteloBrancoprocurouogeneraleex-presidentedaRepública(1979-1985) João Baptista Figueiredo. Ele mora no Rio. Queria saber do eventualenvolvimentodoSNInamortedeJK.“Nósfomosinformadosdequeoex-presidenteFigueiredonãotratadoassunto.”O empresário Jorge Gazalli, amigo de Figueiredo, disse em São Paulo que o ex-

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presidente“nãodáentrevista,nãofalasobrenada”.Efoialém:“OFigueiredosabedemuitacoisa.Seelefalar,muitacasavaicair.Nemolivrodememórias,queeuinsistoparaelefazer,vaisair.Nemmesmoparaserpublicadodepoisdamortedele”.QuatromesesantesdodesaparecimentodeJK,um“acidente”detrânsitomatounoRio de Janeiro a estilista de modas Zuleika Angel Jones, a Zuzu Angel. Ela vinhapressionandoaditaduramilitar,comoobjetivoderecuperarocorpodofilho,StuartEdgar Angel Jones, morto em 1971 no Centro de Informações e Segurança daAeronáutica.Odesastre como automóveldeZuzuAngel teria sidoprovocadopelarepressãopolítica.Fariapartedeum“serviço”conhecidocomo“código12”.Emmaio de 1978 foi a vez de Branca deMelo FrancoAlvesmorrer em desastresuspeito.OOpaladeladesgovernou-senaestradaparaValença(RJ).Brancatambémfazia oposição ao regime militar. A filha dela, a cientista política Maria HelenaMoreira Alves, acredita que a mãe foi vítima de “acidente provocado”, mas nuncaconseguiu provar nada: “OOpala é fácil de ser trabalhado. É sómexer no eixo dadireção, por baixo do carro, soltando alguns parafusos. De repente, perde-se ocontrole”.OmecânicoepilotoAmândioFerreira,deSãoPaulo, tem36anosdeexperiência.Conhece a fundo os mecanismos do Opala. Segundo ele, não é difícil sabotar oveículo.Remover aporcaque fixaobraço auxiliardadireçãona estruturado carrolevapoucosminutos.Comobraçoauxiliarsolto,omotoristanãotemcomandosobrea roda da esquerda, no momento em que o freio é acionado. O carro vai,desgovernado,paraaesquerda.Marcos Yukio, gerente de serviço da Freio Vargas em São Paulo, confirma: ovazamentodofluidodefreiodarodadianteiradireitapodetravararodadaesquerdanomomento da frenagem, fazendo oOpala virar radicalmente para a esquerda. Asabotagemdo braço auxiliar de direção tambémpoderia fazer omotorista perder ocontrole. “A suspensão do Opala possui diversos pontos para mexer, para quementendedoassunto.”Investigaçãoincompetente?OmédicoaposentadoCélioBeneditoBeltrami,de75anos, foiaprimeirapessoaasocorrerosdoisocupantesdoOpala,naDutra,há21anos.“Euchegueilámenosdeumminutodepoisdabatida”,lembra-seele.“Osdoisjáestavammortos.Sóvimsaberqueeraopresidentenodiaseguinte.Eleestavairreconhecível.”MédicodaMarinhaem1976,CélioBeneditoBeltrami foi localizadoemTatuí,nointeriordeSãoPaulo.Ele se recordade ter sofridocortesnosprópriosbraços,pelosestilhaçosdas janelasdoOpala,na tentativadeverificarospulsosdosdoishomens.“Seestivessemvivos,eutentariaconterhemorragias,oufariaoquefossepreciso.Masnão deu tempo para nada.” Célio Benedito Beltrami conta que o impacto contra o

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caminhãofoimuitoforte.“Ohomemnobancodetrás,queeraopresidente,tinhaafaceesmagadacontraotetodocarro.Tevemorteinstantânea.”Durante todosessesanos,desdeamortede JK,CélioBeneditoBeltrami jamais foiprocurado, por qualquer autoridade, para depor.Os responsáveis pela investigação,aliás,contentaram-seemouvirapenasnovedos33passageirosdoônibusdaCometaquepresenciaramodesastre.OdoutorCélioBeneditoBeltramiestavanapoltronanúmerocincodoônibus,napartedafrente,quandoouviuobarulhodafreada,vindodoOpala.Ocarroestavaàdireita do ônibus. “Foi como se o freio tivesse falhado, ou tivesse acontecido umproblema na roda esquerda”, revelou ele. “Parece que travou a roda do ladoesquerdo.”Atestemunha,ouvidapelaprimeiravez,salienta:“Omotoristadoônibusnãoteveculpaalguma.Elenãobateunocarrodopresidente,comoandaramfalando.EledeufoiespaçoparaoOpalapassar.Semcontrole,ocarroatravessouparaooutroladoebateunocaminhão”.As autoridades desprezaram o testemunho domédico que socorreu o presidente.Mas não foi só. Um dos depoimentos mais detalhados sobre o desastre, o dopassageiro da Cometa e advogado Paulo Oliver, de São Paulo, foi considerado“minuciosoequaseexaustivo”pelojuizGilsonVitralVitorino,omesmoquenofinalabsolveuomotoristadoônibus.PauloOliverdescreveu:oônibusdaCometa ianapistaSãoPaulo-RioeestavanafaixadaesquerdadaDutra.Àdireita,oOpalade JK.EnafrentedoOpala, tambémnafaixadadireita,umcaminhãofrigorífico,avermelhado,complacasdeLajes(SC).Équando Oliver, de acordo com sua narração, vê “um clarão” sobre o Opala, e omotoristadoautomóvelperdeocomandodoveículo.Semcontrole,em“ziguezague”,oOpalavaiparaapistaRio-SãoPaulo.Foiesse“clarão”quesempre incomodouSerafimJardim,osecretárioparticularde

JK. Note-se que Paulo Oliver afirma em seu depoimento que, no momento dodesastre,osveículosnaDutraaindaaproveitavamaluzdodia,istoé,nãotinhamosfaróisacesos.O“clarão”,portanto,poderiatersidoumtiro,oumesmoumaexplosão,nocarrodeJK.Osresponsáveispeloesclarecimentodocasoignoraramotal“clarão”.Nas 12 páginas com quase 500 linhas de depoimentos ao Poder Judiciário, emdezembro de 1976, o advogadoPauloOlivermenciona várias vezes o caminhão deLajes.JuntocomoônibusdaCometa,ocaminhãoestacionounoacostamentodepoisdo desastre e esteve o tempo todo na cena da morte do presidente. Paulo Oliverrelatouatéqueomotoristado caminhão falou,quando finalmente aPolíciaMilitarchegouaolocal:“Chegouoguarda.Agoraeuvouembora,nãovoumeenrolar”.Pois bem: as autoridades jamais foram atrás domotorista do caminhão frigoríficoavermelhadodeLajes.Nãopreciseidemaisdedezligaçõestelefônicasparalocalizar,

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emLajes, JoséAntônioLacerda.Ele foidiretordaCompanhiaFrigoríficaFrigoplan,de Lajes, até 1983, ano em que a empresa fechou. E confirmou que caminhões daFrigoplan faziam entregas em vários Estados brasileiros. Se disse surpreso diante dainformação de que um motorista da empresa dele, havia 21 anos, provavelmentepresenciouamortedeJK.AmeaçademorteNo final da tarde de 7 de agosto de 1976, 15dias antes da tragédianaDutra, asredaçõesdejornalreceberamoboato:JKhaviamorridonumacidentedetrânsito.Opresidente estava descansando na fazenda dele, em Luziânia, a 76 quilômetros deBrasília. No dia seguinte, em Belo Horizonte, encontrou o amigo e secretárioparticularSerafimJardimecomentouoacontecido:“Estãoquerendomematar,masaindanãomataram,não”.Edeuumagargalhadagostosa,daquelasque sóele sabiadar.Umasemanadepois,em14deagostode1976,osjornalistasvoltaramaprocurarJKemLuziânia.Dessavez,osboatosdiziamqueoex-presidentetinhamorridoemsuaprópria fazenda.Bem-humorado, JK ofereceu uma rodada de uísque aos repórteres.“Aocasiãomerece”,brincou.“Afinal,acabeideressuscitar.”O amigo Serafim Jardim sabia que JK enfrentava tempos difíceis. O própriopresidentelherevelaraestarnalistadobrigadeirodaAeronáuticaJoãoPauloMoreiraBurnier,entreospolíticosameaçadosdesequestroemorte.“OpresidentemecontouqueoBurnier queria jogá-lo em alto-mar.”Obrigadeiro semprenegou a existênciado chamado caso Parasar, uma trama que previa, entre outros atos terroristas, aeliminaçãodepolíticosdeexpressão.Ogovernodopresidente JK (1956-61)aconteceunumperíodoconturbadodavidapolítica brasileira. O antecessor dele, o presidente Getúlio Vargas, suicidou-se. Osucessor,JânioQuadros,renunciou.Apenasduassemanasapóstomarposse,JKviveuuma grave crise política. Houve levante de militares da Aeronáutica, que ficouconhecido como Revolta de Jacareacanga. Os militares não aceitavam a posse deJuscelinoKubitschek,eprincipalmentedeseuvice,JoãoGoulart.Em1959,umoutromovimento rebelde, dessa vez na Base Aérea de Aragarças. Entre os líderes darevolta, o então tenente-coronel aviador JoãoPauloMoreiraBurnier, omesmoqueanosmaistardeteriavoltadoaameaçarJK.ApesardasduascrisescommilitaresdaAeronáutica,ogovernoJKfoimarcadopelaestabilidadepolítica.ArelaçãodopresidentecomoCongressofoiboa.Houveamplaliberdade política, sindical e de imprensa. A aliança PSD-PTB deu certo. Do lado doPSD,Juscelino,TancredoNeveseUlyssesGuimarães,comorespaldodeempresários,banqueiroseindustriais.DoPTB,JoãoGoularteLeonelBrizolatrouxeramoapoiodosetor trabalhista. “Foi uma aliança poderosíssima”, define a socióloga e historiadora

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MariaVictoriaBenevides,daUniversidadedeSãoPaulo,autoradolivroOGovernoKubitschek-DesenvolvimentoEconômicoeEstabilidadePolítica,de1976.No finalde1960, fazendooposiçãoaJK, JânioQuadros elegeu-sepresidente.Masrenunciouempoucotempo.AssumiuoviceJoãoGoulart.Em31demarçode1964veioogolpemilitar.JKeoPSDapoiaramaeleiçãoindiretadogeneralCasteloBranco,queprometeuconduziropaísàredemocratização,semdemora.JK jáeracandidatoàreeleição,nopleitoprevistopara1965.Eeraofavorito.Masalinhaduraprevaleceu.Emjunhode1964,JK–senadorporGoiás–foicassadoeperdeuosdireitospolíticos,pordezanos.JK foiperseguido.Oapartamentodele,noRio,viviacercadodesoldadosarmados.Otelefone,censurado.Opresidenteresolveuasilar-senaEspanha.Em1966,a irmãde JK faleceu. Juscelino estava em Lisboa. A repressão política quis impedi-lo deassistiraoenterro,emBeloHorizonte.OpresidenteregressouaoBrasilnofinalde1967.Humilhadopormilitares,tevededeporemintermináveisinterrogatórios.FormouachamadaFrenteAmpla,comdoisadversáriospolíticos–oex-presidenteJoãoGoularteoex-governadordaGuanabara,Carlos Lacerda. O objetivo era apressar o processo de redemocratização no Brasil.Juntos, JK, Goulart e Lacerda talvez fossem imbatíveis, em qualquer eleição. Todosmorreramnumperíodo de apenas novemeses, JK no desastre daDutra.Os outrosdoisteriamsidovítimasdeataquescardíacos.Em1974,asociólogaMariaVictoriaBenevidesentrevistavaJKquandoopresidentesoube oficialmente do final do período de sua cassação. O presidente estavareabilitado para a vida política, mas foi imposta uma condição: não poderiacandidatar-se a nenhum cargo. Palavras de Maria Victoria Benevides: “Eu estavapresente nomomento em que ele recebeu a notícia, e fiquei impressionada com areação.JKficoutranstornado.Eleiria,certamente,sercandidato”.A oposição, representada peloMDB, acabou sendo a grande vitoriosa nas eleiçõeslegislativasde1974.Nopleitode1976,depoisdamortede JK,aoposiçãoaoregimemilitarsaiunovamentefortalecida.DoisanosdepoishouveeleiçãoparaaescolhadosucessordopresidenteErnestoGeisel.MariaVictoriaBenevidesnão temdúvida: JKvenceria se tivesse sido candidato, mesmo em eleição indireta, no CongressoNacional. “A imagem dele era muito positiva. Aliás, é positiva. Quando quer secomparar a alguém, o presidente FernandoHenrique Cardoso procura se igualar aJuscelino Kubitschek.” Sem JK, a eleição indireta para presidente da República, em1978,foivencidapelogeneralJoãoBaptistaFigueiredo.EmSãoPaulo,osúltimostrêsdiasJuscelinoKubitscheknasceuemDiamantina,em12desetembrode1902.Formou-se na Faculdade de Medicina de Belo Horizonte, em 1927. Em 1934 foi eleito

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deputado federal. Em 1946, mais uma vez, deputado federal. Em 1950 foi eleitogovernadordeMinasGerais.E,em1955,presidentedaRepública.JKdesenvolveuseuProgramadeMetas,cujosloganera“Cinquentaanosemcinco”.Duranteseugoverno,aproduçãoindustrialcresceu80%.Aproduçãodeaçodobrou.Implantou-sea indústriaautomobilísticaehouveacriaçãodeempregosurbanoseaaberturadeestradas.OritmodecrescimentofoiomaisaltodaAméricaLatinaeumdosmaiselevadosdomundo.A grande obra de JK, a construção da nova capital da República, Brasília, foiinauguradaem21deabrilde1960.Cercade300milpessoasparticiparamdafesta.Opresidenteconseguiu imprimirclimadeeuforiaeritmodedesenvolvimentoaopaís.Sehojeemdiaamoedapolíticaéaestabilidadeeaaberturaeconômica,naépocadeJKeraaindustrializaçãoeasubstituiçãodasimportações.JKpassouosúltimostrêsdiasdevidaemSãoPaulo.Chegouàcidadenasexta-feira,20 de agosto de 1976. Reuniu-se com Ulysses Guimarães e FrancoMontoro, doislíderes da oposição, e manifestou-se preocupado com a instabilidade política.Somente naquele ano, o presidente Ernesto Geisel cassaria os direitos políticos decincodeputadosque faziamcampanhapordireitoshumanos. “Mas Juscelino estavafeliz e tranquilo”, descreve o amigo Olavo Drummond, na época procurador daRepúblicaemSãoPaulo.No sábado, JK almoçou na área da represa Guarapiranga, na zona sul da capitalpaulista, eparticipoudeencontrodeex-governadoresdeSãoPauloeMinasGerais.Fez discurso exaltando o desenvolvimento – mas falou em desenvolvimento comliberdade.OpresidenteestavahospedadonaCasadaManchete.Odomingo,dia22,amanheceubonito.Pelas10horas,narraOlavoDrummond,saíramparaumpasseio.JK ficou impressionado com os destroços de um carro acidentado, na esquina daavenidaBrasilcomaruaAtlântica.Em seguida, JK resolveu visitar o afilhadoAdhemardeBarrosNeto, filhodohojedeputadofederalAdhemardeBarrosFilho.AcasadeleficavanoPacaembu,nazonaoestedeSãoPaulo.“Opresidenteestavaaflitoparaencontraromenino,de14anos,quesó tinhavistonobatizado”,contaOlavoDrummond.“Dissequenãopoderia irsemvê-lo.”Avisitaeraparasercurta.Porvoltadas13horas,porém,JKfoiseduzidopelocheirodemacarronadaquevinhadacozinha.Depoisdoalmoço,rumouaoencontrodofielmotoristaGeraldoRibeiro,que jáoesperavanoquilômetro2daDutra,conformeocombinado,paraaúltimaviagem.AfamílianuncaaceitouaversãodequeJKfoivítimadeacidentedetrânsito.Masaviúvadopresidente, SarahKubitschek, jamais autorizounovas investigações.Talvezporque temesse a revelação do suposto romance de JK com uma socialite carioca.

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DonaSarahmorreuemfevereirode1996.Nomêsseguinte,SerafimJardimdecidiusolicitarareaberturadocaso.A filha mais velha do presidente, Márcia Kubitschek, resume o drama dasinvestigações:“Asperíciassempreforammalfeitas,semdetalhamentostécnicos,paraque terminassem logo. Nossas dúvidas e questionamentos permanecem. Nunca seprovounada e eu achoquenunca vamos conseguir.Vai ficar sempre umponto deinterrogação”.Em Orleans, Santa Catarina, Ladislau Borges, de 70 anos, recupera-se de umderrame cerebral. Ele era motorista do caminhão contra o qual o Opala de JK,desgovernado, colidiu na Dutra. “Eu tentei brecar, mas não deu tempo. Foi umestrondosó.”OcaminhãodeLadislauBorges,modelodeScania,sótinhaseismesesde uso no dia da tragédia. Ficou bastante danificado.Mas ele não dá importânciaparaoprejuízoque teve. “Eu sentimuito amortedopresidente”, diz. “Eu fui caboeleitoraldoJuscelino,trabalheiparaeleserpresidente.”Comaprescriçãodocaso,SerafimJardimentregouoprocessosobreamortedeJK,acompanhadodedossiêsedocumentos,àPontifíciaUniversidadeCatólicadeMinasGerais, que vai examiná-los. Serafim Jardim não entrega os pontos: “Se não foipossívelfazerjustiça,quesefaçahistória”.(IvoPatarra)

RazõesdaProcuradoriaEm setembro de 2013, representando a Câmara Municipal de São Paulo, osprocuradoresLucianadeFátimadaSilva,IedaMariaFerreiraPiresePauloAugustoBaccarin (chefe) requereramao juiz da varadaFazendaPúblicaMunicipal deBeloHorizonte alvará judicial autorizando exumação do motorista de JuscelinoKubitschek, Geraldo Ribeiro, para nova perícia técnica. As razões incluem umhistóricodosfatosquecercaramaviagemdoex-presidenteapartirdeSãoPauloatéasuamortenaViaDutra,acaminhodoRio,alémdascircunstânciaspolíticasdaquelemomento no Brasil e em outros países da América Latina. Os procuradoresdestacaram a necessidade de assegurar a verdade histórica e de buscaresclarecimentos sobre as arbitrariedades da ditadura militar. E reiteraram aimportânciadadifusãodosdireitoshumanos,oqueabrangeointentodenuncamaisserepetirtalpassadosombrio.AfamíliadeGeraldoRibeiro,contudo,recusou-seaautorizarumanovaexumação.Ojuiz,emconsequência,negouorequerimentoemmeadosde2015.

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DesagravoAJustiçaporduasvezesinocentouomotoristadeônibusJosiasNunesdeOliveira,escolhido para expiar a culpa de criminosos até hoje sem nome. A AssembleiaLegislativadeMinasGeraisdesagravou-ooficialmente.

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CoresemdebateACMVVHchamoutestemunhasdaépocaedeuinícioaosesforçosparaaveriguarseJuscelino Kubitschek e seu motorista Geraldo Ribeiro foram assassinados em umatentado,algorelativamentecomumquandooschefesmilitaresdaditaduradecidiamtirar pessoas do caminho. O nó principal da argumentação sobre se o ônibus daCometabateude levenoOpala ficouna corda tinta.Alegou-sequeoprateadodoOpala contaminou o para-lama do ônibus. O motorista Josias Nunes de Oliveira

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provou que a tinta vinha de certa manilha da rodoviária – diversos ônibus dacompanhiaexibiamcontaminaçõesiguaiscomamesmatinta.Aliraspavamdevidoàpassagemestreita.Solicitadaaanalisarnolaboratórioacontrovérsia,olaboratóriodeanálise da fábrica Termodinâmica saiu-se com laudo sem assinatura do técnico.Desprovido de credibilidade, portanto, como tudo o que aconteceu quando omecanismooficialentrouemmovimento.Porcontadisso,Josiasfoiabsolvido.ComissãodaVerdadedaCMSPPresidente:NataliniTipodaReunião:InstalaçãoLocal:CâmaraMunicipaldeSãoPauloData:01/10/2013(resumo)O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – Na forma regimental, está aberta areunião extraordináriadaComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzog, comapresençadosvereadoresRubensCalvo,JulianaCardoso,RicardoYoungeNatalininapresidência. Esta reunião está sendo transmitida através do Portal da CâmaraMunicipal de São Paulo, no endereçowww.camara.sp.gov.br, no link auditórios online.ApautadehojeéaoitivadoSr. JosiasNunesdeOliveira,motoristadeônibusdaViaçãoCometa,noepisódiodamortedopresidenteJuscelinoKubitschek.(CapítuloV)Antes de chamar o nosso convidado, gostaria de solicitar aos senhores vereadoresque incluíssemos no pé de pauta os requerimentos. São necessários para acontinuidadedos trabalhosdestaComissão.Posso aprovaropédepauta embloco?Sãonove.TemapalavraonobrevereadorRubensCalvo.OSr.RubensCalvo – Sr. Presidente, cada requerimento tem um número, é sófalaronúmerodosrequerimentoseaprovamosemvotaçãosimbólica,embloco.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Senãohouvermanifestaçãocontráriavouaprovaremblocoainclusãonopédepauta.(Pausa)Aprovado.Agora, gostaria que fossem lidos os requerimentos. Não precisa ler na íntegra.Algunsossenhoreseassenhorasjáassinaram.-É lidoo seguinte:oitiva Josias, IvanSeixas,PauloHenriqueSawaya Junior,EmílioIvoUlrich.OSr.Presidente (GilbertoNatalini)–Os vereadores que concordarem com orequerimento,permaneçamcomoestão.(Pausa)Estáaprovado.-Élidooseguinte:períciastécnicasnosrestosmortaisdeGeraldoRibeiro,motoristadoex-presidenteJuscelinoKubitschek.O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – Os Srs. Vereadores que concordarem,

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permaneçamcomoestão.(Pausa)Aprovado.-Élidooseguinte:oitivaCarlosMurilo,primodoex-presidenteOSr.Presidente (GilbertoNatalini)–Os vereadores que concordarem com orequerimento,permaneçamcomoestão.(Pausa)Estáaprovado.- É lido o seguinte: ofício a José EduardoMartins Cardoso solicitando endereço etelefonesdeex-policiaisrodoviáriosfederais.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Ossenhoresvereadoresqueconcordaremcomorequerimento,permaneçamcomoestão.(Pausa)Estáaprovado.-Élidooseguinte:(viagemdopresidenteeassessorparaBeloHorizonte)OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–AntesdecolocaremvotaçãoperguntosealgumvereadordacomissãoquerparticipardareuniãodaComissãodaVerdadedeMinas Gerais, fique à vontade e pode nos acompanhar. Os vereadores queconcordaremcomorequerimentopermaneçamcomoestão.(Pausa)Estáaprovado.-Élidooseguinte:(relaçãode17documentospararelatóriofinal)OSr.Presidente (GilbertoNatalini)–Os vereadores que concordarem com orequerimento,permaneçamcomoestão.(Pausa)Estáaprovado.

OsdepoentesNodia13deagostode2013,antesdeseiniciaremasoitivas,aprovaram-sediversosrequerimentos. Em seguida prestaram depoimentos Gabriel Junqueira Villa-Forte,filho do brigadeiro Newton Villa-Forte, dono do hotel fazenda onde JK e seumotoristaGeraldoRibeirofizeramasuaúltimaparada;SerafimJardim,ex-secretáriode Juscelino Kubitschek; Paulo Castelo Branco, advogado do caso, e Paulo Oliver,testemunhaqueviajavanoônibusCometa.O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – Bom dia a todos e a todas. Com apresença dos vereadoresNatalini, que preside esta reunião,MarioCovasNeto, seurelator, José PoliceNeto e Laércio Benko, temos quórumqualificado para abrir, naforma regimental, os trabalhos da reunião ordinária da Comissão da Verdade doMunicípio de São Paulo Vladimir Herzog. Declaro, portanto, aberta esta sessão daComissão.ConvidamosoSr.GabrielJunqueiraVilaForte.(capítuloVdoRelatório)

DiscordânciasDiantedahesitaçãodaCNVemaceitarainvestigaçãodaCMVVH,enviaram-seofíciosepedidodedocumentos.Ofícionº5812/2014-26ºGV

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AoIlmoSr.PedroA.B.DallariCoordenadordaComissãoNacionaldaVerdadePormeiodaCoordenaçãodeOuvidoriadaComissãoNacionaldaVerdade (Regimento interno,art.30)CentroCulturalBancodoBrasil–Portaria1-2ºandar–SCESTrecho2,Lote22–Brasília-DF|CEP70200-002PrezadoSenhor,Emnome daComissãoMunicipal daVerdadeVladimirHerzog, instituída pelaCâmaraMunicipal deSãoPaulo,venhopormeiodesteOfício,combasenaLeinº12.528de18denovembrode2011,art.3o, I, V e VII, e art. 4o, I, VI e § 6o,e em especial item “a” da cláusula segunda do acordo decooperaçãotécnicanº06/2013,bemcomonoart.1odaResoluçãono4,de17desetembrode2012,comoobjetivodeprestar informaçõespara finsdeestabelecimentodaverdadeeesclarecimentodesituaçãodefatoexaminadopelaComissãoNacionaldaVerdade,requereroquesegue:1-Reiteraroofíciono5782/2014,de29deabrilde2014,parasolicitarnovamenteaVossaSenhoriaadocumentaçãoanalisadaeutilizadapor estaComissãoNacional daVerdadepara fundamentar o5ºRelatórioPreliminardePesquisadivulgadoem22deabrilde2014,acercadasmortesdoex-presidenteJuscelinoKubitschekedeseumotorista,GeraldoRibeiro;2-QueV.Sa.realizeaudiênciapúblicaparaaapresentaçãodorelatóriodeinvestigaçõesedosfatos,documentosedepoimentoscoletadospelaComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzog,quecontecomapresençaderepresentantesdaComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzog,comoobjetivode contribuir para a apuração dos fatos e circunstâncias relacionados às mortes do ex-presidenteJuscelinoKubitschekedeseumotorista,GeraldoRibeiro.DentrodoespíritodecooperaçãoquesemprenorteounossostrabalhosearelaçãocomaComissãoNacionaldaVerdade,bemcomopeloespíritoinsculpidonoartigo6º.daLei12.582/2011,reiteroqueadocumentaçãosolicitada,aapresentaçãodosnovoselementoseconfrontaçãodosrelatóriosdasduascomissõesserádecrucialimportânciaparaoexercíciodocontraditórioeaconstruçãodemocráticadaVerdade,daMemóriaedaHistóriadoBrasil,conformeosditamesdaLeiedaConstituiçãoFederal.Comelevadosprotestosdeestimaeconsideração.Atenciosamente,GilbertoNataliniPresidentedaComissãodaVerdadeVladimirHerzogInstado a manifestar-se, o presidente da CMVVH escreveu um artigo para

Tendências/Debates, do jornal Folha de S. Paulo, publicado no dia 6 de maio de2014.http://www.vereadornatalini.com.br/PDF/RelatorioJK_CCF24022014.pdf)

JKfoiassassinadoGilbertoNatalini

Ao contrário do que sustenta a Comissão Nacional da Verdade (CNV), o ex-presidente Juscelino Kubitschek não morreu em acidente de trânsito, mas foiassassinado pela ditadura militar. O levantamento federal despreza circunstâncias,indícios,evidências,testemunhoseprovasdainvestigaçãodaComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzog (CMVVH),deSãoPaulo,deonde JK saiuparamorrer, em22de agosto de 1976, após cruzar a divisa SãoPaulo –Rio de Janeiro, naRodoviaPresidenteDutra.

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Em artigo neste espaço, José Paulo Cavalcanti Filho, da CNV, escreveu que odesastreocorreunumareta.JKmorreuapóssequênciadequatrocurvas,sendoqueaúltima, em leve aclive à direita, não foi completada pelo motorista do presidente,GeraldoRibeiro.EnadajustificaqueoexperienteRibeirofizessemanobraarriscada,ultrapassandoumônibuspeladireita,emcurva,anãoserqueestivesseemsituaçãodeextremaemergência.Quase38anosapósamortede JK,aCNV ressuscita“investigação”daditaduraqueresponsabilizouomotoristadoônibusdaViaçãoCometa, JosiasNunesdeOliveira,por provocar as mortes de JK e Ribeiro. Segundo a acusação, o ônibus bateu noautomóvel, lançando-o desgovernado para a outra pista, onde colidiu contra umcaminhão.A CNV menosprezou os testemunhos dos passageiros do ônibus que,unanimemente, informaramnão terhavido choque comoOpalade JK. Oliveira foiabsolvido, ainda na década de 1970, em dois julgamentos, nos quais a acusaçãoousouapresentarumlaudodetintassemassinatura.Em sua “investigação”, a CNV não leva em conta que JK e Ribeiro morreram trêsminutos após deixarem o Hotel-Fazenda Villa-Forte, cujo proprietário era obrigadeiroNewton JunqueiraVilla-Forte, um dos criadores do ServiçoNacional deInformações(SNI),homemligadoaoentãoministrodaCasaCivil,generalGolberydoCoutoeSilva,eaochefedoSNIem1976,generalJoãoBaptistaFigueiredo,dequemobrigadeirohaviasidoprofessornaEscolaMilitardeRealengo.As autoridades policiais do Rio de Janeiro jamais investigaram a parada de JK noHotel-Fazenda Villa-Forte, em Resende (RJ), o último lugar em que JK e Ribeiroestiveramcomvida.OfatotambémnãofoiconsideradoimportantepelaCNV.Na perícia da ditadura, o lado esquerdo da traseira do Opala está intacto emfotografia da noite do “acidente”, mas danificado no dia seguinte, para justificar abatidadoônibus,apósumatrocaestranhadeperitos.EmdepoimentoàCMVVH,ignoradopelaCNV,ojornalistaIvanMachado,quecobriuo“acidente”,relatouquepoliciaisrodoviáriosalteraramaposiçãodoOpalanaDutra,antesdaperícia,cumprindoordenssuperiores.Em suas conclusões, aCNV elogia aPolíciaCivil e o InstitutodeCriminalística doRiodeJaneiro,que“nãomediramesforçosparaelucidaroacidente”,masnãoemiteparecer,porexemplo,sobreafaltaderadiografiasnocadáverdeRibeiro.ACNVmanteve-se alheia à ameaça demorte à jornalista que reportou queDonaSarahKubitschek,viúvadeJK,acreditavanoassassinatodomarido.Damesma forma,deixoude ladodeclaraçãodomotoristadaViaçãoCometa,quecontouterrecebidoofertadesubornoparaassumiraresponsabilidadepelamortedeJK.DodepoimentodeOliveiraàCMVVH:“Seeufalassequeeraoculpadodoacidente,

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aqueledinheiroseriatodomeu.Eufalei:não,nãotenhoculpadenada”.OutrodepoimentoaoqualaCNVfezvistasgrossasfoiodomotoristaAdemarJahn,quedeclaroutervistoomotoristadeJKcomacabeçacaída,entreovolanteeaportadoOpala,antesdochoquecomocaminhão.Ouseja,Ribeironãocompletouacurvaà direita e o Opala seguiu descontrolado para a contramão da Dutra porque,provavelmente,omotoristajáestavasemvida.O“RelatórioJK”,daCMVVH(traz103itensquedemonstramoassassinatodeJK.NodepoimentodeCarlosHeitorCony,porexemplo,ojornalistarelataterapuradoque,aodeixaroestacionamentodoHotel-FazendaVilla-Forte,RibeiroestranhouoOpalaaoengatarmarcharéeindagousealguémhaviamexidonoveículo.Para provar que não ocorreu sabotagem no automóvel, a Polícia Civil do Rio deJaneiro apresentou os destroços do carro para nova perícia em 1996. Descobriu-sedepois que o Opala examinado tinha número do motor diferente do Opala queconduziaJK.Aperíciafoifeitaemoutroveículo.Em1976, JKdavaosprimeirospassospara secandidatarapresidente,naseleiçõesindiretasde1978.MortoJK,oeleitofoiogeneralJoãoBaptistaFigueiredo,omesmoquehaviasidoalunodobrigadeiroNewtonJunqueiraVilla-Forte.Gilberto Natalini, 62, é médico, vereador (PV-SP) e presidente da ComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzog

AmigofielEm 1996 Serafim Jardim, o amigo e ex-secretário de Juscelino Kubitschek, e oadvogado Paulo Castelo Branco conseguiram reabrir o processo para investigar amorte do ex-presidente e de seu motorista Geraldo Ribeiro. Requereu-se à Justiçaexumação domotorista de JK, Geraldo Ribeiro. Porém impediram o perito criminalAlbertoCarlos deMinas de se aproximar e fotografar o crânio. Serafim Jardimnãodesistiu da luta. Paulo Castelo Branco aconselhou-o a propor que a ComissãoNacionaldaVerdadeoouvisse.Segue-sesuapetição.UrgenteExmo.Sr.CoordenadordeOuvidoria,SerafimMelo Jardim, Brasileiro, natural de Diamantina/MG, desquitado, carteirade identidade nº MG - 5.216.287, residente na rua Onix, 33, Bairro Vale dosDiamantes,Diamantina/MG,nostermosgarantidospelaConstituiçãoFederal,art.1o,Lei 9.784 de 1999, que regula o processo administrativo, arts. 2o, 3o, e 48, e Lei12,518de2011,quecriaaComissãoNacionaldaVerdade,arts.3oe4o,c.c.comseuRegimento(instituídopelaResoluçãono.08/2013),arts.1oe25,vemapresentaraV.Exa., a fim de que seja encaminhada com urgência ao Coordenador Dr. Pedro

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Dallari,aseguintePETIÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES PARA FINS DE ESTABELECIMENTO DAVERDADEEESCLARECIMENTODESITUAÇÃODEFATO1.ApresenteComissãoNacionaldaVerdade,conformeoart.3o.dalei12.528de2012,foicriadacomosnobresobjetivosdeI - esclarecer os fatos e as circunstâncias dos casos de graves violações de direitoshumanosmencionadosnocaputdoart.1o;II - promover o esclarecimento circunstanciado dos casos de (...) mortes, (...) e suaautoria(...);III - identificar e tornar públicos as estruturas, os locais, as instituições e ascircunstânciasrelacionadosàpráticadeviolaçõesdedireitoshumanosmencionadasnocaput do art. 1o e suas eventuais ramificações nos diversos aparelhos estatais e nasociedade;(...)V-colaborarcomtodasas instânciasdopoderpúblicoparaapuraçãodeviolaçãodedireitoshumanos;(...)VII-promover,combasenosinformesobtidos,areconstruçãodahistóriadoscasosdegravesviolaçõesdedireitoshumanos(...).2.AsubmissãodolegisladoràConstituiçãodemocráticade1988trouxesabedoriaànormaorganizadoradaComissão,abrindoamploespaçoaoscidadãosbrasileirosparaque tais fins sejam alcançados, concretizando uma das aspirações cidadãs maisrelevantes do período pós-autoritário: que a verdade não seja mais o produto damentedeumindivíduoqueseapossoudoaparatoestatal,masquesejaresultadodeum amplo debate, que ouça as diversas vozes e versões, e considere todos oselementoseindíciosapresentados.3. Justamente para cumprir tal função, a Lei determinou uma estrutura jurídicacristalina, dotando “qualquer cidadão“ da “prerrogativa” de “solicitar ou prestarinformações”àComissão,nosindisputáveistermosdoart.4o.:Art.4oParaexecuçãodosobjetivosprevistosnoart.3o(...)§6oQualquercidadãoquedemonstreinteresseemesclarecersituaçãodefatoreveladaou declarada pela Comissão terá aprerrogativade solicitar ouprestar informaçõesparafinsdeestabelecimentodaverdade.4.TaldeterminaçãoéinstrumentalizadapeloseuRegimentoInterno,art.25:

Art.25.ÀCoordenaçãodeOuvidoriacaberá:I–receberinformaçõesecontribuiçõesdoscidadãosapresentadasàComissão;II–atenderedirecionarasdemandasdopúblicoàComissão;III – responder as demandas apresentadas à Comissão, ouvidas as unidadesresponsáveis;

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IV–estruturaremantermecanismosparaatendimentoaopúblico;(...)VII–gerenciaroatendimentopresencialatestemunhasepessoasinteressadas,quandonecessário;eVIII–atenderàsdemandasdaLeideAcessoàInformação.5. Tais estipulações detalham do comando maior, que determina a plenapublicidadedostrabalhosdaComissãodaVerdade,comoprevêoart.5odesuaLeidecriaçãoeoart.16doRegimentoInterno.6. Assim, ao cidadão é garantido o exercício de sua prerrogativa de prestarinformações para fins de esclarecimento da verdade, e àCNV cabe instrumentalizarestedireito,cumprindocomafinalidadedesteórgãopúblico,comodeterminadonoart.1o.doRegimentoInterno:DANATUREZAEFINALIDADE(...)finalidadeexaminareesclarecerasgravesviolaçõesdedireitoshumanos,(...)afimde efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliaçãonacional.7.TendoemvistaadivulgaçãodoRelatórioPreliminardestaCNVsobreamortedoex-presidenteJuscelinoKubitschekdeOliveira,éimprescindívelregistrarqueexistemainda fatos e documentos a serem analisados para o pleno exercício do Direito àMemóriaeàVerdade,principalmentequandotrazidosaestaComissãoporcidadãoquereúnedocumentoseinformaçõesfulcraisaodeslindedocaso.8.Osignatáriodapresentepetição,Sr.SerafimJardim,nasceuemDiamantinaem11deagostode1935,acompanhouoPresidenteJuscelinode1967a1976.AmigodeJK e comoelemesmodizia “amigode todas ashoras,boasoudifíceis, companheiroquenuncahesitou,mesmofaceaoperigo,emmecercardeapoioesolidariedade...”4.Até hoje, é curador da Casa de Juscelino, onde o ex-presidente residiu emDiamantina-MG,hojetransformadoemmuseu.9.Meupai,foraamigodeinfânciadeJKemeutioeraoArcebispodeDiamantina,DomSerafimGomes Jardim, foiumgrandeamigoe Juscelinomuitooadmirava.Apartir de 1967, por escolha de Juscelino, passei a estar ao seu lado em todos osmomentos, durante 09 anos de lutas e sacrifícios. Durante este tempo, ouvi de JKvárias histórias, sempre a dizer “porque a linha dura não gosta de mim?” EscuteiváriasvezesdeJKdizer“estãoquerendomematar”,nodia08deagostode1976,aoapanhá-lo no aeroporto da Pampulha, depois do boato do dia 07, quando correupelos jornaiserádiosumanotíciadasuamorteemumacidentedecarro,eudisseaele “Presidente, ontem o Sr. nos passou um grande susto” e ele respondeu “ estãoquerendomematar,masnãomemataramnão”.Todososórgãosdeimprensaforamavisadosdamorte-TV,jornaiserádios.Em1996,quandodaaberturadoprocessoda

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suamorte,recebidemilitaresumacartaextremamenteviolenta,dizendoqueeunãodeveria ter nascido, o que eles não tinham culpa, mas que devia pelo menos ficarcalado.10.QuandopediareaberturadoinquéritorelativoàmortedeJuscelinoKubitschekeGeraldoRibeiro,fizpordiversosmotivos,fatosedocumentoscoletadosaolongodeanosdededicaçãoaJuscelino,antesdedepoisdesuamorte.11.Assim,éapresentepetiçãoparaquesejarecebidopelaComissãoNacionalda

VerdadeoSr.SerafimJardim,emaudiênciacomafinalidadedeprestarinformaçõesarespeitodosfatosparafinsdeestabelecimentodaverdadeemrelaçãoàsmortesdoPresidenteJuscelinoKubitschekeseumotorista,GeraldoRibeiro,que sãoobjetodeanálisedestecolegiado.Respeitosamente,Pededeferimento,Brasília,19demaiode2014.SerafimMeloJardimRGnº5.216.287E-mail:[email protected]:(38)3531-3607

ÚltimachanceEmpenhada em reabrir o processo de JK e estabelecer a verdade sobre o queaconteceuaopresidenteeseumotorista,aCMVVHaprovoudar inícioaoprocessodeuma nova exumação dos restos mortais de Geraldo Ribeiro. Em contato com aprocuradoria deVolta Redonda, que tem a jurisdição sobre Resende, encontrou asportasabertas.

ReaçãofamiliarEm30de setembrode2013osprocuradores legislativosdaCâmaraMunicipaldeSãoPaulorequereramàJustiçamineira,pormeiodeAlvaráJudicial,autorizaçãoparaexumar e submeter à perícia técnica as ossadas de Geraldo Ribeiro, motorista deJuscelinoKubitschek.Novamenteascircunstânciasforamdesfavoráveis:afamílianãoopermitiu.

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AdatadogolpeEm 25 de fevereiro de 2014, diante dos fatos históricos e inconformado com oestado de mentira contumaz5, o vereador Laercio Benko, da CMVVH, apresentoumoçãoparaquesecorrija,noslivrosdeHistóriadoBrasil,adatadogolpecivil-militarde1964,inscrevendo-seacorreta,1ºdeabril.OvereadorGilbertoNataliniinformouque a CMVVH faria com a TV Câmara uma vinheta relacionando a Comissão daVerdade e os 50 anosdo golpe. Seria veiculadadurante o final domêsdemarço einíciodeabril.

AvozdaUNEDuarte Pereira e José Serra, dirigentes da UNE em 1964, falaram à Comissão

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MunicipaldaVerdadeVlaimirHerzog.(CapítuloXIII)OuçaodiscursodeJoséSerra,quenotouoseusotaqueitalianoàépoca,perdidocomotempo.www.ebc.com.br/cidadania/2014/jose-serra-chamou-estudantes-a-resistirem-ao-golpe-no-dia-1º-de-abril-de-1964

OinacreditávelCalandraACOMISSÃONACIONALDAVERDADE,DEBRASÍLIA,CONVOCAOTORTURADORCALANDRAETOMASEUDEPOIMENTOEMSÃOPAULOAparecido Laerte Calandra foi convidado a dar seu depoimento à ComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzog.Diantedarecusa,osvereadoressolicitarama cooperação da Comissão Nacional da Verdade, no quadro do Acordo deCooperaçãoTécnicaquecelebraram.OcoordenadordaCNV,Dr.PedroDallari, e oex-coordenador,Dr.JoséCarlosDias,conduziramaoitiva.“Dr.AparecidoLaerteCalandra,agradeçoquetenhacomparecidoaessaaudiênciapública, que objetiva, justamente, apurar fatos relacionados à participação sua emsituações que envolveram graves violações aos direitos humanos. A ComissãoNacional da Verdade, tendo recebido um conjunto de elementos, documentos ecolhido um conjunto de testemunhos que evidenciam a sua participação emoutroseventosrelacionadosagravesviolaçõesaosdireitoshumanos,houveporbemdestinarestaaudiênciaparaqueasua informaçãopudesseserprestadaàComissãoNacionaldaVerdade.A Comissão Nacional da Verdade não é uma comissão processante, não é umacomissão de natureza jurisdicional, inquisitorial, mas tem a responsabilidade hoje,legal, de construir um quadro fático que procure revelar à sociedade brasileira oseventos relacionados a essas graves violações dos direitos humanos. Esse o seuobjetivofundamental.Esta comissão, com base nas informações que obteve, preparou um conjunto dequestões. O senhor tem liberdade para expor, falar, apresentar seus elementos. Sejulgar por bem consultar o seu advogado, pode fazê-lo. Não é finalidade destacomissão outra coisa que não seja a obtenção da verdade e da realidade dos fatos.Portanto,éissoquenosmoveaqui.Tenho clareza, por conta desses testemunhos prestados, que os presentesnecessariamente terãomuitas emoções, é natural.Mas peço a colaboração de todospara que o depoimento do Dr. Aparecido Laerte Calandra traga elementosimportanteseacomissãopossacumpriroseupapelnaelucidaçãodosfatos.”(depoimentonocapítuloIX)

Gravina,queostentavacrucifixo

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Infelizmente vários torturadores se aferram à mentira e ao silêncio. Um deles éDirceuGravina,especialistaemcausarsofrimento.Aseguir,trechosdedepoimentosdedoispresospolíticodaditadura,EleonoraMenicuccideOliveirae IvanAkselrudSeixas. E o ofício que aComissãoMunicipal daVerdadeVladimirHerzog enviou àComissão Nacional da Verdade, pedindo que convocasse Dirceu Gravina a depor.TambémogovernadordeSãoPaulofoioficialmenteinformadosobrearesistênciadeGravinaemdepor,commençãoacrimesqueonotabilizaram.

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AdenúnciacontraocoronelUstraéaceitaPODERJUDICIÁRIOJUSTIÇAFEDERALAutosn.º0011580-69.2012.403.6181CONCLUSÃOEm23deoutubrode2012,façoconclusãodestesautosaoExmo.JuizFederalda9ªVaraCriminalFederal,Dr.HÉLIOEGYDIODEMATOSNOGUEIRA.Eu,ThaisPenachioni–RF3402,técnicajudiciária,digitei..-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-Autosn.º0011580-69.2012.403.6181I –Trata-sededenúnciaofertadapeloMinistérioPúblicoFederal em facedeCARLOSALBERTO

BRILHANTEUSTRA,ALCIDESSINGILLOeCARLOSALBERTOAUGUSTO,porsupostapráticadocrimeprevistonoartigo148,§2ºdoCódigoPenal,porque,desdeodia13/06/1971atéapresentedata,nestaCapital,previamenteajustadosecomunidadesdedesígniosentresiecomoutrosagentesnãoidentificados privaram ilegalmente a vítima EDGAR DE AQUINO DUARTE (que utilizava também onome IvanMarques Lemos) de sua liberdade,mediante sequestro cometido no contexto de ataqueestatal sistemático e generalizado contra a população, tendo eles pleno conhecimento dascircunstânciasdesteataque.Consta,também,dadenúncia,queavítima,emrazãodosmaus-tratosprovocadosilegalmentepelos

denunciadospadeceudegravíssimosofrimentofísicoemoral(fls.1101/1142).Éorelatório.Decido.Anoto,deinício,queodelitodesequestro,previstonoartigo148doCódigoPenalécrimedenaturezamaterial e permanente, perfazendo-se enquanto perdurar a privação da liberdade da vítima. Comoconsequência, enquanto estiver sendo perpetrado não incide o início de prazo prescricional, nosprecisos termos do artigo 111, III, do Código Penal. Embora o Brasil tenha aprovado a ConvençãoInteramericanasobreoDesaparecimentoForçadodePessoas(ConvençãodeBelémdoPará)atravésdoDecretoLegislativon.º127/2011,aindanãohá,noordenamentojurídicoatipificaçãodestaconduta.Segundooartigo2ºdo referido tratado: “(...)entende-sepordesaparecimento forçadoaprivaçãodeliberdadedeumapessoaoumaispessoas,sejadequeformafor,praticadaporagentesdoEstadooupor pessoas ou grupo de pessoas que atuem com autorização, apoio ou consentimento do Estadoseguidadefaltadeinformaçãooudarecusaareconheceraprivaçãodeliberdadeouainformarsobreoparadeirodapessoa, impedindoassimoexercíciodosrecursos legaisedasgarantiasprocessuaispertinentes.”Entretanto,oE.STF,adotandoamesmasoluçãoparaocrimedeconspiração,equiparando-oaodelitodequadrilhaoubando(Extradiçãonº1122/EstadodeIsrael,RelatorMin.AyresBritto,j.21/05/09),emcasos como do Major Manuel Juan Cordeiro Piacentini (Extradição nº 974. Rel. Min. RicardoLewandowiski, j. 26/08/09) e do Major Norberto Raul Tozzo (Extradição nº 150, Rel. Min. CarmemLúcia,j.19/05/2011),autorizousuasextradiçõesparaaRepúblicadaArgentina,porcrimescometidosnadécadade1970,desconsiderandoo“nomen juris”dodelito,porentenderqueodesaparecimentoforçado, naquelas hipóteses, equipava-se ao crime de sequestro (artigo 148 do Código Penal), oraimputadosaosdenunciados,havendo,poisorequisitodaduplatipicidade.Isto posto, impende observar que uma das características da transição política do Brasil,diferentemente de outras experiências continentais, é a ausência de punição dos agentes estataisenvolvidos nos excessos perpetrados durante o período de repressão política vez que delitos comohomicídios e lesões corporais, entre outros, foram albergados pela chamada Lei da Anistia (Lei n.º6.683/79),aliás,consideradaconstitucionalpeloSTFno julgamentodaArguiçãodeDescumprimentodePreceito Fundamental (ADPFn.º153/DF) promovida peloConselho Federal daOAB. No entanto,levandoemcontaanaturezadodelitodesequestroqueseprotraino tempoeseprolongaatéhoje,

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somentecessandoquantoavítimaforlibertada,seestiverviva,ouseusrestosmortaisforencontrado,não se aplicado, pois, aqui as disposições da chamada Lei da Anistia, concedida àqueles que noperíodode02/05/1961a15/08/1979perpetraramcrimespolíticoouconexosaestes.Comefeito,ecomoseveráaseguir,avítimadesapareceuenquantopermaneciaempoderdosórgãosderepressãoestataleseucorpojamaisfoiencontradosendolícitopresumir,nolimiardaaçãopenal,emque vigoraa presunção “pro societate”, que foi detidae sequestradaequea supressãode sualiberdadeperdureaté a data dehoje.Consigno, outrossim, quea Lei n.º 9.140, de04/12/1995, nãoservedeempeçoparaapresenteaçãopenal.Odiploma legal,decaráterefetivamentehumanitário,embora use em seu texto a expressão “para todos os efeitos legais” reconhece amorte presumida(artigo3ºe12daLein.º9140/95)depessoasdesaparecidasemrazãodaparticipação,ouacusaçãodeparticipação,ematividadespolíticasnoperíodode02/09/1961a15/09/1979,noâmbitocivil,enãogeraefeitospenais,emquesebuscaaverdadereal,otextoveioàlumeembenefíciodosfamiliaresdasvítimasedosprópriosofendidos,paraquesefacilitasseopagamentoaelesdeindenizações,nãose admitindo que possa agora ser utilizado, como bem assentou oMinistério Público Federal, paraexoneraroEstadodeseudeverirrenunciáveldeassegurarproteçãoàsvítimas,inclusivepormeiodosistemaprocessualcriminal.Seassimnãofosse,apenasparaargumentar,oscasosdedesaparecidosforçados,otermoinicialdaprescriçãodapretensãopunitivaseria05/12/1995datadapublicaçãodalei,e,nestahipótese,haveriaaobrigaçãoestataldeapurarcrimedehomicídioquenãoestariamprescritosenemacobertadospelaanistia.AcolhooentendimentoexternadopeloE.MinistroCezarPeluso,nojulgamentodaExtradiçãon.º974,lembrada pelo “Parquet” Federal, segundo o qual, em caso de desaparecimento de pessoassequestradaspor agentes estatais, somente uma sentençanaqual esteja fixadaa data provável doóbitoéaptaafazercessarapermanênciadocrimedesequestropois,semela,“ohomicídionãopassademeraespeculação,incapazdedesencadearafluênciadoprazoprescricional”.Destaco, ainda, que o Brasil ratificou o Pacto de São Jose da Costa Rica, que ingressou noordenamento jurídico por força do Decreto n.º 678/92. E o Brasil, desde a edição do Decreto n.º4.463/02, passo a reconhecer a jurisdição obrigatória daCorte Interamericana deDireitosHumanos(CIDH),órgãoqueinvestiga,interpretaeaplicaocitadoPactodaSãoJosédaCostaRica.Emboranãodigarespeitodiretamenteaocasoemquestão,mascujosfundamentospodemserorautilizados,apóso julgamento da ADPF n.º 123 pelo STF em 04/11/2010, a CIDH considerou culpado o EstadoBrasileiropelasmortesedesaparecimentosdemilitantespolíticosnachamada“GuerrilhadoAraguaia”(casoGomesLundvs.Brasil).Emespecial,noquetangeaodesaparecimentoforçado,oentendeuaCorte Internacional como grave violação múltipla e continuada de direitos humanos de caráterpermanente, praticados por agentes estatais que se nem a revelar a sorte e o paradeiro da vítima,ressaltandoserimperiosaumainvestigaçãosemprequehajamfundadassuspeitasqueumapessoafoisubmetidaadesaparecimentoforçado,cabendoumaapuraçãoséria,imparcialeefetiva,alvitrandoqueosEstadostipifiquememsuas legislaçõestaiscondutas ilícitas, levantando-seobstáculosnormativosque impeçam a investigação e, eventualmente, a punição de tais atos, conforme §§ 101 a 111 dasentença,que,porseroportunoeconveniente,transcrevo,semascorrespondentesnotasderodapé:“101.EsteTribunalconsideraadequado reiteraro fundamento jurídicoquesustentaumaperspectivaintegral sobre o desaparecimento forçado de pessoas, em virtude da pluralidade de condutas que,unidasporumúnicofim,violamdemaneirapermanente,enquantosubsistam,bensjurídicosprotegidospelaConvenção.102. A Corte nota que não é recente a atenção da comunidade internacional ao fenômeno dodesaparecimento forçado de pessoas. O Grupo de Trabalho sobre Desaparecimentos Forçados eInvoluntários de Pessoas das Nações Unidas elaborou, desde a década de 80, uma definiçãooperacionaldofenômeno,neladestacandoadetençãoilegalporagentes,dependênciagovernamental,ou grupo organizado de particulares atuando em nome do Estado, ou contando com seu apoio,autorização ou consentimento.Os elementos conceituais estabelecidos por esseGrupo deTrabalhoforamretomadosposteriormentenasdefiniçõesdedistintosinstrumentosinternacionais(infrapar.104).

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103. Adicionalmente, no Direito Internacional, a jurisprudência deste Tribunal foi precursora daconsolidaçãodeumaperspectivaabrangentedagravidadeedocarátercontinuadooupermanentedafiguradodesaparecimentoforçadodepessoas,naqualoatodedesaparecimentoesuaexecuçãoseiniciamcomaprivaçãodaliberdadedapessoaeasubsequentefaltadeinformaçãosobreseudestino,e permanece enquanto não se conheça o paradeiro da pessoa desaparecida e se determine comcertezasuaidentidade.Emconformidadecomtodooexposto,aCortereiterouqueodesaparecimentoforçadoconstituiumaviolaçãomúltipladeváriosdireitosprotegidospelaConvençãoAmericana,quecolocaavítimaemumestadodecompletadesproteçãoeacarretaoutrasviolaçõesconexas, sendoespecialmentegravequandofazpartedeumpadrãosistemáticooupráticaaplicadaoutoleradapeloEstado.104. A caracterização pluriofensiva, quanto aos direitos afetados, e continuada ou permanente dodesaparecimentoforçadosedesprendedajurisprudênciadesteTribunal,demaneiraconstante,desdeseuprimeirocasocontenciosohámaisdevinteanos,inclusivecomanterioridadeàdefiniçãocontidadaConvenção InteramericanasobreDesaparecimentoForçadodePessoas.Essacaracterizaçãoresultaconsistente comoutras definições contidas emdiferentes instrumentos internacionais, que salientamcomoelementossimultâneoseconstitutivosdodesaparecimentoforçado:a)aprivaçãodaliberdade;b)aintervençãodiretadeagentesestataisousuaaquiescência,ec)anegativadereconheceradetençãoerevelarasorteouoparadeirodapessoaimplicada.Emocasiõesanteriores,esteTribunaljásalientouque, ademais, a jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Humanos, as decisões de diferentesinstâncias dasNaçõesUnidas, bem como de vários tribunais constitucionais e outros altos tribunaisnacionaisdosEstadosamericanos,coincidemcomacaracterizaçãoindicada.105.ACorteverificouaconsolidaçãointernacionalnaanálisedessecrime,oqualconfiguraumagraveviolaçãodedireitoshumanos,dadaaparticularrelevânciadastransgressõesqueimplicaeanaturezados direitos lesionados. A prática de desaparecimentos forçados implica um crasso abandono dosprincípios essenciais em que se fundamenta o Sistema Interamericano de Direitos Humanos e suaproibiçãoalcançouocaráterdejuscogens.106. O dever de prevenção do Estado abrange todas as medidas de caráter jurídico, político,administrativoeculturalquepromovamasalvaguardadosdireitoshumanos.Dessemodo,aprivaçãode liberdade em centros legalmente reconhecidos, bem como a existência de registros de detidos,constituemsalvaguardasfundamentais,interalia,contraodesaparecimentoforçado.Acontrariosensu,a implantação e amanutenção de centros clandestinos de detenção configuram per se uma falta àobrigação de garantia, por atentar diretamente contra os direitos à liberdade pessoal, à integridadepessoal,àvidaeàpersonalidadejurídica.107.Poisbem,jáqueumdosobjetivosdodesaparecimentoforçadoéimpediroexercíciodosrecursoslegaisedasgarantiasprocessuaispertinentesquandoumapessoatenhasidosubmetidaasequestro,detenção ou qualquer forma de privação da liberdade, com o objetivo de ocasionar seudesaparecimento forçado, se a própria vítima não pode ter acesso aos recursos disponíveis éfundamental que os familiares ou outras pessoas próximas possam aceder a procedimentos ourecursos judiciais rápidose eficazes, comomeio para determinar seuparadeiro ou sua condiçãodesaúde,ouparaindividualizaraautoridadequeordenouaprivaçãodeliberdadeouatornouefetiva.108.Emdefinitivo,semprequehajamotivosrazoáveisparasuspeitarqueumapessoafoisubmetidaadesaparecimentoforçadodeveiniciar-seumainvestigação.Essaobrigaçãoindependedaapresentaçãodeumadenúncia,pois,emcasosdedesaparecimentoforçado,oDireitoInternacionaleodevergeralde garantia impõem a obrigação de investigar o caso ex officio, sem dilação, e de maneira séria,imparcialeefetiva.Trata-sedeumelementofundamentalecondicionanteparaaproteçãodosdireitosafetados por essas situações. Em qualquer caso, toda autoridade estatal, funcionário público ouparticular,quetenhatidonotíciadeatosdestinadosaodesaparecimento forçadodepessoas,deverádenunciá-loimediatamente.109.Para que uma investigação seja efetiva, os Estados devem estabelecer um marco normativoadequadoparaconduzira investigação,oque implica regulamentar comodelitoautônomo,emsuaslegislações internas, o desaparecimento forçado de pessoas, posto que a persecução penal é um

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instrumentoadequadoparaprevenirfuturasviolaçõesdedireitoshumanosdessanatureza.Outrossim,o Estado deve garantir que nenhum obstáculo normativo ou de outra índole impeça a investigaçãodessesatos,eseforocaso,apuniçãodosresponsáveis.110.Detodooexposto,pode-seconcluirqueosatosqueconstituemodesaparecimentoforçadotêmcaráter permanente e que suas consequências acarretam uma pluriofensividade aos direitos daspessoasreconhecidosnaConvençãoAmericana,enquantonãoseconheçaoparadeirodavítimaouseencontrem seus restos, motivo pelo qual os Estados têm o dever correlato de investigar e,eventualmente,punirosresponsáveis,conformeasobrigaçõesdecorrentesdaConvençãoAmericana.111.Nessesentido,nopresentecaso,aanálisedodesaparecimentoforçadodeveabrangeroconjuntodos fatos submetidos à consideração do Tribunal. Somente desse modo a análise jurídica dessefenômenoseráconsequentecomacomplexaviolaçãodedireitoshumanosqueele implica,comseucarátercontinuadooupermanenteecomanecessidadedeconsiderarocontextoemqueocorreramosfatos,afimdeanalisarosefeitosprolongadosnotempoefocalizarintegralmentesuasconsequências,levandoemcontaocorpusjurisdeproteção,tantointeramericanocomointernacional.”Aalegaçãodeincompetênciarationetemporis,arguidapeloBrasil,nãopodeseracolhidaemrelaçãoaodelitodesequestro,emvirtudedesuanaturezapermanente,comoensinaMarcosZilli:“Comefeito,para a CIDH, o fato de o Brasil somente ter reconhecido a jurisdição da Corte em 10/12/1998 nãoafastaria a sua competência para o conhecimento e julgamento dos ilícitos cuja execução tevecontinuidadeparaalémdaqueladata.Nesseposto,aCIDHmanteve-seabsolutamente fielaosseusprecedentes (casos Blake vs Guatemala, Radilla Pacheco vs México, Ibsen Cardinos vs Bolívia eVelásquezRodriguesvsHonduras),reafirmandoqueoiníciodaexecuçãododesaparecimentoforçadocoincide com a privação de liberdade da vítima, prosseguindo a execução com a ausência defornecimento de qualquer informação sobre seu paradeiro.Dessa forma, o comportamento somentecessarianomomentoemqueas informaçõessobreoparadeirodavítimaouoseudestinoviesseàtona.”1 Feitas essas colocações iniciais, passo a verificar a existência de justa causa para adeflagraçãodaaçãopenal.II - O sequestro da vítima EDGAR DE AQUINO DUARTE está bem demonstrado nos autos. A

documentaçãorelativaaEDGAR,preservadanoArquivoPúblicodoEstadodeSãoPaulo,comprovaqueagentesdoDEOPS/SPsequestraram-noequeomantiveramnocárcere, ilegalmente,apartirde13/06/1971, de início nas dependências do DOI-CODI/II Exército e, depois, nas dependências doDEOPS/SP,conformeseverificadoexamedosdocumentosdefls.97/98,103,315,316,317,319e334/338 dos autos. Ademais, o sequestro de EDGAR restou corroborado ainda pela farta provatestemunhalproduzidanainvestigação,consubstanciadapelosdepoimentosdemilitantespolíticosqueestavampresostantonoDOI-CODI/IIExércitocomoDEOPS/SP(fls.53/57,167/173,174/177,195/198,203/205e225/228).Ressalte-sequenãohánosautosnotícia,oumesmoindiciodequeEDGARtenhasidoefetivamentemortoporórgãosdarepressãopolítica,inexistindoinformaçõesconcretasdeseuatualparadeiroapósservistoporpresosnoDEOPS/SPnãoháindicaçãodolocalondepossamestarseuseventuaisrestosmortais,seucadáver,localdesepultamentooudepoimentodetestemunhasqueotenhamvistomortonofartomaterialdeinvestigaçãocoligidoeexaminadoporesteMagistrado.Embora possível sua morte real, existe a probabilidade de permanecer privado de sua liberdade,conclusão que não pode ser afastada sequer pela provável idade de EDGAR nos dias de hoje (73anos), que corresponde à expectativa de vidamédia do brasileiro segundo o IBGE, e émenor, porexemplo, que a do acusadoCARLOSALBERTOBRILHANTEUSTRA. Nemmesmo a alegação daocorrênciadeaberturapolíticaedaexistênciadeumEstadohojefundadoporbasesdemocráticase,em princípio seguro, constitui circunstancia suficiente para superar a conclusão de que não háelementossuasórios,nestafaseprocessual,doóbitodavítima,constituindo-se,ademais, tal teseemargumentaçãoretóricaemetajurídica.Apenasparaargumentar,casoshá,infelizmente,deprivaçãodeliberdadequeperdurarampormuitosanos. A senadora colombiana Ingrid Betencourt ficou em cativeiro por mais de seis anos, até serlibertada viva pelas FARC. Delmanto lembra outro caso de desaparecimento, esclarecido em 2008,

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ocorridonaÁustria,emqueJosefFritzl,condenadoàprisãoperpetua,mantevesuafilhasequestradapor24anos,violentando-ae tendocomela7 filhos (“CódigoPenalComentado”,Saraiva.8ªEdição.p.529).Há,deoutrabanda,indíciossuficientesdeautoriacontraosacusados.a)CARLOSALBERTOBRILHANTEUSTRA,conhecidopor“Dr.Tibiriçá”,foicomandanteoperacionaldo DOI-CODI/II – Exército, entre 1970 a janeiro 1974 (fls. 17): como é notório, o DOI-CODI(DestacamentodeOperaçõesdeInformações–CentrodeOperaçõesdeDefesaInterna),quesucedeua“OperaçãoBandeirantes”,foiumadasmaisagressivasunidadesderepressãopolítica,especialmentenoperíodoqueoacusadoCORONELUSTRAesteveàsuafrente.Nocasodosautos,oacusadofoioautorepossuíaodomíniodofatocriminosoconsistentenaprivaçãoilegaldaliberdadedeEDGARDEAQUINO DUARTE, primeiro no DOI-CODI/II – Exército, e, posteriormente, nas descendências doDEOPS/SPdeondeavítimadesapareceu.O acusado, comandante do DOI-CODI na época dos fatos, participava, coordenava e determinavatodasasaçõesrepressivasalipraticadas,sendoinegávelquedetinhadodomíniodosfatoscriminosos.Veja-se a título de exemplo, os depoimento deEleonora deOliveira (fls. 106/113), LaurindoMartinsJunqueiraFilho(fls.114/121),LeaneVieiradeAlmeida(fls.121/128)eLeniraMachado(fls.174/177).Sobrealevanotarqueoacusadoaindafoideclaradoresponsávelpelasgravesviolaçõesàintegridadefísicaepela segurançadepresosnoDOI-CODI,em recentedecisãodoTribunaldeJustiçadeSãoPaulo (fls. 917/942). A imputação delitiva e rogada ao acusado encontra embasamento da provatestemunhal colacionada na investigação (fls. 182/184, 195/198 e 225/228) e não prova documentaljuntadaaosautos(fls.97/98,103,319,320/322)b) o acusado ALCIDES SINGILLO, delegado de Polícia Civil aposentado, esteve lotado noDepartamentodeOrdemPolíticaeSocialdeSãoPaulo(DEOPS/SP),entreabrilde1970e1975(fls.430, 436/437), existindo elementos que participou do delito em foco a partir de encaminhamento davítimaparasuaunidadedeatuaçãoem1972e,apartirde1973,emlocaldesconhecido,conformeseverificadaprovatestemunhalcoligida(fls.53/57,167/173,199/200,203/205,725e735/736).c) o acusado CARLOS ALBERTO AUGUSTO, conhecido pelo cognome “Carlinhos Metralha”, erainvestigador de policia lotado no DEOPS/SP e integrante da equipe do delegado Sergio ParanhosFleury.ApósparticipardaprisãodeJoséAnselmodosSantos (“CaboAnselmo”)noapartamentodeEDGAR,foiposteriormente,aoladodeoutrosagentespoliciais,responsávelpeladetençãotambémdavítima,em13/07/1973.Aimputaçãodecapturadavítimaesuaparticipaçãonaprivaçãopermanentedesua liberdade, encontra arrimo suficiente na prova testemunhal (fls. 53/57, 167/172, 735/736), bemcomonodocumentodefls.591dosautos(entrevistaconcedidapeloacusadoaojornalistaPercivaldeSouza).III– Por fim, é necessário que graves fatos delituosos venham à tona para serem apurados, em

qualquercondição.Sementrarnoméritodacausaeconsiderandoasingularidadedocaso,de tristememória,afigura-seaindamaisimperiosoqueascircunstanciasdaprisãoedesaparecimentodavítimarestemaclaradas,paraqueumaestóriadevidanãosejafragmentadae,deoutrolado,queseconsigaafastar dúvida perene, que, a cada dia que passa, renova a dor e agonia de todos os amigos efamiliares das vítimas. Ao contrário do que já se afirmou recentemente, independentemente dodesfechodocasonãodevemosenãopodemossepultarosfatosnosilênciodahistória.IV -Diantedoexposto,presentesos requisitosdoartigo41doCódigodeProcessoPenal,havendoprova da existência de fato que caracteriza crime em tese, e indícios da autoria, RECEBO ADENÚNCIA de fls. 1101/1142, em face de CARLOS ALBERTO BRILHANTE USTRA, ALCIDESSINGILLOeCARLOSALBERTOAUGUSTO.Requisitem-seosantecedentespenaiseasinformaçõescriminais,bemcomoascertidõeseventualmenteexistentesemnomedosacusados.Citem-seosacusados,expedindo-secartaprecatória senecessário, para responderàacusaçãoporescritoepormeiodedefensorconstituído,noprazode10 (dez)dias,nos termosdosartigos396e396-AdoCódigodeProcessoPenal.Cientifique-se,quesedeixaremdeapresentar respostaounãoindicaremadvogados,emvirtudedaimpossibilidadedearcarcomoshonoráriosdeum,seránomeadoaDefensoriaPúblicadaUniãoparapatrocinarseusinteresses.Ficamcientesaspartesque,emfacedainovaçãotrazidapeloartigo396-A,partefinal,doCódigodeProcessoPenal,deveráserjustificadaa

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necessidadedeintimaçãoporOficialdeJustiçadastestemunhaseventualmentearroladas,sendoquenosilêncio,estasdeverãocomparecerindependentementedeintimaçãoàaudiênciaaserdesignada.Ao SEDI para as devidas anotações, no tocante alteração de classe e polo passivo. Oficie-se aocartóriode registro civil depessoasnaturais indicadosàs fls. 413/415paraqueenvieaeste juízoacertidão de óbito de LUIZ GONZAGA SANTOS BARBOSA, no prazo de dez dias. Com relação aEDSELMAGNOTTIdeveráorepresentantedoMinistérioPúblicoFederalindicarocartórioderegistrocivil de pessoa natural onde está registrado seu óbito no prazo de dez dias. Com a vinda dosdocumentos, tornemos autos conclusos para eventual extinçãodepunibilidade.Deverá oMinistérioPúblicoFederalprovidenciarajuntadadamídiadigitalquenãoconstadoenvelopedefl.220dosautos,bem como esclarecer se há necessidade de permanecerem tramitando em conjunto com os autosprincipaisoanexoIeapensoII,quedizemrespeitoexclusivamenteaJoséAnselmodosSantos,ousepodem ser desapensados e devolvidos. Providencie a secretaria a extração de cópias integrais doapensoI,trasladando-asaosautosprincipais,certificando-senosautosCiênciaaoMinistérioPúblicoFederal.Intimem-se.SãoPaulo,23deoutubrode2012.HélioEgydiodeMatosNogueiraJuizFederal

HomenagemaSantoDias,emM’BoiMirimAqui,oplanejamentodoprogramadodia,conformefoiconduzidopelaComissãodaVerdadedeM’BoiMirimeseusparticipantes.(CapítuloXVIIIdoRelatório)

15:00hs Filme:AlutadoPovo

15:20hs Pe.Jaimeabertura

15:30hs ComposiçãodaMesa:MembrosdaComissãodaVerdadeWladimirHerzog.Alex:MembrodaComissãodaVerdadedeM’BOIMirim–SantoDiasdaSilva

15:45hs LeituradetrechododepoimentodeSantoDiasFilhoeLucianaDias/ouvídeo.

15:50hs Iniciodosdepoimentos

1.ºDepoimento

EdnadeOliveira-ex-metalúrgicaatuounasComunidadesEclesiaisdebaseenaoposiçãosindical.EstevecomSantoDiasnodia30/10/1979numpiquetedegreve.Assuntos:Torturapsicológica:

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“Comoeufaleitambém,eufuipresaetorturadapsicologicamente”Estevepresapor2dias,amamentavaumacriançarecémnascida.a)“aiapoliciafederalchegouagentenãoviuesófoijogandogentedentrodeumaperua,eaiagentefoipreso,foieuemaisseis,setecompanheiros,inclusiveumerafuncionáriodaHorasa,elánóspermanecemosnapoliciaFederalpordoisdiaseduasnoites,eoLuisEduardo,deajudafoienossoltaram,depoisdemuitanegociação,euestava,eutinhaacabadodeganhar

neném,minhafilhatinhaseismeses,euestavaamamentando,oLuisEduardoGreenhalgatéfalouprodelegado,sepoderiasoltarporqueeuestavaamamentando,odelegadorespondeu:desamamentaeficaepronto.”Agentesinfiltradosfurtaramsuabolsab)“Minhabolsahaviasumido,eunãoconseguiachar,levaramabolsaetudo,dentrodosindicato,euestavanumareunião,aideixeiabolsaassim,tudonasala...”c)“EssasfaixasestavamtodaslánasededaPoliciaFederalquandoagentefoipreso,elefezquestãodemostrarpragente,eaminhabolsatambémestavalá,eaminhabolsacomtodososdocumentosestavamlá.”Detudoquevocêvivenciouamaiortristeza?d)“(Respirouprofundo)–amaiortristezasemdúvidas,foiamortedoSantoDias,(QuemfoioSantoDiaspravocê?)AisantoDiaspramimfoitudo,SantoDiafoimeupaimeuirmãomeuamigo,meucompanheiro,meuorientadorespiritual,umapessoaquedespertouemmimapolítica”ArepressãoemM’BoiMirim.e)“TeveumavezqueagenteteveumareuniãonoVilaRemo,quandonóssaímos,aigrejaestavacercadapelapolícia”Arepressãocontramulher.f)Euachoquearepressãoparamulhereraatéquepior,porqueelespegavamolado,é,prahumilharmesmo,xingandodepalavrões,devagabunda,porqueestaali,porquenãoestáemcasa,nãotemoquefazer,nãotemquelavarroupa,nãotemcasaparalimpar,essascoisasquehumilhavaagente,nãosónofísicomasnamoraldagente.

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2ºdepoimento

FernandodoÓVelosoMilitounosdiversosmovimentossociais,sindicadodosbancários,sindicatodosmetalúrgicos,oposiçãosindical,visãoampla.

OComeçodalutaa)Em1968.FoiemumamanifestaçãodosestudantesemprotestoamortedoestudantenoRiodeJaneiroEdsonLuis.AditaduramatouoestudantenoRiodeJaneirob)TemboaexplanaçãosobreaperseguiçãoaoMov.Sindical.Caseiem71aíeumoravanojardimSouzaeutinhacompradoumterrenoefeitoumacasinhanoSãoLuiz,masnessepercursoquandoeufuicasar,moravaumamigomeuqueerabancárioeeradalutatambém;quandoeuchegueidoCearáeutinhadeixadoeleaqui,eleemeuirmãomorandoemminhacasa,chegueiláapoliciatinhalevadomeuamigoobancário,foipresoeleemaisumcasal,nuncamaisviostrês,eramtrêsamigosquefaziaminclusivereuniãoemcasa.”Fernandointerrogadopelapolicia.c)“Ointerrogatórioeraeledizendoassim,primeiroelemeentrevistandodizendoqueperguntouquemeraaquelepadre,elefalouqueconheciaopadreLuizqueeracomunista,eufaleiquenãosabiaoqueeracomunismoentãoelemeameaçoudizendoquenãoerapramimacompanharopadreLuisqueeracomunistaedapróximavezqueelefosseláelesiampassarocarroporcimadopadreLuis”d)AmortedoSantoDiasfoiumadaspioresfoiumagrande,nodiadamortedoSantoDiaseuchoreiigualmaisdoquequandoperdiirmãopramimfoiumsentimentode...Eusentiumcompanheirovalorosoqueestavasendomortoporummínimodedireitodefazerumagreve,ummínimodechamarumpessoalparafazerumaassembleia,éumadastristezasgrandesqueeutenho,eatristezafoimuita,cadanoticiaquetinhaesabiaqueaditaduratinhamatadoumeramuitatristezané.Porqueaieraumirmãodelutaquetavamorrendoporumacausaqueagentetavasendoderrotadoné?e)Dia29/10/1979-Umdiaantesnósfomospresos,113pessoassódaquidaregiãosul.

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3.ºdepoimento

MariaFilipeAtuounascomunidadesdebaseenalutanalutacontraacarestia,movimentodemoradia.

SeufilhoChama-seEdsonLuis,homenagemaojovemmortopelarepressãoem1968,EdsonLuisémembrodacomissãodoM’BoiMirim.a)“prendeu”nóstudodentrodaIgrejadoSocorro,nósestávamosdentrodaIgrejaelescercaramtudo.”EstevecomSantoDiasnodia30/10/1979.a)“Aiestavaemcasafazendominhajanta,chegouairmãMonicaenodiadamortedoSantoagentetinhafeitoportadefabricademanhãequandonosvoltamosnósaindaconversamos,falamosproSantoquenãoerabomqueelevoltasse,queagentenotouportadefabrica,elevinhasendomuitovisado.AioSantofaloueuvoufazeraportadefabricaatarde”QuandosoubedamortedeSantoDiasb)“eeuestavaquerendoescreverumlivro,aiaAracidisse,“vamosqueimartudoisso,vamosjogardentrodopoço,porqueseapoliciachegaraqui,pegaissoaqui,vocêvaificarmuitotempoemcanaporcausadisso.Aientãoaminhahistorianaverdadeeutivequejogarforaporcontadisso,porcontadarepressãodaopressãotudo.ComoeuestavaassimtambémnaportadefabricaaspessoasmeviaapolíciadoDOPSmeviam,eraeugostavadefalarumpouco,entãoeueraumapessoaconhecida.Entãoporcontadissoaminhahistóriafoijogadafora.

4.ºDepoimento

VitalNolascoEx-vereadordoPCdoB

5.ºDepoimento

CarlãoEx-presopolítico

6.ºDepoimento

CenerinoEvangelistadeAndradeEx-metalúrgico,atuavanascomunidadesdebase.Estedepoimentoreforçaaideiaquenaqueledia(MortedesantoDias)houveumarepressãomaisintensanasportasdasfabricas.a)Naqueleperíodo,haviaopartidocomunistavocêfaziaparte

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dealgumpartido?“Não.Oquemelevavaaparticipareraminhafé,oconhecimentodaPalavra”.

Violênciacontraosoperáriosb)“Nósficamos“presos”naIgrejadoSocorroeapolíciajogoubombas,ocasionandoacidentes,poisarrancouodedodeumcolega”Nodia30/10/1979foipreso,naquelediaarepressãofoiintensa.“Aí,apolícia“bateu”lá,ai,pegoutodomundo,eupodiafugir,eutivechance,mas,euestavacomoscolegasnovos,ai,eupegueiefaleipraumdeles,assim:olhavocêdáumtemposomepracádesapareceporquenãoévantagemserpegopelapolícia;efaleiparaumoutro,queestavadomeuladotambém,eufiqueiconhecendoelelánaFiltrosMann,eledisse:“eunão,eunãovousairnão!”,ai,elefalouassimpramim(nestemomentoCenerinoseemociona):“vocêvaisair,vocêvaiembora,eufaleinãoeunãopossosair,ai,elefalou:“entãoeutambémnãovou.”aiapolicialevou,né?pegounós,colocoudentrodocamburão,eai,saiufazendocavalinhodepau,né?indodefirmaemfirmaenósládentro,aí,levounóproDOPS,nósficamosdetidos,ládentro,aí,sabecomoé,tirafotodaqui,dali...tirafotointeirinho,fichatudolá,praficarlá;enósestávamosládentroeosoutroscompanheirosfazendooutrafirma,oSantosfoifazeroutrafirma,né?lána...,esquecionome,quefoiláondetevetodaabrigaondeatirounele,naSilvania,Silvania;é,nósestávamos,eueairmãCecíliaemaisunscolegasdogrupinhoestávamoslánoDOPSdetido,eporsorte,umdoscolegas,conseguiulevarumradinhoeelesnãopegaramoradinhoedevezenquanto,agenteiaescutandoparavercomoéqueestavaagreve,ai,chegouumahoraquedeuqueoSantotinhasidobaleado...”

Perguntasdoplenário

5perguntasaosdepoentescomtempode2minutosparaformular.

ComissãoM’Boi

Apresentaaoplenárioosqueestiveramnalutaequenãoprestaramdepoimentonestedia.Referendaroencaminhamentojárealizadoemahomenagemde

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Mirim(Alex) entregadoTitulodeCidadãoPaulistanoaoPe.Luisehonraaoméritoaosdemais.

ComissãoWladimirHerzog

Consideraçõesfinais,quefordepraxe/encerramento.

17:20hs Intervençãomusical

17:30hs Pe.JaimehomenagemaoPe.Luis

Jango,quetinhademorrerJoãoVicenteFontellaGoularteDenizeFontellaGoulart,filhoefilhadopresidenteJoão Goulart, nunca desistiram de provar que o pai foi assassinado. Uma longacaminhada, queobteve grandenúmerodedocumentospor intermédiodo InstitutoPresidente João Goulart; entre eles uma lista de subversivos de brasileiros queestariamnaArgentina,elaboradapeloIIIExército(nofinaldopresenteAnexo).A caminhada começou com um pedido de abertura de inquérito civil-judicial àProcuradoria- Geral da República, por intermédio do Instituto Presidente JoãoGoulart.(extratos)INSTITUTOPRESIDENTEJOÃOGOULART(IPG),OSCIP inscrita noCNPJ sob ono. 07304054/0001-90, com sede à SRTVS, Quadra 701 , Bloco “O”, sala 819 –Ed.MultiempresarialAsaSul,Brasília,DistritoFederal,CEP70.340-000,comfundamentonoIncisoIIIdoArtigo129odaConstituiçãoFederalc/cArtigo1oeseguintesdaLei7.347de24dejulho1985c/cArtigo7odoDecreto-Leino.2.849de07dedezembrode1940,JOÃO VICENTE FONTELLA GOULART, brasileiro, divorciado, empresário,portadordacéduladeidentidadeRGn.º8.002.212.465SSP-RS.,e inscritonoCPF/MFsob o n.º 254.052.330-72, residente e domiciliado à rua Gastão Baiana, n.º 575,apartamento1.004,Bloco2–Copacabana-RiodeJaneiro/RJ.eDENIZE FONTELLA GOULART, brasileira, separada judicialmente, empresária,portadoradacéduladeidentidadeRGn.º04.694.226-4IFP-RJ.,inscritanoCPF/MFsobon.º 265.662.490-87, residente e domiciliada na Avenida Epitácio Pessoa, n.º 4.578,apartamento202–Lagoa–RiodeJaneiro/RJ,vêm,respeitosamente,àpresençadeVossaExcelênciarequerera

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ABERTURADEINQUÉRITOCIVILJUDICIALPara apuração das circunstâncias em que ocorreu a morte do presidente JOÃOBELCHIORMARQUESGOULART,em06dedezembrode1976,naProvínciadeCorrientes,naArgentina,pelasseguintesrazõesdefatoededireito:I–DaComissãoExternadaCâmaradeDeputadosOPoder Legislativo jámanifestou o interessecoletivo na apuração da hipótese deassassinatodopresidentebrasileiroduranteseuexílionoexterior:“Recuperara imagemdeumhomempúblicoprobo,dedicadoaopovobrasileiroeàgrandezadaNaçãoéumdever...principalmenteparaasnovasgerações,quedevemconhecernossaHistóriaparadelaextrairexemploselições.”ArevisãohistóricaparapreservaçãodaMemóriaNacional é umbemeumdireitodas futuras gerações e a investigação prevista pelos parlamentares se impõe com arecentedivulgaçãodeindícios,fatosenovosdocumentosqueatestam:• A subversão da ordem jurídica e queda da democracia brasileira por meio deplanejamento,patrocínioilícitoeintervençãoexterna;constituindo-seatodeagressãonostermosdaCartadaOEAcontraestadoamericano;• A perda da soberania por aparelhamento do Estado brasileiro e submissão dacúpula das forças armadas e doMinistério das Relações Exteriores ao comando deinteressesestrangeiros;•Traiçãoecorrupçãodeautoridadeseparlamentaresbrasileiros sejamsoba formadefinanciamentodecampanhaseleitorais,sejaporrecrutamentoideológicocombasenadoutrinadesegurançanacionalanticomunista,sejaporoutrosmeiosignorados;•Dolona fraude promovida pelo então presidente do congresso nacional, senadorAuro deMoura Andrade, ao declarar a vacância da presidência para dar foros delegalidadeaogolpemilitarde31demarçode1964;• Envolvimento do corpo diplomático brasileiro em atos de espionagem,monitoramentoerepressãodeexiladospolíticosporgestãodoCIEXedaCIA;•Extermínio dos oponentes ao regimemilitar e dos líderes políticos engajados narestauraçãodademocracianoConeSul;•OassassinatodopresidenteJoãoBelchiorMarquesGoulart por envenenamentopromovido por operação conjunta de aparelhos secretos repressivos do Brasil e doUruguai;aparatocontinentalarticuladopelaCIA;• Promoção da desarticulação do ESTADO representante da sociedade brasileira,estratégia conhecida como “guerra fechada”, mediante corrupção, traição erecrutamento ideológico de militares da ativa, autoridades e líderes políticos;desordem social e insegurança pública; esgotamento do excedente de riqueza porusura;desinformaçãoepropaganda;etc.

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II-AsRecomendaçõesdoRelatórioParlamentarO capítulo 6.Conclusão do Relatório Final da Comissão Externa da Câmara dosDeputados é contundente ao inserir a investigação num contexto histórico maisamplodeviolentaintervençãoexternanoConeSuleporantecipardiversosaspectosreveladosrecentemente,inverbis:AOperaçãoCondor já se tornava visível.Umabomba explode no carro emata ogeneral Carlos Prats, Comandante-em-Chefe do exército chileno sob o GovernoAllende,esuaesposaSofiaCuthbert,emsetembrode1974,doisanosantesdamortedo ex-presidente brasileiro. Em setembro de 1976, já próximo à morte de JoãoGoulart,éassassinado,emWashington,oMinistrodoInterioreDefesadeSalvadorAllende, Orlando Letelier. Temos, ainda, a incriminar os agentes da OperaçãoCondor, os assassinatos do general Juan José Torres, ex-governante boliviano, queapareceumorto com um tiro na nuca, do ex-presidente da Câmara deDeputados,HéctorGuitiérrezRuiz,edoex-SenadorZelmarMichelini,uruguaios,ostrêsmortosem Buenos Aires, Argentina, os três em 1976, ano da morte de João Goulart,repetimos.1.Emmarçode1965,MARIATHEREZAé impedidadeentraremsuaterranatal,São Borja – RS, sob ameaça de prisão, na data de falecimento de sua mãe JuliaPascolotoFontella,permanecendoemSantoTomé–Argentina–durantemaisde4(quatro)horas, não sendo liberadapeladitaduramilitarpara ingressar em seupaís,retornandodiretoparaoUruguaisempoderpresenciaroenterrodesuamãe.2. No ano de 1968, MARIA THEREZA foi permitida a visitar, por apenas 15(quinze)minutos, seupai–DinarteFontella -nohospital,queestavaemestadodecoma,antesdoseufalecimento;sendosempre“escoltada”doaeroportomunicipaldeSão Borja por uma guarnição militar do exército, durante a sua breve estada nacidadeatéserconduzidanovamenteaoaeroporto, sempoderesperarpelamortedeseupai.3. No ano de 1968, MARIA THEREZA foi permitida a visitar, por apenas 15(quinze)minutos, seupai–DinarteFontella -nohospital,queestavaemestadodecoma,antesdoseufalecimento;sendosempre“escoltada”doaeroportomunicipaldeSão Borja por uma guarnição militar do exército, durante a sua breve estada nacidadeatéserconduzidanovamenteaoaeroporto, sempoderesperarpelamortedeseupai.4. E o que dizer sobre esses dois últimos artigos citados, totalmente desrespeitadosquando a autora MARIA THEREZA FONTELLA GOULART foi impedida depresenciar o enterro de seus pais, voltou ao Brasil “escoltada” para ver seu paiconvalescente,sempoderestarpresenteantesdasuamorteouaomenosconfortarafamília,eporquenãodizerserconfortada,nessesmomentostãotristesquemarcama

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vidadequalquerfilho.5.Porémasilegalidadesnãocessaram,MARIATHEREZAépresaduranteasuaidaa Porto Alegre – RS, via Chuí, pela Polícia Federal, ficando INCOMUNICÁVEL.Nestaoportunidade,viajavaporterrajuntocomasuaprimaTerezinhaFontellaeseuesposoPedroAraújoBatistadaSilva,durante3(três)dias.6.Namesmaépoca,afamíliasesentedesesperadaquandooCESNAemqueJANGOviajava foi obrigado a fazer um pouso forçado por mau tempo, quando vinha deAssunción–Paraguai - rumoaMontevidéu, istoaconteceunaArgentina, emPassodeLosLibres,emestradadeterra.Devidoaisso,ogovernobrasileiromandoufechara Ponte da Amizade (que liga Uruguaiana a Libres) e pede então ao governoargentino a extradição do ex-presidente que é negada peloComandanteAlexandroAugustinLamusse.7. Em 1973 cai a democracia uruguaia e há pressão aos exilados pelo 3º ExércitoBrasileiropelocomandanteSilvioFrotaemcimadogovernodoUruguai.8.Nesteperíodo,MARIATHEREZA é presa e processada ilegalmente, sobre fortepressãopsicológicaecomameaçasdemorte.9. JOÃO VICENTE é preso em operação militar, serviço secreto do exércitouruguaio, com outros vários colegas pelo Batalhão de Engenheiros nº 4, sendoencapuzado,TORTURADOeincomunicável,comapenas16(DEZESSEIS)anosdeidade.10. JANGO renuncia seu asilo políticonoUruguai tentandoobter a sua residênciapermanente, naquele país, o que é negado por interferência dos ditadoresmilitaresbrasileiros.11. Em 1976, a FAMÍLIA GOULART estava novamente ameaçada devido àoperaçãoCONDOR (Argentina) e ESCORPIÃO (Uruguai), Nesse ano a família já estavamorando na Argentina desde 1974, a convite do Presidente Perón devido ainsustentávelsituaçãonoUruguai.12. Informações deMar del Plata, divulgadas amplamente davam conta que estesgruposparamilitaresdedireitaseqüestrariamosfilhoseeliminariamoJANGO,assimo fizeram com seus amigos SenadorZELMARMICHELINI que morava no HotelLiberty,ondeJangomorouantesdeestabelecer-senaArgentina,sendoseqüestrado,torturado emorto, bem como com oDeputadoGUTIERREZRUIZ, ex-presidenteda Câmara dos Deputados do Uruguai, que se encontrava exilado na Argentina eamigo pessoal de Jango, que inclusive ajudou JOÃO VICENTE e DENIZEfinanceiramenteemsuaestadaemLondres.13.Nestemesmomêsdo seqüestro, umgrupoparamilitar entrouno escritório queJANGO tinha na Avenida Corrientes, do Montecuper Business Center, no oitavo

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andar para seqüestrá-lo. Felizmente havia minutos que Jango tinha saído e não oencontraram.14.Assimtambémaconteceuaeliminaçãofísicaporbombadoex-presidenteJUANROSETORRES,doPeru,edogeneralPRATTS,braçodireitodoPresidenteAliende,tambémamigodeJangonoexércitochileno.15.Emoutubrode1976, JANGO foi àLondresvisitar seunetoquehavianascido,filhodeJoãoVicente,aovoltarestavadecididoemsuamudançaparaaquelacidade,mas, infelizmente, suamorte, um tanto duvidosa, sendo até levada à Comissão deInquérito da Câmara Federal do Congresso Nacional, com o relatório aindainconclusivo sob suspeita de assassinato por envenenamento,mas que ainda não éobjetodessaação,ocorreuemdezembrodaquelemesmoano.AssessoriaJurídica:DanielRenoutdaCunhaJoséRobertoRutkoskiTrajanoRibeiroOAB/RJ73.506OAB/SP146.114OAB/RJ

IntrusonacasaSegue-seumroldecartas,papéis,documentosobtidosilegalmentenaresidênciadeJoãoGoulartporumagentedoSNI.

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AfeiarealidadedasvalasAComissãoMunicipaldaVerdadeVladimirHerzogenvolveu-secomaquestãodosdesaparecidosemvalasclandestinas.Aomesmo tempoouviu relatos sobre suspeitasdevendasilegaisdeórgãosnomundosubterrâneodosindigentesmortos.Em13demaio de 2014 reuniram-se mais uma vez autoridades ligadas ao assunto. (veja-setambémocapítuloXV)

AnônimosJoões(resumo)ComissãodaVerdadedaCMSPPresidente:NataliniTipodaReunião:InstalaçãoLocal:CâmaraMunicipaldeSãoPauloData:13/05/2014OSr. Presidente (Gilberto Natalini) – Bom dia a todos. Dou por abertos ostrabalhosda reuniãode trabalho.Oobjetivo édebater comautoridades estaduais emunicipais o enterro de pessoas que, apesar de identificadas, são tidas comoindigentesnacidadedeSãoPaulo.ParacomporaMesaconvidooSr.RogérioSottili,secretário municipal de Direitos Humanos e Cidadania; a promotora ElianaVendramini, doMinistérioPúblicode SãoPaulo; o Sr.CarlosAugustoPasqualucci,vice-diretordoServiçodeVerificaçãodeÓbitosdaCapital–SVO;aSra.LúciaSallesFrança Pinto, superintendente do Serviço Funerário doMunicípio de São Paulo; aSra.TerezaLajolo,ex-vereadoraerelatoradaCPIqueinvestigouasvalasclandestinasdoCemitérioDomBosco, emPerus;opadre JúlioLancellotti.Oúltimoconvidado,Sr. Ivan Dieb Miziara, médico legista do IML, não apareceu. Tem a palavra apromotoraElianaVendramini.ASra.ElianaVendramini –Bomdia a todos.Agradeço apossibilidadede estaraqui e pela franqueza do debate. Explicarei o que foi avaliado e descoberto.Queremos estancar a ferida, o que é feito de forma rota porque as famílias poucoentendem o que aconteceu. E mudar a realidade para todos os que trabalham naárea. O serviço está mal provido de instrumentos e pessoas. O Programa deLocalizaçãoeIdentificaçãodeDesaparecidosdoMinistérioPúblicodeSãoPaulo,sobaminhacoordenação,dividiuostrabalhosentrevivosepossíveismortos.Para nós soa estranho igualar pessoas indigentes a pessoas não reclamadas,qualificadas.Não se confundem. Isso nos chamou a atenção,apriori, porque o IMLnãotinhaumaúnicaestatística.Passouaserfeitapordemandanossa.Seriampessoasmortas por causa violenta ou pessoas sem nome – estas são periciadas no IML. Onúmeropassouaserdadoapartirdeontem,numareuniãocomo IML, que sempre

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nos recebeu. Já fizemos seis reuniões. Bom, o número é do ano de 2013.Não é ototal, por ser feito manualmente. Nada, no que diz respeito a essas pessoas, édigitalizado ou atualizado. É grave. Misturar indigente com quem não temdocumentoecomquemotem,confundeaprocuraporessaspessoas.ProcuramosositedoSVO.Apesardepoucossaberemqueesseserviçoexisteepericiaquemfaleceupormortenatural,comnome,opovoprecisasaberdissoparachegaràportadoIMLereclamarocorpo.AlémdoIML,queépúblicoenotório,énecessárioiraoSVO.OSVOoferecetrabalhoestatísticonosite,aocontráriodoIML.Sóquenocampo“indigente”constava“indigentesenãoreclamados”,sendoquetodososquepassampeloSVOsãoqualificados. Aí a dúvida: por que misturar indigentes e não reclamados? E o queserianãoreclamado?A versão não é só nossa. Nunca deduzimos nada. Tudo o que procuramos edescobrimosestáemofício,documentadonapromotoria.PerguntamosaoSVOoqueénãoreclamadoenosfoidito,emmenosdeumalinha:quemnãoéreclamadopelafamília em 72 horas. Entendemos, é uma questão sanitária. Não tem onde colocartantos corpos– vejamvocêso tamanhodonossoproblema.E aí, sim, eu critico:hápoucas geladeiras.Outro ofício que enviamos: “As pessoas do SVOnão têm nome?”Têm, sim, senão estariamno IML.Mas não carregamobrigatoriamenteRG no bolso.Poissetêmnome,contatemafamília.Em72horas.Seelaprocuradesaparecido,vemrapidamente. Na promotoria, no mesmo dia, nem que aguardemos até as dez danoite.Denovoemumalinhanosdisseram:“Nãodispomosdedadosparaisso”.Mandei outro ofício, com rodapé, escrito: “Mas que dado, além do nome, énecessárioparaqueeuprocureumafamília?”.OEstadotemaReceitaFederal,comquem oMinistério Público tem convênio, além de delegacias e vários locais para abuscapornome.Eventualmenteessescorpossãousadosparaestudo,algolegítimoeimportante para a sociedade. Mas antes exige-se o trabalho completo: quem sãoaquelas pessoas.Nãopresumir.Qual é o serviço?Procurar as famílias em72horas.Quantoàquestãosanitária,oSVO não reclamougeladeira?Então faça em72horas.“Ok, não procuramos por falta de pessoal”, disseram. Então está tudo errado.Primeiroporquealeiexigeaprocura;segundo,funcionários.Esemassistentesocial!A RedeNacional de Serviços deVerificação deÓbito e Esclarecimento daCausa

Mortis, do Ministério da Saúde, diz que um SVO como o da Capital, devido aotamanho, precisa ter no quadro de pessoal uma assistente social. Para cuidar dasfamílias. Não é impossível. No Rio Grande do Sul existe uma procura bastanteacuradadas famílias em72horas.NoParaná têmumprojeto emqueprocuram asfamíliascomassistentessociais.Trêscorposquedescobrimos,enissooSVOtemtodaarazão, passaramporumhospital público, sofreramalgummal súbito, o SVO recebeucomomortenatural e comnome.Ohospitalnãoprocurouas famílias.A famíliade

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um deles foi ao hospital e perguntou se o parente vivo estava internado. Disseram“não”. Foram ao SVO, responderam “passou por aqui, foi inumado”.O que eu falopara essa família? E todos os hospitais contam com assistentes sociais previstos emnormadoMinistériodaSaúde.Outroproblemagrave,eaíoSVO tambémtemrazão.Adelegaciaespecializadaempessoas desaparecidas dispunha de boletins de ocorrência de desaparecimentos depessoasmortas nove, dez dias antes, emmédia. E, em14 anos, não cruzaram essesboletinscomosdeverificaçãodeóbitoqueoSVO realiza.Então,emalgunscasososhospitais falharam; em todos, o SVO falhou por não procurar a família,malgrado asdificuldadesqueenfrenta.Porúltimo,adelegacia,queem14anosnãocruzoudados.Arespostaé“sintomuito,família”.Chegamos a ter famílias que ficaram com a nossa assistente social, noMinistérioPúblico, quatro horas chorando.Houve família que duvidou daminha existência equisme ligar de volta para ver se não era trote, pois passampor isso.Aqui não vainenhum apelo emocional. Elas sofrem mais do as outras famílias porque ficamvagando.Imaginamqueosentesestãosendotorturadosouusadosparaestudossemautorização.Temosdeaclararisso,inclusiveparaajudarumafaculdadedeexcelênciacomo a Faculdade de Medicina da USP a trabalhar, e as outras também. No RioGrandedoSul,quandoumafaculdadequerumcorpoouórgãosparaestudo,elaseresponsabilizaporpublicarnumjornalemdezdias,conformeleifederal,onomedapessoa que será usada, respeitosamente, para aquele fim público. Isso nuncaaconteceunacapitaldeSãoPaulo.EoSVO,senãomefalhaamemória,existedesde1931ou1939.Nãopublicaremnenhumjornalaquelenome?Poderia.Minimizariaador da exumação em vala pública, e a dor do uso do corpo.Mais: para estudo emcadáver é preciso aguardar 30 dias. Finalmente, algo básico: a Lei 8.501, de 1992,exige que se fotografem os corpos. Aliás, o site do SVO publica várias leis, mas nãoessa!Tragomaisumproblema:oscorpospodemterRG falso. Imagine seos criminosos,emboranãosejamanossamaioria,graçasaDeus,descobremisso.MasotrabalhodoSVO, o da delegacia, o de todos nós faria com que isso não acontecesse, porquecontataríamos a família, que iria lá e o reconheceria, ou veria a foto, e tudo estariaresolvido emmuitomenosde14 anos...Agora é estancar a ferida: açãoparadanosmorais; exumação do corpo; traslado do corpo; retificação do registro que constacomoindigente;indenizaçãomoral.Daquiparaafrente,mudar.Deixo claro: não somos identificados civilmente. Nesse ponto o SVO também temrazão.NãoadiantamandaraimpressãodatiloscópicadomortoparaoIIRGD(Institutode Identificação Ricardo Gumbleton Daunt), do Departamento de Inteligência daPolíciaCivil,queéondetiramosRGnestacidadeenoEstadointeiro.Seeumandara

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minhadigitaleperguntar“EssadigitalédaEliana?”,elesdirão“Sim,édaEliana”,ou“Não,nãoédaEliana”,poissófazemconfirmação.Seeumandaradigitalsemnome,elesdirão:“Nãosei; sóseelapassoupelosistemacriminal”.Entãonossapropostaé:vamos nos colocar na posição da família e daquele que foi uma pessoa, que tevepersonalidade,queparticipoudestemundo.Além da questão do IIRGD, que precisa ser mudada urgentemente, ontem nóspropusemos–aSecretariadeSegurançaPúblicajátemreuniãomarcada–,umbancodedadosdatiloscópicosparadesaparecidos.Todososcadastradosnadelegacia,ounoMinistérioPúblico,pormeiodonossoprograma,emboramuitossejamcoincidentes,teriam os seus RGs levantados pelo IIRGD nominalmente, e nós teríamos um banco.MuitomenordoqueoBancodeCidadãos,jáqueoIIRGDaindalevatempoparafazê-lo. O criminal já existe, mas os desaparecidos são em número menor do que oscriminais. Assim, sempre que um corpo for encontrado sem qualificação, ou comqualificação duvidosa, ou não pesquisável, ou que uma criança seja colocada numabrigo,ouumsenhorqueestánohospitalnãodizoseunome–poisháumalegiãode vivos – teria a impressão datiloscópica pesquisada. Aí, sim, teríamos umaidentidade,confirmadaounão.Obrigada.OSr.Presidente (GilbertoNatalini)– Nós agradecemos, promotora, pela boavontade de nos esclarecer.Anuncio a presença da vereadora JulianaCardoso, vice-presidente desta comissão. Algumas pessoas perguntaram: por que a Comissão daVerdadeestátratandodesseassunto?Nossoobjetivoregimentaléestudarasquestõesdoperíododaditaduramilitar.Mas como aqui, naCâmaraMunicipal, houve aCPIrelatada pela vereadora Tereza Lajolo para investigar as valas de Perus, onde seencontravam desaparecidos políticos, nos debruçamos sobre a questão. Já fizemosaudiências sobre as ossadas de Perus. E como o assunto é correlato, achamosprocedente a reunião. Passo a palavra ao Dr. Carlos Pasqualucci, representando oServiçodeVerificaçãodeÓbitos,paraquefaçaassuascolocações.O Sr. Carlos Augusto Pasqualucci – Bom dia a todos. Cumprimento apromotora Eliana Vendramini em sua busca de diagnóstico para os desaparecidos.Nossa posição é propositiva. Alguns detalhes precisam ser esclarecidos sem, emnenhum momento, refutar a promotora. Sinto-me no mesmo barco. Propomosresolverconjuntamentequalquersituação.Aimprensanoticiouque3milcorpos,em15anos,chegaramaonossoserviçocom

RG.Essa situaçãoé raríssima.Nãorecebemoscorposcomdocumento.Odocumentoobrigatório para o nosso serviço é o boletim de ocorrência. É a qualificação. Ou ocorpoiráaoIML,mesmoemsuspeitademortenatural.Levantamosoqueseriamos3mil.Natimortos,quasemetade:1.222.NãopoderiamterRG,títulodeeleitor.OSVO

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temosdados,inclusiveinformatizados.Masimportasaberoqueaconteceagora.Em 2013 foram 98 corpos não reclamados em todo o ano. Dos 98, 45 eramnatimortos. Menos de cinco casos por mês de não natimortos. Fizemos outrolevantamentoparatrazeraossenhores.Areportagemsaiudia22.Nodia23deabrilazerohora,atémeia-noitedodia2demaionossoserviçorecebeu810casos.Fazemos13milautópsiasporano;éconsideradoomaiorserviçodeautópsiademortenaturaldo mundo ocidental. Desses 810 casos, nenhum portava documento pessoal dequalquer origem. Só para esclarecer, Dra. Eliana, em relação aos corpos nãoreclamadosquevãoparaensinoepesquisa, issoénormatizadopor lei federal: todosdevem ter prontuário com foto. Documentação completa. E o SVO respeitaintegralmente a lei por meio das instituições de ensino médico que recebem oscorpos.Nãofotografávamososnãoreclamadosporquealeinãoprevia.O SVO tomou uma atitude propositiva no sentido de encaminhar à Delegacia deInvestigaçãodePessoasDesaparecidaseparao IIRGD os corposnão reclamados,por72horas,paraquecruzemas informaçõescompossívelnotificaçãode familiarsobredesaparecimento.Apartirdodia23deabrilde2014.O SVO gera informações, principalmente médicas, epidemiológicas, para aconstituição de uma política de saúde pública eficaz. Além de outras informações.Nosúltimostrêsanosrecebemos1.185consultasdejuízesdedireitoedeautoridadespoliciais, perguntando se encaminharam o corpo de certa pessoa ao nosso serviço.Foram1.185respostas.PropusemosàSecretariadaSegurançaPúblicacriarumgrupodeestudosarespeito.Parafinalizar,chamoaatençãoparaalei15.292,de8dejaneirode2014,propostadodeputadoHamiltonPereiraesancionadapelogovernadorGeraldoAlckmin.Qualé o propósito? Definir diretrizes para a busca de pessoas desaparecidas pela PolíciaEstadual e criar o banco de dados de pessoas desaparecidas, além de outrasprovidências. Temos legislação e a responsabilidade de resolver a questão, para darumarespostaàsociedade.Muitoobrigado.OSr.Presidente (GilbertoNatalini)– Obrigado ao senhor. Peço à Sra. LúciaSallesFrançaPinto,superintendentedoServiçoFunerário,queusedapalavra.ASra.LúciaSallesFrançaPinto–Obrigada.Cumprimento aMesa.Esclareçoque estou no Serviço Funerário do Município de São Paulo há cinco meses. Logoconversei com a Dra. Eliane. Ficamos estarrecidas com alguns aspectos. O ServiçoFunerário faz o que o nome diz: funerais. Isso se dá depois do atestado de óbito.Minhaposturaédemantertransparênciaativa.Comoamorteéassuntoqueenvolvegrandemísticaeseevitafalardela,ninguémsabeoquefazerquandoalguémmorre.É hora que todos detestam. Estamos tentando mudar esse paradigma. Morte é

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memória, sentimento vivo no coração e na mente. Já tive ocasião de dizer aqui:cemitériossãoespaçosdememória.Eu,queestoumaisvelha,enterreimaisgentedoquegostaria,mastodosvivemnomeucoraçãoenaminhamente:pai,avós.Éprecisoquehajacemitério,éprecisogerenciar,éprecisosaberondeserãoasmoradaseternasdos munícipes ou se serão cremados. É disso que o Serviço Funerário cuida, e édepoisdaPolícia,domédico,doatestadodeóbito.Quandoapessoamorreemcasaenão temmédicopara atestar, ou em casodemorte suspeita ou violenta, a pessoa éobrigada a fazer um boletim de ocorrência. Portanto, é com a Polícia, o Estado, aSecretariadeSegurança.Aíodelegadodecideseémortesuspeita,casodeacionaroIML–aperíciatécnica.Ouoprópriodelegadoconcluiqueémortenatural.Aíocorpovai para o SVO. No Estado de São Paulo esse órgão está ligado à Faculdade deMedicinadaUSP.Ninguémpodepôramãosehásuspeitadecrime.OcorposegueparaoIML,quefazumadeclaraçãodeóbito.Quemdecideéodelegado,aSecretariadeSegurança,quenão checa os dados. Ela entrega ao Serviço Funerário para enterrar. Vem umfuncionário com fé pública e declara: fulano é indigente. Não entro no mérito.Forneço a condição: urna e um dos cemitérios de sepultamento gratuito; 15% dosenterrosdoServiçoFuneráriosãogratuitos.Muitasvezeschegampedaços...Tiveumcasodedesaparecidoemminhafamíliaeéhorrível.Vocêvaiàdelegacia,eles mandam esperar porque até as tantas horas não é considerado desaparecido.Vocêficaimobilizada.Depoisfaz-seBOdodesaparecimentoeoSVOfazBOdomorto.Onomeéomesmo,e elesnãocruzamosdados.ÉumerrocrassodaSecretariadeSegurança porque a família fica esperando que o boletim de ocorrência leve àinvestigação. Mas não investigam nem dentro do próprio órgão. Nem mesmo sehouveboletinsdeocorrênciaiguais.Naquela ocasião em que nos encontramos, a Dra. Eliane perguntou: o que vocêchama de corpo não reclamado? Indigente? Eu desconhecia que existia diferençaentreumacoisaeoutraporqueaSecretariadeSegurançameentregaocorpocomfépúblicaparaeufazerofuneral.Tudoquevemdeláédevidamenteregistradocomosdados que eles me entregam. Os corpos vêm nus e com um papelzinho que ofuncionáriopreenche.A outra questão é a lei em vigor, e eu não entendo. Por duas vezes ouvi adeclaraçãodequea lei éde8de janeirode2014,edefinediretrizesparaapolíticaestadualdebuscadedesaparecidos,criaobancodedadosdepessoasdesaparecidasedá outras providências. A lei determina quem fará parte, a sociedade civil, direitoshumanos, defesa da cidadania, a OAB, Defensoria Pública, Ministério Público,conselhostutelares.NãoconstaoServiçoFunerário.Falatambém,noartigoquinto,§terceiro:“AautoridadepúblicaresponsávelpeloórgãolocaldeSegurançaPública,ao

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serinformadoounotificadododesaparecimentodeumapessoaadotará,deimediato,todas as providências visando à comunicação dos fatos às demais autoridadescompetentes,assimcomofaráa inclusãodas informaçõesnobancodedados,queécriado pela lei”. Em nenhuma hipótese corpos ou restosmortais encontrados serãosepultados como indigentes, sem antes adotar as cautelas de cruzamento de dados,coleta e inserção de informações acerca de suas características físicas, inclusive comcódigogenéticocontidasnoDNA.E está assinadanão sópelogovernadorcomopelasecretáriadaJustiçaeDefesadaCidadania,EloisadeSousaArruda;epelosecretáriodeSegurançaPública,FernandoGrellaVieira;além,claro,daCasaCivil.Gosto da oportunidade de esclarecer porque casos de desaparecimento, deidentificaçãode pessoas e de investigação são todos da SegurançaPública, antes doatestadodeóbito.SódepoisdissoentraoServiçoFunerário.O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – Muito obrigado, Lúcia. Padre JúlioLancellotti.OSr.JúlioLancellotti–Represento aqui a Pastoral deRua daArquidiocese deSão Paulo. A lei do deputado Hamilton foi aprovada e, se em vigor, ninguémobedece. O projeto de lei do vereadorMario Covas Neto foi aprovado na CâmaraMunicipaldeSãoPauloeoprefeitoHaddadvetou.Propunha,igualàleiaprovadanainstânciaestadual,umbancodeDNAparaidentificarindigentesenãoreclamados.Naquestãopropositiva,digoclaramentequeprecisamosterumajustedecondutaporquecadagrupoquevemaquisejustificaequempagaopatosãoospobres,opovodarua.Consegui aduraspenas e trouxeà comissãodadosdoServiçoFunerárioMunicipal.De 2007 até agora, cincomil considerados indigentes sepultados emPerus, noVilaFormosaIeVilaFormosaII.NãosesabesecomousemRG.Umdosmoradoresde ruaalvejados sobapontedaFreguesiadoÓestánaSantaCasadeMisericórdia.Temidentificação,masosdocumentossumiram.Vejam:virouJoão. Já disse aqui.Morador de rua que chega ali dizemnão ter identificação e elepassa a se chamar João. É um código. Vejam a foto que prova a morte por tiro.Aconteceuhojecedo.Pediparafotografaramaca.(aimagemàqualserefereéexibida)O Sr. Júlio Lancellotti – O nome dele é Luciano, 23 anos. Conclui-se quemoradores de rua, mais de 15 mil em São Paulo, só servem para que seus órgãossejammandadosparaestudo.Éprecisofazerummonumentoaosmoradoresderuaporque todos os médicos estudam nos órgãos dos pobres e dos moradores de ruadestacidade.Dos“João”.Sabe-separaondeforamosórgãos,oquefoifeito?Nãosecruza a lista dos desaparecidos com a dos indigentes. Se algum dos chamadosindigentes está na lisa dos desaparecidos, a família não sabe, o poder público nãosabe. O atendimento da população de rua em São Paulo está em inédito

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sucateamento. No ano passado morreram oito, e aí dizem: “Ninguém morreu defrio”. No laudo sai cirrose, coração, problema pulmonar. Mas pessoas com essesproblemasembaixastemperaturasmorremdefrio.Principalmenteosque ingeriramálcool.Demadrugadaocorpoesfria,oálcoolémetabolizadoeelescongelam.Obrigado.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–TemapalavraTerezaCristinaLajolo.ASra.TerezaLajolo–ParabenizoaElianaVendraminieoMinistérioPúblicoporterem posto a mão na ferida. A questão dos indigentes nos incomoda desde quedescobrimos a planta do crematório para o Cemitério de Perus. O projeto, quesumiriadevezcomosindigentes,foidiscutidocomoutrospaísesdaAméricadoSulafim de eliminar os mortos pela ditadura militar. Só que os familiares de mortos edesaparecidos políticos nunca desistiram de buscá-los. Graças a eles descobriu-se oprojeto do crematório que acabou na Vila Alpina. Carregar para ali 1.049 ossadasseria difícil.Queimar tudo, também– nãomorria tanta gente em São Paulo.Daí avala de Perus. Entre eles havia seis a oito desaparecidos políticos. E o restante? Oúnico relato, de alguns trabalhadores de Perus, é que chegavam camburõesescorrendosangue.NãonosesqueçamosdoEsquadrãodaMorte.EnoBrasilinteiroé igual a SãoPaulo, oupior.Eu li o relatodeumaassociaçãodoRecife: caminhõeschegamaocemitériocheiosdecorpos,pedaçosdecorpos.Jogamnavaladequalquerjeito.Quandochoveescorreaquelaaguaceiramisturada.Banaliza-sehojeodesrespeitoàmorte,anossacondiçãodepessoas.Devemoslutarpara que tal realidade mude. As pessoas em geral assumem cargos sem assumir aresponsabilidade por fazer o poder público funcionar.Não dá voto garantir a nossadignidadecomosereshumanos.O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – Obrigado, vereadora Tereza. Tem apalavra Rogério Sottili, secretário adjunto da Secretaria de Direitos Humanos eCidadaniadeSãoPaulo.OSr.RogérioSottili–Cumprimentoatodos.SãoPaulofoipalcodegrandepartedas terríveis violações de direitos humanos durante o regime civil e militar de 64.Maisde20%dosdesaparecidosemortosregistradosemtodooBrasilconcentraram-se em nossa cidade. Temos trabalhado para elucidar quem são os enterrados peloEstadode forma ilegal.Devemos superar a culturada invisibilidadedaspessoas emsituação de rua, acabando com a proteção aos crimes do Estado. É importante,quandonãohá identificação imediatadeumapessoa,que semantenhaseuregistrohistórico antes de enterrá-la. Sexo, tamanho, cor, marcas corporais ajudam aidentificá-la e a conhecer as circunstâncias da suamorte aposteriori. Não podemosconviver com pessoas invisíveis ao Estado. Com o objetivo de trabalhar o tema deforma transversal, como política de Estado, a coordenação de políticas para a

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populaçãoemsituaçãoderuapretendeenvolvertodasassecretarias.Conseguiremos,nemquelevetempo.Muitoobrigado.O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – Sr. Eduardo Ferreira. Promotor daSecretariadaSegurançadeSãoPaulo.O Sr. Eduardo Ferreira – Desaparecer com os corpos foi algo muito comumduranteaditaduraeatualmentenãoexistelegislaçãoqueoevite.Odesaparecimentonãocaracterizacrimeenãojustificaainstauraçãodeuminquéritopolicial.Enquantonão houver lei federal que determine investigação quando alguém desaparece, issocontinuaráaacontecer.Emresumo:éconsequênciadaditaduraepermanece.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Obrigado.OvereadorRicardoYoung.OSr.RicardoYoung – Parabéns ao presidente por ter convocado a reunião e àprocuradora Eliana pela coragem de tocar em tema tão sensível. Mostra feridasabertas.Temospessoasdiretamenteimplicadasnaquestão,nestaMesa.Noentanto,aminha percepção é de tudo confuso: nas definições, nas responsabilidades e nasesferas administrativas envolvidas. Ao menos três órgãos são responsáveis peloproblema,doisestaduaiseummunicipal,paranãofalardasegurançapública.Vemosque não conversam, não se entendem, não trocam banco de dados e não seresponsabilizamisoladamentesobreoproblema.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Vereador, a Secretariade Segurança e oIMLforamconvidados.Nãovieram.OSr.RicardoYoung – Sabemos que é um problema gravíssimo na cidade. Hámoradores de rua com identificação e sem identificação. Pessoas desaparecidas.Temos um cadastro de desaparecidos? Nãome parece. Há censo demoradores derua?Hádesaparecidosemsituaçãoderua,ouqueseevadiram,oumorreram?Algunstêm identificação regular,outrosnão. Ignoramosquantos sãodesaparecidos,nãohácruzamento de informações. Duas são as situações: mortos com identificação,reclamados.Aínãoparecehavermuitoproblema.Eosmortossemidentificação,nãoreclamados, além dos identificados e não reclamados? Qual o procedimento e adestinação, para que não acabem em valas como indigentes? Os mortos semidentificação podem ser desaparecidos ou moradores de rua. Como saber semprocessodeidentificaçãoquefaçaocruzamento?Acomplexidadeno tratamentodaquestão é enorme.Emquepese apreocupaçãoemdardestinomaishumanoedecenteparaaspessoasnessasituação,nãovemosnohorizontedasadministraçõesmunicipaleestadualotrabalhodequalificaraspessoasadequadamente ou de construir cadastros de informação e bancos de dadosnecessáriospararealizarcruzamentos.OprojetodeautoriadovereadorMarioCovasNetoteriaresolvidotudo:cadastroúnicodeDNA.Possibilitariaa identificaçãomaisprecisa de todas as situações, alémdo cruzamento da informação doDNA com a da

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identificaçãocivil,casoexistente.Em que pese compreender que isso seja da esfera estadual, creio que somosresponsáveis, como gestores do município, por empenhar esforços junto ao Estadoparaobterregulamentação.Éfundamental,sim,umcadastrodeDNAdetodos,oquepermitirácruzamentodedadosentredesaparecidos,moradoresderuaemortossemidentificação.Comomesmoprotocolo.Assim,asentidadesenvolvidastrabalharãodemaneiraorganizada.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Agradeço.OvereadorMarioCovasNeto.OSr.Relator(MarioCovasNeto)–Pensoqueoassuntonãodeveserpolitizado.AtribuiraoEstadoouàUniãoaresponsabilidadeéaformamaisfácildelivrar-sedoproblema.CompreendoasrazõesquelevamoMunicípioaacharquenãoéocasodeassumir essa tarefa. O projeto previa apenas os casos de pessoas sem identificação.Masfalamosdecoisapior:gentecomidentificação.Éinadmissível.SeoproblemaestánoEstado,no IML, onde for, temos obrigação de tentar resolvê-lo.Deminha parte,como vereador, o que posso promover é uma legislação municipal e foi o que fiz:mandeiaogovernadorumacartapessoal,sugerindo-lhefazeralgosimilarnoEstado.Não obtive resposta. Só posso ir até aí. No mais, não quero ser dono de ideianenhuma,queroqueseconcretize.Obrigado.OSr.Presidente(GilbertoNatalini)–Obrigado.VereadoraJulianaCardoso.ASra.Vice-Presidente(JulianaCardoso)–Obrigada.Contoumepisódioqueaconteceucomigonestefinaldesemana,emquefiqueidesesperadaenãosabiaoquefazer. Houve uma senhora, 94 anos, que faleceu na madrugada de sábado paradomingo. Sofria de osteoporose e fraturou a perna. Hospitalizada, não resistiu. Ohospital feza tramitaçãoecolocou“morte suspeita”, apesardadocumentaçãoqueafamília levara. Tiveram de fazer boletim de ocorrência. O escrivão colocou “mortenatural”.Demoraramabuscá-laealevaramaoSVO.E issodepoisdeeuligar, ligar...horas.NoSVOdisseram:“Temfratura.Precisavoltarao IML”.Ela faleceuno sábado,cercade 2damanhã.Chegou ao SVO nodomingo, às 11hdanoite.Bem, lá fui euligarparaoIMLbuscar.Essasenhorachegouàs10hdamanhãnoIMLdeArturAlvim.Ali disseram que havia 10 na frente. Só uma legista. A senhora só poderia serenterrada no dia seguinte. Três dias! Intervim como vereadora e pedi ajuda aodeputadoAdrianoDiogo.Aífoiavezdeesperarocarrofunerário.Enfim,enterraramsegunda-feira,às17horas,com30minutosdevelório.E tudocomumapessoaquetemfamília,contatocomvereadoraedeputado.Imaginequemnãotemidentificação.Às vezes tenho a sensação de que não querem fazer direito. Além dos interessesfinanceiros a permear a questão, é tanta coisa que não sabemos por onde começar.Mastemosdeagireadoutoracomeçou.Obrigada.OSr.Presidente (GilbertoNatalini)–Teremos que encerrar a reunião. Eliana

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Vendramini.ASra.ElianaVendramini–Sereibreve.OMinistérioPúblicopromovejustiçaemproldasociedade.Nãofazemospartedenenhumpoderinstituído.SomoslivresparabuscaraverdadeeaJustiça.QuerodeixarbemclaroaoSVO,especialmentenapessoado seu vice-diretor, Dr. Pasqualucci, que o respeito tanto quanto aos outros quemilitamnaárea.Aodizerquechegampessoascomdocumento,merefiroaumpapelque as identifique, RG ou não; qualquer papel com nome é documento. Estãoqualificadas,sim.SenãooSVOosenviariaaoIML.Segundaquestão.APolíciadeveriaestaraquinafiguradaSecretariadeSegurançaPública. Lamento a ausência, para mim impensável. Ali há um problema; já dissequal.O SVO define a inumação quando classifica corpos, reclamados ou indigentes.Mas tem de pesquisar, não presumir. É disso que falo. E da assistente social quedeveriaestarlá.Deduzirlevaàinumaçãodesumana,longedafamília,nãosóaosqueficaram,mas a quem foi personalidade. Também resulta no uso não autorizado docorpo.Reclamamosdapresunção.Deresto,respeitamososerviço.Porfim,talqualodito pelos vereadores Ricardo Young e Mario Covas Neto, se os serviços não secomunicamnãochegaremosaumasolução.ObancodeDNA éumsonho,masé lei,tem de fazer. O de desaparecidos pode ser feito hoje, basta a Secretaria querer.AgradeçoorespeitopelotrabalhodoMinistérioPúblico,nãonecessariamentemeu.O Sr. Presidente (Gilberto Natalini) – Nós agradecemos. Está encerrada areunião.

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REVISITARAHISTÓRIADECORAÇÃOEMENTESABERTOSÉUMPASSOIMPORTANTEPARACORRIGIRRUMOSERETOMARBONSCAMINHOS ABANDONADOS. TAMBÉM É PONTO IMPORTANTEPARAQUEAMEMÓRIARESGATADADEUMACOMUNIDADE,DEUM PAÍS INTEIRO, AJUDE À JUVENTUDE SEQUIOSA DETRANSPARÊNCIA E INFORMAÇÕES CORRETAS PARA TOMARDECISÕES QUANTO A SEU FUTURO. EM PERÍODOSOBSCURANTISTAS, GOVERNOS TOTALITÁRIOS MANDAMQUEIMAR LIVROS; NAS DEMOCRACIAS ABERTAS EPARTICIPATIVAS, LIVROS (COMO ESTE, BASEADO NO INTENSOTRABALHO DA COMISSÃO MUNICIPAL DA VERDADE) SERVEMDEALENTOEESPERANÇAPARACONSTRUIRMOS,JUNTOS,UMASOCIEDADE SEM VIOLÊNCIA E ONDE A LIBERDADE ESTEJASEMPREVIVA.

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