regulação e competição

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George Stigler, expoente da Escola de Chicago, definia em seus escritos três tipos de funcionário de agências regulatórias: o burocrata; o político e o técnico.O funcionário regulador burocrata é aquele que responde aos carimbos e às normas. Deve-se a ele, por exemplo, parte das falhas de supervisão do sistema financeiro que levaram à necessidade do PROER.

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  • Regulao e Competio Rubens Penha Cysne

    Agosto de 1998

    George Stigler, expoente da Escola de Chicago, definia em seus escritos trs tipos de

    funcionrio de agncias regulatrias: o burocrata; o poltico e o tcnico.

    O funcionrio regulador burocrata aquele que responde aos carimbos e s normas. Deve-

    se a ele, por exemplo, parte das falhas de superviso do sistema financeiro que levaram

    necessidade do PROER.

    O funcionrio regulador poltico, por sua vez, responde aos grupos de interesse que mais

    prxima e eficientemente se fazem representar junto a ele e/ou junto a sua chefia, seja a

    chefia direta ou aquela muito superior no grau de hierarquia. Reguladores oriundos de

    empresas reguladas usualmente enquadram-se nesta categoria.

    Deve-se ao funcionrio regulador poltico, por exemplo, o injustificvel atraso na soluo

    do problema do Banespa. Tal atraso gerou uma grande elevao da necessidade de troca de

    ativos estaduais por ativos federais, na carteira deste banco. Contabilmente, tal troca no

    eleva a dvida lquida do setor pblico, tendo em vista que os ttulos se trocam sem desgio.

    Isto permite ao governo apresentar uma certa estabilidade desta varivel como percentual

    do PIB. Mas a preos de mercado, evidentemente, tais operaes de securitizao elevam

    sobremaneira a dvida lquida do setor pblico. Se assim no fosse, inclusive, no haveria

    porque realiz-la.

    No funcionrio regulador tcnico reside a esperana de qualquer agncia regulatria. H,

    entretanto, de passar-se a uma peneira ainda mais fina. H sempre a possibilidade de o

    funcionrio regulador tcnico ser um mal tcnico, quando ento, por acreditar piamente no

    que professa seu viesado aprendizado, pode ser at mais nocivo que o funcionrio

    regulador burocrata ou poltico.

    Constitui-se em exemplo neste sentido o tratamento recessivo dado pelo FMI Coria,

    quando de sua recente crise de liquidez internacional. Tratou-se este pas com remdios

    semelhantes queles utilizados para Malsia, Indonsia e Tailndia, quando sua situao

    macroeconmica era diferente. Diga-se de passagem , o FMI tambm conhecido pela

    regulao usualmente curvada s injunes polticas ditadas por seus financiadores mais

    musculosos.

    Se Stigler morasse no Brasil e tivesse acompanhado a criao da ANEEL posterior

    privatizao da Light, provavelmente teria cunhado um quarto tipo de regulador: o

    funcionrio regulador bode expiatrio.

    Sua existncia permite ao governo eximir-se ao menos de parte da culpa quando o processo

    de privatizao gera dissabores para os usurios. Com isto, alarga-se o espao para uma

    maior concentrao na obteno de receitas de privatizao, gerando-se um processo

    repetitivo: para o governo, as receitas; para os compradores, o direito temporrio a um

    monoplio no adequadamente regulado; para os dissabores dos consumidores, a agncia

  • regulatria. E para os descontentes conservadores, a contraposio implcita da leveza do

    nus deste fato com o pesado nus de uma ameaa de descontinuidade poltica nas

    prximas eleies.

    H outra particularidade no caso brasileiro que provavelmente atiaria a curiosidade e

    provavelmente o humor de Stiger. Em sua teoria, o regulador age fundamentalmente de

    forma a redistribuir riquezas entre os grupos de interesse que lhe provem o necessrio

    suporte poltico para a manuteno de seu poder e de seu emprego. O que Stigler no

    previu em seu artigo de 1971 que, na dcada de 90, ao Sul do Equador, entre os grupos

    de interesse que mais eficientemente se fariam representar junto agncia regulatria,

    vido pela distribuio de riquezas, se incluiria o prprio governo. Pode-se desculpar

    Stigler por no prever este fato. Mas no Freud.

    Os consumidores comeam a perceber que esto sendo taxados adicionalmente pelo

    governo sempre que a preocupao com as amarras concorrenciais cede espao

    preocupao com a obteno de receitas. Trata-se esta de uma taxao indireta incidente

    sobre os bens e servios providos pelos setores privatizados. Este fato de forma alguma

    chega a se contrapor significativamente aos benefcios da privatizao, que so muitos. Mas

    deve ser explicitado e monitorado.

    Boa parte da regulao do setor de telecomunicaes, por exemplo, onde h um

    extraordinrio dinamismo tecnolgico, pode interessar muito mais aos provedores de tais

    servios do que aos consumidores. Aqueles que hoje participam dos leiles de concesso e

    repassam seus bilhes de dlares ao governo podero, amanh, ser exatamente os que se

    oporo introduo de progressos tcnicos que reduzam suas margens de lucro. Para isto,

    podero lanar mo de seu maior poder de coalizo, relativamente aos consumidores, que

    so mais dispersos, para se fazer representar mais eficientemente junto agncia

    regulatria. Em adio, podero fazer valer clusulas dos contratos atualmente assinados

    que se mostraro restritivas no futuro, em funo de inovaes tecnolgicas.

    A contrapartida dos bices contratuais competio futura poder implicar em reduo de

    nossa competitividade externa, bem como do valor real dos salrios (pela queda de

    produtividade) e do bem estar dos consumidores.

    A idia de se obter receitas de concesses no reprovvel. Contanto que isto no

    comprometa novas entradas neste mercado de contnua inovao tecnolgica.

    Tecnologicamente, no h hoje em dia, por exemplo, porque haver apenas dois provedores

    de telefonia celular, A e B, em cada regio geogrfica. Entretanto, estaremos sujeitos a esta

    estrutura durante um bom tempo.

    Diga-se de passagem, o problema de contratos de concesso que podero minar a

    concorrncia e as inovaes tecnolgicas no futuro de forma alguma restrito apenas

    questo das telecomunicaes ou s privatizaes federais. H um elevado nmero de

    concesses que beneficiam apenas alguns poucos grupos econmicos, mas que poderiam

    ser estendidas a outros, com elevados ganhos de produtividade e bem estar.