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REGISTROS IMAGÉTICOS NA ESCRITA DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO Rísia Rodrigues Silva Monteiro 1 Marluce de Souza Lopes 2 INTRODUÇÃO Este artigo aborda o uso de fotografias, vídeos e outras fontes imagéticas em pesquisa no campo da História da Educação. Apresenta parte dos procedimentos metodológicos de um estudo que investigou as práticas educativas postas em circulação nos primeiros programas infantis apresentados por Nazaré Carvalho nas TVs sergipanas na década de 1970. Sabendo-se que a educação se dá em outros níveis que não apenas o escolar, a pesquisa buscou conhecer e analisar os programas Clube Júnior (TV Sergipe) e Nosso Mundo Infantil (TV Atalaia), e entender a contribuição da apresentadora enquanto educadora não formal. Este estudo versa sobre a construção metodológica da pesquisa empreendida, e objetiva demonstrar a relevância que os arquivos pessoais, fotografias e vídeos, quando devidamente interrogados e analisados, assumem em uma investigação. A história oral também ocupou papel de destaque nesta investigação que seguiu os pressupostos da História Cultural. Representações, memória, História e documento são categorias utilizadas neste artigo, que tomou como principais referenciais teóricos Le Goff, Kossoy, Chartier, Burke, Bosi, Pollack e Halbwachs. As emissoras de TV Sergipe e Atalaia não preservaram a memória dos seus primeiros anos de implantação, e nenhuma imagem (vídeo) dos programas infantis pesquisados foi localizada. Diante dessa carência, os arquivos pessoais da apresentadora, de ex-participantes dos programas, arquivos de jornais e escolares trouxeram pistas relevantes para compreensão da história. Aliada a essas fontes, a história oral ocupou lugar de destaque nos procedimentos metodológicos. Buscou-se conhecer a memória de quem viveu a fase de implantação das emissoras de TV no estado. Durante as entrevistas, os arquivos pessoais foram sendo revelados. Não se ignorou na pesquisa que, como aponta Bosi, a memória oral, longe da unilateralidade para qual tendem certas instituições, faz intervir pontos de vista contraditórios, 1 Mestre em Educação pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). 2 Mestre em Educação pela Universidade Federal de Sergipe (UFS).

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REGISTROS IMAGÉTICOS NA ESCRITA DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

Rísia Rodrigues Silva Monteiro1

Marluce de Souza Lopes2

INTRODUÇÃO

Este artigo aborda o uso de fotografias, vídeos e outras fontes imagéticas em pesquisa

no campo da História da Educação. Apresenta parte dos procedimentos metodológicos de um

estudo que investigou as práticas educativas postas em circulação nos primeiros programas

infantis apresentados por Nazaré Carvalho nas TVs sergipanas na década de 1970. Sabendo-se

que a educação se dá em outros níveis que não apenas o escolar, a pesquisa buscou conhecer e

analisar os programas Clube Júnior (TV Sergipe) e Nosso Mundo Infantil (TV Atalaia), e

entender a contribuição da apresentadora enquanto educadora não formal.

Este estudo versa sobre a construção metodológica da pesquisa empreendida, e

objetiva demonstrar a relevância que os arquivos pessoais, fotografias e vídeos, quando

devidamente interrogados e analisados, assumem em uma investigação. A história oral

também ocupou papel de destaque nesta investigação que seguiu os pressupostos da História

Cultural. Representações, memória, História e documento são categorias utilizadas neste

artigo, que tomou como principais referenciais teóricos Le Goff, Kossoy, Chartier, Burke,

Bosi, Pollack e Halbwachs.

As emissoras de TV Sergipe e Atalaia não preservaram a memória dos seus primeiros

anos de implantação, e nenhuma imagem (vídeo) dos programas infantis pesquisados foi

localizada. Diante dessa carência, os arquivos pessoais da apresentadora, de ex-participantes

dos programas, arquivos de jornais e escolares trouxeram pistas relevantes para compreensão

da história. Aliada a essas fontes, a história oral ocupou lugar de destaque nos procedimentos

metodológicos. Buscou-se conhecer a memória de quem viveu a fase de implantação das

emissoras de TV no estado. Durante as entrevistas, os arquivos pessoais foram sendo

revelados.

Não se ignorou na pesquisa que, como aponta Bosi, “a memória oral, longe da

unilateralidade para qual tendem certas instituições, faz intervir pontos de vista contraditórios,

1 Mestre em Educação pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). 2 Mestre em Educação pela Universidade Federal de Sergipe (UFS).

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pelo menos distintos entre eles, e aí se encontra sua maior riqueza” (BOSI, 2003, p.15).

Também não se desconsideraram as armadilhas que podem envolver o pesquisador de história

oral. “A memória, na qual cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o

passado para servir o presente e ao futuro ( LE GOFF, 2003, p.471).

Assim, foi mantida vigilância constante para que as memórias dos entrevistados não

fossem tomadas como verdades irrefutáveis. As fontes têm suas intenções. Portanto, é preciso

interrogar os fatos e checar as evidências (THOMPSON, 1981).

Foram realizadas 68 entrevistas, catalogadas em dois grupos: um dos amigos,

familiares, ex-colegas de profissão e da própria apresentadora, e o outro dos ex-participantes e

ex-telespectadores dos programas infantis. Memórias individuais e seus processos

constitutivos (POLLACK,1992; HALBWACKS, 1990) foram relevantes na escrita da história

da Educação Infantil na TV sergipana, pois, mesmo que se deva muito à memória coletiva, “ é

o indivíduo que recorda. Ele é o memorizador e das camadas do passado a que tem acesso

pode reter objetos que são, para ele, e só para ele, significativos dentro de um tesouro

comum” (BOSI, 2001, p.411).

A todos os documentos utilizados na pesquisa, foi dado o tratamento preconizado por

Le Goff (2003). Ele ensina que todo documento é um monumento e, como tal, precisa ser

desmontado considerando cuidadosamente as possíveis intencionalidades no processo de

montagem.

Documentos escolares e profissionais foram identificados no departamento de

Inspeção Escolar da Secretaria de Estado da Educação de Sergipe, Instituto de Educação Rui

Barbosa (IERB), Colégio Dom José Tomaz, TV Atalaia e Rádio Cultura de Sergipe. No

Colégio Frei Anselmo, foi localizado um troféu de participante do programa “Nosso Mundo

Infantil” (TV Atalaia).

Em busca do Estado da Arte, foram visitados acervos da Biblioteca Central da

Universidade Federal de Sergipe (UFS), Departamento de Comunicação da UFS, Programa de

Pós-Graduação em Educação da UFS, Biblioteca Jacinto Uchôa da Universidade Tiradentes

(Unit), Banco de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de

Nível Superior (CAPES) e as edições do Congresso Brasileira de História da Educação.

Exceto por um artigo que versava sobre os resultados parciais desta pesquisa, nenhum outro

trabalho com o mesmo objeto foi identificado. No entanto, dialogou-se com estudos que

abordavam objetos relacionados. Pois, como ensina Brandão (1999, p.183): “Não se progride

hoje quase em nenhum campo científico sem a interlocução com áreas circunvizinhas”.

Assim, foram eleitos trabalhos que abordavam educação, televisão, rádio, regime militar,

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música e cantigas de roda, desenhos animados, fotografias, formação de docentes, gincanas

escolares, gênero, Educação Infantil, Intelectuais na Educação, entre outros.

Na pesquisa que resultou em dissertação, foram utilizadas 50 imagens, entre

fotografias de arquivos pessoais, escolares, de veículos de comunicação, ilustrações, print

screen, sites, documentários3, entrevista em vídeo com Nazaré Carvalho e outros materiais

imagéticos colhidos no youtube.

O material fotográfico não foi tratado como mera ilustração. Fotografias e vídeos

assumiram forma de evidência histórica (BURKE, 2004), sem, entretanto, desconsiderar a

necessidade de ir além do que é visto. Como lembra Kossoy (2007; 2009), é preciso levar em

conta o processo de construção da representação e da ficção documental. É necessário fazer

uma desmontagem do signo fotográfico. Pois uma foto é também uma representação e traz

ainda o filtro cultural do fotógrafo. As oito fotos selecionadas para escrita deste artigo,

devidamente tratadas, assumiram status de documentos.

Esta comunicação foi estruturada em dois eixos. O primeiro, utilizando principalmente

fotografias de arquivo pessoal da apresentadora, aborda a trajetória pessoal, escolar e

profissional de Nazaré Carvalho. O segundo, fazendo uso de arquivos pessoais, públicos e

outras fontes, dá conta da chegada da televisão ao estado e dos primeiros programas

televisivos infantis de Sergipe.

1 DE MARIA DE NAZARÉ A “TIA NAZARÉ”

De um álbum de fotografias de Nazaré Carvalho vem o único registro fotográfico que

ela guarda da infância. Mas, como ensina Kossoy: “Uma única imagem contém em si um

inventário de informações acerca de um determinado momento passado; ela sintetiza no

documento um fragmento do real visível, destacando-o do contínuo da vida” (2009, p.105). A

análise iconográfica situa-se ao nível da descrição, já a análise iconológica envereda pela

interpretação buscando o significado do conteúdo. Ambas vão ajudando a escrever a história.

Na figura 1 (a seguir), vê-se Maria Nazaré de Carvalho com um ano e quatro meses de

idade. Filha de uma professora, cedo ela freqüentou o ambiente escolar. Na foto, a menina

3 No vídeo TV Sergipe- 35 anos Nossa História (2006) é relatada a história da implantação da primeira emissora

de TV do estado. Mais de 70 entrevistas foram realizadas para o material produzido por Dida Araújo e equipe.

Dida Araújo, ou Demóstenes Silva de Araújo, é editor de imagens, cinegrafista, produtor e documentarista.

Trabalhou na TV Sergipe por mais de três décadas. Foi também o idealizador do documentário. Atualmente

dirige a TV Aperipê e cursa Comunicação Social- Audiovisual na Universidade Federal de Sergipe.

No vídeo Terras Serigy (2014) é abordada a vida profissional do apresentador e cantor Goiabinha. Foi no

programa Carrossel Infantil, apresentado na Rádio Jornal por Goiabinha, que Nazaré Carvalho teve suas

primeiras experiências com o público infantil.

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Nazaré posa em cima de uma antiga carteira escolar, provavelmente em uma das escolas que

a mãe ensinou. Examinando a fotografia elaborada, indícios do esmero materno. A “menina-

boneca” da foto tem os cabelos escorridos e franjinha bem aparada, vestido, sapato e meias

arrumados. Na mão, um ramo retirado da foto ao fundo, servindo de flor, e o olhar atento para

o registro. No verso da foto, sua mãe escreveu: “A minha vovó. Com um beijinho de sua

netinha na idade de 1 ano 4 mêses. Maria de Nazareth Carvalho4. Cumbe 21.12.1950”.

Nazaré Carvalho nasceu no município de Nossa Senhora das Dores, médio sertão

sergipano, em 25 de agosto de 1949. Aos quatro anos de idade, mudou com a mãe, dona

Maria Terezinha de Carvalho, o padrasto (um policial militar), e os quatro irmãos para

Aracaju. A mãe, funcionária do Estado, fora transferida para a capital. Nazaré, a filha mais

velha, foi alfabetizada pela mãe, fez o primário na Escola Normal, o ginásio no Colégio

Senhor do Bonfim e o pedagógico no Instituto de Educação Rui Barbosa e Colégio Dom José

Thomas. Frequentou como ouvinte disciplinas no Colégio Atheneu e graduou-se em Letras na

Universidade Federal de Sergipe.

Figura 1- Maria Nazaré de Carvalho (1959)

Fonte: Acervo de Nazaré Carvalho.

Autoria desconhecida.

4 A grafia correta do nome é Maria Nazaré de Carvalho. Maria de Nazareth Carvalho é como a avó materna

gostaria que a neta fosse registrada.

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Na adolescência, a convivência com a mãe não foi das melhores. Pouco afetiva e

enérgica em excesso, segundo Nazaré, ela cobrava perfeição dos filhos. O pai biológico ela só

conheceria na pré-adolescência. A relação com a mãe se tornou mais difícil quando, aos 16

anos de idade, Nazaré engravidou. A reconciliação só viria muitos anos depois, ela já como a

famosa “tia Nazaré”.

Convidada a deixar a casa da família Nazaré e a filha foram acolhidas por uma

vizinha. Era preciso trabalhar para prover o sustento das duas. O primeiro emprego foi

vendendo cera em domicílio. O segundo foi como caixa em um supermercado, onde Nazaré

conheceu do comunicadores Hélio Fernandes e Humberto Mendonça que a convidaram para

um teste na Rádio Cultura de Sergipe. Dona de uma bonita voz e dicção perfeita, ela foi

aprovada e passou a apresentar o programa “Boa tarde, madame” , de segunda a sexta-feira,

das 16h às 16h30. Na figura 2 (a seguir), um registro do livro de admissão de Nazaré

Carvalho na Rádio Cultura.

Figura 2- Registro do livro de admissão de

locutores na Rádio Cultura de Sergipe (1967)

Fonte: Acervo da Rádio Cultura de Sergipe

No programa “Boa tarde, madame,” Nazaré dava conselhos ao público feminino e se

familiarizava com o rádio. Em poucos meses, Nazaré deixou a Rádio Cultura e passou a

integrar a equipe da Rádio Jornal. Ali ela teria a primeira experiência com o público infantil,

trabalhando ao lado do locutor Jairo Alves como ajudante do programa “Carrossel da Alegria”

apresentado pelo então famoso Erílio Alves, o Goiabinha. Era um programa radiofônico

transmitido do auditório do Instituto Historiográfico de Sergipe. Contou Jairo Alves Almeida:

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“A cada domingo convidávamos duas três, quatro escolas. [...] O que é

que tinham nesses programas? As crianças podiam trazer

apresentações, das escolas, poesias, esquetes, poderiam participar de

quadro de calouros para revelar cantores e havia uma vasta

distribuição de brindes. E tinha um regional ao vivo [...] para animar a

platéia (ALMEIDA, 2014).

No print screen abaixo, produzido a partir do DVD Terras Serigy, Nazaré Carvalho e

Jairo Alves atuam como assistentes do apresentador Goiabinha. No registro, testemunha

ocular dos fatos, a ratificação do que disseram entrevistados na pesquisa. O quadro, na foto

central, indica que se trata do auditório do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.

Crianças de fardamento escolar confirmam a participação de colégios nos programas.

Figura 3- Realização do Programa

Carrossel Infantil (196?)

Fonte: DVD Terras Serigy

Segundo Raymundo Luiz, diretor da Emissora à época, na Radio Jornal Nazaré fazia

de tudo um pouco. Era assistente de programas de auditório, locutora e chefe do escritório:

“[...] Nazaré era ‘carregadora de piano’[...] sem qualquer tipo de ostentação, modesta,

eficiente no que fazia. Passava o dia na rádio” ( SILVA, 2015).

À noite, Nazaré continuava os estudos. Nos arquivos da Inspeção Escolar da Secretaria

de Educação do Estado e dos Colégios Dom José Thomaz e Escola Normal, foi possível

conhecer a vida escolar da comunicadora. No ginásio, cursado no Colégio Senhor do Bonfim,

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Nazaré teve uma frequência irregular, tendo evadindo-se duas vezes; uma delas por ocasião

do nascimento da filha. No primeiro ano do curso de Formação de Professores no Instituto de

Educação Rui Barbosa, a Escola Normal, Nazaré teve um bom desempenho. O segundo e o

terceiro ano foram cursados do no Colégio Dom José Thomaz. Nos arquivos da instituição,

no dossiê da aluna onde a foto abaixo (figura 4 ) foi anexada consta que ela estudou no 2º ano

do Pedagógico: Português, Matemática, Biologia, Didática, História da Educação,

Administração Escolar, Educação Moral e Cívica e Psicologia. Sua média final foi 8,6, a 8ª

maior nota da turma de 39 alunos.

Figura 4- Fotografia do Dossiê

Escolar de Nazaré Carvalho no

Colégio Dom José Thomaz

Fonte: Acervo do Colégio Dom

José Thomaz

No registro fotográfico da figura 4, Nazaré Carvalho já aparece de cabelos bastante

curtos, o que viria a ser uma de suas características físicas até os dias atuais. No último ano

Pedagógico Nazaré estudou Estatística, Estudos Sociais, Didática, Filosofia, Português,

Higiene e Práticas de Ensino. Sua média final foi 6,4.

Enquanto se forjava professora primária, Nazaré permanecia nas ondas rádio e

marcava presença na fase de implantação da primeira emissora de TV do estado: a TV

Sergipe.

2 SERGIPE GANHA EMISSORAS DE TV E SEUS PRIMEIROS PROGRAMAS

INFANTIS

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A primeira emissora de TV implantada no Estado foi a TV Sergipe. Antes de ter seu

canal local as imagens chegavam a Sergipe da TV Jornal do Commercio de Recife. Eram

poucos aparelhos de televisão no estado. Eles eram muito caros e possuir um televisor “era

quase um distintivo social” (COSTA, 2015).

Programas locais de auditório integravam a programação da fase experimental da

emissora. Com poucos equipamentos, muito improviso e profissionais oriundos do rádio a TV

era colocada no ar. Entre os profissionais estava Nazaré Carvalho. Quando a televisão foi

inaugurada, em 15 de novembro de 1971, Nazaré foi convidada para comandar o programa

Infantil Clube Júnior. A atração durava inicialmente 30 minutos e começava por volta das

16h. Sob orientação de Luiz Carlos Campos, publicitário que tinha vindo de São Paulo para

assumir a parte comercial e artística da TV, Nazaré Carvalho comandava o programa.

Exibição de desenhos animados, de desenhos e cartinhas enviadas por telespectadores e

apresentações artísticas infantis faziam parte do programa. “Tia Nazaré” elogiava o talento

dos pequenos, as letras das cartas, os desenhos e dava conselhos para as crianças. O sucesso

foi tanto que logo a programação foi ampliada para 50 minutos de duração.

Do Clube Júnior não há imagens em vídeo. Os poucos registros fotográficos existentes

são do arquivo da apresentadora. O programa foi ar até 1974, quando Nazaré deixou a

emissora para ingressar no novo canal que seria implantado: a TV Atalaia.

Figura 5- “Tia Nazaré” em visita ao Colégio Pequeno

Escolar (1972)

Fonte: Acervo de Nazaré Carvalho.

O registro da figura 5 endossa a popularidade que os entrevistados dizem que a

apresentadora tinha entre as crianças e adultos. Todos queriam ser fotografados com a “Tia

Nazaré”, que também visitava escolas e apresentava eventos pelo estado.

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Figura 6- Nazaré Carvalho apresenta o concurso

Rainha da Laranja em Boquim (1975)

Fonte: Acervo de Lígia Fontes

Lígia Fontes, a jovem que aparece na figura 6, revelou: “Era o acontecimento anual da

cidade de Boquim, e a presença de Nazaré valorizava ainda mais o evento. Também na

televisão, Nazaré encantava os telespectadores. Relembrou Edwilma Santos: “[...] a gente

assistia em Boquim ainda numa TV preto e branco. Ela era uma estrela pra gente” (SANTOS,

2014).

Nas representações de Lígia, de Edwilma e de outros entrevistados a atuação de

Nazaré é comparada a de uma estrela. Representações aqui tomadas no entendimento de

Chartier: “Não são simples imagens verdadeiras ou falsas, de uma realidade que lhes seria

externa; elas possuem uma energia própria que leva a crer que o mundo ou o passado e,

efetivamente, o que dizem que é” (CHARTIER, 2009, p.51-52).

A segunda emissora a ser implantada no estado foi a TV Atalaia, em 17 de maio de

1975. Na nova emissora, Nazaré ganhou o programa “Nosso mundo infantil”. Músicas

brincadeiras desenhos, gincanas culturais, prêmios e mais tempo no ar. De segunda a sexta-

feira, das 15h às 17h, as crianças, acompanhadas de seus professores ou responsáveis, lotavam

o estúdio da TV Atalaia para participar do programa. Mais estruturado tinha produção e maior

protagonismo infantil. Nos diversos quadros, as crianças faziam apresentações artísticas,

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entrevistavam convidados, debatiam assuntos diversos e participavam das famosas gincanas

culturais escolares. Duas escolas por vez, respondiam sobre temas previamente sorteados e

cumpriam tarefas também recebidas anteriormente. Os assuntos eram relacionados com as

datas comemorativas do mês em curso.

As gincanas escolares eram o ponto alto da participação do público pré-adolescentes.

Alunos e professores se envolviam na preparação. Cinco de cada escola responderiam as

perguntas sorteadas sobre o tema e o restante ficaria na torcida e na apresentação das tarefas.

Vencia quem fizesse mais pontos. O prêmio era um troféu.

Figura 7- Troféu Gincana Cultural TV Atalaia Nosso Mundo Infantil

E. Frei Anselmo

Fonte: Acervo de Rísia Rodrigues. Registro feito no Colégio Frei Anselmo

O troféu tem cerca de 30 cm de altura, é de madeira e destaca em metal uma representação da

vitória com a inscrição: “Honra ao mérito”. Os participantes entenderiam depois que estavam

ganhando mais do que diversão e troféus.

Sobre sua participação nas gincanas culturais, relatou Maria Auxiliadora Alves Nunes,

que foi pelo Educandário Duque de Caxias e respondeu à respeito da “ Revolução de 1964”:

“A gente matou a pau, mesmo, sabe? A gente estudava como Re-vo-lu-ção. Não era golpe. E

o que se aprendia do Comunismo? Assim, que era péssimo, que o Brasil foi salvo [...].Quase

que foi o povo que fez. Que não foi, né?” (NUNES, 2014).

Não foram identificados registros fotográficos das gincanas, mas as narrativas dão

conta da escrita sobre as disputas. É pertinente lembrar que os programas Clube Júnior e o

Nosso Mundo Infantil foram veiculados no período em que se vivia no Brasil a ditadura

militar. Portanto, os conteúdos dos programas televisivos, inclusive os infantis, eram

censurados e “acompanhados” tal como acontecia também nas escolas e em outros espaços.

Do Nosso Mundo Infantil foram localizadas fotografias de apresentações escolares

como a da figura 8 (a seguir).

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Figura 8- Escola Santa Joana D’Arc no “Nosso Mundo Infantil” (1976)

Fonte: Acervo de Lígia Fontes. Autor Luiz Carlos Moreira

A professora Lígia Fontes à esquerda; o diretor da escola, Hamilton

Luduvice, Nazaré Carvalho e um trio pé de serra.

Sobre o registro da figura 8 comentou a professora Lígia Fontes: “Levamos a música

que estávamos ensaiando para o São João [...]. Eram programas educativos de alguma forma

[...] nos programas eles aprendiam a como se comportar fora do ambiente escolar e isso é

educação” (FONTES, 2015).

Em uma breve análise imagética, é possível acrescentar indícios e informações: o São

João, como outros festejos locais, eram incentivados e valorizados no programa como relatam

entrevistados, a participação das escolas envolviam professores e alunos; o protagonismo

infantil era constante. O cenário do estúdio apresentado na fotografia é simples e quase

improvisado: uma mistura de motivos juninos e personagens de desenhos nacionais e

internacionais (Maurício de Souza e Walt Disney).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para quem foi criança ou adolescente na década de 1970 no estado e assistiu aos

programas Clube Júnior, da TV Sergipe (1971-1974), e Nosso Mundo Infantil, na TV Atalaia

( a partir de 1975 até as primeiras décadas de 1980), o nome da “tia Nazaré” remete de

imediato a boas recordações. O clima de diversão dos programas, a exibição de desenhos

animados, brincadeiras, ensinamentos e a realização das gincanas culturais escolares foram

temas recorrentes nas entrevistas colhidas durante a pesquisa. Levando em consideração que a

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educação se dá em outros espaços que não apenas o escolar conclui-se que nos programas

apresentados por Nazaré Carvalho circularam práticas educativas.

Concluiu-se também que o acesso a arquivos pessoais, com destaque para os registros

fotográficos e vídeos assumiram destaque entre as fontes que possibilitaram a escrita dessa

história, principalmente diante da inexistência de vídeos dos programas pesquisados.

REFERENCIAS

BOSI, Ecléa. Memória e sociedade. Lembranças de velhos. São Paulo: Companhia das Letras.

2001.

BOSI, Ecléa. O tempo vivo da memória: ensaios de Psicologia Social. São Paulo: Ateliê

Editorial, 2003.

BRANDÃO, Zaia. A intelligentsia educacional – Um percurso com Paschoal Lemme por

entre as memórias e as histórias da Escola Nova no Brasil. Bragança Paulista, SP:IFAN-

CDAPH, Editora da Universidade São Francisco,1999.

BURKE, Peter. O que é História Cultural? Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora. 2005.

BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Bauru, SP: EDUSC, 2004.

CHARTIER, Roger. A História ou a leitura do tempo. Belo Horizonte: Autêntica Editora,

2009.

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice Editora dos Tribunais,

1990.

KOSSOY, Boris. Fotografia & História. 3. ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2009.

KOSSOY, Boris. Os tempos da fotografia: O efêmero e o Perpétuo. Cotia, /SP: Ateliê Java,

2007.

KOSSOY, Boris. Realidade e ficções na trama fotográfica. 4. ed. São Paulo: Ateliê Editorial,

2009.

LE GOFF, Jaques. História e Memória. 5. ed. Campinas: Editora UNICAMP, 2003.

THOMPSON, E. P. A miséria da Teoria ou um planetário de erros. Uma crítica ao

pensamento de Althusser. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981.

FONTES

ALMEIDA, Jairo Alves de. Entrevista concedida à Rísia Rodrigues Silva Monteiro em 2014.

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CARVALHO, Maria Nazaré de. Fotografias do Acervo de Maria Nazaré de Carvalho.

COLÉGIO DOM JOSÉ THOMAZ. Dossiê escolar de Nazaré Carvalho, Curso Pedagógico.

COLÉGIO DOM JOSÉ THOMAZ. Fotografia do acervo do Colégio Dom José Thomaz.

COSTA, Luiz Eduardo. Entrevista concedida à Rísia Rodrigues Silva Monteiro em 2015.

FONTES, Lígia. Entrevista concedida à Rísia Rodrigues Silva Monteiro em 2015.

FONTES, Lígia. Fotografias do acervo de Lígia Fontes.

MONTEIRO, Rísia Rodrigues Silva. Fotografia do acervo de Rísia Rodrigues Silva

Monteiro.

NUNES, Maria Auxiliadora Alves. Entrevista concedida à pesquisadora em 2014.

RADIO CULTURA. Fotografia do acervo da Rádio Cultura.

SANTOS , Edwilma Araujo dos. Entrevista concedida à pesquisadora em 2015.

SERGIPE. Divisão de Inspeção Escolar (DIESP-SEED/SE). Dossiê escolar de Nazaré

Carvalho, Colégio Senhor do Bonfim.

SILVA, Raymundo Luiz da. Entrevista concedida à pesquisadora em 2015.

TERRAS SERIGY. Goiabinha. Edição de Dida Araújo e Fernando Petrônio. Aracaju, SE. TV

Sergipe. 2014. DVD (15min50).

TV SERGIPE. – 35 ANOS - Nossa História. Direção, Roteiro e Edição de Dida Araújo;

Coordenação de produção de Fernando Petrônio; Direção de imagem de Humberto Alves.

Aracaju, SE. Núcleo de Produções Especiais da TV Sergipe. 2006. DVD (88min).

TV SERGIPE. DVD Terras Serigy, Fotografia Print Screen, 2014.