relatório do procurador elitoral e segund a estãncia

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MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL – SC 1 RECURSO ELEITORAL N. 178-13.2012.6.24.0046 Classe 30 ASSUNTO: RECURSO ELEITORAL REGISTRO DE CANDIDATURA RRC CANDIDATO IMPUGNAÇÃO AO REGISTRO DE CANDIDATURA CARGO PREFEITO COLIGAÇÃO PARTIDÁRIA – RECURSO NOS AUTOS DA Rcand N. 178-13.2012.6.24.0046 DA 46ª ZONA ELEITORAL – TAIÓ (SALETE) RECORRENTE: JANIR BRANDT; COLIGAÇÃO SALETE PODE MAIS (PT/PMDB) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL MM. Juiz Relator. Trata-se de recurso interposto por Janir Brandt e pela Coligação ‘Salete Pode Mais’ (PT/PMDB) em face da sentença do Juízo da 46ª Zona Eleitoral/Taió (Salete) que, nos autos do Requerimento de Registro de Candidatura a Prefeito em epígrafe, acolheu a impugnação oferecida pelo Ministério Público da referida Zona Eleitoral, indeferindo o registro em questão, uma vez que o pretenso candidato recorrente teve suas contas rejeitadas, por decisões irrecorríveis, pelo Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina – TCE/SC relativas aos exercícios de 1997, 1998 e 1999, quando era Prefeito de Salete, em decorrência de irregularidade insanável que configurou ato doloso de improbidade administrativa, restando assim incurso no art. 1º, I, “g” da Lei Complementar – LC n. 64/1990. Irresignados, suscitaram preliminar de cerceamento de defesa, pugnando pela nulidade da sentença para que fosse viabilizada a produção de provas pelos apelantes; vencida a preliminar, no mérito da questão, afirmam que não restou comprovado como doloso o ato de improbidade administrativa praticado pelo recorrente e que teria ensejado a rejeição das apontadas contas, pelo que requereram o provimento do apelo para que fosse afastada a inelegibilidade decretada pela sentença de 1º grau, deferindo o registro de candidatura a Prefeito de Salete. Instado, o Ministério Público Eleitoral apresentou contrarrazões no sentido do conhecimento do apelo, rejeição da preliminar de cerceamento de

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RECURSO ELEITORAL N. 178-13.2012.6.24.0046 – Classe 30

ASSUNTO: RECURSO ELEITORAL – REGISTRO DECANDIDATURA – RRC – CANDIDATO –IMPUGNAÇÃO AO REGISTRO DE CANDIDATURA– CARGO – PREFEITO – COLIGAÇÃOPARTIDÁRIA – RECURSO NOS AUTOS DA RcandN. 178-13.2012.6.24.0046 DA 46ª ZONA ELEITORAL –TAIÓ (SALETE)

RECORRENTE: JANIR BRANDT; COLIGAÇÃO SALETE PODEMAIS (PT/PMDB)

RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL

MM. Juiz Relator.

Trata-se de recurso interposto por Janir Brandt e pela Coligação‘Salete Pode Mais’ (PT/PMDB) em face da sentença do Juízo da 46ª ZonaEleitoral/Taió (Salete) que, nos autos do Requerimento de Registro de Candidatura aPrefeito em epígrafe, acolheu a impugnação oferecida pelo Ministério Público dareferida Zona Eleitoral, indeferindo o registro em questão, uma vez que o pretensocandidato recorrente teve suas contas rejeitadas, por decisões irrecorríveis, peloTribunal de Contas do Estado de Santa Catarina – TCE/SC relativas aos exercíciosde 1997, 1998 e 1999, quando era Prefeito de Salete, em decorrência deirregularidade insanável que configurou ato doloso de improbidade administrativa,restando assim incurso no art. 1º, I, “g” da Lei Complementar – LC n. 64/1990.

Irresignados, suscitaram preliminar de cerceamento de defesa,pugnando pela nulidade da sentença para que fosse viabilizada a produção de provaspelos apelantes; vencida a preliminar, no mérito da questão, afirmam que não restoucomprovado como doloso o ato de improbidade administrativa praticado pelorecorrente e que teria ensejado a rejeição das apontadas contas, pelo que requereramo provimento do apelo para que fosse afastada a inelegibilidade decretada pelasentença de 1º grau, deferindo o registro de candidatura a Prefeito de Salete.

Instado, o Ministério Público Eleitoral apresentou contrarrazõesno sentido do conhecimento do apelo, rejeição da preliminar de cerceamento de

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defesa suscitada pelos apelantes e, quanto ao mérito propriamente dito, pugnou pelodesprovimento do recurso.

Remetidos os autos a esse e. TRE e promovida a distribuição darelatoria, foi dada vista à Procuradoria Regional Eleitoral.

É o relatório. Passa-se à manifestação.

Esclareço, inicialmente, que retive os autos até o momento emface de manifestação do interessado no sentido de que teria protocolado pedido derevisão perante o TCE deste Estado, trazendo cópia de documentação que segue emanexo a esta manifestação. Em que pese na mesma já conste que pedido anterior dorecorrente no mesmo sentido, também após o ‘trânsito em julgado’ na esferaadministrativa, deixou de ser conhecido por intempestivo, trouxe manifestação doMinistério Público de Contas junto àquele Tribunal no sentido do conhecimento dopedido de modo a verificar se teria ou não havido alguma injustiça ou omissão napertinente rejeição de contas. Por conta disso, o interessado afirmou a estaProcuradoria que seu pedido de reapreciação seria, enfim, conhecido, sendo que emverdade, até o momento, nada foi noticiado, razão pela qual não é possível aosubscritor considerar como válidos os documentos trazidos, já que não submetidosao crivo do órgão de contas.

No entanto, é de se considerar que o recorrente, em talmanifestação, expressa-se de forma coerente e seus argumentos, se verdadeiros,seriam no mínimo passíveis de uma atenta consideração.

Cumpre portanto a esta Procuradoria solicitar a juntada dosdocumentos em anexo trazidos pelo recorrente (que podem também ter sidoremetidos a V. Exa. como relator), para eventual análise em conjunto, se esteTribunal entender cabível.

Dito isto, presentes os pressupostos de admissibilidade, orecurso merece ser conhecido.

Em relação à preliminar de cerceamento de defesa suscitadapelos recorrentes, tem-se que esta não comporta acolhimento.

Com efeito, o respectivo Juízo Eleitoral julgou antecipadamentea lide por se tratar de matéria exclusivamente de direito, não havendo plausibilidade

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no pedido de oitiva das testemunhas arroladas na contestação, uma vez que estas nãoalterariam a conclusão decorrente das provas documental acostada aos autos, asquais ensejaram o enquadramento do recorrente nos termos do art. 1º, I, “g”, da LCn. 64/1990.

A decisão tomada pela MM. Juíza da Zona Eleitoral de origemteve como fundamento o art. 5º, caput, da LC n. 64/1990, e o art. 42, caput, da Res.TSE n. 23.373/2011, os quais autorizam o julgamento antecipado da lide quando amatéria for apenas de direito, sendo que a prova testemunhal pleiteada pelosrecorrentes seria, ademais, irrelevante frente às provas dos autos, nos termos doscitados dispositivos legais de regência.

Por outro lado, as testemunhas arroladas não poderiaminfirmar a decisão do TCE/SC, uma vez que ao magistrado eleitoral não cabevalorar nem modificar o procedimento administrativo que rejeitou as mencionadascontas do pretenso candidato recorrente - ao qual foi ensejada a defesa pertinente enecessária naquele feito -, mas apenas cotejá-lo com as causas legais deinelegibilidade previstas na legislação eleitoral pertinente.

Nesse sentido, transcreve-se julgado do Tribunal SuperiorEleitoral – TSE, bem lembrado pelo Promotor da Zona Eleitoral de origem, verbis:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DECANDIDATURA. AUSÊNCIA DE DOCUMENTOS NECESSÁRIOS.REEXAME. ANÁLISE DO MÉRITO DE DECISÕES PROFERIDASEM OUTROS FEITOS. IMPOSSIBILIDADE. DESPROVIMENTO.1. Não é cabível o recurso ordinário quando a questão debatida nos autoscinge-se à ausência de documentos necessários à instrução do pedido deregistro de candidatura, porquanto tal matéria não se amolda às hipótesesde cabimento previstas no art. 276, II, do Código Eleitoral.2. Nos processos de registro de candidatura, não se discute o mérito deprocedimentos ou decisões proferidas em outros feitos. A análiserestringe-se a aferir se o pré-candidato reúne as condições deelegibilidade necessárias, bem como não se enquadra em eventualcausa de inelegibilidade.3. Agravo regimental desprovido. 1

Caso o pretenso candidato recorrente quisesse anular oususpender os respectivos efeitos ou as próprias decisões proferidas pelo TCE/SC, 1 Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral – AgR-RESPE n. 1055-41 TSE, Relator Ministro MarceloHenriques Ribeiro de Oliveira, publicado na sessão de 29.09.2010 – grifou-se.

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poderia se valer da ação própria para tanto na Justiça Estadual, conforme ressalvaexpressa constante no art. 1º, I, “g”, da LC n. 64/1990, o que não fez, não sendopossíveis incidentes processuais descabidos em sede do pedido de registro, por nãoser o meio adequado para o desiderato daquele apelante.

Em face da sistemática estabelecida, não houve prejuízo para orecorrente sob esse aspecto, pelo que a preliminar em questão deve ser afastada.

Quanto ao mérito, deve ser assentado que o apelante pleiteia seuregistro como candidato a prefeito em Salete pela Coligação ‘Salete Pode Mais’(PT/PMDB), sendo que o registro de candidatura foi impugnado pelo MinistérioPúblico Eleitoral em decorrência do enquadramento do apelante no art. 1º, I, “g”, daLC n. 64/1990, o que foi acatado pelo Juízo Eleitoral, julgando indeferido o registroem apreço.

Com efeito, dispõe o dispositivo legal de regência (grifou-se):Art. 1º São inelegíveis:I - para qualquer cargo: [...]g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funçõespúblicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso deimprobidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgãocompetente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo PoderJudiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes,contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso IIdo art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, semexclusão de mandatários que houverem agido nessa condição

As decisões do TCE/SC que rejeitaram as contas do pretensocandidato recorrente são relativas aos exercícios de 1997, 1998 e 1999, ocasião emque era Prefeito do Município de Salete. Foram proferidas nos processos TCE/SC ns.01/01938551 (exercícios de 1997 a 1999, fls. 29-33, decisão definitiva em 29.06.2009, fl. 34) e02/10526033 (exercícios de 1998 e 1999, fls. 36-42; decisão definitiva em 10.11.2008). Sãooriundas de procedimento administrativo regular e com direito à defesa por parte doapelante, irrecorríveis naquela esfera e não foram suspensas ou anuladas pelo PoderJudiciário. Cabe examinar se as condutas em questão se enquadram comoirregularidades insanáveis que configuram ato doloso de improbidade administrativa,nos termos do art. 1º, I, “g”, da LC n. 64/1990, acima transcrito.

Aludidas decisões restaram assim ementadas (grifou-se):

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1. Processo n. TCE - 01/01938551 [...]Considerando que os responsáveis foram devidamente citados, conformeconsta em fls. 05, 07 e 08 dos presentes autos;Considerando que as alegações de defesa e documentos apresentados sãoinsuficientes para elidir irregularidades apontadas pelo Órgão Instrutivo,constantes do Parecer DEA (DDR) n. 066/02;ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de SantaCatarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas peloRelator e com fulcro no art. 59, c/c o art. 113 da Constituição do Estado eno art. 1º da Lei Complementar n. 202/2000, em:6.1. Julgar irregulares, com imputação de débito, na forma do art. 18,III, alínea "c", da Lei Complementar 202/2000, as despesas comsubvenção social pertinentes às Notas de Empenho ns. 2893/98 e 072/99 ereferentes a juros e multas por atraso no recolhimento de encargosprevidenciários junto ao FMSS.

1. Processo n. TCE - 02/10526033 [...]Considerando que o Responsável foi devidamente citado, conforme constanas fs. 04 e 05 dos presentes autos;Considerando que não houve manifestação à citação, subsistindoirregularidade apontada pelo Órgão Instrutivo, constante do RelatórioDCO n. 076/2005;ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de SantaCatarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas peloRelator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado eno art. 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:6.1. Julgar irregulares, com imputação de débito, com fundamento noart. 18, inciso III, alínea "c", c/c o art. 21, caput, da LeiComplementar n. 202/2000, as contas pertinentes à presente Tomada deContas Especial, que trata de irregularidade constatada quando daauditoria ordinária realizada na Prefeitura Municipal de Salete, comabrangência sobre obras realizadas junto à Escola Básica Roberto Heinzen,de Salete, referentes aos exercícios de 1998 e 1999, e condenar oResponsável – Sr. Janir Brandt - ex-Prefeito daquele Município, CPF n.292.761.109-25, ao pagamento da quantia de R$ 17.092,15 (dezessete milnoventa e dois reais e quinze centavos), referente a despesas comserviços não executados na construção de ginásio de esportes junto àEscola Básica Roberto Heinzen, de Salete, pagos com recursosadvindos do Convênio n. 24623/97-9 celebrado com a Secretaria deEstado da Educação e do Desporto, em descumprimento aos arts. 62 e63 da Lei Federal n. 4.320/64, conforme apontado no Relatório DCO,fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação desteAcórdão no Diário Oficial do Estado, para comprovar, perante esteTribunal, o recolhimento do valor do débito aos cofres do Estado,atualizado monetariamente e acrescido dos juros legais (arts. 40 e 44 daLei Complementar n. 202/2000), calculados a partir da data da ocorrência

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do fato gerador do débito, ou interpor recurso na forma da lei, sem o que,fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrançajudicial (art. 43, II, da Lei Complementar n. 202/2000).

Ressalte-se que o apontado art. 18, III, alínea “c”, da LC n.202/2000, que ensejou as imputações de débitos aplicadas ao pretenso candidatoapelante, diz respeito a “dano ao erário decorrente de ato de gestão ilegítimo ouantieconômico injustificado”, o que atesta a gravidade das infrações cometidas poraquele recorrente.

As decisões irrecorríveis acima referidas foram proferidas,respectivamente, em 29.06.2009 e 10.11.2008, razão pela qual a inelegibilidade dopretenso candidato perdura por oito anos contados das mencionadas decisões, nostermos do art. 1º, I, “g”, da LC n. 64/1990, encerrando-se assim, pela ordem, em29.06.2017 e 10.11.2016.

Definido o fato e o enquadramento que ensejaram ainelegibilidade do apelante, impõe-se seja esclarecido que o Supremo TribunalFederal – STF já decidiu que a LC n. 135/2010, denominada ‘Lei da Ficha Limpa’,que instituiu novas hipóteses de inelegibilidades na LC n. 64/1990 (dentre estas a acimaassinalada, cuja redação é da aludida lei complementar) é constitucional, nos seguintestermos:

EMENTA: CONSTITUCIONALIDADE E AÇÃO DIRETA DEINCONSTITUCIONALIDADE EM JULGAMENTO CONJUNTO. LEICOMPLEMENTAR Nº 135/10. HIPÓTESES DE INELEGIBILIDADE. ART. 14, §9º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. MORALIDADE PARA O EXERCÍCIO DEMANDATOS ELETIVOS. INEXISTÊNCIA DE AFRONTA ÀIRRETROATIVIDADE DAS LEIS: AGRAVAMENTO DO REGIME JURÍDICOELEITORAL. ILEGITIMIDADE DA EXPECTATIVA DO INDIVÍDUOENQUADRADO NAS HIPÓTESES LEGAIS DE INELEGIBILIDADE.PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL):EXEGESE ANÁLOGA À REDUÇÃO TELEOLÓGICA, PARA LIMITAR SUAAPLICABILIDADE AOS EFEITOS DA CONDENAÇÃO PENAL. ATENDIMENTODOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE.OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO: FIDELIDADE POLÍTICA AOSCIDADÃOS. VIDA PREGRESSA: CONCEITO JURÍDICO INDETERMINADO.PRESTÍGIO DA SOLUÇÃO LEGISLATIVA NO PREENCHIMENTO DOCONCEITO. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI. AFASTAMENTO DE SUAINCIDÊNCIA PARA AS ELEIÇÕES JÁ OCORRIDAS EM 2010 E ASANTERIORES, BEM COMO E PARA OS MANDATOS EM CURSO.

1. A elegibilidade é a adequação do indivíduo ao regime jurídico –constitucional e legal complementar – do processo eleitoral, razão pela qual aaplicação da Lei Complementar nº 135/10 com a consideração de fatos anteriores nãopode ser capitulada na retroatividade vedada pelo art. 5º, XXXV, da Constituição,mercê de incabível a invocação de direito adquirido ou de autoridade da coisa julgada

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(que opera sob o pálio da cláusula rebus sic stantibus) anteriormente ao pleito emoposição ao diploma legal retromencionado; subjaz a mera adequação ao sistemanormativo pretérito (expectativa de direito).

2. A razoabilidade da expectativa de um indivíduo de concorrer a cargopúblico eletivo, à luz da exigência constitucional de moralidade para o exercício domandato (art. 14, § 9º), resta afastada em face da condenação prolatada em segundainstância ou por um colegiado no exercício da competência de foro por prerrogativade função, da rejeição de contas públicas, da perda de cargo público ou doimpedimento do exercício de profissão por violação de dever ético-profissional.

3. A presunção de inocência consagrada no art. 5º, LVII, da ConstituiçãoFederal deve ser reconhecida como uma regra e interpretada com o recurso dametodologia análoga a uma redução teleológica, que reaproxime o enunciadonormativo da sua própria literalidade, de modo a reconduzi-la aos efeitos próprios dacondenação criminal (que podem incluir a perda ou a suspensão de direitos políticos,mas não a inelegibilidade), sob pena de frustrar o propósito moralizante do art. 14, §9º, da Constituição Federal.

4. (...).5. O direito político passivo (ius honorum) é possível de ser restringido pela

lei, nas hipóteses que, in casu, não podem ser consideradas arbitrárias, porquanto seadequam à exigência constitucional da razoabilidade, revelando elevadíssima cargade reprovabilidade social, sob os enfoques da violação à moralidade ou denotativosde improbidade, de abuso de poder econômico ou de poder político.

6. O princípio da proporcionalidade resta prestigiado pela Lei Complementarnº 135/10, na medida em que: (i) atende aos fins moralizadores a que se destina; (ii)estabelece requisitos qualificados de inelegibilidade e (iii) impõe sacrifício àliberdade individual de candidatar-se a cargo público eletivo que não superam osbenefícios socialmente desejados em termos de moralidade e probidade para oexercício de referido munus publico.

7. O exercício do ius honorum (direito de concorrer a cargos eletivos), em umjuízo de ponderação no caso das inelegibilidades previstas na Lei Complementar nº135/10, opõe-se à própria democracia, que pressupõe a fidelidade política da atuaçãodos representantes populares.

8. A Lei Complementar nº 135/10 também não fere o núcleo essencial dosdireitos políticos, na medida em que estabelece restrições temporárias aos direitospolíticos passivos, sem prejuízo das situações políticas ativas.

9. O cognominado desacordo moral razoável impõe o prestígio damanifestação legítima do legislador democraticamente eleito acerca do conceitojurídico indeterminado de vida pregressa, constante do art. 14, § 9.º, da ConstituiçãoFederal.

10. (...).11. A inelegibilidade tem as suas causas previstas nos §§ 4º a 9º do art. 14 da

Carta Magna de 1988, que se traduzem em condições objetivas cuja verificaçãoimpede o indivíduo de concorrer a cargos eletivos ou, acaso eleito, de os exercer, enão se confunde com a suspensão ou perda dos direitos políticos, cujas hipótesessão previstas no art. 15 da Constituição da República, e que importa restrição nãoapenas ao direito de concorrer a cargos eletivos (ius honorum), mas também aodireito de voto (ius sufragii). Por essa razão, não há inconstitucionalidade nacumulação entre a inelegibilidade e a suspensão de direitos políticos.

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12. (...).13. Ação direta de inconstitucionalidade cujo pedido se julga improcedente.

Ações declaratórias de constitucionalidade cujos pedidos se julgam procedentes,mediante a declaração de constitucionalidade das hipóteses de inelegibilidadeinstituídas pelas alíneas “c”, “d”, “f”, “g”, “h”, “j”, “m”, “n”, “o”, “p” e “q” do art.1º, inciso I, da Lei Complementar nº 64/90, introduzidas pela Lei Complementar nº135/10, vencido o Relator em parte mínima, naquilo em que, em interpretaçãoconforme a Constituição, admitia a subtração, do prazo de 8 (oito) anos deinelegibilidade posteriores ao cumprimento da pena, do prazo de inelegibilidadedecorrido entre a condenação e o seu trânsito em julgado.

14. (...). 2

Estabelecidas as premissas alinhavadas pelo STF sobre aquestão ora sob julgamento, passa-se à análise do recurso propriamente dito.

Deve ser esclarecido desde logo que o TCE/SC temcompetência para julgar contas de Prefeito em sede de Tomadas de Contas Especial,na linha da manifestação desta Procuradoria Regional Eleitoral, da lavra dosubscritor, nos autos da Consulta n. 21-81.2012.6.24.000 (que tramitou nesta CorteRegional Eleitoral no ano corrente), destacando-se o seguinte trecho que equaciona amatéria frente às peculiaridades do caso concreto ora sob julgamento, verbis (grifosno original):

No que tange à segunda indagação, depreende-se dos seus termos queestá voltada especificamente às contas do cargo de Chefe do ExecutivoMunicipal e sob esse ângulo será apreciada.

As contas públicas dos Prefeitos possuem dois regimes: o primeiro,abrange as contas anuais de governo, sobre as quais se prevê umjulgamento político, levado a efeito pela Casa Legislativa, o qual érealizado com o auxílio do Tribunal de Contas, que apenas emitiráparecer prévio. Nesta hipótese, segundo lições de José Jairo Gomes,“aprovadas as contas pelo Parlamento, não desponta a responsabilidadepolítico-jurídica do administrador público, não se configurando, pois, ainelegibilidade em foco”.3

Registre-se que nesse caso, o parecer prévio do Tribunal de Contasapenas deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros daCamâra Municipal (art. 31, § 2º, da CR). Logo, se o julgamento nãoalcançar referido quorum prevalecerá a conclusão do parecer técnicoemitido pelo Tribunal de Contas do Estado.

2 Ação Direta de Constitucionalidade – ADC n. 29 – STF (ADC n. 30 – STF e ADI n. 4578 – STF), RelatorMinistro Luiz Fux, julgada em 16.02.2012, publicado no DJE de 29.06.2012.3 GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral 5 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 175

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O segundo regime abarca as contas de gestão e exige um julgamentotécnico realizado pelo órgão de contas, cuja decisão terá eficácia detítulo executivo, quando imputar débito ou aplicar multa. Nesta hipóteseas contas são apresentadas diretamente ao Tribunal, sendo sua acompetência para julgá-las. Assim, o órgão competente para julgamentodas contas de prefeito, na qualidade de ordenador de despesa, é oTribunal de Contas do Estado, sob pena de restar inviabilizada aimputação de débito ou multa, prevista no § 3º do art. 71 daConstituição da República, o que inclusive, ensejaria a impunidade deChefes de Executivos que causassem dano ao Erário.

Assim, voltando ao cerne da questão, tem-se que a consulta abrange asduas hipóteses acima elencadas, cujo teor, pede-se vênia paranovamente transcrever, verbis:

2. A aprovação das contas anuais pela Câmara de Vereadores elidea causa de inelegibilidade, caso tenha o pretenso candidato sidocondenado em definitivo pelo órgão colegiado do TCE, emprocedimento (ação) de TOMADA DE CONTAS ESPECIAL,onde restaram constatadas irregularidade que causaram dano aoerário público por dolo do agente?

Em outras palavras, pretende o consulente saber se a aprovação dascontas anuais do Prefeito pelo Legislativo Municipal relevariairregularidade insanável constatada em processo de tomada de contasespecial e elidiria a causa de inelegibilidade do pretenso candidato.

A resposta, portanto, é negativa, uma vez que, por se tratar de tomadade contas especial, está-se diante de processo que apreciaespecificamente atos praticados na gestão da coisa pública de forma aconcorrer tanto para o controle administrativo quanto para arecomposição de danos porventura causados ao Erário. Logo, não háqualquer julgamento político a ser feito no âmbito da Tomada de ContasEspecial, sendo despicienda a apreciação pelo Legislativo Municipal, oqual, repise-se, somente é cabível para as contas anuais prestadas peloChefe do Executivo4.Em que pese a jurisprudência do TSE ter sinalizado pela competênciada Câmara Municipal para o julgamento das contas do Prefeito, sejamelas relativas ao exercício financeiro, à função de ordenador de despesasou de gestor (AgR-RO - Agravo Regimental em Recurso Ordinário nº

4 http://jus.com.br/revista/texto/2618/o-procedimento-de-tomada-de-contas-especial-na-administracao-publica-do-distrito-federal#ixzz1rlwCnydW

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440692 - João Pessoa/PB, Acórdão de 05/10/2010), tal entendimentovem sofrendo pesadas críticas da doutrina especializada no tema. Parailustrar, transcreve-se trecho da obra de José Jairo Gomes, verbis:

De todo criticável a exegese pretoriana, porquanto laboraclaramente em equívoco. Em primeiro lugar, dado seu perfilconstitucional, o Tribunal de Contas não é mero órgão auxiliar,mas, sim, uma das mais relevantes instituições vocacionadas àfiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional epatrimonial da Administração Pública. Seus membros gozam deiguais garantias, prerrogativas, impedimentos e vantagens daMagistratura (CF, art. 73, § 3º). Demais, ao ordenar pagamentos epraticar atos concretos de gestão administrativa, o Prefeito nãoatua como agente político, mas como técnico, administrador dedespesas públicas. Não haveria, portanto, razão para que, por taisatos, fosse julgado politicamente pelo Poder Legislativo. Naverdade, a conduta técnica reclama métodos e critérios técnicosde julgamento, o que – em tese, ressalves,! –só pode ser feito peloTribunal de Contas.

Se, por um lado, o entendimento da Corte Superior eleitoralprocura aplicar a Prefeitos o mesmo critério observado para osChefes do Executivo estadual e federal, por outro, olvida que estasautoridade não cumprem a função de ordenador de despesas,senão de maestros da regular execução orçamentária. Fácil verque, entre as duas situações apontadas, não existe base pararealizar interpretação analógica, tampouco extensiva, já que nãohá identidade de fatos a reclamar similitude de solução jurídica.Efetivamente, em Estado Democrático, não há espaço para que opoder seja exercido sem responsabilidade ou controle5.

Com isso, responde-se negativamente à segunda indagação.

Cumpre destacar que a jurisprudência que eventualmenteadotava essa linha se baseava na redação anterior da letra ‘g’ do dispositivo emcomento. Após as alterações da LC 135/2010, o dispositivo passou a contar com aressalva expressa: “aplicando-se as disposições do inciso II do art. 71 daConstituição Federal a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão dosmandatários que houverem agido nessa condição;” Assim sendo, a menção seriaabsolutamente desnecessária se não visasse justamente a superar o entendimento querestringia a inelegibilidade de ex-prefeitos às decisões das câmaras de vereadores,

5 op. cit., p. 177.

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decorrente de interpretação da redação anterior que não possuía a abrangênciaexpressa nos dizeres atuais.

Exatamente no sentido defendido, e com farta jurisprudênciamencionada no corpo do acórdão, traz-se à colação o precedente abaixo,transcrevendo-se as exaurientes considerações especialmente pertinentes ao tema:

TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO RIO GRANDE DO NORTE

ACÓRDÃO N. 14500/2012RECURSO ELEITORAL nº 107-67.2012.6.20.0031 - Classe 30ªRecorrente(s)(s): MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORALRecorrido(s)(s): JOSÉ EDILBERTO DE ALMEIDA

RECURSO ELEITORAL - REQUERIMENTO DE REGISTRO DE CANDIDATURA- REJEIÇÃO DE CONTAS PELO TCE - CONTAS DE GESTÃO DO PREFEITO -ÓRGÃO COMPETENTE - IRREGULARIDADES INSANÁVEIS QUECONFIGURAM ATOS DOLOSOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA -CAUSA DE INELEGIBILIDADE CONFIGURADA - ARTIGO 1º, I, "G", DA LEICOMPLEMENTAR Nº 64/90 NA REDAÇÃO DADA PELA LC Nº 135/2010 -PROVIMENTOO Tribunal de Contas do Estado é o órgão competente para apreciar e julgar ascontas de gestão prestadas pelo Prefeito, sem necessidade de qualquerapreciação posterior da Câmara Municipal, nos termos do art. 71, II, associadocom o art. 75 "caput" da Constituição Federal e da parte final da alínea "g" doinciso I do art.. 1º da LC 64/90, na redação dada pela LC 135/2010, já declaradaconstitucional pelo STF em controle concentrado de constitucionalidade.A competência das Câmaras Municipais é restrita às contas anuais de governo,nos termos do art. 31, § 2º, c/c o art. 71, I, associado com o art. 75, "caput", todosda constituição............................................................................................................................Provimento do Recurso.

A sentença deferiu o registro da candidatura de José Edilberto de Almeida sob o fundamentode que o Tribunal de Contas do Estado não detém competência para apreciar as contas de Prefeitos dequalquer natureza, sendo tal prerrogativa exclusiva da Câmara de Vereadores.

O recorrente, contudo, afirma que, na espécie, as contas que foram rejeitadas pelo órgão decontas se referem a atos de gestão praticados pelo recorrido, não se confundido com contas degoverno, razão pela qual subsiste, na espécie, a competência o Tribunal de Contas do Estado paraapreciar as contas de José Edilberto de Almeida relativamente ao período em que ele era Prefeito doMunicípio de Campo Grande-RN.

O deslinde da questão passa pela distinção entre as contas de governo de gestão, bem comosobre os órgãos competentes para seus julgamentos.

A distinção entre as contas de governo (art. 71, I, da CF/88) e as contas de gestão (art. 71, II,da CF/88) foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI n.º 849/MT, conformese observa da ementa abaixo transcrita:

Tribunal de Contas dos Estados: competência: observância compulsória do

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modelo federal: inconstitucionalidade de subtração ao Tribunal de Contas dacompetência do julgamento das contas da Mesa da Assembléia Legislativa -compreendidas na previsão do art. 71, II, da Constituição Federal, parasubmetê-las ao regime do art. 71, c/c. art. 49, IX, que é exclusivo daprestação de contas do Chefe do Poder Executivo. I. O art. 75, daConstituição Federal, ao incluir as normas federais relativas à "fiscalização"nas que se aplicariam aos Tribunais de Contas dos Estados, entre essascompreendeu as atinentes às competências institucionais do TCU, nas quais éclara a distinção entre a do art. 71, I - de apreciar e emitir parecer préviosobre as contas do Chefe do Poder Executivo, a serem julgadas peloLegislativo - e a do art. 71, II - de julgar as contas dos demaisadministradores e responsáveis, entre eles, os dos órgãos do PoderLegislativo e do Poder Judiciário. II. A diversidade entre as duascompetências, além de manifesta, é tradicional, sempre restrita acompetência do Poder Legislativo para o julgamento às contas gerais daresponsabilidade do Chefe do Poder Executivo, precedidas de parecer préviodo Tribunal de Contas: cuida-se de sistema especial adstrito às contas doChefe do Governo, que não as presta unicamente como chefe de um dosPoderes, mas como responsável geral pela execução orçamentária: tantoassim que a aprovação política das contas presidenciais não libera dojulgamento de suas contas específicas os responsáveis diretos pela gestãofinanceira das inúmeras unidades orçamentárias do próprio PoderExecutivo, entregue a decisão definitiva ao Tribunal de Contas." (grifosacrescidos) (STF, Tribunal Pleno, rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, pub.no DJ de 23.04.1999, p. 01)

O STJ definiu com clareza o que são as contas de governo, como se pode observar doseguinte excerto da ementa do acórdão proferido no julgamento do RMS nº 11060/GO:

O conteúdo das contas globais prestadas pelo Chefe do Executivo é diversodo conteúdo das contas dos administradores e gestores de recurso público. Asprimeiras demonstram o retrato da situação das finanças da unidadefederativa (União, Estados, DF e Municípios).

Revelam o cumprir do orçamento, dos planos de governo, dos programasgovernamentais, demonstram os níveis de endividamento, o atender aoslimites de gasto mínimo e máximo previstos no ordenamento para saúde,educação, gastos com pessoal. Consubstanciam-se, enfim, nos BalançosGerais prescritos pela Lei 4.320/64. Por isso, é que se submetem ao parecerprévio do Tribunal de Contas e ao julgamento pelo Parlamento (art. 71, Ic./c. 49, IX da CF/88).

As segundas – contas de administradores e gestores públicos, dizem respeitoao dever de prestar (contas) de todos aqueles que lidam com recursospúblicos, captam receitas, ordenam despesas (art. 70, parágrafo único daCF/88). Submetem-se a julgamento direto pelos Tribunais de Contas,podendo gerar imputação de débito e multa (art. 71, II e § 3º da CF/88)."(STJ, RMS nº 11060/GO, rel. Min. PAULO MEDINA, pub. no DJ de16.09.2002, p. 159)

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Por seu turno, José de Ribamar Caldas Furtado leciona que: "existem dois regimesjurídicos de contas públicas: a) o que abrange as denominadas contas de governo, exclusivo para agestão política do chefe do Poder Executivo, que prevê o julgamento político levado a efeito peloParlamento, mediante auxílio do Tribunal de Contas, que emitirá parecer prévio (CF, art. 71, I, c/cart. 49, IX); b) o que alcança as intituladas contas de gestão, prestadas ou tomadas, dosadministradores de recursos públicos, que impõe o julgamento técnico realizado em caráter definitivopela Corte de Contas (CF, art. 71, II), consubstanciado em acórdão que terá eficácia de títuloexecutivo (CF, art. 71, § 3º), quando imputar débito (reparação de dano patrimonial) ou aplicar multa(punição)"6

Como se vê, tratando-se de contas de governo, o que deve ser focalizado não são os atosadministrativos vistos isoladamente, mas a conduta do administrador no exercício das funções políticasde planejamento, organização, direção e controle das políticas públicas idealizadas na concepção das leisorçamentárias.

Por seu turno, as contas de gestão, que conforme as normas de regência podem ser anuais ounão, evidenciam os atos de administração e gerência de recursos públicos praticados pelos chefes edemais responsáveis, de órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive as fundaçõespúblicas, de todos os Poderes da União, Estados, Distrito Federal e municípios, tais como: arrecadaçãode receitas e ordenamento de despesas, admissão de pessoal, concessão de aposentadoria, realização delicitações, contratações, empenho, liquidação e pagamento de despesas.

Tendo em vista a finalidade e o fundamento constitucional diversos, as contas de governo sesubmetem ao parecer prévio do Tribunal de Contas e ao julgamento pelo Parlamento (art. 71, I c./c. 49,IX da CF/88). As contas de gestão, por sua vez, submetem-se a julgamento direto pelos Tribunais deContas, podendo gerar imputação de débito e multa (art. 71, II e § 3º da CF/88).

Dessa forma, o Prefeito que assume também a função de ordenador de despesas devesubmeter-se a duplo julgamento. Um de competência da Câmara Municipal mediante parecer prévio doTribunal de Contas (contas de governo/julgamento político) e o outro de competência do próprioTribunal de Contas (contas de gestão/julgamento técnico), conforme, inclusive, já decidiu o STJ noprecedente acima citado, cuja ementa completa é abaixo transcrita:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONTROLE EXTERNO DAADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ATOS PRATICADOS POR PREFEITO, NOEXERCÍCIO DE FUNÇÃO ADMINISTRATIVA E GESTORA DERECURSOS PÚBLICOS. JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DECONTAS. NÃO SUJEIÇÃO AO DECISUM DA CÂMARA MUNICIPAL.COMPETÊNCIAS DIVERSAS. EXEGESE DOS ARTS. 31 E 71 DACONSTITUIÇÃO FEDERAL.Os arts. 70 a 75 da Lex Legum deixam ver que o controle externo – contábil,financeiro, orçamentário, operacional e patrimonial – da administração públicaé tarefa atribuída ao Poder Legislativo e ao Tribunal de Contas. O primeiro,quando atua nesta seara, o faz com o auxílio do segundo que, por sua vez,detém competências que lhe são próprias e exclusivas e que para seremexercitadas independem da interveniência do Legislativo.O conteúdo das contas globais prestadas pelo Chefe do Executivo é

6 ("Os regimes de contas públicas: contas de governo e contas de gestão", artigo publicado naRevista do TCU, nº 109, maio/agosto 2007).

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diverso do conteúdo das contas dos administradores e gestores de recursopúblico. As primeiras demonstram o retrato da situação das finanças daunidade federativa (União, Estados, DF e Municípios). Revelam ocumprir do orçamento, dos planos de governo, dos programasgovernamentais, demonstram os níveis de endividamento, o atender aoslimites de gasto mínimo e máximo previstos no ordenamento para saúde,educação, gastos com pessoal. Consubstanciam-se, enfim, nos BalançosGerais prescritos pela Lei 4.320/64. Por isso, é que se submetem aoparecer prévio do Tribunal de Contas e ao julgamento pelo Parlamento(art. 71, I c./c. 49, IX da CF/88).As segundas – contas de administradores e gestores públicos, dizemrespeito ao dever de prestar (contas) de todos aqueles que lidam comrecursos públicos, captam receitas, ordenam despesas (art. 70, parágrafoúnico da CF/88). Submetem-se a julgamento direto pelos Tribunais deContas, podendo gerar imputação de débito e multa (art. 71, II e § 3º daCF/88).Destarte, se o Prefeito Municipal assume a dupla função, política eadministrativa, respectivamente, a tarefa de executar orçamento e oencargo de captar receitas e ordenar despesas, submete-se a duplojulgamento. Um político perante o Parlamento precedido de parecerprévio; o outro técnico a cargo da Corte de Contas.Inexistente, in casu, prova de que o Prefeito não era o responsável direto pelosatos de administração e gestão de recursos públicos inquinados, deveprevalecer, por força ao art. 19, inc. II, da Constituição, a presunção deveracidade e legitimidade do ato administrativo da Corte de Contas dosMunicípios de Goiás.Recurso ordinário desprovido. (STJ, RMS 11060/GO, Rel. Min. PauloMedina, Rel. p/ acórdão Min. Laurita Vaz, maioria, j. em 25/6/2002, pub. DJ16/9/2002, p. 159)

No mesmo sentido, também no STJ, igualmente reconhecendo a competência dos tribunais decontas dos Estados para julgar diretamente (e não apenas apresentar parecer) contas de gestão dePrefeitos quando eles são ordenadores de despesas: RMS 4309/PR, 2ª T., Rel. Min. Hélio Mosimann,unânime, j. em 5/6/1995, pub. DJ 7/8/1995; RMS 12402/CE, 2ª T., Rel. Min. Eliana Calmon, unânime,j. em 7/5/2002, pub. DJ 4/11/2002, p. 176; RMS 13499/CE, 2ª T., Rel. Min. Eliana Calmon, unânime, j.em 13/8/2002, pub. DJ 14/10/2002, p. 198; RMS 12930/CE, 1ª T., Rel. Min. Milton Luiz Pereira,unânime, j. em 5/9/2002, pub. DJ 7/10/2002, p. 171.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, igualmente, já decidiu que quando o tribunal decontas aprecia as contas do prefeito na função de gestor e administrador de receitas públicas é elepróprio quem realiza o julgamento de forma direta. Vejamos as seguintes decisões (destaquesacrescidos), verbis:

EMENTA: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO.DESCONSTITUIÇÃO DE ACÓRDÃO DO TCE/RN. APELAÇÃO.PRELIMINARES DE NULIDADE DA SENTENÇA POR AUSÊNCIA DECITAÇÃO DO MUNICÍPIO DE LUÍS GOMES E POR CERCEAMENTO DEDEFESA. TRANSFERÊNCIA PARA O MÉRITO. MÉRITO: INEXISTÊNCIADE INTERESSE E LEGITIMIDADE DA EDILIDADE EM FIGURAR NO

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PÓLO PASSIVO DA DEMANDA. DESNECESSIDADE DE CITAÇÃO.CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. APRESENTAÇÃO DEDEFESA E DE RECURSO NA SEARA ADMINISTRATIVA. PERÍCIA NOPROCESSO JUDICIAL PARA AVERIGUAÇÃO DA DESTINAÇÃO DEMATERIAIS. AUSÊNCIA DE RATIFICAÇÃO E ESPECIFICAÇÃO NOCURSO DO PROCESSO. PRECLUSÃO. LIVRE CONVENCIMENTOMOTIVADO DO JUIZ (ART. 130, CPC). OBSERVÂNCIA AOCONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. CONTROLE EXTERNO DAADMINISTRAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL. ATOS PRATICADOS PORPREFEITO. GESTOR DE RECURSOS PÚBLICOS. JULGAMENTOPELO TRIBUNAL DE CONTAS. INDEPENDÊNCIA QUANTO ÀAPROVAÇÃO DAS CONTAS PELA CÂMARA MUNICIPAL. EXEGESEDOS ARTS. 31, 70, 71 E 75 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.CONSONÂNCIA COM O PARECER MINISTERIAL. RECURSOCONHECIDO E DESPROVIDO. (Apelação Cível 2010.001803-9, 2ª CâmaraCível, Rel. Des. Osvaldo Cruz, unânime, j. em 22/6/2010)

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO JURÍDICO.PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. TRANSFERÊNCIA PARA OMÉRITO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISIDICIONAL ECERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA.REJEIÇÃO DE CONTAS MUNICIPAIS PELO TRIBUNAL DE CONTASDO ESTADO. OBSERVÂNCIA DAS GARANTIAS DOCONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. INEXISTÊNCIA DEILEGALIDADE OU TERATOLOGIA NAS DECISÕES DA CORTE DECONTAS ESTADUAL. POSTERIOR APROVAÇÃO DAS CONTAS PELOLEGISLATIVO MUNICIPAL. IRRELEVÂNCIA. ATUAÇÃO DOTRIBUNAL DE CONTAS COMO JULGADOR DO PREFEITO NACONDIÇÃO DE GESTOR DIRETO DE RECURSOS PÚBLICOS. APELOCONHECIDO E DESPROVIDO.- Deve a matéria arguida em preliminar do apelo ser discutida quando doexame do mérito, pois não diz respeito aos pressupostos intrínsecos ouextrínsecos de admissibilidade recursal.- Procedimento de julgamento perante o TCE/RN que se pautou pelaobservância do contraditório e do direito à ampla defesa, culminando emdecisões bem fundamentadas e sem qualquer teratologia e que, portanto, nãomerecem censura do Judiciário.- O simples fato de o Legislativo Municipal haver, a posteriori, aprovadoas contas rejeitadas pelo TCE/RN não se presta a invalidar as decisõesproferidas por tal órgão. É que a Corte de Contas, quando aprecia ascontas do prefeito na função de gestor e administrador de receitaspúblicas, atua de forma direta, sem subordinação ao posterior crivo doPoder Legislativo, podendo inclusive impor sanções, precisamente o casodos autos.- Apelo conhecido e desprovido. (Apelação Cível 2009.007631-2, 1ª CâmaraCível, Rel. Des. Amílcar Maia, unânime, j. em 6/10/2011)

Verifica-se, ainda, que a competência dos tribunais de contas para julgar, em caráter definitivoe sem necessidade de posterior submissão às câmaras municipais, além de ser extraída da própria

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Constituição do Brasil de 1988, também tem base infraconstitucional. A parte final da alínea “g” doinciso I do art. 1º da Lei Complementar 64/1990 dispõe o seguinte (destaques acrescidos):

Art. 1º. São inelegíveis:I – para qualquer cargo:(…)g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funçõespúblicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso deimprobidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente,salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para aseleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da datada decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da ConstituiçãoFederal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatáriosque houverem agido nessa condição;”

Vê-se, portanto, que o art. 1º, I, “g”, da Lei Complementar 64/1990, na redação que lhe foidada pela Lei Complementar 135/2010, em atenção aos mandamentos constitucionais, deixouexpressamente consignado que todas as contas de qualquer mandatário que tenha atuado comoordenador de despesa – ou seja, justamente as contas de gestão, e não as contas de governo anualmenteapresentadas – serão apreciadas direta e finalmente pelos tribunais de contas, nos termos do art. 71, II,da Lei Fundamental de 1988. Essa disposição legal, na verdade, apenas reforça aquilo que ainterpretação correta dos arts. 31, 71 e 75 da Constituição da República de 1988 já determinava.

Acerca desse ponto, cumpre registrar que a Lei Complementar 135/2010, que alterou aredação da mencionada alínea “g” do inciso I do art. 1º da Lei Complementar 64/1990, acrescentando-lhe a parte final acima referida, teve sua constitucionalidade apreciada pelo Supremo Tribunal Federalpor ocasião do julgamento da ADC 29, da ADC 30 e da ADI 4578. A ementa da ADC 29, semelhanteàs ementas da ADC 30 e da ADI 4578, ficou assim redigida:

Nesse julgamento, os votos do Ministro Dias Toffoli e do Ministro Gilmar Mendesapresentaram argumentos a respeito de uma hipotética inconstitucionalidade em relação à parte final doart. 1º, I, “g”, da Lei Complementar 64/1990, na redação dada pela Lei Complementar 135/2010.Todavia, ambos restaram vencidos. Portanto, a tese que prevaleceu, já se encontrando protegida pelacoisa julgada constitucional, foi a de que a alínea “g” do inciso I do art. 1º da Lei Complementar64/1990, na redação dada pela Lei Complementar 135/2010, inclusive sua parte final, é reconhecida edeclaradamente constitucional.

Recentemente, em 29 de junho de 2012, o Ministro Luiz Fux – relator da ADC 29, da ADC 30e da ADI 4578 em cujo julgamento a constitucionalidade da alínea “g” do inciso I do art. 1º da LeiComplementar 64/1990, na redação dada pela Lei Complementar 135/2010, inclusive sua parte final, foireconhecida pelo STF – teve a oportunidade de apreciar um pedido de medida liminar em reclamação arespeito da competência dos tribunais de contas para julgar contas de gestão de prefeitos, justamenteproveniente do Rio Grande do Norte. Trata-se da Rcl 14042/RN. Nela o Ministro Luiz Fux reconheceua distinção entre contas de governo e contas de gestão da seguinte forma:

“(…) Ocorre que in casu, diversamente do alegado pelo Reclamante, a atuaçãodo Tribunal de Contas da União decorrera de uma importante distinção notocante à atividade fiscalizatória feita pelos Tribunais de Contas que, até opresente momento, não fora objeto de pronunciamento desta Suprema Corte,qual seja (i) a fiscalização das contas políticas ou de governo, em que a Cortede Contas examina a atuação da autoridade máxima de cada Poder e (ii) afiscalização das contas de gestão, em que a Corte de Contas examina os atos

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dos ordenadores de despesas das diversas unidades administrativas.No primeiro caso, o fundamento constitucional encontra-se no inciso I do art.71. Aqui, a competência do Tribunal de Contas cinge-se à elaboração deparecer prévio opinativo sobre aspectos gerais relacionados à execução dosorçamentos, especialmente aqueles definidos pela LRF. Trata-se de fiscalizaçãoanual do Chefe do Poder Executivo, em que a decisão final acerca daaprovação ou rejeição das contas fica a cargo do respectivo Poder Legislativo.Na segunda hipótese, a atuação da Corte de Contas busca assentoconstitucional no inciso II do art. 71. Tal preceito permite o julgamento dascontas dos gestores e administradores de verbas públicas. Trata-se decompetência para examinar lesões ao erário decorrentes de ato de gestão,isoladamente considerados, em que se atribui à própria Corte de Contas adecisão definitiva. (…)”

Após, o relator da Rcl 14042/RN afirma claramente que as contas de gestão dos Prefeitosdevem ser julgadas pelos tribunais de contas e não pelas câmaras municipais. Veja-se:

“(…) Com efeito, os Prefeitos Municipais não atuam apenas como chefes degoverno, responsáveis pela consolidação e apresentação das contas públicasperante o respectivo Poder Legislativo, mas também, e em muitos casos, comoos únicos ordenadores de despesas de suas municipalidades.E essa distinção repercute na atuação fiscalizatória das Cortes de Contas.Assim, quando estiver atuando como ordenador de despesas, compete aoTribunal de Contas o julgamento das contas dos Prefeitos Municipais,apurando a regular aplicação de recursos públicos, consoante art. 71, inciso IIda CRFB/88. Em caso de inobservância dos preceitos legais, cabe à Corte deContas aplicar as sanções devidas pela malversação de tais verbas.Como corolário, não se atribui a competência das Câmaras Municipais para ojulgamento definitivo acerca das contas públicas, seja pela sua subserviência aoExecutivo Municipal, seja pelo esvaziamento da atuação das Cortes de Contas.(…)”

As consequências decorrentes de um eventual entendimento que afirme que tanto as contas degestão dos Prefeitos quanto suas contas de governo devem ser julgadas pelas câmaras municipaistambém foram apontadas pelo Ministro Luiz Fux:

“(…) Decerto, o pensamento oposto vulnera a função precípua da Corte deContas – apurar eventuais irregularidades na gestão da coisa pública –,permitindo a perpetuação de fraudes e corrupções pelos Municípios ao longodo país.Se ficar configurado que o Prefeito titulariza a competência, específica eindividualizada, de administrar a aplicação dos recursos públicos em suamunicipalidade, como é o que se verifica no caso dos autos, franqueia-se aoTribunal de Contas a possibilidade de proceder ao julgamento das contasmunicipais, com caráter de definitividade. Destarte, afasta-se a incidência, emtais casos do art. 71, inciso I, da Constituição de 1988, na medida em que seencontra adstrito aos aspectos mais gerais relacionados à execução doorçamento (contas políticas ou de governo).Perfilhando idêntico entendimento, o e. Ministro Joaquim Barbosa, tem

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indeferido o pleito cautelar em casos como o dos presentes autos. Em suaarguta análise, nos autos da Reclamação nº 13.898, do qual era relator, o e.Ministro assentou:

(…)Neste particular, ponho-me a discordar, com o máximo respeito, doentendimento do posicionamento adotado por alguns dos eminentes Ministrosdesta Suprema Corte que vem deferindo o pleito cautelar em casos como este.(…)”

Ressalto, ainda, que em 5 de julho de 2012, o Ministro Carlos Ayres Britto, Presidente do STF,negou duas medidas liminares na Rcl 14124/RN e na Rcl 14131, ambas sobre a competência dostribunais de contas para julgar contas de gestão de prefeitos, nas duas tendo sido mencionado o seguinte:“(…) anoto que o Tribunal de Contas reclamado, no acórdão acima mencionado, não apreciou as contasprestadas anualmente pelo Chefe do Poder Executivo (inciso I do art. 71 da CF), mas julgou prestaçãode contas de gestão, no exercício da competência que lhe conferem o inciso II do art. 71 e o art. 75,ambos da Constituição Federal”. O Ministro Carlos Ayres Britto proferiu um dos votos vencedores nojulgamento da ADC 29, da ADC 30 e da ADI 4578 e, ao indeferir essas medidas liminares, observou oque foi ali decidido em relação à alínea “g” do inciso I do art. 1º da Lei Complementar 64/1990.

Nesse encadeamento de idéias, observa-se destituída de qualquer relevância jurídica, pelomenos para o ponto sob análise, a deliberação da Câmara de Vereadores do Município de CampoGrande-RN, no sentido de aprovar as contas de José Edilberto de Almeida em relação ao exercíciofinanceiro 2003, porquanto, conforme visto, a análise das contas anuais (contas de governo – de fato dacompetência do Legislativo municipal) é totalmente distinta da análise de contas de gestão (cujaatribuição é do Tribunal de Contas). A mencionada deliberação da Câmara de Vereadores, no presentecaso, não tem o condão de afastar o julgamento do órgão de Contas, uma vez que, conforme fartamentedemonstrado, os presentes autos versam hipótese de contas de gestão apresentadas pelo ora recorrido,ex-prefeito do Município de Campo Grande-RN.

Nesse passo, não merece acolhida o entendimento da sentença recorrida, conforme o qual acompetência para a apreciar contas de Prefeito seria da câmara de vereadores e não do tribunal decontas. Isso só é válido quando se tratar de contas anuais de governo. Na espécie, repise-se, como setem contas de gestão, a competência para apreciação das contas é do tribunal de contas.

Superada esta questão, com base na autorização do art. 515, § 3º, do Código de Processo Civil(CPC), impõe-se analisar se as irregularidades detectadas pelo Tribunal de Contas do Estado do RioGrande do Norte são ou não insanáveis.

......................................................................................................................Em razão do exposto, em consonância com o parecer do Ministério Público Eleitoral, conheço

e dou provimento ao recurso para indeferir o registro de candidatura de JOSÉ EDILBERTO DEALMEIDA ao cargo de prefeito do município de Campo Grande/RN

Natal, 17 de agosto de 2012.Juiz NILSON CAVALCANTI

Relator

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Quanto à natureza da conduta que ensejou a rejeição de contas,o recorrente alega, em síntese, que não restou comprovada a conduta dolosa deimprobidade administrativa em face das irregularidades insanáveis que lhes foramatribuídas pelo TCE/SC, nos termos do art. 1º, I, “g”, da LC n. 64/1990.

Conforme assinalado na impugnação proposta pela Promotoriada Zona Eleitoral de origem, as irregularidades que ensejaram a rejeição dasmencionadas contas do apelante foram insanáveis e causaram prejuízo ao patrimôniopúblico, enquadrando-se assim no art. 10 da Lei n. 8.429/1992, a conhecida “Lei daImprobidade Administrativa”, implicando devolução de valores aos cofres doEstado.

O TSE, em face de irregularidades insanáveis que caracterizemato de improbidade administrativa, conforme o caso ora em apreço, já se pronunciouno sentido de que estas impliquem na inelegibilidade prevista no art. 1º, I, “g”, daLC n. 64/1990, mediante o seguinte precedente:

Registro. Rejeição de contas.1. Na decisão de rejeição de contas, o Tribunal de Contas imputouexpressamente ao candidato a prática de irregularidade insanável e acaracterização de ato de improbidade administrativa, determinando adevolução de recursos ao Tesouro Nacional e o pagamento da multaprevista no art. 57 da Lei nº 8.443/92, incidindo, na espécie, a causa deinelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da Lei Complementar nº 64/90,com a nova redação introduzida pela Lei Complementar nº 135/2010.2. O candidato nem sequer apresentou defesa no processo de tomadade contas perante o TCU, a fim de justificar a execução irregular doconvênio, o que constitui circunstância reveladora da existência dedolo em sua conduta.Agravo regimental não provido. 7

Ratificando o dolo na conduta do pretenso candidato apelante,vale destacar o seguinte trecho da sentença apelada a respeito da conduta dolosa dopretenso candidato recorrente (fl. 129, grifou-se), segundo a qual

Ora, aquele que gerencia recursos públicos não pode se eximir desuas responsabilidades alegando desconhecimento das normas que regemsuas atividades. O impugnado, quando da função de Prefeito e, portanto,administrador da verba pública, deve administrá-la com cuidado, pelo queentendo não poder se afastar a intencionalidade da conduta (nos doiscasos). Isso porque, configura, ao menos em tese, atos de improbidadeadministrativa a provocação de “dano ao erário decorrente de ato de

7 Agravo Regimental em Recurso Ordinário – AgR-RO n. 556-94 TSE, Relator Ministro Arnaldo Versiani LeiteSoares, publicado no Diário de Justiça Eletrônico de 22.06.2011, p. 34 – grifou-se.

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gestão ilegítimo ou antieconômico”, mediante “indícios de não execuçãodo convênio” e “irregularidade na sua utilização, bem como “despesas desubvenção social não devidamente comprovadas” (art. 10, “caput”, da Lein. 8.429/2992).

E, conforme assinalado, qualifica-se como irregularidade insanável,no entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, aquela que se caracterizacomo ato de improbidade administrativa e causa dano ao erário.

Forçoso concluir dessa análise que as duas irregularidades quelevaram à rejeição das contas do candidato enquanto agente público são, defato, irregularidades insanáveis, decorrentes de atos intencionais que, emtese, configuram improbidade administrativa, nos termos da Lei n.8.429/992.

Vale salientar, sobre a sentença parcialmente transcrita acima,que a MM. Juíza Eleitoral valeu-se do disposto no art. 51 da Res. TSE n.23.373/2011, que prevê a convicção do magistrado pela livre apreciação da provaconsiderando as circunstâncias e fatos relevantes para a causa, independentemente deserem ou não alegadas pelas partes, do qual se valeu, na medida adequada, amencionada juíza eleitoral ao julgar o feito.

Em síntese, o pretenso candidato recorrente teve suas contasrejeitadas relativas aos exercícios de 1997 a 1999 em decorrência dos seguintesfatos: (i) e atraso no recolhimento de encargos previdenciários relativos às despesasconstantes nas notas de empenho ns. 2893/98 e 072/99; e (ii) realização de despesascom serviços não executados na Escola Básica Roberto Heinzen, no valor de R$17.092,15, em desacordo com os arts. 62 e 63 da Lei n. 4.320/1964. Afirmar que taiscondutas seriam decorrentes de culpa é menosprezar o senso comum, uma vez que aintenção restou manifesta no presente caso, conforme expresso na decisão recorrida.

Deve ser destacado, por oportuno, que o dolo exigido nostermos do art. 1º, I, “g”, da LC n. 64/1990 não é aquele exigido para a comprovaçãode crime, mas sim o dolo relativo à improbidade administrativa, o qual foi muito bemlembrado nas contrarrazões apresentadas pela Promotoria da Zona Eleitoral deorigem, quando assinala que (fls. 156-157, grifos no original):

No que tange à caracterização do ato de improbidade como doloso, pode-se extrair dos julgados citados que os atos do recorrente foram perpetradoscom consciência da ilicitude, tanto foi assim que houve a imputação demulta pessoal, o que só é permitido quando comprovada a responsabilidadedo agente pelo dano/irregularidade, pois em direito a culpa subjetiva é aregra, sendo a objetiva expressamente prevista.

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É necessário pontuar que o dolo exigido não é aquele específico, mas tãosomente o genérico configurado pela vontade de praticar o ato violadordos parâmetros de honestidade e probidade da administração pública.A propósito, o dolo exigido para a configuração de ato de improbidadeadministrativa é bem delineado nas lições de Fábio Media Osório (DireitoAdministrativo Sancionador, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2006, p.333):

O dolo não é necessariamente a má-fé, porque há ilícitos graves queresultam de desvios comportamentais em face de exigências legaisespecíficas. O desvio de finalidade, em que o agente busca interessepúblico completamente distinto daquele definido na regra decompetência, talvez não se ajuste a uma idéia comum de má-fé oudolo. Porém, inegável que tal administrador ou agente público podeser sancionado por seu comportamento ilegal, e essa ilegalidade podeser compreendida como um limite ao estilo patrimonialista oupersonalista de governar, administrar ou simplesmente atuar. (...)O dolo, portanto, no âmbito de relações em que se faz presenteum agente público ou alguém exercente de funções públicas,pessoas submetidas à legalidade administrativa, é de seranalisado em conjugação com o tipo proibitivo, havendo,todavia, a diferenciada análise do tipo permissivo violado, queintegra a estrutura da proibição.Trata-se, destarte, de uma estrutura proibitiva complexa, que partede uma ausência de permissão para a ação ou omissão do agentepúblico particular. Diferente é a base do direito penal, que proíbecomportamentos originalmente permitidos ou não proibidos. Ainfração administrativa, nesses termos considerada, tem seuponto de partida na ação ou omissão sem o permissivo legal,quando se trata de alcançar relações de especial sujeição doindivíduo ou pessoa jurídica ao Estado. O ato penalmente típico,por seu lado, geralmente, tem seu núcleo na violação de umaproibição ou no ajuste da conduta do agente a uma forma penalimplicitamente proibitiva e explicitamente descritiva de umcomportamento.Se o agente descumpre abertamente normas legais, poucoimporta o interesse perseguido, há uma infração dolosa. Vontadee consciência de realização dos elementos da figura típica, eis o dolocomumente conceituado no direito penal e que, de forma um poucomais flexível e elástica, diante da maior amplitude típica da infraçãoadministrativa, há de ser aceito também do Direito AdministrativoSancionatório.

O dolo na conduta pode ser aferido no caso em apreço de modocontundente quando realizou (antecipadamente, contrariando os artigos 62 e 63 daLei 4.320/64) despesa de substancial valor com serviços que não vieram a serexecutados, na condição de ordenador de despesa, relativos à Escola Básica Roberto

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Heinzen, situação que poderia ser constatada imediatamente e de forma direta pelocitado apelante, ainda mais em se tratando de pequeno Município, panorama queagrava sobremaneira a reprovabilidade quanto ao respectivo ato desidioso eintencional levado a efeito por este.

Seguem alguns precedentes do TSE que se relacionam com osfatos que ensejaram a rejeição das contas do recorrente:

RECURSO ORDINÁRIO. REGISTRO DE CANDIDATURA. ELEIÇÕES 2010. DEPUTADOESTADUAL. INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I, g, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 64/90.NEGADO PROVIMENTO.1. O Tribunal Superior Eleitoral firmou o entendimento de que a Lei Complementar nº 135/2010é constitucional e se aplica às eleições de 2010.2. A inelegibilidade do art. 1º, I, g, da Lei Complementar nº 64/90 constitui uma consequênciado fato objetivo da rejeição de contas públicas, não implicando retroatividade da lei ou violaçãoà coisa julgada.3. O desvio de recursos públicos, aliados aos indícios de falsificação de documentos daprestação de contas e à falta de licitação para a aquisição dos materiais objeto de convênioconstituem irregularidades insanáveis que configuram ato de improbidade administrativa, aptos aatrair a inelegibilidade do art. 1º, I, g, da Lei Complementar nº 64/90.4. Recurso desprovido. (Recurso Ordinário nº 50339, Acórdão de 28/10/2010, Relator(a) Min.MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA, Relator(a) designado(a) Min. ALDIRGUIMARÃES PASSARINHO JUNIOR, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data28/10/2010)

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO. REGISTRO DE CANDIDATURA.REJEIÇÃO DE CONTAS. PREFEITO. CÂMARA MUNICIPAL. CRIME DERESPONSABILIDADE. NÃO RECOLHIMENTO DE VERBAS PREVIDENCIÁRIAS.DESCUMPRIMENTO DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL. VÍCIOS INSANÁVEIS.IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CARACTERIZAÇÃO. DESPROVIMENTO.1. A prática de conduta tipificada como crime de responsabilidade, o não recolhimento de verbasprevidenciárias e o descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal possuem naturezainsanável e caracterizam atos dolosos de improbidade administrativa, a atrair a incidência dainelegibilidade prevista na alínea g do inc.I do art. 1º da LC nº 64/90.2. Inviável o agravo regimental que não ataca especificamente os fundamentos da decisãohostilizada. Súmula nº 182/STJ.3. Agravo regimental desprovido. (Agravo Regimental em Recurso Ordinário nº 398202, Acórdãode 13/10/2010, Relator(a) Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA, Publicação:PSESS - Publicado em Sessão, Data 13/10/2010 )

REGISTRO. INELEGIBILIDADE. REJEIÇÃO DE CONTAS.1. A Corte de origem assentou que as irregularidades das contas revelam dano ao erário, bemcomo estão marcadas com nota de improbidade administrativa - consistente na falta derecolhimento de encargos sociais, ausência de conciliação contábil, realização de despesassem documentação ou não justificadas, abertura de crédito acima do autorizado emorçamento, quebra de ordem cronológica de pagamento de precatórios, entre outras -, víciosconsiderados insanáveis por esta Corte.2. Para examinar a alegação de que as irregularidades tidas pelo Regional como insanáveis nãoteriam constado do parecer prévio do Tribunal de Contas nem do decreto legislativo da Câmarade Vereadores, seria necessário o reexame de matéria de prova, o que é vedado pela Súmula nº279 do egrégio Supremo Tribunal Federal.

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Agravo regimental a que se nega provimento. (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoralnº 36679, Acórdão de 04/05/2010, Relator(a) Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES,Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, 3/8/2010, Página 260 )

ELEIÇÕES 2008. Agravo regimental no recurso especial. Registro de candidatura ao cargo deprefeito. Rejeição de contas de ex-prefeito em processos decorrentes de inspeção especial.Prática de atos que geraram prejuízo ao erário e aplicação irregular de receitas repassadaspor meio de convênio. FUNDEF instituído no âmbito do Estado de Sergipe semcomplementação da União. Competência do Tribunal de Contas Estadual. Irregularidadesinsanáveis. Decisões irrecorríveis. Ação anulatória. Ajuizamento após o período de registro.Inviabilidade de suspensão da inelegibilidade. Não-incidência da Súmula 279 do STF. Registroindeferido. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento. (Agravo Regimental emRecurso Especial Eleitoral nº 34066, Acórdão de 17/12/2008, Relator(a) Min. JOAQUIMBENEDITO BARBOSA GOMES, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 17/12/2008 )

ELEIÇÕES 2008. Agravo regimental no recurso especial do MPE. Registro de candidatura aocargo de prefeito. Deferimento no TRE. Rejeição de contas pelo TCU. Convênio. Recursosfederais. Possibilidade de a Justiça Eleitoral apurar a natureza das irregularidadesapontadas. Irregularidade de natureza insanável. Desvio de finalidade. Pagamento de multaaplicada pela Corte de Contas. Irrelevância. Aplicação do art. 1º, I, g, da Lei Complementar nº64/90. Registro cassado. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento.1. A jurisprudência desta Corte consolidou entendimento no sentido de que a declaração deinelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da Lei Complementar nº 64/90 depende da presençasimultânea de três fatores: a) contas rejeitadas por irregularidade insanável; b) decisão do órgãocompetente que rejeita as contas deve ser irrecorrível; c) decisão de rejeição das contas não deveestar submetida ao crivo do Judiciário, mas, se estiver, é imperioso que os seus efeitos nãotenham sido suspensos mediante a concessão de liminar ou de tutela antecipada.2. Não cabe ao TSE analisar o acerto ou o desacerto da decisão proferida pelo Tribunal deContas para, por exemplo, aprovar contas julgadas irregulares, ou vice-versa. Mas esta Casa,desde que rejeitadas as contas, não só pode como deve proceder ao devido enquadramentojurídico do vício constatado, interpretando-o como sanável ou insanável (cf. Acórdãos nos26.942, rel. min. José Delgado, de 29.09.2006; 24.448, rel. min. Carlos Velloso, de 07.10.2004;22.296, rel. min. Caputo Bastos, de 22.09.2004).3. O desvio de finalidade na aplicação de recursos provenientes de convênio firmado como Governo Federal, para aquisição de ambulância, consistente na aquisição de carro depasseio, constitui irregularidade insanável.4. A gravidade se verifica em razão de a população ter ficado sem a ambulância, a qual,conforme afirmado pelo próprio pré-candidato, seria utilizada para transportar os munícipes parahospitais de outras cidades.5. O pagamento de multa aplicada pelo TCU ao rejeitar as contas, não tem o condão de afastar ainelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da LC nº 64/90. (Agravo Regimental em Recurso EspecialEleitoral nº 29857, Acórdão de 11/10/2008, Relator(a) Min. JOAQUIM BENEDITO BARBOSAGOMES, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 11/10/2008 RJTSE - Revista dejurisprudência do TSE, Volume 19, Tomo 4, Página 201)

RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2006. REJEIÇÃO DE CONTAS PELO TRIBUNALDE CONTAS ESTADUAL. INDEFERIMENTO.1. O postulado da moralidade pública tem por objetivo proteger o Estado Democrático deDireito.2. A interpretação contemporânea da legislação eleitoral deve ser voltada para homenagear avontade expressa na Constituição de que, no trato das verbas públicas, há de se tercomportamento incensurável.

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3. Candidato a cargo eletivo que, ao exercer a presidência de uma associação de moradores,firmou convênio com o Estado, recebeu dinheiro público e teve sua prestação de contas rejeitadapelo Tribunal de Contas, por ter realizado despesas sem comprovação legal.4. Decisão da Corte de contas publicada no Diário Oficial em 3.3.2004. Pedido de revisãoapresentado em 25.7.2006.5. Ausência de ação civil questionando a decisão do Tribunal de Contas.6. Recurso não provido, mantendo-se indeferido o pedido de registro da candidatura dorecorrente. (RECURSO ORDINÁRIO nº 1153, Acórdão de 14/09/2006, Relator(a) Min. JOSÉAUGUSTO DELGADO,Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, 14/09/2006)

Frise-se, ainda, que os mencionados atos ilícitos que ensejaram arejeição das contas do pretenso candidato apelante não foram pontuais, uma vez quese referem a período de 1997 a 1999, o que reforça o dolo na prática de atos que nãoprimaram pela observância dos princípios que devem nortear a administração públicaem seus atos, especialmente os previstos no art. 37, caput, da Constituição daRepública.

ANTE O EXPOSTO, a Procuradoria Regional Eleitoral, por seuagente signatário, manifesta-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso, nostermos acima consignados.

Florianópolis, 17 de agosto de 2012.

ANDRÉ STEFANI BERTUOLProcurador Regional Eleitoral