relatório de caso clínico - ufrgs.br · parâmetros vitais foram aferidos, sendo temperatura...

11
Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Faculdade de Veterinária Departamento de Patologia Clínica Veterinária Disciplina de Bioquímica e Hematologia Clínicas (VET03/121) http://www.ufrgs.br/bioquimica Relatório de Caso Clínico IDENTIFICAÇÃO Caso Clínico n o 2017/1/06 Espécie: Felina Ano/semestre: 2017/1 Raça: SRD | Idade: 6,5 ano(s) | Sexo: macho | Peso: 4,905 kg Alunos(as): Ana Paula Gonçalves, Bianca Giacometti e Gianini Laureano Flores Médico(a) Veterinário(a) responsável: nome disponível na ficha original ANAMNESE O felino foi trazido ao Hospital de Clínicas Veterinárias (HCV) pela primeira vez no dia 21 de fevereiro de 2017 e pesava 6,35 Kg. É castrado, não vacinado anualmente e não tem acesso à rua e a outros animais. Tem como histórico recente o tratamento para pancreatite. Desde janeiro de 2017 o paciente apresenta poliúria e polidipsia, segundo relato da tutora. No exame clínico foi observada presença de lesões de pele do tipo placas eosinofílicas na região ventral e no olho esquerdo e pressão arterial sistólica (PAS) moderadamente aumentada em 200 mmHg (valor de referência 140 – 160 mmHg). Foram solicitados exames bioquímicos os quais apresentaram aumento em creatinina 2,9 mg/dL (0,8-1,8 mg/dL) e ureia 94 mg/dL (32-54 mg/dL). O hemograma apresentou trombocitopenia discreta 160.000/μL (200.000 a 300.000/μL) e SNAP Teste positivo para Leucemia Viral Felina (FeLV). Na urinálise apresentou baixa densidade urinária 1,006 (1,015 - 1060), urina incolor e volume de 11 mL; no exame de sedimento foram encontradas raras células escamosas e de transição; raras bactérias, leucócitos (média de campo de 5-20, sendo o valor de referência zero) e eritrócitos (média de campo < 5, sendo o valor de referência zero), que indicava uma possível infecção urinária. A relação proteína/creatinina (Figura 1) foi igual à zero. Na revisão do dia 13 de março apresentou linfonodo submandibular esquerdo aumentado, PAS ainda aumentada em 200 mmHg. Para tratamento da hipertensão, foi prescrito ¼ de comprimido de Anlodipina (diidropiridino anti-hipertensivo) a ser administrado uma vez ao dia e recomendado acompanhamento periódico da PAS com visitas semanais ao HCV. No período de 14 dias houve controle da hipertensão com o tratamento prescrito. Dentro desse período pode-se observar que progressivamente o paciente demonstrava apatia e que passou a se alimentar com menos frequência e em menor quantidade, conforme relato da tutora. A partir o dia 20 de março após novos exames bioquímicos não foi observada melhora no quadro, então foi prescrito soro subcutâneo a cada visita do paciente. EXAME CLÍNICO No dia 0 paciente pesava 4,905 Kg e estava ativo, com mucosas normocoradas e normohidratado. Os parâmetros vitais foram aferidos, sendo temperatura retal (TR) 38,3˚C, PAS 120 mmHg, frequência respiratória (FR) 20 mrpm, frequência cardíaca (FC) 220 bpm. Foi constatada presença de lesões de pele na pálpebra do olho esquerdo com alopecia (Figura 2), crostas na região ventral (Figura 3), aumento do cálculo dentário. Também foi observado aumento no flanco direito com rim palpável (Figura 3) e bexiga repleta. EXAMES COMPLEMENTARES Dia 17/04/17 (Dia 0) Ultrassonografia (US) Pâncreas com segmento do ramo esquerdo aumentado, medindo cerca de 0,7 cm. Apresentava ecotextura levemente heterogênea e ecogenicidade aumentada (Figura 4), sugestivo de pancreatite. Rins assimétricos, sendo o rim esquerdo (RE) medindo 5,78 cm e o rim direito (RD) 6,97 cm apresentando ambos dimensões aumentadas e contornos pouco irregulares. Região cortical e medular

Upload: trinhminh

Post on 03-Oct-2018

217 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Faculdade de Veterinária Departamento de Patologia Clínica Veterinária

Disciplina de Bioquímica e Hematologia Clínicas (VET03/121) http://www.ufrgs.br/bioquimica

Relatório de Caso Clínico

IDENTIFICAÇÃO

Caso Clínico no 2017/1/06 Espécie: Felina Ano/semestre: 2017/1

Raça: SRD | Idade: 6,5 ano(s) | Sexo: macho | Peso: 4,905 kg

Alunos(as): Ana Paula Gonçalves, Bianca Giacometti e Gianini Laureano Flores Médico(a) Veterinário(a) responsável: nome disponível na ficha original

ANAMNESE

O felino foi trazido ao Hospital de Clínicas Veterinárias (HCV) pela primeira vez no dia 21 de fevereiro de 2017 e pesava 6,35 Kg. É castrado, não vacinado anualmente e não tem acesso à rua e a outros animais. Tem como histórico recente o tratamento para pancreatite. Desde janeiro de 2017 o paciente apresenta poliúria e polidipsia, segundo relato da tutora. No exame clínico foi observada presença de lesões de pele do tipo placas eosinofílicas na região ventral e no olho esquerdo e pressão arterial sistólica (PAS) moderadamente aumentada em 200 mmHg (valor de referência 140 – 160 mmHg). Foram solicitados exames bioquímicos os quais apresentaram aumento em creatinina 2,9 mg/dL (0,8-1,8 mg/dL) e ureia 94 mg/dL (32-54 mg/dL). O hemograma apresentou trombocitopenia discreta 160.000/µL (200.000 a 300.000/µL) e SNAP Teste positivo para Leucemia Viral Felina (FeLV). Na urinálise apresentou baixa densidade urinária 1,006 (1,015 - 1060), urina incolor e volume de 11 mL; no exame de sedimento foram encontradas raras células escamosas e de transição; raras bactérias, leucócitos (média de campo de 5-20, sendo o valor de referência zero) e eritrócitos (média de campo < 5, sendo o valor de referência zero), que indicava uma possível infecção urinária. A relação proteína/creatinina (Figura 1) foi igual à zero. Na revisão do dia 13 de março apresentou linfonodo submandibular esquerdo aumentado, PAS ainda aumentada em 200 mmHg. Para tratamento da hipertensão, foi prescrito ¼ de comprimido de Anlodipina (diidropiridino anti-hipertensivo) a ser administrado uma vez ao dia e recomendado acompanhamento periódico da PAS com visitas semanais ao HCV. No período de 14 dias houve controle da hipertensão com o tratamento prescrito. Dentro desse período pode-se observar que progressivamente o paciente demonstrava apatia e que passou a se alimentar com menos frequência e em menor quantidade, conforme relato da tutora. A partir o dia 20 de março após novos exames bioquímicos não foi observada melhora no quadro, então foi prescrito soro subcutâneo a cada visita do paciente.

EXAME CLÍNICO

No dia 0 paciente pesava 4,905 Kg e estava ativo, com mucosas normocoradas e normohidratado. Os parâmetros vitais foram aferidos, sendo temperatura retal (TR) 38,3˚C, PAS 120 mmHg, frequência respiratória (FR) 20 mrpm, frequência cardíaca (FC) 220 bpm. Foi constatada presença de lesões de pele na pálpebra do olho esquerdo com alopecia (Figura 2), crostas na região ventral (Figura 3), aumento do cálculo dentário. Também foi observado aumento no flanco direito com rim palpável (Figura 3) e bexiga repleta.

EXAMES COMPLEMENTARES

Dia 17/04/17 (Dia 0) Ultrassonografia (US) Pâncreas com segmento do ramo esquerdo aumentado, medindo cerca de 0,7 cm. Apresentava ecotextura levemente heterogênea e ecogenicidade aumentada (Figura 4), sugestivo de pancreatite. Rins assimétricos, sendo o rim esquerdo (RE) medindo 5,78 cm e o rim direito (RD) 6,97 cm apresentando ambos dimensões aumentadas e contornos pouco irregulares. Região cortical e medular

Página 2 UFRGS | Faculdade de Veterinária | Disciplina de Bioquímica e Hematologia Clínicas — Caso Clínico 2017/1/06

com aumento da ecogenicidade, junção corticomedular com moderada perda de definição, pelve com dilatação bilateral (Figura 5), sendo que o RE mediu aproximadamente 0,51 cm e o RD aproximadamente 0,46 cm em corte longitudinal, sugestivo de linfoma renal. Demais órgãos encontravam-se sem alterações ecográficas. Foram realizadas mais duas US, nos quais os resultados mostrados no Gráfico 1. Lipase específica felina O paciente possui histórico de tratamento para pancreatite recente a data da primeira consulta no hospital. Para avaliar o funcionamento do pâncreas, foi realizado um SNAP Teste ELISA para lipase felina que se baseia em anticorpos monoclonais e antígenos recombinantes, quantitativo. O resultado do teste foi anormal, sugerindo pancreatite. 26/04/2017 (Dia 9) Citologia por aspirado Foi averiguada alta celularidade, predominantemente de linfócitos (pequenos, médios e grandes), além de macrófagos ativados, neutrófilos íntegros, plasmócitos e raros eosinófilos. Os linfócitos médios e grandes apresentam citoplasma de discreta a moderadamente basofílicos e por vezes vacuolizado, núcleos arredondados e paracentrais, com cromatina frouxa e nucléolos evidentes. Também foram observados linfócitos com núcleos irregulares e nucléolos gigantes e centrais, além de linfócitos com formato “espelho-de-mão”, figuras de mitose típica e atípica, eritrofagia e leucofagia. Esta avaliação sugere linfoma e infiltrado macrofágico (Figura 6).

URINÁLISE

Método de coleta: cistocentese Obs.: Data: 17/04/2017 (Dia 0)

Sedimento urinário*

Células epiteliais: escamosas 0-1 e de transição 0-2 ↑

Cilindros:

Hemácias:

Leucócitos:

Bacteriúria: leve

Outros: Relação proteína/creatinina: 0,32

Exame químico

pH: 6,0 (6,0-7,0)

Corpos cetônicos: negativo

Glicose: negativo

Bilirrubina: negativo

Urobilinogênio: n.d. (<1)

Proteína: negativo

Sangue: negativo

Exame físico

Densidade específica: 1,006 (1,015-1,060) ↓

Cor: Incolor

Consistência: fluida

Aspecto: límpido *número médio de elementos por campo de 400 x; n.d.: não determinado

Página 3 UFRGS | Faculdade de Veterinária | Disciplina de Bioquímica e Hematologia Clínicas — Caso Clínico 2017/1/06

BIOQUÍMICA SANGUÍNEA

Amostra: plasma | Anticoagulante: | Hemólise: ausente Data: 17/04/2017 (Dia 0)

Proteínas totais*: 74 g/L (60-80)

Proteínas totais**: g/L (54-78)

Albumina: 36 g/L (21-33) ↑

Globulinas: g/L (26-50)

Bilirrubina total: mg/dL (0,15-0,5)

Bilirrubina livre: mg/dL (_)

Bilirrubina conjugada: mg/dL (_)

Glicose: 123 mg/dL (73-134)

Colesterol total: 81 mg/dL (95-130) ↓

Ureia: 99 mg/dL (32-54) ↑

Creatinina: 3,03 mg/dL (0,8-1,8) ↑

Cálcio: mg/dL (6,2-10,2)

Fósforo: 5,6 mg/dL (2,7-6,2)

Fosfatase alcalina: 32 U/L (<93)

AST: U/L (<43)

ALT: 19 U/L (<83)

CK: U/L (<100)

Triglicerídeos: 50 mg/dL (25-133)

Lipase felina: anormal ( )

: ( )

: ( )

: ( )

Observações: *Proteínas totais determinadas por refratometria; **Proteínas totais determinadas por espectrofotometria.

HEMOGRAMA

Data: 17/04/2017 (Dia 0)

Leucograma Eritrograma

Quantidade: 8.600/µL (5.000-19.500) Quantidade: 7,0 milhões/µL (5-10)

Tipos: Quantidade/µL % Hematócrito: 34 % (24-45) Mielócitos 0 (0) 0 (0) Hemoglobina: 11,2 g/dL (8-15) Metamielócitos 0 (0) (0) VCM: 48,6 fL (40-60) Neutrófilos bast. 0 (<300) (<3) CHCM: 32,9 % (31-35) Neutrófilos seg. 6020 (2.500-12.500) 70 (35-75) RDW: % (17-22) Basófilos 0 (0) 0 (0) Reticulócitos: % (<0,4) Eosinófilos 1.204 (100-1.500) 14 (<12) Observações: Monócitos 258 (<850) 3 (<4) Linfócitos 1.118 (1.500-7.000) ↓ 13 (20-55) ↓

Plasmócitos (_) (_) Observações:

Plaquetas

Quantidade: 260.000/µL (200.000-300.000) | Observações:

TRATAMENTO E EVOLUÇÃO

17/04/2017: Manteve-se a prescrição para uso contínuo de Anlodipina (diidropiridino anti-hipertensivo), adicionou-se ao tratamento pomada de Neomicida (antimicrobiano aminoglicosídeo de amplo espectro) de uso tópico e colar elisabetano para as lesões de pele; Amoxiciclina com Clavulanato de Potássio (antimicrobriano sintético da família das Penincilinas de amplo espectro) para o tratamento de uma possível infecção urinária apontada na urinálise.

26/04/2017: Com a confirmação de linfoma renal foram propostos tratamentos com quimioterápicos intravenosos ou por via oral, no entanto a tutora não os autorizou.

08/05/2017: Prescreveu-se soro Ringer Lactato (RL) subcutâneo 250 mL, duas vezes por semana para controle da desidratação proveniente da doença renal, para fazer em casa. Adicionalmente foi prescrito Metronidazol (antibacteriano e antiparasitário) para possível pancreatite, Cloridrato de Ondansetrona (antiemético) para náuseas e vômitos ocasionadas pelos antibicrobianos e Dipirona Sódica Monoidratada (analgésico e antipirético) em caso de febre.

Página 4 UFRGS | Faculdade de Veterinária | Disciplina de Bioquímica e Hematologia Clínicas — Caso Clínico 2017/1/06

15/05/2017: Manteve-se o tratamento com os antimicrobianos e com Cloridrato de Ondasetrona, uma vez que não houve melhora.

05/06/2017: O paciente teve diminuição do apetite, perda de massa muscular e consequente perda de peso acentuada. Manteve-se a prescrição de RL 500 mL/semana devido a contínua desidratação e de Anlodipina uma vez ao dia. Foi adicionado Cloridrato de Tramadol (analgésico opióide) para quando o paciente apresentasse dor e OGRAX 500 (suplemento nutricional com ácidos graxos essenciais). As lesões de pele apresentaram melhora e cicatrização. O pâncreas apresentava-se normal na US, o que se deve ao provável êxito do tratamento prescrito para pancreatite.

Tabela 1. Variações dos parâmetros bioquímicos, hematológicos e urinários.

Parâmetro avaliado (val. referência) 17/04/2017

Dia 0

08/05/2017

Dia 21

05/06/2017

Dia 49

Bioquímica sanguínea Creatinina (0,8 – 1,8 mg/dL) 3,03 ↑ n.d 6,3 ↑ Ureia (34 -54 mg/dL) 99 ↑ n.d 110 ↑ Fósforo (2,7 – 6,2 mg/dL) 5,6 n.d 6,3 ↑ Albumina (21 – 33 mg/dL) 36 ↑ n.d 37 ↑ ALT (< 83 U/L) 19 n.d 5 Plaquetas (200.000 – 300.000/µL) 260.000 n.d 304.000 ↑ Fosfatase alcalina (< 93 U/L) 32 n.d 32,09 Proteína plasmática total (60 a 80 g/L) 74 n.d 78 Eritrograma Eritrócitos (5 a 10.5 µ/L) 7,0 n.d 5,15

Hemoglobina (8 a 15 g/dL) 11,2 n.d 8,2

Hematócrito (24 a 45 %) 34 n.d 25

V.C.M (39 a 55 fL) 48,6 n.d 50,0

C.H.D.W (31 a 35 %) 32,9 n.d 32,0

Leucograma

Leucócitos totais (5.000 a 19.500 /µL) 8.600 n.d 8.200

Mielócitos (zero) 0 n.d 0

Metamielócitos (zero) 0 n.d 0

N. Bastonetes (0 a 300) 0 n.d 0

N. Segmentados

(2.500 a 12.500) 6.020 n.d 7.380

Eosinófilos (100 a 1.500) 1.204 n.d 82 ↓

Basófilos (raros) 0 n.d 0

Monócitos (0 a 850) 258 n.d 246

Linfócitos (1.500 a 7.000) 1.118 ↓ n.d 492 ↓

Urinálise por cistocentese

Densidade (1,015 – 1,060) 1,006 ↓ 1,006 ↓ 1,008 ↓ Cor (amarela) Incolor ↓ Amarelo-palha Amarelo –claro Aspecto (límpido) Límpido Límpido Límpido

Consistência (fluida) Fluida Fluida Fluida

Glicose (zero) Negativo Negativo Negativo

Bilirrubina Negativo Negativo Negativo

Cetona Negativo Negativo Negativo

Sangue oculto Negativo Traços intactos Negativo

pH 6,0 6,5 6,5

Proteínas Negativo Traços Traços

Urobilinogênio Normal Normal Normal

Página 5 UFRGS | Faculdade de Veterinária | Disciplina de Bioquímica e Hematologia Clínicas — Caso Clínico 2017/1/06

Células escamosas* 0-1 0-1 0-3

Células de transição* 0-2 - -

Células caudatas* - - -

Renais - - -

Leucócitos* Não observado Não observado Não observado

Eritrócitos* Não observado Não observado Não observado

Bactérias 1+ ↑ - -

Relação proteína/creatinina (<0,2) 0,32 ↑ 0,28 ↑ 0,72 ↑

1,07

6,58

0

9,02

1,06

6,07

0,88

7,02

0,51

5,78

0,46

6,97

Pelve renal esquerda /cm

Rim esquerdo/cm

Pelve renal direita/cm

Rim direito /cm

Dia 0 Dia 21 Dia 49

Gráfico 1. Evolução das medidas dos rins avaliadas através de ultrassonografia.

NECROPSIA E HISTOPATOLOGIA

Exame macroscópico Felino, macho, estado de condição corporal regular. Mucosa ocular moderadamente pálida. Cavidade abdominal: Rim direito: acentuadamente aumentado de tamanho (Figura 7), com parênquima totalmente substituído por massa esbranquiçada e macia (Figura 8). Rim esquerdo: área focal, esbranquiçada, macia, se estendendo da pelve ao córtex renal. Estômago: grande quantidade de líquido sanguinolento e coágulos sanguíneos (Figura 9). Na parede, áreas multifocais elevadas, macias e esbranquiçadas medindo aproximadamente 2 cm de diâmetro, apresentando área central de ulceração, medindo cerda de 1 cm de diâmetro (Figura 10). Fígado: moderadamente amarelado e padrão lobular discretamente evidenciado.

DISCUSSÃO

Bioquímica sanguínea Azotemia É definida como o aumento na concentração de compostos nitrogenados não proteicos no sangue, geralmente ureia e creatinina2. Os resultados dos exames indicam um aumento de ureia e creatinina, sendo que a ureia é produzida pelo organismo e é excretada na urina por meio de filtraçãoglomerular17. A excreção da creatinina plasmática só é realizada por via renal, uma vez que ela não é reabsorvida nem reaproveitada pelo organismo7, portanto, no caso desse paciente já pode ser observada a diminuição da taxa de filtração glomerular que causou o quadro de azotemia. Hiperalbuminemia A albumina é a proteína mais abundante no plasma, perfazendo cerca de 50% do total de proteínas. É sintetizada no fígado e contribui com 80% da osmolaridade do plasma sanguíneo, sendo também uma

Página 6 UFRGS | Faculdade de Veterinária | Disciplina de Bioquímica e Hematologia Clínicas — Caso Clínico 2017/1/06

importante reserva proteica, bem como um transportador de ácidos graxos livres, aminoácidos, metais, cálcio, hormônios e bilirrubina. A única causa de aumento de albumina plasmática é a desidratação6.O paciente apresentava poliúria, o que justificaria a desidratação e o aumento da albumina. Hiperfosfatemia

A mensuração de fósforo plasmático evidenciou que o paciente estava em hiperfosfatemia, que é

indicativo de doença renal avançada16, visto que os rins não estão excretando fosfatos adequadamente,

o que leva a retenção do fósforo pela taxa de filtração glomerular reduzida13.

Lipase específica felina É um SNAP Teste ELISA preciso e que não sofre interferências pela presença de bilirrubina, lipídeos e hemoglobina. Atualmente, este é o meio de diagnóstico sorológico considerado mais sensível e específico no diagnóstico de pancreatite, refletindo doença pancreática exócrina resultante de dano nas células acinares com libertação de lipase pancreática no soro11. Porém, não deve ser usada sozinha para fins diagnósticos, pois possui isoenzimas no rim e fígado que podem gerar resultados falsos. O uso de corticosteroides também aumenta a sua presença no soro, devendo-se assim evitar a sua dosagem em pacientes em tratamento com estes fármacos. Visto que seu resultado foi de lipase anormal, para complementar o resultado obtido com o teste laboratorial, foi analisada a US pancreática, que apresentava alterações sugestivas de pancreatite. Com isso, foi prescrito tratamento com antimicrobiano e para acompanhamento terapêutico foi utilizado parâmetros de US listados no Gráfico 1. Na terceira US de avaliação o paciente não apresentava mais alterações morfológicas no pâncreas, dessa forma, acredita-se no sucesso do tratamento, entretanto não foi realizado um novo teste de lipase para confirmação. Hemograma Trombocitose É o aumento na contagem de plaquetas acima do intervalo de referência. A trombocitose pode ser fisiológica, quando ocorre a mobilização das plaquetas do baço e do pulmão, induzida comumente por estresse3. Dessa forma, a trombocitose observada no dia 49, pode ser justificada pelo estresse ao qual o animal foi submetido, principalmente no momento da coleta de sangue e não tem significado para diagnóstico do caso. Leucograma No leucograma não houve alterações significativas, descartando-se a presença de processos inflamatórios ou infeciosos. A linfopenia discreta pode estar associada com a infecção pelo FeLV tornando o indivíduo imunocompetente através de déficits funcionais de linfócitos e neutrófilos. Muitos gatos também terão uma redução numérica dessas linhagens celulares onde 70% dos gatos infectados demonstram linfopenia5. Urinálise Densidade específica urinária (DEU) A hipostenúria apresentada pelo paciente indica redução da DEU abaixo da densidade do plasma (1.008) e está relacionada à perda da capacidade do rim de concentrar urina, que causa urina incolor e revela a perda de aproximadamente 68% do parênquima renal8. Relação proteína/creatinina urinária A concentração urinária de creatinina é proporcional à concentração total de soluto na urina. Por isso, quando a concentração de creatinina excretada na urina é comparada com a quantidade de proteína através da relação proteína/creatinina, a quantidade de proteína perdida através da urina pode ser quantificada¹. Considerando o estadiamento proposto pela International Renal Interest Society9 (IRIS) no que diz respeito ao grau de proteinúria, gatos com relação proteína/creatinina maior que 0,4 são considerados

Página 7 UFRGS | Faculdade de Veterinária | Disciplina de Bioquímica e Hematologia Clínicas — Caso Clínico 2017/1/06

proteinúricos4. Neste caso clínico, a urinálise do dia 0, o paciente apresentou bactérias e células epiteliais, assim, esta relação fica comprometida visto que todas as células presentes no sedimento são contabilizadas como proteínas e assim não há uma verdadeira noção da condição renal do paciente. Nas demais urinálises não foram observadas alterações no sedimento urinário, sendo a relação proteína/creatinina (Tabela 1.) fidedigna a condição renal do paciente, que no final do acompanhamento, apresentou-se proteinúrico.

Citologia Foi realizado um aspirado com agulha fina (FNA) guiado por ultrassonografia no rim direito e o conteúdo do aspirado foi encaminhado para análise em laboratório. A citologia da amostra fornece informações sobre o tipo de população celular e sobre a morfologia de células individuais, que fornece a provável indicação da natureza de um tumor e seu grau de malignidade15. Achados característicos de linfoma renal são linfócitos anormais neoplásicos grandes, com núcleo grande, cromatina dispersa e nucléolos proeminentes. Por citologia não é possível diferenciar os tipos de linfócitos, para isso, é necessário utilizar outras técnicas confirmatórias de tipagem linfocítica, como citoquímica e imunofenotipagem14. FeLV Tem como agente etiológico causal um retrovírus oncogênico denominado de vírus da leucemia felina. Estudos experimentais realizados por um grupo de pesquisadores demonstra que o FeLV é transmitido verticalmente e horizontalmente e que os animais desenvolvem diversas formas de doenças linfoproliferativas ou degenerativas10. O paciente foi retestado no HCV, sendo positivo para FeLV. Linfoma renal O linfoma está entre os tumores mais comuns em felinos e é o mais frequente causado por FeLV. A suspeita de linfoma sempre se baseia no aumento de volume dos órgãos ou em dados anormais de US e seus sinais clínicos estão relacionados ao tecido afetado14. No exame clínico foi verificado o aumento de volume no rim direito mais acentuado que no rim esquerdo. A US revelou a perda de parênquima renal e na citologia a multiplicação homogênea de linfócitos confirma a suspeita de linfoma renal.

Os mecanismos de lesão do vírus da leucemia felina são: disfunção e morte celular e a transformação neoplásica de células linfoides o que provoca linfoma, disfunção dos sistemas de órgãos, tecidos linfoides ou da medula óssea geralmente por atrofia compreensiva das células parenquimatosas, nas quais há proliferação de células neoplásicas e imunossupressão12. A doença renal crônica possivelmente veio a ocorrer pela perda de estrutura das células parenquimatosas do rim. Devido ao linfoma houve proliferação de células neoplásicas, resultando no aumento de tamanho e assim comprimindo as estruturas funcionais do rim responsáveis pela filtração. Não se descarta a possibilidade da ocorrência de neoplasias malignas de origem linfoide em outros tecidos, não identificáveis por US ou raio-X, portanto, o linfoma encontrado no rim direito pode ser de origem metastática. Não foi realizada citologia do rim esquerdo, logo, não se pode afirmar que o aumento do volume não está relacionado com a presença de linfoma18.

CONCLUSÕES

Tendo em vista os resultados discutidos nesse trabalho, é sugerido que o aumento renal, as alterações bioquímicas e os exames adicionais estão correlacionados ao linfoma renal que está possivelmente associado ao FeLV.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. BRUNKER, J. Protein Losing Nephropaty. Comp. Cont. Educ. Pract. Vet., v. 27, p. 686-695, 2015.

2. ETIINGER, J. S.; FELDMAN, E. C. Tratado de Medicina Interna Veterinária. 5. ed. Rio de Janeiro:

Guanabara Koogan, cap. 167, p. 1686, 2004.

Página 8 UFRGS | Faculdade de Veterinária | Disciplina de Bioquímica e Hematologia Clínicas — Caso Clínico 2017/1/06

3. ETIINGER, J. S.; FELDMAN, E. C. Tratado de Medicina Interna Veterinária. 5. ed. Rio de Janeiro:

Guanabara Koogan, cap. 179, p. 1922, 2004.

4. FINCO D. Urinary protein loss. In: Osborne C.A. & Finco D.R. (Eds) Canine and Feline Nephrology and

Urology. Lea and Febiger, Baltimore. p. 211- 215, 1995.

5. GLEICH, S.; HARTMANN, K. Hematology and serum biochemistry of feline immunodeficiency virus-

infected and feline leukemia virus-infected cats. Journal of Veterinary Internal Medicine, Lawrence,

v. 23, n. 3, p. 552-558, 2009.

6. GONZÁLEZ, F. H. D.; SILVA, S. C. Introdução a Bioquímica Clínica Veterinária. 2.ed. Editora UFRGS,

Porto Alegre, cap. 8, p. 318, 2006.

7. GONZÁLEZ, F. H. D.; SILVA, S. C. Introdução a Bioquímica Clínica Veterinária. 2.ed. Editora UFRGS,

Porto Alegre, cap. 8, p. 322 – 323, 2006.

8. GONZÁLEZ, F. H. D.; SILVA, S. C. Introdução a Bioquímica Clínica Veterinária. 2.ed. Editora UFRGS,

Porto Alegre, cap. 8, p. 346 - 347, 2006.

9. INTERNATIONAL RENAL INTEREST SOCIETY. IRIS Staging of CKD. Disponível em: < http://www.iris-

kidney.com/pdf/3_staging-of-ckd.pdf >. Acesso em: 07 jul. 2017.

10. MACKEY L.J. et al. An experimental study of virus leukemia in cats. J. Nat. Cancer lnst., v. 48, p. 1663-

1670, 1972.

11. MCCORD, K. et al. A Multi-Institutional Study Evaluating the Diagnostic Utility of the Spec cPL and

SNAP cPL in Clinical Acute Pancreatitis in 84 Dogs. J. Vet. Intern. Med., v. 26, p. 888 -889, 2012.

12. MCGAVIN, M.D.; ZACHARY, J. F. Bases da patologia veterinária. 2.ed. Elsevier, Rio de Janeiro, cap. 4,

p. 223, 2013.

13. MCGAVIN, M.D.; ZACHARY, J. F. Bases da patologia veterinária. 2.ed. Elsevier, Rio de Janeiro, cap. 13,

p. 715, 2013.

14. MCGAVIN, M.D.; ZACHARY, J. F. Bases da patologia veterinária. 2.ed. Elsevier, Rio de Janeiro, cap. 13,

p. 729 - 731, 2013.

15. MORRIS, J.; DOBSON, J. Oncologia em Pequenos Animais. 1.ed. Roca, São Paulo, cap. 2, p. 15 - 16,

2007.

16. SCHMITT, C. Insuficiência renal crônica em felinos: relato de caso. Monografia (Especialização) -

Curso de Medicina Veterinária, Graduação e Pós Graduação em Clínica Médica de Pequenos Animais,

Universidade Federal Rural do Semi-árido, Porto Alegre, 2009.

17. THRALL, M. A. Hematologia e bioquímica clínica veterinária. 1.ed. Roca, São Paulo, cap. 21, p. 285,

2006.

18. VALLI, V.E.; BIENZLE, D.; MEUTEN, D.J. Tumors of the Hemolymphatic System. In: MEUTEN, D.J.

Tumors in Domestic Animals. 5.ed. John Wiley & Sons, cap. 7, p. 265, 2017.

Página 9 UFRGS | Faculdade de Veterinária | Disciplina de Bioquímica e Hematologia Clínicas — Caso Clínico 2017/1/06

FIGURAS

Figura 1. Estadiamento de proteinúria renal. Interpretações para a relação proteína/creatinina e determinação de proteinúria em felinos. (© 2017 http://www.iris-kidney.com/)

Figura 2. Lesões de pele do olho esquerdo. Lesões com alopecia e crostas ao redor do olho esquerdo em fase de cicatrização.

Figura 3. Vista ventral do paciente. A) Aumento anormal no flanco direito, região onde se encontra o rim direito . B)Lesões de pele em fase de cicatrização.

Figura 4. Ultrassonografia do pâncreas . Áreas com ecotextura levemente heterogênea e ecogenicidade aumentada. Segmento do ramo esquerdo aumentado. (© 2017 Fabíola Mello)

Página 10 UFRGS | Faculdade de Veterinária | Disciplina de Bioquímica e Hematologia Clínicas — Caso Clínico 2017/1/06

Figura 5. Ultrassonografia dos rins. Rins assimétricos, com dimensões aumentadas e contornos irregulares. Região cortical e medular com aumento da ecogenicidade e perda de definição na junção corticomedular. (© 2017 Fabíola Mello)

Figura 6. Citologia de aspirado do rim direito. Coloração de Panótico Rápido; objetiva de 100X . Fundo de lâmina denso discretamente basofílico, com grande quantidade de corpúsculos linfoglandulares e restos de núcleos de células rompidas, além de moderada quantidade de eritrócitos. Presença de linfócitos pequenos, médios e grandes, com citoplasma discreta a moderadamente basofílico, por vezes vacuolizado, núcleos arredondados e paracentrais, com cromatina frouxa e nucléolos evidentes. (© 2017 Naila Cristina Blatt Duda)

Figura 7. Abertura de cavidade abdominal. Aumento acenturado do rim direito em relação ao rim esquerdo. Órgãos em estado inicial de autólise (coloração acinzentada). (© 2017 Saulo Petinatti Pavarini)

Figura 8. Rins ao corte. Rim direito aumentado com parênquima totalmente substituido por massa esbranquiçada e macia; Rim esquerdo com área focal esbranquiçada e macia, estendendo-se da pelve ao córtex renal. (© 2017 Saulo Petinatti Pavarini)

Página 11 UFRGS | Faculdade de Veterinária | Disciplina de Bioquímica e Hematologia Clínicas — Caso Clínico 2017/1/06

Figura 9. Exame macroscópico de estômago. Estômago com grande quantidade de líquido sanguinolento e coágulos sanguíneos. (© 2017 Saulo Petinatti Pavarini)

Figura 10. Exame macroscópico de estômago. Após abertura, áreas multifocais elevadas com área central ulcerada na parede estomacal. (© 2017 Saulo Petinatti Pavarini)