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Relatório/Visita Técnica: Trabalho de campo realizado na aldeia Kayapó Kapankrer/Pau D’arco Pará Professores: Maria do Socorro Lacerda Lima e Robinson Santos Araujo da Silva

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Relatório/Visita Técnica:

Trabalho de campo realizado na aldeia Kayapó

Kapankrer/Pau D’arco Pará

Professores: Maria do Socorro Lacerda Lima e

Robinson Santos Araujo da Silva

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Castanhal/Pará Fevereiro/2014

APRESENTAÇÃO:

Em setembro de 2013 um grupo de 12 alunos de duas instituições de nível superior

(FCAT e FIBRA) realizaram visita técnica a uma aldeia Kayapó Mebengokre localizada no

sul do estado do Pará. Esta atividade foi realizada como parte do cronograma da disciplina

Antropologia Cultural e propiciou aos alunos importante vivência em campo para a formação

acadêmica dos futuros licenciados. Tal iniciativa é, de fato, inovadora no estado do Pará, que

possui considerável diversidade étnica que ainda é desconhecida não só pela população

escolar do estado, mas essencialmente pelos futuros professores que concluem seus cursos de

licenciatura sem jamais ter a oportunidade de realizar trabalho de campo e vivência junto às

populações indígenas que compõem a nação brasileira.

Diante dessa situação elaborou-se dentro da disciplina Antropologia Cultural uma

proposta de atividade de extensão com o objetivo de oferecer aos estudantes do curso de

História da FCAT um período de vivência em uma das aldeias Kayapó da Terra Indígena Las

Casas. Esta iniciativa proporcionaria aos futuros professores um diferencial em sua

qualificação, tornando-os mais capacitados para as discussões sobre questões indígenas, a fim

de contribuir para a efetiva aplicação da Lei 11.645/08 que torna obrigatório o ensino da

“História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena” nas salas de aula de todo o país.

A turma do 2º período de História aprovou a proposta tão logo fora apresentada de

modo que ainda em agosto de 2013 foi entregue à Coordenação de Extensão o projeto da

atividade (ver anexo 1) e o formulário de cadastramento de visitas e viagens técnicas com as

seguintes solicitações: Máquina fotográfica para o registro durante o trabalho de campo (12

megapixel de resolução); gravador de voz para as entrevistas. Van ou ajuda financeira para o

deslocamento dos estudantes até à aldeia Kayapó Kapankrer, localizada no município de Pau

D’arco, há 800km de Castanhal.

Como a viagem havia sido marcada para setembro enquanto aguardávamos o

posicionamento da instituição sobre o projeto, iniciou-se o treinamento de campo para os

estudantes com o objetivo de capacitar os alunos para a pesquisa de campo antropológica e a

produção de entrevistas e vídeos etnográficos. Infelizmente, no início de setembro fomos

informados pela coordenação de extensão que nosso projeto não receberia da FCAT qualquer

tipo de apoio financeiro seja para o deslocamento dos alunos, seja para a compra ou aluguel

de equipamentos referente à produção áudio visual, ou qualquer outra despesa.

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Mediante a falta de apoio financeiro da FCAT iniciamos articulações institucionais com

o objetivo de viabilizar o projeto que demandava custos como passagens, alimentação nas

viagens (de ida e volta), provisões para o campo e outras necessidades advindas do trabalho.

A maioria dos alunos, mesmo com dificuldade financeira, se dispôs a custear o estágio de

vivência por considerarem de extrema importância para a sua formação. Assim, foi preparado

um plano de custos com todos os gastos essenciais para a viagem como o deslocamento

(passagens de ônibus Castanhal/Belém; Belém/Pau D’arco, Pau D’arco/Belém, Belém

Castanhal), as provisões (alimentação e água) e a alimentação durante a viagem (café e

almoço).

Durante o período de articulações conseguimos a mediação e a anuência da comunidade

para acesso a Terra Indígena Las Casas junto a Coordenadoria Técnica Local (CLT) da

FUNAI e o transporte para deslocamento do grupo Pau D’Arco/aldeia Kaprankrer/Pau

D’Arco junto a Secretaria de Educação do município. O restante das despesas foi inteiramente

custeado pelos alunos. Deve-se dizer que alguns discentes não puderam participar da

atividade unicamente por falta de condições financeiras para arcar com as despesas

individuais da viagem.

Após as articulações e parcerias estabelecidas, recebemos o documento de anuência da

comunidade de Kaprankrer assinado pelas lideranças Takator Kayapó, Bepkum Kayapó,

Tuíre Kayapó e pelo coordenador técnico local da FUNAI Francisco José de Caldas (ver

anexo 2), tal documento foi encaminhado à Coordenação do curso de História e à

Coordenação de Extensão da FCAT para que tomassem ciência de que a comunidade Kayapó

de Kapankrer preparava-se para receber os alunos, com a esperança de que o grupo de

acadêmicos pudesse, de algum modo, ajudá-los a enfrentar os problemas mais urgentes que

atualmente enfrentam.

O passo seguinte foi o planejamento junto à turma no qual se definiu a data mais viável

para a viagem e o roteiro de campo com as atividades que o grupo deveria realizar durante a

estada na aldeia. Como nem todos os alunos puderam participar do trabalho de campo na

aldeia, os demais discentes foram orientados a realizar a pesquisa de campo no contexto

urbano, junto aos índios moradores das cidades próximas a Castanhal.

É importante explicar por que escolhemos Kaprankrer entre tantas outras aldeias

existentes no estado do Pará. A oportunidade de tal visita surgiu da parceria da professora da

disciplina com o Historiador, produtor cultural e membro do Instituto Kenourukware Kayapó

(IKKA) Robinson Araújo da Silva, profissional que há mais de dez anos trabalha junto às

populações indígenas do estado do Pará e que recebeu o apelo das lideranças Kayapó desta

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aldeia para que indicasse pesquisadores e estudantes comprometidos em firmar parcerias com

a comunidade. Assim, durante duas visitas a aldeia Kaprankrer, feitas nos meses de julho e

agosto de 2013, Robinson Silva participou de reuniões com as principais lideranças, dentre

elas Tuíre Kayapó, Takator Kayapó e Bep Kum Kayapó, nas quais demandas da comunidade

foram colocadas na pauta das discussões. Ouvindo os relatos sobre os graves problemas que

esta aldeia indígena vem enfrentando desde sua criação no ano de 2011, sendo o principal

deles a dificuldade para o cultivo de alimentos em suas roças, aceitou a responsabilidade e o

desafio de articular ações com instituições particulares e órgãos governamentais que tivessem

o interesse em contribuir para a melhoria da qualidade de vida das pessoas que vivem e

Kaprankrer.

No mês de agosto, Robinson Silva fez uma viagem à Kaprankrer, a convite da Tuíre

Kayapó (principal liderança). Tratava-se do convite para a festa Membijok, uma das festas

tradicionais desse povo. Durante sua estada decidiu acompanhar os homens na caçada de

jabotis, alimento tradicional entre os Kayapó, sobretudo, durante o período de festas. Essa

experiência permitiu observar a exata situação da aldeia em relação à segurança alimentar do

grupo, pois, caminharam aproximadamente 10 km embaixo de um sol escaldante em uma

região de serrado, de vegetação rasteira e poucos nichos de mata, de pequeno porte, onde

acompanhando o leito de um rio seco, nessa época do ano, conseguem encontrar os Jabotis.

Quanto a outros tipos de caça, segundo a comunidade, é quase que inexistente. Ao conhecer e

viver esta realidade junto aos índios, Robinson se dispôs a articular parcerias institucionais a

fim de viabilizar projetos que pudessem trazer melhoria na qualidade de vida das pessoas

moradoras de Kapankrer. Dessa forma as lideranças aproveitaram para solicitar doações de

cestas básicas para as 45 (quarenta e cinco) famílias que moram na aldeia, pois a alimentação

tem sido um problema real na área.

Diante das circunstâncias chama-se a atenção para a importância de se compreender que

nesse caso específico, as cestas básicas eram mais do que necessárias para compensar uma

possível interrupção das atividades cotidianas da aldeia em função da presença do grupo

visitante, o que descaracteriza a ideia de simples assistencialismo. Assim, com esse objetivo

os alunos das duas instituições envolvidas na atividade (FCAT e FIBRA) realizaram ao longo

de todo o mês de agosto e primeira quinzena de setembro uma campanha de arrecadação de

alimentos para que pudéssemos levar uma cesta básica para cada família da aldeia, meta que

conseguimos atingir.

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Cartaz produzido pelos alunos do 4º período/FIBRA Cartaz produzido pelos alunos do 2º período/FCAT.

1. PLANEJAMENTO DA VISITA

1.1 Unidade Visitada: Aldeia Kaprankrer – Construída em 2011 na Terra Indígena Las

Casas. Município de Pau D’Arco Sul do Pará/Brasil.

1.2.– Localização:

Mapa da Terra Indígena Las Casas

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Localização da aldeia Kapankrer dentro da Terra Indígena Las Casas

População da aldeia: 173 pessoas/44 famílias Situação da Terra indígena: Homologada. Área: Aproximadamente 21.188ha (fonte: FUNAI) Data da Visita: 21 a 26 de setembro de 2013.

Foto 1 e 2- Panorâmica da aldeia Kayapó Kaprankrer (Robinson Silva, 2013)

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1.2 – Turmas Envolvidas: Seis alunos do 2º período de licenciatura em História da

Faculdade de Castanhal (FCAT) e seis alunos do 4º período de história da Faculdade

Integrada Brasil Amazônia (FIBRA).

1.3 – Alunos Participantes: Alunos da FCAT: Brenda Maria Freire Barroso (14000075),

Edson Cesar da Silva Junior (14000049), Hermes Marques Damasceno Neto (14000069),

Joanne Barbosa Ferreira (14000017), Ramon de Oliveira Alves (14000034), Ronaldo Adriano

Batista Sarmento (14000041). Alunos da FIBRA:

Carlos Isaac da Silva Santos, Rafael Silva Santos, Thiago Monteiro de Souza, Wallace Lima

da Costa, Wagner Richard Queiroz da Luz e Patrick da Silva Chaves.

1.5- As oficinas de treinamento:

De acordo com o planejamento para a viagem à Kaprankrer, foram realizadas quatro

oficinas de treinamento para todos os alunos das duas turmas envolvidas. O objetivo das

oficinas foi capacitar os estudantes para a pesquisa de campo, a realização de entrevistas e a

produção de fotos e vídeos etnográficos. A oficina 1 “O trabalho de campo antropológico”1

foi ministrada para os alunos da FCAT no dia 06 setembro dentro da carga horária da

disciplina Antropologia Cultural. Como a pesquisa etnográfica caracteriza-se, sobretudo pelo

processo de imersão do pesquisador no convívio direto com o grupo pesquisado as

orientações sobre a adequada postura em campo, as técnicas de coleta de dados, os diferentes

modelos de entrevistas que podem ser utilizados, a observação participante que permite uma

proximidade maior com os interlocutores, enfim a capacitação dos alunos para realização da

pesquisa junto aos índios foi essencial, pois a pesquisa etnográfica corresponde a

uma experiência que nenhuma outra abordagem proporciona, na medida em que tem como

pressuposto o contato com o Outro, nos termos - espaço, temporalidade e códigos culturais.

Foram ainda realizadas mais três oficinas de treinamento, quais sejam: “Coleta de

dados, registro e a produção de entrevistas2”; “A linguagem do documentário e a produção de

vídeos etnográficos”3 e “O trabalho de campo entre os ‘índios urbanos’” 4 (ver anexo 3).

1 Textos discutidos na oficina 1: CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. O trabalho do Antropólogo. Brasília/São Paulo: UNESP, 2000; MAGNANI, José Guilherme Cantor. O bom e velho caderno de campo. Disponível em: http://www.n-a-u.org/Magnanicadernodecampo.html Capturado em: 12/07/2011. 2 Texto discutido na oficina 2: THOMPSON, Paul. “A entrevista” IN A voz do passado: História oral. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1992: 254-278. 3 Texto discutido na oficina 3: NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. Campinas, SP: Papirus, 2005. RIBEIRO, José da Silva. Ética, investigação e trabalho de campo em Antropologia e na produção audiovisual IN Doc On-line, n.07, www.doc.ubi.pt. Dezembro 2009 pp 29-51. 4 Textos discutidos na oficina 4: NUNES, Eduardo. Aldeias urbanas ou cidades indígenas? Reflexões sobre índios e cidades IN Espaço Ameríndio. Porto Alegre, v. 4, n. 1, p. 9-30, jan./jun. 2010; PONTE, Laura Arlene

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Em virtude da impossibilidade de todos os alunos realizarem tal viagem para o estágio

de vivência na aldeia, foi feita uma seleção entre os estudantes para definir o grupo que

viajaria. Os demais alunos que permaneceram na cidade foram orientados a realizar o trabalho

de campo entre os índios que atualmente residem na capital Belém e área metropolitana, de

modo que as turmas receberam o mesmo treinamento para a execução da pesquisa, apenas

trabalharam em contextos/campos diferentes (aldeia e espaço urbano).

Dessa forma os professores responsáveis pela atividade realizaram encontros para a

apresentação de dados sobre a atual situação socioeconômica do povo indígena de

Kaprankrer5, além da exibição de vídeo e fotografias para que todos pudessem se familiarizar

com o espaço e a realidade da aldeia e assim elaborar o plano de campo sob a orientação dos

docentes.

1.6- Os preparativos, a viagem e a chegada em campo :

Na véspera de nossa viagem, dia 20 de setembro, todas as doações de alimentos e em

dinheiro foram recolhidas nas duas faculdades envolvidas no projeto. A montagem das cestas

básicas foi realizada na manhã do dia 21 de setembro, no pátio da FIBRA, localizada próxima

ao terminal rodoviário, onde a equipe faria o embarque neste mesmo dia, as 20h. Vários

alunos participaram da organização e montagem das cestas. Ao todo foram 45 cestas básicas

distribuídas em mais de 25 caixas, e mais cinco volumes com as nossas provisões para o

campo (rancho: alimentação para 14 pessoas; material de cozinha para o preparo dos

alimentos: panelas, facas e outros apetrechos).

Saré Ximenes. “A população indígena da cidade de Belém, Pará: alguns modos de sociabilidade” IN Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum. Belém, v. 4, n. 2, p. 261-275, maio-ago. 2009. 5 O professor Robinson Silva, um mês antes, ou seja, em agosto, havia visitado a aldeia Kapankrer e registrando a situação crítica relacionada à segurança alimentar do grupo.

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Foto 3- Parte do material levado pela equipe (Souza, 2013).

Para nosso translado até a aldeia, inicialmente foi planejado fretar uma van, de 15

lugares, já que éramos 14 no total, porém, em virtude do valor alto cobrado pelo frete e,

sobretudo, em função do grande volume que teríamos que levar (as 45 cestas básicas, 20

fardos de água mineral e as bagagens individuais das 14 pessoas que compunham a equipe)

tornou-se realmente inviável o frete de uma van pequena. Seria necessário, portanto, um

micro-ônibus, mas o grupo não dispunha de condições financeiras para cobrir o valor do frete

de um carro maior, dessa forma nossa única alternativa foi realizar o deslocamento no ônibus

da linha transbraziliana, única empresa de ônibus que realiza a rota Belém-Pau D’arco-Belém.

Como o trajeto é feito pela alça viária o grupo de alunos de Castanhal precisou deslocar-se até

Belém para embarcar no terminal.

Saímos da capital belemense as 20h20. O embarque foi demorado em função da

quantidade de volumes que levávamos. Percorremos aproximadamente 2.000 Km,

considerando a ida e a volta, essa viagem em virtude das estradas ruins e dos ônibus

sucateados é incrivelmente desconfortável. Assim para oferecer uma noção do que os

viajantes enfrentam nesse trajeto é importante registrar o roteiro da viagem como orientação

para os profissionais que desejarem visitar Kaprankrer. Entre capital Belém e a aldeia

Kaprankrer passamos pelos municípios de Moju, Tailândia, Goianésia do Pará, Jacundá,

Marabá, Eldorado dos Carajás, Rio Vermelho, também conhecido como “Gogó da Onça”,

Sapucaia, Xinguara, Rio Maria e finalmente, Pau D’Arco. A aldeia localiza-se

aproximadamente 10km do município de Pau d’arco.

Durante todo o percurso, enfrentamos vários percalços como estradas em péssimas

condições de uso, ônibus com o ar condicionado defeituoso, o que tornou a viagem muito

mais desconfortável devido ao calor extremo, além dos buracos na lataria do veículo que

permitia uma nuvem de poeira entrar no ônibus constantemente ao longo da viagem. Mas

quando achávamos que não poderia ficar pior, ao chegarmos em Xinguara um problema

mecânico mais grave obrigou a empresa a trocar nosso ônibus para evitar novos transtornos, o

que atrasou um pouco mais a viagem.

Alcançamos o município de Pau D’Arco por voltas das 14h do dia 22 de setembro. Fomos

recepcionados pelo Coordenador Técnico da FUNAI Local, Sr. Francisco José de Caldas. E

logo após nosso desembarque, o micro ônibus providenciado pela secretaria de Educação do

município chegou para buscar a equipe e nos conduzir até a aldeia Kaprankrer. Esse transporte

(de Pau D’arco até área) foi muito importante, pois evitou a despesa que teríamos com um

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frente, tal apoio foi garantido com a parceria institucional que se consolidava entre as

faculdades e a prefeitura município.

2. CONTATOS REALIZADOS

Instituições parceiras: Faculdade de Castanhal (FCAT), Faculdade Integrada Brasil

Amazônia (FIBRA), Fundação Nacional do Índio (FUNAI) Coordenação Técnica Local

(CTL) do Município de Pau D’Arco, Prefeitura de Pau D’Arco, Secretaria Municipal de

Educação de Pau D’Arco (SEMED) e Instituto Kenourukware Kayapó (IKKA).

3. ATIVIDADES REALIZADAS

Ao nos deslocarmos de Pau D’Arco para Kaprankrer, fomos acompanhados pelo Sr.

Francisco J. de Caldas da FUNAI, chegamos a aldeia por volta das 15h e 30 min. Em

Kaprankrer fomos logo para a casa dos guerreiros (denominada N’gob em Kayapó). Para

nossa surpresa as lideranças já nos aguardavam, inclusive Paulinho Payakan, liderança

proeminente da nação Kayapó. Fizemos as devidas saudações a todos os guerreiros presentes

e logo nossos anfitriões nos mostraram o local onde poderíamos montar nosso alojamento. O

local escolhido para o grupo foi a casa do guerreiro Kagusu Kayapó que gentilmente cedeu

parte de sua moradia para acolher a equipe. Após organizarmos nossas bagagens, retornamos

para o N’gob, onde aconteceria a reunião de apresentação da equipe.

Robinson Silva iniciou a reunião agradecendo a todos os presentes pela boa

receptividade; fez um breve comentário sobre o objetivo do trabalho e apresentou o grupo de

alunos. Em seguida a professora Maria do Socorro fez seus agradecimentos, detalhou o

projeto e a intenção da equipe junto à comunidade. Encerradas as apresentações do grupo

visitante, o cacique Takator Kayapó, esposo de Tuíre Kayapó, fez sua apresentação dando as

boas vindas aos alunos. Payakan pediu para se pronunciar, pois, como não mora em

Kaprankrer, teria que retornar logo ao município de Redenção para compromissos agendados.

Payakan então deu as boas vindas ao grupo ressaltou a importância da iniciativa, falou um

pouco sobre a história do povo Kayapó e finalizou pedindo o apoio de todos para a

mobilização nacional dos povos indígenas programada para outubro de 2013.

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Fotos 4, 5, 6, 7, 8 e 9. Reunião de apresentação das lideranças e da equipe de pesquisa em Kaprankrer, logo após nossa chegada em 22/09/2013 (Fotos Robinson Silva 2013).

Após a fala de todos, solicitamos que as lideranças definissem com a comunidade a

escolha de um representante de cada uma das 45 (quarenta e cinco) famílias para receberem as

doações que levávamos (cestas básicas solicitadas). Pedimos também que as lideranças

orientassem a comunidade para interagir com o grupo visitante levando os alunos à roça, à

coleta de lenhas, à pescaria entre outras atividades cotidianas da aldeia. Takator Kayapó

delegou o guerreiro Makô e o professor da aldeia Eketí Kayapó para serem os interlocutores

do grupo. Na discussão foi definido que na manhã seguinte os alunos se dividiriam nas

atividades junto à escola da aldeia, à coleta de lenha, à pesca e a roça.

Ao retornarmos para o alojamento as mulheres convidaram o grupo para dançar, pois

estavam se preparando (com pinturas e adornos) para a realização de uma dança como forma

de manifestar as boas vindas aos estudantes. Dessa maneira iniciamos a interação com a

comunidade participando de uma dança ainda no final da tarde do primeiro dia, 22 de

setembro.

Fotos 10 e 11 – Mulheres dão as boas vindas aos alunos (Fotos Hermes Damasceno, 2013)

12

É importante registrar que, paralelamente às atividades que estávamos participando,

como a reunião e a dança, alguns homens decidiram construir um banheiro, com dois

chuveiros, para oferecer à equipe mais conforto e privacidade no banho, durante nossa estada

em Kaprankrer.

Fotos 11 e 12. Banheiro construído para o grupo (Fotos Robinson Silva, 2013)

Após a dança, retornamos ao alojamento para montar as barracas e iniciar a entrega das

cestas básicas. Makô Kayapó logo veio nos avisar que os representantes de cada uma das

quarenta e cinco famílias estavam chegando para receber as doações. Assim iniciamos a

entrega das cestas a todas as famílias da aldeia. Embora soubéssemos que as doações não

resolveriam os problemas relacionados à subsistência da comunidade foi gratificante saber

que ao menos durante o período de nossa estada as famílias não teriam que se preocupar com

alimentação.

Fotos 13 e 14- Entrega das cestas básicas na aldeia Kaprankrer (Hermes e Robinson Silva, 2013)

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Fotos 15 e 16- Entrega das cestas básicas (Robinson Silva, 2013)

Segundo dia em campo (a pintura corporal)

Na manhã do dia 23 de setembro, aos olhos curiosos de alguns moradores da aldeia,

alguns voluntários da equipe preparam nosso primeiro café da manhã em Kaprankrer

enquanto os demais alunos ainda despertavam para a maratona de atividades programadas

para aquele dia. Nesse ínterim, contatei, por telefone, a secretária de educação do município

de Pau D’Arco Elma Eduardo solicitando o adiamento da reunião que estava marcada para

esta segunda-feira (23/09) para o dia seguinte, 24/09. A mudança foi necessária em função

das intensas atividades em Kaprankrer. Vale ressaltar que na área da aldeia, devido à

proximidade com o município de Pau D’Arco e Redenção, recebemos sinal de celular da

operadora Vivo.

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Fotos 15, 16, 17 e 18. Primeiro café da manhã em Kaprankrer (Robinson Silva, 2013).

Definida a mudança de data, o Sr. Francisco de Caldas da FUNAI foi contato para que

viabilizasse nosso transporte até a Secretaria de Educação de Pau D’Arco para a reunião com

a secretária de Educação do Município e o nosso retorno à aldeia. O Sr. Francisco então nos

garantiu o transporte comprometendo-se de vir nos buscar na manhã seguinte, pessoalmente,

pois também iria participar da reunião conosco.

Após o café da manhã, de acordo com o que havíamos programado, os professores e os

alunos se dividiram entre as famílias da aldeia para que pudessem receber a pintura corporal

pelas mulheres Kayapó. Obviamente a pintura não foi obrigatória para os alunos, entretanto,

todos desejaram viver essa experiência e foram orientados a fazer isso como forma de

demonstrar respeito e admiração pelo grafismo corporal do grupo, além de poder estabelecer

uma aproximação com as pessoas do lugar.

Foto 19- Joanne aluna FCAT (Lima, 2013) Foto 20- Profª Mª do Socorro (Ferreira, 2013).

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Foto 21- Rafael aluno FIBRA (Hermes, 2013). Foto 22- Hermes aluno FCAT (Silva, 2013).

Foto 23 - Prof. Robinson (Hermes, 2013)

A pintura facial é feita com espécie de pincel de lasca (uma tala fina que permite a

elaboração de traçados e linhas precisas). Rosto é geralmente a primeira parte do corpo que

recebe a pintura e requer um cuidado especial, a cabeça, costuma ser a parte mais decorada e é

para onde converge o maior número de símbolos e significados. No corpo, na maioria das

vezes, aplicam-se faixas de tinta de jenipapo com a mão que em seguida são riscadas com o

pente riscador. (Vidal, 2013)

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Foto 24- Isaac, aluno/FIBRA (Ferreira, 2013).

Foto 25- Thiago aluno/FIBRA (Thiago, 2013).

Foto 26-Ramon, aluno/FCAT (Silva, 2013).

Foto 27- menina com pintura e adereços (Silva, 2013).

A arte gráfica dos Mebengokre possui uma função essencialmente social e mágico-

religiosa, mas “também é a maneira reconhecidamente estética – ‘mei’ – e correta – ‘Kumren’

– de se apresentar, havendo aqui uma correspondência entre o ético e o estético” (Vidal, 2013

p 1). Dessa forma, é de bom tom que os visitantes interessados em conhecer um pouco do

cotidiano e da cultura local recebam a pintura em seus corpos, pois assim aproximam-se de

seus interlocutores, haja vista que,

“os Kayapó consideram a pintura corporal como um atributo da própria natureza humana... Cabe ainda ressaltar a importância da pintura corporal como uma atividade em si, um processo de produção e reprodução de relações sociais. Assim como um meio de integração, controle e socialização do indivíduo” (2013 p 1).

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É por isso que também os recém-nascidos, após a queda do cordão umbilical, são

imediatamente pintados com tinta de jenipapo, como reconhecimento de seu status de pessoa

humana. A pintura corporal representa um dos marcadores culturais mais importantes dos

Kayapó, segundo Lea,

“Uma mulher Mebengokre gasta umas quatro horas para pintar uma criança com o estilo mais elaborado (este mesmo estilo é usado para adultos no decorrer de cerimônias). Uma nervura de planta serve de pincel para produzir desenhos geométricos, freqüentemente baseados em algum animal. A pintura corporal constitui um saber feminino requintado.” (1994 p 98)

Segundo Lux Vidal (2013) na representação dos desenhos tem-se uma variedade de motivos

abstratos que simbolizam: peixes, aves, antas, veados, onças, plantas, cobras, quelônios,

borboletas, o que remete ao nível de correspondência cosmológica que dá sentido ao mundo

Kayapó.

A divisão da equipe

O início das atividades relacionadas diretamente ao projeto aconteceu com a divisão do

grupo, de acordo com a programação prevista para os dias que passaríamos em campo. Assim,

no dia 23, uma equipe se dirigiu à escola da comunidade para conhecer a dinâmica da

educação escolar em Kapankrer; conversar com os professores e alunos sobre as dificuldades

e as conquistas alcançadas no campo da educação ao longo dos dois anos de existência da

aldeia e produzir imagens.

Outro grupo de alunos se responsabilizou em cobrir a atividade da pesca acompanhando

o interlocutor Makô e outros homens Kayapó que se dirigiram para o rio a fim de apresentar

algumas das inúmeras técnicas de pesca aos visitantes.

As três únicas mulheres da equipe permaneceram juntas para acompanhar o grupo de

índias Kayapó que se organizou logo cedo para realizar uma das atividades de domínio

exclusivo do universo feminino: a coleta de lenha. Essa atividade corresponde não apenas ao

pesado trabalho de corte da madeira, feito com machado, mas também se refere ao transporte

da lenha para as cozinhas das casas. Como já havíamos planejado, o professor Robinson

Silva acompanhou e registrou o trabalho de coleta da lenha do qual participaram a professora

Maria do Socorro e as duas alunas visitantes, Joanne Ferreira e Brenda Barroso.

A escola

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O professor Robinson Silva registrou o trabalho de Hermes Netos (FCAT), Rafael

Santos (FIBRA) e Thiago Souza (FIBRA), alunos responsáveis pela etnografia da escola.

Chama-se Escola Municipal Indígena de Ens. Fund. NHÀKTURE; atende apenas os

moradores da Aldeia Kayapó Kaprankrer da Terra Indígena Las Casas do Município de Pau

D’Arco Sul do Pará; Jurisdição FUNAI: Coordenação Técnica Local – CTL de Pau D’Arco.

De acordo com informações concedidas por um dos professores da aldeia a A

E.M.I.E.F Nhàkture está funcionando neste segundo semestre do ano de 2013 com alunos

matriculados e distribuídos nas séries que vão do 1º ao 5º ano, considerando também a creche.

O EJA previsto para a escola ainda não está funcionando. A palhoça da escola oferece dois

espaços nos quais é possível separar os diferentes níveis distribuídos em dois turnos. Assim a

creche possui 28 alunos, o EJA 15, o 1º ano 21, o 2º ano 26, o 3º ano 11, o 4º ano 07 e o 5º

ano possui apenas 01 aluno. A escola atende um total de 109 alunos, sendo quatro

professores.

Fotos- 27, 28, 29 e 30. Escola da aldeia Kaprankrer (Silva 2013).

Escola da aldeia Kaprankrer (Hermes Neto, 2013).

Foto – Professor Vanildo (Thiago, 2013).

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Foto - Vanildo de Oliveira e Silva, Professor não índio da Escola em Kapranker (Silva 2013).

Foto – alunos iniciando a primeira atividade escolar do dia (Hermes Neto, 2013).

A coleta de lenha

A atividade de coleta de lenha, em geral, e isso pode ser percebido em todas as aldeias

Kayapó, é uma atividade exclusivamente feminina e organizada, geralmente, para ser

executada em grupo. Além das alunas convidadas para executar o trabalho e participar do

universo feminino da aldeia Kaprankrer, foi permitida a participação de um dos alunos para

auxiliar na tarefa. Saímos da aldeia por volta das 11h da manhã e depois de uma caminhada

de aproximadamente 20 minutos, chegamos ao local da coleta de lenha.

Chega a impressionar a saga das mulheres Kayapó em suas tarefas cotidianas! No caso

específico do processo de coleta da lenha, além do trabalho árduo de cortar a lenha com

machado, árdua também é a tarefa de transportar a lenha nos tradicionais cestos (caxi) dos

locais de corte até as aldeias. No caso de Kaprankrer, um fator que torna ainda mais

desgastante essa tarefa é a geografia do local, pois, como é área de serrado, a vegetação é

praticamente rasteira fazendo com que o sol, que é extremamente quente nessas áreas, incida

diretamente nas pessoas durante essas atividades.

Fotos - 27 e 28. Profª Mª do Socorro participando do corte da lenha com as Kayapó (Silva, 2013).

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Fotos - 29, 30, 31 e 32. Momentos para um lanche e interação dos alunos com as mulheres (Silva, 2013).

As mulheres da equipe empenharam-se em participar dessa atividade manuseando a

ferramenta necessária para o corte da madeira, o machado, além de usar o cesto cargueiro para

transportar a lenha. Todas sentiram o quanto o trabalho é extremamente pesado embora as

mulheres do lugar realizem a tarefa tranquilamente. O trabalho durou mais ou menos 1 hora

até que todas as mulheres estivessem prontas com seus cestos repletos de lenha, para suas

cozinhas. Ainda foi possível fazer uma parada para o lanche: uma das mulheres cortou uma

palmeira e retirou um palmito suculento para que todos pudessem comer antes de retornar

para a aldeia.

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Foto- Retorno para a aldeia (Thiago, 2013).

O interessante é que mesmo as mulheres grávidas realizam tal atividade, segundo Lea

(1994),

“As mulheres [mesmo grávidas ou com filhos pequenos] cortam e carregam lenha, machado num ombro e bebê no outro. A idéia, freqüentemente aceita em nossa sociedade, de que a gestação e a amamentação determinam a alocação de tarefas na divisão sexual de trabalho não se sustenta no caso dos Mebengokre. Embora os próprios Mebengokre considerem que os homens fazem as tarefas mais pesadas isto frequentemente, se reduz à retórica hoje em dia” ( Lea, 1994 p110)

Na ocasião de nossa visita não se observou mulheres grávidas participando da atividade

de coleta de lenha. Ao retornarmos à aldeia, as lenhas coletadas foram distribuídas entre as

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casas das mulheres que participaram do trabalho. No caso da lenha coletada pelas mulheres da

equipe, foram deixadas na casa de Tuíre, porque coletamos juntamente com as integrantes de

sua família, além disso, parte dessa lenha seria usada para o preparo das refeições da equipe

de pesquisa, por isso foi importante participarmos do trabalho, até como estratégia de

aproximação dessas mulheres, o que deu muito certo, na medida em que tivemos a chance de

conversar mais com algumas mulheres e jovens da comunidade depois de termos trabalhado

juntas.

Após finalizarmos essa atividade, retornamos ao alojamento para nos hidratar com água

gelada – levamos gelo para os três dias de campo – pois o calor em Kaprankrer é intenso,

quase insuportável. Como o grupo que saiu para pesca ainda não havia retornado, nos

dirigimos ao N’gob (casa do guerreiro), os professores, as alunas que acompanharam a coleta

da lenha e os alunos que fizeram campo na escola da aldeia durante aquela manhã. A casa dos

homens é um espaço que possui uma representação especial, trata-se de um território

masculino que corresponde a um local “onde interesses particulares têm que reconciliar-se

com interesses coletivos”. Lugar onde são definidos e organizados empreendimentos

coletivos, e onde decisões consensuais são comunicadas por porta-vozes para que todos

ouçam, cada casa possui um representante na N’gob, de modo que as informações circulam

rapidamente por toda a aldeia. (Lea, 1994 p 95-96). No passado, segundo Lea (1994),

“os meninos Mebengokre iam morar na casa dos homens (ngà) a partir de uns sete anos de idade; hoje em dia, eles continuam morando na sua casa materna até se casarem, ocasião na qual se transferem para a casa da esposa. Os Mebengokre dizem que, no passado, os homens voltavam a morar na casa dos homens após o nascimento de cada filho, somente voltando a residir com a mulher quando a criança começava a andar; isto sinalizava a suspensão das interdições sexuais referentes à mulher. No decorrer deste período de residência no ngà, os homens podiam namorar as moças não casadas ou manter casos extraconjugais com mulheres casadas. Hoje em dia, os pais de recém-nascidos permanecem poucos dias morando na casa dos homens, o que é atribuído ao ciúme das esposas em relação às amantes dos maridos..” (Lea, p 91)

Em conversas descontraídas, os guerreiros falavam sobre diversos aspectos do povo

Kayapó enquanto aguardávamos a chegada do grupo da pesca para almoçarmos. Ver imagens

28 e 29.

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Imagens 28 e 29. Conversa descontraída entre o grupo de alunos e guerreiros Kayapó

(foto Robinson Silva 2013)

“O centro do mundo é representado pelo centro do pátio da aldeia [geralmente] circular, onde se desenvolvem os rituais e a vida pública em geral. O símbolo do centro do mundo e do universo é o maracá, instrumento musical, redondo e em forma de cabeça, ao som do qual os índios cantam e dançam seguindo um traçado circular que acompanha a trajetória solar. Dançando, os índios dizem que remontam ao tempo das origens míticas, recriando assim a energia necessária à continuidade e estabilidade do meio ambiente e dos recursos necessários à sobrevivência, à reprodução continua da vida e das diferentes instituições sociais que garantem o equilíbrio indispensável à vida em comunidade.”

4. BIBLIOGRAFIA CITADA

LEA, Vanessa. “Gênero feminino Mebengokre (Kayapó): desvelando representações desgastadas” IN Cadernos Pagu (3) 1994: pp. 85-115.

VIDAL, Lux. A Pintura Corporal e a Arte Gráfica. Disponível em: Capturado em:

12/09/2013.

http://pib.socioambiental.org/files/file/PIB_verbetes/xirkin/A_pintura_corporal_xikrin.pd

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5. AVALIAÇÃO

A atividade com certeza foi um sucesso. O estágio de vivência que os alunos tiveram a

oportunidade de realizar em Kapankrer permitiu muitas reflexões e inspirou muitas ideias

para projetos futuros, e, sobretudo, permitiu aos alunos desmistificarem a imagem

estereotipada de índio que traziam. Este trabalho tornou possível firmar parcerias não só

com a comunidade indígena, que deseja receber outros grupos de estudantes na área, mas

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também suscitou a parceria com instituições que apoiaram a proposta e desejam dar

continuidade ao trabalho como a SEMED, SEDUC e o Instituto Kayapó.

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ASSINATURAS DOS PROFESSORES