relação entre movimentos sociais e espiritismo a luta pela transformação - bolelli

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Página 1 de 9 RELAÇÃO ENTRE MOVIMENTOS SOCIAIS E ESPIRITISMO: A LUTA PELA TRANSFORMAÇÃO 1 . SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO. 2. O CONTEXTO SOCIAL: AS VIOLÊNCIAS E A LUTA COLETIVA. 3. O ESPIRITISMO ENQUANTO MOVIMENTO SOCIAL. 4. SUPERAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES SOCIAIS E DOS VALORES COMPARTILHADOS INTERSUBJETIVAMENTE: A LUTA PELA TRANSFORMAÇÃO. 1. INTRODUÇÃO. Tema de suma importância que vem sendo tratado tanto na academia e pela sociedade como um todo, diz respeito ao papel de relevância dos movimentos sociais junto à luta contra as violências do nosso tempo. A partir dessa premissa, no presente artigo buscaremos destacar o ponto de encontro entre os movimentos sociais e o Espiritismo, destacando que o movimento espírita igualmente o é, na medida em que sua práxis, embasada em valores e ideais específicos, está ao lado das éticas do combate, lutando contra qualquer tipo de violência, seja individual ou institucional. Dividimos o artigo em três capítulos. No primeiro capítulo explanamos acerca do contexto social contemporâneo, evidenciando que as violências de nosso tempo assumem aspectos hegemônicos, no sentido de que são compartilhados intersubjetivamente, assumindo caráter valorativo-axiológico, fornecendo o sentido de ser individual e social, do mesmo modo que é o substrato no qual se ergue o discurso de ordem em nome da civilidade. Aqui urge o papel transformador dos movimentos sociais junto à luta contra as violências, muito embora consideramos necessário alertar que os grupos coletivos podem assumir quaisquer tipos de ideais, dessa forma podem apontar para qualquer lugar, seja para defender a vida ou a morte, sendo que estes últimos acabam por justificar as violências. 1 Marco Antônio Lucindo Bolelli Filho. Bacharel em Direito. Bacharelando em Filosofia. Artigo parcialmente publicado no livro „Direitos Contemporâneos e Espiritismo‟, pela Associação Jurídico Espírita de São Paulo (AJE/SP).

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Artigo científico publicado na Revista da AJE/SP.

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    RELAO ENTRE MOVIMENTOS SOCIAIS E ESPIRITISMO: A LUTA

    PELA TRANSFORMAO1.

    SUMRIO

    1. INTRODUO.

    2. O CONTEXTO SOCIAL: AS VIOLNCIAS E A LUTA COLETIVA.

    3. O ESPIRITISMO ENQUANTO MOVIMENTO SOCIAL.

    4. SUPERAO DAS INSTITUIES SOCIAIS E DOS VALORES

    COMPARTILHADOS INTERSUBJETIVAMENTE: A LUTA PELA

    TRANSFORMAO.

    1. INTRODUO.

    Tema de suma importncia que vem sendo tratado tanto na academia e pela sociedade

    como um todo, diz respeito ao papel de relevncia dos movimentos sociais junto luta

    contra as violncias do nosso tempo.

    A partir dessa premissa, no presente artigo buscaremos destacar o ponto de encontro

    entre os movimentos sociais e o Espiritismo, destacando que o movimento esprita

    igualmente o , na medida em que sua prxis, embasada em valores e ideais especficos,

    est ao lado das ticas do combate, lutando contra qualquer tipo de violncia, seja

    individual ou institucional.

    Dividimos o artigo em trs captulos. No primeiro captulo explanamos acerca do

    contexto social contemporneo, evidenciando que as violncias de nosso tempo

    assumem aspectos hegemnicos, no sentido de que so compartilhados

    intersubjetivamente, assumindo carter valorativo-axiolgico, fornecendo o sentido de

    ser individual e social, do mesmo modo que o substrato no qual se ergue o discurso de

    ordem em nome da civilidade. Aqui urge o papel transformador dos movimentos sociais

    junto luta contra as violncias, muito embora consideramos necessrio alertar que os

    grupos coletivos podem assumir quaisquer tipos de ideais, dessa forma podem apontar

    para qualquer lugar, seja para defender a vida ou a morte, sendo que estes ltimos

    acabam por justificar as violncias.

    1

    Marco Antnio Lucindo Bolelli Filho. Bacharel em Direito. Bacharelando em Filosofia. Artigo

    parcialmente publicado no livro Direitos Contemporneos e Espiritismo, pela Associao Jurdico Esprita de So Paulo (AJE/SP).

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    No segundo captulo destacamos que o Espiritismo, assim como qualquer movimento

    social, corre o risco de se submergir num discurso sectarista voltado somente para os

    espritas, perdendo seu potencial motivacional que aponta para a superao das

    violncias institucionais.

    No terceiro captulo, buscamos tratar de uma possvel superao dos movimentos que se

    perdem no discurso ideolgico e acabam por justificar as violncias, trazendo baila

    que o Espiritismo nos traz uma importante reflexo de que a luta contra as violncias

    comea internamente: contra os valores que nos guiam cotidianamente, mas a nvel

    social pendemos necessariamente de aes coletivas, sendo que aqui est a

    possibilidade de superao das violncias institucionalizadas, independente do aspecto

    que assumam, seja social, cultural, econmico, etc., possibilitando consequentemente

    uma abertura para construirmos uma sociedade crist.

    2. O CONTEXTO SOCIAL: AS VIOLNCIAS E A LUTA COLETIVA.

    Vivemos numa sociedade em que ordem se traduz na desordem humana. E a despeito

    deste fato, a insistncia pelo elogio dessa ordem; preferimos refutar verdades

    inconvenientes a favor de mentiras agradveis.

    A escravido cotidiana: ns mesmos. A escravido no sistema: o trabalho. O desejo que

    move a vida: o consumo. O capitalismo como modo de produo econmica, e o

    liberalismo como viso de mundo poltica, e ambos, sobretudo como hegemonia

    axiolgica, esto falidos, mas falidos humanamente, pois vivem e se renovam a partir de

    crises econmicas e sociais. Claramente a misria beneficia o lucro. O maior ganho do

    movimento burgus no sculo XVII no foi somente tomar posse do Estado, mas

    difundir seus valores que hoje nos do o sentido de viver.

    Nesse pano de fundo, muitas vezes inconscientemente insistimos pela dominao mais

    justa, mas raramente pensamos em acabar com a dominao: esse o sadismo

    intelectual contemporneo, cuja erudio nem percebe a diferena entre o suprfluo e o

    fundamental.

    Conquanto nunca tenhamos dissertado tanto sobre direitos humanos e fundamentais, a

    violncia est a e, apontar para ela significa entender que a luta contra a violncia

    pende de aes concretas no mundo, em busca daquilo que faz viver, em nome de

    todos. A violncia incomoda, gera insatisfao, di na vida, e a sentimos mesmo sem

    saber explic-la, suas causas e suas razes. A violncia, alm daquela cotidiana e

    perceptvel, assume nveis estruturais na sociedade que esto para alm de ns mesmos,

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    criando a impresso de que se justifica no prprio fato de existir: as coisas so assim,

    porque so.

    Para uma compreenso mais alargada disso, necessrio enfatizar que somos seres

    jogados sociabilidade, vez que ela j antes de ns e continua para alm de ns. E,

    contraditoriamente, esse o substrato social-histrico-cultural que doutrinas que se

    dizem crists se desenvolvem: sob os fundamentos de uma sociedade injusta, dizemo-

    nos cristos, ao invs de lutarmos para construir uma sociedade com instituies e

    valores justos.

    Nesse sentido, Marx tinha razo ao considerar que a religio possui a conscincia

    invertida do mundo, pois deixa para construir um sentido de dignidade no ps-vida a

    despeito da dignidade que podemos construir e gozar aqui mesmo, motivo pelo qual o

    fez declarar que a religio o pio do povo2.

    Afinal, porque insistimos elogiar um mundo que se diz de provas e expiaes?

    Enxergamos as injustias, sabemos que elas esto a; ser impossvel superar as

    violncias? A dita resignao significa aceitar a injustia de nossa sociedade?

    Acreditamos que no! Podemos dizer que aquilo que humano diz respeito estritamente

    ao humano e de sua estreita responsabilidade e, quanto a isso, somente existem

    instituies porque pessoas as compem; a sociabilidade e a moralidade no esto na

    natureza, mas no constructo histrico-social e se existe algo que a histria nos ensina

    que possvel superar a violncia, pois se ainda h vida, porque h o que faz viver.

    Historicamente podemos perceber a luta de vrios movimentos sociais, representando a

    luta coletiva, a convergncia de insatisfaes, o questionamento da sociedade dada. A

    atuao desses movimentos foi imprescindvel para os ganhos sociais que hoje

    possumos. Exemplificativamente, outrora jamais se imaginou uma sociedade sem

    escravos, muito embora atualmente ningum ouse dizer publicamente que o

    desenvolvimento social e econmico depende da existncia de escravos.

    Maria da Glria Gohn, em destacado livro no qual possui como objeto de estudo os

    movimentos sociais, enfatiza seu potencial transformador, aventurando-se numa

    possvel conceituao deste fenmeno controverso como:

    fenmenos histricos decorrentes de lutas sociais. Colocam atores especficos sob as luzes da ribalta em perodos determinados. Com as

    mudanas estruturais e conjunturais da sociedade civil e poltica, eles se

    transformam. Como numa galxia espacial, so estrelas que se acendem

    enquanto outras esto se apagando, depois de brilhar por muito tempo.

    2 Vide: Marx, Karl. Crtica da Filosofia do Direito de Hegel. So Paulo: Boitempo, 2005.

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    (...) Enquanto a humanidade no resolver seus problemas bsicos de

    desigualdades sociais, opresso e excluso, haver lutas, haver

    movimentos3.

    A Federao Anarquista do Rio de Janeiro, que vem debatendo sobre importantes temas

    a respeito de novos modelos e pilares sociais, destaca que os movimentos sociais

    decorrem do trip necessidade, vontade e organizao, conceituando-os como:

    uma associao de pessoas e/ou de entidades que possuem interesses comuns na defesa ou na promoo de determinados objetivos frente

    sociedade. Estes movimentos podem estar nos mais diferentes lugares

    da sociedade e ter as mais diferentes bandeiras de luta, que mostram

    necessidades daqueles que esto em torno do movimento, uma causa em

    comum4.

    A razo de ser dos movimentos sociais a luta por algum ideal. Movimento ao de

    deslocar-se, sair do dado, posicionar-se em confronto sensao de ordem, um passo de

    distanciamento do que h: a organizao popular como coordenao de foras e de

    objetivos comuns imprescindvel para a transformao social.

    Ocorre que, importante destacar que os movimentos sociais podem ir para qualquer

    lugar; como so guiados por ideais especficos, mas tambm difusos ou ainda em

    elaborao, a difcil relao teoria e prtica pode levar a caminhos inicialmente no

    desejados.

    Mas, pergunta-se: o que isso tudo tem a ver com Espiritismo? Ou, mais

    especificamente, qual o ideal social nuclear do Espiritismo?

    3. O ESPIRITISMO ENQUANTO MOVIMENTO SOCIAL.

    Alguns diriam acertadamente que o Espiritismo, no jogo de dar razes, e a partir de sua

    viso de mundo, explica os motivos da violncia e das mazelas sociais. Porm, s

    explicar no basta, pois parar nesse primeiro momento justificar as violncias sociais

    e isso no queremos.

    Com isso, o Espiritismo no bom por si s, pois depende de seu desenvolvimento

    prtico, ou seja, daquilo que se pode fazer com aquilo que se sabe, e s se torna

    relevante quando seu desdobramento social possui cunho libertador e progressista, isto

    , desenvolve-se enquanto fenmeno aberto para a sociedade e no como performance

    sectarista que se preocupa somente com os seus.

    3Gohn, Maria da Glria. Teorias dos Movimentos Sociais: paradigmas clssicos e contemporneos.

    So Paulo: Loyola, 2011. 4 Vide: http://anarquismorj.files.wordpress.com/2011/08/programa_farj_anarquismo_social.pdf acesso em

    18 de julho de 2014.

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    A mensagem dos espritos clara, basta ter olhos para ver. Na pergunta n. 573 do Livro

    dos Espritos ao serem questionados Em que consiste a misso dos Espritos

    encarnados a resposta Instruir os homens, em auxiliar o progresso; em lhes melhorar

    as instituies, por meios diretos e materiais. (...).

    Aqui extramos duas mensagens de suma importncia e cunho libertador. A primeira

    parte explicita o mote de fundo da violncia: os valores que nos move, dizendo respeito

    ao nvel axiolgico-valorativo (horizonte de mundo) compartilhado socialmente. A

    segunda parte trata das instituies: a objetivao desses valores violentos.

    Nesse esteio, pode-se dizer que, considerando o trplice aspecto do Espiritismo:

    cientfico, filosfico e moral; somente este terceiro tem o condo de fornecer o substrato

    subjetivo para a ao no mundo, pois uma sociedade cientificamente esprita ou

    filosoficamente esprita (p. ex. em que todos tomam a reencarnao com fato da

    natureza) no gera necessariamente uma sociedade justa para todos. Tomar a

    reencarnao como uma certeza de vida, no impede uma sociedade de sustentar um

    sistema absurdo e violento, por exemplo, de castas.

    Se o princpio da caridade e da fraternidade, enquanto desdobramento do amor, a

    alavanca contra as violncias de nosso tempo, pergunta-se: que tipo de amor? O amor

    da esmola, em que me sinto bem por ter o desgraado para lhe dar algo, ou o amor que

    cria uma sociedade em que no h mendigos?

    Para o forjamento de uma sociedade nos padres da caridade enquanto modo de ser, o

    esprita, assim como quaisquer pessoas que se interessem pela justia, deve estar ao lado

    da luta contra qualquer tipo de violncia, e em favor de todas as pessoas, qualquer

    pessoa. Aqui est a chave para superao dos grupos que justificam a violncia ou que

    ficam adstritos ao discurso, pois a luta deixa de ser por melhores argumentos e se apia

    no vivido da realidade concreta.

    Em relao a isso, da mesma forma que o movimento esprita tem algo a dizer aos

    movimentos sociais, igualmente os movimentos sociais tm algo a dizer ao movimento

    esprita.

    4. SUPERAO DAS INSTITUIES SOCIAIS E DOS VALORES

    COMPARTILHADOS INTERSUBJETIVAMENTE: A LUTA PELA

    TRANSFORMAO.

    As violncias se estruturam de muitas formas, de maneira complexa e contraditria.

    Esse o nosso horizonte imediato, o mundo da violncia, um turbilho de valores que j

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    esto estabelecidos socialmente: o nosso contato imediato com o mundo. Por isso o

    afastamento necessrio e igualmente pensar e entender a violncia importante,

    porm indispensvel a luta pela sua superao. Em tempo de misria, a tica do

    combate deve gritar alto em favor do humano.

    O ponto de toque entre os movimentos sociais e o movimento esprita perceber que

    esse ltimo igualmente um agrupamento de pessoas com valores (e viso de mundo)

    especficos.

    Da que, nesse encontro entre esses movimentos, a luta dos movimentos sociais oferece

    o agir prtico como exemplo, no sentido de focar toda a ao para o plano social e no

    para uma ordem de discurso e conformidade.

    O jurista e filsofo Alysson Mascaro, em recente artigo, expe que:

    Em todas as sociedades capitalistas, as polticas mais progressistas s conseguem se sustentar com grande mobilizao popular. Para isso,

    preciso que haja cultura poltica ativa nas bases sociais e, ainda,

    mecanismos de informao e de comunicao de massa plurais e

    arejados. (...) A poltica progressista, alis, no deve s contar com o

    povo, mas, em especial, deve partir dele. No h possibilidade de

    mudanas econmicas e sociais substanciais se no houver mobilizao

    popular, politizao das massas e exposio dos conflitos a serem

    superados5.

    J o Espiritismo com seu arcabouo valorativo, lutando contra o individualismo e o

    egosmo, nos convida inicialmente para a revoluo da conscincia. Porm, se a nvel de

    estruturas sociais, as mudanas somente ocorrem quando existe intencionalidade de

    aes coletivas, a caridade no pode ser uma utopia, mas um fazer prtico: uma forma

    de se viver.

    Porm, aqui surge a questo: como um movimento social pode se desenvolver sem se

    perder no discurso ou prticas violentas? Acreditamos que a chave para superar essa

    possibilidade a tica do combate; tica porque um guia de vivncia no mundo que

    surge e carrega os Outros; combate porque se ope a qualquer tipo de violncia contra o

    humano.

    Aqui no se trata de rebaixamento, mas de elevar o mais importante; trata-se de se focar

    no mais relevante: a moralidade vivida em prol daquilo que faz viver, exercida com

    respaldo coletivo. A revoluo de conscincia passa pelo mundo e acontece

    concretamente no mundo e no somente internamente. Assim, o Espiritismo, alm de

    5 Vide: http://blogdaboitempo.com.br/category/colaboracoes-especiais/alysson-mascaro/ acesso em 18 de

    julho de 2014

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    sua viso de mundo que fornece uma chave de leitura da realidade, desdobra-se ainda

    em seu aspecto prtico, sendo este ltimo o dever esprita, sua razo de ser.

    As condies objetivas de transformao esto no mundo, pois onde a

    intencionalidade coletiva atua, mas no como pensam alguns, que dizem estar nas

    idias, em livros especficos ou na fala/opinio de alguns espritos. Mesmo se

    entendermos que exista algum projeto/guia, para que esse mundo se torne um mundo de

    regenerao, o projeto uma projeo que pende de aes concretas6.

    Devemos ir alm da barbrie oferecida em nome de um discurso civilizatrio. Nestes

    termos, nos expe Mascaro que,

    A reproduo social capitalista investe em afirmaes ideolgicas de tica e legalidade como se fossem seus padres universais ou reclames

    necessrios ao seu bom funcionamento7.

    Existe um arcabouo ideolgico em questo; existem instituies concretas que

    escondem as violncias. O direito, por exemplo, apresentado como a encarnao do

    justo, porm, em realidade intrinsecamente trgico, pois por detrs de sua beleza esto

    os horrores do capitalismo, isto , esconde a tragicidade da vida de pessoas, pois, do

    ponto de vista jurdico, as violncias estruturais so legais. Logo, dizer que queremos

    leis justas, ou um Judicirio justo, no garante uma sociedade justa; afinal, o justo do

    sistema capitalista que alguns poucos, por seu mrito e luta pessoal, acumule aquilo

    que conquistou. queles que perderam a batalha, resta a caridade pblica.

    Se a luta pelos direitos sociais uma importante bandeira, o que ocorre no Estado de

    Direito que essa luta foi jurisdicionalizada, e levada a um foco procedimental, bem

    distante de onde o verdadeiro substrato no qual a luta est alocada: o coletivo social.

    Claro que devemos procurar os melhores moldes institucionais para o desenvolvimento

    das causas sociais e apoi-las fundamental, mas no devemos perder de vista que a

    institucionalizao, no pano de fundo do Estado de Direito moderno, tambm uma

    forma do capitalismo, instituda em sua sociabilidade contraditria8

    . No nos

    conformemos com migalhas; queremos uma sociedade justa e no leis justas: essa a

    diferena primordial entre a justia e a legalidade.

    6 Interessante perceber que a partir do horizonte esprita, so os encarnados quem oferecem as condies

    de mundo para os encarnantes, dessa maneira, se se espera criar um mundo de justia, amor e caridade,

    esse o dever prtico de quem aqui se encontra. 7 Vide: http://blogdaboitempo.com.br/category/colaboracoes-especiais/alysson-mascaro/ acesso em 18 de

    julho de 2014 8 Para maiores reflexes, indico o livro Estado e Forma Poltica, escrito por Alysson Mascaro, publicado

    pela editora Boitempo.

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    Essa a luta do esprita, mas tambm de qualquer pessoa que almeje tempos melhores.

    Reconhecemos as conquistas histricas, mas isso no nos basta. As mudanas somente

    ocorrem quando esto amparadas e enraizadas em valores coletivos somadas a aes

    concretas no mundo9.

    A luta interna o primeiro passo: deve haver um mundo interior a cada indivduo que o

    sustenta, mas isso no basta. A princpio, o mundo no muda conosco, porque a

    mudana do mundo pende de atuaes e valores que so compartilhados por uma

    coletividade; da que, a luta contra a violncia tem como motor a ao coletiva

    representada por cada um, mas tambm maior que cada um, pois em condies reais

    representa novos horizontes, novas perspectivas.

    Lutar contra nossas atuais formas sociais lutar contra nosso egosmo e o

    individualismo, os valores que guiam nossa sociedade, e isso di, uma luta cotidiana e

    para isso precisamos sair da zona de conforto.

    Vale ressaltar que na pergunta n. 914 do Livro dos Espritos, sendo indagado aos

    espritos como pode ser possvel superar o egosmo, tendo em vista que o intrnseco

    ao homem e diz respeito aos interesses pessoais, temos como resposta que medida

    que os homens se instruem acerca das coisas espirituais, menos valor do s coisas

    materiais. Depois, necessrio que se reformem as instituies humanas que o entretm

    e excitam. Isso depende da educao.

    O Espiritismo pode ser um ponto de partida, mas no o fim, pois a luta no a favor de

    uma ideologia ou de um discurso, mas contra qualquer ideologia ou discurso violento: a

    causa primeira so as pessoas, qualquer pessoa. Ou seja, o fim so as pessoas e no o

    ideal esprita. Da que, qualquer tipo de violncia deve ser colocada em xeque,

    independente da forma que revista.

    Acreditamos que falar de transformaes substanciais passar pelo nvel axiolgico, e

    esse deslocamento pode surgir do indivduo (enquanto mundo interior), mas passa

    necessariamente pelo coletivo, pois somente quando o sentido ou motivao se opera

    num nvel coletivo que ela far sentido para alm de cada qual.

    Ao nvel axiolgico, a viso esprita denota um potencial altamente transformador,

    desde que a nvel concreto a caridade seja ao niveladora contra as violncias, e aqui

    sabemos que a luta no pelo Espiritismo, mas por uma sociedade melhor, pelo bem de

    9 Nas palavras de Paul Ricoeur, existe uma tenso entre a subjetividade estruturada normalmente

    designada por mundo objetivo , e a subjetividade estruturante, que diz respeito s mediaes que esto recompondo e reorganizando a lgica institucional e moral.

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    todos. O Espiritismo no uma doutrina abstrata e sectarista, mas uma proposta prtica

    de vida10

    , e nesse nterim, a caridade no um ato (ou beneficncia), mas uma forma de

    viver e a posse de uma chave de leitura que guia a formao de si mesmo e tambm de

    motivao para atuao no mundo.

    Se a formao de si uma luta contra si mesmo, a atuao no mundo a luta para alm

    de si, deixar para aqueles que encarnam no mundo instituies e valores mais justos;

    repensar o imaginrio poltico, ideolgico, social, cultural, educacional, econmico, de

    modo que seja possvel insurgir contra os tempos de violncia escancarada.

    Contra as violncias, os movimentos sociais representam a fora coletiva: aqui se

    encontra a energia de transformao do mundo; sou eu, mas tambm ns. Mas quanto s

    transformaes, apontamos para aquelas que minam com todo e qualquer tipo de

    violncia: aqui esto as condies para forjar uma sociedade que d condies de fato

    para o desenvolvimento do humano pleno.

    A luta em interna, mas tambm coletiva, em ns mesmos, mas tambm alm de ns.

    10

    Uma doutrina, enquanto modo de enxergar o mundo, no pode ser melhor que outra em termos

    ontolgicos, mas pode ser em termos de proporcionar melhor forma de se viver, tendo como base os

    elementos mais bsicos da vida.