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1 RELATÓRIO DA PESQUISA QUANTITATIVA EM NOVE COMUNIDADES QUILOMBOLAS DE SANTARÉM, PARÁ O Território: Baixo Amazonas As Comunidades: Arapemã; Bom Jardim; Murumuru; Murumurutuba; Nova Vista; São José; São Raimundo; Saracura, Tiningú O Município: Santarém PROJETO BRASIL LOCAL ETNODESENVOLVIMENTO E ECONOMIA SOLIDÁRIA 2013

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RELATÓRIO DA PESQUISA QUANTITATIVA EM NOVE COMUNIDADES QUILOMBOLAS DE SANTARÉM, PARÁ

O Território:

Baixo Amazonas

As Comunidades:

Arapemã; Bom Jardim; Murumuru; Murumurutuba; Nova Vista; São

José; São Raimundo; Saracura, Tiningú

O Município:

Santarém

PROJETO BRASIL LOCAL ETNODESENVOLVIMENTO E

ECONOMIA SOLIDÁRIA

2013

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Presidência da República Dilma Vana Rousseff Linhares Ministério do Trabalho e Emprego Manoel Dias Secretário Nacional de Economia Solidária - SENAES Paul Israel Singer Secretário Adjunto Roberto Marinho Alves da Silva Diretor do Departamento de Estudos e Divulgação - DEAD Valmor Schiochet Diretor do Departamento de Fomento à Economia Solidária DEFES Manoel Vital de Carvalho Filho Coordenador-Geral de Promoção e Divulgação - CGDIV Regilane Fernandes da Silva Coordenador-Geral de Estudos - CGEST Coordenador-Geral de Fomento à Economia Solidária CGFES Ary Moraes Pereira Coordenador-Geral de Comércio Justo e Crédito - CGCOJ Antônio Haroldo Pinheiro Mendonça

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A EQUIPE DO PROJETO ETNODESENVOLVIMENTO E ECONOMIA SOLIDÁRIA DO

PROGRAMA BRASIL LOCAL DA SECRETARIA NACIONAL DE ECONOMIA SOLIDÁRIA DO

MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO

EXECUTIVA NACIONAL:

Prof. Sidney Lianza – coordenação geral

Sandra Mayrink Veiga — coordenação executiva, da pesquisa-ação e material de formação

Ronaldo Santos – coordenação executiva e logística

Quener Chaves dos Santos – coordenação executiva

Diogo Alvim – coordenação de PMA

Sandro Rogério do Nascimento – coordenação da gestão

Claudia Aguiar – coordenação de sistematização

ASSESSORIAS

Professor Michel Thiollent – assessor metodológico à pesquisa-ação

CONSULTORES

Marina Sidrim Teixeira – sistematização e redação do censo

Luiz Marcelo Carvano – processamento dos dados

ARTICULADORES/COORDENADORES(AS) TERRITORIAIS

Bahia: Diego de Jesus Silva

Espírito Santo: Kátia Santos Penha

Goiás: Eriene Santos Rosa

Maranhão: Francinete (Fran) Pereira da Cruz

Minas Gerais: Sandra Maria da Silva Andrade

Pará: Aldo Corrêa Lima

Pernambuco: Rozeane Mendes

Rio de Janeiro: Sinei Barreiros Martins

Rio Grande do Sul: José Alex Borges Mendes

São Paulo e Paraná: Oriel Rodrigues

AGENTES

Adilson Oliveira Silva; Angélica Souza Pinheiro; Antônio Carlos Andrade Pereira; Cícero

Andrade Silva; Claudemir Silveira dos Santos; Clausete Souza do Rosário; Cristiano de Jesus

Braga; Danúbia Neres Moraes; Dayane Cordeiro Barbosa; Domingas Natalia dos Santos Rosa;

Edson Silva Campos; Franciney Oliveira de Jesus; Francisco Edeltrudes Moreira; Geanis Cosme

dos Santos; Giuliana do Nascimento Modesto; Iricleide Costa Coelho; Ivonete Alves da Silva

Pupo; Jaime Mota Santos; Joana Angélica da Silva; Karina Cordeiro Barbosa; Lisiane Borges

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Goulart; Luan Carlos dos Santos Pinto; Luiz Santos Paixão; Maica Tainara Prestes Soares;

Nigiane Araújo Alves; Sonia Aparecida Batista de Abreu; Suzivânia Soares da Costa; Tererzinha

Aparecida Lopes Paim; Terezinha de Jesus Coelho.

Voluntários no Pará

Juliane Maria Rocha da Silva, Fátima Corrêa da Silva, Risoelcy Mota Pinto, Raicleudson dos

Santos Lima, Elen Guimarães dos Santos, Tamara Tereza Coelho dos Santos, Antônio Lages,

Marluce Costa Coelho

BOLSISTAS

Camila Correa Felix

Rejane Babo da Silva

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FICHA TÉCNICA

ORGANIZAÇÃO

Sandra Mayrink Veiga

EQUIPE DE PESQUISA DE CAMPO

COORDENADOR TERRITORIAL

Aldo Lima

AGENTES

Jaime Mota Santos Iriclei Costa Coelho

Franciney Oliveira de Jesus

VOLUNTÁRIOS Juliane Maria Rocha da Silva

Fátima Corrêa da Silva Risoelcy Mota Pinto

Raicleudson dos Santos Lima Elen Guimarães dos Santos

Tamara Tereza Coelho dos Santos Antonio Lages

Marluce Costa Coelho

SISTEMATIZAÇÃO E REDAÇÃO

Sandra Mayrink Veiga Marina Sidrim Teixeira

PROCESSAMENTO

Luiz Marcelo Carvano

GESTÃO Sandro Rogério do Nascimento

DIAGRAMAÇÂO E ARTE FINAL

Sandro Rogerio do Nascimento

FOTOGRAFIAS Sandra Mayrink Veiga

Sandro Rogerio do Nascimento

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SUMÁRIO

1. APRESENTAÇÂO SOBRE O TERRITORIO

1.1 AS DESCRIÇÕES HISTÓRICAS ESCRITAS PELOS QUILOMBOLAS

2. INTRODUÇÃO A PESQUISA

2.1 OBJETIVOS DA PESQUISA

2.2 O CENSO

2.3 O LEVANTAMENTO DOS DADOS

2.4 PROCESSAMENTO E ANÁLISE DOS DADOS

3. CONTEÚDO DESTE RELATÓRIO

I. PERFIL DOS MORADORES DOS DOMICÍLIOS

II. ASPECTOS RELATIVOS Á MORADIA

III. ASPECTOS RELATIVOS ÁS COMUNIDADES

Situação do processo de titulação Atividades econômicas desenvolvidas na comunidade Condições de vida na comunidade Avaliação das condições de vida em itens selecionados Aspectos avaliados como problemáticos Participação em atividades selecionadas existentes na comunidade Satisfação com a vida na comunidade Associações quilombolas: local e nacional

IV. ASPECTOS RELATIVOS A EMPREGO, TRABALHO E RENDA

Habilidades ou profissões identificadas entre os entrevistados e seus familiares Negócio próprio

V. ASPECTOS RELATIVOS A ALGUNS HÁBITOS DOS ENTREVISTADOS

Religião professada pelo entrevistado

Recursos acionados pelos entrevistados quando adoecem

Produtos consumidos pelos entrevistados

VI. ASPECTOS RELATIVOS Á IDENTIDADE, Á DISCRIMINAÇÃO E AOS CONFLITOS

Sentimento de pertencimento Tolerância com a diferença Relações de vizinhança e conflitos

CONCLUSÃO

ANEXO I Plano Territorial de Etnodesenvolvimento, Economia Solidária e Políticas Públicas

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“Tavares Bastos, em O vale do Amazonas, editado

em 1866, registrou no Baixo Amazonas escravos

fugidos e agrupados nos denominados mocambos,

que comercializavam às escondidas com os

regatões que subiam o rio Trombetas ou vinham

intercambiar produtos no ´próprio porto de

Óbidos´”. (ALMEIDA, 1994)

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APRESENTAÇÃO SOBRE O TERRITORIO

Equipe do projeto

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O TERRITÓRIO BAIXO AMAZONAS

“Na região do Pará conhecida como Baixo Amazonas encontram-se cerca

de 60 comunidades remanescentes de quilombos localizadas nos

municípios de Oriximiná, Óbidos, Santarém, Alenquer e Monte Alegre.

(...) Os quilombolas dessa região foram pioneiros na luta para fazer valer os

direitos assegurados na Constituição de 1988. Foi no Baixo Amazonas que

ocorreu a primeira titulação de terra de quilombo no país. No ano de 1995, a

comunidade de Boa Vista, localizada no município de Oriximiná, recebeu do

INCRA o título de suas terras.

Entre 1995 e 2005, outras 28 comunidades desta região tiveram suas terras

tituladas, abarcando aproximadamente 1.161 famílias. A área titulada no

Baixo Amazonas soma 386.488,05 hectares, o que representa 43% da

dimensão total de terras de quilombo tituladas no Brasil”

(http://www.cpisp.org.br/comunidades/html/brasil/pa/pa_comunidades_amazonas.html).

Um pouco da história do território

A história dos quilombos do Baixo Amazonas começa por volta de 1780, com o início do cultivo

do cacau e a criação de gado em grandes fazendas na região de Santarém e de Óbidos. O

crescimento econômico tornou essa região uma das mais importantes na Província do Grão-

Pará nesta época.

Uma grande quantidade de escravos africanos foi trazida para trabalhar nessas fazendas. Os

historiadores acreditam que esses escravos eram originários da região da África conhecida

como Congo-angolana, sendo na sua maioria da etnia “banto”.

Os quilombos foram formados já nas primeiras décadas da implantação das fazendas. Os

registros de fugas foram publicados diversas vezes em jornais, como no “Baixo Amazonas”.

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Os escravos buscavam o rio à noite, subindo para as cabeceiras dos afluentes do Amazonas,

para o alto dos rios, acima das cachoeiras. A escolha do lugar era estratégica. Priorizavam

áreas onde a captura fosse difícil. Mas preocupavam-se também em encontrar um local onde

fosse possível praticar a agricultura para a sua subsistência e para um pequeno comércio.

Vale destacar, que o contato dos quilombolas com a sociedade não era marcado apenas pela

repressão. Os quilombos eram também visitados por religiosos, por cientistas e por comerciantes.

Pescador da várzea

Durante todo o período da escravidão, os quilombolas comercializaram seus produtos

agrícolas diretamente com os comerciantes nas cidades da região (como Óbidos) ou com os

regatões que subiam os rios em direção aos quilombos. Os quilombolas produziam

mercadorias importantes para o comércio local, como a mandioca, o tabaco, o cacau e

algumas "drogas do sertão".

O planalto

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Desta maneira, os quilombolas se inseriram nas sociedades locais, constituindo redes de

solidariedade e conquistando sua autonomia.

Os anos passaram e as comunidades quilombolas atuais vivem outro momento, mas sempre

em busca da tão sonhada liberdade e igualdade de direitos. Hoje a luta não é mais para fugir

dos senhores de escravos, mas para permanecer e garantir seu direito à terra e ter acesso aos

recursos para nela poder trabalhar.

No entanto, um ponto é necessário para compreender todo esse processo de organização que se

dá com a história de organização dessas comunidades quilombolas, que aqui tratamos a seguir.

A história da organização das comunidades quilombolas de Santarém iniciou-se em 1999,

quando seis lideranças de comunidades quilombolas desse município participaram do I

Encontro de Comunidades Negras em Pacoval / Alenquer – PA. A partir deste ano as lideranças

passaram a se organizar e a se articular. Dessa forma, em 2003 foi criada a Comissão de

Articulação das Comunidades Quilombolas de Santarém, que naquele momento contava com a

adesão de seis comunidades de remanescentes de quilombo, possuindo um corpo diretor

provisório que lutava principalmente pela regularização fundiária e auto reconhecimento das

comunidades. Três anos depois, em 2006, foi criada a Federação das Organizações

Quilombolas de Santarém – FOQS, tendo como objetivos: congregar as associações

quilombolas de Santarém/PA; contribuir para a titulação de suas terras; exigir a implantação

de políticas públicas específicas para essas comunidades e defender e propagar os direitos dos

afrodescendentes e das minorias oprimidas.

Legalmente constituída, a FOQS congrega atualmente dez comunidades quilombolas,

perfazendo um total de 5.000 pessoas (1.0000 famílias): na área de várzea - Arapemã;

Saracura; Nova Vista do Ituquí; São José do Ituquí; São Raimundo do Ituquí; na área urbana -

Pérola do Maicá e na área do planalto - Bom Jardim; Murumurutuba; Murumuru e Tiningú.

No planalto

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Na várzea

Na várzea

A nova geração

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A FOQS apoia comunidades quilombolas dos municípios de Monte Alegre/PA e Almerim/PA,

sendo que nesse último recentemente foram auto reconhecidas três comunidades da região

do Lago Grande próximas à Santarém.

Ordinariamente, às segundas-feiras, a sua diretoria se reúne juntamente com lideranças das

comunidades que a compõem e, em consonância com as ações do governo federal, propostas

pelo Programa Brasil Quilombola, vem traçando suas estratégias para conseguir a implantação

das políticas públicas para essas comunidades. Para o triênio de 2009-2011, apresentou as

seguintes prioridades: regularização fundiária; educação; saúde e gênero.

Com o apoio da Fundação Ford desenvolveu o projeto de Fortalecimento Institucional dos

Quilombos de Santarém, que fez a formação das diretorias das associações. Apoiou de 2003 a

2008 o projeto ARPEQUIM - Aproveitamento dos Recursos Pesqueiros Excedentes para

Sustentabilidade das Comunidades Quilombolas, desenvolvido pela FIOCRUZ/ Amazonas, que

tinha como objetivos: promover o conhecimento, valorização, utilização produtiva e comercial

dos recursos pesqueiros, alimentos regionais e seus derivados entre as comunidades

quilombolas de Santarém, gerando melhoria da qualidade de vida e da economia local. Desde

2009 vem desenvolvendo com o apoio do Fundo Brasil de Direitos Humanos – FBDH os

projetos Terra de Negro - “Capacitação em direitos territoriais e fortalecimento das

comunidades quilombolas de Santarém” e Terra de Negro 02 – “Qualificação em Direitos

Territoriais e Fortalecimento das Comunidades Quilombolas de Santarém, Monte Alegre e

Alenquer no Pará” que tem como objetivo qualificar jovens e lideranças quilombolas para o

conhecimento dos dispositivos jurídicos que tratam da identidade e da regularização fundiária

dos territórios quilombolas.

Além desses projetos a FOQS também foi reconhecida em 2009, como Ponto de Cultura,

intitulado de Ponto de Cultura Kizomba, apoiada pelo Ministério da Cultura e a Secretaria de

Cultura do estado do Pará. Muitos outros projetos de mobilizações de lideranças foram

realizados ao longo do tempo desde sua criação, totalizando em 29 projetos aprovados e

executados até o presente momento.

A FOQS ainda realiza anualmente o Encontro das Comunidades Negras de Santarém, que

neste ano realizou sua 12ª edição, onde são desenvolvidas diversas atividades de formação

através de seminários e oficinas, sendo sua realização na semana do Dia da Consciência Negra,

20 de Novembro.

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As Descrições Históricas

Passamos agora às descrições históricas escritas pelos quilombolas que participaram como

pesquisadores do censo.

“Experiências novas ampliam constantemente as imagens antigas e no final

exigem e geram novas formas de compreensão. A memória gira em torno

da relação passado-presente, e envolve um processo contínuo de

reconstrução e transformação das experiências lembradas, em função das

mudanças nos relatos públicos sobre o passado. Que memórias escolhem

para recordar e relatar (e, portanto, relembra), e como damos sentidos a

elas são coisas que mudam com o passar do tempo. (...) Esse sentido supõe

uma relação dialética entre memória e identidade. Nossa identidade (ou

“identidades”, termo mais apropriado para indicar a natureza multifacetada

e contraditória da subjetividade) é a consciência do eu que, com o passar

do tempo, construímos através da interação com outras pessoas e com

nossas próprias vivências. Construímos nossa identidade através do

processo de contar história, para nós mesmos – como histórias secretas ou

fantasias – ou para outras pessoas, no convívio social” (THONSON, 1997).

Descrição Histórica da Federação das Organizações Quilombolas de Santarém – FOQS

Aldo Lima*

*Coordenador Territorial do Projeto Etnodesenvolvimento e Economia Solidária

Eu sou Aldo Luciano Corrêa de Lima, 33 anos, natural da cidade de Primavera, interior do Pará,

a 260 kms da capital, Belém. Aos seis anos fui residir na capital paraense e aos 23 anos voltei

para o interior do estado, só que agora para o município de Santarém.

Santarém é o maior município do Pará depois da capital, Belém. Possui mais de 280 mil

habitantes, está localizado na região oeste do Pará e é banhado pelos rios Amazonas e

Tapajós. É em Santarém que ocorre o encontro das águas desses dois rios.

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O encontro das águas do rio Amazonas com o rio Tapajós

A região oeste do Pará é rica em comunidades quilombolas, aproximadamente 106 quilombos,

que se constituíram a partir do processo de escravidão do negro ao longo do rio Amazonas.

A história da organização das comunidades quilombolas de Santarém iniciou-se em 1999

quando seis lideranças de comunidades quilombolas desse município participaram do I

Encontro de Comunidades Negras em Pacoval / Alenquer – PA. Este encontro foi promovido

pelo Programa Raízes do estado do Pará para discutir a questão étnica racial

principalmente indígena e quilombola. A partir deste ano as lideranças passaram a se

organizar e se articular. Dessa forma, em 2003, foi criada a Comissão de Articulação das

Comunidades Quilombolas de Santarém que naquele momento contava com a adesão de

seis comunidades de remanescentes de quilombo, que possuiu um corpo diretor provisório

que lutava principalmente pela questão da regularização fundiária começando pela

realização da declaração de auto reconhecimento das comunidades quilombolas de

Santarém junto à Fundação Palmares, que era o primeiro passo do processo.

Três anos depois, em 2006, houve a necessidade de tornar jurídica a organização, a partir de

então foi criada a Federação das Organizações Quilombolas de Santarém – FOQS no dia 10 de

março do referido ano, que hoje atende diretamente as 10 comunidades de remanescentes de

quilombos em Santarém a seguir: Arapemã, Bom Jardim, Murumuru, Murumurutuba, Nova Vista

do Ituqui, Pérola do Maicá, Saracura, São José do Ituqui, São Raimundo do Ituqui e Tiningú.

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FEDERAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES QUILOMBOLAS

DE SANTARÉM

C.N.P.J. 08.214.717/0001.48

Tv. Silvério Sirotheau Corrêa, 1331 – Aldeia – CEP 68040-020

Fone / fax: (93) 3529-0359

Santarém – Pará

[email protected]

______________________________________________________________________

A FOQS tem como objetivo congregar as organizações quilombolas de Santarém; contribuir

para a titulação das terras quilombolas; exigir a implantação de políticas públicas

específicas para os quilombolas e defender e propagar os direitos dos afrodescendentes e

das minorias oprimidas.

Atualmente a FOQS é constituída pelas seguintes associações: Associação Comunitária de

Remanescentes de Quilombo de Arapemã – ACREQARA, Associação de Remanescentes de

Quilombo de Bom Jardim – ARQBOMJA, Associação de Remanescentes de Quilombo de

Murumuru – ARQMU, Associação de Quilombola de Murumurutuba – AQMUS, Associação de

Remanescentes de Quilombo de Nova Vista do Ituqui, Associação de Moradores

Remanescentes do Quilombo de Arapemã Residentes no Maicá – AMRQARM, Associação

Comunitária de Remanescentes de Quilombo de Saracura – ACREQSARA, Associação de

Remanescentes de Quilombo de São José do Ituqui, Associação de Remanescentes de

Quilombo de São Raimundo do Ituqui, Associação de Remanescentes de Quilombo de

Tiningu – ARQTININGU.

A FOQS, hoje, possui como projetos em desenvolvimento:

1) o “Terra de Negro: Qualificação em Direitos Territoriais e Fortalecimento das Comunidades

Quilombolas de Santarém”, que tem como objetivo qualificar lideranças e jovens quilombolas

em direitos territoriais para que os mesmos possam fazer o monitoramento dos processos de

regularização fundiária que estão tramitando na superintendência regional do Instituto

Nacional de Regularização e Reforma Agrária de Santarém – INCRA/ SR-30.

2) Em 2009 tornou-se Ponto de Cultura reconhecido pelo Ministério da Cultura através de um

edital da Secretaria de Estado de Cultura – SECULT, o ponto tem como objetivo fortalecer e

democratizar as manifestações culturais das comunidades quilombolas de Santarém.

3) A FOQS participa ainda deste projeto, Etnodesenvolvimento e Economia Solidária que conta com

uma coordenação estadual e 10 agentes locais (3 contratados e 07 voluntários). Esse projeto veio,

ao menos para a o estado do Pará, despertar as comunidades quilombolas para esta temática.

Acredito que com o projeto foi possível identificar o potencial de desenvolvimento econômico

solidário, no entanto o fortalecimento dessas práticas e o fortalecimento mais teórico desse tema

se fazem necessários.

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Politicamente a FOQS participa da Coordenação das Associações das Comunidades de

Remanescentes de Quilombo do Pará, organização estadual, onde se criou um conselho

regional que funciona na mesma sede da FOQS e possui como objetivo articular as demais

comunidades quilombolas do Baixo Amazonas que estão presentes em mais seis municípios, a

saber: Óbidos, Oriximiná, Alenquer, Monte Alegre, Almeirim e Prainha.

É ainda coordenadora dos pontos de cultura da região do Baixo Amazonas na Comissão

Paraense de Ponto de Cultura.

O Município de Santarém

E, para ilustrar mais o perfil do município onde estão localizados os quilombos, vale ressaltar

que o município de Santarém/PA, principal polo urbano da região Oeste do Pará, segundo

dados do IBGE tem uma população de 262.672 e, deste total, 29% vivem na zona rural, com

uma taxa de crescimento populacional de 1,99% (IBGE 2000). Entretanto, nos últimos anos,

esta taxa tem aumentado em virtude da chegada de muitos agricultores da região Sul e Centro

Oeste do país, atraídos pela construção do porto de exportação de soja instalado na cidade e

pela possibilidade do asfaltamento da BR 163 que liga as cidades de Santarém e Cuiabá no

Mato Grosso. Santarém apresenta uma renda per capta de R$ 139,90 e o Setor Terciário,

comércio e serviços, é responsável por 89% dos empregos do município e é basicamente

formado por empresas de micro e pequeno porte.

Madeira esperando ser exportada

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Vista de Santarém no ponto oposto ao porto da Cargil

Com relação ao potencial econômico, o município é um grande produtor de madeira. Porém,

praticamente toda a produção, grandemente ilegal, é direcionada à exportação de madeira bruta.

O agronegócio é voltado para a produção da soja que a cada dia se afirma mais na região,

iniciando um processo de choque com os defensores da agricultura familiar e entidades

ambientalistas. Foi criado um porto para escoar a produção e os grandes navios fazem

enormes marolas que estão provocando o fenômeno das chamadas “terras caídas” que é o

desmoronamento das terras da várzea que caem para dentro do rio provocando o

surgimento de bancos de terra que tornam a navegação das pequenas embarcações mais

perigosa além da diminuição das terras dos quilombolas da várzea.

Terminal da Cargil para escoamento da soja.

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Os grandes navios

“Terras caídas” na várzea

Enquanto se exporta muita soja causando sérios impactos ambientais, Santarém possui esgoto

aberto que se mistura com as águas pluviais na grande maioria das ruas. O processo de

urbanização sem planejamento algum trouxe o caos urbano.

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Santarém capital do município de Santarém

Centro de Santarém, capital do município de Santarém.