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Relatório de participação no evento: 2011 Joint International Meeting of the Association for Tropical Biology and Conservation - ATBC 12-16 Junho 2011 Arusha, Tanzania Participante: Giselda Durigan (Instituto Florestal, Floresta Estadual de Assis) Julho 2011

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Relatório de participação no evento:

2011 Joint International Meeting of the

Association for Tropical Biology and

Conservation - ATBC

12-16 Junho 2011

Arusha, Tanzania

Participante: Giselda Durigan (Instituto Florestal, Floresta Estadual de

Assis)

Julho 2011

Introdução

O encontro anual da Association for Tropical Biology and Conservation –

ATBC, realizado no período de 12 a 16 de Junho de 2011, na cidade de Arusha,

Tanzânia, teve como tema: Adaptability to Climate Change and Attaining the Millenium

Development Goals for Tropical Ecosystems. Foi a primeira vez, na história da ATBC,

que o encontro foi realizado em um país africano, o que proporcionou aos

participantes um envolvimento maior com a realidade da conservação da natureza e

ciências correlatas naquele continente. Esse contato se fez não só pela forte presença

de cientistas africanos no evento, mas também pela oportunidade de visita a unidades

de conservação da natureza na região de Arusha, que está em um dos grandes pólos

de turismo ecológico no continente.

Em minha vivência profissional, foi a primeira vez que visitei a África e, embora

seja membro da ATBC há vários anos, foi a primeira vez que participei do encontro da

ATBC, de modo que não tenho parâmetros para avaliar o evento mediante edições

anteriores. Minha participação se deveu a um convite formulado pelo organizador de

um dos simpósios, Dr. William Hoffmann, que conhece os resultados das pesquisas

que têm sido desenvolvidas, sob minha coordenação, tratando dos ecossistemas na

transição Cerrado – Mata Atlântica no estado de São Paulo.

No relato que se segue, apresento uma visão geral do evento, uma abordagem

mais detalhada do simpósio de que participei e impressões sobre a conservação da

natureza na savana africana, que levam a reflexões sobre o que se faz no Brasil.

Comentários gerais sobre o evento

O encontro da ATBC em Arusha foi de nível científico muito elevado, a

considerar pela atualidade dos temas apresentados nas conferências e simpósios,

que, infelizmente, não foi possível atender a todos, uma vez havia pelo menos seis

eventos simultâneos.

De um balanço geral das apresentações, emerge uma certeza: a conservação

da diversidade biológica depende do manejo dos ecossistemas. A visão de que

manter intocados os ecossistemas basta para que se mantenham, indefinidamente,

com toda a sua biodiversidade e processos ecológicos, foi contestada por diversos

cientistas durante todo o evento. Dos conferencistas que atuam na esfera de tomada

de decisão, uma outra certeza: é preciso transmitir a mensagem correta, às

pessoas certas e no momento exato. Enquanto o conhecimento ficar restrito à

academia, dificilmente a conservação será realidade.

A necessidade de feedback entre cientistas e tomadores de decisão foi

ressaltada pelo Dr. John Y. Salehe, que, na palestra de abertura, recomendou a

seguinte reflexão aos congressistas: “O que nós sabemos? O que nós precisamos

saber? E como é que nós, cientistas, podemos compartilhar o que sabemos com

os formuladores de políticas e tomadores de decisão?”

Ainda que as falas dos profissionais que atuam na prática da conservação nos

tenham deixado a impressão de que a ciência anda muito devagar, por inúmeras

vezes durante o evento tive a impressão de que os avanços tecnológicos, novas

ferramentas metodológicas e a rapidez da comunicação têm possibilitado avanços

vertiginosos no conhecimento. Todavia, persiste a impressão de que o fluxo desses

conhecimentos até o verdadeiro tomador de decisão, que é quem pode executar o

manejo, está longe do ideal.

Palestras assistidas

Na impossibilidade de assistir a todas as palestras, priorizei aquelas mais

diretamente relacionadas com minha área de atuação. Também assisti a algumas

palestras de cientistas brasileiros de outras regiões do país. O resumo dessas

palestras encontra-se nos anais (em anexo).

Conservation biologists, conservationists and conservation in Eastern Africa:

are we winning? (J.Y. Salehe)

Repellor, atractor and neutral tree species in tropical rain forests. (A. Huth)

Tree community and environmental heterogeneity in a highland Araucaria

Forest in southern Brazil. (P. Higuchi)

Multi scale alpha and beta diversity of African tropical forests: results from 120

long term forest plots spanning a continent. (S.L.Lewis)

Multiple forest use and tropical conservation: lessons learned and challenges

ahead. (M.R. Guariguata)

Leaf functional traits show contrasting successional trajectories in upper and

lower canopy layers in Costa Rica rain forests (R. Chazdon)

Global patterns of woody plant invasions in tropical forests (M. Rejmánek).

Tree community phenology in a chronosequence in the highly endangered

seasonally dry forest in Brazil (F.F. Pezzini)

Forest fragmentation drives Atlantic forest of northeastern Brazil to biotic

homogeneization (F.Melo)

Why do some nature reserves fail? An analysis of protected areas spanning the

tropical world. (W.F. Laurance)

Winners and loosers: prospects for biodiversity conservation in tropical forests.

(M. Tabarelli).

Pervasive defaunation of forest remnants in a tropical biodiversity hotspot. (C.

Peres)

Comparing stable and shifting tropical forest edges: patterns and processes. (K.

Highlander)

A twenty-five year population dynamics study of two Brazilian savanna species.

(J.DuVal Hay)

Different and complementary approaches to assess sustainability of non-timber

forest products harvesting. (C. Baldauf)

The effect of invasive agoutis on the regeneration potential of an Atlantic Forest

island. (M. Fleury)

Fragmentation, split distance and local extinction of amphibians (C. Fonseca).

Às vezes as palestras tratavam de pesquisas já publicadas e consagradas, não

trazendo grandes novidades. Outras vezes, traziam novas abordagens, para que

fossem debatidas com a platéia. Esses debates, naturalmente, servem como um teste

para que essas novas idéias avancem ou sejam abandonadas. A maioria das

apresentações trazia resultados consistentes que contribuem para o avanço da

ciência. Mas algumas apresentações de destaque traziam propostas ou resultados

realmente inovadores, que podem conduzir a mudanças até mesmo em políticas de

conservação, como os resultados apresentados por Peres, Laurance, Guariguata e

Rejmánek.

Participação no Simpósio: Where the Forest ends: ecology and evolution of

savanna-forest transitions

O simpósio no qual proferi minha palestra ocupou um dia todo, com onze

apresentações, que trataram de zonas de transição entre savanas e florestas em

diferentes regiões do mundo. O simpósio foi muito bem organizado e conduzido, de

modo que houve uma complementaridade muito bem sucedida entre as falas.

Há uma convergência nos resultados das pesquisas em diferentes regiões do

planeta, que apontam para um complexo de fatores atuantes sobre o limiar entre os

dois tipos de vegetação (savana e floresta) em algumas ou em todas as regiões do

mundo, que inclui: o fogo, a duração do período seco, a ação dos grandes herbívoros

e as condições de solo.

Minha apresentação (Environmental and anthropogenic factors driving the

transition Cerrado - Atlantic Forest in Brazil, Figura 1) trouxe um elemento a mais a

esse conjunto de fatores, uma vez que estudos recentes desenvolvidos pelo meu

grupo de pesquisa demonstraram a forte influência das propriedades físicas do solo,

mais especificamente a capacidade de água disponível às plantas, como modulador

do gradiente fisionômico do cerrado e, também fortemente associado ao mosaico

Cerrado-Floresta.

Figura 1. Palestra proferida: Environmental and anthropogenic factors driving the

transition Cerrado - Atlantic Forest in Brazil.

Os debates foram muito interessantes e o desejo de maior integração era

coletivo, pois somente abordagens múltiplas poderão gerar respostas válidas para a

transição savana-floresta em todo o planeta. As implicações dessa compreensão são

muitas mediante o cenário de mudanças climáticas, que tende a deslocar a transição a

depender do rumo dessas mudanças nas diferentes regiões.

Contatos importantes

Estiveram presentes no evento nomes internacionalmente conhecidos, cujas

publicações têm sido referência para as pesquisas sobre Biologia da Conservação no

Brasil e no mundo. Além de conhecer suas pesquisas mais recentes assistindo às

palestras, tive a oportunidade de trocar idéias sobre minhas próprias pesquisas e, às

vezes, possíveis parcerias. Entre esses contatos, merecem destaque:

Dra Robin Chazdon (University of Connecticut, EUA), cujas pesquisas sobre

trajetórias sucessionais de florestas tropicais têm grandes afinidades com um

dos meus projetos em andamento;

Dr. Francis Putz (University of Florida, EUA), que coordena um dos mais

importantes laboratórios do mundo que desenvolvem pesquisas sobre ecologia

teórica e aplicada à conservação e manejo de florestas tropicais.

Dr. Marcel Rejmánek (UC Davis, EUA), que é uma das maiores autoridades em

invasões biológicas em todo o mundo.

Dra Caroline Lehmann (Charles Darwin University, Austrália), que vem

tentando decifrar os fatores que explicam a ocorrência das savanas em todo o

mundo.

Dr. William Hoffmann (North Carolina State University, USA), que já foi

professor da UNB e planeja instalar um projeto com parcelas permanentes na

transição cerrado-floresta em diferentes regiões do Brasil.

Todos esses pesquisadores manifestaram interesse em desenvolver pesquisas

conjuntas, que possam resultar em análises mais abrangentes, além dos limites

territoriais de nossos próprios países.

Visitas aos parques Nacionais

Após o encerramento da programação científica do evento, tivemos a

oportunidade de visitar três parques Nacionais da região: Arusha, Tarangire e

Ngorongoro. Os três parques, juntos, preservam florestas tropicais e savanas (Figura

2), com todos os grandes mamíferos africanos (elefantes, hipopótamos, girafas,

búfalos, rinocerontes, gnus, leões, zebras, etc.) e muitos outros animais, em uma

abundância impressionante.

Figura 2. Em primeiro plano, florestas tropicais nas bordas da cratera de Ngorongoro.

Em segundo plano, a savana que ocupa o fundo da cratera, com um raio de 20 km.

Para quem, como eu, dirige o olhar primeiramente para a vegetação, a

dimensão do impacto dos grandes herbívoros sobre a diversidade vegetal da savana é

assustadora. O número de espécies lenhosas é extremamente baixo e nem mesmo os

gigantescos baobás (Figura 3) sobreviverão em longo prazo nas unidades de

conservação, uma vez que não se vê uma árvore sequer com menos de 2 m de

diâmetro. Ou seja, as plantas jovens dessa espécie, tão representativa das savanas

africanas, não resistem à pressão de herbivoria e danos mecânicos causados pelos

grandes animais (Figura 4) e, portanto, não há regeneração da espécie.

Figura 3. Baobá (Adansonia digitata), com cerca de três metros de diâmetro, no

Tarangire National Park. Como em todas as árvores da espécie neste parque, o tronco

apresenta injúrias causadas pelos elefantes.

Figura 4. Elefante se coçando no tronco de uma árvore.

A Tanzânia tem na conservação da natureza e no turismo ecológico, que dela

depende, uma das duas principais atividades econômicas do país (a outra é a

mineração). Pelo crescimento vertiginoso recente, devido principalmente à guerra civil

no país vizinho, o Kenya, o turismo será, em muito breve, o carro-chefe da economia

na Tanzânia, cuja população está distante de sair da pobreza. No entanto, para quem

estuda ecossistemas e seu equilíbrio, fica evidente que a falta de manejo da fauna

pode matar a galinha dos ovos de ouro daquele país e, provavelmente, de outros que

dependem igualmente do turismo ecológico.

Outra observação que se faz é a relação do visitante com a natureza que visita,

que é completamente diferente do que acontece no Brasil. Em nosso país, os maiores

herbívoros são as antas, que são poucas e pouca ameaça oferecem, de modo que o

homem que visita áreas naturais se comporta como soberano, com livre acesso a

trilhas, cachoeiras, montanhas e quaisquer outras paisagens nas unidades de

conservação. Na savana africana, o turista só pode circular em veículos robustos

(Figura 5), acompanhado de guias especializados e não pode, em hipótese alguma,

sair do veículo, pois a fauna, além de muito abundante, oferece ameaça real à vida

humana (Figura 6). São duas realidades muito distintas, com implicações importantes.

A educação ambiental voltada ao turista tem importância relativa muito maior aqui,

onde as oportunidades do visitante causar danos aos ecossistemas é igualmente

maior. Por outro lado, a importância de que a ciência aponte rumos para o manejo dos

ecossistemas dentro de unidades de conservação visando conservá-los e restaurá-los

me parece ser muito maior e mais urgente lá do que aqui.

Figura 5. Congressistas em visita ao Parque Nacional de Tarangire, confinados nos

veículos cuja circulação é permitida aos visitantes.

Figura 6. Três, de um grupo de doze leões que circulavam entre os veículos da

caravana, no interior da cratera de Ngorongoro.

Outra grande diferença é que na África oriental não se vislumbra a ameaça de

desmatamento. Em sua quase totalidade as terras são públicas e não há perspectivas

de expansão da agricultura em uma região em que a água é um recurso tão escasso.

Os pastores masais nômades (Figura 7) são os únicos humanos que utilizam extensas

áreas de terras e exploram lenha, mas definitivamente não causam impacto maior do

que o dos elefantes e outros grandes herbívoros que se encontram com populações

grandes demais.

Figura 6. Masais nômades junto a um water hole, de onde retiram água para consumo

e fazem a dessedentação dos animais, já que não existe água alguma em regiões muito

extensas.

Todas essas observações não puderam deixar de ser incluídas neste relatório,

pois não podem ser dissociadas da programação científica do evento e, seguramente,

vão influenciar a minha maneira de entender as peculiaridades da conservação da

natureza em diferentes regiões do mundo, as minhas pesquisas e as decisões que

virei a tomar nas oportunidades que se apresentarem.

ATBC – Bonito, MS, 2012

A próxima edição do encontro anual da ATBC será no Brasil, mais precisamente na cidade de Bonito, em 2012. Será, sem dúvida, uma oportunidade única de que um número bem maior de brasileiros possa participar do evento, apresentar nossas experiências científicas e práticas, e usufruir da fantástica oportunidade de atualização de conhecimentos e interação com os maiores cientistas do mundo atuando na Biologia da Conservação. Agradecimentos À Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo-FAPESP, que financiou a viagem e parte das pesquisas cujo os resultados foram apresentados e ao Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico-CNPq, pela bolsa de produtividade em pesquisa e auxílio para o desenvolvimento dos projetos.