relatÓrio da monitoria 2 - de 2011.1

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DANILO LEONI GUEDES NOGUEIRA

PROGRAMA DE MONITORIA

RELATRIO DO MONITOR

CORRENTE PI JUNHO / 2011

Conselho Editorial Danilo Leoni Guedes Nogueira

Capa: Danilo Leoni Guedes Nogueira Projeto Grfico: Danilo Leoni Guedes Nogueira Reviso Metodolgica: Danilo Leoni Guedes Nogueira Reviso Gramatical: Danilo Leoni Guedes Nogueira Fotolito e Impresso: Editora e Grfica Irmos Ribeiro

Endereo para correspondncia Rua Desembargador Edgar Nogueira, 88 Bairro Centro / Corrente PI CEP: 64 980-000 [email protected]

Nogueira, Danilo Leoni Guedes. Programa de monitoria: relatrio do monitor./ Nogueira, Danilo Leoni Guedes. - Corrente, PI: Editora e Grfica Irmos Ribeiro, 2011.

Orientador: Cristiano Roberto Brasileiro da Silva Passos. Trabalho acadmico (relatrio) Faculdade do Cerrado Piauiense FCP 2011. 1. Relato das atividades desenvolvidas no perodo de 2011, no mbito da monitoria de Introduo ao Estudo do Direito, pelo acadmico do III bloco do Curso de Bacharelado em Direito da Faculdade do Cerrado Piauiense, Danilo Leoni Guedes Nogueira, nomeado monitor pela PORTARIA-DG-FCP N 005/2011.

DANILO LEONI GUEDES NOGUEIRA

PROGRAMA DE MONITORIA: RELATRIO DO MONITOR

Relatrio acadmico apresentado Faculdade do Cerrado Piauiense FCP, como requisito para concluso das atividades propostas no mbito da monitoria da disciplina Introduo ao Estudo do Direito.

Avaliado em ____/____/____

CORREO e AVALIAO

__________________________________ Professor Cristiano Roberto Brasileiro da Silva Passos ORIENTADOR E EXAMINADOR

________________________________ Danilo Leoni Guedes Nogueira MONITOR

Aos meus pais, familiares, professores e amigos, pelo apoio e compreenso e a Deus, pelos dons da vida, da persistncia e da pacincia. E de forma especial, ao meu orientador, Prof. Cristiano Brasileiro e turma do I bloco de Direito 2011.1.

Cultivo uma rosa branca em julho como em janeiro, para um amigo verdadeiro que me estenda a sua mo franca

E para o mau que me arranca O corao com que vivo, Cardo ou urtiga no cultivo: Cultivo uma rosa branca.

Jos Mart

V

PREFCIO DO PRIMEIRO RELATRIO

Assim como um animal sedento vem s fontes matar sua sede pelo lquido vital, vm tambm os que principiam no estudo do Direito, buscar conhecimento para tirar-lhes a confuso, que se deparar com a linguagem multimilenar do Jus. Este relatrio espcie do gnero paixo pelo Direito, pois louco me lano em busca de entendimento das mais diversas interpretaes que se lhe apregoam, assim como estivesse num universo qual, s em Direito as coisas se explicassem, onde o fato, o valor e a norma compusessem a frente de um nexo de existncia. Com ensejo nessa mxima de tudo se converter em Direito, nessa fantasia, lembro-me que preciso escrever, h, ler tambm importante. Somos todos, resultado do que fica como atitude, porque os ossos e a carne so frgeis ao tempo, tem-se que buscar um estilo prprio de agir no mundo do direito construindo algo que fique para posteridade, e nesse intento, tambm que redigi este relatrio, para contar das atitudes que vi, adotei e aprovei no mbito da atuao como Monitor. J tem largo alcance as palavras do professor Celso Barros Coelho, doutrinando que o escritor vive na sua obra. E esta fala por ele, ele ensina atravs dela. Eis a o real sentido da imortalidade: mesmo fisicamente morto, continuar ensinando aos vivos. Aos acadmicos que esto cursando a disciplina Introduo ao Estudo do Direito, que visitam a Faculdade de Direito para dar os primeiros passos em busca de sua realizao profissional, vo aqui os incentivos do Monitor.

Corrente, 28 de novembro de 2010. O AUTOR

VIINTRODUO

TODO O SENTIMENTOPretendo descobrir No ltimo momento Um tempo que refaz o que desfez. Que recolhe todo o sentimento E bota no corpo outra vez. Chico Buarque e Cristvo Bastos

A Introduo ao Estudo do Direito uma disciplina destinada, sobretudo aos que se iniciam no estudo do Direito para permitir-lhes uma viso de conjunto, uma espcie de viagem ao redor do mundo do Direito, para informao e formao do futuro jurista1. Disso resultou que muitos alunos no compreendem de imediato a razo de ser dessa disciplina, por faltar-lhe um campo autnomo e especfico de pesquisa, e apresentaram dvidas. Este relatrio procura exp-las didaticamente e refletir acerca de seu sentido e alcance. O presente volume contm a tentativa de elaborao de uma Parte Geral da Introduo ao Estudo do Direito, sistematizando e consolidando ideias desenvolvidas de maneira esparsa ao longo dos anos. Aproveito a nota introdutria para lanar rapidamente o olhar para trs e fazer algumas coisas importantes, que a pressa da vida vai sempre deixando para depois: recordar alguns episdios, compartilhar realizaes, registrar afetos e agradecer. Um breve depoimento, na primeira pessoa2.

I

A HISTRIA RECENTE

Descobri o Direito em meu mais intimo existencial, e no foi por acaso que estou a estud-lo, se bem me lembro, desde 2008 eu tento ingressar numa faculdade, tentei a UFPI (Universidade Federal do Piau) e a UESPI campus Torquato Neto em Teresina-PI e no consegui ser aprovado para Direito. Em 2010, ingressei no curso de Direito da FCP Faculdade do Cerrado Piauiense e, pouco frente, apaixonei-me pela Introduo ao Estudo do Direito. Um bom comeo. E no mesmo ano j no segundo semestre surge uma vaga para a monitoria da disciplina to festejada por mim, e consigo o mrito de poder ser monitor j no segundo perodo do Curso. Foi boa a experincia. E em 2011, quando surgiu novamente o

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REALE, Miguel. Lies Preliminares de Direito. 27. ed. So Paulo: Saraiva, 2002, Prefcio. BARROSO, Luis Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporneo: os conceitos fundamentais e a construo do novo modelo. 2. ed. So Paulo: Saraiva, 2010, Introduo.

VII

edital para o concurso de monitor eu logo me inscrevi e alguns dias depois eu era novamente monitor. No entanto, j sabia que a vida feita das circunstncias e do possvel, no do ideal.

II

Uma luta pela monitoria: pelo estmulo ao estudo do Direito

Antes de me tornar monitor, fui grande sabedor das dificuldades que o aluno tem nos primeiros contatos com a linguagem multimilenar do Direito, isto porque as senti e muito, numa tarde escaldante sentado a beira duma mesa daquelas que se tinha na biblioteca da Faculdade do Cerrado Piauiense, antes no era esta climatizada. E s restavam ali algumas coisas que muito me so importantes at hoje: o Livro Lies Preliminares de Direito e a vontade de aprender. Sou monitor de Introduo ao Estudo do Direito, numa poca em que ser monitor num d prestgio a ningum, isso que muitos dizem. E aqui e agora, antes se valorizam os conhecimentos de Direito Penal, ou Direito Civil e at mesmo de Direito Constitucional. O ir tirar dvidas com o monitor, caso de ltima necessidade. E quando enfim consegui ser monitor, muitos amigos de blocos mais adiante em relao onde eu me encontro, disseram-me com voz grave: Meu amigo, esse negcio de monitoria no vai lev-lo a parte alguma. Outra pergunta que ressoava aos meus ouvidos era se a monitoria era remunerada. E eu respondia em alto e bom som: a maior remunerao que recebo o aprendizado. Acredito que ser monitor ser gigante pela prpria natureza. E sonho com um dia onde j no haja mais nada de verdadeiramente importante que se possa pensar ou fazer em termos de Direito no Brasil que no passe pela capacidade de trabalhar com as ideias suscitadas pela Introduo ao Estudo do Direito, como um mapa serve queles que se encontram perdidos de fundamento. Esse relatrio , para mim, a celebrao do triunfo da Introduo ao Estudo do Direito. No me refiro valorizao imediata desta disciplina, mas vitria da monitoria em conseguir comentar, a grande obra migueliana, a tradicional: Lies Preliminares de Direito. Trata-se de uma atitude diante da vida: se eu no fizesse esse relatrio com tal esmero, estaria me enganando quanto a minha vontade; quem no pensa igual a mim no meu inimigo, mas meu parceiro na construo de uma sociedade plural; as oportunidades devem ser iguais para todos; quem se perdeu pelo caminho precisa de ajuda, e no de desprezo; toda vida fracassada uma perda para a humanidade. Por isso mesmo, o Estado, a sociedade e o Direito devem funcionar de modo a permitir que cada um seja o melhor que possa ser. Em uma instituio de

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ensino superior onde os alunos que ingressam no primeiro bloco, pouco se interessam pela monitoria, este relatrio um bom projeto. Ou, no mnimo, uma boa opo para descrever a realidade em que nos encontramos.3

III

INSTITUIO, COMPANHEIROS E AMIGOS

Sou grato Faculdade do Cerrado Piauiense FCP, por ter proporcionado o ambiente em que pude e posso desenvolver minhas ideias acerca do direito. Onde pude e posso encontrar amparo seguro nos livros que ora iam difceis em sua compreenso ora iam fceis no transmitir do saber dos maiores juristas que temos nesse pas e no mundo. Falar da FCP no s elogiar o mrito dos professores. Eu os elogio, to somente, por estarem regando de conhecimento jurdico esses longnquos grotes do extremo sul piauiense, por estarem dedicando seu tempo ao magistrio superior, quando poderiam estar no rol de suas casas ou nas caladas to festejadas, que em Corrente PI, culturalmente se v gente falando de gente, e o direito a se derramar por esses sertes de dentro para usar expresso do poeta correntino JESUALDO CAVALCANTE. Compartilho este relatrio com meus queridos companheiros de classe. Tenho tanto orgulho de estar entre vs que no poderia me esquecer dos belos momentos que estamos vivenciando. Somos uma turma, uma turma de estudantes de direito que na escolinha do Prof. Accio Pereira da Silva aprendeu a fazer seminrio. Juntos criamos um ambiente em que as pessoas se gostam, se admiram e se ajudam. Vocs so os melhores parceiros que algum poderia desejar. E entre os alunos que j esto no atual segundo bloco de direito, desses destaco amigos como Dona Edna e o Raimundo Nonato, que muito me ajudaram na construo de ideias, vez que j dizia FRANCIS BACON: As ideias governam o mundo. E ao mestre amigo, Prof. Cristiano Roberto Brasileiro da Silva Passos, no poderia esquecer da imensa ajuda que tem me dado nas tradues do que parece obscuro para mim, mas que para ele j se demonstra completamente iluminado. A voc meu muito obrigado por tudo. E claro, no posso deixar de mencionar os que frequentaram a monitoria, e de maneira especial agradeo o carinho de todos os alunos do 1 bloco de direito, turma 2011.1. Isto porque, mesmo que a monitoria no seu intento de atender aos alunos em suas dvidas, no produza o milagre de melhorar a sua arte de compreenso do direito, talvez ela seja o lugar3

BARROSO, Luis Roberto. Op cit. Introduo.

IX

ideal para melhorar as qualidades humanas de cada um, pelo convvio afvel irmanado no amor ao Direito, pelo embate de ideias, pelo exerccio da satisfao crtica, pela influncia civilizatria na comunidade em que se inscrevem. Na globalizao do bem4, o convvio, ainda que breve ou eventual, com pessoas como Josiane Silva Arajo, Luis Roberto Barroso, Lenio Luis Streck, Luis Alberto David Arajo, Daniel Sarmento, Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Bonavides, Dimitri Dimoulins, Rogrio Greco, Pedro Lenza, dentre outros trouxe-me prazer pessoal, motivao e inspirao. Por fim, um registro de carinho aos muitos amigos que habitam o lado no jurdico da minha vida e que, nos feriados e fins de semana, frequentam a Desembargador Edgard Nogueira, em Corrente PI. O pessoal que come, bebe e se diverte enquanto eu dou um duro danado (mas a noite eu me junto a todos). Mame Maria Arlinda Frana Guedes Nogueira e papai Paulo Antenor Nogueira de Oliveira. E os eventuais: Elio Paraguass de Lemos Junior, Emanuel Neves, Raphael Reis e Heitor Caetano Lustosa Nogueira e Torres. O estudo e atualizao constantes devem ser normas de rotina para o cientista jurdico, que tambm deve ser um apaixonado. Este deve levar a srio a viso de Michael Brock sobre Abraham, ambos advogados de fico literria de Jonh Grisham: O direito era sua vida. O velho ditado de que o direito uma amante ciumenta passava a um novo nvel com pessoas como Abraham e eu. O direito era tudo que tnhamos5.

Corrente, 26 de maio de 2011.Danilo Leoni Guedes Nogueira

4 5

BARROSO, Luis Roberto. Op cit. Introduo GRISHAM, John. O advogado. Rio de Janeiro: Rocco, 1998, p. 178.

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NDICE

Prefcio do primeiro relatrio...................................................................................................V Introduo (Todo o sentimento)...............................................................................................VI I II III A histria recente..........................................................................................................VI Uma luta pela monitoria: pelo estmulo ao estudo do Direito....................................VII Instituio, companheiros e amigos...........................................................................VIII

CAPTULO I OBJETO E FINALIDADE DA INTRODUO DO ESTUDO DO DIREITO Noo Elementar de Direito...................................................................1 Multiplicidade e unidade do Direito..........................................................2 Complementaridade do Direito...............................................................2 Linguagem do Direito...........................................................................3 Natureza da Introduo ao Estudo do Direito...............................................3 Entrevista com o Prof. Cristiano Roberto Brasileiro da Silva Passos....................4 CAPTULO II DIREITO E LITERATURA: UMA OFICINA PROMOVIDA PELA MONITORIA O que estudar..................................................................................6 Objetivos do estudo.............................................................................7 Estudo e mtodo.................................................................................8 A tragdia de Antgona sob a ptica do Direito.............................................9 Direito e Literatura............................................................................12 A monitoria comenta a oficina...............................................................16

XICAPTULO III UM PASSO PARA A IMORTALIDADE Algumas palavras de incentivo...............................................................20 De omnibus dubitandum: um conselho do Monitor.....................................20 Data vnia: integrao e aplicao do Direito............................................23 Princpios gerais do Direito versus Constitucionalismo Contemporneo..............29

CAPTULO IV UMA INTRODUO AO DIREITO CIVIL (PARTE GERAL) COMO FATOR DE FACILITAO AO ENTENDIMENTO DOS NOVIS ACADMICOS Dos motivos de tal exposio................................................................41 Teoria Geral do Negcio Jurdico............................................................42 Quadro esquematizado do Fato Jurdico...................................................45 Personalidade Jurdica........................................................................46 Relao Jurdica................................................................................49

CAPTULO V AUTO-AVALIAO E SNTESE DAS CONTRIBUIES DA ATIVIDADE DA MONITORIA PARA O DESENVOLVIMENTO ACADMICO E PROFISSIONAL Repetindo o texto do primeiro relatrio...................................................52 Avaliao da importncia da atividade monirorial para os alunos da disciplina e para a melhoria das relaes docente-discente..........................................53 Resultados da entrevista realizada com 19 acadmicos da turma de Direito 2011.1 da Faculdade do Cerrado Piauiense.........................................................54 Referncias Bibliogrficas........................................................................................................64 Anexos.......................................................................................................................................66

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Captulo I OBJETO E FINALIDADE DA INTRODUO DO ESTUDO DO DIREITOSumrio: Noo elementar de Direito. Multiplicidade e unidade do Direito. Complementaridade do Direito. Linguagem do Direito. Natureza da Introduo ao Estudo do Direito. Entrevista com o Prof. Cristiano Roberto Brasileiro da Silva Passos.

Ius est ars boni et aequi (O Direito a arte do bom e do justo)Citao de Celso, extrada da 2 Prova de IED, aplicada em 06/05/2010

Noo elementar de Direito No se pode estudar um assunto sem se ter dele uma noo preliminar, isso que diz REALE (2002, p.1). Ento diante dessa frase de efeito, o que se pode dizer aos alunos que ingressam no curso de Direito que eles precisam de uma viso geral do que vem a ser o Direito e os seus aspectos relacionados Sociologia, Filosofia e as inmeras cincia afins. Por certo, o direito est em todos os lugares onde exista uma sociedade. REALE (2002, p. 2) diz o seguinte: o Direito corresponde exigncia essencial e indeclinvel de uma convivncia ordenada, pois nenhuma sociedade poderia subsistir sem um mnimo de ordem, direo e solidariedade. E em poucas palavras Santi Romano, definiu o direito como realizao de convivncia ordenada. Ento se o aluno do primeiro bloco pensar bem vai acabar percebendo que a experincia jurdica s pode ser discutida no mbito das relaes entre os homens. As quais so chamadas de relaes intersubjetivas, por envolverem sempre dois ou mais sujeitos. J ouve pocas onde no se tinha interesse em estudar o direito, mas com a evoluo da sociedade percebeu-se essa necessidade. Segundo REALE (2002, p. 3) essa tomada de conscincia do Direito assinala um momento crucial e decisivo na histria da espcie humana, podendo-se dizer que a conscientizao do Direito a semente da Cincia do Direito. Inicialmente esses comentrios se fazem bastantes para regar o pensamento do novel estudante que d os primeiros passos na Faculdade de Direito. Isto porque, se o professor vier a expor conceitos mais complexos, de que no se tem necessidade, nesse instante dum primeiro contato com a linguagem jurdica o aluno poder ficar confuso diante das

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implicaes filosficas que o Direito nos leva a formular. O exemplo disso a confuso que se faz entre o que direito e o que moral. Multiplicidade e unidade do direito O direito divide-se, primeiramente, em duas grandes classes: O Direito Pblico e o Direito Privado. Veja-se o que diz REALE (2002, p. 4):As relaes que se referem ao Estado e traduzem o predomnio do interesse coletivo so chamadas de relaes pblicas, ou de Direito Pblico. Porm, o homem no vive apenas em relao com o Estado mas tambm e principalmente em ligao com seus semelhantes: a relao que existe entre pai e filho, ou ento, entre quem compra e quem vende determinado bem, no uma relao que interessa de maneira direta ao Estado, mas sim ao indivduo enquanto particular. Essas so relaes de Direito Privado.

Ento se o direito se divide em ramos, como poderia ser ele uno? Essa pergunta, muitos se fazem, por no conseguir entender que o Direito uno sob a ptica de que este trabalha com seus diversos ramos na realizao do bem de todos. Esses ramos do direito so harmnicos entre si. Ele mltiplo porque se especializa em reas, mas tudo com a finalidade mxima de atender ao interesse social, portanto sendo uno quanto aos fins. O Direito, por conseguinte, tutela comportamentos humanos: para que essa garantia seja possvel que existem regras, normas de direito como instrumentos de salvaguarda e amparo da convivncia social6. Essas regras so das mais variadas espcies, tantas quanto forem possveis os comportamentos e atitudes humanas. Porm, no existe uma regra de Direito que nada tenha a ver com as outras. Um dos objetivos da Introduo ao Estudo do Direito a viso panormica e unitria das disciplinas jurdicas. Complementaridade do Direito J afirma REALE (2002, p. 6):No basta, porm, ter uma viso unitria do Direito. necessrio, tambm, possuir o sentido da complementaridade inerente a essa unio. As diferentes partes do Direito no se situam uma ao lado da outra, como coisas acabadas e estticas, pois o Direito ordenao que dia a dia se renova.

O segundo motivo de se estudar Introduo ao Estudo do Direito determinar a complementaridade das disciplinas jurdicas. Ou seja, os diversos ramos do direito no podem ser agrupados como coisas acabadas e estticas, pois no so. O Direito renova-se a cada dia6

REALE, Miguel. Lies Preliminares de Direito. 27. ed. So Paulo: Saraiva, 2002, p. 6.

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da a complementaridade das suas disciplinas ou o sentido sistemtico da unidade do fenmeno jurdico. Linguagem do Direito Como qualquer outra cincia, o Direito possui a sua linguagem prpria. Nalguns casos, expresses coerentes, de uso comum, adquirem sentido tcnico, carcter distinto no mundo jurdico, quando por exemplo, dizemos que um juiz no competente para julgar determinada causa, no se afirma que ele no tem capacidade ou ignorante, mas sim, que a causa no est sob a sua jurisdio. importante que o estudante da Cincia do Direito se dedique terminologia jurdica para melhor compreend-la. impossvel a comunicao jurdica sem o conhecimento da sua linguagem, pois ambas esto correlacionadas. medida que se alarga o vocabulrio do Direito, ampliam-se, concomitantemente, os conhecimentos jurdicos. Outra ideia que a maior parte dos estudantes reprova nas diversas disciplinas, porque usa um mau mtodo de estudo. O Direito no para ser decorado, mas compreendido, o que requer ateno e assiduidade s aulas, recolha de apontamentos das mesmas, e no seu estudo deve ter presente o dicionrio jurdico e o dicionrio de portugus. O estudo do direito exige investigao frequente e disciplina mental. No possvel fazer disciplinas de direito com estudo de vspera e conhecimentos colados com gua e farinha. O estudante de direito tem de ter uma viso que ser a de servir a sociedade da forma mais profissional, da que se exige um saber slido e temperado pelo exercitar constante de um ano letivo de aprendizagem. Quem no tiver bases nesta disciplina, dificilmente dominar as outras, e excludo est do fim fundamental a que se destina, criar um primeiro conceito, sobre o qual todos os outros assentam e que tm como fundamento a cultura e no a ignorncia. S com essa responsabilidade possvel vir a ser um bom profissional no futuro e atingir o desiderato, de elemento contributivo para uma sociedade de desenvolvimento e inovao. Natureza da Introduo ao Estudo do Direito A Introduo ao Estudo do Direito visa dar aos alunos que ingressam no curso de Direito uma viso inicial e ao mesmo tempo completa de tudo aquilo que eles iro enfrentar e

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desvelar no decorrer da graduao. de suma importatncia esse aporte terico, no entanto, doutrina REALE (2002, p. 10) que essa disciplina no uma cincia no sentido rigoroso da palavra, por faltar-lhe um campo autnomo e prprio de pesquisa, mas cincia enquanto sistema de conhecimentos logicamente ordenados segundo um objetivo preciso de natureza pedaggica. Uma dos maiores questionamentos que os noveis acadmicos fazem a si mesmos o que vilumbra a ideia da finalidade pela qual esto eles a estudar disciplinas como Filosofia, Sociologia, portugus Jurcico e outras matrias introdutrias. Pois bem, com Introduo ao Estudo do Direito no ocorre diferente, vez que os acadmicos acham num primeiro instante que essa disciplina no tem serventia alguma para sua atuao profissional. No entanto, enganam-se com isso, pois a Introduo ao Estudo do Direito, defini-a REALE (2002, p.11):A Introduo ao Estudo do Direito um sistema de conhecimentos, recebidos de mltiplas fontes de informao, destinado a oferecer os elementos essenciais ao estudo do Direito, em termos de linguagem e de mtodo, com uma viso preliminar das partes que o compe e de sua complementaridade, bem como de sua situao na histria da cultura.

Entrevista com o Prof. Cristiano Roberto Brasileiro da Silva Passos

MONITOR Professor Cristiano, como definiria o Direito para um aluno que ingressa no I Bloco do Curso? CRISTIANO ROBERTO BRASILEIRO DA SILVA PASSOS Eu defino o Direito para os alunos novatos como sendo a cincia que sistematiza o comportamento humano atravs de um conjunto de regras (normas) com carter de bilateralidade e atributividade, com a funo reguladora da conduta social e com fins de pacificao e manuteno da ordem e alcance do bem comum. Embora possa parecer um tanto complexa, a definio acima guarda os caracteres essenciais e visveis do objeto da Cincia Jurdica e que pode ser compreendida pela prpria experincia sensvel do aluno em sua rotina. MONITOR Professor Cristiano, o que o senhor acha importante, em termos de contedo, que se aprenda no I Bloco de Direito, no mbito da Introduo ao Estudo do Direito e qual a importncia dessa disciplina?

5CRISTIANO ROBERTO BRASILEIRO DA SILVA PASSOS Penso ser importante que se aprenda no 1. Bloco do Curso de Direito que se trata de uma cincia social e humana, sem as peculiaridades e generalidades comuns nas cincias naturais ou exatas. Efetivamente h um choque na maioria dos alunos novatos por se tratar de uma abordagem nova, aparentemente de compreenso insegura e vaga, mas que demonstra em seu aprofundamento a clareza de uma rea do conhecimento que se mostra necessria para regular as relaes humanas e tudo o que se refere sua rbita. Na Introduo ao Estudo do Direito h que se aprender e fixar a necessidade da existncia do Direito, bem como as diversas ramificaes do mesmo com a compreenso funcional e observao cientfica do fenmeno jurdico como supedneo para a inteleco da personalidade jurdica, relao jurdica, fatos e atos jurdicos e a festejada Teoria Tridimensional do Direito do saudoso jurista Miguel Reale. Da verifica-se a importncia da Introduo ao Estudo do Direito, posto que apresenta o objeto de estudo do curso em sua inteireza e tambm em suas ramificaes e fragmentos levantando questes a respeito de sua natureza e de onde se situa. Tambm chama a ateno para seu carter filosfico e cientfico. Mostra a sua estreita relao com a Moral, bem como a sua necessidade para compreenso da sociedade e justificao do Estado. Ou seja, traa as interconexes com as diversas reas do conhecimento e das prprias cincias afins num trao de interdisciplinaridade de alta relevncia para a concatenao de ideias que traduz a importncia do Direito em diversos graus e variadas nuances.

6Captulo II DIREITO E LITERATURA: UMA OFICINA PROMOVIDA PELA MONITORIADanilo Leoni Guedes Nogueira7

Sumrio: O que estudar? Objetivos do estudo. Estudo e mtodo. A tragdia de Antgona sob a ptica do Direito. 5. Da teoria tridimensional do Direito. Direito e Literatura. A monitoria comenta a oficina.

================================================================== Falta de tempo a desculpa para a falta de mtodo. Heus ==================================================================

O que estudar? Nem sempre o estudante colhe frutos maduros e satisfatrios de seus anos acadmicos, apesar dos considerveis investimentos financeiros (estudar entre ns caro e ainda um privilgio de poucos) e dos esforos pessoais empreendidos. No so poucos os que, uma vez concludo o curso, nem querem se lembrar mais daqueles livros, provas, professores exigentes e salas de aula abarrotadas. Consideram o fim dos anos escolares como uma verdadeira libertao. Temos aqui as reaes de um estudo mal feito, normalmente porque faltaram uma boa introduo e um correto acompanhamento na arte de estudar. Quantos estudantes no mbito da graduao no queimam as pestanas s vsperas de um exame e no obstante, seus resultados so exguos? Outros se esforam tanto que sacrificam lazer, amizade, programas de televiso e convivncia em famlia, estudando noite adentro, e mesmo assim tem pouco xito nas provas e trabalhos acadmicos. Uns no

A oficina tratou da relao entre o Direito e a Literatura ao asseverar que a prtica jurdica se realiza mediante o constante exerccio de interpretao, a exemplo do que ocorre no processo de descoberta de significado dos textos. Aponta manifestaes de desencanto da Literatura em relao ao Direito, por meio de exemplos ilustrados em diversas obras literrias. Indica tipos literrios que permitem a compreenso do jurdico, ao ler trechos das respectivas obras, bem como a temtica abordada pelos seus autores.7

Acadmico do III bloco do curso de Bacharelado em Direito da Faculdade do Cerrado Piauiense FCP, ministrante da oficina DIREITO & LITERATURA, representante do corpo discente frente ao Conselho do Curso de Direito e monitor da disciplina Introduo ao Estudo do Direito.

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sabem como tirar proveito das exposies do professor em sala de aula, outros vo dormir em cima dos livros logo que chegam em casa. H muitos que no tem a mnima noo de como compreender um livro. Na realidade vem no estudo sistemtico uma nova forma de tortura imposta ao aluno e um peso intil aos anos juvenis. Em parte estas queixas raramente confessadas explicitamente correspondem realidade dos fatos. Como acontece em qualquer profisso, quem no domina as ferramentas de sua rea de especializao facilmente desanima e desiste diante de esforos sobre-humanos sem resultado notvel. A metodologia cientfica visa os instrumentos adequados ao trabalho do estudo, a fim de torn-lo mais eficiente, agradvel e significativo. Objetivos do estudo Estudar em ltima anlise ir procura da verdade. Trata-se de um processo dinmico de saber buscar ainda mais. A meta chegar a aprender, a ver com os prprios olhos, e no por ouvir dizer; a expressar-se com as prprias palavras e a pensar com a prpria cabea. Forma-se, assim, um sadio esprito crtico, que sabe ponderar as coisas e avali-las em seu verdadeiro sentido. A pessoa liberta-se paulatinamente das opinies vulgares, das bazfias, dos simples modismos e de todo posicionamento inverdico. Um estudo qualificado leva a fundamentar as prprias sentenas e pareceres sempre que possvel em fatos e evidncias, conhecidas de primeira mo e comunicveis a outros. Estudar seriamente faz com que algum se torne uma pessoa ponderada, aberta, respeitosa frente a outras opinies e expresses. O estudo apresenta-se, deste modo, como um fator significativo de aproximao dos homens e das culturas. O estudo orienta-se para a pesquisa, ou seja, uma atividade voltada para a soluo de problemas atravs do emprego de processos cientficos e procedimentos metodolgicos. No nosso caso quase sempre se trata de uma pesquisa bibliogrfica, isto , um estudo a partir de referncias tericas publicadas. Para um bom estudo no so requeridos dotes extraordinrios. Basta uma inteligncia normal, o resto completado pela fora de vontade. A cultura no tanto a filha do gnio, mas nasce principalmente do trabalho qualificado, organizado e aturado. Comenta Sertillanges: A luz pode filtrar-se atravs das fendas que o esforo alarga; uma vez dentro, por si prpria estende e corrobora o seu reinado.

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quase suprfluo dizer que no se aprende nos livros. Uma cultura por demais livresca sempre ser bastante frgil o que diz MATOS (1994, p. 15). Isto porque sofre do defeito de ser abstrata. Um estudo autntico estende-se vida toda; ele til vida e sempre impregnado de vida. Assim, toda existncia pode tornar-se diariamente uma verdadeira escola de aprendizagem. A genuna intelectualidade, afastando qualquer soberba, que o candor e a simplicidade do olhar que penetra o fundo das coisas. Sob a gide da inteligncia de MATOS, ousa-se dizer: o meio-sbio no s o que sabe a metade das coisas, o que sabe s as meias. Estudo e mtodo Estudar corresponde a trabalhar. trabalho duro, penoso e exaustivo. Exige empenho responsvel e dedicao generosa. Consequentemente pressupe sacrifcios e escolhas conscientes. Quem de fato quer estudar deve estabelecer uma hierarquia de valores em sua vida. E para no perder de vista a realidade concreta, convm que sempre se lembre de que um estudante pode ser comparado a um operrio. Ele igualmente sujeito a horrios de trabalho, a tarefas indicadas, a controles e verificaes de qualidade. Seria irreal distanciar-se dessas comuns exigncias do mundo do trabalho, apesar de saber que, como estudante, ele pertence ao pequeno grupo de privilegiados, de operrios em condies de trabalho excepcionalmente boas. O vocbulo metodologia vem do grego methodos (meta+hodos = caminho) em latim methodus, e indica um caminho para chegar a um fim, ou a um determinado resultado. Nos estudos, a metodologia pretende oferecer ao estudante os instrumentos necessrios e teis para obter xito no seu trabalho intelectual, tornando assim essa atividade menos pesada, mais eficiente e prazenteira. Agir metodologicamente condio bsica de qualquer pesquisa cientfica, por mais elementar que seja. Trata-se efetivamente de um conjunto de processos que o esprito humano deve empregar na investigao e demonstrao da verdade. Um verdadeiro esprito intelectual exclui de suas investigaes, por princpio, o capricho e o acaso, adapta o esforo s exigncias do objeto a ser estudado e seleciona os meios e processos mais convenientes. esta a funo do mtodo, que destarte se torna fator de segurana e economia de tempo.

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No devemos exagerar o valor do mtodo. apenas um instrumento de trabalho intelectual, um meio de acesso, enquanto a inteligncia, junto com a reflexo, descobre o que os fatos realmente so. Um estudo eficaz quando se torna significativo, isto , quando os novos conhecimentos e informaes so assimilados pessoalmente e confrontados e integrados no complexo de conhecimentos j existente, podendo ser reutilizados em outras situaes. Assim, o estudo contribui para a formao integral da pessoa e de sua maturao plena. Enfim, estudar um verdadeiro trabalho, com suas alegrias, satisfaes, cansaos e decepes. Requer um comportamento empenhativo. Tcnicas e acompanhamento metodolgico podem tornar o estudo mais eficiente, mais produtivo, mais fecundo, mas ser sempre um esforo que implica fadiga e dedicao. Tudo isso podemos qualificar como estudiosidade, virtude indispensvel ao estudante. ================================================================== Seja grande. Veja o mundo em um gro de areia. Veja o cu em um campo florido; guarde o infinito na palma da mo e a eternidade em uma hora de vida William Blake ================================================================== A tragdia de Antgona sob a ptica do Direito Em suas obras literrias os homens narram os conflitos prprios de sua poca, e muitos destes conflitos so prprios do direito. Uma obra que nos mostra um pouco de como os gregos antigos pensavam o direito Antgona de Sfocles. Para entender Antgona preciso conhecer o contexto do jusnaturalismo em que os gregos estavam inseridos. Em todas as modalidades do jusnaturalismo se trabalha com os dois conceitos: direto positivo e direito natural, sendo que o direito positivo encontra seu fundamento de validade no direito natural. O direito positivo o direito criado pelos homens, e o direito natural, na Grcia o direito do cosmo, o direito do universo e dos deuses. Aqui o conceito de direito natural est muito ligado a religio dos gregos.

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O direito natural deveria ser respeitado porque esta era a nica maneira de se obter a felicidade. A sano do direito natural intrnseca a este, as prprias conseqncias dos atos do infrator do direito natural sero sua perdio. O homem livre para respeitar o direito natural ou no, mas somente ser feliz se optar por respeit-lo. A lgica que liga a infrao e a sano uma lgica de causalidade.Segundo esta doutrina, o direito positivo deriva sua autoridade do direito natural. Os homens devem obedecer ao direito positivo e na medida em que a natureza o ordena; e a natureza o ordena na medida em que o direito positivo se confirma ao direito natural. (KELSEN, p. 252)

Porm no se pode negar direito positivo. Mesmo que ele esteja em desacordo com o cosmo, e, portanto, carente de validade, este tem uma sano prpria que tambm imposta por um homem. Aqui lgica que liga a infrao com a sano uma lgica de imputao. Mas o que fazer quando o direito positivo vai contra o direito natural? Os homens teriam que ponderar. Qual sano pior, a sano dos homens ou a sano do cosmo? E este o conflito da pea Antgona. Na Grcia acreditava-se que os mortos que no fossem enterrados no podiam entrar no Hades, o paraso dos gregos. O rei Creonte decidiu que Polnices, o irmo de Antgona, no seria enterrado na ocasio de sua morte e aquele que o enterrasse seria morto por lapidao. Apesar da lei positiva proferida por Creonte, Antgona joga um pouco de terra sobre o corpo de seu irmo para simular um sepultamento, sendo, portanto condenada a morte. Antgona fundamenta seu desrespeito pela lei positiva no argumento de que existe uma lei natural pela qual os homens devem enterrar os seus parentes, por isso a lei de Creonte era vazia de validade. Antgona diz:Eu conheo outras leis, que no foram criadas ontem ou hoje, mas que tem um valor perene, e que ningum sabe de onde vieram. Nem um mortal pode infringi-las sem tornar-se vtima do dio dos deuses. Uma lei como esta obriga-me a no deixar insepulcro o filho de minha prpria me. (SCHWAB, p. 304)

A herona ainda diz que a sano do direito positivo, a morte por lapidao, no pior do que a do direito natural, o dio dos deuses, preferindo arcar com a primeira.

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Por sua afronta ao direito natural, Creonte penalizado com a infelicidade. O filho de Creonte, Hmon, que era apaixonado por Antgona, ao saber da morte da amada comete suicdio. O rei fica sem herdeiros para deixar seu trono. Esta pea, apesar de escrita na antiguidade trata de uma questo de muita atualidade, o homem deve respeitar as leis ou respeitar sua conscincia quando estas forem contraditrias? Como toda obra literria, a referida tragdia grega da margem a varias interpretaes. H outra forma de ler o conflito, de que na verdade um conflito entre a esfera pblica e a privada. Nesta interpretao tanto Antgona como Creonte fundamentam suas atitudes em direitos naturais, mas ambos so inconsistentes em suas argumentaes, porque em nem um dos casos suas aes foram autorizadas pelo direito natural. Aqui se tem que levar em considerao a existncia de duas classes de deuses gregos. Os deuses Olmpicos, que eram os protetores da polis, e os deuses infernais, que eram os protetores da famlia. importante entender que o direito natural no se contradiz, o cosmo sempre harmnico, o que os gregos acreditavam era que uma classe de deuses era prpria da esfera publica, e outra da esfera privada, e os respectivos direitos naturais no estavam em conflito.(...) A pea, escrita no auge da democracia ateniense, uma discusso sobre a polis e seu fundamento religioso (ou no), a democracia e o despotismo, formulando a seguinte questo: O poder poltico fundamenta-se em si mesmo ou h algo superior a ele? (GALLUPO)

Creonte alega que os deuses olmpicos lhe autorizaram a legislar a fim de proteger a polis. Portanto legislava com legitimidade. Polnices de fato era um traidor, e Creonte podia puni-lo. O rei peca ao punir o traidor numa esfera prpria da famlia. Antgona tambm erra, embora os deuses infernais conferissem a Antgona o direito de enterrar seu irmo, mas no o direito de desrespeitar a lei da polis. Tambm o conflito entre o pblico e o privado muito atual, so cada vez mais nebulosos os limites do Estado, at onde o Estado pode interferir, ou at aonde se deve se deixar os homens pactuarem de com autonomia.

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Podemos aprender muito sobre direito ao observarmos nas obras literrias a maneira como outros homens, de outras pocas, trabalhavam com o direito. ================================================================== As maravilhas da nossa tcnica esto a nvel de brinquedos de crianas, se comparadas com as da natureza. Dr. George Wald (Prmio Nobel de Bioqumica) ================================================================== Direito e literatura Ronald Dworkin vislumbrou semelhanas entre o Direito e a Literatura. Sustentou que a prtica jurdica perene exerccio de interpretao, a exemplo da descoberta de significado dos textos, postura que plasma atitudes literrias. A chamada hiptese esttica matiza comportamento menos contemplativo e mais ativo. Interpretar interferir, completar, colmatar. A interpretao cria o texto, do mesmo modo que d gnese e vida ao Direito. Leituras possibilitam procedimentos hermenuticos que revelam reservas de sentido, descortinando a vida real de enredos, tramas, urdiduras. Mecanismos exegticos buscam perceber a inteno do autor. Dworkin invoca Shakespeare, suscitando a loucura (ou o fingimento) de Hamlet, sua relao edipana com a me (tema que Freud tambm tratou), a veracidade do vulto do pai do heri inseguro, ou mesmo a esquizofrenia do prncipe dinamarqus. Colorindo a imagem com nuances mais nacionais, recorrente a traio (suposta) de Capitu, aquela cujos beijos fechavam os lbios de Bentinho, mas que, chorando Escobar no esquife (...) olhou alguns instantes para o cadver to fixa, to apaixonadamente fixa, que no admira lhe saltassem algumas lgrimas, poucas e caladas (...). A crtica ainda no decidiu se Capitu traiu Bentinho... A questo da inteno do autor pode ser invocada tambm a propsito das reaes do escritor para com os livros que se tornam filmes. Frederick Forsyth assiste ao final dado ao Dossi Odessa, reconhecidamente distinto do desate percebido no livro. Jorge Amado saboreou distintas verses iconogrficas de Tieta, na televiso (com Betty Faria) e no cinema (com Snia Braga). Fernando Gabeira assistiu verso de O que isso companheiro?... O

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prprio Bowles fotografado vrias vezes em O cu que nos protege, como que testemunhando a veracidade interpretativa do diretor do filme. A inteno do autor deslocada pelo intrprete, que apreende livremente o contedo do que l. Muitas foram as verses da Missa do Galo, intrigante conto de Machado de Assis, assim como as interminveis leituras que Sigmund Freud suscitou em torno dos Delrios e sonhos de Gradiva de Jensen, com as naturais projees na Casa do poeta trgico, de Carlos Heitor Cony. Sigmund Freud falava em interpretao de sonhos que nunca foram sonhados... Ampliando a perspectiva de Ronald Dworkin, o presente excerto admite a utilidade da literatura na explicao do que a sociedade pensa sobre o Direito e a justia. A par, naturalmente, de reconhecer tipos literrios que provocam reflexes sobre temas de Direito e justia. o individualismo triunfante de Robinson Cruso, mito tpico da liberalidade burguesa, ao lado de Fausto, de Don Juan, de Don Quixote. O choque entre republicanos e monarquistas em Esa e Jac, de Machado de Assis. A burocracia do Sr. K, no Processo, de Franz Kafka. Temas de biotica no Frankenstein de Mary Shelley e no Dr. Jekyl e Mr. Hide, de Robert Louis Stevenson. O bacharelismo oco no Conselheiro Accio, personagem de O Primo Baslio, de Ea de Queiroz. A tradio literria ocidental permite abordagem do Direito a partir da arte, em que pese a utilizao de prisma no-normativo. Ao exprimir viso do mundo, a Literatura traduz o que a sociedade pensa sobre o Direito. A literatura de fico fornece subsdios para compreenso da Justia e de seus operadores. A literatura helnica lega-nos Antgona, pea de Sfocles, na qual a herona cogita do Direito natural, contrapondo-o s leis positivas. Aristfanes deixou-nos saborosa obra cmica teatral, As vespas, ridicularizando tribunais de Atenas, imputando aos juzes comportamento venal e irresponsvel. Thomas More, em A Utopia prescreveu poucas leis, banindo advogados, a quem reputava de espertalhes que manipulam os processos e distorcem leis (...). Erasmo, contemporneo de More tambm hostilizou a atividade do bacharel: Pretendem os advogados levar a palma sobre todos os eruditos e fazem um grande conceito da sua arte. Ora, para vos ser franco, a sua profisso , em ltima anlise, um trabalho de Ssifo. Com efeito, eles fazem uma poro de leis que no chegam concluso

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alguma. Que so o digesto, as pandectas, o cdigo? Um amontoado de comentrios, de glosas, de citaes. Com toda essa mixrdia, fazem crer ao vulgo que, de todas as cincias, a sua a que requer o mais sublime e laborioso engenho. E, como sempre se acha mais belo o que difcil, resulta que os tolos tm em alto conceito essa cincia. Rabelais, em Gargntua e Pantagruel, cogitou de um juiz que decidia pleitos pelos dados. Na Cidade do Sol, Tomas Campanella props justia clere, com poucas leis breves, clara. Andr Joo Antonil, em Cultura e Opulncia do Brasil por suas drogas e minas, recomendava que europeus que viessem ao Brasil evitassem disputas judiciais, pois (...) contnua desinquietao da alma e um contnuo sangrador de rios de dinheiro que vai a entrar nas casas dos advogados, solicitadores e escrives, com pouco proveito de quem promove o pleito, ainda quando alcana, depois de tantos gastos e desgostos, em seu favor a sentena. Gregrio de Matos Guerra criticou asperamente a Justia de seu tempo:Que falta nesta cidade? Verdade Que mais por sua desonra Honra Falta mais que se lhe ponha Vergonha. (...) E que justia a resguarda? Bastarda grtis distribuda? Vendida Quem tem, que a todos assusta? Injusta. Valha-nos Deus, o que custa, O que El-Rei nos d de graa, Que anda a justia na praa Bastarda, Vendida, Injusta.

O mesmo fez Martins Pena, em picante pea teatral, O Juiz de Paz na Roa, descrevendo um juiz que amava presentes, como bananas e ovos. Manuel Antonio de Almeida, em Memrias de um Sargento de Milcias, criticou oficiais de Justia, que identificou como gente terrvel e temida.

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Franklyn Tvora, em O cabeleira idealizou prottipo de cangaceiro, defensor dos mais fracos, valendo-se do texto para combater a pena de morte:Ah! Meu amigo, a pena de morte, que as idades e as luzes tm demonstrado no ser mais que um crime jurdico, de feito no corrige nem moraliza. O que ela faz enegrecer os cdigos que em suas pginas a estampam, por mais liberais e sbios que sejam como o nosso; abater o poder que a aplica; escandalizar, consternar e envilecer as populaes em cujo seio se efetua.

O discurso de Franklyn Tvora de impressionante atualidade:A Justia executou o Cabeleira por crimes que tiveram sua principal origem na ignorncia e na pobreza. Mas o responsvel de males semelhantes no ser primeiro que todos a sociedade, que no cumpre o dever de difundir a instruo, fonte da moral, e de organizar o trabalho, fonte da riqueza? Se a sociedade no tem em caso nenhum o direito de aplicar a pena de morte a ningum, muito menos tem o de aplic-la aos rus ignorantes e pobres, isto , queles que cometem o delito sem pleno conhecimento do mal, e obrigados muitas vezes da necessidade.

Jorge Amado temperou seus romances com advogados corruptos, venais, desenhando justia melindrosa, comprada pelos caxixes, termo que identifica a peita e o suborno em Terras do sem fim. Mrio Palmrio tambm demonstrou descontentamento com o jurdico em Vila dos Confins, onde critica juzes e promotores Jos Lins do Rego, em Fogo morto, critica a truculncia policial. rico Verssimo, em Incidente em Antares, fulmina a advocacia administrativa. Entre autores mais recentes, destaca-se Monteiro Lobato, desiludido at a medula com o Direito, e que fez caricatura de promotor, em saborosa passagem:O promotor, sequioso por falar, com a eloqncia ingurgitada por vinte anos de choco, atochou no auditrio cinco horas macias duma retrica do tempo da ona, que foram cinco horas de pigarros e caroos de encher balaios. Principiou historiando o Direito Criminal desde o Pitecantropo Erecto, com estaes em Licurgo e Vedas, Moiss e Zend-Avesta. Analisou todas as teorias filosficas que vm de Confcio a Freixo Portugal; aniquilou Lombroso e mais lrias de Garfalo (que dizia Garoflo); provou que o livre arbtrio a maior das verdades absolutas e que os deterministas so uns cavalos, inimigos da religio de nossos pais; arrasou Comte, Spencer e Haeckel, representantes do Anticristo na terra; esmoeu Ferri. Contou depois sua vida, sua nobre ascendncia entroncada na alta prosapia duns Esteves do Rio Cvado, em Portugal: o herosmo de um tio morto na Guerra do Paraguai e o no menos herico ferimento de um primo, hoje escriturrio do Ministrio da Guerra, que, no combate de Cerro-Cor, sofreu uma arranhadura de baioneta na face lateral do lbo da orelha sinistra. Provou em seguida a imaculabilidade da sua vida; releu o cabealho da acusao feita no julgamento-Intanha; citou perodos de Bossuet a guia de Meaux, de Rui a guia de Haia, e de outras aves menores; leu pginas de Balmes e Donoso Cortez sobre a resignao crist; aduziu todos os argumentos do Doutor Sutil a respeito da Santssima Trindade; e concluiu, finalmente, pedindo a condenao da fera humana

16que cinicamente me olha como para um palcio a trinta anos de priso celular, mais a multa da lei.

Monteiro Lobato hostilizou acirradamente o fisco, traduzindo (bem antes) a imagem de Cony, para quem h quem goste de quiabo, de msica caipira, mas no h ningum que goste de pagar impostos:Portugal s organizou uma coisa no Brasil-colnia: o Fisco, isto , o sistema de cordas que amarram para que a tromba percevejante segue sem embaraos. Quem l as cartas rgias e mais literatura metropolitana enche-se de assombro diante do maquiavlico engenho luso na criao de cordas. Cordas tranadas de dois, de trs, de quatro ramais; cordas de cnhamo, de crina, de tucum, de tripa; cordas estrangulatrias de espremer o sangue amarelo e cordas de enforcar.

Constata-se, assim, que a perspectiva de Ronald Dworkin pode ser ampliada. Afinal, alm das semelhanas exegticas entre Direito e Literatura, vislumbra-se que textos literrios criticam, satirizam, motejam com a Justia, denunciando corrupo, violncia, truculncia, maldade, temas to ntimos existncia cotidiana.

================================================================== O tempo teu capital; tens de o saber utilizar. Perder tempo estragar a vida. Franz Kafka ================================================================== A monitoria comenta a oficina A monitoria preparou a oficina Direito e Literatura com a finalidade de demonstrar para os acadmicos e para o pblico interessado que estava a frequentar a 2 Jornada Acadmica da Faculdade do Cerrado Piauiense, a necessidade que tem o acadmico de se relacionar bem com as diversas cincias que se demonstram parceiras do Direito ao ser observado como disciplina social aplicvel. O respaldo da oficina foi positivo. Isto porque, tambm demonstrou-se com os ensinamentos proferidos por INOCNCIO MRTIRES COELHO que, no existem fatos, s existe interpretao de fatos (...) no existem fenmenos morais, mais apenas interpretao moral de fenmenos, ou seja, devemos nos prevenir contra a ingenuidade, ou a iluso, de que

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aquilo que apreendemos como realidade seja a realidade mesmo. Quando em verdade tudo que vemos, tudo que sentimos, tudo que experimentamos, mediado pelos nossos sentidos, pela nossa viso, pela nossa representao das coisas que esto fora de ns. Ns somos seres histricos, o que significa dizer, situados e datados. Ns estamos sempre nalgum lugar em certo momento. Em funo dessa radical realidade existencial, devemos desde logo rejeitar a ideia de uma apreenso da essncia das coisas, o que na linguagem kantiana se chama o NMENO, tudo que conseguimos apreender o fenmeno. Ou seja, que tudo que vemos, vemos em razo da nossa especial condio de sujeitos particulares. Ns somos, na verdade, INDIVDUOS SUBJETIVADORES, ns transformamos ou apreendemos o que est fora de ns, como apenas um fragmento do real, apenas uma faceta, uma dimenso. O que no significa dizer em absoluto que no existam as outras facetas, as outras dimenses. Se aceitamos a partida, que s apreendemos uma parcela do real, e que os outros podem apreender as outras parcelas que ns no temos condies de apreender, diz o filsofo, evidente que os objetos visveis se mostram pelo lado da frente o que no significa dizer que os demais lados no existam. Eles permanecem, subsistem e restam, obscurecidos para ns, mas completamente iluminados para quem os apreenda de outra perspectiva. Disso resulta, que toda compreenso que temos do mundo, das pessoas no mundo, e das coisas do mundo, TODA A COMPREENSO QUE TEMOS, sempre uma PRCOMPREESO. Uma espcie de compreenso preconceituosa, de uma compreenso que , na verdade, expresso daquilo que ns somos enquanto individualidade concreta. Mas esses fatores no so fixos, no so fatores que produzam um resultado. E ai se esgote a sua capacidade de agir sobre a nossa personalidade. E so fatores em permanente interao, do que resulta que a nossa personalidade concreta uma personalidade em constante fazer-se e refazer-se permanente. Da, pois, surge um conceito GADAMERIANO, o de historicidade do compreender, que essencial para o estudo contemporneo do Direito. que toda a compreenso se d sempre num momento, no que se chama teoricamente de SITUAO HERMENUTICA. Toda compreenso se d numa situao hermenutica, aplicada a atividade jurdica, seja a atividade do legislador, seja a atividade do juiz, seja a atividade do terico do direito. Isso significa que AQUILO QUE APRENDEMOS, APRENDEMOS SEMPRE SOB

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COORDENADAS

ESPACIOTEMPORAIS

QUE

CONDICIONAM

ESSA

NOSSA

COMPREENSO. No podemos compreender alm dos limites do nosso tempo, o nosso horizonte de compreenso por mais vasto que seja sempre um horizonte, e em sendo um horizonte algo que nos limita de alguma forma. No vemos alm do horizonte em que ns nos encontramos. claro que podemos ampliar os nossos horizontes, claro que ns podemos ampliar nossa compreenso das coisas e ilustrativo disso a atividade de aprendizado de diversas lnguas, a cada lngua que ns aprendemos, na verdade, ns ampliamos nosso horizonte para a apreenso de um universo que at ento para ns se mostrava inacessvel. Ento, com essa explanao hermenutica procurou-se no mbito da oficina em voga, demonstrar o quanto a literatura tem aportes relacionados ao Direito. Uma vez que as obras literrias so, pela arte de mimeses, um aparelho lgico de reproduo da realidade percebida antropologicamente por seres humanos num determinado lugar e em determinado momento. Isto posto, observou-se que o Direito assim como a literatura carece de uma interpretao, e procurou-se no momento da oficina trazer para os alunos uma viso crtica do Direito, amparada por textos satricos da literatura nacional e internacional, relacionando-os ao cenrio de Crise que se encontram as estruturas ideolgicas de construo fenomnica do Direito Brasileiro. A Introduo ao Estudo do Direito, no pode se desligar das diversas manifestaes de arte que brotam da sociedade assim como brota o Direito. E sua interpretao ocorre no pela sociedade mais para a sociedade. Foram essas e outras polmicas os pontos mais instigantes da oficina. Ressalta-se ainda que, o Direito est vivo em cada indivduo, se no o percebemos porque j nos acostumamos aos seus efeitos. No entanto somos inventados a cada instante pelas diversas pticas que nos enxergam e figuramos como seres literrios que esto sob a merc dos escritores. Que em analogia aplicada ao Direito, podem ser chamados de juzes. Seno vejamos minha homenagem ao Prof. Miguel Reale foi trazer a lume um emocionante discurso proferido pelo dito cujo em homenagem que recebeu das Arcadas em 2005. "Faa do Jurdico o justo" a mensagem que o festejado criador da "Teoria Tridimensional do Direito" deixa a sua platia. [...] Eu queria dizer aos colegas aqui presentes, que tudo que se disse ao meu respeito no passa de um comentrio. O comentrio de uma longa vida, que procurou acima de tudo realizar este

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mandamento: Faa do estudo jurdico o justo! Parece to grande, to pequena a frase, mas imensa no seu significado. Faa do jurdico o justo. O Jurdico uma pobre e triste coisa, como dizia Carnelutti se no acompanhado pelo sentido da tica e da emoo da eternidade. Quem vos fala aos oitenta e cinco anos o homem que cr, eu sou um crente, eu me orgulho de ser o homem que tem dentro de si a alegria de ter a compreenso do eterno. E em nome desta compreenso eterna que eu quero agradecer este momento. Em que eu vi dois ex-alunos, Tercio Sampaio Ferraz falando em nome dos ex-alunos e Celso Lafer falando em nome dos professores desta casa. ento que eu digo que eu a minha vida est no que eles disseram. Um aluno e um professor. Porque na realidade os dois representam o que mais, de que mais me orgulho quando me dizem de quem mais se orgulham, eu lhes digo do que mais me orgulho dos alunos que tive e que realizaram obras formidveis. Mais sei que estais vinculados ao mestre mas encontrando em si prprios as razes fundamentais da sua afirmao. Eu no vou falar muito, porque meu estado de sade no o permite. Quero apenas dizer que ao entrar por esta arcada ns encontramos no trs nomes de juristas mas trs nomes de poetas: Castro Alves; lvares Azevedo; e Fagundes Varela. O que eu posso aconselhar aos estudantes de Direito lembrar sempre deste trplice grupo. Pensar que o Direito no nada se ele no poesia, se ele no uma expresso fundamental, de maneira que agradecendo a esta homenagem eu quero dizer apenas o seguinte: Cr no Direito! Mas cr, acima de tudo, acima de tudo, na Justia que faz do Direito a sua razo de ser! Muito obrigado! (Miguel Reale)8

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Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=wYp6OaG2Qb4. Acessado em: 18 de Jul. de 2011.

20Captulo III Um passo para a imortalidadeSumrio: Algumas palavras de incentivo. De omnibus dubitandum: um conselho do Monitor. Data venia: integrao e aplicao do Direito. Princpios gerais do Direito versus Constitucionalismo Contemporneo.

o que diz uma afirmao sobre aquele que a faz? Nietzsche

Algumas palavras de incentivo Caro estudante de Direito que ingressa na Faculdade, tenhas em mente que o sofrimento passageiro e o desistir para sempre. No curso de Direito ho de passar por provaes e sentimentos de desnimo, mas creiam na sua potencialidade de vencer as adversidades. Como monitor de Introduo ao Estudo do Direito, pude conversar com diversos alunos que integraram a novel turma 2011.1, e eles muito animados com o curso diziam ter notado a deficincia em alguns professores. No entanto, acredito que no se encontravam amadurecidos para perceber que tambm, eles, apresentavam problemas que precisavam ser solucionados de incio, como deficincias na escrita, na maneira como se expressar e at mesmo alguns transtornos de personalidade (sim, encontra-se tudo em uma turma de 1 bloco). Lanada a flecha, da partida inicial ao curso engajado, tnheis vs que querer acertar o alvo da compreenso atual do Jus, no entanto o escopo do Direito a imortalidade em compreend-lo nos enfoques da historicidade do compreender. O que se quer dizer agora que o Direito exige uma compreenso da sua imortalidade, ponto crucial para quem pleiteia se sair bem no s na disciplina IED, mas na sua aplicao ao longo do Curso e posteriormente na carreira profissional. De omnibus dubitandum: um conselho do Monitor A monitoria realizou uma entrevista abrangendo 19 (dezoito) acadmicos da turma 2011.1 do curso de Direito da Faculdade do Cerrado Piauiense, e as perguntas foram:01. Voc sentiu alguma dificuldade na disciplina Introduo ao Estudo do Direito? Expresse essa dificuldade, caso tenha sentido.

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02. Como voc considera a forma como o professor ministra essa disciplina? (timo, Bom, Razovel, Ruim, Pssimo) E porque? 03. Voc foi monitoria alguma vez? E se no foi, qual o motivo de no ter ido? 04. Qual o motivo de voc ter ingressado no curso de Direito? 05. Voc dedica quanto tempo de estudo dirio para o seu curso de Direito? 06. Voc acha importante que exista uma monitoria nesta instituio, disponvel para auxiliar tanto ao professor quanto aos alunos que ingressam no primeiro bloco de direito? Comente.

As respostas foram bem interessantes, mas o que mais me chamou ateno foi o quesito do item 05, tratando sobre a quantidade de horas dedicadas ao estudo. Logo, nota-se que os acadmicos, em sua maioria, acreditam como verdades absolutas aquilo que lhes passado em sala de aula e esquecem-se o quo importante buscar mais informaes acerca dos contedos ministrados em sala de aula. Resta para os novis ingressantes no mundo do direito um singelo conselho que transcrevo nos pargrafos seguintes. Mas antes disso, veja-se a confirmao destas palavras nas outras to belas de CHAUI (2000, p. 8-9):Imaginemos, agora, algum que tomasse uma deciso muito estranha e comeasse a fazer perguntas inesperadas. Em vez de que horas so? ou que dia hoje?, perguntasse: O que o tempo? Em vez de dizer est sonhando ou ficou maluca, quisesse saber: O que o sonho? A loucura? A razo? Se essa pessoa fosse substituindo sucessivamente suas perguntas, suas afirmaes por outras: Onde h fumaa, h fogo, ou no saia na chuva para no ficar resfriado, por: O que causa? O que efeito?; seja objetivo, ou eles so muito subjetivos, por: O que a objetividade? O que a subjetividade?; Esta casa mais bonita do que a outra, por: O que mais? O que menos? O que o belo? Em vez de gritar mentiroso!, questionasse: O que a verdade? O que o falso? O que o erro? O que a mentira? Quando existe verdade e por qu? Quando existe iluso e por qu? Se, em vez de falar na subjetividade dos namorados, inquirisse: O que o amor?O que o desejo? O que so os sentimentos? Se, em lugar de discorrer tranqilamente sobre maior e menor ou claro e escuro, resolvesse investigar: O que a quantidade? O que a qualidade? E se, em vez de afirmar que gosta de algum porque possui as mesmas idias, os mesmos gostos, as mesmas preferncias e os mesmos valores, preferisse analisar: O que um valor? O que um valor moral? O que um valor artstico? O que a moral? O que a vontade? O que a liberdade? Algum que tomasse essa deciso, estaria tomando distncia da vida cotidiana e de si mesmo, teria passado a indagar o que so as crenas e os sentimentos que alimentam, silenciosamente, nossa existncia. Ao tomar essa distncia, estaria interrogando a si mesmo, desejando conhecer por que cremos no que cremos, por que sentimos o que sentimos e o que so nossas crenas e nossos sentimentos. Esse algum estaria comeando a adotar o que chamamos de atitude filosfica. Assim, uma primeira resposta pergunta O que Filosofia? poderia ser: A deciso de no aceitar como bvias e evidentes as coisas, as idias, os fatos, as situaes, os valores, os comportamentos de nossa existncia cotidiana; jamais aceit-los sem antes hav-los investigado e compreendido. Perguntaram, certa vez, a

22um filsofo: Para que Filosofia?. E ele respondeu: Para no darmos nossa aceitao imediata s coisas, sem maiores consideraes.

O que eu quero reiterar que toda sociedade, at hoje constituda, da qual temos conhecimento, sustentou-se na geometria piramidal em que poucos pensam por muitos. E, dessa forma, decidem por eles. Seja direta ou indiretamente. Cnscia ou inconsideradamente. A pergunta ento simples: o que faz um homem ser uma personalidade em algum ramo da reflexo humana? Por ordem: Seu estudo amplo e profundo em determinado tema e o sucesso em estabelecer suas consideraes sobre isso. Em outras palavras, ele precisa se tornar uma autoridade no assunto. preciso que uma maioria lhe d crdito. Para isso acontecer no h frmula que no passe pela subjugao do pensamento alheio s certezas particulares. Essas certezas, principalmente no que diz respeito s cincias no-exatas, mas no exclusivo a elas, fundamentam-se inicialmente em crenas pessoais que s conseguem ampla receptividade nos calcanhares da generalizao. Seus arautos9, muitas vezes, precisam depositar pedras sobre um assunto para alcanar o mximo possvel de uma sensao de veracidade. Essa necessidade, possivelmente, ganhou fora pelas delimitaes feitas no conhecimento humano, as quais titulamos de campos de estudo cientfico. Ora, toleremos os vcios, singularmente invivel tratarmos o conhecimento como ele o : uma varivel aberta e tudo interligado; Eternamente incompleto, indefinido e multidisciplinar. O que eu quero dizer que, em prol da reputao de uma cincia-poro, reprovo a aceitao de qualquer tipo de conhecimento pr-estabelecido como sendo um parecer absoluto. E, quanto mais dogmtico for, mais suspeitas jogarei em cima dele. As cincias se tornam obsoletas quando deixamos de question-las. Todos ns: Monitor e Acadmicos do I bloco de Direito. Gosto dos autores renomados e esse texto passa longe de ser uma crtica. , quando muito, um recordar de que eles so humanos. Tanto quanto o somos ns.

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O Arauto (do francs antigo: heralt) foi um mensageiro oficial na Idade Mdia, uma pr-forma do diplomata. O arauto fazia as proclamaes solenes, verificava ttulos de nobreza, transmitia mensagens, anunciava a guerra e proclamava a paz. Na monarquia moderna, o arauto apregoa casamentos reais ou aclamaes dos reis.

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Quando cursava o 1 perodo do curso de Bacharelado em Direito uma grande professora de Filosofia, Nehandeara Nazira Nogueira Guerra, desinibidamente desconfiada me advertiu: sendo a filosofia o amor [filos] ao saber [sophia], o filsofo s existe enquanto leitor. O pensador amar sua filosofia mais que qualquer outra. Estranho seria justamente ele negar isso. Sou simptico crenas mas, sobretudo, as que no se julgam verdades. Gosto das celebridades por trs dos argumentos, mas, especialmente, daqueles que conseguem duvidar facilmente de si mesmos. Para mim, de omnibus dubitandum [de tudo duvidar] algo para apostar. Mas eu que no vou entrar na fila, que j h muito se formou, para por pedras sobre esse assunto. Isso o que eu penso e, sendo assim, o que eu tenho dizer. Data venia: Integrao e aplicao do Direito Tema bastante discutido pelos alunos do 1 bloco de Direito a aplicao do Direito. Na monitoria fomos procurados para dar esclarecimentos acerca do que vem a ser a Equidade como meio de preencher as lacunas da lei e de qual a sua importncia na aplicao do Direito. Respondeu o monitor: Equidade bom senso. Devem os novis acadmicos atentar para a percepo humanizada do Direito. Pois ao se analisar um processo est-se analisando vidas que podem ser impactadas pelos provimentos dados quela demanda. Os autos no so apenas um conjunto ordenado de peas que simplesmente exigem decises em celeridade comedida pela expresso da sentena, mas demonstram-se um meio atravs do qual as pessoas se entregam a tutela estatal para conseguir a soluo justa para seus intentos. Peo licena s regras da ABNT para transcrever a deciso do desembargador Jos Luiz Palma Bisson, do Tribunal de Justia de So Paulo, proferida num recurso de agravo de instrumento ajuizado contra despacho de um magistrado da cidade de Marlia (SP), que negou os benefcios da justia gratuita a um menor, filho de um marceneiro que morreu depois de atropelado por uma motocicleta. O menor ajuizou uma ao de indenizao contra o causador do acidente pedindo penso de um salrio-mnimo, mais danos morais decorrentes do falecimento do pai. Por no ter condies financeiras para pagar custas do processo, o menor pediu a gratuidade prevista

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na Lei 1060/50. O juiz, porm, negou-lhe o direito, argumentando que ele no apresentara prova de pobreza e, tambm, por estar representado no processo por "advogado particular". Tomo essa deciso como um exemplo extremo do uso da Equidade, ou seja, do bom senso, e me emociono ao ler as belas palavras do ilustre desembargador. No tripudio a deciso do juiz, pois so muitos os casos em que ocorre ausncia de Equidade em nvel bem mais constrangedor aos ideais do acesso a justia justa para citar expresso de Ada Pellegrini Grinover. Eis o relatrio do desembargador: Que sorte a sua, menino, depois do azar de perder o pai e ter sido vitimado por um filho de corao duro - ou sem ele, com o indeferimento da gratuidade que voc perseguia. Um dedo de sorte apenas, verdade, mas de sorte rara, que a loteria do distribuidor, perversa por natureza, no costuma proporcionar. Fez caber a mim, com efeito, filho de marceneiro como voc, a misso de reavaliar a sua fortuna. Aquela para mim maior, alis, pelo meu pai - por Deus ainda vivente e trabalhador legada, olha-me agora. uma plaina manual feita por ele em pau-brasil, e que, aparentemente enfeitando o meu gabinete de trabalho, a rigor diuturnamente avisa quem sou, de onde vim e com que cuidado extremo, cuidado de arteso marceneiro, devo tratar as pessoas que me vm a julgamento disfarados de autos processuais, tantos so os que nestes vem apenas papel repetido. uma plaina que faz lembrar, sobretudo, meus caros dias de menino, em que trabalhei com meu pai e tantos outros marceneiros como ele, derretendo cola coqueiro - que nem existe mais - num velho fogo a gravetos que nunca faltavam na oficina de marcenaria em que cresci; fogo cheiroso da queima da madeira e do po com manteiga, ali tostado no paralelo da faina menina. Desde esses dias, que voc menino desafortunadamente no ter, eu hauri a certeza de que os marceneiros no so ricos no, de dinheiro ao menos. So os marceneiros nesta Terra at hoje, menino saiba, como aquele Jos, pai do menino Deus, que at o julgador singular deveria saber quem . O seu pai, menino, desses marceneiros era. Foi atropelado na volta a p do trabalho, o que, nesses dias em que qualquer um motorizado, j sinal de pobreza bastante. E se

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tornava para descansar em casa posta no Conjunto Habitacional Monte Castelo, no castelo somente em nome habitava, sinal de pobreza exuberante. Claro como a luz, igualmente, o fato de que voc, menino, no pedir penso de apenas um salrio mnimo, pede no mais que para comer. Logo, para quem quer e consegue ver nas aplainadas entrelinhas da sua vida, o que voc nela tem de sobra, menino, a fome no saciada dos pobres. Por conseguinte um deles , e no deixa de s-lo, saiba mais uma vez, nem por estar contando com defensor particular. O ser filho de marceneiro me ensinou inclusive a no ver nesse detalhe um sinal de riqueza do cliente; antes e ao revs a nele divisar um gesto de pureza do causdico. Tantas, deveras, foram as causas pobres que patrocinei quando advogava, em troca quase sempre de nada, ou, em certa feita, como me lembro com a boca cheia d'gua, de um prato de alvas balas de coco, verba honorria em riqueza jamais superada pelo ldico e inesquecvel prazer que me proporcionou. Ademais, onde est escrito que pobre que se preza deve procurar somente os advogados dos pobres para defend-lo? Qui no livro grosso dos preconceitos... Enfim, menino, tudo isso para dizer que voc merece sim a gratuidade, em razo da pobreza que, no seu caso, grita a plenos pulmes para quem quer e consegue ouvir. Fica este seu agravo de instrumento ento provido; mantida fica, agora com ares de definitiva, a antecipao da tutela recursal. como marceneiro que voto. Jos Luiz Palma Bisson - relator sorteado"10 Essa foi uma demonstrao de como as interpretaes podem ser mltiplas e a integrao e aplicao do Direito pode ser complicada e de infinita sensibilidade. Logo segundo o entendimento de STRECK (2011, p. 129):

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Agravo de Instrumento 0084039-57.2005.8.26.0000. Data do julgamento: 19/01/2006. rgo julgador: 36 Cmara do D.OITAVO Grupo (Ext. 2 TAC). Comarca: Marlia-SP.

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Questo (sempre) presente nos debates acerca do processo hermenutico no campo jurdico diz respeito integrao e ao preenchimento das lacunas do Direito. Embora colocados como diferentes, so espcies do mesmo gnero, subsumindo-se na amplitude do sentido comum terico dos juristas, em que se insere a discusso das diferentes maneiras admitidas/permitidas para o processo argumentativo e hermenutico do Direito. (grifo do Monitor)

Com efeito, o sistema jurdico brasileiro coloca-se como formalmente cerrado, dizer, a combinao dos artigos 4 da LICC com o art. 126 do Cdigo de Processo Civil reproduz o princpio do non liquet.11 O problema da lacuna surge a partir do sculo XIX, juntamente com o fenmeno da positivao do Direito, estando a ideia de lacuna ligada de sistema, visto este como uma totalidade ordenada, um conjunto de entes, entre os quais existe uma certa ordem (Bobbio). O conceito de lacuna, em verdade, veio alargar o campo da positividade do Direito a partir dele mesmo, exatamente porque uma construo da dogmtica jurdica, que tanto assegurava a eventuais critrios transcendentes uma colorao positivante, como d fora e serve de sustentculo argumentao do intrprete do Direito.12 O professor Lenio Luiz Streck afirma que uma das fontes principais da discusso acerca da problemtica das lacunas est em Kelsen, que, de forma taxativa, classifica a tese das lacunas do Direito e a omisso do legislador como sendo fices. Para Kelsen, se, em alguns casos, se fala de uma lacuna do Direito, no porque uma deciso seja logicamente impossvel ante a falta de disposies aplicveis, e sim, simplesmente, porque a deciso logicamente possvel aparece ao rgo aplicador como inoportuna ou injusta, e, por isso, este se inclina a admitir que o legislador no previu este caso, sendo que, se efetivamente o tivesse previsto, por certo teria tomado deciso diferente da que resulta do Direito vigente. Da que, de onde se pretende ver uma lacuna, h, na verdade, to somente uma divergncia entre o Direito positivo e outro Direito considerado melhor ou mais justo. Ou seja, somente a comparao entre esses dois Direitos faz aparecer a insuficincia do Direito positivo.13

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Non Liquet significa algo que no est claro para o juiz deixando este de sentenciar. Nesse sentido, ver Ferraz Jr, Trcio Sampaio. Funo Social da dogmtica jurdica. So Paulo: RT, 1978, p. 156 e 157. 13 Cf. Kelsen, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. Joo Baptista Machado. Coimbra: Armnio Amado, 1979, p. 334-343.12

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Dito de outro modo, pode-se afirmar que uma lacuna considerada como justa pelo interprete ou aplicador aparece sempre como um texto normativo claro. Por outro lado, um dispositivo que de uma lei, entendido como injusto, aparece sempre aos olhos do intrprete ou do aplicador como obscuro e, s vezes, a questo enquadrada como um caso de ausncia legislativa, enfim, uma lacuna. Ressalte-se, diz Lenio Luiz Streck que necessrio distinguir bem as frmulas lacunas da lei e lacunas do Direito. De fato, a confuso que feita por considervel parte da doutrina brasileira traz, de forma subjacente, vrias questes, dentre elas, o entendimento acerca do papel efetivo que exercem no sistema os dispositivos legais de clausura e ausncia (arts. 4 da LICC e 126 do CPC). Em verdade, o conceito de lacuna tcnica elaborado por parte da doutrina no pode conviver com os aludidos dispositivos legais. Isso porque s se poderia falar na existncia de tais lacunas no Direito primitivo ou no Direito internacional, no qual h ausncia de rgos centralizadores de criao e aplicao de normas. Frise-se, no entanto, que tal ausncia torna intil o argumento da lacuna, posto que, no caso de ordens jurdicas como as mencionadas, o problema da lacuna secundrio, ou seja, em primeiro lugar, dever-se-ia decidir se h normas, para s ento, aps isso, discutir a existncia de algumas. Isso implica ver o Direito como sinnimo de lei, pois se o Direito extrapola a lei, fica mais difcil de se falar em lacunas. Do mesmo modo, isso tambm implica identificar a lei somente com as normas primrias, desconsiderando-se as normas secundrias (de competncia, etc.). Pode-se observar isso em Kelsen, para quem, de acordo com o sistema de normas primrias que prope, as nicas autorizaes jurdicas possveis so as dirigidas aos rgos encarregados da aplicao das sanes. Ou seja, as normas primrias, que prescrevem, em certas condies ou no, a privao a um sujeito de seus bens por meio de fora, ou no, so normas genunas, o que significa que uma ordem jurdica est integrada s por elas. Quanto s normas secundrias, so meros derivados lgicos das normas primrias, e sua enunciao s tem sentido para fins de uma explicao mais clara do Direito. STRECK (2011, p. 131) doutrina que Herbert Hart, por sua vez, considera o ordenamento jurdico como uma unio de diferentes tipos de normas ou regras, classificandoas em primrias e secundrias. Assim, as regras primrias so as que prescrevem aos indivduos a realizao de certos atos, querendo-os ou no; impem, em certo sentido, obrigaes, uma vez que tem fora compulsiva. Tais regras dirigem-se no somente aos

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funcionrios, seno tambm aos sditos, indicando-lhes condutas. J as regras secundrias so as que no se ocupam diretamente do que os indivduos devem ou no fazer, e sim das regras primrias. As regras secundrias so de trs tipos: as de reconhecimento, as de alterao e as de julgamento.14 Cabe, neste ponto, um alerta necessrio: no se pretende, por bvio, aqui, defender a tese do dogma de completude do Direito. Entretanto, o que deve ser colocado que, da forma dogmtica como a maior parte dos doutrinadores brasileiros aborda a problemtica das lacunas, no h, logicamente, espao para a existncia das mesmas. Em outras palavras: uma viso alternativa, de cunho mais avanado para essa questo, pode ser vista a partir de autores como Ronald Dworkin e Karl Larenz. O professor Streck ressalta ainda que a discusso sobre a existncia (ou no) de lacunas no Direito assume relevncia, basicamente, em dois aspectos: em primeiro lugar, a discusso importante para a prpria dogmtica jurdica, na medida em que a tese das lacunas serve como forte elemento norteador e, tambm, como sustentculo ao Direito visto de maneira circular e controlado; em segundo lugar, serve, igualmente serve como argumento desmi(s)tificador do prprio dogma do Direito baseado no modelo napolenico, pois pode-se entender, sem dvida, que, quando o juiz est autorizado/obrigado a julgar nos termos dos arts. 4 da LICC e 126 do CPC (isto , deve sempre proferir uma deciso), isso significa que o ordenamento , dinamicamente, completvel, atravs de uma autorreferncia ao prprio sistema jurdico. Assim, resumindo a discusso, no existem lacunas tcnicas, sendo todas elas axiolgicas. Vejamos o que diz Juarez Freitas apud STRECK (2011, p. 132):Mutatis mutandis, as lacunas guardam similitudes com as antinomias jurdicas. Dito de outro modo, assim como as lacunas do Direito so axiolgicas, tambm as antinomias o so. Com efeito, conforme assevera Juarez Freitas, a antinomia guarda relao de semelhana no de identidade com os conflitos pragmticos, com a reiterao das ressalvas de que inexiste ausncia de critrios para a soluo, j que sempre prepondera o critrio da hierarquizao axiolgica, mesmo no conflito entre princpios, sendo que, longe de contest-la, robustece esta posio o fato de que eventualmente uma lei especial pode at preponderar, primeira vista, sobre uma norma superior, conquanto, na realidade, tenha sido dada a primazia ao comando principiolgico superior da unidade ou da concordncia prtica, ou outro, dependendo do caso concreto. Desse modo, Freitas afirma, com razo guardadas minhas ressalvas nfase dada por ele hierarquizao que a classificao entre antinomias solveis e insolveis falaciosa: as antinomias so reais quando a hierarquizao superior, como seja o subprincpio hermenutico da concordncia14

Cf. Hart, Herbert. O conceito de Direito. Trad. de A. Ribeiro Mendes. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 1971, p. 89-109.

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prtica, e por fora de compatibilizao, tornando-as, apenas em um segundo momento, aparentes, em face da suposta preexistncia de antinomias.

Complementa ainda o professor Streck que a colmatao (sic) das lacunas axiolgicas passa por critrios definidos hermeneuticamente, passando a ter relevncia retrica os assim denominados princpios gerais do Direito, que, alis, fazem parte da dico do art. 4 da Lei de Introduo do Cdigo Civil: Art. 4. Quando a lei for omissa, o juiz decidir o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princpios gerais do direito. Esse texto complementado pelo art. 126 do CPC, com o qual ocorre o fechamento do sistema, originalmente estabelecido pelo art. 4 do Cdigo Civil Napolenico: Art. 126. O juiz no se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe- aplicar as normas legais; no as havendo, recorrer analogia, aos costumes e aos princpios gerais do direito. Notcia muito interessante vem elencada em STRECK (2011, p. 133):J de pronto deve ser dito: no Constitucionalismo Contemporneo, marcadamente ps-positivista, no h mais espao para os princpios gerais do direito, que no passam de axiomas com finalidades prprias no positivismo do sculo XIX.

Princpios gerais do Direito versus Constitucionalismo Contemporneo Na monitoria tambm fomos procurados para dar esclarecimentos acerca do tema: princpios gerais do Direito. E diante dos questionamentos dos alunos achou-se por bem que fosse feita uma pesquisa acerca da evoluo dos conceitos aplicados pela doutrina mais recente. Como fonte principal, a esta minha pesquisa, usei a tese do professor Lenio Luiz Streck que traz o seguinte tema: Os princpios constitucionais e a superao dos princpios gerais do Direito o problema do panprincipiologismo. (STRECK, 2011, p. 138-150) Os princpios gerais do Direito nunca tiveram conceito definido. Alguns doutrinadores dizem que os princpios correspondem a normas de direito natural, verdades jurdicas universais e imutveis, inspiradas no sentido de equidade; Maria Helena Diniz diz que os princpios gerais do direito so decorrentes de normas do ordenamento jurdico, ou seja, dos subsistemas normativos, e derivados de ideias polticas, sociais e jurdicas; Paulo de Barros Carvalho acentua que os princpios so mximas que se alojam na Constituio ou que se despregam das regras do ordenamento positivo, derramando-se por todo ele. Conhec-las pressuposto indeclinvel para a compreenso de qualquer subdomnio normativo.

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Malgrado tais esforos, o professor Lenio entende que, com o advento do constitucionalismo principiolgico, no h mais que falar em princpios gerais do Direito, pela simples razo de que foram introduzidos no Direito como um critrio positivista de fechamento do sistema, visando preservar, assim, a pureza e a integridade do mundo de regras. Nesse sentido, basta observar algumas questes que, pelo seu valor simblico, representam o modo pelo qual a instituio positivismo assegura a sua validade mesmo em face da emergncia de um novo paradigma. Para entender melhor essa afirmao leia-se Cornelius Castoriadis apud STRECK (2011, p. 139):Com efeito, possvel dizer que e aqui penso que um retorno a Castoriadis de fundamental importncia , tomada a palavra instituio no seu sentido mais amplo e mais radical, o positivismo jurdico tem a fora de uma instituio, porque compreende normas, valores, modo prprio de linguagem, instrumentos, procedimentos e mtodos de fazer frente s coisas e de fazer coisas e ainda, claro, o prprio indivduo. E como se impe as instituies? De modo superficial, diz Castoriadis, e apenas em alguns casos, mediante coero e as sanes. Menos superficialmente, e de forma mais ampla, mediante a adeso, o apoio, o consenso, a legitimidade, a crena. Contudo, em ltima anlise, complementa o pensador Grecofrancs, por meio e atravs da moldagem da matria-prima humana em indivduo social, no qual esto incorporados tanto as prprias instituies como os mecanismos de sua perpetuao. Por isso, no pergunte como possvel que a maioria das pessoas no venham a roubar, ainda que tivessem fome? No pergunte nem mesmo como possvel que elas continuem a votar em tal ou qual partido mesmo aps terem sido repetidamente enganadas? Pergunte-se antes: qual a parcela de todo o meu pensamento e de todas as minhas maneiras de ver as coisas e de fazer as coisas que no est condicionada e codeterminada, em um grau decisivo, pela estrutura e pelas significaes de minha lngua materna, pela organizao do mundo que essa lngua carrega consigo, pelo meu primeiro ambiente familiar, pela escola, por todos os faa e no faa com que frequentemente fui assediado, pelos meus amigos, pelas opinies correntes a meu redor, pelos modos de fazer que me so impostos, pelos inumerveis artefatos que me cercam, e assim por diante. Somos, pois, fragmentos ambulantes da instituio de nossa sociedade, e nos movemos naquilo que Castoriadis chama de magma de significaes imaginrias sociais. E so imaginrias essas significaes porque elas no correspondem a e no se esgotam em referncias a elementos racionais ou reais e porque so introduzidas por uma criao. E so sociais, pois elas somente existem enquanto so institudas e compartilhadas por um coletivo impessoal annimo.

Esse o caso de trs dispositivos que funcionam como elementos de resistncia no interior do sistema jurdico, como que para demonstrar a prevalncia do velho em face do novo.

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Vejamos (grifo de Lenio Luiz Streck): mesmo com a vigncia de um novo Cdigo Civil desde 2003, continua em vigor a velha Lei de Introduo ao Cdigo Civil de 1942. Um dos pilares da Lei o artigo 4, que, ao lado do artigo 126 do Cdigo de Processo Civil, funciona como uma espcie de fechamento autopoitico do sistema jurdico. Segundo o artigo 4, quando a lei for omissa, o juiz decidir o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princpios gerais do direito. Em linha similar tem-se o artigo 3 do Cdigo de Processo Penal, tambm da dcada de 40 do sculo passado, segundo a qual a lei processual penal admitir interpretao extensiva e aplicao analgica, bem como o suplemento dos princpios gerais do direito. J o artigo 335 do Cdigo de Processo Civil, fruto do regime militar, acentua que em falta de normas jurdicas particulares, o juiz aplicar as regras de experincia comum subministradas pela observao do que ordinariamente acontece e ainda as regras da experincia tcnica, ressalvado, quanto a esta, o exame pericial. Importante lembrar que, espantosamente, o PSL n 166/2010 (projeto de Novo Cdigo de Processo Civil) mantm, em seu art. 265 a mesma redao do art. 335 do CPC/1973 transcrito acima. H apenas a correo de aspectos gramaticais, mas nenhuma alterao no contedo jurdico do dispositivo. A relatoria do Senado, por sua vez, apenas fez uma transferncia topogrfica do artigo, preservando, tambm, a mesma redao no art. 361.15 Doutrina mais uma vez STRECK (2011, p. 140):Os dispositivos, a par de sua inequvoca inspirao positivista (permitindo discricionariedades e decisionismos), e sua frontal incompatibilidade com uma leitura hermenutica do sistema jurdico, superadora do esquema sujeito-objeto (filosofia da conscincia), mostram-se tecnicamente inconstitucionais (no recepcionados). Com efeito, com relao LICC, na era dos princpios, do Constitucionalismo e do Estado Democrtico de Direito, tudo est a indicar que no mais possvel falar em omisso da lei que pode ser preenchida a partir da analogia (sic), costumes (quais?) e os princpios gerais do direito.

De todo modo, no se pense isso assim porque a LICC de 1942. Os dois projetos de lei (PL 243/02 e 269/04) que tramitaram no Congresso Nacional (recentemente arquivados16), e que objetivavam alterar a LICC, adaptando-a ao novo Cdigo Civil, repetiam o dogma positivista da dcada de 40 do sculo passado. Isso tudo em pleno Estado15

Refira-se que, at o presente momento, o PLS 166/2010 teve sua aprovao mediante algumas alteraes propostas pela relatoria no Senado Federal, aguardando votao da Cmara dos Deputados que, em tese, pode ainda restaurar a redao originalmente concebida pela comisso de juristas que criou o projeto de NCPC. A relatoria-geral, no Senado, ficou a cargo do Senador Valter Pereira (PMDB-MS). Sua relatoria contou com o apoio de uma comisso tcnica composta pelos juristas Athos Gusmo Carneiro, Cassio Scarpinella Bueno, Dorival Renato Pavan e Luiz Henrique Volpe Camargo. 16 Ambos os projetos de lei foram arquivados em janeiro de 2011, por ocasio do fim da legislatura.

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Democrtico de Direito, em que a Constituio tema de milhares de dissertaes de mestrado, centenas de teses de doutorado, para no falar da farta literatura sobre a matria. Agregue-se, ainda, por relevante, diz Lenio, que a LICC fruto de um modelo de direito liberal-individualista (modelo formal burgus, se assim se quiser) que resume o direito s relaes privadas. Da que, quando se lia Lei de Introduo ao Cdigo Civil, era o mesmo que ler lei de introduo ao (prprio) direito. Veja-se que, at dezembro de 2010, isso no passava de um modo como a comunidade jurdica concebia a LICC. Ocorre que, com a edio da Lei 12.376, em 30 de dezembro de 2010, essa questo foi institucionalizada, pois a partir disso a LICC deixou de ser assim chamada, recebendo o seguinte ttulo: Lei de Introduo s Normas do Direito Brasileiro, o que absolutamente sintomtico. de grande impacto o comentrio de STRECK (2011, p. 141) sobre essa matria, seno vejamo-lo in vebis:Ora, uma teoria do direito que quer ser sria e profunda no pode se quedar silente em face desse estado darte. Com efeito, ao se manter, nesta quadra histrica, uma lei de introduo ao direito (sic) pautada na interpretao do Cdigo Civil e nos parmetros para uma aplicao geral do direito, est-se contribuindo para uma resistncia de um modelo (positivista) em relao ao novo constitucionalismo, que ingressa na histria justamente para superar o antigo modelo. Desse modo, jamais se ter a constitucionalizao do direito civil; no mximo, ter-se- uma codificao da Constituio. por isso que uma (nova) LICC apenas confirma a resistncia positivista aqui denunciada. Trata-se, pois, de uma contradio: em pleno pspositivismo, a manuteno do principal ferramental do positivismo (na verdade, do positivismo mais primitivo e ingnuo).

O artigo 3 do Cdigo de Processo Penal repete aluso ao apelo que o juiz deve fazer aos princpios gerais do direito (sic), tal qual o aludido artigo 4 da Lei de Introduo ao Cdigo Civil. PL 243/2002 mantm, no 2 do art. 8, os mesmos critrios de colmatao presentes no art. 4 da LICC