rejeito de mineraÇÃo de ferro dissertaÇÃo … · análise de barragens convencionais, de terra...

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CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO DO COMPORTAMENTO DE BARRAGENS DE REJEITO DE MINERAÇÃO DE FERRO Cecília Bhering de Araujo DISSERTAÇÃO SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DA COORDENAÇÃO DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM CIÊNCIAS EM ENGENHARIA CIVIL. Aprovada por: ________________________________________________ Prof. Francisco de Rezende Lopes, Ph.D. ________________________________________________ Prof. Leandro de Moura Costa Filho, Ph.D. ________________________________________________ Prof. Roberto Francisco de Azevedo, Ph.D. ________________________________________________ Profa. Maria Cláudia Barbosa, D.Sc. RIO DE JANEIRO, RJ - BRASIL SETEMBRO DE 2006

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CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO DO COMPORTAMENTO DE BARRAGENS DE

REJEITO DE MINERAÇÃO DE FERRO

Cecília Bhering de Araujo

DISSERTAÇÃO SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DA COORDENAÇÃO DOS

PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE

FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS

PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM CIÊNCIAS EM ENGENHARIA

CIVIL.

Aprovada por:

________________________________________________

Prof. Francisco de Rezende Lopes, Ph.D.

________________________________________________ Prof. Leandro de Moura Costa Filho, Ph.D.

________________________________________________ Prof. Roberto Francisco de Azevedo, Ph.D.

________________________________________________ Profa. Maria Cláudia Barbosa, D.Sc.

RIO DE JANEIRO, RJ - BRASIL

SETEMBRO DE 2006

ARAUJO, CECÍLIA BHERING DE

Contribuição ao Estudo do

Comportamento de Barragens de Rejeito de

Mineração de Ferro [Rio de Janeiro] 2006

VII, 133 p. 29,7 cm (COPPE/UFRJ,

M.Sc., Engenharia Civil, 2006)

Dissertação - Universidade Federal do

Rio de Janeiro, COPPE

1. Barragens de Rejeito

2. Métodos Numéricos

3. Obras de Terra

I. COPPE/UFRJ II. Título ( série )

ii

AGRADECIMENTOS

Ao professor e orientador Francisco R. Lopes pelo apoio, compreensão e dedicação a esta

tese.

Ao orientador Leandro de Moura Costa Filho pela disponibilidade em compartilhar seu

conhecimento e experiência no assunto.

Aos alunos Anderson Borghetti Soares e Daniel Whately pela ajuda na preparação das

redes de elementos finitos.

Aos professores da COPPE pelos ensinamentos ao longo do curso.

À Promon Engenharia pelo incentivo à busca pelo conhecimento científico e pelas horas

disponibilizadas para a realização do curso.

Aos meus chefes na Companhia Vale do Rio Doce – CVRD pela flexibilização de horários

e compreensão, especialmente durante a etapa final do curso.

À minha família pelo apoio e paciência.

Aos meus amigos, por existirem.

iii

Resumo da Dissertação apresentada à COPPE/UFRJ como parte dos requisitos necessários

para a obtenção do grau de Mestre em Ciências (M.Sc.)

CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO DO COMPORTAMENTO DE BARRAGENS DE

REJEITO DE MINERAÇÃO DE FERRO

Cecília Bhering de Araújo

Setembro/2006

Orientadores: Francisco de Rezende Lopes

Leandro Moura Costa Filho

A presente dissertação avalia a aplicação de ferramentas de modelagem numérica ao estudo

de comportamento de barragens de contenção de rejeitos de mineração de ferro, alteadas

com o próprio rejeito. A primeira parte da dissertação está relacionada ao conhecimento das

ferramentas de modelagem e inclui um estudo paramétrico, que permite avaliar a

sensibilidade do comportamento de barragens em função de algumas variáveis de projeto.

A segunda parte da dissertação envolve a aplicação das ferramentas na análise de um

projeto de mineração de ferro no Quadrilátero Ferrífero, Minas Gerais. O estudo de

percolação foi realizado com a utilização do programa SEEP/W, e o estudo do

comportamento tensão-deformação da barragem foi realizado com a utilização do programa

ProGeo, ambos pelo Método dos Elementos Finitos. Além disso, foi utilizado o programa

SLOPE/W para o estudo de estabilidade, pelo Método de Equilíbrio Limite. Os resultados

obtidos na modelagem numérica foram compatíveis com os observados com

instrumentação de campo, no tocante à modelagem de percolação. Na modelagem tensão-

deformação, apenas o comportamento global da barragem foi avaliado, de forma

qualitativa, sem buscar verificar valores de deslocamentos como resultados.

iv

Abstract of Dissertation presented to COPPE/UFRJ as a partial fulfillment of requirements

for the degree of Master of Science (M.Sc.)

A CONTRIBUTION TO THE STUDY OF BEHAVIOR OF A TAILINGS DAM FROM

AN IRON MINING

Cecília Bhering de Araújo

September/2006

Advisors: Francisco de Rezende Lopes Leandro Moura Costa Filho

Department: Civil Engineering

This thesis examines the application of numerical modeling tools to the study of the

behavior of tailings, built with the mines own tailings. The first part of the thesis consists in

the familiarization with the modeling tools, and includes a parametric study, which

examines the sensitivity of the behavior of the tailings dams with some design variables.

The second part of the thesis consists in the application of the numerical tools to the

analysis of a real case, an iron ore mining project located in “Quadrilátero Ferrífero”, State

of Minas Gerais. The seepage analysis was carried out with the help of the program

SEEP/W, and the stress-strain analysis with ProGeo, both based on the Finite Element

Method. Furthermore, the dam stability was studied with the program SLOPE/W, which is

based on the Limit Equilibrium Method. The results of the numerical modeling were

compared to the available piezometer field data, and allowed an evaluation of the seepage

conditions. The stress-strain analysis allowed an evaluating the overall behavior, not

verifying specific displacement values. Conclusions are drawn with respect to the

development of stresses in the dam, and possible advantages a particular building process.

v

ÍNDICE

1 INTRODUÇÃO 2 BARRAGENS DE REJEITO – SOLUÇÕES 2.1 ATIVIDADE DE MINERAÇÃO 2.2 REJEITOS 2.2.1 Espessamento 2.2.2 Filtragem 2.2.3 Ciclonagem 2.3 DIFERENÇAS ENTRE BARRAGENS CONVENCIONAIS E BARRAGENS DE REJEITO 2.4 BARRAGENS DE REJEITO 2.4.1 Segregação Hidráulica 2.4.2 Evaporação Durante a Deposição 2.4.3 Adensamento do Rejeito 2.4.4 Propriedades Geotécnicas 3 MÉTODOS DE ANÁLISE 3.1 MÉTODO DE ELEMENTOS FINITOS – MEF 3.2 ANÁLISE DE PERCOLAÇÃO 3.3 ANÁLISE TENSÃO-DEFORMAÇÃO 3.4 ANALOGIA ENTRE O PROBLEMA TENSÃO-DEFORMAÇÃO E O PROBLEMA DE PERCOLAÇÃO 3.5 ANÁLISE DE ESTABILIDADE 4 ESTUDO PARAMÉTRICO 4.1 ESTUDO PARAMÉTRICO DE PERCOLAÇÃO 4.1.1 Sistemas de Drenagem 4.1.2 Diferentes Materiais na Construção 4.1.3 Anisotropia 4.1.4 Elevação do Nível D’água na Praia

vi

4.2 ESTUDO PARAMÉTRICO DO COMPORTAMENTO TENSÃO-DEFORMAÇÃO 4.2.1 Método Construtivo 4.2.2 Altura da Barragem 4.2.3 Ação da Água 4.2.4 Variação da Resistência 4.2.5 Variação da Rigidez 4.2.6 Variação do Peso Específico 5 ESTUDO DE CASO: A BARRAGEM DE DOUTOR 5.1 DESCRIÇÃO DA OBRA 5.1.1 Beneficiamento 5.2 INVESTIGAÇÃO GEOTÉCNICA 5.2.1 Geologia Local 5.2.2 Sondagens e Ensaios de Campo 5.2.3 Ensaios de Laboratório 5.3 O PROJETO 5.3.1 Dique Inicial 5.3.2 Alteamento 5.3.3 Drenagem Superficial 5.3.4 Adução de Lamas e Rejeitos e Ciclonagem 5.3.5 Sistema Extravasor 5.3.6 Monitoramento Geotécnico 5.4 METODOLOGIA DO ESTUDO DE CASO 5.5 RESULTADOS 5.5.1 Análise de Percolação 5.5.2 Análise Tensão-Deformação 5.5.3 Análise de Estabilidade 6 CONCLUSÕES E SUGESTÕES PARA PESQUISAS FUTURAS 6.1 CONCLUSÕES 6.2 SUGESTÕES PARA PESQUISAS FUTURAS

vii

1 INTRODUÇÃO

Inerente à atividade de mineração, está a geração de enorme quantidade de rejeitos. Desta

forma, as mineradoras necessitam, em seu planejamento a longo prazo, incorporar ao seu

plano diretor alternativas de disposição de rejeitos de forma mais segura e econômica.

Além disso, barragens de rejeito são estruturas geotécnicas que devem permanecer estáveis

por períodos de tempo muito longos, normalmente maiores que a própria vida útil da mina.

Historicamente, o foco de investimentos das diversas mineradoras reside na linha de

beneficiamento e tratamento dos minérios, objeto gerador de lucro, sendo os rejeitos e o

estéril gerados na mina, mas sem valor econômico, tratados de forma secundária, assim

como os métodos de disposição associados. Com isso, a construção de estruturas de

contenção era feita sem projetos de engenharia, além de utilizar o próprio rejeito como

material de construção, as vezes sem qualquer controle tecnológico. Dessa forma, uma série

de acidentes e rupturas aconteceram, e essas estruturas passaram a ser, cada vez mais,

estudadas e controladas com instrumentação.

Atualmente a disposição de rejeitos tem sido um aspecto muito focalizado nos estudos e

investimentos de uma empresa de mineração. A segurança e o perfeito funcionamento

destes sistemas são fundamentais para a contínua realização das atividades minerais.

Dentro desse tema, essa dissertação estuda o comportamento de barragens de rejeito,

alteadas com o próprio rejeito, no tocante à análise de percolação, análise tensão-

deformação e estabilidade. Para isso, será feito o uso de ferramentas já consagradas na

análise de barragens convencionais, de terra compactada para armazenamento de água.

Serão utilizados o Método de Elementos Finitos, aplicado à análise de percolação e

comportamento tensão-deformação, e o Método de Equilíbrio Limite, aplicado à análise de

estabilidade.

1

Serão apresentados os diferentes métodos construtivos, com suas vantagens e desvantagens,

aplicando as ferramentas descritas acima, especialmente em estruturas alteadas por dois dos

três métodos construtivos existentes. Além disso, foi avaliada a influência de diferentes

parâmetros no comportamento de uma barragem de rejeito. Tais parâmetros incluem a

existência ou não de anisotropia na condutividade hidráulica dos rejeitos, a localização e

eficiência de sistemas de drenagem interna, e a rigidez e resistência dos materiais

envolvidos.

As ferramentas descritas acima foram aplicadas a uma barragem de rejeito, alteada pelo

método de linha de centro, existente no Quadrilátero Ferrífero, em Minas Gerais. A

barragem escolhida é um sistema de contenção de uma mina de exploração de ferro, da

Companhia Vale do Rio Doce – CVRD. A escolha dessa barragem se justifica por ser uma

solução típica utilizada para contenção de rejeitos nas diversas minas da empresa, dotada de

projeto e instrumentação de campo, inclusive com um controle tecnológico dos materiais

envolvidos em seu alteamento – rejeitos ciclonados.

Esta dissertação foi estruturada em seis capítulos. No Capitulo 2 é apresentada uma revisão

sobre as barragens de rejeitos, enfatizando as características dos sistemas de disposição, as

características dos rejeitos de minério de ferro, o processo de segregação que ocorre na

praia de deposição, a massa específica do depósito, os parâmetros de resistência do rejeito e

as características de permeabilidade dos rejeitos.

O Capítulo 3 contém uma breve descrição das ferramentas utilizadas.

O Capítulo 4 apresenta os estudos paramétricos realizados, relacionados à percolação e ao

comportamento tensão-deformação, analisando algumas variáveis de projeto.

O Capítulo 5 apresenta o estudo de caso, com a descrição da obra estudada e sua análise.

Nesse capítulo são feitas comparações com os resultados de piezometria obtidos com

instrumentação de campo.

2

Finalmente, o Capítulo 6 apresenta as conclusões obtidas com essa dissertação, além de

sugestões para pesquisas futuras.

3

2 BARRAGENS DE REJEITO – SOLUÇÕES

2.1 ATIVIDADE DE MINERAÇÃO

A atividade de mineração consiste na explotação de minérios da natureza. Um depósito

mineral é um volume rochoso no qual substâncias minerais estão concentradas de modo

anômalo quando comparadas com sua distribuição média na crosta terrestre.

Para que o minério possa ser explotado, é necessário realizar a lavra de rocha ou solo sem

valor econômico que ocorre dentro do corpo do minério, ou recobrindo-o. Esse material é

disposto em pilhas, e é chamado estéril.

Após a lavra, o mineral bruto – tal como ocorre na natureza, porém desmontado, deslocado

por uma operação de lavra – é submetido a um conjunto de processos industriais que o

torna apto para utilização na indústria metalúrgica.

O beneficiamento de minérios é o tratamento industrial que prepara

granulometricamente, purifica ou enriquece minérios por métodos físicos ou químicos, sem

alteração da constituição química dos minerais. O beneficiamento divide o mineral bruto

em concentrado e rejeito. A polpa que não apresenta valor econômico é disposta como

rejeito no sistema de armazenamento, e geralmente é contida por diques ou barragens.

A mineração é uma atividade que gera um grande volume de rejeitos, devido à pequena

concentração de metal encontrada no mineral bruto.

Rejeito de mineração é todo o material resultante de processos químicos e físicos

envolvidos na extração dos metais. O tamanho das partículas de rejeito se encontra

tipicamente na faixa de partículas de areias finas e siltes. As características químicas dos

4

rejeitos de mineração variam de acordo com o mineral de interesse e as substâncias

químicas envolvidas no processo de extração dos metais.

Atualmente a disposição de rejeitos tem sido um aspecto muito focalizado nos estudos do

plano diretor de uma empresa de mineração. A segurança e o perfeito funcionamento destes

sistemas são fundamentais para a contínua realização das atividades minerais. Como

alternativa para construção de sistemas de disposição e contenção de rejeitos as empresas

tem utilizado o próprio rejeito como elemento de construção destas estruturas, diminuindo

o custo na construção das mesmas, aumentando sua capacidade de armazenamento e

possibilitando a construção em fases, juntamente com o avanço de lavra.

2.2 REJEITOS

Os rejeitos são partículas resultantes de processos de beneficiamento dos minérios visando

extrair os elementos de interesse econômico. Sua constituição é caracterizada pela presença

de uma fração líquida e sólida, com concentração de 30% a 50% em peso. Estes materiais

apresentam características que são função do minério bruto e do processo industrial

utilizado no beneficiamento.

Em função do tipo de minério e do tratamento utilizado, os rejeitos podem variar de

materiais arenosos não plásticos (rejeitos granulares) até solos de granulometria fina e alta

plasticidade (lamas). Os rejeitos granulares, constituídos de partículas de granulometria de

areias finas a médias, não plásticas, possuem alta permeabilidade e resistência ao

cisalhamento e baixa compressibilidade. Já as lamas, constituídas por partículas de

granulometria de siltes e argilas, possuem alta plasticidade, difícil sedimentação e alta

compressibilidade.

No processo de beneficiamento para obtenção de minério de ferro, por exemplo, o minério

é submetido a etapas sucessivas de peneiramento, britagem, moagem, deslamagem e

flotação em colunas, obtendo-se o ferro concentrado e eliminando-se as impurezas,

principalmente a sílica.

5

O descarte dos rejeitos gerados na unidade de beneficiamento das empresas mineradoras

pode ser feito na forma sólida (pasta ou granel) ou líquida (polpa). Na primeira situação o

transporte dos rejeitos é realizado através de caminhões ou correias transportadoras, como

apresentado na Figura 2.1, e na segunda situação por meio de tubulações. Com a técnica do

aterro hidráulico, o material é lançado hidraulicamente e o transporte realizado por meio de

tubulações. Este transporte pode ser por bombeamento ou gravidade. Normalmente, este

lançamento é realizado com a utilização de hidrociclones ou canhões.

Figura 2.1: Rejeito em pasta, disposto por caminhão

No Brasil, na maioria dos casos, o processo de descarte dos rejeitos se dá na forma líquida,

sob forma de polpa. A polpa passa por três tipos de comportamento (CHAMMAS, 1989):

• comportamento de líquido sobrenadante, ocorrendo a floculação das partículas de

menor tamanho;

• rejeito em processo de sedimentação, apresentando comportamento semi-líquido e

semi-viscoso;

6

• rejeito em processo de adensamento, comportando-se como um solo.

ABRÃO (1987) classifica ainda os rejeitos quanto à textura evidenciando que geralmente

estes materiais apresentam granulometria de solos finos, granulometria de areias finas,

siltes e argilas. Os rejeitos mais grossos são não plásticos e os mais finos podem exibir

elevados índices de plasticidade.

Com o objetivo de diminuir a perda na usina, a polpa contendo rejeitos passa por alguns

processos antes de serem encaminhados para descarte. Nesses processos se recupera água,

se aproveita ainda alguma parcela de rejeito e se separa parcelas de rejeito com diferentes

granulometrias, em função dos métodos de disposição. Esses processos são o espessamento

(deslamagem), filtragem e ciclonagem.

2.2.1 Espessamento

O espessamento recupera a maior quantidade possível de água isenta de sólidos, através de

um equipamento chamado espessador. Os espessadores são tanques dotados de braços

rotatórios que conduzem os sólidos em decantação do rejeito para a região central do

tanque, de onde são coletados e bombeados para o sistema de contenção da unidade. A

Figura 2.2 apresenta o esquema de um espessador. A polpa espessada é conduzida por

gravidade, com 55 a 60% de sólidos em peso, através de calhas ou tubulações para a

barragem de rejeitos e a água recuperada é, geralmente, recirculada para o processo de

beneficiamento.

Figura 2.2: Espessador (VICK, 1983)

7

É sempre interessante ter menor quantidade de água misturada ao rejeito. Os benefícios são

tanto em termos de estabilidade, principalmente a ausência de água junto à barragem,

quanto em termos de percolação pela fundação / corpo da barragem, diminuindo a

possibilidade de contaminação. O grau de espessamento é determinado em função da

necessidade de se bombear a lama para o sistema de armazenamento.

2.2.2 Filtragem

Rejeitos filtrados também perdem grande quantidade de água, e podem ser depositados de

forma estável atendendo a certos requisitos:

• Espessamento dos solos até uma concentração de sólidos de 60%;

• Deslamagem com filtros de prensa até uma umidade de 20-25%;

• A torta formada (cake) é transportada por correias transportadoras ou caminhões, e

distribuída e depositada por tratores;

• É feita a compactação com a utilização de rolos pé de carneiro em camadas de 1

metro de espessura, até atingir um grau de compactação de 85% do Proctor

modificado.

Com esse processo de compactação, a gravidade específica atingida é da ordem de 2,80.

Além disso, para rejeitos siltosos, é possível obter uma resistência de 28 a 47 golpes em

sondagens SPT. Os parâmetros de resistência são altos, com ângulo de atrito na faixa de

35° a 43°, devido principalmente à forma angular das partículas, que garante um

mecanismo de embricamento e, conseqüentemente, um comportamento dilatante. Essas são

excelentes propriedades mecânicas, considerando que a compactação é atingida em

umidades bem acima da umidade ótima. (Troncoso, 1997).

8

2.2.3 Ciclonagem

O princípio de funcionamento dos hidrociclones consiste em realizar a classificação

granulométrica dos rejeitos, sendo que esta classificação pode ocorrer na planta de

beneficiamento ou próxima ao ponto de lançamento na barragem.

Os hidrociclones, quando utilizados na planta de beneficiamento, têm a função de

reaproveitar parte do minério antes deste ser descartado, de forma que essa parcela possa

ser reprocessada durante o beneficiamento. Quando instalados próximos à barragem, os

hidrociclones têm como objetivo separar o material de granulometrias diferentes,

conhecidas como underflow (rejeito granular) e overflow (lamas).

Os hidrociclones são equipamentos que executam a separação das partículas por tamanho.

A polpa é injetada sob pressão, com porcentagem de sólidos pré-estabelecida. O material

segue uma trajetória helicoidal, onde as partículas mais grossas se direcionam para as

paredes do ciclone devido à força centrípeta, e os finos se acumulam no centro do

equipamento. O material mais grosseiro sai por baixo do equipamento – porção chamada de

underflow, com pouca quantidade de água. Os finos transbordam do equipamento,

misturados em água. Essa porção é chamada de overflow.A Figura 2.3 apresenta o esquema

de um hidrociclone.

9

Overflow

Entrada

Underflow

Figura 2.3: Modelo de utilização da ciclonagem ( MELLO, 1988)

O material que deixa o ciclone pela parte superior (overflow) fica com água incorporada e

apresenta granulometria fina compondo a lama, e o material que deixa o ciclone pela parte

inferior (underflow) compõe o rejeito granular, sendo um material mais grosso e

apresentando melhores características de resistência e permeabilidade se comparado ao

overflow. Deste modo, cada porção separada pelo hidrociclone tem sua característica

própria e utilização específica no processo de disposição. O rejeito granular (underflow) é

utilizado como material de construção da estrutura da barragem enquanto a lama é lançada

diretamente no reservatório. A utilização do rejeito granular como material de construção

proporciona um aumento na estabilidade da estrutura pela manutenção do alto coeficiente

de permeabilidade do maciço, evitando que o material fino se incorpore ao aterro de

construção.

2.3 DIFERENÇAS ENTRE BARRAGENS CONVENCIONAIS E BARRAGENS DE REJEITO

Barragens convencionais são construídas com materiais provenientes de uma mesma jazida,

com características semelhantes de densidade e umidade. A compactação das sucessivas

10

camadas construtivas garante a homogeneidade de comportamento do maciço. O que se

almeja é evitar contrastes comportamentais acentuados que possam induzir campos de

condutividade hidráulica, de deformação ou de tensão. De acordo com MELLO (1988), em

barragens de rejeito, essa homogeneidade não é um condicionante de projeto, sendo

inclusive esperada certa heterogeneidade devido às diferentes épocas de alteamento e

materiais utilizados provenientes de diferentes frentes de lavra. Especialmente em

barragens alteadas pelo método de montante ou de linha de centro, os alteamentos são

realizados sobre rejeitos depositados em curto intervalo de tempo e conseqüentemente

encontram-se pouco consolidados, apresentando menor resistência ao cisalhamento. Além

disso, não existe compactação das camadas adjacentes, a não ser pelo tráfego de

equipamentos durante a construção.

Assim, ASSIS e ESPÓSITO (1995) sugerem fazer uma analogia entre a energia de

compactação em uma barragem compactada (convencional) e uma barragem alteada por

aterro hidráulico. Numa barragem convencional, considerando-se um solo coesivo, a

condição de compactação é definida pelos parâmetros massa específica seca e teor de

umidade, para uma dada energia de compactação, definindo a massa específica seca

máxima (ρd max) e o teor de umidade ótimo (wot). Essa energia de compactação é definida

no campo em função do peso do equipamento, do número de passadas e da altura da

camada a ser compactada. Já em um aterro hidráulico, considerando materiais granulares,

as variáveis que definem a energia de deposição no campo são a vazão, a concentração, a

altura de queda e o espaçamento de lançamento da lama. Mantendo três dessas grandezas

fixas e variando apenas uma delas, pode-se definir a massa específica máxima em função

desta. Alternadamente variando as demais variáveis, obter-se-ia a otimização do sistema de

deposição para um certa massa específica ideal.

A exemplo da curva de compactação, existe uma altura de queda ótima que define a massa

específica máxima. Para alturas de queda inferiores à ótima, a energia de deposição seria

insuficiente e para alturas de queda maiores que a ótima, a energia seria tanta que erodiria a

praia já depositada. Embora o lançamento na altura ótima seja desejável, na prática isto não

seria exeqüível, pois implicaria na mudança constante da posição do canhão. Assim,

11

segundo ASSIS e ESPÓSITO (1995), a exemplo da compactação de aterros, onde são

definidas faixas de compactação em torno da umidade ótima, deve-se buscar uma faixa de

alturas de deposição em torno da ótima, definindo um massa específica de projeto, que

implicaria em certos parâmetros de resistência e permeabilidade, de tal forma a garantir o

bom desempenho da barragem.

Outra diferença notável entre barragens convencionais e barragens de rejeito é o tratamento

dado à percolação pelo maciço ou pela fundação. Em barragens convencionais, a

quantidade de água perdida por percolação costuma ser insignificante em comparação com

os volumes utilizados na operação da obra (geração de energia, captação para uso humano

ou industrial) e perdidos por evaporação e infiltração no reservatório. Desta forma, a

percolação é apenas controlada, evitando geração de excessos de poropressão e

carreamento de material. O controle da drenagem se dá pela utilização de filtros verticais e

tapetes drenantes. Em barragens de rejeito, muitas vezes não se pode confiar na eficiência

desse sistema de drenagem a longo prazo, devido a possíveis cristalizações

impermeabilizantes causadas por reações químicas no rejeito. Além disso, especialmente

para barragens de contenção de rejeito de minério de ferro, a água é mantida no reservatório

visando apenas a sua clarificação, estando apenas o tempo necessário para garantir a

decantação dos finos em suspensão. Uma vez atingidos os padrões exigidos a água pode ser

lançada no curso d’água da bacia na qual a barragem foi instalada.

Em alguns casos, porém, o reservatório de rejeitos é utilizado também como reservatório de

água para uso na planta de beneficiamento. Nesse caso, cuidados especiais são necessários

no que diz respeito à impermeabilização do maciço.

2.4 BARRAGENS DE REJEITO

As barragens de rejeito podem ser construídas com material compactado proveniente de

áreas de empréstimo, ou com material do próprio rejeito, partículas de granulometria mais

grossa, que podem ser separadas pelo processo de ciclonagem.

12

As Barragens de Rejeito construídas ou alteadas com o próprio material do rejeito podem

ser construídas pelos métodos:

Método de Montante

Método de Linha de Centro

Método de Jusante

Barragens alteadas pelo método de jusante e pelo método de linha de centro geralmente são

construídas com o uso de ciclones, onde o material de maior granulometria – underflow, é

utilizado para o alteamento do dique de contenção e os finos – overflow, são depositados

atrás do dique. As deposições se dão através de aterro hidráulico.

A utilização da técnica do aterro hidráulico aplicado ao método de montante proporciona

uma redução de custos de construção pela facilidade na execução de barragens, sendo

assim, o método mais atrativo para as mineradoras. Entretanto, problemas construtivos e de

segurança podem ocorrer, principalmente devido à falta de controle das características do

rejeito e das variáveis de descarga durante o lançamento. Desta forma, aumenta-se a

necessidade de estudos mais detalhados das propriedades do rejeito de modo a reduzir as

incertezas geradas quanto às características do aterro formado com a sua utilização.

• Método de Montante

O método de montante é o mais antigo, simples e econômico método de construção de

barragens. A etapa inicial na execução deste tipo de barragem consiste na construção de um

dique de partida, normalmente de material argiloso ou enrocamento compactado. Após

realizada esta etapa, o rejeito é lançado por canhões em direção a montante da linha de

simetria do dique (Figura 2.4), formando assim a praia de deposição, que se tornará a

fundação e eventualmente fornecerá material de construção para o próximo alteamento.

Este processo continua sucessivamente até que a cota final prevista em projeto seja

atingida.

13

Figura 2.4: Método construtivo de montante (ALBUQUERQUE FILHO, 2004)

De acordo com TRONCOSO (1997), o método de montante para alteamento de barragens

de rejeito é o mais econômico a curto prazo, pois permite obter a menor relação entre

volumes de areia / lama.

Embora seja o mais utilizado pela maioria das mineradoras o método de montante apresenta

um baixo controle construtivo tornando-se crítico principalmente em relação à segurança. O

agravante neste caso, está ligado ao fato dos alteamentos serem realizados sobre materiais

previamente depositados e não consolidados. Assim, sob condição saturada e estado de

compacidade fofo, estes rejeitos (granulares) tendem a apresentar baixa resistência ao

cisalhamento e susceptibilidade à liquefação por carregamentos dinâmicos e estáticos.

Ainda segundo TRONCOSO (1997), esse método de alteamento apresenta inerente risco de

ruptura por liquefação, especialmente em regiões de alta sismicidade. Rupturas por

percolação e piping também são possíveis devido à pequena distância entre a lagoa de

decantação e o talude de jusante. Esse problema pode ser evitado através de ângulos suaves

na praia de deposição e segregação e sedimentação de partículas mais grossas junto à face

de montante. Sistemas de drenagem e filtros (por exemplo tapetes drenantes) evitam

aumentos excessivos de poropressões e controlam a poluição da água subterrânea, quando

for o caso.

Cabe lembrar que com esse método construtivo existe uma dificuldade na implantação de

um sistema interno de drenagem eficiente para controlar o nível d’água dentro da barragem,

constituindo um problema adicional com reflexos na estabilidade da estrutura.

14

• Método de Jusante

Neste método, a etapa inicial consiste na construção de um dique de partida, normalmente

de solo ou enrocamento compactado. Depois de realizada esta etapa, os alteamentos

subseqüentes são realizados para jusante do dique de partida. Este processo continua

sucessivamente até que a cota final prevista em projeto seja atingida.

De acordo com KLOHN (1981), as vantagens envolvidas no processo de alteamento para

jusante consistem no controle do lançamento e da compactação, de acordo com técnicas

convencionais de construção; nenhuma parte ou alteamento da barragem é construída sobre

o rejeito previamente depositado; além disso, os sistemas de drenagem interna podem ser

instalados durante a construção da barragem, e prolongados durante seu alteamento,

permitindo o controle da linha de saturação na estrutura da barragem e então aumentando

sua estabilidade; a barragem pode ser projetada e subseqüentemente construída

apresentando a resistência necessária ou requerida, inclusive resistir a qualquer tipo de

forças sísmicas, desde que projetadas para tal, já que há a possibilidade de seguimento

integral das especificações de projeto.

Figura 2.5: Método construtivo de jusante (ALBUQUERQUE FILHO, 2004)

Barragens alteadas pelo método de jusante necessitam maiores volumes de material (maior

relação areia / lama), apresentando maiores custos associados ao processo de ciclonagem

ou ao empréstimo de material. Além disto, com este método, a área ocupada pelo sistema

de contenção de rejeitos é muito maior, devido ao progresso da estrutura para jusante em

função do acréscimo da altura.

15

Como dito anteriormente, esse método garante maior estabilidade do corpo da barragem,

pois a compactação pode ser adequada à medida que a barragem sofre os sucessivos

alteamentos.

• Método de Linha de Centro

Barragens alteadas pelo método de linha de centro apresentam uma solução intermediária

entre os dois métodos citados anteriormente, apresentando vantagens dos dois métodos

anteriores, tentando minimizar suas desvantagens. Apesar disso, segundo ASSIS e

ESPÓSITO (1995), seu comportamento geotécnico se assemelha mais a barragens alteadas

para jusante, constituindo uma variação deste método, onde o alteamento da crista é

realizado de forma vertical, sendo o eixo vertical dos alteamentos coincidente com o eixo

do dique de partida (Figura 2.6). Neste método torna-se possível a utilização de zonas de

drenagem internas em todas as fases de alteamento, o que possibilita o controle da linha de

saturação. Este controle promove uma dissipação de poropressões tornando o método

apropriado para utilização inclusive em áreas de alta sismicidade.

Figura 2.6: Método construtivo de linha de centro (ALBUQUERQUE FILHO, 2004)

Como grande vantagem deste método em relação ao de jusante, pode-se destacar a

necessidade de um menor volume de material compactado para construção do corpo da

barragem, mas esse tipo de estrutura pode apresentar ângulos muito inclinados na face de

montante. Se a parte superior do talude perde eventualmente o confinamento, podem

aparecer fissuras, causando problemas de erosão, e aumentos de poropressão

(TRONCOSO, 1997).

16

Uma vez que os rejeitos passam a ser usados como principal material de construção, o

projeto e construção de barragens de rejeito deve incluir cada vez mais princípios

geotécnicos na obtenção de parâmetros e controle de qualidade, em substituição aos

procedimentos empíricos normalmente utilizados. (ASSIS e ESPÓSITO, 1995).

Há uma maior necessidade de investigação das propriedades e características dos rejeitos de

modo a reduzir as incertezas geradas no comportamento global dessas estruturas. As

incertezas das características do aterro estão relacionadas com o processo de deposição do

rejeito na praia e com o próprio rejeito. Algumas variáveis como vazão e concentração da

mistura lançada conduzem de forma marcante para um alto grau de heterogeneidade do

material depositado.

No caso de depósitos de rejeito de minério de ferro lançados hidraulicamente, pode-se

encontrar em determinadas regiões da barragem zonas com alta concentração de partículas

de ferro. Este tipo de seleção é função do processo de segregação hidráulica, que tende a

gerar uma seleção granulométrica em função do tamanho, da forma e da massa específica

das partículas e conduz à formação de zonas com propriedades geotécnicas distintas.

(ESPÓSITO e ASSIS, 1999).

Além disso, de acordo com TRONCOSO (1997), esse tipo de solo costuma apresentar

intercepto de coesão nulo, que o torna suscetível a erosão superficial. Erosões nas vertentes

do reservatório resultam na geração de finos, com influência na composição granulométrica

da praia de rejeito.

Esta variabilidade na condutividade hidráulica, por exemplo, ao longo da praia de rejeitos

tende a influenciar diretamente o processo de formação da superfície freática e a

susceptibilidade a liquefação destas barragens.

2.4.1 Segregação Hidráulica

Durante o processo de deposição, a velocidade do fluxo de rejeitos e a concentração da

lama tendem a afetar o comportamento dos depósitos de rejeitos.

17

A segregação hidráulica gera um processo de deposição, onde partículas de diferentes

tamanhos são depositadas a diferentes distâncias em relação ao ponto de lançamento. Sendo

assim, esse é um processo de suma importância na formação de aterros hidráulicos,

responsável pela criação de um gradiente de concentração ao longo da praia de rejeitos

(RIBEIRO, 2000). A segregação apresenta efeito direto na distribuição granulométrica e

nas condições de fluxo ao longo da praia.

Normalmente o lançamento de rejeitos é realizado com a utilização de hidrociclones ou

canhões. No caso da utilização de canhões, o processo de separação granulométrica ocorre

na própria praia em função da velocidade de descarga, concentração e características

mineralógicas do rejeito, enquanto que nos hidrociclones uma primeira classificação

granulométrica é feita antes do lançamento (RIBEIRO et al, 2003).

Durante a deposição hidráulica, de acordo com VICK (1983) é esperada uma zona de alta

permeabilidade das áreas próximas do ponto de descarga, uma zona de permeabilidade

baixa situada distante do ponto de lançamento e uma zona de permeabilidade intermediária

situada entre os dois pontos, com a deposição de materiais de maior granulometria mais

próxima ao ponto de lançamento e os materiais mais finos a maior distância, como

mostrado na Figura 2.7. Essa afirmação só é válida para depósitos de material com massa

específica real de grãos constante, uma vez que a segregação hidráulica seleciona as

partículas de acordo com seus pesos, e não seus tamanhos.

Figura 2.7: Modelo teórico de variação da condutividade hidráulica em depósito de rejeitos

(VICK, 1983)

18

De acordo com ESPÓSITO e ASSIS (1999), no caso dos rejeitos provenientes de minas de

minério de ferro, um percentual razoável dos sólidos (de 10 a 50%) é formado pelo próprio

minério, cuja massa específica relativa (Gs) é da ordem de 5,5, e o restante por solos

arenosos convencionais (Gs entre 2,65 e 2,70). Perfis de segregação observados em campo

e em ensaios de simulação de deposição hidráulica sugerem que perto dos pontos de

lançamento existe uma predominância de partículas de menores diâmetros, mas

constituídas por minério, depois segue uma zona de partículas arenosas de maiores

diâmetros e, por fim, longe do ponto de lançamento, as partículas menores e mais leves são

depositadas.

SANTOS (2004) propôs um modelo teórico de variação da condutividade hidráulica

considerando a variação do teor de ferro no rejeito, baseado em ensaios de segregação com

dados da Pilha de Monjolo (Quadrilátero Ferrífero) apresentado na Figura 2.8.

Figura 2.8: Modelo teórico de variação da condutividade hidráulica esperado na Pilha

do Monjolo (SANTOS, 2004)

Além disso, a deposição hidráulica cria características estruturais típicas como

estratificações, acamamentos, micro-estruturas deposicionais, etc. O processo de

segregação gera em determinadas regiões da barragem de rejeito zonas de alta concentração

de ferro. Assim as simulações realizadas por RIBEIRO (2000) revelaram uma forte

influência das características das partículas no processo de segregação. Observa-se que o

efeito da massa específica das partículas de ferro tende a gerar um processo de seleção

condicionado ao peso das partículas de ferro presentes neste rejeito.

19

2.4.2 Evaporação Durante a Deposição

O lançamento de rejeito se dá em camadas e, idealmente, o intervalo entre o lançamento de

camadas consecutivas é suficiente para permitir o ressecamento da camada anteriormente

lançada. Quando a superfície da camada anteriormente lançada chega ao ponto de

desaturação antes do lançamento da próxima camada, a sucção ao longo da camada é

suficiente para gerar alta massa específica e resistência média, formando um perfil com

características de pré-adensamento que não sofrerá recalques devido ao adensamento

depois do fim da deposição (FAHEY et al, 2002).

Quando a disponibilização de área para a deposição dos rejeitos não acompanha o

crescimento da usina, o intervalo entre lançamentos de camadas adjacentes de rejeito

começa a ser menor do que o necessário. Desta forma, inicia-se um ciclo de problemas cada

vez maiores, os rejeitos atingem cada vez menor resistência, e o risco associado ao

alteamento da barragem pelo método de montante cada vez aumenta mais (FAHEY et al,

2002).

2.4.3 Adensamento do Rejeito

A polpa depositada no reservatório de rejeitos possui grande quantidade de água. Durante o

processo de deposição, o processo de adensamento é iniciado. Com a perda de água, o

rejeito passa a desenvolver tensão efetiva e passa a se comportar como um solo.

Se não houver um sistema de drenagem específico de projeto, o adensamento é limitado ao

longo do perfil das camadas de rejeito, e a tensão efetiva gerada é baixa, resultando em

rejeitos de baixa massa específica com resistência nula na superfície. Por outro lado, com

um sistema de drenagem apropriado, a massa específica de rejeito obtida é maior, e é

formada uma crosta na superfície, com poropressões negativas.

20

Figura 2.9: ressecamento da superfície do reservatório de rejeito

De acordo com FAHEY et al. (2002), durante os estágios iniciais da deposição, as camadas

drenantes aceleram o adensamento do rejeito, até que estas fiquem completamente

colmatadas. A permeabilidade dos rejeitos diminui significativamente à medida que o

adensamento avança e, com o tempo, as camadas mais inferiores se transformam em um

liner, e o sistema de drenagem deixa de ser eficaz.

2.4.4 Propriedades Geotécnicas

Segundo DORMAN et al. (1996), alguns elementos primários como as características do

rejeito e fluido de transporte, governam o projeto, a operação e a desativação de barragens

de rejeito. Estes elementos incluem:

• distribuição granulométrica da fração sólida;

• mineralogia;

• massa específica in situ associada com características de consolidação e

deformação;

• massa específica dos grãos e mudança do índice de vazios com o tempo;

• resistência ao cisalhamento drenado e não drenado;

• susceptibilidade à liquefação;

• permeabilidade;

21

• composição química e mineralógica dos líquidos e sólidos constituintes da polpa

com identificação de possíveis ácidos e metais pesados ou materiais tóxicos;

• concentração e velocidade de transporte.

De acordo com FAHEY et al. (2002), a mineralogia da fração argilosa pode ter uma

importante influência no comportamento dos rejeitos. Uma pequena porcentagem, por

exemplo, de sementita e montmorilonita pode afetar a taxa de sedimentação,

compressibilidade e permeabilidade das camadas de rejeito.

Segundo TRONCOSO (1997), os processos de mineração aos quais a rocha é submetida

afetam a distribuição granulométrica e a forma das partículas do rejeito gerado. Os

processos de beneficiamento envolvem britagem, moagem, dispersão, flotação, lixiviação e

floculação. Além disso, o rejeito também apresenta sua composição sólido-líquido alterada

nos processos de deposição final, ou seja, no transporte do rejeito até a área de deposição,

no espessamento e filtragem aos quais os rejeitos são submetidos, e a técnica empregada na

disposição/lançamento.

Ainda de acordo com TRONCOSO (1997), os sólidos são separados da água livre após a

segregação que ocorre durante a disposição, a sedimentação e o adensamento primário. As

micro-estruturas formadas ainda sofrem alteração com o tempo devido a variações na

história de tensões induzidas pela flutuação da linha freática e carregamento sísmico, onde

aplicado. Ocorrem também reações químicas como oxidação, e formação de ácidos em

alguns casos.

Barragens de rejeito construídas pelo método de montante ou linha de centro, através da

técnica de aterro hidráulico são bastante atrativas sob o ponto de vista econômico, embora

muitas vezes careçam de um controle de qualidade geotécnico durante seus sucessivos

alteamentos. Como as características do rejeito podem sofrer alterações durante o processo

de disposição, as características geotécnicas destas barragens também sofrem alterações

durante sua construção. Desta forma ESPÓSITO e ASSIS (1999) sugerem a aplicação de

22

método probabilístico para avaliar as variabilidades espaciais e temporais das

características geotécnicas do rejeito.

Fatores como mudança de frentes de lavra e alterações nos critérios para definir o produto

final em função do mercado comprador são responsáveis pela variabilidade dos parâmetros

geotécnicos dos rejeitos. Além disso, num aterro hidráulico, a energia de deposição no

campo é definida por variáveis como vazão, concentração, altura de lançamento e

espaçamento entre os pontos de lançamento da lama.

Os rejeitos com granulometria de areias finas e médias possuem alta permeabilidade e

baixa compressibilidade. Essas propriedades caracterizam o processo de sedimentação e

adensamento em curto espaço de tempo. Os rejeitos obtidos do beneficiamento de minério

de ferro normalmente pertencem a este tipo de solo, mais favorável ao uso do ponto de

vista geotécnico. (GUMIERI et al, 1998).

Por outro lado, rejeitos com granulometria de siltes, como os obtidos no beneficiamento de

ouro e alumínio, possuem elevada plasticidade, apresentando maior dificuldade de

sedimentação e adensamento. São, portanto, materiais inadequados para utilização como

fundação ou como material de construção para os alteamentos das barragens de rejeito

(GUMIERI et al, 1998).

Segundo ESPÓSITO e ASSIS (1999), o comportamento geotécnico da barragem será

dependente de parâmetros do rejeito, tais como deformabilidade, resistência e

permeabilidade. Estes parâmetros, por sua vez, podem estar relacionados com a massa

específica in situ do aterro hidráulico, quando este for predominantemente granular. Dessa

forma, como barragens convencionais, pode-se realizar um controle de qualidade de

construção baseado na monitoração da massa específica in situ, índice indireto da

resistência e da permeabilidade de materiais granulares, além do monitoramento da

poropressão.

23

• Resistência ao Cisalhamento

A estabilidade estática de uma barragem onde o material de construção é o próprio rejeito é

determinada pela resistência ao cisalhamento do rejeito e da presença e localição de uma

superfície freática. O potencial de ruptura por liquefação deve ser considerado

principalmente em regiões sismicamente ativas, e especialmente para barragens construídas

pelo método de montante. Se o processo de construção for rápido, o excesso de

poropressões não é dissipado, e o potencial de liquefação é maior.

De acordo com VAN ZYL (1993), os parâmetros geotécnicos dos rejeitos envolvidos

dependem bastante da quantidade de minerais argilosos presentes. O ângulo de atrito de

rejeitos não argilosos, depois de atingidas condições de tensão efetiva, é tipicamente da

ordem de 35° devido à natureza angular das partículas de rejeito (tanto para materiais mais

grossos, quanto para finos, isso é, areias e lamas).

Os finos presentes na polpa que transborda dos ciclones são depositados atrás da barragem

de rejeitos, e apresentam baixa resistência ao cisalhamento. O material é formado pelo

adensamento da lama, e permanece com um elevado índice de vazios (TRONCOSO, 1997).

Partículas de granulometria de areias finas e siltes de baixa plasticidade, típicos na maioria

dos rejeitos, apresentam uma resistência ao cisalhamento baseada no atrito, sem natureza

coesiva, o que os torna suscetíveis a uma série de mecanismos de ruptura (TRONCOSO,

1997).

Segundo CAVALCANTE et al. (2003), os solos de rejeitos são formados por processos de

britagem e/ou moagem de rochas minerais. Como conseqüência, as partículas geradas têm

formas angulares, e formam estruturas que apresentam embricamento. Rejeitos granulares

constituídos de partículas esféricas e arredondadas têm ângulos de atrito sensivelmente

menores que os de partículas angulares, apesar do melhor encaixe entre partículas reduzir o

índice de vazios. Por outro lado, grãos angulares se quebram muito mais facilmente do que

grãos arredondados, o que diminui o índice de vazios, sem significar ganho de resistência.

24

Ainda de acordo com CAVALCANTE et al. (2003), a compacidade em que os rejeitos

granulares da mineração do ferro se encontram nas barragens é devida essencialmente ao

processo de deposição hidráulica. Carregamentos provocados pelo peso de camadas a eles

sobrepostas, após a deposição inicial, provocam uma certa redução de volume, já que o

material anteriormente depositado hidraulicamente apresenta-se em um estado

relativamente mais fofo, do que os observados nas barragens convencionais compactadas.

Os solos mais compactos apresentam comportamento dilatante sob carregamento normal,

com tendência à geração de poropressões negativas quando saturados.

Nas zonas críticas das barragens – parte inferior do maciço, abaixo do nível d’água, é

possível garantir uma resistência ao cisalhamento relativamente alta, através da utilização

de técnicas de ciclonagem e disposição apropriadas. Se partículas de granulometria de

areias finas forem efetivamente depositadas sem altos teores de partículas de granulometria

de siltes, o embricamento das partículas de forma angular (formadas principalmente por

processos de britagem), juntamente com as altas tensões de confinamento às quais o

material está submetido em tais profundidades, garantem essa resistência (TRONCOSO,

1997).

A massa específica é a medida indireta da estrutura dos solos, e conseqüentemente dos seus

parâmetros geotécnicos. O estabelecimento de uma massa específica alta é um ponto crítico

a ser considerado no projeto de aterros hidráulicos, uma vez que a magnitude de seu valor

tem influência direta na estabilidade da estrutura.

Segundo CAVALCANTE et al. (2003), no processo de alteamento de uma barragem de

rejeito, o ângulo de atrito diminui com o aumento da tensão confinante, principalmente nos

casos em que o material já se encontra em uma situação mais compacta. Para tensões

confinantes elevadas, o ângulo de atrito dos rejeitos granulares compactos pode ser da

mesma ordem de grandeza dos valores correspondentes aos rejeitos granulares fofos. A

resistência cisalhante dos rejeitos granulares compactos, depois de atingir um máximo,

denominado resistência de pico, decresce até se estabilizar em torno de um valor definido

25

como resistência a volume constante. A resistência a volume constante é da ordem de

grandeza da resistência dos rejeitos granulares no estado fofo, indicando que a maior

resistência do rejeito granular compacto vem do entrosamento entre os grãos de quartzo e

ferro, e que este entrosamento é desfeito pelo processo de cisalhamento.

Na caracterização do rejeito de minério de ferro, além da influência da densidade relativa, e

da tensão efetiva média na obtenção do ângulo de atrito efetivo, também é importante

considerar a influência do teor de ferro presente no rejeito, já que este solo é formado por

partículas de quartzo e partículas de ferro.

De acordo com RIBEIRO et al. (2003) a massa específica dos grãos é diretamente

influenciada pela quantidade de partículas de ferro que estão presentes no material. Essas

partículas normalmente apresentam uma massa específica dos grãos em torno de 5,25

g/cm³, enquanto as partículas de quartzo têm massa específica dos grãos em torno de 2,65

g/cm³. O aumento da concentração de ferro no rejeito promove uma elevação considerável

no valor da massa específica dos grãos (Gs).

Ainda segundo RIBEIRO et al. (2003), há uma tendência de um aumento no teor de ferro

com a diminuição do diâmetro das partículas de rejeito (partículas de ferro são menores e

mais pesadas do que partículas de quartzo) e um aumento do ângulo de atrito com a

elevação do teor de ferro, sendo que esta influência é maior em amostras mais densas,

conforme mostrado na Figura 2.10.

26

Figura 2.10: Tendência de correlação entre teor de ferro e ângulo de atrito (RIBEIRO et

al., 2003)

A relação obtida entre a granulometria e o teor de ferro deve ser sempre analisada ao

utilizar outros tipos de rejeitos de minério de ferro provenientes de processos de

beneficiamento diferentes. Estes processos podem alterar as características das partículas

que compõem o rejeito e alterar este relação.

PRESOTTI (2002) realizou uma série de ensaios triaxiais drenados em amostras com

diferentes teores de ferro correspondentes a diferentes regiões na praia em relação ao ponto

de lançamento. Esta avaliação foi condicionada pela presença das partículas de ferro,

influenciando na massa específica da amostra e conseqüentemente nos parâmetros de

resistência. Quanto à magnitude dos valores dos ângulos de atrito, as amostras com maiores

teores de ferro apresentaram maiores ângulos de atrito. Além disso, PRESOTTI (2002)

observou uma maior dependência do ângulo de atrito com as características mineralógicas

do rejeito independente das suas condições granulométricas e compacidade inicial.

Segundo GUMIERI et al. (1998), os rejeitos obtidos no beneficiamento de minério de ferro

normalmente são favoráveis ao uso do ponto de vista geotécnico. Dentre estes, rejeitos

provenientes do beneficiamento de minério de ferro de formação rica em Itabirito

classificam-se geralmente cpossuem granulometria de areias siltosas e rejeitos provenientes

de minérios ricos em Hematita geralmente possuem granulometria de solos silto-argilosos.

Os rejeitos itabiríticos apresentam baixa permeabilidade e baixa compressibilidade, e

apresentam comportamento similar ao de solos altamente pré-adensados. Por outro lado,

27

rejeitos hematíticos apresentam baixa plasticidade, são praticamente impermeáveis e

possuem alta compressibilidade, podendo se comportar como solos normalmente

adensados. Quando é feita a separação granulométrica por hidrociclones antes do

lançamento dos rejeitos no reservatório, a fração mais fina (hematítica) é descartada com a

lama e a fração de maior granulometria (itabirítica) é utilizada como material de

construção.

De acordo com CAVALCANTE e ASSIS (2003), em aterros nos quais a granulometria dos

grãos de quartzo é bem parecida com a granulometria dos grãos de ferro, perfis mais

íngremes podem possuir resistência mais elevada. Já no caso em que as partículas de ferro

são relativamente menores do que as de quartzo, quanto mais abatido for o perfil maior será

o ângulo de atrito. A Figura 2.11 apresenta essa relação.

Figura 2.11: Inclinação global versus porosidade versus ângulo de atrito efetivo

(CAVALCANTE e ASSIS, 2003)

Como os rejeitos do beneficiamento de ferro utilizados como material de construção e

alteamento das barragens e pilhas, são solos granulares e, em sua maioria, de alta

permeabilidade, é natural que as análises de comportamento sejam realizadas em termos de

tensões efetivas, e que estes apresentem resposta drenada à maioria das solicitações a que

estejam submetidos.

28

Esses solos, entretanto, encontram-se em condições de compacidade fofa, apresentando

elevados índices de vazios e, portanto, são suscetíveis ao processo de liquefação devido a

solicitações estáticas e dinâmicas. FRANCO et al. (1995) analisaram o caso de ruptura

durante a construção da barragem de rejeito de minério de ferro da Mina de Águas Claras,

alteada para montante. A análise drenada apresentou fator de segurança elevado, enquanto a

análise não drenada confirmou a instabilidade da barragem.

CASTRO e POULOS (1977) relacionaram o potencial de liquefação com o índice de

vazios médio de uma amostra e com a tensão confinante efetiva do solo, de acordo com a

Figura 2.12.

Figura 2.12: Representação esquemática de ensaios triaxiais (CASTRO e POULOS, 1977)

SEED e IDRISS (1971) constataram que solos de graduação uniforme são mais

susceptíveis à liquefação do que os bem graduados. Além disso, as areias finas tendem a

liquefazer-se mais facilmente que as areias grossas, pedregulhos, siltes e argilas.

Em regiões de alta sismicidade, é uma comum consideração de projeto a análise do

potencial de liquefação. Para o projeto de barragens, com a utilização do próprio rejeito

como material de construção, essa analise também se faz necessária, mesmo para regiões

que não possuam histórico de atividade sísmica.

29

De acordo com TRONCOSO (1997), a deposição em camadas finas, programada para

formar grandes praias de rejeito, permitindo tempo para adensamento e ressecamento da

camada superior antes do lançamento da próxima camada melhora as propriedades

mecânicas do rejeito, diminuindo o risco de ruptura por liquefação. Esse assunto não será

considerado nas análises presentes nessa dissertação.

• Condutividade Hidráulica

A condutividade hidráulica média dos rejeitos pode variar de 10-4 m/s para os rejeitos

arenosos até 10-11 m/s para rejeitos argilosos finos e bem consolidados.

MITTAL & MORGESTERN (1975) ressaltam que a condutividade hidráulica média para

rejeitos arenosos pode ser estimada com base no valor do diâmetro efetivo do material

obtido através de análise granulométrica utilizando a formulação proposta por Hazen:

2

10.DCK =

onde:

K – condutividade hidráulica (cm/s);

D10 – diâmetro efetivo (em milímetros);

C – coeficiente que varia entre 90 e 120.

BLIGHT (1994) relata ainda que a condutividade hidráulica dos rejeitos arenosos pode ser

avaliada em função da sua distribuição granulométrica. Assim, pode-se determinar o valor

da sua condutividade hidráulica através da equação de SHERARD (1984):

2

15.35,0 DK =

onde:

K – condutividade hidráulica (cm/s);

D15 – diâmetro a 15% (mm).

30

BLIGTH (1994) também relata que a segregação granulométrica ocorrida na praia promove

um arraste das partículas finas para locais mais distantes do ponto de lançamento dos

rejeitos. Este fenômeno pode ser caracterizado por uma relação empírica entre a

condutividade hidráulica e distribuição granulométrica das partículas presentes no rejeito.

Deste modo, baseado na relação entre a distribuição granulométrica do rejeito em função da

segregação hidráulica, BLIGTH (1994) sugere que a permeabilidade se distribui de acordo

com a relação:

).exp(. xbak −=

onde:

k – condutividade hidráulica numa praia de rejeitos;

a e b – são características da praia de rejeito e x é a distância em relação ao ponto de

lançamento do rejeito.

Na Figura 2.13 um conjunto de valores de condutividade hidráulica obtidos em laboratório

através de ensaios de carga constante em rejeitos de diamante ilustra a formulação

apresentada por BLIGHT (1994). Através da Figura 2.13 pode-se visualizar uma pequena

redução do valor da condutividade hidráulica em função da distância do ponto de

lançamento.

Figura 2.13: Variação da permeabilidade em função do ponto de lançamento na praia

(BLIGHT,1994)

31

Estudos de retroanálise realizados com dados da barragem do Germano por AMORIM et al.

(1995) indicam uma anisotropia na condutividade hidráulica dos rejeitos de kh/kv da ordem

de 10. O coeficiente de permeabilidade vertical (kv) do rejeito obtido foi de 1 x 10-7 m/s e o

valor do coeficiente de permeabilidade horizontal (kh) foi de 1 x 10-6 m/s.

De acordo com GOMES et al. (1999), com dados obtidos da própria barragem de Germano,

os rejeitos não ciclonados (dispostos no reservatório de rejeitos) apresentavam valores de

coeficientes de permeabilidade horizontal e vertical de kh = 2 x 10-7 m/s e kv = 0,5 x 10-7

m/s e para rejeitos ciclonados (materiais de construção no alteamento da barragem) os

valores de permeabilidade horizontal e vertical eram iguais.

Quanto à influência do teor de ferro na permeabilidade dos rejeitos, SANTOS (2004)

verificou que amostras com maiores teores de ferro apresentaram menores valores da

condutividade hidráulica saturada. Verificou ainda que esta influência foi mais significativa

para estados de compacidade mais fofos.

RIBEIRO et al. (2003), ao estudar a influência do teor de ferro nos parâmetros de

resistência de rejeitos de minério de ferro, gerou amostras a diferentes distâncias do ponto

de lançamento dos rejeitos (a 0, 40, 80 e 120 cm do ponto de lançamento). O resultado da

variação da massa específica com a distância e com o teor de ferro estão apresentados na

Tabela 2.1.

Distância da Crista (m)

ρs (g/cm3)

Fe (%)

0,00 4,410 72,40 0,40 3,168 22,72 0,80 3,040 17,60 1,20 2,886 11,44

Tabela 2.1: Massa específica dos grãos e teores de ferro - RIBEIRO et al. (2003)

Assim, segundo SANTOS (2004) a segregação inicialmente ocorre em função do peso das

partículas gerando zonas próximas ao ponto de descarga com altas concentrações de

32

partículas de ferro e conseqüente diminuição no valor da condutividade hidráulica. Nas

regiões intermediárias e mais distantes do ponto de lançamento a segregação ocorre por

tamanho e neste caso o efeito da granulometria se torna fundamental nas características de

drenabilidade das barragens (Figura 2.8).

Cabe lembrar que foi considerado, nesse caso, que as partículas de ferro apresentam uma

menor granulometria que os grão de quartzo e, por isso, a região em que esses se depositam

apresentam menor permeabilidade.

Uma vez conhecidas a anisotropia e a permeabilidade do rejeito, pode-se avaliar por meio

de análises de percolação e estabilidade, a segurança da barragem, para diferentes níveis

d’água no reservatório.

A determinação da posição da linha freática torna-se um elemento crítico para a análise de

estabilidade do talude de jusante da barragem. Este posicionamento pode ser condicionado

a três fatores: o primeiro é a localização do lago de decantação em relação à crista da

barragem, o segundo é o efeito da variação da permeabilidade no reservatório devido à

segregação hidráulica e o terceiro é efeito das condições de permeabilidade da fundação da

barragem, como apresentado na Figura 2.14 (VICK, 1983).

33

Figura 2.14: Fatores que influenciam a posição da linha freática em barragens de rejeito

(Modificado – VICK, 1983)

A análise de percolação em barragens de rejeito é geralmente feita considerando-se o fluxo

estacionário para fins de obtenção de redes de poropressões e, assim, alimentar a análise de

estabilidade. Essa condição de fluxo gera estimativas conservadoras de poropressões. A

análise de percolação com o objetivo de efetuar o balanço hídrico do sistema de contenção,

ou de calcular a perda de água por percolação precisa levar em consideração o fluxo não

estacionário, transiente ou por meios não saturados, sob condições de capilaridade, ou seja,

é necessária uma análise muito mais complexa. (VICK, 1983).

34

Além disso, em análises de percolação, considera-se como única fonte de água livre, o lago

de decantação, desprezando-se a parcela de infiltração da água proveniente da polpa que

está sendo lançada na praia de decantação.

35

3 MÉTODOS DE ANÁLISE

Neste capitulo é feita uma breve apresentação dos métodos de análise utilizados na presente

tese. São métodos frequentemente utilizados na análise de barragens de terra para

contenção de água (barragens convencionais), embora nem todos incorporados à prática

corrente de análise de barragens de rejeitos. Os métodos são:

• Método de Elementos Finitos, para a análise de percolação;

• Método de Elementos Finitos, para análise tensão-deformação;

• Método de Equilíbrio Limite, para análise de estabilidade.

3.1 MÉTODO DE ELEMENTOS FINITOS – MEF

Os métodos numéricos estão sendo utilizados cada vez mais na análise de obras de terra.

Dentre os métodos numéricos, o Método dos Elementos Finitos (MEF) é o mais utilizado

em problemas geotécnicos e, por esse motivo, será utilizado nesta dissertação em duas

abordagens distintas: para modelar o fluxo de água (percolação) pela barragem de rejeitos e

para determinar seu comportamento tensão-deformação nas diferentes etapas de construção

e operação.

O Método de Elementos Finitos consiste na divisão do domínio do problema em

subdomínios ou elementos, cujo comportamento pode ser formulado em função de sua

geometria e propriedades, conectados apenas em alguns pontos, os nós, através dos quais

interagem entre si. O procedimento na resolução de um problema pelo MEF é:

1. Divide-se do domínio do problema em um número finito de elementos ligados entre si

através de pontos nodais, ou nós. A distribuição da variável que se deseja conhecer no

36

interior do elemento é aproximada por uma função particular, a função de

interpolação;

2. A partir da função de interpolação, pode-se relacionar a variável nos nós de cada

elemento e assim, obtém-se o sistema de equações de cada elemento. Esse sistema de

equações é escrito na forma matricial, e a matriz dos coeficientes é denominada

“matriz de comportamento do elemento”;

3. Considerando a conexão dos elementos através dos nós, associa-se o sistema de

equações de cada elemento ao de elementos adjacentes e, assim, tem-se um sistema

global de equações para o problema;

4. Após a introdução das condições de contorno (valores conhecidos da variável do

problema), resolve-se o sistema global de equações e obtêm-se os valores da variável

do problema em cada nó da malha.

3.2 ANÁLISE DE PERCOLAÇÃO

A solução de um problema de percolação em meios porosos deve atender a condições de

compatibilidade, equação de continuidade e às leis constitutivas.

Equações da Percolação

No caso da percolação estacionária em meios saturados, a equação de continuidade é:

0=∂

∂+

∂∂

yv

xv yx

Em meios saturados, a lei constitutiva é a Lei de Darcy:

kiv = sendo LHi

∂∂

=

que pode ser estendida sob forma matricial (no caso 2D) como

37

⎪⎭

⎪⎬⎫

⎪⎩

⎪⎨⎧

∂∂

∂∂

⎥⎦

⎤⎢⎣

⎡=

⎭⎬⎫

⎩⎨⎧

yH

xH

kkkk

vv

yyx

xyx

y

x ou { } [ ]{ }ikv =

Quando kx é diferente de ky, o meio é dito anisotrópico.

Formulação pelo MEF

Numa abordagem direta da formulação pelo MEF do problema de percolação estacionária,

podem-se seguir os seguintes passos para determinação da relação entre as variáveis nodais

– cargas hidráulicas e vazões – :

{ } { } { } { } decontinuida de .eq vaconstituti lei idadecompatibil de condições

Q v i H Hee

→→→→

onde { }He

= vetor de cargas hidráulicas nodais

H = carga hidráulica em um ponto no interior do elemento

{ }i = vetor de gradientes hidráulicos no interior do elemento

{ }v = vetor de velocidades de percolação no interior do elemento

{ }Qe

= vetor de vazões nodais

O primeiro passo consiste em relacionar a carga hidráulica em um ponto qualquer no

interior do elemento com as cargas hidráulicas nos nós através das funções de forma

H = [N] { }He

↑ funções de forma

O segundo passo busca relacionar o gradiente hidráulico no interior do elemento com as

cargas hidráulicas nos nós através de

38

{ } [ ]Bi = { }e

H

↑ primeira derivada das funções de forma

O terceiro passo introduz a lei que governa o fenômeno: Lei de Darcy

{ } [ ] { }i k=v

obtendo-se, assim,

{ } [ ] [ ]B k=v { }e

H

O 4° passo introduz a equação de continuidade

{ } [ ] { }dv vBQv

Te∫=

Daí

{ } [ ] [ ]{}dv i kBQv

Te

∫=

Assim, finalmente, chega-se à equação do elemento finito

{ } [ ] [ ][ ] { }e

v

TeH d B kBQ ∫= ν

ou, na forma compacta,

39

{ } [ ]{ }eeeHKQ =

onde [ é a matriz de fluxo. ]eK

Programa Utilizado

Nas aplicações do MEF dessa tese foi utilizado o programa SEEP/W da GEO-SLOPE

International. O programa é capaz de analisar a percolação não só estacionária saturada

como transiente e considerando a região não saturada, embora estes recursos não tenham

sido utilizados. O programa emprega o elemento quadrilateral isoparamétrico de oito nós

(função de interpolação quadrática).

3.3 ANÁLISE TENSÃO-DEFORMAÇÃO

Analogamente à solução de problemas de percolação, para solução de um problema de

tensão-deformação, devem ser satisfeitas as condições de compatibilidade e ao equilíbrio

das forças (e de suas derivadas, as tensões), além de obedecer às leis constitutivas (relações

tensão-deformação).

Numa abordagem direta da formulação pelo MEF do problema tensão-deformação

(elástico), podem-se seguir os seguintes passos para determinação da relação entre as

variáveis nodais – deslocamentos e forças – :

{ }δe

→ { }δ → { }ε → { }σ → { } eF

⎜ condições cinemáticas ⎜ condições físicas ⎜ condições estáticas ⎜

onde { }δe

= vetor de cargas hidráulicas nodais

{δ} = vetor de deslocamentos de um ponto genérico no interior do elemento

{σ} = vetor das tensões no interior do elemento

40

{ε} = vetor das deformações no interior do elemento

= vetor de forças nodais { }eF

No primeiro passo, é relacionado o deslocamento de um ponto qualquer no interior do

elemento a aos deslocamentos nodais, através das funções forma

}]{[}{e

N δδ =

No segundo passo, obtém-se a deformação no interior do elemento, a partir da derivada dos

deslocamentos:

}]{[}{e

B δε =

No terceiro passo, introduz-se a relação tensão-deformação, através da matriz de

propriedades elásticas do material [D]:

}]{[}{ εσ D=

obtendo-se

}]{][[}{e

BD δσ =

No quarto passo, estabelece-se uma relação entre as forças nos nós e as tensões no interior

do elemento através do Teorema dos Trabalhos Virtuais:

dvFv

Te

Te

∫= }{}{}{}{ σεδ

trabalho externo = trabalho interno

41

Como

TTe

T B][}{}{ δε =

e

}]{][[}{e

BD δσ =

então

∫=v

eT

edvBDBF }{]][[][}{ δ

ou

{ } [ ]{ }eee

KF δ=

onde [ é matriz de rigidez do elemento ] Ke

Programa Utilizado

Nas aplicações do MEF dessa tese foi utilizado o programa ProGeo desenvolvido na

COPPE-UFRJ. O programa se propõe a analisar problemas tensão-deformação geotécnicos,

via modelo elástico não-linear hiperbólico. O programa emprega o elemento quadrilateral

isoparamétrico de oito nós (função de interpolação quadrática).

O programa simula a construção de aterros pela técnica do liquido denso (camadas

acrescidas são carregadas por peso-próprio, mas têm rigidez elástica reduzida) e simula a

ação da água pela introdução de forças de percolação correspondentes à mudança no

regime de poro-pressões.

42

3.4 ANALOGIA ENTRE O PROBLEMA TENSÃO-DEFORMAÇÃO E O PROBLEMA DE PERCOLAÇÃO

O problema de percolação pode ser comparado ao problema tensão-deformação (elástico)

como mostrado abaixo:

Tensão-deformação Percolação

Equação Geral :

{ } [ ]{ }δKF = { } [ ]{ }HKQ =

Matriz de rigidez/fluxo do

elemento : [ ]eK

B D B dvT

v∫

B k B dvT

v∫

1a incógnita (nodal):

δ (deslocamento) H (carga hidráulica total)

2a e 3a incógnitas :

ε (deformação)

σ (tensão)

i (gradiente de H)

v (velocidade aparente)

Lei de comportamento:

Hooke (σ = E ε) Darcy (v = k i)

3.5 ANÁLISE DE ESTABILIDADE

Usualmente, para determinação das condições de segurança de uma obra de terra, em

particular de uma barragem, são utilizados métodos baseados em Equilíbrio Limite. Com o

uso desses métodos obtém-se um fator de segurança à ruptura da obra, ou seja, procede-se a

uma análise da estabilidade da obra. Estes métodos não fornecem informações sobre

deformações e deslocamentos associados à condição de serviço da obra, uma vez que

apenas tensões e cargas são considerados. Assim sendo, em muitos casos, é necessária uma

análise complementar para a previsão das deformações da obra. Para essa modelagem, é

necessário recorrer-se a um método numérico, como o MEF, descrito no item anterior.

43

Dentre os métodos de análise por Equilíbrio Limite destacam-se:

- Método de Fellenius;

- Método de Bishop (aproximado e completo);

- Método de Morgenstern-Price;

- Método de Janbu;

- Método de Spencer

A análise por Equilíbrio Limite pode ser feita manualmente, mas, atualmente, recorre-se a

programas computacionais que, além de facilitarem os cálculos, oferecem opções dos

diferentes métodos. Nas análises dessa tese foi utilizado o programa SLOPE/W da GEO-

SLOPE International.

Os métodos de análise utilizados foram: Bishop, Morgenstern-Price, Janbu.

44

4 ESTUDO PARAMÉTRICO

4.1 ESTUDO PARAMÉTRICO DE PERCOLAÇÃO

Este estudo, realizado com o programa SEEP/W, teve como objetivo avaliar o efeito de

alguns parâmetros no fluxo estacionário em barragens de rejeito. Dentre os parâmetros

estão: posição e eficiência do sistema de drenagem interna, coeficiente de permeabilidade

dos diferentes materiais, a ocorrência de anisotropia, e a elevação do nível d’água em

relação à crista, o que se reflete no comprimento da praia de decantação. A Tabela 4.1

resume a variação de parâmetros realizada no estudo paramétrico e a Figura 4.1 apresenta a

malha de elementos finitos utilizada no programa SEEP/W.

Caso Posição Filtro

Permeabilidade

Dique de Partida (m/s)

PermeabilidadeDique de

Alteamento (m/s)

Anisotropia

Permeabilidade

Lama (m/s)

H praia(m) Obs

1 sem

solo compactado

10-6minério

10-4 não 10-6 14,5

caso base

2 semsolo compactado

10-6minério

10-5 não 10-6 14,5

diminuir diferença entre permeabilidades under/over

3 semsolo compactado

10-6minério

10-5 ky /kx=1/4 10-6 14,5 introduzir anisotropia

4 semsolo compactado

10-6minério

10-5 ky /kx=1/40 10-6 14,5

mudar anisotropia - sentir sensibilidade quanto a esse parâmetro

5 horizontalsolo compactado

10-6minério

10-4 não 10-6 14,5 dreno horizontal

6 verticalsolo compactado

10-6minério

10-4 não 10-6 14,5 dreno vertical

7 sempermeável

10-4minério

10-4 não 10-6 14,5 dique de partida permeável

8a sempermeável

10-4minério

10-4 não 10-6 17 variar altura do nível dágua

8b semsolo compactado

10-6minério

10-4 não 10-6 17 variar altura do nível dágua

9 semsolo compactado

10-6minério

10-4 não 10-6 18

variar altura do nível d'água - caso utilizado para entrar u no PROGEO

10 semsolo compactado

10-6minério

10-6 não 10-6 14,5comparar freática com material homogêneo

Tabela 4.1: Estudo paramétrico de percolação

45

Figura 4.1: Malha de Elementos Finitos – SEEP/W

4.1.1 Sistemas de Drenagem

Para estudar a influência da posição e eficiência dos sistemas de drenagem nas barragens,

foram estudados casos – em regime estacionário – em que foram utilizados tapetes

drenantes e casos em que o sistema de drenagem constituía em um dreno vertical central

ligado a um tapete drenante a partir dele até o pé de jusante. Os parâmetros estudados

encontram-se apresentados na Tabela 4.1.

Ambos os casos podem ser comparados com o caso em que não existe nenhum sistema de

drenagem atuando na estrutura. As redes de fluxo obtidas para os três casos estão mostradas

nas Figuras 4.2, 4.3, e 4.4. Em todos os casos foi adotada uma fonte de alimentação de água

onde termina a praia, a uma elevação de 14,5 metros, 3,5 metros abaixo da crista.

16

14 12

10 8

4

2 0

6

Figura 4.2: Caso 1: não existe sistema de drenagem no dique de partida

46

16

14 12

10 8

4

2 0

6

Figura 4.3: Caso 5: com tapete drenante sob todo o dique de partida

16

14 12

10 8

4

2 0

6

Figura 4.3: Caso 6: com dreno vertical Comparando as Figuras 4.2, 4.3 e 4.4 pode-se notar que, quando um sistema de drenagem é

utilizado para diminuir as poropressões no talude de jusante da barragem, a geometria da

linha freática gerada pela modelagem da percolação apresenta concavidade para baixo.

Com a análise dessas figuras, pode-se concluir que a manutenção do sistema de drenagem é

de fundamental importância para a segurança da barragem, pois é responsável pela

diminuição das poropressões no talude de jusante.

Além da utilização do dreno de pé, foi estudado o caso do dique de partida ser construído

com material permeável, funcionando com um grande dreno. A linha freática gerada pela

modelagem da percolação pelo maciço está representada na Figura 4.5.

16

14 12

10 8

4

2 0

6

Figura 4.5: Caso 7: dique de partida permeável Com a utilização de materiais permeáveis no dique de partida, a estrutura apresenta maior

estabilidade, com o nível d’água mais baixo em todo maciço. Toda a perda de carga ocorre

47

na região de deposição da lama de rejeito, e no maciço de contenção, tanto na parcela

inicial quanto na parcela de alteamento as poropressões são baixas.

4.1.2 Diferentes Materiais na Construção

Comparação da Geometria da Freática resultante de materiais do maciço de

alteamento com a mesma permeabilidade da lama, 10 vezes maior e 100 vezes maior.

Para comparar o comportamento da linha freática gerada pela modelagem da percolação de

água pelo maciço em função da diferença de permeabilidade entre os materiais envolvidos

(underflow e overflow dos ciclones) foram analisados três casos:

(a) material de alteamento com coeficiente de permeabilidade cem vezes maior que o

material depositado a montante da barragem;

(b) material de alteamento dez vezes mais permeável que o material depositado a montante

do maciço; e

(c) material homogêneo, ou seja, ambos os materiais com a mesma permeabilidade.

A variação da posição da linha freática é apresentada na Figura 4.6. A comparação entre a

geometria das linhas freáticas obtidas está apresentada na Figura 4.6 (d).

(a)

(b)

48

(c)

(d)

(e) Figura 4.6: (a) geometria da linha freática – kunder = 100 x kover; (b) geometria da linha freática – kunder = 10 x kover; (c) geometria da linha freática – kunder = kover; (d) sobreposição das linhas freáticas; (e) variação da superfície freática – VICK (1983)

Na Figura 4.6(d), a linha mais escura (superior) corresponde à modelagem onde ambos os

materiais apresentam a mesma permeabilidade (kunder = kover), ou seja, o maciço é

homogêneo. Nesse caso, a linha freática desenvolvida apresentou concavidade para baixo.

49

A linha mais clara (inferior) representa ambos os casos em que o matéria underflow

apresenta a permeabilidade 10 e 100 vezes maior que o material overflow). A freática

desenvolvida nesses casos, (com concavidade para cima) apresentou geometria muito

parecida. A modelagem da superfície freática nos casos estudados apresentou uma

tendência ao comportamento esperado de acordo com a literatura (Figura 4.6 (e)).

Comparação entre os resultados gerados com a permeabilidade do maciço 100 e 10

vezes maior que do rejeito

No primeiro caso (caso base), a permeabilidade do rejeito de granulometria mais fina

(overflow) era 100 vezes menor que a do rejeito mais grosso (underflow). No segundo caso,

essa diferença passou a ser de 10 vezes, de forma que o underflow teve sua permeabilidade

diminuída e a do overflow e dique de partida não sofreu alteração.

Não houve diferença qualitativa no comportamento dos materiais, mas os valores de carga

apresentaram alguma alteração, assim como a vazão pelo maciço. A elevação da freática

aumentou em aproximadamente 15 centímetros. O contorno de carga total (H) “andou para

a direita”, a carga de pressão no dique de partida foi maior quando a permeabilidade do

maciço alteado diminuiu.

Em relação à vazão que passa pelo maciço, houve um aumento da parcela de fluxo que

passa pelo dique de partida quando a permeabilidade do material usado no alteamento

diminuiu. A permeabilidade diminuiu 10 vezes e a vazão pelo dique aumentou

aproximadamente 200 vezes.

16

14 12

10 8

4

2 0

6

Figura 4.7: Caso 1: kunder = 100 x kover

50

16

14 12

10 8

4

2 0

6

Figura 4.8: Caso 2: kunder = 10 x kover

4.1.3 Anisotropia

Os rejeitos gerados no processo de beneficiamento são partículas granulares e não é

esperada grande anisotropia nas partículas de rejeito Na formação do reservatório, durante

o processo de lançamento, entretanto, o material adquire certa anisotropia, gerando uma

macro-permeabilidade, essa sim, anisotrópica. Como o material é granular, essa anisotropia

não é muito elevada, embora alguns autores sugiram que uma anisotropia de até 10 vezes

possa ocorrer. Por alguma característica específica do método de deposição do rejeito, tanto

do underflow dos ciclones quanto do overflow, podem se formar lentes de material de

granulometria diferente, devido à alguma modificação na taxa de deposição, por exemplo.

No Caso 3, apresentado na Figura 4.10, a permeabilidade horizontal foi considerada quatro

vezes maior que a permeabilidade vertical. A linha freática esperada, segundo NELSON et

al. (1977), tem concavidade voltada para cima. Quando considerada anisotropia, a linha

freática apresenta uma leve concavidade voltada para baixo, e o nível d’água se encontra

elevado no pé do talude de jusante do dique de partida.

Quando comparado com o Caso 1 (Figura 4.9), o Caso 3 (Figura 4.10) apresentou a

elevação da freática em aproximadamente um metro, gerando um aumento equivalente na

poropressão. Desta forma, eventuais mudanças no método de deposição causadas por

motivos operacionais não planejados, como paralisação / substituição / manutenção dos

ciclones, das tubulações e até mesmo no processo de beneficiamento, podem causar

aumentos de poropressão e aumentar a instabilidade das estruturas.

51

14 12

10 8

4

2 0

6

Figura 4.9: Caso 1: kh = kv

14 12

10 8

4

2 0

6

Figura 4.10: Caso 3 – kh = 4 x kv

4.1.4 Elevação do Nível D’água na Praia

Para analisar a influência do nível d’água na praia a montante da barragem na estabilidade

do maciço, foram gerados três casos de estudo. No primeiro deles, a elevação do nível do

reservatório foi considerada na cota 14,5m, ou seja, a 3,5 metros abaixo da elevação da

crista. No segundo caso de estudo (Caso 8), a elevação do nível d’água foi alterada para 17

m, equivalente a 1 metro abaixo do topo da barragem, e no terceiro caso (Caso 9), o caso

mais conservador, o nível d’água foi modelado na mesma elevação da crista da barragem.

14 12

10 8

4

2 0

6

Figura 4.11: Caso 1: nível d’água na cota 14,5m

52

14 12

10 8

4

2 0

6

Figura 4.12: Caso 8: nível d’água na cota 17m

14 12

10 8

4

2 0

6

Figura 4.13: Caso 9: nível d’água na cota 18m Comparando os três resultados, pode-se concluir que o comportamento da barragem sofre

grandes alterações com a mudança no comprimento da praia de decantação e

conseqüentemente a elevação do nível d’água, causando uma mudança no regime de

percolação de água por seu maciço. No Caso 1, o nível d’água se encontra bem baixo no

dique de partida. Essa condição vai mudando à medida que a elevação do reservatório

aumenta. No caso mais crítico (Caso 9), o dique de partida se encontra totalmente saturado

e o nível d’água no talude de jusante da barragem está bem elevado.

O Caso 9 é o caso mais crítico de solicitação por percolação da estrutura da barragem. A

rede de poropressão gerada por essa modelagem fornecerá os valores para alimentar a

modelagem do comportamento tensão-deformação. Dessa forma, a inclusão da poropressão

na modelagem tensão-deformação estará a favor da segurança. A rede de poropressão

gerada nesse caso está apresentada na Figura 4.14.

Figura 4.14: Rede de poropressões utilizadas na modelagem do comportamento tensão-deformação.

53

4.2 ESTUDO PARAMÉTRICO DO COMPORTAMENTO TENSÃO-DEFORMAÇÃO Este estudo, realizado com o programa ProGeo, teve como objetivo avaliar o efeito de

alguns parâmetros no comportamento tensão-deformação de barragens de rejeito. Dentre os

parâmetros estão: (a) método construtivo, (b) altura da barragem, (c) ação da água, (d)

resistência dos materiais (φ), (e) rigidez dos materiais (E) e (f) peso específico dos materiais

(γ). A Tabela 4.2 resume o estudo paramétrico.

φ '1 φ '2 K1 K2

1 30 40 200 400 no final 2 caso base2 25 35 200 400 no final 2 influência de φ '

3 30 40 200 400depois de

cada camada

2comparar a entrada da água em 3 estágios ou somente no final

430 40 400 400 no final 2

verificar a influência da rigidez. Nesse caso o underflow e a lama apresentam a mesma rigidez.

5 30 40 200 400 no final 3 verificar a influência do peso do rejeito6 30 40 200 400 - 2 comparar o efeito da altura da barragem7 30 40 200 400 - 2 comparar o método construtivo

Caso γ rejeito

(t/m³)Efeito a observarResistência Rigidez Ação da

Água

Tabela 4.2: Estudo paramétrico do comportamento tensão-deformação.

Modelagem de Materiais As propriedades de deformação de materiais elásticos lineares são geralmente definidas

pelo par de parâmetros elásticos E e ν. Essas propriedades são obtidas freqüentemente a

partir de resultados de ensaios de compressão triaxial. O Módulo de Elasticidade é obtido

da curva tensão desviadora – deformação vertical (axial). O Coeficiente de Poisson é obtido

da curva deformação volumétrica – deformação vertical (axial).

No modelo hiperbólico, como proposto por DUNCAN e CHANG (1970), o módulo de

elasticidade tangente (Et) num determinado nível de tensão cisalhante (σ1- σ3) é definido

em função do módulo tangente inicial (Ei) através de:

( )E E Rt i ff

= −−

⎢⎢

⎥⎥

1 1 3

1 3

2σ σ

σ σ (4.1)

54

onde Rf é a razão entre a tensão de ruptura fornecida pelo critério de Mohr-Coulomb e a

assíntota da hipérbole.

Ainda, o módulo tangente inicial é função da tensão confinante (σ´3 segundo DUNCAN e

CHANG, 1970, ou σ´oct, segundo LOPES, 1979) expresso através de:

E K ppi atm

atm

n

=⎛

⎝⎜

⎠⎟

σ3'

ou n

atm

'oct

atmi pp KE ⎟⎟

⎞⎜⎜⎝

⎛=

σ (4.2)

onde K e n são parâmetros determinados experimentalmente (tipicamente 0,4 < n < 1 e 200

< K < 1000) e patm é a pressão atmosférica.

O coeficiente de Poisson também pode ser definido como não linear e dependente da

tensão, mas sua faixa de variação é bem menor que a faixa de variação do Módulo de

Elasticidade, de forma que menos esforço é normalmente despendido na sua determinação

para os materiais estudados. Para materiais elásticos, ν varia entre 0 e 0,5. Para materiais

saturados sob carregamento não drenado, ou seja, onde não ocorrem variações

volumétricas, o valor é próximo e 0,5. Para materiais sob carregamento drenado, ν varia

com o tipo e consistência do solo. Valores típicos de ν em função do tipo de solo estão

apresentados na Tabela 4.3 (KULHAWY, 1990).

Tipo de Solo Coeficiente de Poisson, ν

Argila 0,2 a 0,4 Areia compacta 0,3 a 0,4 Areia fofa 0,1 a 0,3

Tabela 4.3: Valores típicos de ν (KULHAWY, 1990). Modelagem da Construção da Barragem Numa construção em etapas, no primeiro estágio, os elementos acrescidos entram com

características de líquido denso. Quando um material é modelado como líquido denso, sua

rigidez é reduzida, mas seu peso próprio é considerado integralmente. Desta forma, a nova

camada praticamente não contribui para a rigidez do sistema, mas gera carregamento para

as camadas inferiores.

55

Os elementos que não foram acrescidos, que farão parte apenas dos estágios subseqüentes,

são considerados como ar, sem peso próprio (com módulo de elasticidade E = 1 kN/m² e

coeficiente de Poisson constanteν = 0,1).

Foram definidos dois tipos de líquido denso, o primeiro correspondente ao dique de partida,

material de empréstimo, e o segundo correspondente ao rejeito de minério – overflow dos

ciclones. Nos estágios em que o maciço de terra é alteado com material proveniente do

underflow dos ciclones, seus elementos apresentam as mesmas características do material

de empréstimo, ou seja, líquido denso 1.

Líquido denso 1

E = 5.000 kN/m² ν = 0,49 γ = 20 kN/m³

Líquido denso 2 E = 2.500 kN/m² ν = 0,49 γ = 20 kN/m³

No segundo estágio, os elementos que estavam com características de liquido denso 1 e

líquido denso 2 passam a ser considerados com suas propriedades definitivas (como

“Maciço de Terra”, “Lama”, etc.). As camadas subseqüentes seguem o mesmo

procedimento.

Os materiais que têm comportamento elástico não linear hiperbólico apresentam Módulo de

Elasticidade variando com a tensão confinante e com a tensão cisalhante.

As características dos novos materiais são:

Maciço de Terra

K = 600 ν = 0,45 c = 10 kN/m² n = 0,5 φ’ = 35º γ = 20 kN/m³ Rf = 1

Lama K = 200 ν = 0,30 c = 10 kN/m² n = 0,5 φ’ = 30º γ = 20 kN/m³ Rf = 1

Underflow K = 400 ν = 0,40 c = 10 kN/m² n = 0,5 φ’ = 40º γ = 20 kN/m³ Rf = 1

56

Em alguns casos, foi modelada a ação da água, presente na polpa de rejeito depositada a

montante da barragem. Para os casos em que foi modelada a entrada da água, foi

inicialmente gerada uma rede de poropressões com auxílio do programa SEEP/W. A rede

de poropressões, quando sobreposta à malha de elementos finitos, fornece a poropressão

atuante em cada nó. A entrada da poropressão foi feita de duas formas: no final dos três

estágios de construção, como um estágio adicional de carregamento, ou ao final de cada

etapa construtiva. Nesse caso, para cada altura da barragem, é necessária uma rede de

poropressões. A comparação entre o efeito gerado com as duas formas de modelagem será

feita mais adiante.

4.2.1 Método Construtivo

Ao analisar a influência do método construtivo no comportamento tensão-deformação de

uma barragem de rejeito, serão comparados dois casos de barragens com altura final de 18

metros, construídas em 3 estágios de 6 metros cada. No primeiro caso, a barragem é alteada

pelo método de montante, e no segundo caso, pelo método de linha de centro.

Método de Montante

Figura 4.15: Vetores de deslocamento – barragem alteada para montante Ao se analisar os vetores de deslocamento de uma barragem alteada pelo método de

montante (Figura 4.15), pode-se perceber uma certa homogeneidade na direção dos

recalques. Quando é analisada a malha deformada (Figura 4.16), percebe-se que os

recalques apresentam diferentes magnitudes na região de deposição da lama e na região de

alteamento do maciço.

57

Figura 4.16: Deslocamento final – barragem alteada para montante As regiões abaixo do maciço de alteamento apresentam maior deslocamento, apesar do

peso dos materiais ser o mesmo. Esse fato pode ser compreendido, já que quando esse

material foi depositado, foi depositado sobre fundação mais deformada, e a deformação se

acumulou para os estágios subseqüentes.

Figura 4.17: Vetores de tensões principais – barragem alteada para montante (2º estágio) Ao se analisar os vetores de tensões principais no segundo estágio (Figura 4.17), percebe-se

que na maioria da rede, as tensões principais estão paralelas ao talude. Na parte

correspondente à polpa de rejeito depositada a montante da barragem, há uma tendência ao

recalque vertical, caracterizada pela tensão principal maior na direção vertical, compatível

com uma tensão horizontal de confinamento. Nos maciços de alteamento, começa a

aparecer uma tendência de desenvolvimento do efeito de arqueamento, onde ocorre a

rotação de tensões e, principalmente no topo da camada, a tensão vertical é quase nula.

58

Figura 4.18: Contornos de Tensão vertical – barragem alteada para montante (2º estágio) No gráfico com contornos de tensão vertical, percebe-se esse efeito através da pequena

tração que se desenvolve no topo do maciço, destacada na Figura 4.18.

Quando se compara esse resultado com o resultado do estágio subseqüente, percebe-se que

esse fenômeno se propaga para a próxima camada, e sua tendência é deixar de ser um efeito

localizado a medida que a barragem é alteada (Figura 4.19).

Figura 4.19: Vetores de tensões principais – barragem alteada para montante (3º estágio) Devido à grande deformabilidade do material de fundação para os alteamentos (overflow

dos ciclones pouco consolidado), a última camada apresenta elevados recalques (da ordem

de 4 metros, o que equivale a uma deformação de aproximadamente 20%), causando o

desenvolvimento de tensões de tração na parte inferior do maciço de alteamento

(diretamente apoiado sobre o rejeito).

59

Nota-se que o efeito de arqueamento foi propagado de uma fase para a outra e a parte

superior de cada maciço de alteamento apresenta regiões tracionadas, como destacado na

Figura 4.20. Essas tensões não são dissipadas com a deposição de camadas subseqüentes.

Figura 4.20: Contornos de tensão vertical – barragem alteada para montante (3º estágio) Como resultado dessas grandes deformações, a estrutura apresenta uma grande região

plastificada na base de cada maciço de alteamento, com regiões de acúmulo de tensões no

pé dos taludes. A Figura 4.21 mostra a zona plastificada dos materiais do 2º estágio, já que

a última camada modelada ainda está sendo considerada como líquido denso e, portanto

não tem sua rigidez computada.

Figura 4.21: Resistência mobilizada – barragem alteada para montante (3º estágio)

60

Método de Linha de Centro Ao se analisar uma barragem alteada pelo método de linha de centro, percebe-se o mesmo

fenômeno de arqueamento que aparece no segundo estágio da barragem alteada pelo

método de montante, caracterizado por uma tendência de rotação de tensões no topo do

maciço.

(a)

(b) Figura 4.22: Vetores de tensão principal – barragem alteada por linha de centro no (a) 2º

estágio e (b) no 3º estágio.

A diferença entre os dois métodos construtivos está na propagação desse efeito. Quando as

camadas subseqüentes são incluídas, tem-se o acréscimo das tensões confinantes e as

tensões de tração que apareceram na camada agora intermediária, são dissipadas em sua

grande parte. As Figuras 4.22 (a) e (b) mostram essa evolução de comportamento.

Analisando-se os contornos de tensão vertical no segundo estágio, percebe-se o

desenvolvimento de regiões tracionadas em pontos localizados do maciço.

61

Figura 4.23: Contornos de tensão vertical – barragem alteada por linha de centro (2º estágio) Essas regiões foram confinadas pelas camadas subseqüentes e deixam de apresentar tração,

apesar de ainda apresentarem uma concentração de tensões que indica que as tensões ali

não foram totalmente dissipadas. Os contornos de tensões verticais do estágio subseqüente

estão representados na Figura 4.24.

Figura 4.24: Contornos de tensão vertical – barragem alteada por linha de centro (3º estágio) A estrutura ainda apresenta regiões tracionadas, principalmente no topo das camadas mais

recentemente lançadas, mas essas são regiões isoladas e eventuais rupturas e pequenas

plastificações em nada prejudicam a segurança global da estrutura. Os contornos de

mobilização de resistência estão apresentados na Figura 4.24.

62

Figura 4.25: Resistência mobilizada – barragem alteada por linha de centro (3º estágio) Os efeitos de interações entre zonas de características tensão-deformação diferentes estarão

sempre presentes em maciços compostos ou assentes em materiais heterogêneos. Essa

interação conduz a deslocamentos diferenciais no interior do maciço e a concentração de

tensões ao longo das fronteiras entre zonas rígidas e deformáveis.

4.2.2 Altura da Barragem

Para estudar a influência da altura da barragem no comportamento tensão-deformação, foi

modelada uma barragem de 36 metros, construída em seis estágios de 6 metros, alteada

pelo método de linha de centro. Com isso, comparando seus resultados com a barragem

original, com altura total de 18 metros, alteada pelo método de linha de centro, em estágios

de 6 metros, pode-se verificar se o comportamento demonstrado na barragem original se

confirma à medida que a barragem continua a ser alteada. Quando se observa o resultado da

barragem de 36 metros de altura no estágio intermediário, ou seja, com 18 metros de altura,

percebe-se que esta apresenta comportamento similar à barragem original, com alguma

variação em função de efeitos de malha.

63

(a)

(b) Figura 4.26: Contornos de tensão vertical – barragem alteada por linha de centro com (a)

altura total de 36m (3º estágio, H=18m) e com (b) altura total de 18m (3º estágio, H=18m)

Ao comparar os vetores de tensões percebe-se mais claramente o desenvolvimento do

fenômeno de arqueamento no estágio intermediário da barragem mais alta (Figura 4.27 (a)

e (b)).

(a)

(b) Figura 4.27: Vetores de tensão principal – barragem alteada para montante (a) H=18m e

(b) H=36m.

64

Essas tensões de tração não são totalmente dissipadas com os alteamentos subseqüentes da

barragem, como mostrado na Figura 4.27 (b) e as trações geradas no topo do maciço

tendem a ser mais elevadas.

Contudo, ao se analisar o comportamento da barragem ao longo dos alteamentos, a

barragem continua a demonstrar que esses efeitos não são propagados e as regiões que

eventualmente apresentarem uma ruptura localizada, não põem em risco a segurança da

estrutura por serem regiões isoladas.

Em sua configuração final, a barragem de 36 metros apresenta regiões onde se

desenvolvem tensões de tração no topo do maciço e regiões de acúmulo de tensões de

compressão em seu interior. Esse comportamento é mais acentuado do que na barragem

original, mais baixa, onde aparece apenas como tendência.

No estudo paramétrico, as modelagens foram realizadas com a barragem original, com 18

metros de altura e seus resultados serão utilizados em barragens de maiores dimensões.

Dessa forma, deve-se considerar que as concentrações de tensão serão amplificadas em

estruturas mais altas.

4.2.3 Ação da Água

A rede de poropressões foi gerada com o auxílio do programa SEEP/W, apresentada na

Figura 4.14. A rede de poropressão foi gerada a partir da configuração final da barragem,

modelada com altura de 18 metros, alteada pelo método da linha de centro.

Para analisar o efeito causado pela presença da água na polpa de rejeito lançada atrás do

maciço, foram comparados os dois últimos estágios da modelagem. Nos primeiros três

estágios de modelagem, a barragem foi alteada pelo método de linha de centro (alteamentos

de 6 metros). No quarto e último estágio, as poropressões são inseridas, conseqüentemente

são modelados os efeitos de submersão e percolação. No estágio 3, a barragem se encontra

totalmente construída, porém modelada com materiais úmidos. No estágio 4, as

65

poropressões geradas com auxílio do programa SEEP/W são especificadas para cada nó,

como geradoras de forças de percolação.

Figura 4.28: Contornos de tensão vertical efetiva – 3º Estágio de modelagem, sem água

Figura 4.29: Contornos de tensão vertical efetiva – 4º Estágio de modelagem, com água Comparando ambos os estágios de modelagem, nota-se que a presença da água

“descarregou” o esqueleto sólido, ou seja, houve diminuição na tensão vertical efetiva a que

o solo está submetido.

Na Figura 4.30, a rede de poropressões foi sobreposta à malha de contornos de tensão

vertical efetiva.

Figura 4.30: Rede de poropressões sobreposta à malha de contornos de tensão vertical efetiva Na Figura 4.30, as curvas azuis correspondem à compressão absorvida pela água. Toda a

compressão antes da sua entrada era absorvida pelo esqueleto sólido. Dessa forma, a

66

entrada da água “alivia” a compressão nos grãos de solo. Esse efeito pode ser representado

por um vetor de carregamento direcionado para cima.

Pela geometria das curvas, pode-se concluir que a ação da água gera um vetor de

carregamento direcionado para cima e para jusante. Com isso, na comparação entre os dois

estágios subseqüentes, é esperado que a magnitude dos vetores de recalque diminua, e que

apareça uma componente de deslocamento lateral, direcionada para jusante.

(a)

(b) Figura 4.31: Vetores de deslocamento (a) no 3º estágio de modelagem (sem efeito da água)

e (b) no 4º estágio de modelagem (com efeito da água).

Na região do maciço de alteamento, a tendência apresentada ao final do terceiro estágio

(Figura 4.31a), era de um deslocamento para montante, além do recalque vertical, devido à

maior compressibilidade do material da fundação nas diferentes fases construtivas (lama

pouco consolidada). Já na região atrás do maciço, onde é lançada a polpa de rejeito, a

tendência antes da modelagem do efeito da água era de deslocamento unicamente vertical.

Com a entrada da água (Figura 4.31b), a região do maciço deixou de deslocar-se para

montante, apresentando, principalmente, um deslocamento vertical, sendo que algumas

regiões chegaram a apresentar um deslocamento para jusante. Na região atrás do maciço,

67

como esperado, os elementos apresentaram um recalque de menor magnitude e um

deslocamento para jusante.

Na Figura 4.32 (a) e (b) são apresentados os vetores de tensões principais para ambos os

estágios. Houve, de uma forma geral, a rotação das tensões principais na região da polpa de

rejeito, além da diminuição de sua magnitude. Na região do dique de partida, essa mudança

também acontece, principalmente nos elementos a montante. Nos diques de alteamento e

mais a jusante da estrutura de contenção, onde quase não existe a presença de água, e o

material encontra-se não saturado, houve pouca alteração nos vetores de tensões principais.

(a)

(b) Figura 4.32: Vetores de tensões principais (a) no 3º estágio (sem efeito da água) e (b) no 4º

estágio (com efeito da água)

Na realidade, o rejeito, que chega sob forma de polpa, passa pelo processo de separação nos

hidrociclones. A fração de maior granulometria sai do sistema pela parte inferior do

equipamento, praticamente sem água. É o underflow dos ciclones, e é lançado na crista da

barragem, em direção ao talude de jusante do dique. A fração de granulometria inferior sai

do sistema por transbordamento, juntamente com toda a água proveniente do processo. A

lama que caracteriza o overflow dos ciclones é lançada para montante da barragem. Devido

ao processo de segregação hidráulica, é formada uma praia, a água livre mais afastada do

maciço e, junto a ele, material fino, saturado, em processo de adensamento. Dessa forma, a

água está presente ao longo da construção do dique e formação do reservatório,

68

diferentemente de barragens convencionais, em que o enchimento do reservatório ocorre

em uma única etapa. A maneira mais correta de modelar o efeito da água no sistema seria,

então, entrar com as poropressões a cada etapa de alteamento.

Na Figura 4.33 (a) e (b), estão apresentadas as tensões verticais efetivas na primeira etapa

de alteamento. No primeiro estágio, a primeira camada foi lançada, e no segundo, a rede de

poropressões foi inserida. Comparando os dois resultados, pode-se notar que o efeito da

água, já no primeiro estágio age aliviando a compressão no esqueleto sólido. O efeito é o

mesmo da modelagem anterior, a diferença é que nessa modelagem, as próximas camadas

serão construídas sobre a camada com condições geotécnicas estabelecidas considerando a

presença de água.

(a)

69

(b) Figura 4.33: Contornos de tensão vertical (a) no 1º estágio (sem efeito da água) e (b) no 2º

estágio (com efeito da água)

Analogamente, a comparação entre os estágios 3 e 4, mostra a mesma tendência (Figura

4.34 (a) e (b)). A porção de solo a montante da estrutura de contenção sofre um

descarregamento e o dique sofre um aumento na compressão no talude de jusante, como

resultado da ação do vetor de carregamento da água, cuja resultante é composta por uma

componente vertical para cima e uma componente lateral para jusante.

(a)

70

(b) Figura 4.34: Contornos de tensão vertical (a) no 3º estágio (sem efeito da água) e (b) no 4º

estágio (com efeito da água)

Esse efeito é percebido mais uma vez na comparação entre os contornos de tensão vertical

dos estágios 5 e 6.

É importante agora, a comparação entre o último estágio de ambas as modelagens e analisar

o efeito da construção das camadas adjacentes sob condições saturadas ou secas. Estão

apresentados, na Figura 4.35 (a) e (b), os contornos de tensão vertical na modelagem em

que o efeito da água entra apenas no último estágio e na modelagem em que esse efeito é

inserido a cada camada construída, respectivamente.

(a)

71

(b) Figura 4.35: Contornos de tensão vertical em que (a) o efeito da água é inserido no final de

todos os alteamentos e (b) o efeito da água é inserido a cada alteamento

Pela comparação entre as Figuras 4.35 (a) e (b), conclui-se que a modelagem do efeito da

água apenas na configuração final e a cada etapa de alteamento gera resultados similares, e

a modelagem mais simples pode ser usada para determinação das condições finais da

estrutura a ser estudada, sem perda de acurácia.

Analisando-se os vetores de deslocamento mostrados na Figura 4.36, nota-se que o

deslocamento lateral para jusante é maior nos elementos correspondentes ao maciço de

alteamento nessa modelagem do que na anterior. Ainda assim, a modelagem mais simples

pode ser utilizada no estudo do comportamento tensão-deformação sem grandes alterações

no resultado.

Figura 4.36: Vetores de deslocamento – entrada do efeito da água a cada etapa (estágio final)

72

Finalmente, é de fundamental importância a comparação entre o contorno das razões entre a

tensão cisalhante e a resistência no maciço. É importante verificar se as regiões que

apresentam ruptura são as mesmas (Figura 4.37 (a) e (b)).

(a)

(b) Figura 4.37: Mobilização de resistência (estágio final) com (a) entrada do efeito da água no fim do alteamento e com (b) entrada do efeito da água a cada etapa do alteamento Comparando as Figuras 4.37 (a) e (b), pode-se notar que na modelagem mais simples, a

região plastificada no interior do maciço equivalente ao primeiro alteamento (estágio 2) não

apresenta dissipação de tensões nos estágios subseqüentes, e na configuração final da

barragem ainda apresenta uma ruptura localizada. Esse efeito não é percebido quando as

poropressões são inseridas a cada etapa de alteamento. A mesma região apresenta uma

73

concentração de tensões, mas essas apresentam alguma dissipação nos estágios

subseqüentes. Dessa forma, conclui-se que, ao usar os resultados gerados com a

modelagem da água realizada da forma mais simples, ou seja, quando as poropressões

somente são inseridas ao final da construção, atingida a configuração final da barragem,

está se considerando um menor efeito de dissipação de tensões do que se fossem utilizados

os resultados gerados com a modelagem mais complexa. Assim, se está a favor da

segurança inserindo o efeito da água no final da construção.

4.2.4 Variação da Resistência

Ao estudar a variação de resistência na modelagem da barragem, não é esperada a variação

na distribuição de tensão vertical ao longo do maciço e depósito de rejeito. A atuação da

resistência, representada pelo ângulo de atrito do material, deve ser notada ao analisar a

mobilização de resistência, ou seja, os contornos da razão entre tensão atuante e resistência

mobilizada. ( φστ tan.+= c )

A Figura 4.38 (a) a (h) apresenta a evolução dos contornos de tensão principal ao longo as

etapas de alteamento para modelagens com φ’lama = 30º , φ’underflow = 40º e φ’lama = 25º , e

φ’underflow = 35º.

(a) (e)

(b)

(f)

74

(c)

(g)

(d)

(h)

Figura 4.38: Evolução de contornos de tensão vertical: (a) a (d) 1º a 4º estágios da modelagem com φ’lama = 30º , φ’underflow = 40º e (e) a (h) 1º a 4º estágios da modelagem com φ’lama = 25º , φ’underflow = 35º Comparação da mobilização de resistência No primeiro caso, onde os parâmetros de resistência são maiores, a tensão cisalhante

atuante chegou ao valor máximo de resistência ao cisalhamento do solo, em determinada

região localizada no interior do maciço. Na grande parte do maciço e depósito de rejeito, a

resistência do material não foi totalmente mobilizada e a razão entre a tensão cisalhante

atuante e a resistência mobilizada ficou abaixo do limite de mobilização (R=1).

75

Figura 4.39: Mobilização da resistência - φ’lama = 30º , φ’underflow = 40º No segundo caso, a tensão atuante chegou ao valor máximo de resistência do material em

uma região no interior do maciço maior que apresentada no primeiro caso.

Figura 4.40: Mobilização da resistência - φ’lama = 25º , φ’underflow = 35º Comparando as Figuras 4.39 e 4.40, pode-se notar como uma pequena alteração no ângulo

de atrito dos materiais altera as zonas de resistência totalmente mobilizada.

Em ambos os casos a região correspondente ao depósito de rejeitos não apresenta toda a

resistência do material mobilizada, estando apenas o maciço de alteamento em regiões

isoladas (zona mais escura).

4.2.5 Variação da Rigidez

Para analisar a influência da diferença entre a rigidez da lama (overflow) e do material de

alteamento do maciço (underflow), foram comparados dois casos: o primeiro em que o

material de alteamento tem módulo de elasticidade igual ao dobro da lama, e o segundo em

que ambos os materiais apresentam o mesmo módulo de elasticidade.

Como descrito anteriormente, o módulo de elasticidade é calculado a partir da relação 4.2.

76

O módulo de elasticidade é uma função, além da tensão confinante, das variáveis n e K.

Nos casos analisados, para ambos os materiais envolvidos, o valor de n foi o mesmo (n =

0,5), variando apenas o valor de K. No primeiro caso, Klama = 200 e Kunderflow = 400 e no

segundo caso, Klama = Kunderflow = 400.

Como esperado, ao se comparar as Figuras 4.41 (a) e (b), percebe-se que não há influência

da variação de rigidez do material na distribuição de tensões verticais. Ambas as

modelagens apresentam resultado semelhante.

(a)

(b) Figura 4.41: Contornos de tensão vertical com (a) Klama = 200 ; Kunderflow = 400 e (b) Klama

= Kunderflow = 400

Na primeira modelagem, o material mais rígido, equivalente ao alteamento do maciço, se

apóia parcialmente sobre material de maior deformabilidade (rejeito não totalmente

consolidado). Com isso, surge uma zona tracionada na superfície do maciço, representada

pela rotação na cruz de tensões principais. Na segunda modelagem, ambos os materiais

apresentam a mesma rigidez, e esse comportamento não é notado.

77

(a)

(b) Figura 4.42: Vetores de tensões principais com (a) Klama = 200; Kunderflow = 400 e (b) Klama

= Kunderflow = 400

A Figura 4.43 mostra a evolução do desenvolvimento das tensões principais ao longo das

etapas de alteamento para ambas as modelagens, com Klama = 200, Kunderflow = 400 e Klama =

Kunderflow = 400.

No primeiro estágio, ambas as modelagens resultaram em vetores de tensões similares,

nesse estágio, os materiais ainda apresentavam características elásticas –“líquido denso”, de

forma que em ambas as modelagens, os materiais apresentam os exatos mesmos

parâmetros.

No segundo e terceiro estágios, a primeira camada lançada já apresenta parâmetros de

resistência, e podemos analisar a influência da rigidez nos vetores de tensões. Nesses

estágios, a diferença não é muito notável, mas já se pode perceber que os vetores de tensão

apresentam tendência de serem mais verticais na modelagem onde os materiais apresentam

78

a mesma rigidez. A maior diferença se dá na região do maciço alteado, na porção montante,

junto ao rejeito.

Analisando-se o último estágio, percebe-se que o principal efeito da variação da rigidez na

modelagem acontece no topo do maciço alteado. Os vetores de tensão deixam de ser

paralelos ao talude, quase horizontais em seu topo. Esse fenômeno se dá devido à

diminuição na diferença de deformabilidade do material em que o maciço se apóia.

(a)

(e)

(b) (f)

(c) (g)

(d) (h) Figura 4.43: Evolução de desenvolvimento de tensões principais, (a) a (d) 1º a 4º estágios da modelagem com Klama = 200 ; Kunderflow = 400 e (e) a (h) 1º a 4º estágios da modelagem com Klama = Kunderflow = 400

4.2.6 Variação do Peso Específico

Para estudar a influência do peso específico dos materiais envolvidos na barragem, foram

comparados os resultados de dois casos, o primeiro considerando o peso específico dos

materiais (ambos o underflow e overflow dos ciclones) sendo 20 kN/m³, e o segundo

considerando esse valor como 30 kN/m³.

79

Comparando as Figuras 4.44 (a) e (b), nota-se que na segunda modelagem, o maciço todo

encontra-se mais comprimido, as curvas de tensão vertical têm maior magnitude. Existe

apenas uma pequena região apresentando tensões de tração.

(a)

(b) Figura 4.44: Contornos de tensão vertical com (a) γ = 20 kN/m³ e (b) γ = 30 kN/m³

Ao comparar a representação de vetores de tensões principais em ambas as modelagens,

percebe-se que estas apresentam a mesma inclinação, apenas alteração na magnitude, sendo

maior na segunda modelagem, como era de se esperar. Com isso, pode-se concluir que o

comportamento do maciço é o mesmo, apenas a magnitude das tensões envolvidas sofre

alteração com a variação do parâmetro “peso específico” na modelagem.

(a)

80

(b)

Figura 4.45: Vetores de tensões principais com (a) γ = 20 kN/m³ e (b) γ = 30 kN/m³ Também não é esperada nenhuma mudança significativa na mobilização de resistência, pois

à medida que a tensão vertical a que o material é submetido aumenta devido ao aumento do

peso próprio, a resistência ao cisalhamento aumenta na mesma proporção. De fato

comparando as Figuras 4.46 (a) e (b), pode-se confirmar essa tendência.

(a)

81

(b) Figura 4.46: Contornos de Mobilização de resistência com (a) γ = 20 kN/m³ e (b) γ = 30

kN/m³

82

5 ESTUDO DE CASO: A BARRAGEM DE DOUTOR

5.1 DESCRIÇÃO DA OBRA O caso estudado neste capítulo se refere a uma barragem de contenção de rejeitos de

mineração de Ferro da Cia. Vale do Rio Doce - CVRD, no município de Ouro Preto, MG.

A barragem foi construída na bacia do Córrego de Doutor, e recebe rejeitos e lamas

resultantes da concentração de minério de ferro das minas de Capanema e Timbopeba.

Como é comum em obras de mineração, a barragem foi construída com uma altura inicial

para atender ao primeiro ano de operação, sendo alteada posteriormente, de acordo com o

avanço de lavra e conseqüente aumento na produção de rejeitos.

O dique inicial foi construído com solo compactado, com cota de crista 770 m, altura

máxima de 25 m acima do fundo do vale, e comprimento de crista de 320 m. A partir dele,

a barragem é alteada com os próprios rejeitos ciclonados, pelo método de linha de centro,

com uma leve inclinação para montante.

A barragem do Córrego do Doutor recebe os seguintes tipos de rejeitos:

• rejeitos da flotação dos minérios de Capanema e de Timbopeba;

• lamas da deslamagem dos minérios de Capanema e de Timbopeba, espessadas (em

espessador).

Os alteamentos da barragem são realizados com a parcela mais grosseira dos rejeitos da

flotação, encaminhados para os hidrociclones localizados ao longo da crista da barragem.

As lamas são aduzidas para o reservatório em tubulação separada.

A Figura 5.1 mostra a configuração da Bacia do Córrego de Doutor com a Barragem e

formação do reservatório de lamas e rejeito.

83

A barragem recebe rejeitos de duas usinas de beneficiamento que atendem as duas frentes

de lavra das minas de Capanema e Timbopeba. São geradas 1,45 x 106 t/ano de rejeito de

flotação proveniente da usina de Timbopeba e 0,48 x 106 t/ano de rejeito proveniente da

flotação da usina de Capanema. Ambas as usinas geram um total de cerca de 1,24 x 106

t/ano de lama e a operação das usinas é de 7.000 h/ano.

Figura 5.1 – Configuração da Bacia do Córrego de Doutor com a Barragem e formação do

reservatório de lamas e rejeito

5.1.1 Beneficiamento

O processo de beneficiamento de ambas as usinas consiste em britagem, peneiramento,

classificação a úmido, concentração magnética, ciclonagem, e flotação.

84

O material lavrado é encaminhado ao processo de britagem e posterior classificação a seco

– peneiramento com peneira dupla. O material que não passa na primeira peneira é

encaminhado à britagem secundária por correias transportadoras e novamente ao

peneiramento. O material de granulometria intermediária é um dos produtos da usina, e é

armazenado em pilhas NPFN. O undersize do peneiramento é encaminhado ao

peneiramento secundário a úmido, com peneira simples.

O peneiramento secundário classifica o material em duas granulometrias. O oversize do

peneiramento secundário também é um produto da usina, sendo armazenado nas pilhas

SFFN. O undersize do peneiramento secundário é encaminhado ao classificador espiral.

Esse equipamento classifica o material com granulometria acima e abaixo de 8mm, e o que

sai do equipamento sai em estado de polpa. O underflow do classificador espiral é a parcela

mais grosseira da polpa, e é então encaminhado para a concentração magnética. O

overflow do classificador espiral é encaminhado para um sistema de hidrociclones.

O overflow dos ciclones (parcela de granulometria mais fina) é encaminhado a

espessadores, onde ocorre a deslamagem do rejeito. Parte da água da polpa é recuperada

para recirculação no processo, e o rejeito deslamado é encaminhado à barragem de rejeitos.

O underflow dos ciclones é encaminhado ao sistema de flotação.

A concentração magnética gera dois efluentes, o overflow é encaminhado à filtragem e o

underflow é bombeado ao sistema de hidrociclones. O material filtrado é um produto da

usina de beneficiamento e fica armazenado na pilha SFFN. A massa líquida proveniente da

filtragem do concentrado vai para a mesma caixa que recebe underflow do classificador

espiral e é recirculada para o processo.

O sistema de flotação recebe o underflow dos hidrociclones. O underflow do sistema de

flotação é encaminhado para um espessador e para filtragem, e o produto gerado é

armazenado em pilha. O overflow da flotação é encaminhado para a barragem de rejeitos,

em tubulação diferente da que encaminha as lamas de deslamagem, direcionado para o

85

sistema de hidrociclones dispostos na crista da barragem. Deste último sistema de

classificação, o material de granulometria mais grosseira (underflow) é utilizado no

alteamento da barragem, e o material mais fino (overflow) é disposto a montante da mesma,

formando a praia de rejeitos.

5.2 INVESTIGAÇÃO GEOTÉCNICA

5.2.1 Geologia Local

Entre as cotas 1000 e 800 m aproximadamente ocorrem rochas do Grupo Itabira (itabiritos

silicosos e anfibolíticos, com intercalações de filitos e ora associados a dolomitos); e, daí

até o local da barragem, ocorrem rochas do Grupo Piracicaba, representadas por quartzitos

ferruginosos, recobertos ocasionalmente por canga. Existem, ainda, aluviões recentes na

calha do córrego.

5.2.2 Sondagens e Ensaios de Campo

Em 1995 uma campanha de investigações de campo foi executada, incluindo sondagens a

percussão, sondagens rotativas, sondagens a trado, poços de inspeção, e ensaios de

infiltração.

Os dados desta pesquisa mostraram uma boa capacidade de suporte nas ombreiras, e uma

espessa camada de aluvião arenoso na várzea. Os ensaios de infiltração mostraram valores

de permeabilidade entre 10-5 m/s e impermeável, em largos trechos ensaiados. As

sondagens a trado revelaram a inexistência, nos locais pesquisados, de argila como material

de empréstimo, e sim silte argiloso a silte arenoso.

Uma nova campanha de ensaios de campo foi executada em 1998. A fundação de barragem

principal apresenta dois grandes compartimentos geotécnicos: o primeiro corresponde à

86

região das ombreiras, acima da cota 746 m, aproximadamente; o segundo corresponde à

região da várzea do Córrego do Doutor.

A área de fundação da barragem apresenta as ombreiras recobertas por solo coluvionar,

argilo-arenoso, cores amarelo e vermelho, consistência mole a média, eventualmente muito

mole. A espessura varia entre 1 e 4 m, com valor médio de 2 m. Na ombreira esquerda, nas

cotas mais elevadas, é comum a ocorrência de argila cinzenta, com fragmentos

manganesíferos e de formação ferrífera.

Na ombreira direita, alguns cortes de estrada mostram a presença do solo residual siltoso,

esbranquiçado a cinzento, produto de alteração de quartzo-filitos e de quartzitos impuros.

Os ensaios de infiltração executados no colúvio mostram que o coeficiente de

permeabilidade (k) varia de 0,7 x 10-8 a 2,9 x 10-6 m/s. Os valores mais freqüentes situam-

se na faixa de 0,5 a 2,1 x 10-6 m/s.

Na várzea há duas regiões distintas: a calha do córrego, onde ocorre predominantemente

areia fina e média, com abundância de seixos e blocos de quartzo, quartzito e formação

ferrífera; e a várzea de inundação, composta por areia fina e argila, saturadas, moles.

Quanto maior o alargamento da várzea, maior a ocorrência de argila na várzea.

Na região baixa, correspondente à várzea, ocorre uma espessa camada de solo transportado,

de origem aluvionar. Na calha do córrego e na várzea, onde a mesma apresenta pequena

largura, o aluvião é arenoso, composto por uma areia fina a média, com abundância de

hematita, com níveis bastante argilosos e também de areia grossa. Comumente ocorrem

seixos e pedregulhos dispersos na areia. Na base a areia torna-se mais grossa, aumentando a

quantidade de seixos. A cor predominante é cinzento, mas também amarelada. A areia

apresenta-se fofa no topo, passando a pouco a medianamente compacta e até compacta na

base. A espessura média do aluvião na calha do rio é de 8 m, reduzindo-se no sentido das

ombreiras.

87

Os ensaios para cálculo de permeabilidade, executados no aluvião arenoso, mostram

valores de k entre 3,7 x 10-7 a 2,3 x 10-5 m/s.

Pouco a jusante do eixo da barragem ocorre um alargamento da várzea e o aluvião arenoso

passa a ocorrer mais na calha do córrego, enquanto que nas laterais da várzea o aluvião

torna-se mais argiloso, com seixos e pedregulhos finos, consistência mole a muito mole, cor

predominante vermelha. A espessura varia entre 2 e 4 m.

Os ensaios de permeabilidade executados no aluvião argiloso mostram valores de k entre o

impermeável e 3,4 x 10-7 m/s.

Abaixo do solo transportado, coluvionar nas ombreiras e aluvionar na várzea, ocorre o solo

residual silto-arenoso a areno-siltoso, cores variadas, predominando o cinza e

esbranquiçado, mas também amarelo e vermelho. Este horizonte de solo quase sempre é

pouco estruturado no topo, mas em profundidade passa a apresentar uma foliação marcante,

com mergulho médio entre 30 e 40°. É medianamente a pouco compacto, gradando em

profundidade a compacto. O solo residual é produto de alteração sobre quartzo-filitos e

quartzitos impuros, com intercalações de filito e formação ferrífera.

A espessura do solo residual não é conhecida, visto que nenhuma sondagem penetrou na

rocha. As investigações mostram que o solo apresenta grande espessura, superior a 20 m na

várzea.

Os ensaios de infiltração executados no solo residual, tanto nas ombreiras como na várzea,

mostram valores de k entre o impermeável e 4,9 x 10-6 m/s. Os valores mais freqüentes

variam de 1,0 x 10-7 a 1,2 x 10-6 m/s.

Em 2004 foram realizados estudos de potencialidade de liquefação bem como de

estabilidade de taludes considerando este fenômeno. Este tipo de fenômeno não será

abordado neste estudo.

88

5.2.3 Ensaios de Laboratório

Na campanha de 1998, além dos ensaios de campo foram realizados ensaios de laboratório

para caracterização dos materiais envolvidos. Os ensaios de laboratório incluíram ensaios

de determinação da granulometria (peneiramento e sedimentação), massa específica dos

sólidos, compactação Proctor normal, adensamento oedométrico (com um ciclo de carga e

descarga), índice de vazios máximo e mínimo, ensaios de compressão triaxial, adensado

rápido com medida de poropressão, permeabilidade em câmara triaxial e em permeâmetro

com carga constante, determinação de sais, cloretos e sulfatos, reatividade potencial de

álcalis, limites de consistência (LL - LP), massa específica natural, teor de umidade.

Na segunda campanha de investigação, foram realizados novos ensaios de laboratório em

amostras da fundação, área de empréstimo e nos rejeitos.

• Ensaios em Amostras do Terreno de Fundação

a) Amostras provenientes da região da várzea do Córrego do Doutor, sob a barragem

principal.

As amostras apresentaram granulometria de areia com finos, esses em proporção variável,

de 15 a 27% passando na peneira n° 200. A fração arenosa tem constituição variável,

predominando geralmente a areia fina. Com exceção de uma amostra, definida como

aluvião argiloso, pela análise táctil-visual, que apresentou limite de liquidez igual a 22% e

índice de plasticidade igual a 6, as demais apresentaram comportamento não plástico. O

peso específico dos sólidos elevado - entre 3,0 e 3,3 g/cm3 - é indicativo da presença de

hematita.

Em duas das amostras coletadas foram executados ensaios de determinação de índice de

vazios máximo e mínimo, que serviram para a moldagem de corpos de prova simulando

condições pessimistas de densidade natural, ou seja, com uma compacidade relativa de

89

25%. Nesses corpos de prova foram realizados ensaios triaxiais do tipo adensado não

drenado com medida de poropressão, com saturação por contrapressão (usualmente

conhecido como CIUsat).

Em face da baixa compacidade relativa, as envoltórias aparentes de resistência resultaram

muito baixas em termos de tensões efetivas. Os resultados foram c' = 0 e φ' = 22°, e c' = 15

kN/m2 e φ' = 17,5°.

Os valores acima, de fato, correspondem aos picos de resistência durante o ensaio e não à

verdadeira envoltória de tensões efetivas, que só é atingida após grandes deformações, em

virtude da liqüefação do material. Em face aos resultados acima, o projeto previu a retirada

desse tipo de material sob a barragem principal e dique inicial, até a profundidade em que

se verifica o aumento da compacidade do mesmo, evidenciada pelo aumento da resistência

à penetração do amostrador nas sondagens (ensaios SPT).

b) Amostras provenientes de ombreiras da barragem principal e diques auxiliares

Foram coletados 3 blocos de amostras em poços exploratórios numa profundidade de 2 m,

onde ocorre solo coluvionar, normalmente de resistência menor que o solo residual

subjacente. O objetivo de se pesquisar esse tipo de material era para verificar a

possibilidade de ruptura ao longo do contato do maciço com a sua fundação.

As amostras de solo são do tipo fino, com mais de 50% da massa abaixo da peneira n° 200

(0,075 mm), de características siltosas, ou seja, com baixa plasticidade.

Embora sejam amostras naturais, foram executados ensaios de compactação com a energia

do Proctor normal, para se comparar as massa específicas secas "in situ" com as máximas

desse ensaio: em dois casos, a relação obtida ficou entre 80 e 85%, o que evidencia uma

porosidade relativamente alta do material.

90

Para a determinação das características de compressibilidade foram realizados ensaios de

adensamento convencionais (compressão uniaxial). Os índices de compressão (Cc)

resultaram de médios a baixos, variando de 0,22 a 0,36; os coeficientes de adensamento,

que são relacionados à velocidade com que o solo adensará sob as cargas que lhe serão

impostas, ficaram na faixa de 1 x 10-2 a 6 x 10-2 cm2/s, que são valores relativamente altos,

conseqüência do solo ser parcialmente saturado.

A resistência a cisalhamento, determinada em ensaios triaxiais em corpos de prova

saturados, teve resultados muito variáveis das respectivas envoltórias em termos de tensões

efetivas. Em uma amostra proveniente da ombreira direita da barragem principal, o

resultado foi baixo, resultando um intercepto de coesão nulo e um ângulo de atrito de 27°.

Já em amostra proveniente da ombreira esquerda, o resultado foi alto, com coesão de 30

kN/m2 e ângulo de atrito de 33º.

• Ensaios em Rejeitos

Foram executados ensaios em rejeitos de flotação e lama com vistas principalmente ao uso

previsto dos primeiros como principal material de construção da barragem principal. Além

disso, foram executados ensaios em ambos materiais, destinados a permitir previsões do

assoreamento do reservatório a ser criado. Tendo em vista as peculiaridades dos minérios,

levou-se em consideração a sua diferente origem, na mina de Capanema e na mina de

Timbopeba.

a) Rejeitos de flotação

Foram realizados diversos testes de ciclonagem com o intuito de prover amostras para os

ensaios. Em cada teste coletou-se amostra da parte sólida da polpa de alimentação, do

overflow e do underflow da ciclonagem, considerando-se que o overflow deverá situar-se na

parte de montante da barragem, formando praia, e o underflow formará o maciço de

jusante, que é a zona mais importante do ponto de vista estrutural. Em cada série de testes

91

buscou-se coletar um conjunto de amostras de rejeitos de Timbopeba (TO), um conjunto de

Capanema (CM), e um conjunto de mistura dos dois rejeitos (CM + TO).

Foram executados ensaios de granulometria e massa específica dos sólidos em todas as

amostras representativas. As massas específicas situaram-se, em geral, entre 2,9 e 3,2

g/cm3. Já as granulometrias, como esperado em função dos testes de ciclonagem,

apresentaram uma tendência geral de underflow mais grosseiro, overflow mais fino, com a

alimentação (rejeitos totais) situando-se numa faixa intermediária. Essa regra, entretanto,

apresentou exceções entre amostras de diferentes conjuntos, ou seja: houve casos de testes

com alimentação mais grosseira que o underflow resultante de outros testes (com amostras

mais finas); como também houve casos, principalmente para os menores diâmetros, em que

a curva granulométrica da alimentação situou-se acima de determinadas curvas de overflow

procedentes de amostras mais grosseiras.

As amostras de rejeitos totais apresentaram teor de finos abaixo da peneira 200 variando

geralmente de 40 a 50%, mas com 1 caso (em 4) em que essa porcentagem foi de 63%. É

possível, durante a rotina operacional, que ocorra a contaminação dos rejeitos de flotação

por lama (mais fina), o que explica o resultado acima. Desta forma, o conjunto de amostras

correspondentes ao teste acima pode ser representativo de condições pessimistas de

operação.

Da fração passante na peneira 200 das amostras de rejeitos totais, a quase totalidade das

partículas apresentou diâmetro acima de 5 μ, que é o valor através do qual a ABNT faz a

distinção entre solos siltosos (acima), e argilosos (abaixo). Da fração retida, 100% passa na

peneira 40 (0,42 mm); 80 a 92% da massa total passa na peneira 100 (0,15mm).

As amostras de underflow mostraram-se de granulometria mais uniforme que as de

alimentação, como seria de esperar. Os diâmetros correspondentes a 60% de partículas

passando situaram-se numa estreita faixa de 0,10 a 0,13 mm, enquanto os limites para 10%

abaixo variaram de 0,037 a 0,048 mm; conseqüentemente, os coeficientes de não

uniformidade, que são a relação entre esses diâmetros, resultaram na faixa de 2 a 3. Essas

92

características, aliadas à ausência de coesão, traduzem uma suscetibilidade muito grande

desses rejeitos à erosão, demandando cuidados executivos e de projeto para que isso não

venha a acontecer. A fração de finos passantes na peneira n° 200 (0,074 mm) variou de 25 a

35%, uma faixa pequena considerando-se a já comentada diversidade na alimentação. Da

fração mais grossa, 100% passa na peneira 40, com variações maiores na fração que passa

na peneira 100, de 67 a 85% da massa total.

Já o overflow apresentou sempre mais de 90% passando na peneira 100, com variações bem

mais acentuadas da fração passando na peneira 200, de cerca de 50 a 75%. Como

conseqüência da alimentação, as partículas finas apresentaram diâmetros acima de 5 μ, com

4 a 11% da massa total abaixo desse valor.

90

% P

ASS

AN

TE

GRÁFICO 2 - GRANULOMETRIA DOS REJEITOS

10

0

20

30

40

50

60

70

80

90

100

80

70

60

50

40

30

20

10

0

100

% R

ETID

A

PENEIRAS ASTM 400 270 200 100 60 40 20 10 4

DIÂMETRO (mm)0.001 0.01 0.1 1 10

ARGILA SILTE AREIA FINA MÉDIA GROSSA PED.

O/F

U/F

Alimentação (TO+CM)

Figura 5.2: Resultado dos ensaios de granulometria nos rejeitos

Foram executados ensaios de determinação de índices de vazios máximos e mínimos

visando a moldagem de corpos de prova para os ensaios especiais, nas condições de

compacidade relativa (pessimistas) previsíveis para o campo. Verificou-se, como

93

observação interessante, os valores próximos obtidos para underflow e overflow apesar das

acentuadas diferenças de granulometria.

Para os estudos de estabilidade da barragem foram feitos ensaios de compressão triaxial em

corpos de prova saturados por contrapressão, do tipo adensados não drenados, com medida

de poropressão, e com deformações controladas, para a determinação de envoltórias de

resistência em termos de tensões efetivas (parâmetros c' e φ'). Esse critério nem sempre se

mostrou adequado, por se observar que ocorre a liqüefação dos corpos de prova antes que

seja atingida a envoltória de resistência em termos de tensões efetivas. A envoltória

determinada foi de c'= 0 e φ' = 32°. Em ensaio de cisalhamento direto lento (em que não

ocorreu liqüefação), considerando-se que a envoltória passe pela origem (ou seja, c' = 0),

resultou um ângulo de atrito φ' = 36,5°.

A partir dos ensaios de resistência, concluiu-se que os rejeitos - overflow e underflow -

apresentam suscetibilidade à liqüefação mesmo para compacidades relativas médias (de

50% na maioria dos ensaios) e mesmo em ausência de vibrações que é a causa mais comum

de liqüefação. Como conseqüência disto, providências de projeto e execução foram

adotadas para prevenir esse tipo de ocorrência, de resultados catastróficos. Os tipos de

providências para tal finalidade foram a drenagem e compactação, especialmente da zona

de jusante da barragem.

Além disso, foram executados ensaios de adensamento no overflow para determinação do

coeficiente de adensamento, relacionado à velocidade com que o material adensa,

importante não só para prever as massas específicas atingidas com o tempo, como também

a velocidade com que os excessos de poropressão gerados durante o carregamento gradual

da zona saturada da barragem são dissipados.

No ensaio de adensamento do overflow, verificou-se, inicialmente, uma diminuição

acentuada do índice de vazios sem incremento de pressão. Isso é conseqüência de se ter

moldado o corpo de prova numa condição de vazios máximo, o que produz uma estrutura

instável dos grãos. A uma solicitação mínima, o índice de vazios assume o valor de 0,74,

94

que corresponde a uma compacidade relativa de 32%, que pode ser considerada a mínima

em condições práticas. Verificou-se ainda que para tensões verticais pequenas - da ordem

de 100 kN/m2 - o material assume um índice de vazios de 0,6, que corresponde a uma

compacidade relativa de 62%. As variações futuras desse valor não deverão ser acentuadas,

uma vez que a compressibilidade é pequena, traduzida por índice de compressão de 0,15.

Tendo em vista a semelhança dos valores dos índices de vazios máximo e mínimo entre

underflow e overflow, se pressupõe que os números acima também sejam válidos para

zonas do reservatório em que se lancem rejeitos totais.

Os valores de coeficientes de adensamento resultaram próximo a 1 x 10-2 cm2/s para índice

de vazios próximo a 0,6, e próximo à metade desse valor para índices de vazios entre 0,5 e

0,55, correspondentes a tensões efetivas elevadas.

Os ensaios de permeabilidade foram executados com duas principais finalidades: permitir

análises de percolação de água através do corpo da barragem, e prever condições de

trabalho na barragem, tendo em vista a execução do aterro hidráulico.

Os coeficientes de permeabilidade do underflow situaram-se na faixa dos 10-6 m/s. Os

valores relativos ao material mais grosseiro resultaram inferiores. Esses valores podem ser

considerados como um limite inferior de permeabilidade onde torna-se viável a execução

de ciclonagem no corpo da barragem. De qualquer forma, são esperadas dificuldades

executivas, uma vez que a ordem de grandeza do tempo necessário à drenagem do material

lançado na barragem, para passar do estado saturado a um teor de umidade que permita o

seu manuseio, deve ser de horas e, no caso da Barragem de Doutor é de dias.

Já os coeficientes de permeabilidade do overflow variaram na faixa de 10-7 a 10-6 m/s, com

diferença pequena dos correspondentes valores do underflow. O ideal seria a existência de

uma zona de montante de permeabilidade bem menor que a de jusante, para gerar o

rebaixamento do lençol freático nesta última. Com isso foram previstas providências de

projeto de forma a compensar essa limitação.

95

b) Lamas

Como no caso dos rejeitos de flotação, foram coletadas amostras procedentes das diversas

origens, quais sejam: CM (Capanema), TO (Timbopeba) e CM + TO (Capanema e

Timbopeba, conjuntamente).

As curvas granulométricas apresentaram pelo menos 95% das partículas passam na malha

400, sendo a lama de Timbopeba mais fina que a de Capanema.

Para prever as condições de adensamento da lama no reservatório, foram realizados ensaios

de adensamento. Os ensaios foram realizados após a sedimentação inicial das lamas, após a

remoção da água decantada.

Os ensaios de adensamento foram executados em oedômetro de 14 cm por 4 cm de altura,

com deformações constantes. Para tensões efetivas muito baixas, como 1 kPa, o índice de

vazios correspondente foi de 2, valor esse baixo se comparado aos de outras lamas de

mineração. Tendo em vista os altos valores de massa específica dos grãos, de 4,1 a 4,2

g/cm3, resultaram massas específicas mínimas de 1,4 t/m3, também mais alto do que o

usual.

• Ensaios em Materiais de Empréstimo

A maioria das amostras se enquadrou na categoria de argilas e siltes arenosos. Os limites de

liquidez situaram-se na faixa de 20 a 40%, e os índices de plasticidade de 10 a 15%, o que

enquadra as amostras de solo fino (mais de 50% abaixo da peneira 200) no grupo CL.

De acordo com os resultados dos ensaios de compactação (Proctor normal), as amostras se

enquadram em 2 grupos: materiais com teor de umidade ótimo entre 10 e 15%, e materiais

com teor de umidade ótimo próximo a 20%. Esses 2 grupos foram representados em

ensaios especiais pelas misturas de amostras. Em geral se observou que os teores de

umidade natural estiveram acima dos ótimos.

96

Esses materiais foram empregados na construção do dique inicial da barragem principal e

dos diques auxiliares 2 e 3, além de aterros para apoio e envolvimento da galeria

extravasora.

A série de ensaios triaxiais adensados e não drenados com medida de poropressão em

amostra de material mais plástico resultou, em termos de tensões efetivas, em valores de 55

kN/m2 para a coesão e 27,5° para ângulo de atrito. A moldagem dos corpos de prova foi

feita nas condições de umidade ótima e grau de compactação de 98%.

Nas mesmas condições acima foram moldados corpos de prova para ensaios de

adensamento. Os resultados obtidos, em termos de compressibilidade, foram semelhantes

aos que foram obtidos para as amostras do terreno de fundação da galeria, com índices de

compressão próximos a 0,10.

5.3 O PROJETO

A barragem foi concebida para ser alteada em 13 etapas, com a soleira vertente situada 5 m

abaixo da cota de coroamento, exceto na etapa inicial, quando a borda livre total era de 4 m.

Os alteamentos ocorrem sempre que o rejeito atinge uma elevação de 1 m abaixo da soleira

vertente e o NA máximo pode subir em até 3 m.

5.3.1 Dique Inicial

O dique inicial constituiu-se de um maciço de terra compactada, a partir do qual iniciou-se

o alteamento da barragem com rejeitos ciclonados. A sua localização no vale foi definida

de forma a conciliar a busca de um eixo que resultasse num menor volume de aterro, e que

permitisse altear a barragem com eixo levemente deslocado para montante, para evitar que

o pé de jusante atingisse aluviões inconsistentes da várzea do córrego.

97

A sua cota de crista foi definida para garantir armazenamento de rejeitos durante pelo

menos 1 ano de operação, enquanto se iniciava a ciclonagem dos mesmos para o

alteamento da barragem. Cotas de crista mais elevadas significariam tranqüilidade

operacional, mas elevariam os custos de investimento com a construção do dique inicial.

O dique inicial tem cota de crista 770 m, com altura máxima de 25 m acima do fundo do

vale atual, e comprimento de crista de 320 m.

O terreno de fundação foi preparado tanto sob o dique inicial como sob o alteamento da

barragem, em área a jusante do dique inicial. O tratamento consistiu de raspagem de solo

superficial orgânico. Abaixo deste solo superficial, na área da várzea, ao longo do eixo, foi

escavada uma trincheira de vedação ("cut off"), com cerca de 5 m de profundidade. Desta

trincheira para jusante, o aluvião na várzea foi removido e recompactado, iniciando-se com

espessura de 1,5 m e chegando a 2,5 m sob o enrocamento de pé.

O maciço do dique inicial, constituído de terra compactada, com seção homogênea, está

indicado na Figura 5.3, definido pelos seguintes parâmetros geométricos:

Figura 5.3: seção transversal do dique de partida

A drenagem interna foi implantada para atender à segurança do dique inicial e do

alteamento da barragem.

98

Para o dique inicial existe um tapete drenante no contato com o terreno de fundação

composto por areia, com 1 m de espessura, estendendo-se na várzea e encontrando as

ombreiras. Além do pé de jusante do dique, este tapete se conecta com outro tapete, agora

do tipo sanduíche, representado por uma camada de brita, envelopada por camada de areia,

que termina em um enrocamento de pé. Este tapete se estende na várzea, no sentido das

ombreiras. Sobre o talude jusante do dique, é formado um tapete contínuo de areia, que

auxilia na drenagem do underflow da ciclonagem, ligado ao tapete sanduíche da base. O

detalhe da drenagem do dique de partida está apresentado na Figura 5.4.

Figura 5.4: Detalhe do encontro do tapete drenante de fundo do dique inicial com o tapete

drenante do seu talude de jusante, com o tapete sanduíche, responsável pela drenagem do

underflow.

Além do tapete existem drenos de brita distribuídos no terreno de fundação para as etapas

de alteamento ("finger drains"). Para garantir o funcionamento desses sistemas de

drenagem ao longo da vida útil da barragem, os drenos de brita contam com transições para

impedir a colmatação e são protegidos com valetas de contorno para impedir a

contaminação com os finos erodidos.

99

Tal como no caso do preparo do terreno de fundação, a drenagem foi executada numa

primeira etapa correspondente ao pé da barragem alteada até a cota 790 m. O detalhe do

dreno de pé da configuração final da barragem está apresentado na Figura 5.5.

Figura 5.5: detalhe do dreno de pé da configuração final da barragem.

5.3.2 Alteamento

Como já referido, o alteamento do dique inicial é executado com underflow de ciclones na

parte de jusante e overflow e rejeitos totais na parte de montante formando a praia.

O método de alteamento é aquele referido como "linha de centro", levemente deslocado

para montante.

A partir de determinadas cotas no reservatório, para evitar fuga dos rejeitos para outras

bacias de drenagem, se fazem necessários três diques de terra compactada, denominados de

"diques auxiliares 1, 2, e 3”. O dique 1, dada sua dimensão e cota mais baixa, é alteado

100

também com rejeitos, da mesma forma que a barragem principal. Os demais foram

executados até sua cota final, em etapa única, com terra compactada. Somente será

estudado nesse capítulo o maciço da barragem principal e seu respectivo alteamento.

O alteamento da barragem se processa pelo lançamento de underflow na parte de jusante e

overflow na parte de montante. O underflow é espalhado com trator, devendo ser garantida

sua compactação, até um valor de compacidade relativa mínima de 55%. O alteamento se

processa com incrementos de até 5 m.

A seqüência de alteamento dos emboques da galeria extravasora segue aquela da barragem,

mantendo-se sempre a cota do emboque no mínimo 5 m abaixo da crista da barragem.

A razão de alteamento da crista requer valores entre 4 e 6 m/ano nos primeiros 4 anos de

operação, decrescendo depois para a faixa de 2m/ano.

Durante a operação, no caso de problemas com a clarificação da água sobrenadante, a razão

de alteamento deve ser incrementada para garantir maior tempo de residência, ou seja,

deve-se deixar uma folga maior que um metro entre o nível de rejeitos e o emboque da

galeria extravasora.

A geometria da barragem alteada, conforme apresentada na Figura 5.6, pode ser resumida

como segue:

• talude médio - 1V:3H

• talude individual - 1V:2,7H

• largura da berma individual - 3 m

• altura de cada bancada - 10 m

• incremento do alteamento - 5 m

• altura máxima final - 85 m

• comprimento final da crista - 1.500 m

• volume total de underflow- 3 x 106 m3

• largura mínima da praia - 100 m

101

Figura 5.6: Geometria da barragem alteada

A vida útil do reservatório, mantido o regime de produção e as características dos rejeitos,

pode alcançar 25 anos.

5.3.3 Drenagem Superficial

No caso da barragem principal, as obras de drenagem serão executadas apenas quando o

talude operacional atingir o talude final de projeto. Como a barragem é alteada pelo método

da linha de centro, em que a posição do talude de jusante está sempre sendo alterada, o

sistema de drenagem definitivo só será executado quando a barragem estiver concluída.

Durante a operação são executadas bermas horizontais, com 3 m de largura, com

declividade apenas transversal de 10%, sentido de pé do talude individual, visando

propiciar a sua infiltração no maciço de rejeitos.

Na etapa final o sistema de drenagem constará de acerto da declividade das bermas,

divergente a partir da linha de encontro da barragem principal com o dique 1 alteado, com

caimento de 0,5% no sentido longitudinal, e 5% no sentido transversal, do pé do talude

individual.

102

As bermas são providas de canaletas tipo meia cana de concreto, ou moldadas "in loco",

que deságuam em escadas construídas próximo da junção do maciço de rejeitos com o

terreno natural.

5.3.4 Adução de Lamas e Rejeitos e Ciclonagem

Os rejeitos da flotação e as lamas (da deslamagem), como já referido, são aduzidos desde a

usina até a barragem/reservatório em tubulações independentes.

Na atual galeria de drenagem existe uma calha metálica, apoiada em colunas tubulares de

aço (ou de concreto), que conduz os rejeitos para duas caixas de passagem, sendo uma para

as lamas e outra para os rejeitos.

A caixa das lamas tem capacidade de 10 m3 e a de rejeitos de 14 m3, que correspondem a

um tempo de armazenamento de cerca de 1 minuto, com base nas vazões previstas do

projeto.

Das caixas, os rejeitos e lamas fluem por gravidade, por meio de tubulações de PEAD

(Poli-Etileno de Alta Densidade), até o reservatório (lamas) e até a barragem (rejeitos).

O caminhamento das tubulações é paralelo até determinado ponto, a partir do qual a

tubulação de lama é direcionada para a cabeceira do vale do Córrego do Doutor, e a

tubulação de rejeitos segue pela encosta esquerda do vale, até o eixo da barragem,

atravessando-a até a ombreira direita. Na ombreira esquerda, cerca de 10 m acima da cota

(770 m) do dique inicial, os rejeitos serão coletados em uma caixa e, daí, bombeados para

serem distribuídos e ciclonados na barragem. A posição deste bombeamento é alterada com

o tempo, em função do alteamento da barragem.

A tubulação de rejeitos, ao longo do caminhamento que bordeja o reservatório no seu lado

norte, é provida de pontos de descarga, operados com válvulas, tanto para descarte dos

103

rejeitos nas áreas de montante, para garantir sua plena ocupação, como para utilização

quando das modificações na posição da tubulação sobre a barragem.

Ao longo da crista da barragem os rejeitos são ciclonados, utilizando-se ciclones de 10" de

diâmetro, tipo KREBS, com as seguintes características:

• 12 ciclones φ = 10" ;

• pressão 7 psi;

• diâmetro de entrada: 63 mm;

• altura do ciclone: 686 mm;

• partição para underflow 25%;

• teor dos sólidos do underflow 78%;

• teor dos sólidos do overflow 35%;

Os ciclones são montados em suportes metálicos e acoplados, com mangote, na tubulação

de rejeitos, assentada sobre a crista jusante do dique inicial.

5.3.5 Sistema Extravasor

O sistema extravasor da barragem consiste de uma galeria de encosta e de fundo, com

emboques a cada 5 m de altura, posicionada na encosta/ombreira esquerda do

reservatório/barragem.

O sistema será implantado em 3 etapas, sendo 2 operacionais e uma de abandono.

A 1ª etapa, composta de galeria de encosta, galeria de fundo, canal de ligação e vertedor

tipo rápido, deverá servir ao alteamento da barragem até a cota 800 m, equivalendo a uma

vida útil da ordem de 7 a 8 anos.

104

A 2ª etapa será composta por uma torre, operada com "stop-logs", conectada a uma galeria

de fundo, canal de ligação e vertedor tipo rápido. Este vertedor será uma extensão daquele

da 1ª etapa. Este sistema operará até o final da vida útil da barragem, prevista para a cota

830 m.

A etapa final corresponde às obras de abandono do reservatório, e compreenderá um

vertedor de superfície, com tomada d'água, canal tipo rápido e restituição.

Cabe acrescentar que a depender do ângulo de deposição dos rejeitos na praia, pode ser

exigido um reposicionamento dos emboques ou obras para distanciar os pontos de tomada

d'água.

a) Galeria de encosta

O trecho inicial deste sistema corresponde a uma galeria de encosta, aproximadamente

paralela ao eixo da barragem e distando desta entre 110 a 150 m, respectivamente para as

cotas inferiores e superiores.

A galeria foi executada em concreto armado, com dimensões internas de 1,30 m x 1,80 m

(largura x altura), com comprimento total de cerca de 170 m, e instalada em vala escavada

no terreno natural, prevendo-se no mínimo 1 m de recobrimento da parede superior. Após a

execução da galeria, a vala foi reaterrada com solo, com compactação controlada.

A cada 5 m de desnível a galeria é provida de uma caixa de emboque, cujas soleiras estão

nas cotas 795 (superior) até 765 m(inferior), a cada 5 m de desnível, totalizando 7

emboques.

Os emboques têm as mesmas dimensões da galeria: 1,30 x 1,80 m, e ficam salientes da

parede da galeria em pelo menos 0,50 m.

105

Estes emboques, abertos inicialmente, vão sendo fechados com peças de concreto à medida

do alteamento da barragem ou do enchimento do reservatório.

O sistema é operado de tal forma a se reter o mínimo possível de água no reservatório, tanto

para permitir maior capacidade de amortecimento de cheias como para beneficiar a

segurança da barragem. A barragem em questão é uma obra para armazenar rejeitos e não

água.

Os emboques são protegidos com uma grade removível, para impedir a entrada de objetos

flutuantes, que possam colocar em risco a eficiência de escoamento da galeria.

A galeria de encosta, dada a topografia local, se desenvolve com inclinação de 14 e 18%,

desembocando em uma caixa de transição, a partir da qual conecta-se com a galeria de

fundo.

b) Galeria de fundo

A galeria de fundo é semelhante à galeria de encosta, com exceção de que não é servida de

emboques e sua declividade é de 1%.

A extensão da galeria é de cerca de 230 m, desaguando em um canal de ligação, a jusante

do pé da barragem, alteada até a cota 800 m. As condições quanto a cuidados na execução,

escavação e reaterro da vala e condições de fundação são semelhantes àquelas já

apresentadas para a galeria de encosta.

A galeria de fundo, ao final da vida útil do sistema extravasor da 1ª etapa, será tamponada

com concreto, por uma extensão de 20m na projeção do eixo, e preenchida com rejeitos até

a saída de jusante. Esta concepção visa impedir o colapso da galeria, em função dos

alteamentos da barragem.

106

c) Canal de ligação

Este canal conecta o fim da galeria de fundo com o vertedor tipo "rápido", por uma

extensão de cerca de 95m.

O canal, de seção trapezoidal, revestido em concreto, com profundidade mínima de 1,70 m,

apresenta largura de base de 2,00 m e taludes lateriais com inclinação de 1H:1V. Este canal

deságua na parte superior do vertedor tipo rápido.

d) Vertedor tipo rápido

O vertedor tipo rápido, em concreto armado, apresenta declividade única de cerca de 30%,

provido de bacia de dissipação ao seu final, para restituição da vazão ao leito do Córrego do

Doutor.

A largura do canal é de 2 m, com muros laterais variando de 2 a 1 m. Este canal será

estendido depois, encosta acima, para atender também a 2a etapa do sistema extravasor.

5.3.6 Monitoramento Geotécnico

O programa de monitoramento geotécnico consiste na instalação de instrumentos para

acompanhar:

• evolução de poro-pressões na fundação e no maciço do dique inicial;

• evolução de poro-pressões no maciço alteado de rejeitos;

• pressões e recalques na galeria de fundo;

• vazão dos drenos da fundação;

• nível d'água do reservatório.

107

No dique inicial foram instalados indicadores de nível d'água e piezômetros abertos do tipo

Casagrande. Esses instrumentos foram instalados logo após a construção do dique inicial, e

se destinam ao controle de desempenho do mesmo no período logo após a sua construção e

antes do início do alteamento com rejeitos, sendo posteriormente abandonados. Ainda nessa

fase foi instalado medidor de vazão a jusante do pé da barragem principal na sua cota 790

m.

Ao longo da galeria extravasora foram instalados pinos de controle de recalque e células de

medida de pressão total. Os mesmos continuaram a ser instalados concomitantemente com

a execução da galeria.

Nos maciços de rejeitos (a jusante do eixo) foram instalados indicadores de nível d'água,

além de medidores de vazão em saídas de drenagem em grotas secundárias. Os indicadores

de nível d'água foram instalados, em cada ponto, após o início do lançamento de rejeitos.

Na etapa inicial foram instalados 3 indicadores de nível d'água na crista da barragem, até a

superfície do terreno natural ou acima do sistema de drenagem profunda, e 3 piezômetros,

sendo dois deles a 2m abaixo da cota do terreno de fundação e outro junto à galeria de

fundo. A jusante do sistema drenante da fundação, correspondente ao pé do alteamento para

a cota 790m, foi instalado o medidor triangular de vazão. Na etapa de alteamento, é prevista

a instalação de 17 outros indicadores de nível d'água, além de mais 3 medidores de vazão,

sendo 2 no pé de jusante do dique auxiliar 1 e outro a jusante do enrocamento da barragem

principal, alteada até a cota 830m.

A régua de medida do nível d'água do reservatório deverá ser instalada próximo da galeria

de encosta, em local de mais fácil acesso e que também permita, quando da leitura do nível,

inspecionar a galeria.

5.4 METODOLOGIA DO ESTUDO DE CASO

A barragem de Doutor foi estudada através da utilização do método de elementos finitos.

Foram utilizados três programas de computador: SEEP/W, ProGeo e SLOPE/W.

108

Com o auxílio do programa SEEP/W, foi modelada a percolação de água pela estrutura de

contenção de rejeitos, desde a superfície livre de água no reservatório até o ponto de

descarga no Córrego de Doutor, a jusante da barragem estudada. A rede de poropressões

gerada pela modelagem com o programa SEEP/W alimenta as próximas modelagens, com

os programas SLOPE/W e ProGeo.

Com o auxílio do ProGeo, o comportamento tensão-deformação da barragem foi estudado,

inclusive considerando as poropressões desenvolvidas quando atingido o estado

estacionário de percolação pela barragem. Foi feita a modelagem dos alteamentos por

etapas e as poropressões definidas pela modelagem com o SEEP/W foram introduzidas ao

final da construção.

Finalmente, pelo método de equilíbrio limite, a estabilidade estática da barragem foi

modelada com a utilização do programa SLOPE/W.

5.5 RESULTADOS

5.5.1 Análise de Percolação

Foi realizada uma modelagem de percolação para a barragem na situação atual, na elevação

de 790 metros, em regime estacionário, com o programa SEEP/W. A rede de elementos

finitos está apresentada na Figura 5.6.

109

underflow Lama

Dique de Partida Fundação 1 Fundação 2

Figura 5.6: Materiais utilizados na modelagem com SEEP

A praia de decantação foi modelada com uma inclinação de aproximadamente 2% e um

comprimento de 100 metros. Dessa forma a elevação do nível d’água foi modelada 2

metros abaixo da elevação final da crista da barragem, ou seja, na elevação 788.

De acordo com os ensaios de laboratório executados com os materiais envolvidos na

construção e alteamento da barragem, os seguintes parâmetros foram escolhidos para a

modelagem numérica da percolação da estrutura:

Material k (m/s)

Lama 10-7

Underflow 10-6

Maciço de Terra 10-7

Fundação 1 10-6

Fundação 2 10-7

Os resultados obtidos com a utilização desses parâmetros na modelagem numérica estão

representados nas Figura 5.7. Existe uma camada da fundação mais permeável, de

aproximadamente 5,0 m de espessura, que conduz a maior parte do fluxo da água de

montante, sendo captado pelo tapete drenante a jusante do dique.

110

Percebe-se que a linha freática apresenta uma depressão a partir do ponto em que o tapete

drenante começa a atuar, imediatamente após o dique, mas somente atinge a cota do nível

d’água do Córrego de Doutor no pé de jusante da barragem, de forma que o dreno trabalha

com alguma carga.

O fluxo da água saindo do overflow dos ciclones tende a ser verticalizado, principalmente

em regiões mais distantes da barragem.

100 metros

Figura 5.7: Contornos de carga hidráulica e Linha freática

Os contornos de poropressões gerados na modelagem estão apresentados na Figura 5.8.

Essa rede de poropressões foi utilizada nas modelagens de tensão-deformação e

estabilidade.

Figura 5.8: Rede de poropressões geradas pelo SEEP/W

Na época do desenvolvimento do projeto, existia a disponibilidade de materiais de

empréstimo que garantiriam a construção de drenos mais permeáveis, com coeficientes de

permeabilidade da ordem de 10-3 m/s ao invés de 10-5 m/s, como utilizado nas modelagens.

A escolha pela utilização de coeficientes de permeabilidade mais conservadores para os

drenos foi feita pela dificuldade de encontrar áreas de empréstimo que mantivessem as

111

condições de permeabilidade iniciais ao longo da vida útil da barragem, constantemente

alteada.

Se as condições iniciais de permeabilidade dos drenos fossem mantidas, a linha freática

obtida na análise seria a indicada na Figura 5.9.

Figura 5.9: linha freática gerada com permeabilidade do dreno de k = 10-3 m/s

Ao comparar as geometrias das linhas freáticas das duas análises com aquela obtida com a

leitura de piezômetros instalados, Figura 5.10, nota-se que a hipótese de que a

permeabilidade efetiva dos drenos não seria tão alta se mostrou mais realista. Assim, os

resultados da primeira análise, com kdreno = 10-5 m/s, foram utilizados como entrada nos

modelos de análise tensão-deformação e equilíbrio limite.

112

(a)

(b)

Figura 5.10: (a) localização dos piezômetros; (b) linhas freáticas geradas com

permeabilidade do dreno de k = 10-3 m/s, k= 10-5 m/s e instrumentação de campo.

113

5.5.2 Análise Tensão-Deformação

A malha utilizada para a modelagem com elementos finitos está apresentada na Figura

5.11. De acordo com os ensaios de laboratório executados com os materiais envolvidos na

construção e alteamento da barragem, os seguintes parâmetros foram escolhidos para a

modelagem numérica:

• Fundação E = 100000 kN/m² ν = 0.45 c = 20 kN/m² φ = 30º γ = 20 kN/m³

• Lama K = 200 ν = 0.4 n = 0.5 c = 10 kN/m² φ = 25º γ = 20 kN/m³ Rf = 1

• Maciço de Terra K = 600 ν = 0.45 n = 0.5 c = 50 kN/m² φ = 30º γ = 20 kN/m³ Rf = 1

• Underflow K = 400 ν = 0.4 n = 0.5 c = 20 kN/m² φ = 35º γ = 20 kN/m³ Rf = 1

• Líquido denso 1 E = 5000 kN/m² ν = 0.49

• Líquido denso 2 E = 2500 kN/m² ν = 0.49

Figura 5.11: malha de elementos finitos utilizada na modelagem com o ProGeo

114

Os parâmetros de resistência foram determinados de acordo com os ensaios descritos no

Item 5.3. Os parâmetros de rigidez foram determinados pela faixa de variação apresentada

em KULHAWY (1990), a partir da classificação do solo. Foram considerados os valores de

coesão na análise em função da compactação, para o dique de partida, e devido ao material

estar parcialmente saturado, tanto para o underflow como para o overflow.

No primeiro estágio, as tensões iniciais na fundação foram calculadas a partir do peso

próprio do solo, e Ko, considerando o nível d’água coincidindo com o nível do terreno.

Nesse estágio, foram acrescidos os elementos do dique de partida com características

elásticas lineares (líquido denso). O carregamento é feito por forças de massa

correspondentes ao peso próprio do material do dique. A Figura 5.11 apresenta os

contornos de tensão vertical no final do primeiro estágio.

Figura 5.11: contornos de tensão vertical – 1º estágio

No segundo estágio, os elementos do dique de partida têm suas propriedades alteradas para

os valores corretos (já que há tensões no corpo do dique) e o rejeito é lançado como líquido

denso a montante dessa estrutura. Os contornos de tensão vertical desse estágio estão

apresentados na Figura 5.12.

115

Figura 5.12: contornos de tensão vertical – 2º estágio

No terceiro estágio, os elementos de rejeito que foram acrescidos no estágio anterior

passam a ter as suas propriedades corretas (deixando de ser líquido denso) e os elementos

da nova etapa de alteamento são inseridos na modelagem como líquido denso (tipos 1 e 2, a

depender se o elemento corresponde ao underflow ou overflow dos ciclones,

respectivamente).

Do quarto estágio ao sexto estágios, o procedimento se repete. No sétimo estágio é

simulada a ação da água, através da introdução de forças de percolação correspondentes às

poropressões obtidas na modelagem com o programa SEEP/W.

Os contornos de tensão vertical desses 5 estágios estão apresentados na Figura 5.13 (a - e).

(a) contornos de tensão vertical – 3º estágio

116

(b) contornos de tensão vertical – 4º estágio

(c) contornos de tensão vertical – 5º estágio

117

(d) contornos de tensão vertical – 6º estágio

(e) contornos de tensão vertical – 7º estágio

Figura 5.13: Contornos de tensão vertical

Pode-se observar que ao longo da modelagem, os contornos de tensão vertical vão

refletindo as camadas acrescidas através de aumento de tensões paralelamente à superfície

do reservatório e do talude. Já com a introdução do efeito da água no último estágio, houve

uma redução de tensões especialmente no reservatório e na região de montante do dique de

partida.

118

A evolução da mobilização de resistência na obra está representada na Figura 5.14 (a) a (e).

Pode-se notar que existe uma mobilização importante no topo e nos pés do dique no

primeiro estágio. Com o enchimento do reservatório até o topo do dique (segundo estágio),

a mobilização se mantém importante no pé de jusante do dique.

(a) 1º estágio

(b) 2º estágio

119

(c) 3º estágio

(d) 4º estágio

(e) 5º estágio

Figura 5.14: mobilização de resistência do 1o. ao 5o. estágios

120

No terceiro estágio, representado na Figura 5.14(c), a barragem passa a ser alteada e com o

lançamento de material underflow sobre o talude de jusante do dique e sobre o material de

fundação, e a razão de tensão cisalhante mobilizada no pé do dique diminui (ficando com

valores máximos da ordem de 0,80 nessa região).

A partir do terceiro estágio, começa a aparecer uma mobilização de resistência próxima da

unidade (significando ruptura) no topo da barragem. Nessa região o prisma de material

underflow lançado sobre o dique está parcialmente apoiado nele e parcialmente na lama

(overflow), daí surgirem até tensões de tração. Os contornos de mobilização de resistência

utilizando cores não mostram bem a mobilização nessa região porque ocorrem até violações

da resistência (overshooting). Para uma melhor visualização da mobilização de resistência

nos últimos estágios, os contornos estão apresentados por linhas pretas nas Figuras 5.15 e

5.16.

Figura 5.15: Mobilização de resistência no sexto estágio

121

Figura 5.16: Mobilização de resistência no sétimo estágio

Para se entender melhor o que ocorre na região da crista (alteamento sobre o dique) é

necessário analisar vetores de tensões principais e trajetórias de tensões. Nas Figuras 5.17 a

5.20 , pode-se observar que ocorrem tensões de tração no material underflow lançado no

alteamento. Observa-se, ainda, que a situação é crítica numa determinada camada logo que

a mesma é lançada, uma vez que a colocação de outra camada sobre ela reduz as tensões de

tração.

122

Figura 5.17: vetores de tensões principais – 4º estágio

Figura 5.18: vetores de tensões principais – 5º estágio

123

Figura 5.19: vetores de tensões principais – 6º estágio

Figura 5.20: vetores de tensões principais – 7º estágio

No sétimo estágio, quando o efeito da água é introduzido, não há mudanças importantes

nessa região pois ela se encontra acima da superfície freática.

As trajetórias de tensões de 3 elementos da obra, um a montante (região de overflow), um

na crista (material de underflow) e outro no talude de jusante (material de underflow) estão

124

mostradas nas Figuras 5.22 a 5.24. A trajetória do elemento na crista (elemento 169) é

bastante verticalizada no início do carregamento – o que indica o surgimento de tração (σ3)

junto com a compressão (σ1) – , passando a uma trajetória típica de aterro posteriormente.

Assim, há uma ruptura no início do alteamento, seguida de um carregamento que afasta o

estado de tensão da linha de ruptura.

169 147

156

Figura 5.21: elementos 147, 169, 156

Figura 5.22: trajetória de tensões – elemento 147

125

Figura 5.23: trajetória de tensões – elemento 169

Figura 5.24: trajetória de tensões – elemento 156

126

5.5.3 Análise de Estabilidade

De acordo com os ensaios de laboratório executados com os materiais envolvidos na

construção e alteamento da barragem, os parâmetros escolhidos para a análise de

estabilidade estática estão mostrados na Figura 5.25.

Underflow c = 20 kPa , φ = 35º γ = 20 kN/m³

Dique de Partida c = 50 kPa , φ = 30º γ = 20 kN/m³

Lama c = 10 kPa , φ = 25º γ = 20 kN/m³

Fundação - c = 20 kPa, φ = 30º, γ = 20 kN/m³

Figura 5.25: Materiais utilizados na análise com o SLOPE/W

O cálculo de estabilidade é feito por método de equilíbrio limite, que leva em consideração

apenas o peso dos materiais envolvidos, o ângulo de atrito e sua coesão, desconsiderando a

distribuição correta de tensões que ocorre dentro do maciço. O cálculo de estabilidade foi

feito pelos métodos de Morgenstern-Price, Bishop e Janbu. Tanto a superfície de ruptura

quanto o fator de segurança obtidos foram muito similares com a utilização dos três

métodos, e indicam que a estrutura se encontra em condições satisfatórias de estabilidade,

com fator de segurança próximo a 2,0. Essa modelagem foi feita levando em consideração a

rede de poro-pressões gerada pela modelagem de percolação com o SEEP/W. A Figura

5.26 apresenta a superfície crítica obtida pelo método de Morgenstern-Price.

127

Figura 5.26: Superfície de ruptura circular (Morgenstern-Price) – FS = 2,08

Se as poropressões não fossem consideradas na modelagem, o fator de segurança da

estrutura seria maior em aproximadamente 25%, como indicado na Figura 5.27.

Figura 5.27: Superfície de ruptura circular sem considerar poropressões (Morgenstern-

Price) – FS = 2,42

128

Em ambos os casos a ruptura se deu em uma superfície que passa por três materiais, o

overflow dos ciclones, o underflow dos ciclones e o material que forma o dique de partida.

Cogitou-se em pesquisar superfícies de ruptura planares (não circulares), com a superfície

de deslizamento apenas no material do underflow. O fator de segurança mínimo encontrado

foi superior ao da superfície crítica circular, como apresentado na Figura 5.28.

Figura 5.28: Superfície de ruptura planar (Morgenstern-Price) – FS = 2,39

As regiões que apresentaram ruptura de acordo com o ProGeo são restritas à crista, e não

estão ligadas a uma superfície de ruptura longa como indica o SLOPE/W. Apesar disso,

comparando a superfície crítica obtida na análise com SLOPE/W com os contornos de

resistência mobilizada gerados no ProGeo, observa-se que a região do talude de jusante na

análise pelo ProGeo está com uma mobilização média de 0,5, o que é compatível com um

fator de segurança 2,0.

Desta forma, pode-se concluir que a modelagem da estrutura com a utilização de três

programas com diferentes metodologias gerou resultados coerentes.

129

6 CONCLUSÕES E SUGESTÕES PARA PESQUISAS FUTURAS

6.1 CONCLUSÕES O estudo de uma obra de contenção de rejeitos foi realizado através da aplicação de três

ferramentas de análise: o Método de Elementos Finitos aplicado à percolação, à análise

tensão-deformação e o Método de Equilíbrio Limite aplicado à análise de estabilidade.

Essas três ferramentas, consagradas na análise de barragens convencionais, se mostraram

aplicáveis ao estudo de barragens de rejeito, sendo bastante úteis para o conhecimento de

mecanismos e problemas de obras desse tipo.

Com a utilização de tais ferramentas foi possível se obter informações a respeito do

comportamento do corpo da barragem, além de revelar mecanismos do comportamento

tensão-deformação. Essas ferramentas foram muito importantes no aprimoramento do

projeto de barragens de terra convencionais na década de 70, e podem ser utilizadas agora

no desenvolvimento de barragens de rejeito, com todas as suas particularidades.

Segundo VICK (1983), a variação de permeabilidades ao longo do reservatório de rejeito

apresenta uma menor interferência no comportamento global do fluxo através da barragem.

Geralmente a superfície freática é mais influenciada pelas diferenças de permeabilidade nas

regiões internas definidas em projeto, com materiais controladamente dispostos, como o

dique de partida e os drenos a este associados. A análise de percolação no estudo

paramétrico e no estudo da Barragem de Doutor confirmou essa tendência, indicando a

forte influência que a permeabilidade efetiva do dreno representa para o comportamento da

barragem. Apesar de todo controle tecnológico dos materiais envolvidos no alteamento, ou

seja, dos rejeitos do processo de beneficiamento, deve-se ter especial cuidado no projeto e

manutenção dessa estrutura de drenagem para a garantia de baixas poropressões no corpo

da barragem.

130

No estudo paramétrico realizado no Capítulo 4, avaliou-se o comportamento de barragens

com os diferentes métodos construtivos. O estudo de uma barragem alteada para jusante

não foi realizado, por assemelhar-se à construção de barragens convencionais, já bastante

estudadas nos últimos anos. Em barragens alteadas para montante, o apoio dos alteamentos

consiste na camada anteriormente lançada, de rejeitos não totalmente consolidados. Esse

tipo de estrutura apresenta elevados recalques, gerando tensões de tração, que podem levar

à formação de trincas, às vezes propagadas até a superfície do maciço. Nas barragens

alteadas pela técnica de linha de centro, o material do alteamento está parcialmente assente

sobre material de elevada rigidez, e parcialmente assente sobre rejeito pouco consolidado.

Essa geometria também faz com que surjam tensões de tração no interior do maciço.

Entretanto, foi verificado que essas tensões são reduzidas com o lançamento de novas

camadas, seguindo um aumento natural das tensões confinantes no interior do maciço. Uma

maior rigidez dos maciços é obtida através do trânsito de equipamentos de construção

(caminhões e tratores de esteira).

O estudo paramétrico permitiu concluir, portanto, que uma das vantagens do alteamento por

linha de centro em relação ao alteamento para montante é a redução das tensões de tração

com o alteamento da barragem. Em barragens alteadas para montante, as tensões de tração

se mantêm porque a crista se desloca para montante. No alteamento por linha de centro, a

maioria das tensões de tração era reduzida com o lançamento das camadas subseqüentes, e

as que não eram totalmente anuladas, permaneciam como regiões plastificadas isoladas,

não comprometendo a segurança/estabilidade da estrutura.

Segundo ASSIS e ESPÓSITO (1995), o comportamento geotécnico de barragens alteadas

pela linha de centro se assemelha mais ao comportamento de barragens alteadas para

jusante. No caso da Barragem de Doutor, embora a barragem tenha sido alteada pelo

método de linha de centro, os alteamentos apresentam uma leve inclinação para montante.

Dessa forma, podem-se observar algumas características típicas do alteamento para

montante, ou seja, a barragem apresenta um comportamento intermediário entre barragens

alteadas para montante e por linha de centro.

131

As tensões de tração obtidas na análise em função da diferença de rigidez no apoio dos

maciços de alteamento se mantiveram de um estágio para outro, até determinada altura. A

partir daí, o lançamento de camadas subseqüentes se encarregou de dissipar essas tensões,

ou minimizá-las, de forma que a segurança final da estrutura não parece ficar

comprometida.

Na análise de estabilidade pelo Método de Equilíbrio Limite, a superfície crítica apresentou

um fator de segurança 2,0, mobilizando três tipos de material. A superfície inicia-se em

área de lama, se desenvolve pela região alteada com underflow dos ciclones, mas passa

também pelo dique de partida, construído com material compactado. Superfícies de ruptura

mais superficiais passando apenas pelo material grosseiro de baixa densidade relativa

(underflow) resultaram em fatores de segurança mais elevados.

6.2 SUGESTÕES PARA PESQUISAS FUTURAS

Nessa dissertação foram realizadas análises do comportamento tensão-deformação de

barragens alteadas com dois diferentes métodos construtivos – alteamento para montante e

por linha do centro – e análises de uma obra de barragem alteada pelo método de linha de

centro. De forma a confirmar as comparações feitas entre o comportamento das duas

estruturas, sugere-se aplicar as mesmas ferramentas ao estudo de uma barragem existente e

alteada para montante.

Na análise do comportamento tensão-deformação da barragem, foi utilizado um modelo

elástico não-linear hiperbólico, tanto no estudo paramétrico como no estudo de caso. Para

uma análise mais elaborada do comportamento desse tipo de obra, sugere-se a utilização de

um modelo que melhor represente o comportamento dos materiais envolvidos, como, por

exemplo, um modelo elasto-plástico, além de uma melhor calibração dos materiais

envolvidos.

Além disso, nessa dissertação não foram levados em consideração estudos e ensaios a

respeito da liquefação dos materiais de construção. Desta forma, sugere-se estudar a

132

possibilidade de ruptura progressiva, iniciando-se perto da crista e evoluindo para uma

ruptura por liquefação, dado que os rejeitos se encontram em condição de densidade muito

fofa.

Em relação à análise da percolação, tanto pelo reservatório quanto pelo maciço de rejeito,

sugere-se uma maior investigação das propriedades de condutividade hidráulica dos

materiais envolvidos, tanto no que se diz respeito à anisotropia quanto ao comportamento

da condutividade hidráulica em função da massa específica do material.

133

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