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VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007 1 REGIÃO E IDENTIDADE – O CASO DO ALENTEJO Ana Lavrador Membro da e-GEO, FCSH da Universidade Nova de Lisboa e doutoranda da Universidade de Évora Maria Alexandre Lousada Departamento de Geografia /CEG, Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa Resumo Este artigo debruça-se sobre a mudança na identidade do Alentejo, uma das mais carismáticas regiões de Portugal. Nos últimos 30 anos ocorreram importantes modificações na região, quer no que respeita ao regime de propriedade quer relativamente às actividades económicas, ambas com reflexos no uso do solo e na sua ocupação. As consequentes mudanças da paisagem e o marketing apoiado em representações criaram uma nova identidade para a região. Essas mudanças na identidade regional alentejana estão fortemente relacionadas com três momentos políticos cruciais: a) A Campanha do Trigo, nos anos 30 do século XX, através da qual a região é transformada no “celeiro do país”; b) A Reforma Agrária, emergente da Revolução do 25 Abril de 1974, ficou associada às expropriações, a novas figuras empresariais (UCP) e ao voto comunista, no seu conjunto representando o Alentejo Vermelho; c) A actualidade, com início na adesão de Portugal à CEE, em 1986, é balizada, no essencial, pelas seguintes modificações: (re)modelação agrícola (vinhedos, olival, produção de gado, plano de rega do Alqueva); novas actividades industriais (em particular a plataforma de Sines e novas acessibilidades) e, sobretudo, uma importante oferta recreativa, centrada nas residências secundárias e no turismo (visitas a centros urbanos, caça, enoturismo, outros), no seu conjunto oferecendo uma nova paisagem agrária e uma nova identidade ao Alentejo. A metodologia utilizada assenta na recolha estatística e num conjunto de representações diversificado, com destaque para textos literários e as: imagens contidas em folhetos publicitários. Palavras-chave: paisagem, identidade, representação, marketing, Alentejo.

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VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007

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REGIÃO E IDENTIDADE – O CASO DO ALENTEJO

Ana Lavrador

Membro da e-GEO, FCSH da Universidade Nova de Lisboa e doutoranda da Universidade de Évora

Maria Alexandre Lousada

Departamento de Geografia /CEG, Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa

Resumo

Este artigo debruça-se sobre a mudança na identidade do Alentejo, uma das mais

carismáticas regiões de Portugal. Nos últimos 30 anos ocorreram importantes modificações na

região, quer no que respeita ao regime de propriedade quer relativamente às actividades

económicas, ambas com reflexos no uso do solo e na sua ocupação. As consequentes

mudanças da paisagem e o marketing apoiado em representações criaram uma nova

identidade para a região. Essas mudanças na identidade regional alentejana estão fortemente

relacionadas com três momentos políticos cruciais: a) A Campanha do Trigo, nos anos 30 do

século XX, através da qual a região é transformada no “celeiro do país”; b) A Reforma

Agrária, emergente da Revolução do 25 Abril de 1974, ficou associada às expropriações, a

novas figuras empresariais (UCP) e ao voto comunista, no seu conjunto representando o

Alentejo Vermelho; c) A actualidade, com início na adesão de Portugal à CEE, em 1986, é

balizada, no essencial, pelas seguintes modificações: (re)modelação agrícola (vinhedos, olival,

produção de gado, plano de rega do Alqueva); novas actividades industriais (em particular a

plataforma de Sines e novas acessibilidades) e, sobretudo, uma importante oferta recreativa,

centrada nas residências secundárias e no turismo (visitas a centros urbanos, caça, enoturismo,

outros), no seu conjunto oferecendo uma nova paisagem agrária e uma nova identidade ao

Alentejo.

A metodologia utilizada assenta na recolha estatística e num conjunto de representações

diversificado, com destaque para textos literários e as: imagens contidas em folhetos

publicitários.

Palavras-chave: paisagem, identidade, representação, marketing, Alentejo.

VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007

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INTRODUÇÃO

Neste artigo pretende-se chamar a atenção para os traços gerais das mudanças das

paisagens alentejanas, confrontando-as com representações (textos, fotografias, cartazes,

vídeo) que as ilustrem e tenham influenciado a identidade da região1. Nesse balanço, podem

ser consideradas três etapas chave, assentes em políticas rurais diversas, senão antagónicas: 1)

Políticas proteccionistas – Leis de Etelvino de Brito (finais XIX) e Campanha do Trigo (anos

30 do século XX) – no quadro de uma economia agro-alimentar de base sectorial à qual ficou

associada a imagem do Sul latifundiário e cerealífero; 2) Políticas de equidade social e

produtiva – o Alentejo Vermelho da Reforma Agrária (RA) (1975-1979), após a Revolução do

25 Abril de 1974 – paradigma do fecho de um ciclo e bastião de resistência e da luta de

classes, concretizado no desmantelamento das estruturas agrárias do período proteccionista e

latifundiário anteriormente em vigor; 3) Politica Agrícola Comum (PAC), depois da adesão à

CEE, em 1986, e sobretudo após os anos 90, cujas directrizes gerais se regem segundo o

paradigma da reconversão, do incremento da produtividade, da valorização e qualificação da

produção agrícola e florestal (Covas, 2004).

Em linhas gerais, pode afirmar-se que, no Alentejo, a política cerealífera do Estado

Novo fez tábua rasa das paisagens herdadas tendo-se ambiental e socialmente desastrosa, à

semelhança do sucedido noutras regiões europeias (Nanda, 1994, pp. 295). A propaganda

regionalista da época, sustentada em representações panfletárias de grande difusão à escala

nacional, criou uma imagem forte que ainda hoje subsiste na memória de muitos portugueses,

associada à funcionalidade cerealífera da região, de que é paradigma o chavão: “O Alentejo é

o celeiro de Portugal”, símbolo da Campanha do Trigo (de 1930 a 1969). Desde a adesão à

CEE, e em particular a partir da segunda metade dos anos 90, as políticas da PAC, os novos

contextos produtivos induzidos pelo mercado global, pela mecanização e pelo

desenvolvimento de novas actividades turísticas e culturais no âmbito do rural multifuncional,

têm vindo a mudar lentamente a identidade da região. O marketing turístico e sectorial faz

emergir e difunde o Alentejo como um destino de evasão e sonho, sustentado na autenticidade

e no bom acolhimento das suas gentes, na qualidade dos produtos da terra e numa

modernidade sofisticada. Ou seja, um Alentejo que alia harmoniosamente a cultura

“tradicional” e a preservação (mesmo que aparente) das paisagens com as novas tecnologias e

o design apurado e onde está apagada a memória da agitação revolucionária e da pobreza. 1 Este artigo foi objecto de uma primeira abordagem no 10th Annual Mediterranean Studies Association Congress, que teve lugar em Évora, (30 Maio-2 de Junho de 2007): Maria Alexandre Lousada e Ana Lavrador - From the Red Alentejo to the new wave Alentejo .

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Nestas novas representações do Alentejo as novas tecnologias e a arte são ferramentas

fundamentais na sua construção e difusão e a cultura tradicional (uma parte da mesma,

escolhida) é um elemento crucial da diferença, como tem sido sublinhado pela literatura a

propósito de outros lugares (Cosgrove, 1988 e 1989; Smith, 1992; Daniels, 1993; Kucan,

1999).

1. A PAISAGEM E A REPRESENTAÇÃO NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE

Numa perspectiva humanista pode-se definir paisagem como síntese entre o objectivo e o

subjectivo, como “área concreta, cujo carácter resulta da acção e interacção de factores

naturais e humanos e do seu reconhecimento pelas pessoas” (Convenção Europeia da

Paisagem, 2000, Artigo 1). Nessa óptica, as paisagens são vistas como “processos de

mediação, parte e parcela da cultura hegemónica” (Cosgrove, 1989); “produtos vividos”

(Zukin, 1992); “expressão visual de um projecto técnico, social e económico” (Ambroise,

2003); ”materialização dos discursos dos diferentes interesses sociais” (Schein, 1997, in Roca,

2007 et al). Por seu turno, as representações são analisadas enquanto processos organizados

de informação centrados na interpretação subjectiva do indivíduo ou grupo em resposta a um

a um estímulo exterior, passível de gerar e difundir imagens do real (Vala, 2000). Nesse

sentido, as representações são formas de poder (Haraway, 1991, in Rose, 2001), pois

permitem manipular as actuações e viabilizam a articulação das diferentes forças sócio-

económicas e culturais locais, regionais e mesmo nacionais em torno de uma região. Michel

Foucault e Baudrillard salientaram o poder simbólico das formas de representação na gestão,

regulação e construção das identidades geográficas, as quais mais não são que fruto da

cultura, resultado de um conjunto de conhecimentos partilhados através dos tempos. Com

efeito, no caso das paisagens rurais, as representações têm ajudado a transformar lugares de

trabalho em objectos de contemplação, de que são paradigmáticas as imagens/cenário

expressas nas representações turísticas (destinos turísticos) e/ou em ícones de diferenciação,

uma mais valia relevante no mercado global (Lavrador et al, 2006). E uma “identidade

coerente” é aquela em que existe, como sublinhou Harner (2001), um equilíbrio entre a

realidade paisagem e a sua representação, Enquanto processo de comunicação, a

representação integra uma linguagem, uma vez que comporta uma acção de codificação

(simplificação da informação em símbolos - sinais iconográficos2, matemáticos, geométricos)

e uma outra de descodificação pelo indivíduo receptor, que a deverá detectar, discriminar e 2 Iconográficos, isto é, aqueles que dizem respeito ao aspecto gráfico de algo (poicons – integram imagens;

diagramas, comportam relações; metáforas – estabelecem paralelismos (Keats, 1996)

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interpretar. É nesta perspectiva que aqui se abordam as representações relativas aos três

momentos temporais em análise.

2. O QUADRO GERAL DA PAISAGEM DO ALENTEJO

O Alentejo representa o paradigma de região Mediterrânea: forte adaptação vegetal ao clima

(matagais/charneca e culturas agrícolas); predomínio do uso agrícola extensivo; grande

propriedade (latifúndio), acentuada mutação da ocupação do solo. O carácter mediterrânico

afirma-se também na contínua sucessão de gentes e de culturas que transpuseram ao longo

dos séculos a região e aí se instalaram, o que foi facilitado pelo relevo, uma vasta

peneplanície de baixa altitude. A sucessão de povos e culturas deixou inscrita nas paisagens

alentejanas um espólio patrimonial diversificado – arqueológico (megalítico); monumental

(castelos, paços, casas nobiliárias, aquedutos, fontes); vernacular (moinhos, poços, condutas

de rega, muros, outros). Acrescem hábitos e costumes particulares que, conjuntamente com as

paisagens, conferem à região uma forte identidade. Mas o Alentejo tem um outro lado, negro,

do qual fazem parte os frequentes conflitos, a luta permanente contra a pobreza, as

desigualdades sociais, a interioridade e as dificuldades ambientais (acentuada secura e calor

estival, chuvas escassas e concentradas e pobreza dos solos), resultando numa das mais baixas

taxas de ocupação humana da Europa e das mais baixas do país (5,2% da população

portuguesa e uma reduzida densidade populacional de 20hab/km2, INE, 2006). A escassez

humana é na realidade um atributo distintivo da região, uma vez que permanece ao longo dos

séculos. São também paradigmáticas as fortes e muito antigas desigualdades sociais, com

origem na oposição entre os proprietários das grandes extensões de terra (latifúndios) e os

agricultores, desprovidos de terras e na maior parte sem qualquer tipo de protecção laboral3.

Inscrevem-se na paisagem estratégias de sobrevivência e de adaptação ao quadro ambiental e

social, salientando-se o povoamento concentrado e a constituição e exploração do montado.

2.1. A CAMPANHA DO TRIGO (1930 A 1969) – “O CELEIRO DO PAÍS”

Apesar das transformações agrícolas e do reforço demográfico, no primeiro quartel do séc.

XX prevaleciam na região graves problemas económicos associados. As revoltas eram

frequentes, constituindo referência as greves gerais de 1910 e 1912 (Pereira, 1982). A entrada

em vigor da política produtivista do Estado Novo, representada pela Campanha do Trigo

(anos 30 e 40 do séc. XX) transforma o panorama rural e as paisagens do Alentejo. Assiste-se

3 Cf., por exemplo, para os finais do século XVIII Silbert (1978) e, para a primeira metade do século xx, Pereira (1982)

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a uma nova colonização demográfica da região com vista ao seu desenvolvimento agrícola.

Segundo Fonseca (1996), em meados do século XX, o sector primário garantia entre 50% a

60% do PIB e ocupava 68% a 70% da população activa. Disponibilizou-se apoio técnico e

financeiro ao sector, cujo funcionamento partia de garantias que envolviam fixação de preços,

factores de produção e apoio ao escoamento dos produtos. Promoveu-se o arroteamento da

charneca e do montado com vista à introdução de culturas cerealíferas, assentes em novas

técnicas culturais e em políticas agrícolas proteccionistas para os cereais.

As consequências na paisagem foram avassaladoras. De 1875 a 1956, a superfície agrícola

passou de 1886 mil hectares para 4762 mil hectares, a superfície florestal de 640 mil hectares

para 3234 mil hectares, os incultos diminuíram consideravelmente (de 6077 mil hectares a

562 mil hectares) e o construído e o não cultivável aumentaram de 291 mil hectares para 820

mil hectares (Baptista, 1996). A monocultura cerealífera mecanizada ocupou os solos de

maior potencial produtivo (barros de Beja), mas também se alargou ao montado e às áreas de

mato, assim como foi substituindo as restantes culturas tradicionais (sobretudo o olival),

comprometendo o potencial produtivo dos frágeis solos delapidados pela erosão inerente às

arroteias e sugados de matéria orgânica. Em 50 anos a superfície lavrada tinha duplicado e o

montado fora reduzido em quase 50% (Ferreira, 2001). O confronto entre o levantamento

cartográfico de A. G. Perry (1880-90) e o levantamento efectuado nos anos 50 para as Cartas

Agrícolas e Florestais fazem prova dessa mudança (Figuras 1).

Figura 1 – Uso do Solo no Alentejo, 1886,

1/50.000, fl. 32, A. G. Perry (esq.) e Carta Agrícola e Florestal, 1/25.000, fl. 509, 1960, SROA, Lisboa (dir.)

Na paisagem, a Campanha do Trigo conduziu a um processo de simplificação, cuja imagem

mais forte é a das monótonas planícies cerealíferas, pontuadas por sobreiros, azinheiras e

algum gado e quebradas de quando em vez por aglomerados humanos de casas pequenas, com

paredes grossas e chaminés largas, em que o sol faz reflectir o branco da cal. Se no Inverno e

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na Primavera, a terra se cobria de tapetes verdes de erva e de cereal jovem, a imagem da

região que vendiam os cartazes promocionais, e que ainda hoje faz parte da memória de

muitos portugueses, é a do dourado das espigas e a da “riqueza do pão”. Acresce a ideia de

progresso e de produtividade assente na mecanização (tractor, motocultivador, ceifeira-

debulhadora, motor de rega), nos químicos (fertilizantes e fitofármacos sintéticos) e nos

híbridos de alto rendimento (Figura 2).

Figura 2 – Cartazes da Campanha do Trigo, Ministério da Agricultura e Pescas (década de 50)

As consequências sociais desta fase foram muito críticas para o Alentejo. Com efeito, em

1950, prevaleciam as grandes disparidades sociais. Segundo Baptista (1996), a terra

encontrava-se nas mãos de poucas centenas de grandes latifundiários, menos de 1% da

população activa agrícola. A grande maioria era assalariada (86%), e desta 10% correspondia

a temporários. Os restantes 14% integravam pequenos proprietários e empresas familiares. No

latifúndio, as melhores terras eram cultivadas para rendimento dos proprietários, enquanto

que as menos produtivas eram retalhadas e distribuídas a seareiros, pequenos parceiros na

cultura do trigo, meta ideal dos pequenos agricultores da região O desemprego era uma

ameaça permanente para os trabalhadores temporários, como eram constantes os movimentos

de protesto contra os salários de miséria. Os conflitos sociais e a sua veemente repressão eram

uma constante na região. A sociedade rural tinha uma forte expressão demográfica e

económica, sendo muito diminuta a capacidade de atracção de população, da indústria e dos

serviços. Tinham-se gerado graves desequilíbrios ambientais (esgotamento dos solos e

erosão) e humanos, uma vez que o abandono voluntário para o litoral e para o estrangeiro,

sobretudo a partir dos anos 60, e a saída dos homens para a guerra colonial, eram realidades

incontroláveis na região. Estava aberto caminho à desertificação, principalmente na margem

esquerda do Guadiana, menos povoada e ambientalmente mais frágil, reduzida a matos de

estevais, a um montado herbáceo de heliófitas, e sobretudo a grandes extensões de campo raso

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proveniente das arroteias preparatórias das searas, sulcadas por ravinamentos provocados

pelas águas pluviais ou, nos casos mais extremos, pela rocha nua (Figura 3 e Quadro 1).

Arroteia resultante da intensificação do uso do montado e seus efeitos na erosão nas cabeceiras; Erosão em vertente resultante da lavra e do alinhamento das oliveiras; suspensão por coluvionamento da base da árvore; Montado granadeiro em solos esqueléticos.

Figura 3 – Impactos ambientais das arroteias na margem esquerda do rio Guadiana

Quadro 1 - Mudança tecnológica. O caso da Herdade dos Machados (Moura), 1948-1975

1948 1962/63 1974/75

Área agrícola contínua 6000ha 6000ha 6100ha Olival 1500ha 1500ha 1350 Figueiral 550ha 450ha 500ha Emprego permanente 450 H 448 H; 100 M 180 H; 89 - M Emprego sazonal 150 M – Monda; 60-80 H - Ceifa

250H e 350 M – Apanha azeitona 54 H; 36 M ----

Tracção animal 44 - Muares 20 - Azinos 170 - Bois de trabalho

12 - Tractores 1- Ceifeira-debulhadora 44 – Muares 179 – Bois de trabalho

39 - Tractores 3 - Ceifeiras -debulhadoras

H- Homens; M – Mulheres Fonte: Adaptado de Baptista, 1996

A repressão política e a censura impediam que as alusões a esta realidade viessem à luz nos

media. Porém, nos textos literários (Seara de Vento, Cerromaior, Aldeia Nova, O Fogo e as

Cinzas de Manuel da Fonseca; Até Amanhã Camaradas, de Manuel Tiago, pseudónimo de

Álvaro Cunhal; Levantados do Chão, de José Saramago, entre outros), os enredos e

personagens abordam a dureza e o drama das famílias camponesas, a luta pela procura de

melhores dias, a experiência da resistência clandestina e o suporte das convicções ideológicas.

As paisagens são coloridas de sangue e é descrito o esforço da sua construção. São expoentes

desse realismo (e neo-realismo) outras formas de representação, tais como: a poesia de

Florbela Espanca, de Manuel Alegre ou de Ary dos Santos; os desenhos de Álvaro Cunhal; a

música erudita de Fernando Lopes Graça; as letras das canções de Adriano Correia de

Oliveira ou de José Afonso; o fado na voz de Carlos do Carmo e a arte de muitos outros. A

contestação e a intervenção existiam, a desolação da paisagem e das gentes do Alentejo

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povoavam as vivências das elites intelectualizadas, como no seguinte excerto de uma poesia

de Florbela Espanca:

Árvores do Alentejo

Horas mortas…Curvadas aos pés do Monte

A planície é um brasido…e, torturadas,

As árvores sangrentas, revoltadas,

Gritam a Deus a bênção duma fonte!

….

Árvores! Corações, almas que choram,

Almas iguais à minha, almas que imploram

Em vão remédio para tanta mágoa!

Florbela Espanca (1894-1930)

2.2. O ALENTEJO VERMELHO - A PAISAGEM DA REVOLUÇÃO DE 25 ABRIL

Com o 25 de Abril, a questão agrária dominou todas as acções e todos os debates. A terra foi

reivindicada pelos assalariados agrícolas e iniciou-se o movimento de ocupação das grandes

propriedades. Havia também a vontade de aumentar a riqueza proveniente da agricultura,

sector praticamente estagnado na região e no país - entre 1953 e 1970 a taxa de crescimento

do PAB foi de 0,5% por ano (Estrela, 1978). A Reforma Agrária e a sua significativa

expressão territorial à escala nacional - 3.640.153 hectares de Zona de Intervenção Reforma

Agrária (ZIRA, DL 236-B/75, de 5 de Abril)4 era o suporte político-institucional dessas

intenções (Figura 5).

Fonte: Adaptado de Barros, 1981

Figura 4 – Percentagem de ocupação na Zona de Intervenção Reforma Agrária (ZIRA)

4 A área da ZIRA equivalia a 41% da área do Continente e 45% da SAU do país (Macedo, 1985).

<5%

5 a 20%

20 a 50%

>50%

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O objectivo era a modificação do poder económico e político e a reestruturação da

distribuição da riqueza, em busca de uma nova ordem mais equitativa, sustentada uma política

de forte inspiração comunista. Do conjunto de medidas levadas a cabo pela Reforma Agrária

têm destaque: as ocupações, as expropriações e a criação de Unidades Colectivas de Produção

(UCP)5 - colectivo de trabalhadores e pequenos proprietários que controlavam em comum a

terra e os meios de produção - cuja função primordial era o fornecimento de apoio financeiro

(crédito agrícola de emergência) e o pagamento de salários. Numa primeira fase, o 2º

Governo Provisório decreta a expropriação de todas as propriedades com mais de 50ha de

terras irrigadas ou com mais de 500ha de sequeiro (DL 203-C, 15 de Abril de 1975). Ao

longo do verão quente de 1975, trabalhadores agrícolas apoiados pelos seus sindicatos

ocuparam em massa as propriedades particulares (fig. 5). Em finais de 1975 tinham sido

legalmente expropriados 350.000ha de terra, de um total calculado de 1.600.000ha, mas o

cálculo das ocupações cifrava-se pelo milhão de hectares, 550 herdades ocupadas e 71.900

trabalhadores a cargo das UCP (Estrela, 1978). Em Outubro de 1975, a RA tinha atingido o

expoente máximo6 dos seus objectivos: 771.195ha expropriados (de um total de 1250.0000ha)

e mais 891.211ha encontravam-se sob a gestão das UCP em funcionamento.

Fonte: UDP, anos 1974-75

Figura 5 – A ocupação de terras por trabalhadores agrícolas

Após o 25 de Novembro de 1975, o 6º Governo Provisório, afecto ao Partido Socialista,

substitui a liderança comunista no cenário político nacional, modificando o processo de

5 Chegaram a existir 314 UCP, num total de 891.211 hectares (Estrela, 1978).

6 Legislação relativa aos estatutos das UCP - DL 606-B, de 28 de Julho de 1975; DL 406 A/75 e 407-A/75, de 30 de Julho de 1975; DL 541-B/75, de 27 de Setembro e DL 586/75, de 18 de Outubro, de 1975.

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ocupações. Inicia-se uma fase legalista na dinâmica da Reforma Agrária7. Impedem-se as

novas ocupações, aumenta o controle nas expropriações, restituem-se terras ocupadas, inicia-

se um processo de indemnizações, com início nos proprietários estrangeiros (DL 236-A e

236-B, de 5 de Abril de 1976). O processo de devolução das “reservas” acelera-se a partir de

Dezembro de 1976, são cortados os financiamentos estatais às UCP, os processos de

expropriação são revistos, é formada a Associação de Agricultores Livres (mais tarde

Confederação dos Agricultores Portugueses (CAP) e as forças políticas mais liberais (PPD e

PS) iam preparando o caminho para a entrada do país na Comunidade Europeia .

Neste período, o ritmo das mudanças fundiárias não foi acompanhado por uma dinâmica

idêntica na paisagem, até porque que a caminhada para a extensificação, a intensificação

cultural e a mecanização permaneceu inalterada. Contudo, apostou-se em novas variedades de

trigo de elevado rendimento e o seu cultivo foi restringido a terrenos menos vulneráveis sob o

ponto de vista ambiental. A produção de trigo passa de 70% do VAB do Continente, para

75%, em 1980, muito acima de Trás-os-Montes, a segunda região com maiores produções,

com 12% do VAB do Continente (INE, 1990). A mudança mais significativa terá sido alguma

diversificação cultural. No Alentejo Interior, a olivicultura ocupava a segunda posição do país

(23% do VAB, INE, 1990), depois de Trás-os-Montes. Investiu-se nas culturas irrigadas,

sobretudo no arroz, e nalgumas forrageiras e leguminosas. O montado, cujo abandono se tinha

acentuado com o decréscimo da população rural devido à fuga de gente para as cidades e

estrangeiro, permaneceu sem grande alteração.

2. 3. A ADESÃO À CEE E AS MUDANÇAS NA SOCIEDADE E NA PAISAGEM

Com a adesão à Comunidade Económica Europeia (CEE), em 1986, a agricultura da região e

do país dava os primeiros passos na entrada de num novo ciclo, centrado na promoção de

projectos de grande dimensão e capital intensivos, na qualificação da produção e na liberdade

de mercado.

No plano social, o sonho da equidade protagonizada pela RA sucumbira, mas tinha deixado

algumas marcas positivas, como uma profunda mudança na população rural, marcada pela

redução do trabalho permanente (embora menos significativo do que o temporário) e a subida

dos salários, pese embora prevalecerem desigualdades de género, agravadas pelo facto do

trabalho agrícola ter passado a ser uma actividade essencialmente feminina, após a Revolução

7 As ocupações permaneceram até Março de 1976, sendo que em finais de 1975, 2/3 da área total expropriável tinha sido ocupada.

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de Abril. Com efeito, nos anos 50, cerca de 50% dos activos alentejanos trabalhava na

agricultura, números que descem para 27% em 1991, reduzindo-se a 11,1%, em 2001 (INE,

Censos). A agricultura passa também a actividade a tempo parcial. Em 1989, 30% das

famílias rurais indicava como actividade principal empregos fora da exploração, verificando-

se em 2001 uma duplicação desse número. Esta mudança é acompanhada por uma perda

demográfica (2,7%) desde o censo de 1991, na região menos povoada do país (534.365

habitantes, 7,2% do total do país, INE, 2001). Esse declínio fica-se a dever ao abandono dos

campos, à forte quebra da natalidade e ao êxodo rural para as cidades. A distribuição de terras

aos assalariados e pequenos agricultores proporcionada pela Reforma Agrária não conseguiu

dar resposta às novas exigências de uma produção industrial, técnica e de capital intensivo,

dirigida ao mercado global, o que promoveu o abandono apoiado pela PAC (set-aside). Por

outro lado, os centros urbanos da região foram-se desenvolvendo. Nos últimos dez anos, o

saldo migratório da região foi positivo (14.000 indivíduos, +2,5% dos residentes na região) e

a concentração nas áreas urbanas sobe de 45% para 48% (INE, 2001). No panorama

demográfico do Alentejo, na viragem do milénio, anula-se pela primeira vez o tradicional

predomínio do campo como lugar de residência permanente. As habitações rurais decrescem

de 38% para 35%, desde os censos de 1991, equilibrando-se com o número de residências

urbanas 41%, (INE, 2001), as quais não cessam de aumentar. No cômputo global, a sociedade

rural alentejana contrai-se e articula-se de forma crescente com o mundo urbano.

Na paisagem, iniciou-se uma grande viragem. A PAC implicou o fim da anterior política

agrícola favorável ao máximo aproveitamento da terra e à extinção dos incultos. Numa

primeira fase da aplicação da PAC, o abandono subsidiado, a capitalização e a intensificação

foram as novas palavras de ordem. A questão da terra esbateu-se a favor de uma profunda

transformação tecnológica, cujos efeitos na região levaram a uma contracção de 36% na

superfície cultivada, entre 1960/64 e 1985/88 (Baptista, 1996) (Quadro 2).

Quadro 2 – Contracção da Superfície ocupada pelo trigo: o caso da Herdade dos

Machados (Moura), 1940-1998

Datas Superfície cultivada (ha)

1940-1949 622.000

1950-1959 766.000

1960-1969 647.000

1976 531.000

1977 258.000

1998 300.000

Fonte: Feio, M., 1998

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Porém, algumas culturas tiveram importantes apoios financeiros, como a vinha e o olival, cuja

plantação na região de Moura passou de 5020ha nos anos 60, para 18.570ha, em 1995 (Feio,

1998). No caso do olival, a mecanização tinha comprometido a tradicional associação do

olival com a vinha e/ou com árvores de fruto, bem como a sua plantação nos melhores solos.

Novas plantações de oliveiras alinhadas (rank)8 criam um novo padrão regular na paisagem

(Figura 6). O mesmo sucede com a vinha, cujos bardos começam a alastrar espraiando-se em

mares de vinha, sobretudo dentro do perímetro das oito Sub-regiões destinadas à produção de

vinho de qualidade DOC – Portalegre, Borba, Évora, Redondo, Reguengos, Vidigueira,

Moura, Granja-Amareleja (Figura 7).

Figura 6 – Olival alinhado (Herdade dos Machados -Moura) e mar de vinha (Fundação Eugénio de Almeida -Évora)

O montado, o maior património florestal do Sul do país (cerca de 1.200.000ha) e porventura o

sistema com maior potencial ambiental e produtivo na região (Ferreira, 2001; Pnigdefabregas,

1997), foi igualmente alvo de recuperação, face à importante degradação resultante da

intensificação cerealífera. Assim, e de acordo com as orientações do Plano de Acção Florestal

(1986), foram plantadas árvores (sobretudo azinheiras criadas em viveiro), procedeu-se à poda

das árvores, ao corte regular de matos, ao espaçamento na recolha de bolota (Figura 7). Na

pecuária, o gado ovino perdeu alguma dimensão na década de 80, assim como o suíno e os

bovinos de carne, embora o Alentejo conjuntamente com a Beira Interior comportasse 50%

dos rebanhos do país e representasse 15% da suinicultura nacional, em 1990 (INE, 1991).

Triunfa a grande propriedade, recuperada como a principal marca da estrutura fundiária,

promove-se um forte investimento tecnológico e científico, procura-se elevar a produtividade,

reduzir a mão-de-obra e qualificar a produção, destinada ao mercado global. Regressa o

desemprego e o trabalho temporário.

8 No âmbito do olival, sobretudo nas áreas de maior declive, é importante modificar os sistemas de plantação sustentados no alinhamento das árvores e na sua distribuição segundo o perfil longitudinal das vertentes, os quais facilitam a erosão hídrica descontínua ao longo das vertentes, fazendo aumentar a taxa de erosão (Feio, 1998).

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Plantio de azinheiras (esq.); Poda das árvores (dir.)

Figura 7 – O novo montado na margem esquerda do rio Guadiana

2.4. AS NOVAS PAISAGENS RURAIS DO ALENTEJO

A partir de 1996, o enfoque da PAC centra-se no desenvolvimento do rural multifuncional das

actividades económicas e das paisagens, a que já neste milénio acrescem as novas directrizes

de protecção-conservação, sobrepondo-se às lógicas sectorial e territorial (Covas, 2004). Os

subsídios comunitários e o mercado global aumentaram o fosso entre pequenos e grandes

produtores, mas também constituíram uma porta de oportunidades para novos investidores

nacionais e estrangeiros, revitalizando as explorações agrícolas, intensificando a sua

exploração e criando dinâmicas produtivas que geram riqueza.

No plano da produção agrícola, exige-se hoje qualidade, prestígio e especificidade territorial;

valorização das práticas culturais tradicionais; contacto directo produtor/cliente; segurança

alimentar dos produtos; certificação dos produtos. No que respeita à protecção do ambiente e

da paisagem destacam-se: os subsídios a soluções agro-ambientais e agro-rurais sustentáveis

(biodiversidade, pluralidade fontes energéticas, etc.) e as práticas culturais menos intensivas

(agricultura verde, protecção e produção integrada). As monoculturas cerealíferas estabilizam

e tendem a restringir-se aos solos mais apropriados, caso dos barros de Beja. Apoiam-se

actuações integradas e a entreajuda dos diferentes actores, em busca da coesão social, da

solidariedade entre regiões e países. A pluriactividade e o pluri-rendimento são referidas

como possíveis soluções, em particular nos casos de regiões ameaçadas pelo despovoamento,

como é, precisamente, o caso do Alentejo.

Encontram-se novas valências centradas na paisagem e dependentes da sua sustentabilidade e

qualificação. As eco-condicionalidade (poluidor-pagador) e os financiamentos locais baseados

nos sítios e nos lugares (Programa LEADER) dão nova esperança à requalificação da

paisagem, ao bem-estar e à qualidade de vida. Com efeito, o objectivo é proteger a perda de

diversidade, a descaracterização e a uniformização das paisagens. As orientações Rede Natura

2000 são determinantes na ocupação cultural, em particular no montado, cuja gestão passa a

ter um carácter integrado: reflorestação; recuperação de raças bovinas regionais (Retinta e

Mertolenga); apicultura; indústria de perfumes e de óleos; e a caça, cuja crescente importância

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pode ter reflexos nas diferentes modalidades da sua exploração (Zonas de Caça Associativa;

Zonas de Caça Turística; Reservas de Caça). As culturas irrigadas constituem uma nova

aposta, com destaque para as potencialidades da Zona de Protecção Especial do Alqueva,

igualmente promissora no âmbito turístico e no campo das energias hídrica e renováveis9

(Figura 8).

Reflorestação na Contenda de Moura (Rede Natura, 2000); Pivot de rega (Vidigueira); Central hidroeléctrica do Alqueva.

Figura 8 – Novas valências centradas na paisagem

No que respeita à vinha, a área de ocupação tem vindo sempre a aumentar desde a adesão à

CEE, em 1986. Na década seguinte, o rácio reestruturação/abandono representou um saldo

global positivo de 2200ha, sendo a percentagem de área reestruturada para DOC muito

significativa (33%, Simões 1998). Nos últimos anos, as transferências de direitos de plantação

para a região continuam a suceder-se - mais de 600.000ha entre 2001 e 2005 (IVV, 2005).

Existe uma maior especialização no caso das Sub-regiões Borba e Reguengos, as quais

produzem 51,5% do volume total do Vinho Regional e 60% do vinho DOC Alentejo, que se

cifra hoje em mais de 700.000 hectolitros por ano (CVRA, 2005).

2.5. A MUDANÇA DA IMAGEM DA REGIÃO NA PROCURA TURÍSTICA

No contexto da mudança, a nova imagem do Alentejo rural - símbolo de cultura, mais valia

ambiental - constitui um poderoso mito para a procura turística. Nesse sentido, advogam-se os

benefícios do rural, enquanto genuíno, saudável, retemperador, etc. Como Batista (1990)

assinala, esta mudança trouxe alterações benéficas ao turismo alentejano: aumento da

diversidade dos destinos na região; redução da sazonalidade; compressão do tempo médio de

estadia e da antecedência da marcação; multiplicação das vias de conhecimento dos lugares e

os meios de reserva; alargamento do leque sócio-económico e cultural do turista.

O marketing tornou-se um instrumento fulcral na promoção das rotas turísticas, do turismo

rural, dos produtos tradicionais, do artesanato e mesmo da diversidade das actividades

económicas. As orientações estratégicas contempladas no PNPOT (2006) consideram

9 A central fotovoltaica de Moura, com uma produção calculada de 62MW é hoje a maior à escala mundial.

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prementes novas ofertas turísticas assentes na valorização dos recursos locais (naturais e

culturais), na inovação, no conhecimento, nas competências técnicas e nas redes de

comunicação (MA, 2006). Nesse sentido, estabeleceram-se as seguintes prioridades para a

região alentejana: melhoria das acessibilidades; criação de pólos de excelência (rurais e

urbanos); qualificação do património construído (aldeias, cidades), histórico (castelos, casas

senhoriais) e arqueológico (megalítico). Os Programas de Iniciativa Comunitária (PIC)

LEADER, destinados à revitalização de áreas desfavorecidas como o Alentejo, deram um

importante contributo no estabelecimento de Itinerários, entre os quais se podem destacar os

das Rota dos Vinhos do Alentejo10 , são exemplo da nova dinâmica multifuncional na esfera

do enoturismo (Figura 9).

Fonte: CVR Alentejo

Figura 9 – Rotas dos Vinhos do Alentejo

Nas imagens dos Roteiros são oferecidas sugestões de visitas culturais (castelos, palácios,

sítios arqueológicos); desporto de ar livre, sobretudo a caça; passeios com vistas panorâmicas;

artesanato (olaria, couros, tapetes, outros); visitas a aldeias típicas; alojamento nas quintas

(montes); gastronomia, e provas vínicas. Procura-se articular o “clássico” turismo cultural

com as tendências recentes do turismo de Natureza, Cinegético e Desportivo (ICEP, 2000).

CONCLUSÃO

No balanço histórico global, o Alentejo permanece uma das regiões mais emblemáticas do

país no que respeita ao carácter das suas paisagens, detendo uma identidade inconfundível no

território nacional, centrada no relevo plano, na escassez humana, na grande propriedade, nas

culturas extensivas, no tipo de povoamento concentrado, na arquitectura popular e na

gastronomia. As diferentes representações que lhe conferem visibilidade tentam hoje renovar

10 Caminho de S. Mamede (Alto Alentejo), Itinerário Histórico (Alentejo Central) e Nas Margens do Guadiana (Baixo Alentejo).

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a imagem do Alentejo, apagando a memória das searas, expressão de delapidação da

paisagem e de tempos de conflito para a maioria da população da região. Pretende-se refazer a

relação da sociedade com o território, aliando trabalho, qualidade de vida e sustentabilidade

ambiental, conciliando o processo produtivo com a protecção dos ecossistemas, o espaço

produtivo com a recreação e a cultura, enfatizando as memórias não conflituais e a herança

histórica. Importa que as novas dinâmicas de desenvolvimento sejam capazes de aproveitar os

recursos e preservar as paisagens da região, quebrando simultaneamente o estigma da pobreza

e da degradação do território. As representações têm aqui um importante papel; será que são

capazes de destronar a imagem da seara, da fome e da revolta e ao mesmo tempo reforçar a

singularidade e a identidade da região? Para esse efeito, no plano da gestão da paisagem é necessário

definir quais são os valores a preservar e que novos elementos podem contribuir para criar uma

assinatura distintiva da região.

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