relatório de formação complementar 1º semestre/2017 · descobrir e trabalhar novas...
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Como o próprio nome diz, a Formação Complementar, que ocorre no período
vespertino, oferece aos alunos uma proposta de educação que se estabelece por meio da
continuidade das experiências e vivências pedagógicas do currículo da manhã, e se
divide em duas linhas de atuação: a recreação e as linguagens. Dentro dessas linhas, a
rotina pensada inclui atividades que despertam áreas diferentes do saber e privilegiam a
todos os alunos, de forma que são capazes de aperfeiçoar habilidades que já têm ou de
descobrir e trabalhar novas possibilidades de conhecimento.
As linguagens acontecem por meio de oficinas com profissionais de cada
especialidade oferecida, como o circo, desenho, culinária, percussão e capoeira. Já a
recreação, conduzida por mim, com as turmas de primeiro e segundo anos do Ciclo I do
fundamental, se desenvolve por meio de atividades diárias que individualmente também
focam em uma proposta específica, dentro dos seguintes eixos: Exploradores da
Natureza, Brincadeiras de Quintal e Sentimentos & Sensações. Em conjunto,
promovem a formação integral de nossos alunos. E aqui, entendemos a recreação não
apenas como um tempo livre - que também existe -, mas como uma oportunidade de
vivenciar experiências que estão desvinculadas do que é obrigatório, do currículo, mas
em uma relação muito mais forte com o lúdico. Mas ainda assim, algumas propostas são
encaradas pelas crianças com mais resistência do que outras, às vezes por significar que
elas terão que lidar com suas dificuldades, outras por não acharem a proposta atrativa,
ou outras ainda por significar interromper um momento da rotina que lhes parecia mais
agradável.
Relatório de Formação complementar – 1º semestre/2017
Turma: 1º e 2 º anos
Professora: Mariana Guimarães
Coordenadora: Giselle Cristina Gaudencio Vale
Acredito na importância do equilíbrio entre uma rotina com atividades
obrigatórias e outras que ofereçam maior liberdade de participação e autonomia de
escolha, para que desenvolvam também o senso de responsabilidade, aprendam a lidar
com o enfrentamento de frustrações e limites (do outro, de si próprio, do que se deve ou
não fazer) e ao mesmo tempo sintam que têm seus desejos respeitados e que a formação
complementar é um espaço rico em experimentações e diversão. Pensando nisso, com o
desejo de que as crianças se engajassem cada vez mais nas atividades e as realizassem
com entusiasmo, procurei orientar minhas atividades pela percepção de quais eram as
demandas dessas crianças, observando-as em seus momentos livres durante a tarde, o
que acarretou em muitas mudanças de planejamento para tornar as propostas mais
significativas e atrativas. Percebi, por exemplo, que esta é uma turma que gosta muito
de desenhar, sendo uma das atividades favoritas durante os momentos livres diários,
especialmente durante o horário reservado à realização da lição de casa, em que o
primeiro ano, com lições apenas às quartas-feiras, explora possibilidades recreativas ao
observarem o segundo ano terminar seus estudos.
Por outro lado, mesmo com esse desejo, também considerei importante a
realização de propostas que aparentemente eram menos atrativas, mas que julguei
fundamentais para tirar os alunos de suas zonas de conforto e estimular outras vivências,
possibilidades e interações. Nessas ocasiões, é comum encontrar crianças com alguma
resistência à realização da proposta, mas buscamos estabelecer combinados com o
grupo da importância e necessidade de cumprimento dos nossos deveres dentro da
rotina para aproveitarmos de nossos direitos nos momentos de recreação livre. É
importante que a criança compreenda que, apesar de ser mais desvinculado do
obrigatório e mais próximo do lúdico, o período da tarde é também espaço de formação,
de trocas.
No início do semestre, período em que as crianças ainda estão se adaptando à
rotina – especialmente as do primeiro ano, que passam por uma grande mudança ao
deixarem a educação infantil –, pensei em atividades relacionadas aos temas trabalhados
de uma maneira mais aleatória, sem muitas correlações entre si, mas que oferecessem
possibilidades de descobertas: descobrir o que funciona ou não com a turma, o que esse
grupo de crianças específico gosta ou não gosta, o que os atrai ou não, e descobrir
também outras informações que juntos transformamos em conhecimento, para então
pensar outras propostas a partir das demandas percebidas:
Exploradores da Natureza
Explorar o ambiente do Sítio é algo já muito
natural aos alunos do primeiro e segundo anos. Um
ambiente que possibilita o contato com elementos da
natureza a qualquer momento do dia, independente
das atividades que estão sendo realizadas. Durante os
momentos de parque ou durante o horário do lanche, as crianças se divertem ao
escalarem as árvores, pegarem frutas, flores, folhas e galhos secos para improvisarem
brinquedos. Os projetos desenvolvidos com essas turmas – especialmente o segundo
ano, sobre o qual posso falar com mais propriedade pelo meu contato direto como
professora auxiliar no período da manhã –, em suas salas de aula regulares, privilegia
muito o olhar sensível das crianças, pois estão frequentemente ligados à natureza, à
importância de cuidar dela e preservá-la. O trabalho pedagógico desenvolvido com o
segundo ano, sobre plantas medicinais e ervas aromáticas, despertou a curiosidade, no
período da tarde, também dos alunos do primeiro ano. Juntos exploraram aromas e
texturas livremente. Com essa percepção, preparei atividades dirigidas a partir dos
interesses do grupo. Fizemos experimentos com mistura de cores, composição de
desenhos e cenários a partir de algum elemento da natureza, gincanas para que em
equipes encontrassem itens presentes na paisagem escolar, e também assistimos a filmes
que proporcionaram debates sobre o meio ambiente e a importância da natureza na
saúde humana e do planeta.
Brincadeiras de Quintal
As brincadeiras de quintal, além dos
horários diários de parque, compõem a
proposta de permitir que as crianças sejam
autônomas quanto às suas decisões de
brincadeiras. A brincadeira dirigida é
importante e aconteceu, mas em muitos
momentos deixei à escolha do grupo o que aconteceria durante esse momento
recreativo. Um dos objetivos é justamente que eles consigam tomar decisões coletivas e
se empenhem para que todos participem. Para tanto, as crianças que quisessem
poderiam sugerir brincadeiras e juntos decidiam, com a minha mediação, como
organizar o tempo para que de fato brincassem. Em outros tantos momentos, levei
sugestões de brincadeiras buscando algo diferente do que elas estão acostumadas, seja
algo novo, uma adaptação de brincadeiras clássicas ou mesmo resgatando as
brincadeiras que são tradicionais e que estiveram presentes em minha própria infância,
como Amarelinha, Ovo Choco, construção de castelos de areia e desenhos no chão com
giz. Em outros momentos ainda, a brincadeira surgia a partir de uma organização
espontânea do grupo de algo que se iniciava durante o lanche, como um Show de
Talentos, por exemplo, e que organizávamos de maneira mais sistemática como forma
de atividade no momento que se seguia.
Percebi que é comum às crianças dessa faixa etária
entrarem em muitos conflitos, talvez por se encontrarem ainda
numa fase de transição em que estão começando a deixar de
lado o egocentrismo, em que não percebem que os outros
podem e têm crenças, opiniões e vontades diferentes, tentando
fazer prevalecer as suas próprias. Os conflitos surgem das
oposições de interesses individuais, jamais do grupo da turma
do primeiro ano e da turma do segundo ano. Esse é um grupo
que compartilha muitos momentos, sempre com interação entre
as duas turmas. Então, procurei desenvolver algumas propostas,
especialmente nesse eixo das brincadeiras de quintal e de sentimentos e sensações,
usando conceitos como alteridade e empatia para nortear o trabalho e buscar construir
pontes nas relações entre as crianças. Sugeri brincadeiras em equipes, misturando
alunos com diferentes características e habilidades, para que percebam a importâcia e
necessidade do trabalho em conjunto, que mesmo os benefícios individuais podem ser
conquistados com o esforço coletivo, que opiniões diferentes nos ajudam a aprender
coisas novas e que o respeito deve existir sempre.
Sentimentos e Sensações
Quando o semestre se iniciou, apesar de ter a intenção de primeiro analisar as
demandas dessa turma para guiar as propostas, eu já sabia que gostaria de usar a
linguagem dos sentimentos e das sensações para ajudar cada criança, desta vez
individualmente, a lidar com seus conflitos internos, ao menos no que diz respeito à
escola e às relações nela estabelecida.
Propus uma atividade que havia realizado com a turma do ano anterior e que deu
bons resultados para aquele grupo, e que inclusive surpreendeu a todos. As crianças
deveriam fazer um desenho simples em uma folha de papel kraft estendida no chão, e
em seguida tentar repetir o desenho com a mão oposta, depois com os pés e com a boca.
Lembro-me que, na ocasião anterior, alguns se sentiram eufóricos desde o princípio,
apesar de todos terem demonstrado grande supresa com a proposta, mas que, mesmo os
que se sentiam muito limitados e ansiosos durante a realização da atividade, se
divertiram. Com o grupo deste semestre, a maioria das crianças demonstrou estar
confortável o suficiente para se permitir fugir do padrão e se divertir, e sugeriram,
ainda, que acrescentáscemos desenhos feitos com os olhos fechados e segurando o lápis
com as axilas. Outras crianças se desesperaram e revelaram no choro as inseguranças e
medos de não serem perfeitos. A partir desta proposta busquei sempre oferecer algum
estímulo com atividades que exigiam a transposição das barreitas do que é
convencional, como pintura usando diferentes partes do corpo e nenhum pincel ou outro
instrumeto.
Aos poucos os objetivos vão sendo atingidos, e uma das atividades que
conquistou quase todas as crianças e me surpreendeu, revelou isso: coloquei uma
cartolina em branco no chão, oefereci uma caixa cheia de gizes de cera. Minha única
orientação foi: “vocês não podem tirar o giz do papel. Se tirar, precisa mudar de cor”.
Timidamente, cada um foi fazendo um desenho em um canto da cartolina, com formatos
bem concretos, entre árvores, corações, flores, bonecas... Aos poucos, com a diminuição
do espaço, alguns começaram a se queixar de que o amigo estava invadindo e passando
por cima de seus denenhos, e eu insisti que a única coisa que não poderiam fazer era
tirar o lápis do papel. Ao fundo, a trilha sonora que embalaa a atividade, do grupo
Palavra Cantada, dizia
“Lápis, caderno, chiclete, pião
Sol, bicicleta, skate, calção
Esconderijo, avião, correria, tambor, gritaria, jardim, confusão
Criança não trabalha
Criança dá trabalho”
E aos poucos, um novo diálogo surgiu:
- Isso é arte de criança!
- Parece até tinta, não parece?
- Pra ficar tudo lindo é só rabiscar, rabiscar, rabiscar...
- Tá feio – disse um. O único que se afastou da atividade.
- Para de falar que tá feio – retrucou outro.
- Tá lindo! Parece que a gente tá olhando pra um arco íris de verdade!
- Para de rabiscar, gente! Tá horrível!
- A Mari disse que não tem regra, e tá lindo!
- Tá acabando!
- Não tá acabando, não. Tem que ter mais rabisco.
- É! Tem branco ainda. Fora branco!
- A gente é muito bom em rabiscar!
- Tá lindo pra caramba!
- Vamos fazer tudo de olhos fechados?
- Faz parte do trabalho em grupo.
- Tem nove pessoas na nossa equipe. Dez com a Mari.
- Mas e ele, conta ou não?
- Não! Ele não fez com a gente.
- Mas a Mari conta. Ela que deu a ideia.
- E aí, gente, acabamos ou não?
- Acabamos!
- Mari, a gente acabou. Podemos sair por aí com isso?
E unidos saíram, segurando a bandeira deles, o arco íris de verdade, entoando
em coro: TRABALHO DE CRIANÇA!