relatório da comissão de seguridade social e família sobre agrotóxicos - padre joão

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  • 7/25/2019 Relatrio Da Comisso de Seguridade Social e Famlia Sobre Agrotxicos - Padre Joo

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    CMARA DOS DEPUTADOS

    COMISSO DE SEGURIDADE SOCIAL EFAMLIA

    SUBCOMISSO ESPECIAL SOBRE O USO DEAGROTXICOS E SUAS CONSEQUNCIAS SADE

    NOVEMBRO DE 2011

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    UTA

    DEPUTADOS COMPONENTES DA SUBCOMISSO ESPECIAL SOBRE OUSO DE AGROTXICOS E SUAS CONSEQUNCIAS SADE:

    TITULARES

    1. DEPUTADO ALEXANDRE ROSO PSB (RS)

    2. DEPUTADO AMAURI TEIXEIRAPT (BA)

    3. DEPUTADO DARCCIO PERONDI PMDB (RS)

    4. DEPUTADO OSMAR TERRA PMDB (RS)

    5. DEPUTADO PADRE JOO PT (MG)

    6. DEPUTADO ROBERTO DE LUCENA PV (SP)

    SUPLENTES

    1. DEPUTADO ANDRE ZACHAROW PMDB (PR)2. DEPUTADA CLIA ROCHA PTB (AL)

    3. DEPUTADO DR. ROSINHA PT (PR)

    4. DEPUTADA RIKA KOKAY PT (DF)

    5. DEPUTADO GIVALDO CARIMBO PSB (AL)

    6. DEPUTADA ROSINHA DA ADEFAL PT do B(AL)

    PRESIDENTE: DEPUTADO OSMAR TERRA

    VICE-PRESIDENTE: DEPUTADO ALEXANDRE ROSO

    RELATOR: DEPUTADO PADRE JOO

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    SUMRIO

    AGRADECIMENTOS................................................................................6

    1. APRESENTAO................................................................................7

    2. CONTEXTO BRASILEIRO.................................................................11

    3. MARCO REGULATRIO...................................................................18

    4. IMPACTOS DOS AGROTXICOS .................................................21

    4.1. Impactos dos agrotxicos na sade humana.......................24

    4.1.1. Impactos na sade da populao.................................24

    4.1.2. Impactos na sade dos trabalhadores.........................304.2. Impactos dos agrotxicos no meio ambiente.................314.2.1. Destinao Final de Embalagens dos Agrotxicos...41

    5. ATRIBUIES DO ESTADO SOBRE OS AGROTXICOS...........515.1. O CONTROLE PRVIO ............................................................515.2. O CONTROLE POSTERIOR .....................................................53

    5.2.1. Papel da Anvisa..............................................................54

    5.2.2. Ministrio da Agricultura, Pecuria, Abastecimento..58

    5.2.3. Ibama/Meio Ambiente....................................................59

    6. PROBLEMAS DETECTADOS E ENCAMINHAMENTOS (14)..........65CONSIDERAES FINAIS...................................................................98

    ANEXO I PROJETOS DE LEI...........................................................101

    ANEXO II INDICAES ...................................................................115

    ANEXO III PROPOSTA DE FISCALIZAO FINANCEIRA E

    CONTROLE .........................................................................................138

    ANEXO IV DADOS E GRAFICOS SOBRE AGROTOXICOS...........142

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    GLOSSRIO DE SIGLAS

    ABIFINA - Associao Brasileira das Indstrias de Qumica FinaABIQUIM - Associao Brasileira da Indstria Qumica

    AENDA - Associao Nacional de Defensivos Genricos

    ANAC - Agncia Nacional de Aviao Civil

    ANDEF - Associao Nacional de Defesa Vegetal

    ANVISAAgncia Nacional de Vigilncia Sanitria

    CNPqConselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico

    CNA - Confederao Nacional da Agricultura

    CONASEMS - Conselho Nacional de Secretrios Municipais de Sade

    CSSF - Comisso de Seguridade Social e Famlia

    EMPRABAEmpresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria

    FIOCRUZFundao Oswaldo Cruz

    IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais

    Renovveis

    IBGEInstituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    INPEVInstituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias

    MAPA - Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento

    MCTIMinistrio da Cincia, Tecnologia e Inovao

    MMAMinistrio do Meio Ambiente

    MPS - Ministrio da Previdncia Social

    TEM - Ministrio do Trabalho e Emprego

    MSMinistrio da Sade

    PARAPrograma de Anlise de Resduos de Agrotxicos em Alimentos

    P & DPesquisa e Desenvolvimento

    PNADPesquisa Nacional por Amostra de Domiclios

    SINANSistema de Informaes de Agravos de NotificaoSINITOXSistema Nacional de Informaes Txico Farmacolgicas

    SINDAG - Sindicato Nacional da Indstria de Produtos para a Defesa Agrcola

    UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais

    UFMT - Universidade Federal do Mato Grosso

    UNESPUniversidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho

    UNICAMPUniversidade Estadual de Campinas

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    AGRADECIMENTOS

    Este Relator se sente na obrigao de, em nome de todosos componentes da Subcomisso Especial sobre o Uso de Agrotxicos e suas

    Consequncias Sade, agradecer a todos os participantes dos trabalhos

    desenvolvidos nesta Casa, em especial aos tcnicos que participaram do

    Grupo de Trabalho e Apoio Tcnico desta Subcomisso. Agradeo ainda s

    instituies pblicas e privadas que acolheram os convites feitos pela

    Subcomisso para a participao nas Audincias e Auscultas realizadas e

    encaminharam as documentaes requeridas, bem como aos palestrantes que

    emprestaram um pouco do seu conhecimento e experincia sobre tema to

    relevante para a sociedade brasileira.

    Apesar de todas as dificuldades e obstculos enfrentados

    durante os cento e oitenta dias de desenvolvimento das tarefas propostas,

    paralelamente aos demais atos da atividade parlamentar, sempre contamos

    com o sincero apoio de diversos setores desta Casa e de outras instituies. A

    complexidade do assunto e a diversidade de teses e posicionamentos que

    circundam o tema em comento fizeram com que o referido tempo se tornasse

    exguo. Agora, na fase final dos trabalhos, que temos a real noo de que umtema dessa envergadura no pode ter sua discusso esgotada nos trabalhos

    da Subcomisso. Os debates precisam prosseguir, pois o caminho em busca

    de um modelo de produo ideal e menos perigoso mostrou-se um tanto

    longnquo.

    Por fim, agradecemos imensamente a todos os servidores

    da Cmara dos Deputados e dos demais rgos pblicos que auxiliaram de

    forma inestimvel a realizao dos trabalhos.

    Dep. PADRE JOO

    Relator

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    1. APRESENTAO

    A Comisso de Seguridade Social e Famlia da Cmarados Deputados tem, como uma de suas principais atribuies, o debate de

    temas que envolvam o direito sade individual e coletiva. Perante tal

    atribuio, a utilizao intensa e a possibilidade do uso indiscriminado dos

    agrotxicos, que tem representado srios riscos sade humana, chamou a

    ateno de diversos membros da Comisso. Por iniciativa deste Relator, foi

    criada a Subcomisso Especial sobre o Uso dos Agrotxicos e suas

    Consequncias Sade, instalada em maio de 2011.

    O objetivo geral da referida Subcomisso foi o de avaliaros processos de controle e usos dos agrotxicos e suas repercusses na

    sade pblica. Esse objetivo central foi desdobrado em dois tpicos

    especficos. O primeiro consiste em propor mecanismos e instrumentos que

    pudessem aperfeioar as regras sobre agrotxicos e reduzir seus impactos

    para uma maior proteo da sade da populao. O segundo, em propor

    iniciativas que pudessem promover alternativas mais saudveis para a

    produo de alimentos.

    Como visto, o desafio estabelecido foi bastante

    audacioso, ainda mais se considerarmos o contexto atual que envolve o tema

    dos agrotxicos em um pas que se autodenomina o celeiro do mundo, que se

    orgulha em ser um dos maiores produtores de alimentos em todo o globo e no

    qual o combate fome constitui sempre uma das principais bandeiras polticas.

    O desafio de produzir alimentos em maior quantidade e de melhor qualidade, a

    preos cada vez mais acessveis para toda a populao, instiga no s os

    produtores rurais, mas tambm os governos federal, estaduais e municipais.

    A Subcomisso em tela selecionou, ento, os seguintes

    tpicos como reas prioritrias de estudos:

    a) impactos dos agrotxicos na sade pblica;

    b) repercusses do uso dos agrotxicos na previdncia

    social;

    c) consequncias dos agrotxicos na assistncia social e

    nas famlias.

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    O foco legislativo ficou delimitado anlise e

    detalhamento dos impactos dos agrotxicos na sade pblica. Tais impactos

    devem cindir-se sade do trabalhador, da populao em geral e do meioambiente. Para o desenvolvimento dos trabalhos foi estabelecido ainda um

    Grupo de Trabalho de Apoio Tcnico - GTA, no mbito desta Subcomisso,

    composto pelos assessores dos parlamentares que compem a Subcomisso,

    tcnicos representantes dos Ministrios envolvidos (MAPA, MS/Anvisa e

    MMA/Ibama, alm dos consultores legislativos da Camara Federal.

    Para se desincumbirem a contento da misso a que se

    propuseram, os membros da subcomisso subdividiram os trabalhos em temas

    tcnicos. Os aspectos socioeconmicos envolvem questes relacionadas como registro tcnico e rotulagem; produo, importao, comercializao e

    propaganda. No que tange aos aspectos socioambientais, os temas a serem

    tratados concernem ao uso e manipulao no campo e nas cidades; destinao

    final das embalagens; consumo e contaminao dos alimentos e impactos na

    sade ambiental. A normatizao e regulamentao; a fiscalizao; a

    implementao de polticas, pesquisas e tecnologias, foram eleitos como temas

    transversais.

    Obviamente, considerando que um plano de trabalho foi

    devidamente discutido e aprovado pelos membros da Subcomisso, tal

    planejamento deve guiar os trabalhos do rgo tcnico e, consequentemente, a

    elaborao do Relatrio. Ainda que alteraes se faam necessrias no curso

    dos trabalhos, visando a uma melhor adequao realidade enfrentada, a

    base principal continua sendo o Plano de Trabalho, em especial pela

    legitimidade que lhe foi conferida pelos membros da Subcomisso.

    Durante o perodo de seu funcionamento, a Subcomissodos Agrotxicos realizou diversas reunies, audincias, auscultas e atividades

    externas. Foram no total 2 Audincias Pblicas e 9 Auscultas Tcnicas na

    Camara Federal, alm de visitas regionais de campo e Auscultas em Gois,

    DF (Fazenda Agroecolgica Malunga) e Minas Gerais (Una/Arinos/BH), entre

    outras atividades. Devemos salientar que os trabalhos desta Subcomisso,

    foram precedidos por uma Audincia Publica denominada O uso dos

    agrotxicos no Brasil e suas conseqncias sade realizada em abril ultimo,

    no mbito da Comisso de Seguridade Social e Famlia CSSF, a qual

    motivou decisivamente os parlamentares para aprovao da proposta de

    instalao desta Subcomisso Especial dos Agrotxicos.

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    Nesta Audincia realizada pela CSSF, estiveram

    presentes como palestrantes, tcnicos e representantes da Confederao

    Nacional da Agricultura, da Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria/ANVISA,do Movimento dos Pequenos Agricultores MPA e da Coordenao do Frum

    Nacional Contra os Agrotxicos. - O quadro abaixo traz uma sntese das

    principais audincias e auscultas realizadas na Cmara Federal, contendo as

    respectivas datas, temas debatidos e participantes convidados:

    Principais Atividades da Agenda da Subcomisso02.06.2011 Reunio de Apreciao e

    do Plano de Trabalho daSubcomisso

    Parlamentares membros da Subcomisso

    16.06.2011

    Audincia Pblica: - Acomercializao,fiscalizao e utilizaodos agrotxicos no Pas esuas conseqncias sade e na contaminaodos alimentos.

    1. Fabiana Malaspina Tcnica especializada doDepartamento de Vigilncia em Sade do Ambiental eSade do Trabalhador do Ministrio da Sade/MS2. Mrcio Rosa Rodrigues de Freitas- Coordenador-Geral de Avaliao e Controle de Substncias Qumicasda Diretoria de Qualidade Ambiental do IBAMA/MMA3. Lus Eduardo Pacifi Rangel- Engenheiro Agrnomoe Fiscal Federal Agropecurio do Ministrio daAgricultura, Pecuria e Abastecimento/MAPA;4. Marcos Franco Assessor Tcnico do ConselhoNacional de Secretrios Municipais deSade/CONASEMS.

    30.06.2011Ausculta TcnicaOsAgrotxicos e a viso dosmovimentos sociais.

    1.Fernando Carneiro - Professor da Universidade deBraslia e Representante do Frum Nacional dosAgrotxicos.

    05.07.2011Ausculta TcnicaOMarco Regulatrio sobreo Uso dos Agrotxicos.

    1. Luciano Gomes de Carvalho Pereira- ConsultorLegislativo na rea de Agricultura

    12.07.2011

    Ausculta Tcnica: - Arealidade sobre a cadeiaprodutiva dos agrotxicose suas conseqncias

    1. Letcia Rodrigues da Silva Representante daAgncia Nacional de Vigilncia Sanitria2. Vincius Mello Teixeira de Freitas - Secretrio doFrum Nacional dos Agrotxicos

    09.08.2011

    Ausculta Tcnica As

    pesquisas sobre o uso deagrotxicos e as aespara o controle biolgico.

    1. Edivaldo Domingues Velini - Pesquisador e Diretor

    da Faculdade de Cincias Agronmicas da UNESP2. Marcelo Augusto Boechat Morandi - Chefe deEmbrapa Meio Ambiente

    23.08.2011

    Audincia Pblica: - Aspesquisas cientficassobre o Uso dosAgrotxicos e suasconseqncias Sade.- Apresentao do filmedo cineasta SlvioTendler: O Veneno Estna Mesa

    1.Wanderley Pignati - Professor do Instituto de SadeColetiva da Universidade Federal do MatoGrosso/UFMT2. Marcelo Firpo de Souza Porto - Pesquisador doCentro de Estudos da Sade do Trabalhador e EcologiaHumana - Escola Nacional de Sade Pblica -Fundao Oswaldo Cruz3.Tarcsio Mrcio Magalhes Pinheiro - Professor deMedicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina

    da Universidade Federal de Minas Gerais/UFMGAusculta Tcnica Opapel dos Ministrios da

    1. Dr. Jeferson Seidler - Mdico e Auditor Fiscal doMinistrio do Trabalho e Emprego/MTE

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    01.09.2011 Previdncia e do Trabalhono monitoramento efiscalizao dos

    Agrotxicos

    2. Domingos Lino - Coordenador-Geral deMonitoramento de Benefcios do Ministrio daPrevidncia Social/MPS

    15.09.2011

    Ausculta Tcnica: - OSetor Empresarial, o Usodos Agrotxicos e as suasConseqncias Sade eao Meio Ambiente.

    1. Eduardo DaherMembro da Associao Nacionalde Defesa Vegetal/ANDEF e do Sindicato Nacional daIndstria de Produtos para a Defesa Agrcola/SINDAG2. Tarciso Bonachela- Vice-Presidente da AssociaoBrasileira das Indstrias de Qumica Fina, Biotecnologiae suas Especialidades /ABIFINA.3. Michael Haradom - Membro do Conselho-Diretor daAssociao Nacional de Defensivos Genricos / AENDA

    22.09.2011

    Ausculta Tcnica: - O

    Setor de Pulverizaoarea de Agrotxicos e sConseqncias Sade.

    1. Nelson Antonio Paim - Presidente do SindicatoNacional das Empresas de Aviao Agrcola/SINDAG2. Maurcio Jos Antunes Gusman Filho - Gerente

    Tcnico da Diretoria de Aeronavegabilidade da AgnciaNacional de Aviao Civil/ANAC3. Jos Maral dos Santos Jnior- Chefe da Divisode Mecanizao e Aviao Agrcola/MAPA

    20.10.2011

    Ausculta Tcnica: - OSetor EmpresarialComercial, o Uso deAgrotxicos e as suasConseqncias Sade.

    1. Juliana Hosken - Representante do InstitutoNacional para Processamento de EmbalagensVazias/INPEV2. Dr. Angelo Trap - Representante da AssociaoBrasileira da Indstria Qumica/ABIQUIM e daUniversidade Estadual de Campinas/Unicamp.3. Jos Roberto da Ros - Vice-Presidente do SindicatoNacional da Indstria de produtos para Defesa Agrcola

    10.11.2011 Ausculta tcnica: -

    1. Sra. Heloisa Rey FarzaRepresentante da AgnciaNacional de Vigilncia Sanitria/ANVISA2. Sr. Leontino Balbo Jr.- Representante da Fazendade Produtos Orgnicos NATIVE3. Sr. Fernando Carneiro - Representante do FrumNacional de Combate aos Impactos dos Agrotxicos4. Sr. Reginaldo Minare - Representante daConfederao Nacional da Agricultura/CNA

    Geralmente, os debates envolvendo os agrotxicos ocorrem

    historicamente na Cmara Federal sob a tica da agricultura. As anlises sobre

    a situao e os problemas gerados pelo uso e comercializao dessas

    substncias, sob a tica da sade, so raras e superficiais. O enfoque

    pretendido, no mbito da Subcomisso, foi o de privilegiar o estudo de to

    importante tema, mas de acordo com os interesses e repercusses na sade.

    Claro que o enfoque no poderia ser exclusivo, abstraindo-se os

    demais temas, at porque no mbito da temtica agrotxicos o enfoque

    ambiental e sob a tica do trabalhador tambm so relacionados com a sade,numa dimenso dialtica sobre o tema.

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    2. Contexto brasileiro

    Antes de adentrarmos especificamente no tema da

    Subcomisso, necessrio contextualizar a situao brasileira no que tange ao

    assunto em tela.

    Atualmente o Brasil ocupa a primeira posio no valor

    despendido, com a aquisio de substncias agrotxicas em todo o mundo. O

    volume consumido no nosso pas colocou o Brasil como sendo a nao que

    mais consome agrotxicos no mundo, o que traz muitas preocupaes nossa

    populao. Ainda mais quando tal liderana mundial noticiada de forma mais

    intensa. Vale ressaltar, entretanto, que o elevado consumo poderia serparcialmente explicado pelo volume da produo agrcola nacional. Nesse

    cenrio, devemos destacar que a rea ocupada atualmente pelos

    estabelecimentos agropecurios no Brasil de 329.941.393 hectares,

    distribudos em 5.175.489 estabelecimentos. S em Lavouras so 65 milhes

    de hectares, de florestas plantadas cinco milhes de hectares, sendo que de

    pastagens, 115 milhes de hectares so cultivadas e 144 milhes de hectares

    nativas. (Fonte: Censo agropecurio, 2006IBGE)

    Sendo a nossa agricultura fortemente embasada no usode substncias qumicas para o controle de pragas e doenas vegetais e de

    ervas invasoras, quanto maior a produo e a rea plantada, maior vem sendo

    o volume de agroqumicos utilizados. Mas o fato a ser destacado que no

    Brasil, o aumento do consumo superior ao aumento da produo agrcola,

    ampliando ainda mais as preocupaes quanto ao tema.

    Portanto, o aumento no consumo de agrotxicos no

    Brasil, praticamente o dobro em relao mdia mundial, obviamente no

    pode ser explicado to somente pelo aumento da produo. H ainda que seconsiderar o fato de que o clima tropical predomina na maior parte do territrio

    brasileiro e, nessas condies alta temperatura e umidade, ausncia de

    inverno frio (com neve), etc. em tese as pragas, doenas e plantas invasoras

    se multiplicariam de forma mais intensa que em climas temperados.

    Certamente as explicaes quanto a este aumento desse mercado tem razes

    de ordem econmica, poltica e socio-cultural mais complexa.

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    Alm disso, paralelamente ao aumento no consumo, a

    presena de resduos de agrotxicos em alimentos acima dos limites mximos

    recomendados, e a presena de produtos no permitidos para determinadosalimentos, tm sido seguidamente constatadas pelo Programa de Avaliao de

    Resduos de Agrotxicos em Alimentos - PARA, da Anvisa. Afora isso, nas

    fiscalizaes junto s empresas produtoras se observa recorrentemente sendo

    observadas algumas irregularidades. Esse conjunto de dados sugestivo de

    que possa haver uso indiscriminado e em desacordo das recomendaes

    presentes nas bulas dos produtos. Os desvios so certamente sentidos pelo

    solo, pela gua, pelo ar e nas condies de sade dos seres humanos.

    O fato de o Brasil ser um dos maiores produtoresagrcolas do mundo e o seu papel de lder mundial no combate fome no

    deveria ensejar o uso indiscriminado de agrotxicos e sem observncia dos

    critrios considerados necessrios sua aplicao com reduo de riscos.

    Vale lembrar que toda ao desproporcional aos fins

    previstos traz em seu bojo a potencialidade elevada de leses a determinados

    direitos de terceiros, pois tal desproporcionalidade sugere, em tese, um abuso

    de direito. Os desvios relacionados ao uso de agrotxico podem envolver sua

    utilizao em quantidades exageradas, o emprego de produtos no

    recomendados para determinadas culturas, ou ainda a inobservncia do

    intervalo de segurana (perodo mnimo entre a ltima aplicao e a colheita).

    Todos esses desvios podem ser fatores que aumentam os riscos sade

    humana e ao meio ambiente. Quanto maior o desvio, maiores sero os riscos.

    Todo esse contexto chamou a ateno da CSSF, em

    especial deste Relator, sobre os riscos sade e ao meio ambiente que tm

    sido gerados pelo uso intensivo de agrotxicos. Apenas no ano de 2010 foramcomercializados mais de um milho de toneladas de agrotxicos em todo o

    territrio nacional. Desse total, 750 mil toneladas foram produzidas no Pas,

    sendo o restante importado, cerca de 318 mil toneladas, conforme informaes

    apresentadas pela Anvisa por meio do Ofcio n. 641/2011 GADIP/ANVISA.

    Cumpre registrar que os produtos advindos do campo so responsveis por

    mais de trinta por cento das exportaes brasileiras e, portanto, so

    fundamentais para o supervit na balana comercial.

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    Com efeito, o Brasil possui destaque mundial quando o

    assunto a produo agrcola assim como precisamos realar que tambm se

    destaca pela sua biodiversidade. A ltima estimativa da safra nacional decereais, leguminosas e oleaginosas, feita pelo IBGE, indica uma produo da

    ordem de 159,4 milhes de toneladas, superior em 6,6% safra recorde de

    2010 (149,6 milhes de toneladas).

    A rea a ser colhida em 2011, de 48,6 milhes de

    hectares, apresenta acrscimo de 4,5% frente rea colhida em 2010. As trs

    principais culturas, que somadas representam 90,5% da produo de cereais,

    leguminosas e oleaginosas, o arroz, o milho e a soja, respondem por 82,5% da

    rea a ser colhida, registrando, em relao ao ano anterior, variaes de+1,6%, +3,5% e +3,3%, respectivamente. No que se refere produo, o arroz,

    o milho e a soja mostram, nessa ordem, acrscimos de 19,0%, 0,3% e 9,2%.

    Se por um lado o setor agrcola responde de forma forte e

    positiva com o aumento de produtividade, por outro lado, conforme dados

    coletados pelo IBGE na PNAD 2004/2009 e apesar da citada pujana do setor

    primrio brasileiro, cerca de 11,2 milhes de pessoas vivem em insegurana

    alimentar grave e reportaram alguma experincia de fome no perodo

    investigado.

    Outros 14,3 milhes de brasileiros esto sofrendo

    insegurana alimentar moderada, quando h limitao de acesso quantitativo

    aos alimentos. Assim, 25,5 milhes de pessoas no nosso pas vivem sob risco

    alimentar de moderado a grave. um nmero bem elevado, ainda mais se

    considerarmos a produo nacional. J a insegurana alimentar leve atinge

    cerca de 40,1 milhes de brasileiros. Ou seja, no total, 60,6 milhes de

    pessoas vivem sob risco alimentar de algum nvel.Tais dados, juntamente com a inteno de produtores e

    do governo de ampliar ao mximo a produtividade agrcola (aumento absoluto

    da produo com a manuteno da rea cultivada) favorece a busca de novos

    mtodos produtivos e a incorporao de tecnologias de ponta. Infelizmente, o

    combate fome tem servido como justificativa para algumas prticas

    deletrias, que produzem efeitos negativos ao homem e ao meio ambiente.

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    A utilizao de agrotxicos precisa ser vista e discutida

    tendo em mente esse contexto. Por serem produtos que, em situaes

    especficas, protegem a lavoura das pragas e evitam a perda da safra, osexageros podem vir a ser justificados pela luta contra a fome, pelo ganho de

    produo, pela melhoria da competitividade do Pas no cenrio internacional,

    entre outras razes. Pela cultura predominante no campo atualmente, a maioria

    dos produtores acaba achando necessrio o uso de determinados produtos

    agrotxicos em situaes especficas, ainda mais se considerarmos a

    tecnologia em uso e as bases em que o sistema brasileiro de produo

    agropecuria est fundamentado. A quase totalidade da produo nacional

    segue o modelo tradicional da dita revoluo verde, no qual substncias

    txicas so utilizadas para controlar pragas e doenas das plantas cultivadas e

    outras espcies vegetais consideradas invasoras.

    Em algumas das Audincias, setores colocaram que no

    h como modificar esse mtodo, em curto prazo ou de forma abrupta, sem

    trazer mais insegurana alimentar ao povo, ainda que reconheamos as

    vantagens para a sade e para a proteo do meio ambiente dos sistemas de

    produo agroecolgicos.

    Mas em mdio prazo, se houver uma priorizao por

    parte do governo federal, com polticas publicas agroecolgicas, este cenrio

    poder ser modificado. Obviamente, mtodos produtivos que respeitem a

    coexistncia de todos os seres vivos e o equilbrio dos ecossistemas

    apresentam ganhos considerveis para a promoo da sade humana e, por

    isso, precisam ser incentivados.

    A misso do Parlamento, diante desse quadro, envolve a

    promoo do equilbrio entre as diferentes posies que se opem nadiscusso desse importante tema, ao menos no curto prazo. A adoo de

    medidas que favoream e promovam os modelos de produo ditos

    agroecolgicos pode ser, no longo prazo, uma alternativa capaz de substituir o

    atual padro produtivo. Mas a ruptura no pode ser imediata. uma alterao

    que exige tempo adequado de transio, tempo este que pode variar de cultura

    para cultura, de regio para regio, e de poca para poca. Como sero visto

    no decorrer deste Relatrio, os desafios so muitos para o direito sade e

    para o sistema de sade pblica, mas as alternativas so poucas. Os trabalhos

    levados a efeito pela Subcomisso dos Agrotxicos mostraram tal premissa.

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    Ademais, devem-se reconhecer as dificuldades inerentes

    avaliao das consequncias do uso de agrotxicos na sade e no meio

    ambiente, em especial os de longo prazo. Isso porque diversas manifestaesclnicas e as patologias que acometem o ser humano, geralmente, no so de

    causa isolada. Por exemplo, quando se fala de neoplasias, os componentes

    externos, alm de estarem interligados, tambm se vinculam em parte ao

    componente gentico que cada um carrega desde a concepo. Durante a

    vida, o indivduo entra em contato com uma srie de agentes carcinognicos

    diferentes o que dificulta, aps o desenvolvimento do tumor, afirmar qual foi o

    agente principal, ou os agentes principais.

    Atualmente, com os mtodos de pesquisa disponveis aohomem, apesar de ser difcil vincular a ocorrncia de uma doena dessas

    utilizao de agrotxico, ainda que as suspeitas ou indcios sejam bastante

    fortes, j existem fortes indcios que o uso dos agrotxicos provoca cncer e

    outras doenas graves. Isso porque, ao longo da vida, mesmo aqueles que

    trabalham com agrotxicos diuturnamente, podem tambm tm contato com

    outras substncias cancergenas. Esse talvez seja um dos principais desafios a

    serem vencidos pelos estudiosos e pesquisadores do tema.

    De acordo com dados disponibilizados pela Anvisa

    Subcomisso, o crescimento do consumo de agrotxicos no mundo aumentou

    quase 100%, entre os anos de 2000 e 2009. No Brasil, a taxa de crescimento

    atingiu quase 200%, quando considerado o montante de recursos despendidos.

    Atualmente existem 2.195 produtos registrados no Brasil,

    mas s 900 so comercializados. Os registros so de titularidade de 136

    empresas diferentes. So cerca de 430 ingredientes ativos registrados. A

    comercializao desses produtos no Pas movimentou recursos da ordem deUS$ 7,3 bilhes, somente no ano de 2009.

    O Brasil ocupa a terceira posio mundial no que se

    refere importao de produtos agrotxicos. Fica atrs apenas da Frana e da

    Alemanha.

    Tamanha magnitude do uso dos agrotxicos reflete-se,

    obviamente, nos ndices de contaminao dessas substncias nos alimentos,

    nas plantas, nos solos e na gua. A contaminao de alimentos e do meio

    ambiente por substncias qumicas utilizadas na lavoura comprovada por

    diversos estudos e anlises promovidas por instituies pblicas e privadas.

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    O prprio Programa de Avaliao de Resduos de

    Agrotxicos PARA, da Anvisa, vem sendo implementado desde o ano de

    2000, monitorando alimentos ofertados diretamente ao consumidor final, nomercado varejista. Anualmente, so coletadas amostras em diversas unidades

    da federao, o que permite uma construo de srie histrica que possibilita

    diversas ilaes, tendo em perspectiva o cenrio nacional.

    Os dados apresentados a esta Subcomisso,

    relacionados aos resultados do PARA, revelam um quadro muito preocupante.

    Uma grande quantidade de frutas e hortalias avaliadas pelas autoridades

    sanitrias esto em situao irregular. Em Relatrio da Anvisa (2010), esta

    informa que foram analisados 9 alimentos em 2007, 17 em 2008 e 20 alimentosem 2009 e 2010, alcanando 234 ingredientes ativos em hortalias, frutas e

    leguminosa. A pesquisa de 2009 analisou 3.130 amostras coletadas em 25

    estados brasileiros e apresentou resultado insatisfatrio em 29% das amostras.

    As desconformidades testadas pela Agncia so de duas

    naturezas: resduos de agrotxicos no autorizados para uso em determinadas

    culturas e resduos em quantidades superiores aos limites mximos permitidos

    para a segurana do consumidor. Alm disso, ocorrem vrios casos de

    produtos contrabandeados.

    Como ttulo exemplificativo, podemos citar o caso do

    pimento: no ano de 2009, 64,8% das amostras testadas revelaram a presena

    de substncias no autorizadas para utilizao na cultura de pimento.

    Trata-se de um caso tpico de cultura com suporte

    fitossanitrio insuficiente, os chamados minor crops. Essa situao decorre do

    elevado custo e longo prazo demandado para o registro de produtos sanitrios,

    que especfico por cultura, implicando o desinteresse das empresasregistrantes pelas espcies de menor valor econmico.

    No que se refere aos resduos de agrotxicos em

    quantidades superiores aos limites mximos estabelecidos, o campeo de

    irregularidades em 2009 foi o mamo, com 12,8% das amostras em situao

    irregular.

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    A Anvisa realiza testes em 20 diferentes tipos de

    alimentos consumidos in natura. As amostras coletadas revelaram que em

    todas as espcies testadas foram utilizados agrotxicos no autorizados,diferentemente do que aconteceu com a avaliao de resduos em valores

    superiores ao mximo permitido. Alguns alimentos no tiveram amostras

    irregulares quanto a este ltimo aspecto, considerado mais grave quanto aos

    efeitos negativos sobre a sade humana, como foi o caso de alface, arroz,

    batata, beterraba, cenoura, cebola, repolho e tomate.

    Alm da contaminao dos alimentos, alguns estudos

    disponibilizados a esta Subcomisso comprovaram a contaminao do leite

    materno, das guas da chuva, do solo e at do ar. Esse foi o caso do Municpiode Lucas de Rio Verde, em Mato Grosso.

    Como visto, o quadro brasileiro preocupante e merece

    ateno especial de toda a sociedade. O Estado tambm possui uma srie de

    responsabilidades que precisam ser exploradas com mais eficincia, tendo em

    vista a finalidade de incrementar a segurana alimentar, a proteo e promoo

    da sade e a defesa do meio ambiente.

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    3. Marco regulatrio

    O tema do controle dos agrotxicos est contemplado no

    ordenamento jurdico ptrio, em diferentes normas. Na Constituio Federal, o

    art. 220, 4, prev a possibilidade de o Poder Pblico, por meio de lei, criar

    restries s propagandas comerciais desses produtos como forma de garantir

    pessoa e famlia a possibilidade de defesa da propaganda de produtos,

    prticas e servios que possam ser nocivos sade.J o art. 225, pargrafo

    1, inciso V, define como incumbncia do Poder Pblico controlar a produo, a

    comercializao e o emprego de tcnicas, mtodos e substncias que

    comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente.

    Ademais, os dispositivos constitucionais relacionados

    com a proteo e garantia da sade e do meio ambiente preservado tambm

    se relacionam de forma implcita com os produtos fitossanitrios, os quais

    podem representar elevados riscos, tanto sade, quanto deteriorao do

    meio ambiente.

    Paralelamente Carta Magna, existem os dispositivos

    infraconstitucionais que tratam do tema. O principal destaque recai sobre a Lei

    n 7.802, de 11 de julho de 1989, que dispe sobre a pesquisa, aexperimentao, a produo, a embalagem e rotulagem, o transporte, o

    armazenamento, a comercializao, a propaganda comercial, a utilizao, a

    importao, a exportao, o destino final dos resduos e embalagens, o

    registro, a classificao, o controle, a inspeo e a fiscalizao de agrotxicos,

    seus componentes e afins, e d outras providncias.

    Segundo a lei, so agrotxicos e afins os produtos e os

    agentes de processos fsicos, qumicos ou biolgicos, destinados ao uso nos

    setores de produo, no armazenamento e beneficiamento de produtosagrcolas, nas pastagens, na proteo de florestas, nativas ou implantadas, e

    de outros ecossistemas e tambm de ambientes urbanos, hdricos e industriais,

    cuja finalidade seja alterar a composio da flora ou da fauna, a fim de

    preserv-las da ao danosa de seres vivos considerados nocivos, bem como

    as substncias e produtos, empregados como desfolhantes, dessecantes,

    estimuladores e inibidores de crescimento.

    Os agrotxicos somente podem ser produzidos,

    exportados, importados, comercializados e utilizados, se possurem registro

    prvio nos rgos federais competentes.

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    Para a concesso desse registro, a Lei prev a

    concordncia do produto com as diretrizes e exigncias dos rgos federais

    responsveis pelos setores da sade, do meio ambiente e da agricultura.Assim, os agrotxicos s podem ser comercializados no Brasil se forem

    aprovados pelo Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento MAPA

    pela Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria Anvisa e pelo Instituto

    Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis Ibama,

    cada qual avaliando o produto segundo sua rea de competncia.

    A importncia do registro, como procedimento de controle

    dos agrotxicos e de proteo aos interesses da sociedade, explicitado no

    pargrafo 6 do art. 3 da Lei n 7.802. Nesse pargrafo encontram-seindicadas as caractersticas consideradas inaceitveis e impeditivas

    concesso de registro aos agrotxicos e afins, bem como a seus componentes,

    evidenciando que a finalidade maior dessa Lei consiste em proteger a sade

    humana e o meio ambiente dos efeitos nocivos apresentados por esses

    produtos.

    O 4 do art. 3 incumbe a autoridade competente de

    adotar imediatas providncias, sob pena de responsabilidade, quando

    organizaes internacionais responsveis pela sade, alimentao ou meio

    ambiente, das quais o Brasil seja membro integrante ou signatrio de acordos

    ou convnios, alertarem para riscos ou desaconselharem o uso de agrotxicos,

    seus componentes ou afins.

    A Lei dos Agrotxicos traz previso sobre a possibilidade

    de terceiros requererem o cancelamento de registro, ou a impugnao de

    pedidos de registro dos agrotxicos suspeitos de causarem prejuzos ao meio

    ambiente, sade humana ou aos animais. Somente algumas entidadespossuem legitimidade ativa para intentarem tal providncia, nos termos

    definidos em lei.

    Outro aspecto que merece meno diz respeito ao

    receiturio agronmico. A Lei em comento, em seu art. 13, estabeleceu que a

    venda de agrotxicos e afins aos usurios ser feita atravs de receiturio

    prprio, prescrito por profissionais legalmente habilitados. O Decreto n

    4.074/2002 detalha o funcionamento do receiturio agronmico.

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    Apesar das possibilidades de controle que podem ser

    exploradas na utilizao desse documento e os dados inerentes ao mesmo, o

    receiturio tem sido relegado a segundo plano, por vezes desrespeitado e,como verificado por esta Subcomisso, no est atingindo os fins para os quais

    foi idealizado.

    A Lei n 7.802/1989, devido s alteraes trazidas pela

    Lei n 9.974/2000, contm vrios dispositivos que tratam da devoluo e

    destinao final das embalagens de agrotxicos e afins:

    O 2 do art. 6 determina aos usurios de produtos fitossanitrios queprocedam devoluo das embalagens vazias aos estabelecimentoscomerciais em que foram adquiridos, podendo essa devoluo serintermediada por postos ou centros de recolhimento;

    O 5 do art. 6 estabelece que as empresas produtoras ecomercializadoras de agrotxicos e afins so responsveis pela destinaodas embalagens vazias dos produtos por elas fabricados e comercializados,aps a devoluo pelos usurios;

    O art. 12-A atribui ao Poder Pblico competncia para fiscalizar a devoluoe a destinao adequada de embalagens vazias, de produtos apreendidos e

    daqueles imprprios para utilizao ou em desuso; bem assim parafiscalizar o armazenamento, o transporte, a reciclagem, a reutilizao e ainutilizao das referidas embalagens vazias e produtos;

    O art. 14 define as responsabilidades administrativa, civil e penal por danoscausados sade das pessoas e ao meio ambiente, inclusive os referentes destinao de embalagens vazias; e o art. 15 estabelece penalidades;

    O pargrafo nico do art. 19 trata da implementao de programaseducativos e mecanismos de controle e estmulo devoluo dasembalagens vazias por parte dos usurios.

    O Instituto Nacional de Processamento de Embalagens

    VaziasINPEV, entidade sem fins lucrativos fundada em 2001, vem tratando

    da destinao final de embalagens vazias de agrotxicos. Tendo entrado em

    operao em maro de 2002, mais de 170 mil toneladas de embalagens de

    agrotxicos usados pelos agricultores j foram recolhidas at o presente.

    Atualmente, o Brasil referncia mundial na logstica reversa de embalagens

    vazias de agrotxicos: divulgado que 95% das embalagens primrias

    (aquelas que entram em contato direto com o produto) so recolhidas eenviadas destinao ambientalmente correta, onde maioria reciclada. Essa

    porcentagem em parte questionada nesse relatrio.

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    J a Lei n 11.657, de 16 de abril de 2008, institui o dia 18

    de agosto como o Dia Nacional do Campo Limpo, oficializando assim evento

    que se realiza desde 2005, destacando a importncia do processo derecolhimento de embalagens vazias no meio rural.

    A Lei n 9.294, de 15 de julho de 1996, dispe sobre as

    restries ao uso e propaganda de produtos fumgeros, bebidas alcolicas,

    medicamentos, terapias e defensivos agrcolas, nos termos do 4 do art. 220

    da Constituio Federal. O art. 8 dessa Lei estabelece:

    Art. 8 A propaganda de defensivos agrcolas quecontenham produtos de efeito txico, mediato ou

    imediato, para o ser humano, dever restringir-se aprogramas e publicaes dirigidas aos agricultores epecuaristas, contendo completa explicao sobre a suaaplicao, precaues no emprego, consumo ouutilizao, segundo o que dispuser o rgo competentedo Ministrio da Agricultura e do Abastecimento, semprejuzo das normas estabelecidas pelo Ministrio daSade ou outro rgo do Sistema nico de Sade.

    Devemos ainda destacar que a Lei n 6.938/81, referente a

    Poltica Nacional de Meio Ambiente e a Lei n 12.305/10, referente a Poltica

    Nacional de Resduos Slidos, possuem dispositivos relacionados diretamente

    ao uso dos agrotxicos. Infelizmente, alguns desses dispositivos ainda so

    pouco observados no mbito da cadeia produtiva dos agrotxicos.

    4. Os Impactos do uso de agrotxicos

    O uso de agrotxicos representa uma srie de riscos ao

    homem, sade humana, ao meio ambiente, fato que j de conhecimento

    geral. Ainda quando utilizados com estrita observncia a todas as regras

    estabelecidas para o correto manejo, seguindo as recomendaes de uso

    feitas pelos fabricantes e corroboradas pelas autoridades brasileiras

    responsveis pelo registro, os riscos so altos porque so inerentes prpria

    natureza qumica do agrotxico. Como o nome j sugere de incio, tratam-se de

    substancias txicas.

    Quando o uso indiscriminado, tais riscos so muito mais

    elevados e no podem ser relegados, nem pela sociedade, muito menos pelo

    Poder Pblico, em especial pelos rgos responsveis pelo controle e

    fiscalizao de tais produtos.

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    A utilizao de agrotxicos respeitando-se as respectivas

    determinaes tcnicas informadas, pode em tese manter o risco dentro de

    nveis aceitveis, segundo determinaes feitas em estudos laboratoriais epesquisas cientficas. Quando o assunto substncia txica, no h como

    suprimir o risco, mas apenas reduzi-lo a nveis aceitveis. J o uso

    desinformado fonte profcua de problemas e srias intoxicaes. A

    contaminao acidental do trabalhador, das populaes que residem na rea

    perifrica s lavouras, do meio ambiente, dos alimentos e das colees

    hdricas prximas tem uma probabilidade relativamente alta e preocupante de

    ocorrerem em larga escala. Tais riscos no podem ser olvidados pela

    sociedade e pelas instituies que a protegem, como o Estado.

    Perante a atual ordem constitucional, o Estado brasileiro

    tem o dever de proteger o ser humano em sua total dignidade. Isso envolve,

    sem sombra de dvidas, a proteo do direito sade. Esse direito est

    intimamente relacionado com o direito vida e dele indissocivel. Tal

    construo do Direito Constitucional passa a exigir do Estado, prestaes

    positivas direcionadas a prover o cidado de aes e servios que promovam,

    protejam, garantam e recuperem a sade de todos.

    Diversos produtos e servios disponibilizados pelo

    comrcio ao consumidor podem representar riscos ao indivduo. Alguns

    possuem um risco maior, outros possuem um risco menor. Em alguns, o

    consumidor sabe dos riscos presentes pela prpria natureza do produto, como

    o caso das formulaes farmacuticas. Em outros casos, o consumidor

    espera ou acredita que no h riscos em usar determinado produto. Esse pode

    ser o caso do consumo dos alimentos naturais.

    O brasileiro acredita que, aquilo que vem da natureza nopode lhe fazer mal. A alimentao saudvel popularmente confundida com o

    consumo de produtos naturais, de frutas, verduras e legumes, quando o mais

    correto seria buscar o equilbrio nutricional de todas as refeies. A introduo

    dos agrotxicos criou um dilema ou uma dvida real e fundada de que o

    consumo de hortifrutigranjeiros pode no ser to saudvel como se pensava.

    Em vista do uso indiscriminado dos agrotxicos, podem-se esperar riscos mais

    elevados no uso de uma simples hortalia. Hoje o cidado mais esclarecido

    sempre se indaga: ser que estou ingerindo que quantidade de agrotxicos ao

    comer essa fruta? Ser que no terei um cncer no futuro, por ter ingerido

    agrotxico indevidamente?

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    Os impactos negativos do uso dos agrotxicos, apesar de

    divulgados e de alguns j serem conhecidos, no tm sido ainda razo

    suficiente para eliminar ou reduzir o seu uso no campo. Apesar dos riscos deproblemas de sade no ser humano, dos impactos negativos no ambiente, da

    alterao indevida de ecossistemas e dos efeitos negativos sobre a vida de

    diversos seres vivos, no s quando da aplicao de determinado agrotxico,

    parte da sociedade e as autoridades de nosso pas ainda acredita que os

    benefcios advindos do uso do agrotxico na produo agrcola superam os

    malefcios. Pelo menos grande parte dos produtores rurais tem resistido a

    diminuir a utilizao dessas substncias txicas.

    Os produtos alimentcios que chegam mesa dobrasileiro podem conter agrotxicos em quantidade suficiente para impactar de

    forma negativa a sade humana, principalmente se tal avaliao for

    considerada ao longo prazo. A exposio ocupacional de milhares de

    trabalhadores rurais tambm causa impactos ruins sade dessas pessoas de

    forma mais proeminente, tendo em vista frequncia da exposio e

    quantidade de produto que entra em contato com os trabalhadores.

    O meio ambiente tambm sofre em demasia com a

    quantidade de produtos agrotxicos que so lanados de forma indiscriminada

    na natureza. A contaminao dos solos, dos mananciais de guas, do ar e da

    biota afeta seriamente o equilbrio dos diversos sistemas biolgicos em

    coexistncia.

    Como visto, a questo do uso de agrotxicos muito

    complexa, envolve diferentes reas de interesse social e do saber humano.

    Existem estimativas que do conta de que, a cada ano, 25 milhes de

    trabalhadores so contaminados com agrotxicos apenas nos pases emdesenvolvimento. Vale lembrar que o Brasil o campeo mundial no consumo

    desses produtos.

    Uma srie de condies sociais e econmicas

    vivenciadas pela populao brasileira vem colaborando para o aumento

    exagerado no consumo desses produtos no Brasil. Pases em desenvolvimento

    do um enorme valor ao crescimento econmico, ao sonho de se tornarem

    finalmente desenvolvidos. A nsia rumo a tal sonho s vezes acaba por

    justificar a adoo de meios relativamente agressivos e condenveis, sem adevida precauo socioambiental.

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    Hoje, apesar de o discurso do desenvolvimento

    sustentvel freqentar as pautas dos principais fruns sociais, prticas

    produtivas que desconsideram os impactos negativos no meio ambiente e nasade de todos ainda esto muito arraigadas no setor produtivo.

    Todavia, outros determinantes sociais tambm

    influenciam o modo como o ser humano encara o aspecto desenvolvimento. As

    prticas exploratrias comerciais, o uso dos meios de comunicao, a lgica de

    mercado, a legitimao de saberes como verdades, inclusive utilizando-se da

    cincia, e a preocupante prtica histrica de vinculao de acesso ao crdito

    rural ao uso de agrotxicos nas lavouras tambm podem explicar, ainda que de

    forma parcial, a aceitao social a determinadas prticas lesivas no campo.

    4.1. Impactos dos agrotxicos na sade humana.

    A utilizao em larga escala dos produtos agrotxicos

    gera diversos efeitos negativos, sentidos principalmente pelos malefcios

    sade humana. A disseminao do uso desses produtos nos ltimos anos, vem

    tornando a intoxicao por tais produtos um crescente problema de sade

    pblica.

    Alm da intoxicao da populao em geral, por meio do

    consumo de alimentos contaminados com esses agrotxicos e pela

    contaminao do meio ambiente, inclusive os recursos hdricos, h tambm

    principalmente a intoxicao dos trabalhadores rurais. Provavelmente, esses

    sejam os mais atingidos por tais substncias, porque eles os manipulam na

    forma concentrada e rotineiramente, s vezes sem as devidas precaues.

    As chances de intoxicao para os trabalhadores rurais

    so, assim, bem maiores e mais fortes do que para as demais pessoas.Saliente-se que esses trabalhadores tambm consomem alimentos

    contaminados. Na verdade, o trabalho com o agrotxico constitui fonte

    adicional de riscos, alm dos enfrentados como indivduos pertencentes

    populao em geral.

    4.1.1. Impactos na sade da populao

    O contato da populao com os agrotxicos proveniente

    de diversas fontes. A principal, sem dvida, so os alimentos in natura, a fontemais disseminada e que atinge mais pessoas ao mesmo tempo. Entretanto,

    outras fontes no podem ser desconsideradas.

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    A contaminao dos reservatrios de guas que

    abastecem nossas cidades tambm constitui fonte preocupante e que atinge

    grandes parcelas populacionais. Conforme constatado pela Subcomisso, aprpria Agencia Nacional das guas ANA, no dispem de estrutura

    adequada para o devido monitoramento dos recursos hdricos, quanto a

    possveis ocorrncias de contaminao das guas por agrotxicos.

    Alm disso, o ar e o solo contaminados tambm podem

    gerar problemas de sade em determinadas pessoas. J houve inclusive

    relatos da ocorrncia em certas regies de chuvas contaminas com

    agrotxicos. Portanto, esses tipos de contaminao interessam tambm

    sade conjuntamente com a rea ambiental.

    No Brasil, as intoxicaes por agrotxicos j ocupam o

    segundo lugar entre as intoxicaes exgenas. No perodo de 2006 a 2010,

    cerca de 73 % dos casos de intoxicao por agrotxico envolveu o grupo dos

    inseticidas (organofosforados, piretrides e carbamatos).

    Os dados apresentados pelo Sinan, os quais, apesar das

    limitaes impostas pela subnotificao, servem como base para a adoo de

    providncias. o caso da Secretaria de Vigilncia em Sade do Ministrio daSade, que idealizou um projeto, um modelo de ateno sade de

    populaes expostas aos agrotxicos. A previso do prazo final de implantao

    em 2015. Esse modelo de vigilncia, segundo informou a SVS/MS, poderia

    ser muito til na reduo da subnotificao.

    Conforme demonstra o Sistema de Informaes de

    Agravos de Notificao SINAN, no ano de 2010 (dados parciais, at maio)

    das 6.871 intoxicaes por agrotxicos que foram notificadas, 3.810, ou

    55,45% dos casos foram classificados como tentativas de suicdio. Outros1.839 casos (27% do total) foram considerados acidentais. Em terceiro lugar,

    com 430 notificaes, ou 6% dos casos, ficaram as intoxicaes creditadas ao

    uso habitual dos agrotxicos.

    Do total de casos notificados at maio de 2010, 5.605

    evoluram para a cura sem seqela alguma. Ou seja, quase 82% das

    intoxicaes agudas registradas no SINAN foram tratadas e no deixaram

    seqelas. Mas em 310 casos (4,5%) o bito foi o resultado final. Esse nmero,

    que em um primeiro momento pode parecer pequeno, revela um ndice de

    letalidade relativamente alto dos produtos em tela.

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    Apesar do desconhecimento geral sobre a real magnitude

    da intoxicao por agrotxicos, tanto o Sinan quanto o Sinitox podem nos dar

    uma noo sobre o contexto brasileiro. Conforme informaes fornecidas peloMinistrio da Sade, no perodo de 1999 a 2008, foram registrados 137.089

    casos de intoxicao por agrotxicos no Sinitox. J o Sinan registrou apenas

    22.804 casos.

    Essa diferena pode ser explicada pelo fato de as

    intoxicaes exgenas no serem, at o ano de 2010, molstias de notificao

    compulsria no mbito das unidades componentes do SUS. Mas a partir de

    2010, nos termos da Portaria MS n 2.472, tais intoxicaes passaram a ter

    compulsoriedade na sua notificao. O reflexo dessa alterao j pode serpercebido em 2010 com aumento considervel no nmero de registros, pois

    com os dados consolidados at maio, os nmeros de intoxicao j superavam

    todo o ano de 2009.

    A toxicidade dos agrotxicos responde pelos efeitos

    produzidos no homem. Como so produtos utilizados para exterminar a vida,

    matar, e muitos atuam sobre processos biolgicos especficos (como a

    regulao do crescimento) e sobre processos vitais, no organismo humano

    esses produtos tambm agem como venenos. Como todo veneno, os efeitos

    dependem da dose absorvida.

    Os efeitos sobre a sade humana podem ser classificados

    de diferentes maneiras, mas a mais conhecida a classificao em efeitos

    agudos e crnicos. Os agudos so aqueles que se originam aps a exposio

    a um agente txico em concentrao suficiente para causar um dano ou

    sintoma aparente em um perodo de 24 horas. J os efeitos crnicos so

    aqueles resultantes de uma exposio continuada a doses relativamentebaixas de um ou mais produtos.

    Os efeitos agudos so os mais visveis e mais facilmente

    relacionados utilizao dos agrotxicos, pois aparecem logo aps o contato

    do indivduo, geralmente o trabalhador rural, com determinado produto. Os

    sintomas mais comuns envolvem espasmos musculares, alteraes

    respiratrias, nuseas, vmitos, desmaios, convulses, fraqueza, clicas

    abdominais, vertigens, tremores musculares, cefalia, hipertermia,

    conjuntivites, dermatites, alergias de contato, entre outros.

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    No caso da exposio crnica, os efeitos podem aparecer

    aps algum tempo, s vezes at aps muitos anos, at em outras geraes em

    face do poder bioacumulativo de algumas substncias. Por isso, so efeitos dedifcil identificao ou impossvel de vincular-se, sem margem a dvidas, o

    efeito vislumbrado ao uso de agrotxico. Nesse caso, costuma-se dizer que o

    estabelecimento do nexo causal muito difcil de ser estabelecido, ainda que

    existam fortes indcios que podem sustentar tal nexo. Na maioria dos casos, os

    efeitos clnicos relatados pelas vtimas podem ser confundidos com outras

    molstias, ou tratados como algo inespecfico. Se a anamnese no for bem

    realizada, a suspeita sobre um produto txico pode nem vir a ser questionada.

    No obstante tal dificuldade, os sintomas da intoxicaocrnica envolvem; efeitos neurotxicos, alteraes cromossmicas, leses

    hepticas, arritmias, leses renais, neuropatias perifricas, asma, alergias,

    doena de parkinson, cnceres, teratogenia, fibrose pulmonar, distrbios

    hormonais (hormnios da tireide e sexuais), entre outros efeitos que so

    comumente causados pelo contato rotineiro com os produtos agrotxicos.

    Os organofosforados e os carbamatos, por exemplo, so

    inibidores das colinesterases, as enzimas responsveis pela metabolizao da

    acetilcolina, um importante neurotransmissor. A diminuio da degradao da

    acetilcolina causa um distrbio chamado de crise colinrgica, com a ocorrncia

    de distrbios do sistema nervoso, ligados neurotoxicidade dos agrotxicos.

    As substncias do grupo dos organoclorados, em vista de

    sua elevada estabilidade fsico-qumica, podem permanecer nos organismos

    vivos e no meio ambiente por mais de trinta anos. Tal caracterstica

    responsvel pela acumulao de tais produtos ao longo da cadeia alimentar,

    fenmeno conhecido como biomagnificao, que o aumento dasconcentraes de uma determinada substncia de acordo com o aumento do

    nvel trfico.

    Todo esse potencial txico merece ateno especial

    quando tratamos das crianas. Como de conhecimento geral, o feto e a

    criana so bem mais sensveis aos txicos, principalmente quando as

    substncias apresentam caractersticas neurotxicas e teratognicas. A

    ocorrncia de doenas neurolgicas e deficincia mental podem estar

    correlacionadas com o contato com neurotoxinas de diversas origens, como asde natureza qumica.

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    Como parte dos agrotxicos possui efeitos neurotxicos

    comprovados, ateno especial ao ser humano nos estgios iniciais de seu

    desenvolvimento orgnico como forma de evitar que fatores externosprejudiquem o desenvolvimento neurocognitivo.

    Dentre todas as molstias causadas ao homem pelos

    agrotxicos, a que mais chama a ateno o cncer. No s pela alta taxa de

    letalidade dessa doena, mas pela forma agressiva e devastadora com que ela

    atinge o organismo humano. Atualmente, a incidncia dos cnceres tem

    aumentado em todo o mundo. As principais causas de origem do cncer so

    relacionadas a fatores ambientais, fatores externos ao organismo.

    Diversos estudos cientficos produzidos ao redor do

    mundo indicam uma estreita associao entre a exposio aos agrotxicos e o

    surgimento de diferentes tipos de tumores malignos. Em 1990 o Instituto

    Nacional do Cncer e o Programa Nacional de Toxicologia dos Estados Unidos

    avaliaram 51 substncias utilizadas como agrotxicos. Desse total, 24

    demonstraram ter potencial carcinognico quando em contato crnico. Em

    1997, a Agncia Internacional de Pesquisa em Cncer classificou 26

    agrotxicos como possuidores de indcios suficientes sobre seu potencial

    carcinognico em animais.1

    Apesar das concluses impactantes que os estudos

    cientficos sempre obtm quando o objeto de estudo so as substncias

    txicas, elas ainda no foram suficientes para gerar uma mudana de atitude

    nos produtores rurais ou no Poder Pblico. Em que pesem as concluses sobre

    a lesividade vida, aos processos biolgicos, ao meio ambiente, sade que

    representam o uso dos agrotxicos, tais substncias continuam sendo

    permitidas para uso agrcola. Mesmo que sejam conhecidas diversas molstiascausadas por esses agrotxicos, os produtores rurais os consomem cada vez

    mais, o que causa excesso de resduos nos alimentos, bem acima dos valores

    mximos permitidos. O Poder Pblico tambm no adota nenhuma providncia

    para modificao dessa realidade.

    No que tange a intoxicao da populao, interessante

    salientar estudo realizado no municpio de Lucas do Rio Verde, local em que foi

    pesquisada a presena de resduos de agrotxicos no leite materno.

    1SARCINELLI, PN. A exposio de crianas e adolescentes a agrotxicos. In: Veneno ou Remdio?.P.47.

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    Conforme os resultados apresentados a esta

    Subcomisso, as amostras de leite colhidas em 62 nutrizes revelaram a

    presena dessas substncias. Em 100% delas foi detectado DDE, um produtoderivado do DDT. 44% das amostras foram positivas para -endossulfan, um

    agrotxico classificado como extremamente txico. Alm desses dois tipos,

    ainda foram detectadas as presenas de deltametrina, aldrin, -endossulfan, -

    HCH, DDT, trifluralina e lindano.

    Outras constataes tambm chamam a ateno. A

    maioria das amostras analisadas apresentou trs ou mais substncias txicas

    no leite. De fato, o leite de 35 nutrizes tinha, na sua composio, um pool de

    agrotxicos. Uma das amostras foi positiva para 6 diferentes substncias e 7amostras foram positivas para 5 diferentes txicos.

    A idia, presente no senso comum, sobre a qualidade do

    leite materno e de sua importncia para o desenvolvimento saudvel dos bebs

    est bastante prejudicada no referido municpio. Alm das protenas, vitaminas

    e anticorpos, a amamentao dos recm-nascidos de Lucas do Rio Verde

    tambm fornece agrotxicos em quantidade e qualidade diversas.

    Nas amostras que foram positivas para o endossulfan,19,4% das mes relataram j ter sofrido um aborto e em 3,2% dos partos a

    criana nasceu com alguma m-formao. Partos prematuros ocorreram em

    6,5% das gestaes.

    O ndice de malformaes verificado em anfbios

    coletados em dois diferentes cursos de gua existentes no entorno do referido

    municpio, foi de 33% e 26%, enquanto no grupo controle esse ndice atingiu

    6%. Tais resultados so muito preocupantes, pois, alm de demonstrar a

    contaminao das guas da regio, comprovam o potencial lesivo dosagrotxicos aos organismos vivos, com clara ao teratognica.

    Portanto, os problemas causados pelos agrotxicos na

    sade humana e na natureza so muitos e bem graves. J existem

    comprovaes cientficas suficientes que relacionam tais txicos com o

    desenvolvimento de patologias no ser humano. Todavia, tais produtos

    continuam sendo utilizados de forma intensiva e indiscriminada, sem

    fiscalizao por parte dos rgos estatais responsveis pelo controle da

    produo e comercializao dessas substncias no territrio nacional.

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    4.1.2. Impactos na sade dos trabalhadores

    O grupo populacional que diretamente mais sofre os

    efeitos malficos dos agrotxicos so os trabalhadores rurais que tm contato

    direto e rotineiro com essas substncias. Alm da frequncia com que os

    manipulam, o trabalho exige o contato com produtos altamente concentrados.

    As chances de intoxicaes so bem mais altas nessa ocasio, no momento da

    diluio e preparo do agrotxico para a sua aplicao.

    Existem poucos dados ou indicadores sistematizados e

    estudados, principalmente devido as subnotificaes sobre os impactos que a

    manipulao corriqueira desses agrotxicos provoca nos trabalhadores, deforma especfica. Juntamente com a elevada subnotificao presente nos

    sistemas de informao de sade Sinan e Sinitox h deficincia tambm

    nas informaes relacionadas Previdncia Social e do Ministrio do Trabalho.

    Os dados relativos aos benefcios de auxlio doena e de

    acidente de trabalho so muito pequenos. Entre os anos de 2006 e 2010, foram

    concedidos 445 benefcios. Em cinco anos, esse nmero representa muito

    pouco e, de fato, no mostra a realidade nacional. O que esse nmero

    comprova que a grande maioria dos trabalhadores rurais, no s aqueles queaplicam os agrotxicos, esto fora do sistema de seguridade social.

    Todavia, ainda que o Brasil no disponha ainda de dados

    confiveis sistematizados que demonstrem a real magnitude das intoxicaes

    enfrentadas pelos trabalhadores rurais, sabemos que as manifestaes clnicas

    relacionadas com a intoxicao aguda, descritas no item anterior, so

    reproduzidas de forma mais intensa e frequente nos aplicadores dos

    agrotxicos. Apesar da fragilidade de dados fornecidos pelos rgos

    relacionados previdncia e trabalho, o conhecimento que hoje j estdisponvel ao homem acerca dos impactos dos agrotxicos na sade pode

    servir de base para a avaliao dos efeitos no trabalhador do campo.

    Outro aspecto importante e que merece destaque no

    presente tpico o fato de os trabalhadores e produtores rurais, principalmente

    os pequenos, serem apontados como os principais culpados pelo excesso de

    agrotxicos em uso no campo, na produo agrcola e nos alimentos que

    chegam mesa do brasileiro. Porm, so esses trabalhadores os principais

    atingidos pelos efeitos nocivos desses agrotxicos.

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    Alguns dados apresentados a esta Subcomisso,

    inclusive nas visitas tcnicas in loco, mostram a elevao da incidncia de uma

    srie de doenas crnicas nas regies de intensa produo agrcola. Aincidncia de cncer em regies produtoras de Minas Gerais, que usam

    intensamente agrotxicos em patamares bem acima das mdias nacional e

    mundial, sugere uma relao estreita entre essa molstia e a presena de

    agrotxico. Neste estado, na cidade de Una, esta sendo construdo um

    Hospital de Cancer, em virtude da grande ocorrncia desta doena na regio.

    Segundo os dados apresentados na Ausculta Publica que realizamos nesse

    municpio, j esto ocorrendo cerca de 1.260 casos/ano/100.000 pessoas. A

    media mundial no ultrapassa 400 casos/ano/100.000 pessoas.

    Tal contexto mostra que, antes de culpados pela

    contaminao alimentar e ambiental pelos agrotxicos, os trabalhadores rurais

    acabam sendo as principais vtimas. A sociedade e o Estado precisam apoiar o

    trabalhador rural e fornecer-lhe assistncia tcnica adequada para que ele

    adote prticas produtivas menos arriscadas para ele e para a sociedade, pois

    eles precisam desenvolver a conscincia de que so eles os mais atingidos

    pelos efeitos txicos dessas substncias.

    Pode-se prever que a incidncia de dermatite,

    conjuntivite, problemas neurolgicos, deficincia renal, cncer e outras

    doenas ligadas aos agrotxicos sejam mais comuns nos trabalhadores. Esse

    um campo que merece ser bem monitorado e estudado, pois pode render

    excelentes indicadores e resultados importantes sobre os agrotxicos usados

    no campo.

    4.2 Impactos dos agrotxicos no meio ambiente

    Inicialmente, poder-se-ia imaginar que a CSSF, aoadentrar no presente assunto, estaria invadindo rea estranha s suas

    competncias regimentais. Todavia, isso deve ser afastado. A sade ambiental

    essencial para a proteo e promoo da sade humana. Riscos ambientais,

    como as contaminaes por substncias txicas, sejam elas provenientes de

    fontes urbanas ou rurais, representam de forma indubitvel riscos sade das

    pessoas que vivem ao redor da rea atingida e daquelas que venham a ter

    contato com focos da contaminao.

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    A presena de substncias txicas nos alimentos, nos

    mananciais de gua que abastecem as cidades, na gua da chuva, nos solos e

    at no ar afetam o equilbrio ecolgico, os ecossistemas e representam sriosriscos sade do homem.

    Portanto, a sade ambiental, em face de sua interseco

    com a sade humana, constitui tema de interesse e de competncia da

    Comisso de Seguridade Social e Famlia.

    A devastao da cobertura florestal e o manejo

    inadequado dos solos levam degradao de sua estrutura fsica e, em

    consequncia, facilitam os processos de eroso. Os solos erodidos exigemmais fertilizantes, que nem sempre conseguem suprir, de modo adequado, as

    necessidades nutricionais das plantas, tornando-as assim mais suscetveis ao

    ataque de pragas e doenas.

    Dessa forma, os agricultores tendem a aplicar doses

    crescentes de agrotxicos, produtos que eliminam tambm os inimigos naturais

    das pragas facilitando a proliferao de insetos, caros, fungos e bactrias, em

    especial nos sistemas monoculturais. Alm disso, dificilmente os agrotxicos

    conseguem eliminar toda a populao de pragas, permitindo que os indivduossobreviventes se tornem resistentes a esses produtos. Esse ciclo, bastante

    comum na agricultura moderna, vem provocando, desde o final dos anos

    sessenta, uma srie de impactos aos agroecossistemas.

    Ao mesmo tempo, desde meados dos anos oitenta,

    ampliam-se as prticas que procuram aliar a conservao ambiental e a

    produo de alimentos em larga escala. Instituies oficiais de pesquisa e de

    extenso e um importante conjunto de organizaes no-governamentais

    buscam formas de reduzir as prticas predadoras. As sadas maisconvincentes provm das vertentes alternativas: a orgnica, a biodinmica, a

    ecolgica, entre outras. Existem evidncias suficientes para se afirmar que os

    princpios defendidos por essas vertentes, somados pesquisa agropecuria,

    sero a base de um padro sustentvel, com significantes volumes de

    produo.

    Tal situao pode ser observada pela Subcomisso

    quanto da visita tcnica efetivada na Fazenda Agroecolgica Malunga do DF,

    assim como em Audincia Publica, onde foi apresentada a experincia exitosa

    de produo orgnica que vem ocorrendo na Fazenda Nativa, em So Paulo.

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    Atualmente, a presena de substncias txicas nos

    alimentos, nos mananciais de gua que abastecem as cidades, na gua da

    chuva e nos solos, afetam o equilbrio ecolgico, os ecossistemas erepresentam srios riscos sade do homem.

    Portanto, a sade ambiental, em face de sua interseco

    com a sade humana, constitui tema de interesse e de competncia da

    Comisso de Seguridade Social e Famlia.

    Como j de conhecimento geral, a utilizao de

    agrotxicos pode causar uma srie de impactos no meio ambiente. Mesmo

    quando essa utilizao ocorre no uso correto desses produtos, considerando-se todas as recomendaes e restries para o seu uso, os agrotxicos podem

    trazertranstornos para o ambiente. Tais transtornos so mais intensos quando

    o uso de agrotxicos ocorre de forma indiscriminada e em desrespeito s

    indicaes e recomendaes previstas pelos fabricantes e autoridades pblicas

    responsveis pelo registro. A contaminao dos ecossistemas por material

    txico leva srias alteraes nas biotas e nos sistemas abiticos e,

    consequentemente afetam a vida do homem.

    Espcies que no so o alvo principal do produto em usotambm sofrem os efeitos indesejveis do agrotxico. Mamferos, peixes, aves

    e insetos sofrem diferentes nveis de toxicidade de tais produtos, ainda que no

    sejam o alvo principal do controle da produo.

    O impacto negativo da contaminao por agrotxicos

    tambm atinge os recursos hdricos. A contaminao de colees de guas

    superficiais e subterrneas constitui um dos impactos ambientais mais

    importantes no manejo de agrotxicos. Isso porque as guas podem servir

    como via de transporte do contaminante txico para longe da fonte. A regioagrcola que utiliza o agrotxico pode gerar a contaminao de guas utilizadas

    por determinada comunidade situada a quilmetros da regio produtora. Dessa

    forma, no s a populao residente prximo rea agrcola fica exposta ao

    txico, mas as demais pessoas que esto bem distantes dessa rea, mas

    usam a gua que foi contaminada pelo uso do agrotxico em outra regio.

    Os agrotxicos esto inseridos nas discusses sobre as

    polticas ambientais desde o incio dos debates. De acordo com a avaliao do

    IBAMA, externada na Audincia do dia 16/06/2011, a legislao relacionada ao

    referido tema pioneira e farta em instrumentos regulatrios.

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    Nesse sentido, o destaque recai sobre a Lei dos

    Agrotxicos que descentralizou a competncia para analisar os agrotxicos

    para trs diferentes rgos, coordenando, nesse tema, a ao das reas desade, meio ambiente e agricultura, cada qual no mbito de suas atribuies.

    Da mesma forma que o aumento do consumo de

    agrotxicos reflete de forma negativa a sade pblica, como mostrado no

    tpico precedente, o incremento da produo agrcola fundamentada no uso

    intensivo de agrotxicos tambm impacta de forma direta o meio ambiente.

    Os resduos produzidos pelo uso intensivo de agrotxicos

    degradam o meio ambiente no s pela presena das substncias qumicastxicas e seus subprodutos. As embalagens utilizadas para acondicionar e

    transportar o agrotxico at o produtor rural tambm constitui um srio

    problema para o ambiente e para a sade.

    O destino final dessas embalagens vazias constituem,

    alm da degradao ambiental e da elevao dos riscos de contaminao e de

    agravos sade, d origem a outro problema grave, que a reutilizao

    desarrazoada das embalagens primrias dos agrotxicos. O produtor rural e o

    trabalhador do campo nem sempre se do conta da periculosidade presentenas embalagens que ficam em contato direto com as substncias utilizadas nas

    lavouras para o combate s pragas. Por isso, o recolhimento das embalagens

    vazias torna-se muito importante na reduo dos riscos inerentes utilizao

    de agrotxicos.

    Desde 2000, com a edio da Lei n 9.974, h a

    obrigao de os usurios devolverem aos estabelecimentos comerciais as

    embalagens vazias. Tambm h a obrigao das empresas produtoras de

    agrotxicos de recolherem, junto aos comerciantes, as embalagens vazias eprovidenciar uma destinao final a elas, aps a sua descontaminao.

    Conforme anunciado pelo Instituto Nacional de

    Processamento de Embalagens Vazias-Inpev, atualmente seria de 95% das

    embalagens de agrotxicos das empresas produtoras associadas referida

    instituio so restitudas. Nesse calculo, restou incluir no processo da logstica

    reversa os demais produtores e importadores que ainda no so associados a

    esse Instituto e que no dispem de sistema prprio de coleta.

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    Da mesma forma que o aumento do consumo de

    agrotxicos reflete de forma negativa e variada na sade pblica, como

    mostrado em tpico precedente, o uso intensivo de agrotxicos tambmcomprovadamente impacta de diferentes formas o meio ambiente.

    Exemplos no faltam. Em recente pesquisa efetivada no

    Estado do Mato Grosso pela equipe do Dr. Pignati,/UFMT no municpio de

    Lucas do Rio Verde, realizou-se anlises nas guas coletadas nas cisternas,

    nas superfcies e das chuvas em busca da presena de agrotxicos. Diversas

    amostras de gua dessas fontes revelaram a presena de substncias

    consideradas extremamente txicas, como o Endossulfan, Monocrotofs,

    Paration e S-metolacloro.

    Essa mesma equipe tambm pesquisou o ar no referido

    municpio em busca de resduos de agrotxicos. Foram detectados resduos de

    endossulfan e atrazina. Tambm foram examinadas 79 pessoas, de regies

    urbana e rural, como coleta e anlise de amostras de urina e sangue, no ano

    de 2009. Do total de amostras analisadas de urina, 35 pessoas residentes na

    rea urbana foram positivas para glifosato, e outras 35 positivas para

    piretrides. Das pessoas da rea rural, o resultado foram os mesmos 35

    positivos para glifosato, mais 34 positivas para piretrides.

    A anlise do sangue revelou positividade de aldrin em

    quatro amostras da rea rural, DDE em 18 pessoas da rea urbana e 24 da

    rural e Mirex positivo em duas pessoas na rea urbana e 16 na rea rural.

    Outro ponto de interesse nos impactos ambientais se

    refere pulverizao area de agrotxicos. Conforme informaes

    disponibilizadas a esta Comisso na Audincia do dia 30.06.2011, pelo

    professor Fernando Carneiro da Universidade de Braslia, a comunidadecientfica reconhece a existncia de uma considervel deriva tcnica,

    observada sempre que se pulveriza qualquer substncia no campo por meio de

    aeronaves.

    Isso quer dizer que, ainda que todas as recomendaes

    sejam seguidas pelo aplicador, como velocidade e direo do vento, umidade,

    limites de distncia de povoados e rodovias, somente cerca de 30% do

    agrotxico ficar na planta. O fator preocupante que cerca de 70% restantes

    iro para o solo (50%) ou para o ar (20%) e regies circunvizinhas.

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    Essa informao muito impactantee demonstra que h

    grandes riscos diretos ao meio ambiente e a sade da populao local quando

    ocorre a pulverizao area.

    Em ausculta tcnica realizada por esta Subcomisso em

    22 de setembro de 2011, pronunciaram-se acerca da pulverizao area de

    agrotxicos, o presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Aviao

    Agrcola e representantes da Agncia Nacional de Aviao Civil ANAC e do

    Ministrio da Agricultura, Pecuria e AbastecimentoMAPA.

    Segundo os expositores, a vasta maioria dos casos de

    intoxicao de pessoas ou danos ambientais decorre do emprego dessesprodutos por via terrestre.

    A aplicao de agrotxicos e de outras substncias por

    via area uma atividade regulamentada j h um certo tempo no Brasil, e que

    por isso mesmo, requer que tenhamos uma viso mais apurada de sua

    aplicabilidade, no mbito da atual realidade no campo. Alm da Lei n

    7.802/1989 e seu regulamento, aplicam-se especificamente aviao agrcola

    as seguintes normas:

    Decreto-Lei n 917, de 7 de setembro de 1969dispe sobre o emprego daaviao agrcola no Pas e d outras providncias;

    Decreto n 86.765, de 22 de dezembro de 1981 regulamenta o Decreto-Lei n 917, de 1969;

    Instruo Normativa n 2, de 3 de janeiro de 2008, do Ministrio daAgricultura, Pecuria e Abastecimento aprova as normas de trabalho daaviao agrcola, em conformidade com os padres tcnicos operacionais ede segurana para aeronaves agrcolas, pistas de pouso, equipamentos,

    produtos qumicos, operadores aeroagrcolas e entidades de ensino,objetivando a proteo s pessoas, bens e ao meio ambiente, por meio dareduo de riscos oriundos do emprego de produtos de defesaagropecuria, e aprova modelos;

    Regulamento Brasileiro de Homologao Aeronutica RBHA 137 disciplina as operaes aeroagrcolas.

    Para a obteno de registro junto ao MAPA e

    consequente operao no territrio nacional, a Instruo Normativa n 2/2008

    estabelece as seguintes exigncias, em conjunto com outras normas:

    - Autorizao de funcionamento da ANAC;

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    - Engenheiro agrnomo responsvel pela coordenao das atividades aserem desenvolvidas com o emprego da aviao agrcola, devidamenteregistrado no Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia;

    - Piloto devidamente licenciado pela ANAC, com experincia mnima de 400horas de voo, tendo concludo curso de aviao agrcola desenvolvido oureconhecido pelo MAPA e homologado pela ANAC;

    - Tcnicos em agropecuria responsveis pela execuo dos trabalhos decampo, possuidores de curso de executor tcnico em aviao agrcola,desenvolvido ou reconhecido pelo MAPA;

    - Aeronave equipada segundo os padres tcnicos estabelecidos.

    Muitos requisitos e vasta documentao so exigidospara que se realizem atividades de aviao agrcola. Em linhas gerais, esse

    conjunto de exigncias compreende: autorizao da ANAC; registro junto ao

    MAPA; Certificado de Operador Aeroagrcola e outros documentos; aeronaves

    prprias para a atividade; pilotos especificamente habilitados; observncia de:

    a) manual de segurana de voo; b) parmetros climticos2 de operao; c)

    distncias mnimas de proteo a povoamentos (500m) e a mananciais (250m);

    planejamento operacional; emprego de produtos aprovados pela Anvisa e

    Ibama e registrados no MAPA para pulverizao area; receiturio agronmico;uso de equipamentos de proteo individualEPI; apresentao de relatrios:

    a) de aplicao: b) mensal das atividades da empresa; c) mensal de horas de

    voo; disponibilidade de ptio de descontaminao3da aeronave. Atuam como

    rgos fiscalizadores da aviao agrcola o Ministrio da Agricultura, Pecuria

    e AbastecimentoMAPA e a Agncia Nacional de Aviao CivilANAC.

    Importante salientar que, j no sentido de aperfeioar a

    legislao sobre pulverizao area, tramita na Cmara Federal um importante

    Projeto de Lei, de autoria do Deputado Dr. Rosinha, que visa introduzir, nanorma legal especfica, dispositivos que estabelecem condies e

    responsabilidades mais precisas para a aplicao area (PL 740/03). Na sua

    justificativa inclusive esta destacado que as atuais normas, por alguns

    consideradas rgidas e seguras, por outros nem tanto, no so

    necessariamente seguidas em toda extenso do imenso territrio nacional.

    2

    Parmetros climticos: temperatura, umidade relativa do ar, intensidade e direo dos ventos,necessrios ao controle da deriva do produto lanado.3 O ptio de descontaminao compreende: ptio de lavagem; reservatrio de decantao; conjuntomotobomba; ozonizador; reservatrio de oxidao; reservatrio de conteno e evaporao.

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    O prprio fenmeno j destacado da deriva tcnica de

    agrotxicos pulverizados por avies agrcolas, tem causado frequentes e

    graves problemas, em diversas regies do Pas. Os proprietrios de lavourasde grande extenso recorrem a esse mtodo que, se resulta mais eficiente e

    econmico para seus propsitos, muitas vezes causa perdas e danos

    tremendos a produtores rurais vizinhos, ao ambiente natural, principalmente

    aos recursos hdricos e ainda sade da populao que habita as reas

    prximas.

    Nos ltimos anos, so inmeros os relatos de problemas

    dessa natureza, tais como:

    - perda de toda ou de grande parte da colheita de

    hortalias, frutas e outras espcies de plantas, sensveis e afetadas por

    herbicidas aplicados em grandes plantaes vizinhas ou prximas;

    - intoxicao e morte de aves, mamferos ou peixes,

    afetados por inseticidas e outros produtos fitossanitrios, derivados da

    aplicao area em lavouras vizinhas ou prximas;

    - contaminao de produtos de origem vegetal ou animal,

    tornando-os imprprios para o consumo;

    - contaminao de reas de proteo ambiental ou de

    preservao permanente, com irreparvel prejuzo para a flora e a fauna;

    - contaminao de mananciais hdricos e de reas

    urbanas, com consequente prejuzo sade da populao local.

    Alm disso, as pessoas afetadas, especialmente quando

    se trata de pequenos produtores rurais, enfrentam imensa dificuldade para, pormeio de aes judiciais, tentarem recuperar o prejuzo. Quando este apenas

    de ordem material, j constitui um grande problema. Muito pior quando se

    compromete a sade ou pe-se em risco a vida humana, muitas vezes sem

    que se possa identificar a natureza da intoxicao.

    Diante destes fatos, deve-se condicionar a aplicao por

    aeronave expectativa de que no haja uma deriva do produto para reas

    vizinhas ou prximas, pois isso causaria perda ou dano as plantaes, alm de

    riscos sade da populao desta regio e as criaes de animais terrestresou aquticos;

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    Deve-se ainda condicionar a aplicao ao respeito s

    reas de proteo ambiental, as reas de preservao permanente e as

    Unidades de Conservao.

    Deve-se exigir ainda que profissional legalmente

    habilitado avalie os riscos inerentes operao, ao prescrever os agrotxicos

    ou afins a serem aplicados por aeronave, assim como este deve estar presente

    quando da aplicao, orientando e supervisionando o servio. Assim como

    deveria ser encaminhado aos rgos ambientais e ao MAPA, copia dos

    respectivos documentos tcnicos que prescrevam a aplicao dos agrotxicos

    e detalham a execuo do respectivo voo.

    Alm disso, caso terceiros venham a sofrer perdas ou

    danos, o contratante do servio, o aplicador e o profissional anteriormente

    referido devem responder solidariamente, quanto aos aspectos cvel e penal.

    Parte destas proposies j esto contempladas no referido Projeto de Lei que

    deve ser priorizado quanto a sua apreciao na Cmara Federal.

    Outro ponto importante a se destacar quanto a pulverizaoarea, se refere ao preocupante e impactante uso de certos herbicidas, como o2,4-D, que inclusive tem sido apontado como um grande vilo, devido aosindcios de que seja cancergeno. Nesse sentido, necessrio avaliar aimportncia de se proibir a aplicao area de produtos herbicidas,principalmente os que apresentam na sua composio qumica o cido 2,4-diclorofenoxiactico ou qualquer substncia dele derivada.

    Devemos ainda considerar que exigncias jurdicas

    semelhantes quanto a pulverizao area, ainda no se aplicam s demais

    formas de aplicao de agrotxicos e afins. No h normas especficas para a

    operao de equipamentos terrestres, com trao mecnica ou humana

    (pulverizadores costais). No se exigem licenas especficas, treinamento deoperadores, confeco e entrega de relatrios, ptios de descontaminao, etc.

    H recomendaes relativas ao uso de EPI, ateno direo do vento, trplice

    lavagem das embalagens, entre outras, que so frequentemente

    descumpridas, ensejando inmeros casos de contaminao de pessoas e

    poluio ambiental.

    Cumpre observar que a aviao agrcola se presta a

    vrias outras finalidades, alm da aplicao de agrotxicos e afins. O 2 do

    art. 2 do Decreto-Lei n 917, de 1969, enumera as seguintes atividades:

    a) emprego de defensivos;

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    b) emprego de fertilizantes;

    c) semeadura;

    d) povoamento de gua;

    e) combate a incndios em campos ou florestas;

    f) outros empregos que vierem a ser aconselhados.

    A aplicao area de fertilizantes comum em lavouras

    de arroz, irrigadas pelo sistema de inundao, quando no possvel o trnsito

    de mquinas terrestres. usual a semeadura area de pastagens. O

    lanamento de gua por aeronaves eficiente no combate a incndios

    florestais, que podem causar grandes danos ambientais. O controle de vetoresde doenas humanas4 outra possibilidade, ainda no regulamentada, mas

    com grande potencial.

    A aplicao de agrotxicos e afins por meio da aviao

    agrcola somente economicamente vivel em lavouras de grande extenso e

    hoje pode constituir a nica alternativa tecnicamente vivel em determinadas

    situaes. o caso da pulverizao de fungicidas contra a ferrugem asitica da

    soja, doena de rpida evoluo e que requer combate imediato, ocorrendo em

    perodo chuvoso, quando pode ser impossvel o trnsito de maquinrio

    terrestre, devido s condies de solo e plantas.

    No Brasil, a aviao agrcola atua em cerca de 20 milhes

    de hectares, correspondentes a 15%, aproximadamente, da rea cultivada. O

    cultivo de soja responsvel por cerca de 54% das pulverizaes, sendo a

    maior parte de fungicidas destinados ao controle de doenas fngicas. Em

    seguida vm as culturas de algodo (20%); arroz (15%); cana-de-acar (8%)

    e outras culturas (3%).

    Agrotxicos de baixa toxicidade constituem a maior parte

    do que aplicado por via area, no Brasil, alm de fertilizantes e micro-

    organismos para o controle biolgico de pragas (em cana-de-acar).

    4Algumas enfermidades humanas transmitidas por vetores: dengue, febre amarela, malria, leishmaniose,etc.

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    De acordo com o Sindicato Nacional das Empresas de

    Aviao Agrcola, 65% do total de agrotxicos aplicados pertencem classe

    toxicolgica5

    IV; 26% classe III; 5% classe II e 4% classe I. O controle dederiva rigoroso e so reduzidos os volumes aplicados: de 2