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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ECONOMIA REGINALDO EUZÉBIO DA CRUZ Empresário sem empresa: trabalho desregulamentado, pejotização e uberização. A precarização do trabalho dos jornalistas na era digital Campinas 2019

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

REGINALDO EUZÉBIO DA CRUZ

Empresário sem empresa: trabalho desregulamentado, pejotização e uberização. A precarização do trabalho dos

jornalistas na era digital

Campinas 2019

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

REGINALDO EUZÉBIO DA CRUZ

Empresário sem empresa: trabalho desregulamentado, pejotização e uberização. A precarização do trabalho dos

jornalistas na era digital

Prof. Dr. Márcio Pochmann – orientador

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestre em Desenvolvimento Econômico, na área de Economia Social e do Trabalho. ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO REGINALDO EUZÉBIO DA CRUZ, ORIENTADA PELO PROF. DR. MÁRCIO POCHMANN.

Campinas 2019

Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas

Biblioteca do Instituto de Economia

Luana Araujo de Lima - CRB 8/9706

Cruz, Reginaldo Euzébio, 1972-

C889e Empresário sem empresa : trabalho desregulamentado, pejotização e

uberização. A precarização dos jornalistas na era digital / Reginaldo Euzébio

da Cruz. – Campinas, SP : [s.n.], 2019.

Orientador: Márcio Pochmann.

Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de

Economia.

1. Jornalistas. 2. Pessoa jurídica. 3. Precarização. 4. Relações trabalhistas.

I. Pochmann, Márcio, 1962-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto

de Economia. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Businessman without a company : deregulated work, personal

company and uberization. The precarious work of the journalists in the digital era

Palavras-chave em inglês:

Journalists Juristic

persons

Precariouness

Industrial relations

Área de concentração: Economia Social e do Trabalho

Titulação: Mestre em Desenvolvimento Econômico

Banca examinadora:

Márcio Pochmann [Orientador]

José Dari Krein

José Roberto Cabreira

Data de defesa: 23-09-2019

Programa de Pós-Graduação: Desenvolvimento Econômico

Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a)

- ORCID do autor: 0000-0001-5827-300X

- Currículo Lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/9358472834148314

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

REGINALDO EUZÉBIO DA CRUZ

Empresário sem empresa: trabalho desregulamentado, pejotização e uberização. A precarização do trabalho dos

jornalistas na era digital

Prof. Dr. Márcio Pochmann – orientador

Defendida em 23/09/2019

COMISSÃO JULGADORA Prof. Dr. Márcio Pochmann - PRESIDENTE Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Prof. Dr. José Dari Krein Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Prof. Dr. José Roberto Cabrera Escola Superior de Administração, Marketing e Comunicação (ESAMC)

A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno.

AGRADECIMENTOS

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento

de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

Ao meu pai, Sr. Rosáris Euzébio da Cruz e à minha mãe, Sra. Teresinha Alves da

Cruz, pessoas que, como muitos de sua geração, migraram do campo para a cidade no final dos

anos 1960 em busca de melhores condições de vida e vivenciaram muito das consequências

econômicas descritas neste trabalho. Pelo apoio, pela confiança e pelo suporte por toda a vida,

não tenho palavras para agradecer. À minha família, obrigado pelo apoio e por sempre

acreditarem.

A lista de amigos é grande e certamente cometerei alguma injustiça pela omissão

de nomes. Começo pelo amigo Paulo Gil Introíni que me incentivou a vir estudar no Instituto

de Economia da Unicamp, apesar da formação em jornalismo, inicialmente no Curso de

Especialização em Economia do Trabalho e Sindicalismo e depois neste mestrado que hora

concluo.

Aos amigos e amigas da “fina flor da análise” pelo bate-papos, discussões, debates,

pelo incentivo, pelos copos e pela convivência que ameniza a vida: Luciana Vieira, Denise

Simeão, Matheus Pazos, Paulo Bufalo, Josiane Parice, Jéssica Vega, Claudinho e uma longa

lista de pessoas queridas deste convívio.

Ao amigo Luís Guilherme Palma e ao escritório B/Palma Contabilidade, pela ajuda

no acesso e interpretação de dados.

Ao Sinait - Carlos Silva, Rosa Jorge e Vera Jatobá, pelo incentivo. Ao Renato

Bignami pelos toques sobre os dados do extinto Ministério do Trabalho. Ao Alex Müller pela

revisão do texto.

Aos colegas da turma de 2017 da pós-graduação no IE. À amiga Paula Freitas,

parceira de trabalhos, artigos, discussões.

Ao pessoal do “V de Várzea”, celeiro de craques incompreendidos do futebol, pelas

caneladas e convivência nas noites de quarta-feira.

Ao Grupo de Trabalho sobre a Reforma Trabalhista, agora sobre o Mundo do

Trabalho, pelo aprendizado no debate constante e qualificado sobre os rumos do Trabalho no

Brasil e no mundo.

Aos colegas jornalistas que gentilmente concederam entrevista para este trabalho:

Michele Costa, Mário Camargo, Cláudio Liza Jr., Nice Bulhões, Alayr Ruiz, Sara Silva,

Luciana Almeida, Rose Guglielminetti. Ao Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo,

em especial ao presidente Paulo Zocchi pela entrevista.

À professora Ivete Cardoso do Carmo-Roldão pelas valiosas indicações na

qualificação desta dissertação que muito contribuíram para essa versão final.

Ao professor José Roberto Cabreira, parceiro de lutas e membro da banca que

avaliou este trabalho.

Aos mestres do Centro do Estudo Sindicais e Economia do Trabalho, CESIT, que

se tornou minha casa de estudos nos últimos anos, desde o Curso de Especialização em

Economia do Trabalho e Sindicalismo e que neste período enriqueceu em muito a minha

compreensão sobre economia, política e sobre os rumos de nosso país e do mundo.

Um agradecimento especial ao professor José Dari Krein, pela inclusão nas

discussões do GT Mundos do Trabalho, pela confiança e pelo incentivo ao desafio de entrar no

mestrado. Ao professor Marcelo Proni, pela ajuda no final.

Ao meu orientador, professor Márcio Pochmann, pela confiança e pelos

apontamentos necessários que ajudaram a estruturar este trabalho.

Por fim, à minha companheira Ana Palmira Arruda Camargo, principal

incentivadora, leitora, amiga, confidente. Obrigado pela paciência, compreensão e por estar

incondicionalmente ao meu lado.

Dedico este trabalho aos que virão depois nós.

Que tenham força para construir uma

sociedade onde a justiça social, a solidariedade,

o respeito à diversidade – humana e da natureza

- sejam valores inegociáveis.

À todas e todos que a cada dia buscam no

trabalho o meio de vida e que cada vez mais

encontram as condições mais precárias de

sobrevivência, de exploração e degradação.

Que possamos transformar essa realidade. À

luta!

Resumo:

Esta dissertação analisa as transformações ocorridas nas relações trabalhistas a

partir da década de 1990 através de um estudo de caso dos jornalistas. Essa categoria de

trabalhadores é bastante representativa dos impactos econômicos e sociais ocorridos no mundo

do trabalho neste período por ser uma das primeiras e uma das mais atingidas pela precarização.

Com o advento das novas tecnologias da informação e comunicação, a produção e

veiculação de informação tornou-se acessível para amplas parcelas de profissionais, ao mesmo

tempo em que a profissão de jornalista passou por um processo de desregulamentação que pode

ser sintetizado pelo fim da obrigatoriedade de diploma específico para o exercício do

jornalismo, em 2009. A crise que atingiu os grandes meios de comunicação levou ao corte de

custos e demissões nas grandes redações.

A proliferação de contratos atípicos de trabalho, como Pessoa Jurídica (PJ),

Microempreendedores Individuais (MEI) e Free Lancers (frilas) vem sendo crescentemente

utilizada pelas empresas de comunicação como forma de contratação, transformando assim

uma relação de trabalho em um contrato entre empresas.

No mesmo sentido, o autoemprego, ou empreendedorismo, vem sendo apontado

como uma saída para profissionais se manterem ativos e competir em um mercado de trabalho

cada vez mais indefinido, restrito pelo lado da oferta de trabalho regulamentado e, por outro

lado, com novas possibilidades de atuação abertas por canais via internet, que por sua vez são

ocupados por uma ampla gama de profissionais na produção de conteúdo de informação.

Assim, a profissão de jornalista passa por um processo de crise, seja através das

demissões, desmonte de grandes redações, da burla de direitos trabalhistas, seja nas formas de

contratação.

Palavras-chave: Pejotização; Precarização; Relações de Trabalho; Reforma Trabalhista,

Novas Tecnologias; Internet; Empreendedorismo; Jornalistas; Jornalismo; Mídia.

Abstract:

This dissertation analyzes the transformations occurred in labor relations from the

1990s through a case study of journalists. This category of workers is quite representative of

the economic and social impacts that occurred in the world labor in this period because it is

one of the first and one of the hardest hits by precariousness.

With the advent of new communication technologies, the production and

dissemination of information became accessible to large numbers of professionals, while the

profession of journalist went through a process of deregulation that can be synthesized by the

end of the obligation of a specific diploma for the practice of journalism, in 2009. The crisis

that hit the mass media led to cost cutting and layoffs in major newsrooms.

The proliferation of atypical work contracts, such as Individual Companies (PJ),

Individual Microentrepreneurs and Free Lancers has been increasingly used by communication

companies as a form of hiring, thus transforming a working relationship in a contract between

companies.

In the same vein, self-employment, or entrepreneurship, has been touted as an

outlet for professionals to stay active and compete in an increasingly undefined labor market,

constrained by the regulated labor supply side and, on the other hand, with new possibilities

with channels opened by internet, which in turn are occupied by a wide range of professionals

in the production of information content.

Thus, the profession of journalist, on the one hand, goes through a crisis process,

either through layoffs, dismantling of large newsrooms, bypass the of labor rights, or in the

forms of hiring.

Keywords: Precariousness; Work relationships; Labor Reform; New Technologies; Internet;

Entrepreneurship; Journalists; Journalism; Media.

SUMÁRIO:

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................ pg. 12

Metodologia .............................................................................................................................. pg. 25

CAPÍTULO 1: AS CONDIÇÕES DE TRABALHO NO DESENVOLVIMENTO

CAPITALISTA ATUAL ......................................................................................................... pg. 27

1.1 - Da Ordem Liberal Burguesa ao Estado de Bem-Estar Social ............................ pg. 27

1.2 - Mudanças no mundo do trabalho a partir dos anos 1970 ..................................... pg.29

1.3 - A construção da regulação do trabalho no Brasil a partir de 1930 e a desconstrução

nos anos 1990 ............................................................................................................. pg. 34

1.4 - Terceirização, MEI, Pejotização – mudanças nas ralações de trabalho sem mudar

relação trabalho x capital ............................................................................................ pg. 36

1.5 - Desregulamentação do trabalho e uberização dos trabalhadores ....................... pg. 45

CAPÍTULO 2: O JORNALISMO NO DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA ................ pg. 49

2.1 - Breve histórico da imprensa no Brasil ................................................................ pg. 54

CAPÍTULO 3: A CONSTRUÇÃO E REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO DE

JORNALISTA NO BRASIL ........................................................................................................ pg. 58

3.1 - A luta pela regulamentação e as greves de 1961 (vitoriosa) e de 1979

(derrotada) .......................................................................................................... pg. 61

3.2 - Exigência do diploma e mudança do perfil da categoria ...................................... pg.63

3.3 - As crises do jornalismo e dos jornalistas ............................................................ pg. 67

3.4 - Desregulamentação da profissão e o fim da exigência do diploma em curso

superior .............................................................................................................. pg. 72

Capítulo 4 – MUDANÇAS TECNOLÓGICAS E PRECARIZAÇÃO DA CONDIÇÃO DE

TRABALHO. UM CENÁRIO DE DÚVIDAS PARA OS JORNALISTAS ............................. pg. 76

4.1 – Demissões e contratos precários ........................................................................ pg. 77

4.2 – Panorama das demissões de jornalistas na década atual .................................... pg. 81

4.3 – Alguns casos recentes e emblemáticos de passaralhos ..................................... pg. 89

4.4 – Precarização do trabalho e as impacto das novas tecnologias na trajetória

profissional .........................................................................................................pg. 93

4.5 - A precarização sentida no dia-dia do trabalho ....................................................pg. 106

4.6 - Impactos das mudanças tecnológicas e no trabalho sobre os

Jornalistas ......................................................................................................... pg. 114

CAPÍTULO 5 - IDENTIDADE PROFISSIONAL E FORMAS DE SOBREVIVÊNCIA NO

MERCADO DE TRABALHO ................................................................................................... pg. 127

5.1 – O trabalho do jornalista em perspectiva – rumo ao precariado? ........................ pg.135

CONSIDERAÇÕES FINAIS: .................................................................................................... pg. 148

Referências Bibliográficas: ........................................................................................................ pg. 151

11

As últimas duas décadas do século XX e os primeiros

anos do século XXI conformam um longo ciclo de

mudanças, que afetou diferentemente as várias

gerações de trabalhadores e suas famílias, mas, para

a maioria, pode ser sintetizado em algumas poucas

palavras: perdas, precariedade, insegurança. 1

1 BORGES, 2007, p. 81.

12

Introdução

As transformações ocorridas no mundo do trabalho a partir da década de 1990 no Brasil

provocaram profundos impactos nas formas de contratação, uso e remuneração da mão-de-

obra. Contratos por tempo indeterminado, regulados pela Consolidação das Leis Trabalhistas

(CLT), com tempo de jornada e salários definidos, característicos do período fordista,

tornaram-se cada vez menos frequentes, sendo substituídos por formas que a Organização

Internacional do Trabalho caracteriza como contratações atípicas2 (ANTUNES, 2005; KREIN,

2007).

Embora nos países centrais do capitalismo essas transformações tenham iniciado em

meados dos anos 1970 (BOLTANSKY & CHIAPELLO, 2009; ANTUNES, 2005; STREEK,

2013), no Brasil estas mudanças se iniciaram na década de 1980, mas tiveram impulso a partir

da década seguinte. Após um período de meio século, entre 1930 e 1980, marcado por um

grande desenvolvimento industrial - mesmo que mantendo a estrutura social altamente desigual

e altos índices de pobreza de sua população – a partir dos anos 1990 o país passa a ser submetido

às políticas de cunho neoliberais, preconizadas no Consenso de Washington (ANTUNES,

2006; BORGES, 2007).

Neste período, o cenário de desemprego impulsionou o discurso de redução dos custos

da mão-de-obra e flexibilização dos direitos trabalhistas como forma das empresas manterem

postos de trabalho. O trabalho regulado característico do período anterior passa a ser substituído

por novas formas de contratação, como as terceirizações e contratos temporários, com direitos

e remuneração reduzidos, conforme observado por Antunes:

Foram profundas as transformações ocorridas no capitalismo recente no Brasil,

particularmente na década de 1990, quando, com o advento do receituário e da

pragmática definidos no Consenso de Washington, desencadeou-se uma onda

enorme de desregulamentações nas mais distintas esferas do mundo do

trabalho (2006, p. 15).

Em estudo sobre a precarização do mercado de trabalho no Brasil neste período, Borges

(2007) observa que, mesmo considerando as diversidades regionais, é possível detectar dois

2 As características principais das relações de trabalho predominantes no pós-guerra são: centralização das

negociações; reconhecimento dos sindicatos; restrição à dispenda de pessoal, subcontratação ou emprego de

pessoa eventual; controle sindical sobre alocação das tarefas, formulação de políticas salariais de longo prazo com

incorporação de parte dos ganhos de produtividade, jornada padrão de 8 horas diárias, sistema de proteção em

caso de doença, desemprego e velhice; e o desenvolvimento de políticas sociais que permitam a elevação indireta

dos salários (cf. KREIN, 2007). Os contratos de trabalhos atípicos são assim chamados porque expressam formas

de prestação de serviços cuja característica fundamental é a falta ou insuficiência de tutela contratual (cf.

ANTUNES, 2005).

13

grandes momentos. O primeiro, ainda na década de 1980, com o fim do modelo de

industrialização que vinha desde a década de 1930, e na sequência, o segundo momento, já nos

anos 1990 e início do século XXI, com a mudança no padrão de desenvolvimento que, nas

palavras da autora, mudaram as formas de inserção e de permanência no mercado de trabalho.

Sinteticamente, em menos de dez anos, passou-se de uma economia fechada e

protegida por todo um arcabouço legal e institucional a uma economia aberta

e totalmente desprotegida, exposta à instabilidade de uma economia

mundializada, sob hegemonia do capital financeiro (BORGES, 2007, p. 82).

O contexto de desregulamentação das relações trabalho na década de 1990 ganha

impulso especialmente a partir de 1995 quando uma Portaria do Ministério do Trabalho e

Emprego - posteriormente referendada por Enunciado do Tribunal Superior do Trabalho -

favoreceu a proliferação de contratações terceirizadas com a diversificação da forma do uso e

remuneração da força de trabalho. Assim, a forma de contratação por tempo indeterminado,

característica das relações regulamentadas pela CLT, pode ser legalmente substituída por

formas diversificadas de regime de trabalho (POCHMANN, 2008).

Conforme Borges, a mudança de correlação de forças entre capital e trabalho, fruto das

transformações na forma de acumulação capitalista, como veremos no capítulo 1 deste

trabalho, facilitou no processo de precarização dos vínculos empregatícios, aprofundados na

década de 1990, sendo fundamental para isso a terceirização e a desregulamentação da

legislação trabalhista vigente.

Para tanto, dois processos que marcaram os anos 1990 foram fundamentais. O

primeiro deles foi a terceirização, que assumiu várias formas, sendo as mais

frequentes a subcontratação de empresas menores, que burlam a lei com mais

facilidade; a contratação de trabalhadores através de cooperativas de trabalho;

e o recurso à trabalhadores “autônomos”, contratados por “prestação de

serviços”, empresas individuais, sendo que estes três últimos foram (e são)

amplamente utilizados para descaracterizar a relação de emprego. O segundo

caminho para a flexibilização-precarização foi o da desregulamentação das

relações de trabalho (BORGES, 2007, p. 84).

Uma das formas precarizadas de contratação que começou a ganhar espaço no período

foi a transformação do trabalhador em Pessoa Jurídica (PJ), que o coloca com o status de uma

empresa que presta ou vende serviços à outra empresa. Tal forma de contratação tem ocorrido

principalmente nos setores de trabalho intelectual, com grande incidência entre os jornalistas e

profissionais da área de comunicação (SILVA, 2014), sendo que nos últimos anos tem havido

14

um crescimento também no setor de ensino superior privado (FACCI et al., 2017; Brasil de

Fato3).

A lei nº 9249/ de 1995, que entrou em vigor no dia 1º de janeiro de 1996, em seu Artigo

9º estabeleceu que na tributação de Pessoa Jurídica poderia haver dedução da apuração do lucro

real, pagos ou creditados individualmente à titular, sócios e acionistas, como remuneração de

capital próprio calculados sobre o patrimônio líquido.

Conforme disposto no Artigo 10 da mesma lei, os lucros e dividendos poderiam ser

calculados a partir de lucro presumido, não sujeitos à incidência da cobrança do imposto de

renda, nem integrando a base de cálculo para o imposto de renda de pessoa física ou jurídica,

mesmo que residentes no exterior.4

A vantagem na tributação foi fator de incentivos para que vários profissionais com alta

remuneração optassem por abrir empresas prestadoras de serviço ou mesmo abrir uma empresa

individual e atuar como autônomo, mesmo mantendo uma relação de trabalho subordinada.

Nos anos 2000, a Emenda 3 ao Projeto de Lei nº 6.272/05 (que deu origem à Lei

11.457/2007 que fundiu a fiscalização da Receita Federal e da Previdência, criando a chamada

Super Receita), estabelecia que caberia somente ao poder judiciário descaracterizar casos de

contrato pessoa jurídica, ato ou negócio jurídico que implicasse em relação de trabalho 5. Com

isso, o reconhecimento de uma relação de emprego subordinada, mesmo embutida em um

contrato de Pessoa Jurídica, só poderia ser reconhecido através de um processo judicial.

A Emenda 3 foi vetada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo com

forte oposição dos principais meios de comunicação, que na época criaram uma narrativa na

qual tal emenda era um antídoto contra o que chamavam de arbitrariedade dos agentes de

fiscalização. Entretanto, as empresas de comunicação tinham interesse direto na legislação,

uma vez que elas eram um dos principais setores que passaram a utilizar a contratação através

de contratos de Pessoa Jurídica, conforme anotado por Dalossi:

O que ocorre é que justamente nos meios de comunicação, especialmente nos

setores de jornalismo, há muitos trabalhadores que prestam serviços dessa

forma (criando empresas individuais para assinar contratos de prestação de

serviço quando na realidade existe uma relação de emprego regular). Há forte

pressão das empresas da comunicação para a aprovação da emenda e em toda

3 Disponível em https://www.brasildefato.com.br/2017/12/28/2017-e-ao-avanco-da-mercantilizacao-do-ensino-

superior/, acesso em 4 de maio de 2018. 4 Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9249.htm , acesso em 13 de setembro de 2018. 5 HARADA, Kiyoshi. Super-Receita. Veto à Emenda 3. Uma tremenda confusão mental. Disponível em

https://jus.com.br/artigos/9793/super-receita-veto-a-emenda-3, acesso em 13 de setembro de 2018.

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matéria jornalística referente à Emenda 3 tem-se vilipendiado as graves

consequências que a emenda traria...6

A partir de 2005 a tributação referente às Pessoas Jurídicas sem empregados passou a

ser prevista no artigo 129 da lei 11.196/2005, conhecida como “Lei do Bem”. A legislação

dispõe que a tributação fiscal e previdenciária para prestadores de serviços intelectuais,

artísticas e culturais seria a mesma aplicada à Pessoas Jurídicas, abrindo espaço para

legalização da pejotização individual. Na letra da Lei:

Art. 129. Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços

intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter

personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a

sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta

realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas,

sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei no 10.406, de 10 de

janeiro de 2002 - Código Civil.7

A extensão da legislação tributária aplicável às Pessoas Jurídicas à prestadores de

serviços intelectuais na prática representou a autorização para a utilização contratos PJ para

ocultar relações típicas de trabalho subordinado, sob a forma de contrato de prestação de

serviços entre sociedades empresariais (RECEITA FEDERAL, 2016)8.

No entanto, mesmo com a aprovação da lei, os contratos como Pessoa Jurídica

continuaram sendo controversos quanto à sua legalidade ou se configurariam um instrumento

de burla a legislação trabalhista, pois o respaldo legislativo levou à proliferação de contratos

que podem ser caracterizados como “fraude de pejotização”, com a subtração dos direitos

trabalhistas e previdenciários. Esse era o entendimento pelo menos até o final de 2017, quando

entrou em vigor a Lei das Terceirizações e a Reforma Trabalhista, conforme veremos abaixo.

No final da década passada, quando as contratações como Pessoa Jurídica começaram

a ser tornar mais comuns, a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho

(ANAMATRA), trazia o seguinte posicionamento:

O uso de PJ é lícito nos casos de contratação para prestação de serviços não

habituais, não subordinados. Mas não quando pessoas são contratadas para

exercer atividades inerentes da empresa. Empregadores propõem a parte de

seus empregados, frequentemente os mais qualificados e que ganham maiores

6 DALOSSI, Bruno Maffin. Emenda 3 – revogação da legislação trabalhista? Disponível em

https://jus.com.br/artigos/9858/emenda-n-3 , acesso em 13 de setembro de 2018. 7 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11196.htm, acesso em 13 de maio

de 2018. 8 O fenômeno da “pejotização” e a motivação tributária. Disponível em

https://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/estudos-e-tributarios-e-aduaneiros/estudos-e-

estatisticas/estudos-diversos/o-fenomeno-da-pejotizacao-e-a-motivacao-tributaria.pdf , acesso em 18 de maio de

2018.

16

salários, que constituam empresas e passem a figurar como prestadores de

serviços. Um dos motivos alegados é que a redução de impostos e encargos

permitirá pagar um salário maior ao empregado. Este caso, como qualquer

alternativa adotada para fraudar as leis trabalhistas, é analisado por

especialistas do campo jurídico como uma forma de precarização das relações

de trabalho (TURCATO; RODRIGUES, 2008, p. 11).

Desta forma, por desconfigurar uma relação subordinada de trabalho, neste tipo

de contrato cabe ao empegado assumir os riscos, arcar com os tributos e com a própria

contribuição previdenciária, mesmo prestando serviço contínuo à mesma empresa.

Conforme apontado por Krein:

O profissional terá de recolher impostos e a sua própria contribuição

previdenciária se pretende ter cobertura da seguridade social. Na leitura de

algumas entidades de classe, particularmente da CUT e da FENAJ, a lei

representa um perigo, pois sinaliza para a legitimação da “fraude da

pejotização”, que já é objeto do um duro embate, em diversas categorias

(KREIN, 2007, p. 161-162).

Conforme veremos adiante, de fato a fraude da pejotização citada por Krein se

confirmou em diversas categorias, tornando-se praticamente um padrão na forma de

contratação de algumas atividades do jornalismo, o que tem sido objeto de questionamento na

esfera da Justiça do Trabalho, que vinha reconhecendo a pejotização como uma fraude, ou seja,

uma relação normal de trabalho e não como um contrato entre empresas.

Krein & Castro (2015) apontam que a contratação de trabalhadores como Pessoa

Jurídica vem sendo usada como artifício para o barateamento da mão de obra, especialmente

nos chamados setores criativos. A pejotização configura-se, portanto, em um mecanismo de

descaracterização de uma relação de trabalho, transformando o empregado em prestador de

serviço à disposição do empregador, porém numa situação de autônomo.

O processo de pejotização envolve uma série de elementos associado às

transformações do trabalho observadas nas últimas décadas, em uma

perspectiva global; dente elas: 1) as ameaças de desemprego e as consequentes

pressões sobre o trabalhador, que minam as possibilidades de resistência; 2) a

possibilidade de transferir para o trabalhador o próprio gerenciamento sobre

seu trabalho, sem que isso signifique eliminar a relação de subordinação ou a

perda de controle sobre o trabalho; 3) as pressões por desregulamentação da

jornada de trabalho combinada com a crescente indistinção entre o que é e que

não é tempo de trabalho. (KREIN et al., 2018, p. 104).

17

Outro ponto que pode ser acrescentado é o crescimento do número de empresas sem

empregados após a promulgação da lei que criou a figura do Microempreendedor Individual

(MEI), que entrou em vigor em 2009 (Lei Complementar nº 128, de 19 de dezembro de 2008)9.

Criado como mecanismo para formalização de trabalhadores de baixo rendimento que

atuam à margem do mercado de trabalho, o MEI acabou sendo também uma forma de incentivo

para a transformação de trabalhadores em empresários individuais, uma vez que, conforme

aponta estudo do IPEA, 49,7% dos MEIs são formados por trabalhadores demitidos ou que

desistiram de procurar emprego, configurando-se mais como uma estratégia de sobrevivência

do que uma opção de inserção no mercado de trabalho (OLIVEIRA, 2013; KREIN et al.,

2018).

Desta forma, essa legislação também contribuiu para a ampliação das formas de

contratações individualizadas, conforme pode se inferir da análise de dados da RAIS.

Analisando os dados da RAIS é possível apurar – ainda que de forma imprecisa

– a dimensão da pejotização ao longo das décadas de 2000 e 2010 e sua

acentuação com a implementação do MEI. A declaração anual, feita por pessoa

jurídica na “RAIS Negativa”, significa que, naquele ano, o estabelecimento

não fez uso de empregados ou esteve inativo. Essa variável pode ser

interpretada como uma proxy da pejotização, descontando o caso em que o

estabelecimento esteve inativo. (KREIN et al., 2018, p. 105).

Conforme pode ser observado no Gráfico 1, com dados da RAIS e do portal do

empreendedor, a partir de 2009 há um crescimento exponencial de empresas tipo MEI, que

somados às mais de 4 milhões de PJ sem empregados apontam a dimensão do crescimento das

formas de contratação individuais.

Gráfico 1 – Total “PJ zero”, estabelecimentos com um ou mais empregados (“outros”)

e MEI, 2004 - 2014

9 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp128.htm , acesso em 13 de fevereiro de

2019.

18

Fonte: RAIS/TEM e Portal do empreendedor, disponível em: http://www.portaldoempreendedor.gov.br. (KREIN

et al., 2018, p. 106).

Para os empregadores, a contratação em regime de PJ tem vantagem de transformar a

forma de remuneração de fixa para variável, atrelando o salário à produtividade e/ou metas,

além da redução dos encargos sociais, trabalhistas e tributários da folha de pagamento,

limitando os custos da empresa à gestão de um contrato comercial.

Conforme estudo realizado por Krein (2007), com esta forma de contratação as

empresas conseguem economizar em torno de 60% dos custos de mão-de-obra, considerando

que ficam dispensadas do pagamento das contribuições sociais e dos direitos trabalhistas. O

autor aponta também os impactos negativos na arrecadação tributária e custeio de políticas

sociais, em especial a previdência.

Desta forma, a pejotização pode ser entendida dentro dos processos de reestruturação

produtiva, em um contexto econômico e político marcado pela mundialização do capital, pela

difusão das políticas de corte neoliberal e desregulamentação das relações de trabalho.

Os trabalhadores submetidos à contratos como Pessoa Jurídica (PJ), por terem status de

empresa, ficam obrigados a cumprir toda a legislação tributária referente a uma empresa

individual e, por outro lado, ficam privados dos direitos e garantias dos contratos regidos pela

19

Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o que configura uma burla na legislação trabalhista,

conforme observado por Krein:

A relação de emprego disfarçada (encoberta ou simulada) pode ser considerada

como mais uma iniciativa presente no mercado de trabalho no sentido de

driblar o padrão de regulamentação do emprego vigente no país. Ela ocorre

quando estão presentes características do trabalho assalariado, mas a

contratação da prestação de serviço é feita sem contemplar os direitos

trabalhistas e previdenciários vinculados a ele. Ou seja, está contida uma

relação de subordinação do trabalho, mas a forma de contratação não é dada

por um contrato de trabalho regular, ou seja, trata-se de uma simulação

(KREIN, 2013, p.163).

Pejotização como expressão da precarização no jornalismo

No caso dos jornalistas, a pejotização atinge trabalhadores de faixa salarial próximas

ou que estão no piso salarial da categoria, contrariando uma tendência inicial de restrição

apenas aos contratos com profissionais renomados e com altos rendimentos (SILVA, 2014).

Nos últimos anos a figura do profissional PJ tornou-se praticamente regra em algumas

atividades do jornalismo, como no caso das assessorias de imprensa, conforme anota Mori

(2013):

A figura do jornalista “PJ” proliferou pelas redações, ainda em meados da

década de 90, como a chance de ganhar mais salário e pagar menos imposto.

A “oportunidade única” era oferecida apenas aos jornalistas que ganhavam

salários mais elevados, como editores e chefes de redação – e, portanto,

custavam mais para as redações com encargos sociais, como o INSS. A

fórmula é bastante simples: basta abrir uma empresa de comunicação (em

geral, a mãe que vira sócia e a “sede” da empresa fica na própria casa) e passar

a emitir nota fiscal mensalmente do salário acordado. Hoje o fenômeno “PJ”

proliferou e atinge não apenas os salários elevados, mas cargos de repórteres e

redatores, alguns com vencimentos perto do piso. Em assessorias de imprensa,

então, é quase regra. E o que era uma opção há poucos anos, hoje se tornou

praticamente uma obrigação10.

Conforme análise de Accardo (2007), há um processo de precarização não só no campo

jornalístico, como em todas as profissões ligadas à informação e à comunicação. De acordo

com o autor, o jornalismo precário oferece uma ilustração do fenômeno que caracteriza a

proletarização dos trabalhadores intelectuais mais do que os manuais e estabelece uma relação

de auto exploração ao negar a estes profissionais a condição de trabalhador, forçando-os a se

10 MORI, Kyiomori. Vale a pena ser jornalista PJ?. Artigo publicado no Portal Comunique-se, em 01 de agosto

de 2013. Disponível em https://portal.comunique-se.com.br/vale-pena-para-o-jornalista-ser-pj/, acesso em 16 de

maio de 2016.

20

estabelecerem como empresários de si mesmo e assim substituir uma relação de trabalho por

uma relação interempresarial (SILVA, 2014).

No Brasil, com a Reforma Trabalhista (Lei 13467/2017) em vigor desde novembro de

2017, o quadro tende a se agravar: precarização da jornada de trabalho e o chamado

teletrabalho, que regulamenta o home office, o trabalho intermitente, entre outras, dentro de um

“cardápio” de desregulamentações que devem afetar ainda mais o setor da imprensa e

comunicação, que já é altamente pejotizado e afetado pelo uso de novas tecnologias (GALVÃO

et al., 2017).

Com relação aos contratos Pessoa Jurídica, embora não haja diretamente a legalização

da pejotização na lei, a possibilidade de prevalência da negociação direta entre empregados e

empregadores sobre o legislado tende a dificultar a comprovação e entendimento de fraude.

Além disso, a reforma trabalhista, ao fixar no Artigo 442-B, que “A contratação do

autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de

forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3o desta

Consolidação”, abre-se a possibilidade para interpretação que legitima formas de contratação

que descaracterizam a relação de emprego formal.

A inclusão deste artigo pode ser compreendida como a legalização da

pejotização do trabalhador e a legalização da eliminação de todos os direitos

garantidos na CLT. Esse artigo busca restringir o conceito de empregado, o

que implica, de fato, excluir um vasto contingente da classe trabalhadora da

proteção do direito trabalhista, possibilitando que o trabalhador se torne uma

pessoa autônoma, independentemente de sua dedicação e assiduidade. Os

pilares que estruturam o reconhecimento do vínculo empregatício são assim

eliminados, o que torna cabível a pergunta: para que registrar um trabalhador

se é legal contratá-lo como autônomo? (GALVÃO et al., 2017, p. 72).

Em entrevista ao site do Sindicato dos Jornalistas dos Estado de Minas Gerais, Daniela

Muradas Reis11 apontou que, entre os aspectos da reforma trabalhista que atingem diretamente

os jornalistas estão a precarização da jornada de trabalho e o teletrabalho (home office). “Como

o setor de imprensa já é altamente pejotizado e afetado pelo uso de novas tecnologias, a

informalidade do trabalho agora está amparada por lei e vai valer o que o mercado ditar. Num

setor concentrado como esse as consequências serão muito grandes”12.

11 Professora da Faculdade de Direito e Ciências do Estado da Universidade Federal de Minas Gerais, com

mestrado e doutorado em Direito e pós-doutorado em Sociologia do Trabalho. 12 Em entrevista a site do Sindicado dos Jornalistas Profissionais do Estado de Minas Gerais (SJPMG). Disponível

em www.sjpmg.org.br/2017/07/jornalistas-estao-entre-os-mais-atingidos-pela-reforma-trabalhista-diz-

professora-de-direito-do-trabalho-da-ufmg/ acesso em 30 de abril de 2018.

21

Outro ponto que pode ser observado é que, com a flexibilização das formas de

contratação legalizadas pela reforma trabalhista, o jornalista também passa se sujeitar ao

trabalho uberizado, ou seja, colocando-se à disposição para realização de trabalhos eventuais

através de plataformas digitais, os chamados aplicativos utilizados em smartphones para

prestação de serviços eventuais, os chamados jobs.

De acordo com a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) esta categoria vem

constituindo-se, nos últimos anos, numa das mais atingidas pela onda de demissões e

precarização das relações de trabalho, conforme demonstrado em editorial publicado no site da

entidade por ocasião do Dia do Trabalhador em 2016: “Demissões, atrasos e não pagamento

de direitos trabalhistas, baixos salários, arrocho, assédio e violência, entre outros desrespeitos

aos direitos trabalhistas têm sido frequentes no cotidiano enfrentado pelos jornalistas no

exercício da profissão”13.

Ainda de acordo com a FENAJ, apontado no mesmo editorial citado acima, a categoria

enfrenta problemas trabalhistas crônicos, sendo que os principais podem ser resumidos no

desrespeito à jornada de trabalho – a maioria das empresas não pagam horas extras e sonegam

o vínculo em carteira. Há a generalização do trabalho sem qualquer vínculo empregatício, os

chamados de frilas e frilas-fixos14, além da imposição da situação de Pessoa Jurídica para parte

de categoria.

A pesquisa “Perfil do jornalista Brasileiro” (MICK et al., 2012) realizada com um

universo de 2.731 jornalistas, de todos os estados brasileiros e do exterior, através de

participação voluntária, dentro de um universo estimado de 146 mil jornalistas existentes no

país naquele ano, traz dados sobre a evolução das formas de contratação no jornalismo embora

ainda aponte para a prevalência de contratos CLT naquele ano15.

Assim, no início desta década, conforme a pesquisa citada, dos profissionais que

atuavam em veículos de mídia (excluindo-se, portanto, os que atuam em assessorias de

imprensa, sindicatos e outras entidades não diretamente ligadas ao jornalismo), formavam

54,5% da categoria. Destes, 59,8% trabalhavam sob regime CLT, ao passo que freelancers

eram 11,9%, prestadores de serviços 8,1% e os contratados como Pessoa Jurídica formavam

13 Firmes na luta em defesa a Democracia, dos direitos dos trabalhadores e contra o golpe – A opinião da Fenaj.

Brasília, 1º de maio de 2016. Disponível em www.fenaj.org.br/firmes-na-luta-em-defesa-da-democracia-dos-

direitos-dos-trabalhadores-e-contra-o-golpe/ acesso em 30 de abril de 2018. 14 Contratos sem nenhum vínculo formal. O Frila (corruptela do termo inglês Free Lancer) presta serviços

eventuais à várias empresas, enquanto o frila-fixo é ainda mais precarizado, pois trata-se de um funcionário

subordinado a uma empresa sem qualquer registro formal. 15 Importante ressaltar o caráter voluntário de participação na pesquisa e a metodologia utilizada, a partir da base

de dados de sindicatos e empresas pode ter levado à maior acesso de profissionais que atuam em contratos formais,

sendo que free-lancers e frilas fixos, por atuarem de forma mais difusa e de mais difícil contato.

22

6,8%, somando 26,8% dos trabalhadores no setor de mídia. A mesma amostra apontou que

3,8% eram empresários, enquanto 6,5% atuavam no setor público. Outros tipos de contrato

abrangiam 3,1% dos jornalistas.

Por outro lado, a pesquisa mostrou que os jornalistas que atuavam fora da mídia

formavam 40,3% da categoria e as formas de contratação estavam distribuídas da seguinte

forma: 39,4% CLT; 27,1% no setor público e 4,8% empresários. Os regimes de contratação

que podem ser entendidos como contratos precários respondiam por 28,8% neste setor, sendo

13,7% contratos de prestação de serviços, 5,5% freelancers, 5,4% PJ.

Em um levantamento mais recente, Lelo (2019), em uma Survey realizada com 318

jornalistas no estado de São Paulo apontou o predomínio de formas de contratação precárias,

sendo que dos participantes, 33% disseram atuar em regime CLT e 8% como servidores

públicos, totalizando 43% os contratos formais, ao passo que 18% se declaram freelancers e

18% eram PJ. Outros 9% trabalhavam sob contratos de prestação de serviços, 4% em cargos

de comissão e 1% eram estagiários.

Ao longo das últimas décadas, a categoria dos jornalistas tem passado por uma série de

transformações pelo advento de novas tecnologias de comunicação e pela desregulamentação

da profissão, inclusive com o fim da obrigatoriedade de diploma de nível superior específico

para o exercício da profissão que também impactou no mercado de trabalho, uma vez que

habilitou uma ampla gama de profissionais para o exercício do jornalismo, o que pressiona

ainda mais o mercado de trabalho e salários e contribui para maior precarização das relações

de trabalho neste setor.

O setor de mídia tem passado por várias transformações, como fusões, concentração e

racionalização do trabalho. As redações tradicionais, com repórteres, editores, fotógrafos,

diagramadores, podem ser substituídas por um único indivíduo com um telefone multifuncional

(smartphone) e uma rede e internet. Com essas tecnologias à disposição, as empresas de

comunicação lançaram mão do chamado jornalismo colaborativo, ou seja, o público

(espectador, internauta, leitor, ouvinte) é encorajado a ser o produtor do conteúdo que será

publicado sem que seja remunerado por esta “colaboração”.

Além disso, conforme aponta Ramonet (2013b), com a atual tecnologia de informação

e comunicação, até mesmo a primazia dos meios de comunicação de massa como difusores e

intermediadores de informação para o grande público torna-se secundária, uma vez que existem

meios e instrumentos para que cada pessoa possa produzir e disseminar informação, deixando

de ser um mero receptor/consumidor.

23

[...] Cada cidadão tem acesso à informação sem depender dos grandes meios

de comunicação, como antes. O novo dispositivo tecnológico faz com que cada

cidadão deixe de ser só receptor da informação – acabando, assim, com um

modelo que foi norma durante muito tempo, desde o advento dos meios de

massa. Nunca na história das mídias os cidadãos contribuíram tanto para a

informação. Hoje, quando um jornalista publica um texto on-line, ele pode ser

contestado, completado ou debatido, sobre muitos assuntos, por um enxame de

internautas tão ou mais qualificados que o autor. Assistimos, portanto, a um

enriquecimento da informação graças aos “neojornalistas”, que eu chamo de

amadores profissionais (RAMONET, 2013b, p. 85-86).

Neste cenário de “neojornalistas” acima citados, os “antigos” jornalistas são impactados

em sua rotina de trabalho de diversas formas. Habilidades há muito desenvolvidas deixam de

ter sentido. A polivalência, ou seja, a capacidade de exercer diversas funções, a adaptação às

constantes inovações tecnológicas, a perda de primazia de reportar fatos, a crise do que se pode

chamar de “jornais universais”, ou seja, veículos empresariais que informam sobre todos os

assuntos e que pela forma de produção demandavam um grande número de profissionais, cada

vez mais são substituídos pela segmentação e veiculados online, o que leva a atomização da

profissão, à retração de contratos de trabalho formal e coloca novos desafios a profissão.

Também se observa que, diante do quadro de redução da oferta de vagas trabalho nas

redações e a precarização das condições de trabalho assalariado, muitos profissionais têm

buscado no autoemprego, no empreendedorismo, uma saída para se manterem em atividade.

Essa alternativa tem na internet, através das várias possibilidades de plataformas online,

o seu lócus, criando-se se assim uma nova tendência de trabalho, o jornalismo de nicho, que

busca retomar um espaço de protagonismo na difusão de informações, dominada nestes meios

por novos atores, não necessariamente profissionais de comunicação na origem, mas que

atingem e influenciam uma grande parcela da sociedade com informações segmentadas.

Portanto, mesmo em momento de crise do modelo de comunicação dominado pelos

grandes veículos, de perda de direitos associados ao trabalho formal, o jornalismo enquanto

profissão encara um desafio de se fazer necessário em um mundo no qual a informação circula

ininterruptamente, no ritmo frenético e imediato proporcionado pela rede mundial de

computadores.

Por outro lado, cabe a observação que não se pode compreender essas modificações no

mercado de trabalho do jornalismo sem levar em consideração as mudanças gerais no mercado

de trabalho, na forma de acumulação capitalista nas últimas décadas.

Assim, o objetivo deste trabalho é primeiro analisar as várias formas de precarização

do trabalho dos jornalistas a partir da década de 1990, e observar como as formas de contratação

24

chamada atípicas, como Pessoa Jurídica, freelancers e mesmo o empreendedorismo leva à

individualização das relações de trabalho, atomização da categoria e precarização.

A hipótese levantada é mostrar que o trabalho dos jornalistas vem sofrendo um processo

de precarização, sendo a forma de contratação de profissional autônoma, como Pessoa Jurídica,

MEI ou freelance uma tendência. Entendemos, neste trabalho, que estas formas de contratação

representam precarização da relação de trabalho.

Com a recente aprovação da Reforma Trabalhista, com o desmonte do arcabouço

jurídico de proteção do trabalho, somado à desregulamentação da profissão e às mudanças na

dinâmica do mercado de trabalho na área de comunicação, também buscaremos observar quais

as saídas buscadas pelos profissionais para sobreviverem e se manterem atuando no jornalismo

no contexto apresentado.

25

Metodologia:

Para cumprir os objetivos propostos neste trabalho partiremos de uma revisão

bibliográfica para contextualizar a dinâmica de precarização das relações de trabalho a partir

da década de 1970, com as consequentes mudanças nas formas de contratação, uso e

remuneração da força de trabalho. Na sequência, a pesquisa buscou retratar as transformações

no mercado de trabalho dos jornalistas e por fim descrever os consequentes impactos na

categoria dos jornalistas. Desta forma, o trabalho é apresentado em cinco capítulos, seguidos

de uma conclusão.

O primeiro capítulo apresenta uma revisão bibliográfica com diversas análises, a partir

da visão econômica heterodoxa, das mudanças nas relações de trabalho verificadas

especialmente a partir da década de 1970; neste ponto utilizamos o método histórico, com

objetivo de contextualizar as mudanças econômicas, tecnológicas e o advento do

neoliberalismo que conformou uma nova dinâmica nas relações de trabalho, com a mudança

no padrão de acumulação capitalista e suplantação do modelo taylorista/fordista pelo toyotista,

ou modelo de acumulação flexível. Utilizamos como referências principais as análises de

Harvey (1993), Antunes (2005), Streeck (2013) entre outros autores.

No segundo capítulo apresentamos um breve histórico do surgimento dos meios de

comunicação de massa e da profissão de jornalismo e seu papel intrínseco ao desenvolvimento

do capitalismo, utilizando como base os seguintes autores: Travancas (1992); Kunczik (2002);

Marcondes Filho (1986); Genro Filho (1987), Marshall (2003); Ramonet (2013a; 2013b);

Sodré (1999) entre outros.

Na sequência realizamos um levantamento histórico da constituição e regulamentação

da profissão de jornalista no Brasil.

O terceiro capítulo se constitui em uma caracterização do perfil atual da categoria dos

jornalistas e das transformações na forma de produção de notícias com as novas tecnologias e

a reconfiguração das empresas de comunicação e como tem sido a dinâmica do mercado de

trabalho, tendo como base os trabalhos de Silva (2014); Fígaro (2012; 2013); Mick (2013),

Reimberg (2015).

Ainda neste ponto, buscamos referência na problematização apresentada por Fígaro

(2012), em que as mudanças no mundo do trabalho dos comunicadores e das profissões ligadas

à Internet remodelam a força de trabalho e resultam em novos perfis profissionais exigido pelo

mercado. Este trabalhador deve ser multiplataforma e polivalente, com domínio dos mais

variáveis meios e linguagens, capaz de exercer diversas funções antes desempenhadas por

26

vários profissionais, tais como editores, repórteres (texto, áudio e vídeo) diagramadores,

fotógrafos, entre outros. Acrescento, ainda, a flexibilidade total exigida deste novo perfil de

trabalhador, que reflete nas formas de contração. Aqui também será utilizado como

metodologia a pesquisa descritiva documental.

No capítulo 4 analisamos a desregulamentação da profissão e como as novas

tecnologias impactaram o trabalho dos jornalistas. Para compor um retrato de como a

pejotização/precarização tem impactado a categoria, foram realizadas entrevistas abertas com

profissionais que vivenciam estes processos de mudança.

Por fim, no capítulo 5 abordamos como fenômenos de precarização do trabalho

relacionados às plataformas digitais, a chamada uberização, e mesmo o empreendedorismo que

vem se configurando como uma tendência para se manter no mercado de trabalho. Também

neste capítulo apontamos para possíveis cenários para a profissão nos próximos anos, com base

em trabalhos de Standing (2015), Pochmann (2017), Krein et al. (2018) bem como entrevistas

com profissionais que estão no mercado de trabalho há mais de duas décadas e vivenciaram as

mudanças abordadas neste trabalho.

27

Capítulo 1 – As condições de trabalho no desenvolvimento capitalista atual

Neste capítulo busca-se contextualizar as mudanças ocorridas no mercado de trabalho

na virada do século XX para o século XXI. Partimos de uma breve análise da construção das

políticas de regulação do trabalho, dos compromissos que fundamentaram o estado de bem-

estar social na Europa no segundo pós-guerra e das políticas que levaram à desconstrução dessa

regulação a partir da década de 1970. Também é feita uma breve descrição da construção da

regulação do trabalho no Brasil e sua posterior desregulamentação.

Em seguida, descreve-se as mudanças ocorridas no mundo do trabalho na década de

1970, com a mudança no padrão de produção do fordismo para o taylorismo e os impactos

causados nos trabalhadores por tais transformações.

No ponto seguinte procura-se pontuar como se deram as formas de precarização através

das terceirizações, contratos individuais de trabalho e dos mecanismos que transformam

trabalhadores em empresários, como MEI e PJ, sem, no entanto, mudar a natureza das relações

de trabalho.

Por fim, busca-se observar as recentes formas de inserção no mercado de trabalho que

podem ser consideradas como desregulação e precarização total do trabalho, através dos

serviços prestados para empresas via plataforma digital, ou a chamada uberização, em

referência ao serviço de transporte por aplicativo, cujo modelo espraia-se para vários setores

do mercado de trabalho.

O objetivo deste capítulo é situar a precarização do trabalho dos jornalistas dentro do

contexto das transformações gerais do capitalismo no período recente, não sendo, portanto, um

problema localizado em um setor, mas diretamente relacionado e consequente do atual estágio

de desenvolvimento.

1.1 - Da Ordem Liberal Burguesa ao Estado de Bem-Estar Social

Partindo de uma perspectiva histórica, no Estado Liberal do século XIX não havia

qualquer regulação da relação de trabalho. A institucionalidade era definida pelas leis do livre

mercado. Desta forma, o trabalho era mais uma mercadoria objeto de compra e venda, dentro

das relações entre empresários e trabalhadores. Longas jornadas de trabalho, condições

insalubres, submissão de mulheres e crianças às condições mais degradantes compunham o

28

cenário do mundo do trabalho sob a chamada Ordem Liberal Burguesa16, período

correspondente ao da consolidação da Revolução Industrial à 1ª Guerra Mundial.

Conforme Abramo (2000), no capitalismo concorrencial e no Estado Liberal do século

XIX não havia qualquer regulação da relação de trabalho. A crescente instabilidade e tensões

sociais e crescimento da organização dos trabalhadores, a fundação da Associação

Internacional do Trabalho (AIT), em 1864 e a crescente influência de organizações socialistas

e anarquistas sobre os trabalhadores levaram à necessidade de imposição de alguns limites à

exploração do trabalho pelo capital.

De uma forma bastante resumida, pode-se destacar alguns marcos que levaram à

regulação das relações do trabalho, como a publicação da encíclica papal Rerum Novarum, em

1891, a criação do Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1919, que apontava em

seus princípios constitutivos que o trabalho não poderia ser tratado como uma mercadoria

qualquer devido assimetria característica da relação entre capital e trabalho.

Assim, o direito do trabalho estava na raiz do pacto social que sustentou o contrato da

sociedade moderna do século XX, com legitimidade à regulação pela esfera pública, com base

no pacto fordista, que, em linhas gerais, foi a referência de construção do Estado de Bem-Estar

Social (ABRAMO, 2000).

Os pressupostos desta regulação, fundavam-se em duas ideias centrais: a de que os

mercados de trabalho não podiam receber o mesmo tratamento de outros tipos de mercado

devido a sua função de gerador de renda e garantia de sobrevivência para a massa de

trabalhadores e que os mercados de trabalho são caracterizados por um grande desequilíbrio

estrutural entre seus atores - capital e trabalho - e que, portanto, era necessário a constituição

de mecanismos de garantia à proteção da parte mais frágil desta relação, os trabalhadores

(ABRAMO, 2000).

Foi a partir da Grande Depressão na década de 1930 e principalmente ao final da 2ª

Guerra que emergiram as políticas que caracterizaram o Estado de Bem-Estar Social e que

seriam predominantes nos países do centro capitalista até meados da década de 1970. Este

período pode ser considerado um hiato extraordinário na história do capitalismo, embora

restrito aos países do centro capitalista. Foram registradas as maiores taxas de crescimento e

16 A ordem liberal burguesa foi o período marcado pela hegemonia industrial britânica nas décadas iniciais do

século XIX, quando a Inglaterra dominava as tecnologias das primeira Revolução Industrial e controlava o mundo

ocidental e um vasto território de colônias, o chamado longo século XIX, conforme definição de Hobsbawm

(1995).

29

incorporação das massas de trabalhadores à estrutura de consumo e redução das desigualdades

nos países desenvolvidos.

Os fatores que levaram ao prolongado período de prosperidade na Europa ocidental nos

primeiros anos da década de 1950 e início dos anos 1960 foram o rápido crescimento

econômico, da produção e a difusão dos benefícios desta prosperidade – aumento do nível de

emprego e salários e serviços de bem-estar social e pensões aos mais vulneráveis - criaram

condições de crescimento e progresso inédito na história. As características desta nova era do

capitalismo se distinguem pela promoção do pleno emprego e ritmo acelerado do progresso

tecnológico (STREECK, 2013).

Os acordos de Bretton Woods, firmados em 1944, tinham como objetivo estabelecer os

parâmetros de reconstrução das economias dos países capitalistas no pós-guerra e evitar o

retorno ao padrão que havia levado ao colapso da ordem anterior. Com a expansão dos gastos

públicos, o peso grande das políticas sociais garantidas pelo Estado, novo padrão de relação

salarial, política de salário mínimo e redução das disparidades salariais proporcionaram

condições para que o desenvolvimento ocorresse sob bases nacionais.

Neste período foram consolidadas as políticas de regulação do Estado sobre as finanças

e a constituição de uma ampla rede de proteção social e garantia de direitos aos trabalhadores

nas relações com empregadores. Conforme aponta Streeck, a característica do capitalismo do

pós-guerra era a economia subordinada à política, tendo o Estado como agente. Período

caracterizado como um “tempo comprado” (STREECK, 2013), ou seja, o capitalismo regulado,

com a garantia de direitos sociais e protagonismo dos trabalhadores representava um mero

adiamento da crise do sistema e retomada das políticas liberais. Assim, conforme Streeck, a

retomada das políticas neoliberais na década de 1970 foi como o estouro de uma panela de

pressão, com o retorno da primazia do mercado sobre a economia e sobre a política, o que

deixou os Estados Nacionais com pouca margem de ação.

1.2 Mudanças no mundo do trabalho a partir dos anos 1970

No início dos anos 1970, após três décadas de prevalência do Estado de Bem Estar

Social na Europa e EUA e de relações de trabalho caracterizadas pelo que foi chamado

“compromisso fordista”17 (HARVEY, 1993; ANTUNES, 2005; BIHR, 1998; THEBAUD-

MONY & DRUCK, 2007), inicia-se um novo período em que o capital busca a retomada do

17 Na análise de Bihr (1998) o “compromisso fordista” poderia ser considerado, do ponto de vista do proletariado,

como um acordo no qual aceitava as formas de dominação capitalista do pós-guerra em troca de sua seguridade

social, abrindo mão da renúncia de sua “aventura histórica”, ou a luta revolucionária.

30

status anterior ao da 2º Guerra Mundial e se livrar da regulação política dos Estados, ou,

conforme as palavras de Streeck (2013), busca sair da “jaula” na qual havia sido colocado pelos

acordos de Bretton-Woods.

Do ponto de vista econômico, no início da década de 1970, aparecem sinais de

esgotamento da economia do pós-guerra, das bases de construção da hegemonia norte-

americana preconizadas em Bretton-Woods. Países como a Alemanha e Japão despontam com

novos sistemas industriais e empresariais com maior capacidade de absorver as mudanças

tecnológicas em curso e novos países industrializados passam a ocupar maior espaço no

comércio internacional, o que ameaçava a hegemonia econômica norte-americana, que

funcionava como alicerce do modelo (BELLUZZO, 2009).

A crise dos anos 1970 levou ao solapamento de Bretton-Woods e do “compromisso

fordista” e viu surgir um novo modelo de acumulação baseado na flexibilidade dos processos

de trabalho, do mercado de trabalho e mudança nos padrões de consumo.

Numa breve contextualização de acumulação flexível, parte-se da definição de Harvey

(1989). Nesta análise, levando-se em conta a periodização do advento do modelo fordista de

produção até sua superação, no início e no final do século XX, respectivamente, é possível

observar que o padrão de acumulação capitalista teve dois grandes paradigmas de produção,

entendendo tais paradigmas conforme Utterback (1996) e Tigre (2005).

Partindo do estudo de Utterback, observamos que os padrões de inovação nos processos

de produção apresentam várias fases distintas até a definição de um projeto padrão, quando as

inovações deixam de ser focadas no produto e se concentram nos processos produtivos. As

fases apresentadas pelo autor demonstram que a estrutura organizacional das firmas varia

conforme a fase em que ela se encontra.

Resumidamente, tais fases são definidas como fluida, transitória e específica. A

primeira fase se caracteriza quando do surgimento de uma nova tecnologia, marcada por

incertezas e alto grau de inovação no produto e a estrutura da empresa é mais horizontal,

produção em pequena escala, hierarquia reduzida e mão de obra mais especializada. Na

segunda fase, quando já existe uma assimilação do novo produto, as inovações são focadas

mais nos processos de produção e a estrutura da empresa passa a ser mais hierarquizada, com

maior importância nas atividades de controle e coordenação da produção. Por fim, na fase

específica surge o que Utterback chamou de projeto dominante, quando determinadas

características e formas de produção adquirem a preferência do mercado e se tornam

hegemônicas. “O surgimento do projeto dominante não é, necessariamente, uma coisa

predeterminada, mas é resultado da interação entre opções técnicas e de mercado, num

31

determinado instante no tempo” (UTTERBACK, 1996, p. 28). Assim, a forma de produção

dominante impacta também as relações de trabalho.

Conforme observa Tigre (2005) a origens e causas do processo de concentração

econômica estão associadas principalmente às inovações tecnológicas e organizacionais. No

último século, levando-se em conta a periodização do advento do modelo fordista de produção

até sua superação, é possível observar que o padrão de acumulação capitalista teve dois grandes

paradigmas de produção.

Primeiramente o modelo de produção fordista, baseado na “cooperação” entre os

principais atores da produção capitalista, (Estado, empresários e trabalhadores), com economia

regulada, relações de trabalho garantidas por legislação e enquadramento das reivindicações

trabalhista aos marcos do capitalismo, o chamado “compromisso fordista”, conforme

observado acima. Este modelo foi superado pela forma de acumulação flexível com base no

sistema toyotista de produção e hegemonia da política neoliberal, que implica

desregulamentação da economia e das relações de trabalho.

Embora os dois modelos tenham origem na indústria automobilística, seus métodos

gerenciais e de produção foram expandidos para amplos setores da produção e representaram,

a seu tempo, profundas transformações nas relações de trabalho e sociais.

Na análise de Harvey (1993) observa-se que, com a volatilidade do mercado de trabalho

e aumento da competição intercapitalista e diminuição das margens de lucro das empresas,

houve uma radical reestruturação das relações de trabalho, com o enfraquecimento do poder

das organizações sindicais e grande excedente de mão-de-obra, seja diretamente desempregado

ou empregados em condições extremamente precárias.

As empresas se aproveitaram deste cenário para impor aos trabalhadores regimes e

contratos mais flexíveis, com objetivo de satisfazer as necessidades específicas de cada

empresa e recompor as taxas de lucro com a redução dos custos de mão-de-obra.

Ainda dentro da análise de Harvey, a transformação da estrutura do mercado de trabalho

é comparável com as mudanças na organização industrial. Este processo leva à redução da

demanda da força de trabalho e abre espaço para a proliferação de formas de contratações

desregulamentadas. Conforme aponta Antunes:

Com a retração do binômio taylorismo/fordismo, vem ocorrendo uma redução

do proletariado industrial fabril, tradicional, manual, estável e especializado,

herdeiro da era da indústria verticalizada do tipo taylorista fordista. Esse

proletariado vem diminuindo com a reestruturação produtiva do capital, dando

lugar às formas mais desregulamentadas de trabalho, reduzindo fortemente o

32

conjunto de trabalhadores estáveis estruturados por meio de empregos formais

(ANTUNES, 2005, p.76).

Assim, as mudanças na estrutura produtiva nas décadas de 1980/1990 causaram

impactos profundos nas relações de trabalho. O território nacional deixou de ser o espaço de

atuação de uma empresa. Um mesmo produto passou ter seus componentes produzidos em

diversas partes do mundo. A estrutura de produção verticalizada é substituída por uma estrutura

horizontalmente integrada. Pochmann, em um estudo sobre o processo de terceirização da mão

de obra, observa que:

Com a maior subordinação do investimento produtivo à lógica financeira, as

empresas capitalistas foram levadas a uma intensa fase de concentração e

centralização, protagonizada por grandes corporações que praticamente

passaram a monopolizar vários setores das atividades econômicas no mundo.

Nesse sentido, o espaço geográfico internacional foi sendo integrado pelo

funcionamento das redes de produção transnacionais, objetivando

potencializar ainda mais os seus rendimentos em escala planetária

(POCHMANN, 2008, p. 44).

Tendo como referência o mercado europeu após a integração econômica,

Hyman (2005) descreve diferentes sistemas de organização social no contexto das relações de

trabalho, derivados das intensificação da concorrência internacional, com decisões estratégicas

das grandes empresas e iniciativas desregulamentadoras de governos, o que acabou levando a

uma situação em que o mercado de trabalho se assemelha cada vez mais aos mercados comuns,

com o desequilíbrio da balança para o lado deste em detrimento de uma economia social.

Hyman observa as relações de trabalho inseridas na economia de mercado, referenciado

em Polanyi (2000) como um sistema econômico controlado, regulado e dirigido apenas para o

mercado. Assim:

(...) dentro de uma sociedade de mercado, tal sistema econômico retira a legitimação

ideológica do predomínio dos valores que exaltam a liberdade individual do máximo

proveito econômico dentro dos mercados competitivos. Nas famosas palavras de Marx,

num tal meio ambiente o ‘fetichismo das mercadorias’ domina as relações sociais.

(HYMAN, 2005, p. 20).

Desta forma, conforme a análise de Hyman, durante as décadas de 1980 e 1990, o

estabelecimento das ideologias neoliberais envolveram esforços semelhantes, com a base

ideológica e ação estatal articulada, e que, portanto, não poderiam ser exatamente chamados de

regulação. O que se destaca é que a criação do “Estado Mínimo” na verdade envolveu um

aumento sem precedentes do poder estatal na sociedade. A constatação de Hyman é que,

mesmo sob o discurso neoliberal de primazia do mercado, o Estado é ator central.

33

Nas economias capitalistas existentes, o Estado tem desempenhado papel

ativo, tanto no que se refere aos estímulos ao funcionamento de mercado, como

aos limites impostos à sua capacidade de moldar as condições de emprego”

(2005, p. 21).

Assim, a prevalência do Estado neoliberal nas últimas décadas, pela ação estatal, levou

ao desmantelamento da institucionalidade construída ao longo do século XX, principalmente

nos anos pós-guerra II, de regulação das relações de trabalho. Os reflexos também foram

sentidos nas formas de organização do movimento sindical, que no período assistiram a

corrosão de sua base, perda de densidade e de capacidade de financiamento, que levaram a uma

estratégia defensiva, realizada para garantir a sobrevivência.

Esse processo rompe com a lógica que no século passado levou à intervenção estatal na

relação entre capital e trabalho, com objetivo de proteger a parte mais frágil, diante da intensa

exploração a que eram submetidos os trabalhadores, no entendimento que o trabalho não

poderia ser considerado um simples fator de produção como outro qualquer.

Os espaços de disputa dessa relação constituíram-se através do Estado e suas

instituições, das negociações e do contrato coletivo, o que envolve diferentes agentes e

diferentes níveis de negociação e as empresas, com determinações unilaterais e discricionárias

(ABRAMO, 2000).

Na conjuntura econômica da América Latina, Abramo (2000) anota que o debate sobre

a flexibilização ocorreu num contexto marcado por profundas transformações na estrutura do

emprego. A crise econômica dos anos 1980 e as medidas de ajustes estruturais adotadas no

período levaram à deterioração das relações de trabalho, com aumento das taxas de desemprego

aberto, queda dos salários, aumento da informalidade e da precarização do trabalho. Esta

situação também teve como consequência o enfraquecimento nas formas tradicionais de

organização sindical e negociação coletiva.

Assim, a elevação dos níveis de desemprego na década de 1990 e a persistência de

instabilidade econômica em vários países da região serviu de combustível ao discurso da

necessidade de flexibilização das relações de trabalho como forma de gerar empregos. O

reajuste das empresas para se adaptar às transformações na forma de produção e recuperar as

margens de lucro foram principalmente na diminuição da mão-de-obra. Estes ajustes

representaram a introdução de mecanismos legais que visavam facilitar as demissões e reduzir

os custos do trabalho.

Abramo (2000) destaca ainda que mesmo no período em que se pode observar um

crescimento do nível de emprego, nos primeiros anos da década de 1990, estes eram

caracterizados pela deterioração da qualidade, ou seja, precarização. No mesmo período,

34

também houve o crescimento das contratações sem qualquer tipo de proteção, que são

classificadas pela OIT como formas atípicas, conforme observado acima.

1.3 A construção da regulação do trabalho no Brasil a partir de 1930 e a

desconstrução nos anos 1990

No Brasil nunca se chegou a configurar algo que se possa parecer com o chamado

Estado de Bem-Estar Social. Foi a partir da década de 1930, com a ascensão de Getúlio Vargas

ao poder que o projeto de industrialização começa a ser traçado de forma mais abrangente e o

arcabouço jurídico de proteção às relações de trabalho que daria origem à Consolidação das

Leis do Trabalho (CLT) em 1943 é construído. Neste período o Estado passa a ter na regulação

do trabalho um dos elementos básicos para a superação da economia agrária e do liberalismo

então vigente.

Na observação de Gomes (2012), citando Oliveira Vianna, na visão do governo Vargas,

a organização corporativa constituía-se na melhor forma institucional para estabilizar a ordem

político-social e promover o desenvolvimento econômicos do país dentro do paradigma

urbano-industrial.

Assim, conforme a autora, a base do modelo seria a ampliação da participação dos

trabalhadores urbanos organizados em associações profissionais e institucionalização através

do Estado. A concretização de tal projeto exigia a subordinação e tutela das organizações dos

trabalhadores, que em troca, pela primeira vez na história, foram reconhecidas e tiveram seus

direitos sociais garantidos em lei. Conforme Biavaschi:

No período de 1930 a 1942, além de uma normalização dirigida à seguridade

social e aos acidentes de trabalho, verificaram-se: um pujante processo de

institucionalização de regras de proteção ao trabalho – dirigidas à

nacionalização do trabalho, às mulheres, aos menores, aos comerciantes, aos

industriários, aos marítimos, aos mineiros, aos ferroviários, aos bancários, às

estabilidades, ao salário mínimo; a estruturação dos aparelhos de Estado para

fiscalizar e garantir a aplicação dessas regras – Comissões Mistas, Juntas de

Conciliação, Inspetorias Regionais, Justiça do Trabalho, Conselhos Regional e

Nacional do Trabalho; e a positivação de normas destinadas à organização dos

trabalhadores – organização sindical, sindicato único, exigência de

sindicalização para propor reclamações, representação dos trabalhadores nos

pleitos trabalhistas, imposto sindical –, em um processo que culminou na CLT,

em 1943. Em 1946, a Justiça do Trabalho foi definitivamente integrada ao

Poder Judiciário (BIAVASCHI, 2005, p. 122).

Portanto, nos cinquenta anos que caracterizaram o período de industrialização do país,

de 1930 a 1980, foram construídos os marcos da regulação trabalhista que asseguraram alguma

proteção aos trabalhadores urbanos. Essa garantia era simbolizada pelo emprego com registro

35

na Carteira de Trabalho, que representava a formalização da relação de trabalho e acesso aos

direitos existentes na CLT.

A estagnação econômica e crise da dívida externa na década de 1980 teve como saldo

a interrupção do processo de crescimento da economia brasileira e marcou o fim do período de

industrialização. Em artigo publicado na revista Carta Capital, o economista Luiz Gonzaga

Belluzzo aponta que, no período 1930-1980, Brasil construiu um sofisticado sistema de

organização capitalista, com um sistema financeiro público e coordenação entre empresas

estatais, privadas nacionais e estrangeiras. Este modelo, que garantiu a industrialização no país

no período e o desenvolvimento de um complexo parque produtivo, começa a ruir nos anos

1980. Na década seguinte, com a economia fragilizada, alto endividamento público e aumento

considerável nos níveis de desemprego, o país, após a eleição de governos de orientação

neoliberal, aderiu às políticas preconizadas pelo chamado Consenso de Washington. Em linhas

gerais, esse consenso representava a imposição aos países vitimados pela crise da dívida de

uma série de políticas que os subordinavam política e economicamente às instituições

financeiras internacionais. Conforme Belluzzo:

As palavras de ordem do “novo consenso” eram abertura comercial,

liberalização das contas de capital, desregulamentação e “descompressão” dos

sistemas financeiros domésticos, com a liberalização das taxas de juro, reforma

do Estado, incluída a privatização de empresas públicas e da seguridade social,

abandono das políticas “intervencionistas” de fomento às exportações, à

indústria e à agricultura.

As políticas industriais e de fomento coordenadas pelo Estado foram lançadas

no rol dos pecados sem remissão.18

Em um contexto de triunfo da ideologia neoliberal, com o país com a economia

fragilizada e o consequente aumento no nível de desemprego, este agravado também pelas

profundas mudanças no padrão tecnológico e na forma de organização das empresas no

período, foi criado o cenário ideal para, sob o signo da modernidade, legitimar o discurso de

desmonte das instituições de Estado de fomento à economia e à regulação das relações de

trabalho.

No novo mundo que se abria, às portas do século XXI, não haveria mais espaço para

intervenção Estatal na economia. A tese central era que este, pesado, corrupto e anacrônico

representava um entrave à livre ação das forças de mercado e ao desenvolvimento. Da mesma

forma, os mecanismos de regulação das relações de trabalho, assim como as de proteção social,

18 Disponível em https://www.brasil247.com/pt/247/economia/336066/Belluzzo-Brasil-caiu-%C3%A0-

s%C3%A9rie-B-da-economia-global-e-nunca-mais-voltou.htm acesso em 16 de abril de 2019.

36

além de onerar as empresas e a sociedade, impediam os indivíduos de empreender, se qualificar

e mesmo negociar livremente com seus empregadores melhores condições de trabalho.

Após o hiato de relativo crescimento econômico entre 2003-2014, mesmo com

movimentos contraditórios durante os governos do Partido dos Trabalhadores - em que de um

lado houve aumento da renda e formalização do trabalho, e por outro foram implementadas

algumas medidas flexibilizadoras das relações de trabalho que mantiveram as condições de

insegurança e precariedade para um grande contingente de trabalhadores (Krein, 2017) - a

retomada fulminante da agenda neoliberal em 2016 trouxe novamente a pauta de mais

flexibilização e mesmo eliminação dos direitos sociais do trabalho, agora concretizados na

Reforma Trabalhista.

Com o recente avanço das políticas de desregulamentação do mercado de trabalho,

conforme Pochmann (2016), o Brasil entra na “quarta onda de flexibilização do sistema de

proteção social e trabalhista instituído na década de 1930”.

Resumidamente, na definição do autor, desde então o país passou por quatro ondas de

flexibilização, sendo a primeira, com a ascensão dos militares ao poder após o golpe de 1964,

com a implantação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para substituir a

garantia da estabilidade no emprego. Com isso, o mercado de trabalho brasileiro passou a se

caracterizar pela instabilidade, com alta rotatividade na contratação e demissão da mão-de-obra

e perda do poder de compra dos salários. A segunda onda de flexibilização ocorreu com o

deslocamento da evolução dos rendimentos do trabalho do comportamento acelerado da

produtividade, o que provocou a prevalência de uma economia industrial predominantemente

de baixos salários e grande heterogeneidade nos rendimentos intrarrenda do trabalho e renda

do capital. A terceira onda ocorreu na década de 1990, sob os governos de orientação neoliberal

e a implementação das políticas de flexibilização e generalização de contratos extra regulação

prevista na CLT, como a terceirização. A quarta onda foi desencadeada a partir da metade da

década atual, com nova onda de flexibilização das leis sociais e trabalhistas. (POCHMANN,

2016).

1.4 -Terceirização, MEI, Pejotização – mudanças nas relações de trabalho sem

mudar relação trabalho x capital

Levando-se em conta o aumento da competição intercapitalista sem regulamentação e

a inserção subordinada da economia brasileira ao capitalismo globalizado, o processo de

terceirização da mão-de-obra refletiu o ambiente ao qual foi submetido o mercado de trabalho

37

no Brasil no período recente. Conforme estudo de Pochmann (2016), são apontados dois tipos

terceirização dos contratos de trabalho, sendo que o primeiro tipo se refere à terceirização das

atividades externas ao processo produtivo e que pode ser definido como atividades básicas, ou

atividades-meio não diretamente ligadas à produção, tais como limpeza, segurança, transporte,

alimentação entre outros.

O segundo tipo se caracteriza pela terceirização de atividades internas primárias no

interior da empresa, que estão diretamente ligadas à atividade fim e exercido por empresas

parceiras, em contratos de longo prazo. Neste processo, que Pochmann denomina de

superterceirização, as principais atividades estão no núcleo da cadeia produtiva, principalmente

em funções de produção, vendas, logísticas, organização, supervisão e gerência, entre outras.

Ao contextualizar a proliferação da terceirização e a consequente precarização do

trabalho, Druck (2016) aponta que este processo representou uma redefinição da centralidade

do trabalho. Assim, a reestruturação dos processos produtivos inspirados no modelo toyotista

impõe uma reorganização do trabalho, com papel central das redes de subcontratação.

Conforme a autora:

Assim, junto com a mundialização do capital, a terceirização passou a ser a

forma preferida e eficiente de flexibilização do trabalho para o capital, que a

defende como símbolo da modernidade empresarial e das novas bases de

competitividade mundial (DRUCK, 2016, p. 36).

Dentro dessa análise, a terceirização pode ser entendida no marco da reestruturação

produtiva, inserida no fenômeno da globalização financeira e da consequente implementação

das políticas de flexibilização das relações de trabalho no Brasil na década de 1990. A

terceirização se explica como um fenômeno da acumulação flexível, em um contexto

econômico determinado pela lógica financeira de curto prazo, o que leva as empresas a buscar

altos lucros, transferindo aos trabalhadores a necessidade de maior produtividade em menor

tempo, atrelando os salários à produção, e com redução dos custos de mão-de-obra, com as

formas de contratação flexíveis. Com isso, a terceirização adquire papel central para todos os

tipos de empresa, nos diversos setores; indústria, serviços (públicos e privados), comércio, em

todo tipo de trabalho, conforme a análise de Druck:

É o que sintetiza a terceirização, que como nenhuma outra modalidade de

gestão, garante e efetiva essa “urgência produtiva” determinada pelo processo

de financeirização ao qual estão subordinados todos os setores de atividade, já

que são também agentes e sócios acionistas do capital financeiro (2016, p. 36).

Com a descentralização do processo produtivo, há também a descentralização dos

riscos de produção e da distribuição dos bens e serviços. A forma de contratação e utilização

38

da mão-de-obra são refletidas neste processo a partir da externalização de parte da produção

em diversas cadeias de empresas menores e assim, a empresa foca sua produção em seu núcleo

principal, seja no produto, ou meramente no gerenciamento da marca, conforme Pochmann:

Ao invés da verticalização das atividades produtivas, conforme exigia o

modelo de organização taylorista fordista do trabalho para assegurar a

padronização da oferta dos componentes do conjunto das atividades, ganhou

expressão justamente o movimento de desverticalização das atividades. Assim,

cada empresa buscou identificar, inicialmente, o seu núcleo de competência

(core competence) no interior do processo de produção, visando a externalizar

as demais etapas do processo produtivo (2008, p. 53).

A precarização das relações de trabalho é parte indissociável do processo de

reorganização produtiva iniciada a partir dos anos 1970. O controle da mão-de-obra feito

através do medo do desemprego e atrelamento do salário à produtividade individual ou

vinculado à da unidade de produção levam a comportamentos individualistas e cobrança

horizontal, entre os próprios trabalhadores. Uma das consequências desse processo é o

enfraquecimento das entidades associativas, em especial os sindicatos (BOLTANSKI &

CHIAPELLO, 2009).

Vasapollo (2006), numa análise da relação entre o trabalho atípico e precariedade como

elemento estratégico da forma de acumulação pós-fordista, anota que:

A nova organização capitalista do trabalho é caracterizada cada vez mais pela

precariedade, pela flexibilização e desregulamentação, de maneira sem

precedentes para os assalariados. É o mal-estar do trabalho, o medo de perder

o próprio posto, de não poder ter mais uma vida social e de viver apenas do

trabalho e para o trabalho, com a angústia vinculada à consciência de um

avanço tecnológico que não resolve as necessidades sociais. É o processo que

precariza a totalidade do viver social (2006, p.45).

Desta forma, observa-se que além da reorganização dos métodos de trabalho, a

reestruturação produtiva representou um triunfo do capital sobre o trabalho e a captura das

estruturas do Estado, ao lançar sobre elas o peso econômico e social consequente destas

transformações e ainda se beneficiar, por outro lado, de medidas de desonerações criadas com

o discurso de “fomentar” a geração de empregos (BOLTANSKY & CHIAPELLO, 2009).

Neste contexto, a produção das grandes empresas é pulverizada nos locais de menor

custo dos fatores de produção e são terceirizados os processos que não fazem parte do “core”

da empresa, ou os fatores intangíveis como marca, patente e domínio da tecnologia.

Com a pulverização da produção e consequente fragmentação, os novos métodos

gerenciais introduzidos nas empresas confrontam e visam substituir as formas de organização

dos trabalhadores. Dentro da estrutura de produção horizontal, o indivíduo se transforma no

39

centro do processo produtivo. No plano ideológico, o empregado, agora nominado de

colaborador ou parceiro, também passa a ser responsabilizado pelos resultados da empresa e

por seu próprio ganho, conforme observa Antunes:

Hoje, muito mais do que durante a fase de hegemonia taylorista/fordista, o

trabalhador é instigado a se autocontrolar, a auto-recriminar-se19 e, até mesmo,

autopunir-se quando a produção não atinge a meta desejada (chegando até

mesmo, em situações extremas como o desemprego ou fechamento de

empresas, ao suicídio a partir do fracasso do trabalho). Ou se recrimina e se

penitencia quando não se atinge a chamada “qualidade total”, típica da fase da

superficialidade, do caráter involucral e descartável das mercadorias, com suas

marcas e signos, que faz que, muito frequentemente, quanto mais qualidade

total os produtos tenham, menor seja seu tempo de vida útil. (2005, p. 53).

Druck (2016) considera que as transformações no trabalho são decorrentes do processo

de reestruturação financeira e produtiva, do padrão de acumulação flexível (conforme definição

de Harvey (1993) e que a terceirização se insere numa estratégia patronal, de uma maneira

geral apoiada pelo Estado e governos, que tem sido implementada em escala mundial e seus

resultados práticos são diferenciados por conta do contexto histórico de cada país, que reflete

os níveis de democracia e conquista dos trabalhadores. Além dos fatores já colocados, a autora

aponta cinco elementos que explicitam a precarização como um movimento histórico, político

e social, sendo:

i) uma estratégia de dominação do capital num determinado momento

histórico, combinando a crise do fordismo e dos estados de bem-estar

social, a financeirização da economia, as políticas neoliberais e a

reestruturação produtiva, que formam um novo regime de acumulação

flexível;

ii) não é apenas um resultado ou consequência da flexibilização do

trabalho, conforme afirmado em muitos estudos, ela é a própria

flexibilização, pois flexibilizar é precarizar e precarizar é flexibilizar;

iii) além de ser um processo mundial, conforme afirmado, se generaliza

rompendo determinadas dualidades, a exemplo dos excluídos e

incluídos, empregados e desempregados, formais e informais, ou seja,

há um processo de precarização que se estende para todas as regiões e

todos os diferentes segmentos de trabalhadores, mesmo que se

apresentado de forma hierarquizada;

iv) as implicações destas transformações do trabalho atingem todas as

demais dimensões da vida social: a família, o estudo, o lazer, a

restrição do acesso aos bens públicos (especialmente saúde, educação

e moradia); se expressa não apenas no âmbito do mercado de trabalho,

(contratos, inserção ocupacional, níveis salariais), mas em todos os

19 Conforme consta no original (antes da entrada em vigor da reforma ortográfica)

40

campos, como na organização do trabalho e nas políticas de gestão,

nas condições de trabalho e de saúde, nas formas de resistência e no

papel do Estado (DRUCK, 2016, p. 41).

As décadas finais do século XX apresentaram, portanto, não só um salto na tecnologia

e nas mudanças no sistema produtivo. Implicaram também no avanço das políticas neoliberais

que representaram não só consequências econômicas, mas também comportamentais e

ideológicas. Conforme observado por Burawoy (1985), o processo de produção contém tanto

elementos políticos e ideológicos quanto uma dimensão puramente econômica:

Em outras palavras, o processo de produção não se restringe ao processo de

trabalho – as relações sociais estabelecidas entre homens e mulheres, à medida

que transformam matérias-primas em bens úteis, fazendo uso de instrumento

de fabricação. A produção inclui, também, aparelhos políticos que reproduzem

as relações do processo de trabalho através da regulação dos conflitos

(BURAWOY, 1985).

Mattoso (1990), tendo como referência Boyer (1989), observa que as mudanças que

caracterizaram o sistema de produção nas décadas finais do século XX ocorrem num ambiente

de acelerado desenvolvimento tecnológico e alta competitividade:

O paradigma taylorista e fordista é colocado em xeque pela consolidação de

um novo complexo industrial mecatrônico e por um sistema de produção que

depende cada vez mais de sua capacidade de inovação, ou seja, da busca sem

fim de novos e melhores produtos e de melhorias no processo de produção de

maneira a assegurar uma maior flexibilidade e elevação da produtividade. A

isto se acoplariam novos modelos de relações industriais capazes de fazer

frente às novas condições da economia mundial nos anos 90 (MATTOSO,

1990, p. 3).

Neste cenário, o controle da qualidade torna-se vital e fez com que as empresas

buscassem mecanismos de adaptação. Tarefas como o marketing, comunicação e

administração ganharam centralidade no controle do processo de produção.

Dentro da nova estrutura nas relações de trabalho, foram desenvolvidas regras gerais

que podem ser aplicadas em qualquer empresa e na relação trabalho assalariado/capital. Assim,

há relações de trabalho não assalariado, com outras formas de remuneração e transformação

nas relações capital/capital, como ocorre nos processos de terceirizações – quando uma parte

de trabalho indireto é separado e fatiado e assim sai da estrutura da empresa, ou mesmo na

transformação direta do empregado em empresa, através dos contratos Pessoa Jurídica,

colocando assim uma relação de trabalho subordinado em um contrato entre empresas,

conforme observado acima.

41

Moraes (2013), em análise sobre a concentração e oligopolização das empresas de

comunicação anota que, com as novas tecnologias e sistemas de gestão, que podem

acompanhar o desempenho do trabalho em tempo real, não existe a necessidade de proximidade

entre os locais de planejamento, produção e consumo, porém isso não representa a perda do

controle sobre a produção, ao contrário, ela é intensificada através mecanismos de introdução

e acompanhamento das metas de produção. Conforme o autor:

Para se ajustar a mercados geograficamente dispersos, as organizações

passaram a gerir seus empreendimentos a partir de um centro de inteligência -

a holding – incumbindo de estabelecer prioridades, diretrizes, planos de

inovação e parâmetros de rentabilidade para subsidiarias e filiais. A holding

destaca-se como polo de planejamento e decisão ao qual se remetem as

estratégias locais, nacionais e regionais. Ela organiza e supervisiona a

instituição de cima a baixo, em fragmentos e nódulos de uma rede constituída

por eixos estratégicos comuns e hierarquias intermediárias flexíveis. As

tecnologias são insubstituíveis para o exercício do comando à distância, pois

possibilitam a coordenação e a descentralização dos processos decisórios, bem

como a articulação entre procedimentos operacionais de filiais, subsidiárias,

departamentos e áreas de planejamento, execução, controle e integração.

Temos, portanto, uma concentração de poder sem centralização operacional.

Todavia, não nos esqueçamos de que essa flexibilidade é relativa, já que filiais

e subsidiárias permanecem no raio de eventuais reorientações da matriz. A

holding avaliza uma rede corporativa formada por elementos complementares,

mas mantém, graças à informatização, a ascendência sobre o todo, recorrendo

a mecanismos de acompanhamento de metas de produção, custos,

comercialização e receitas (MOARES, 2013, p. 31-32).

Em estudo sobre o impacto das terceirizações nos direitos dos trabalhadores, em uma

análise comparada dos casos do Brasil e da França, Thébaud-Mony & Druck (2007)

demostram que houve grande crescimento das terceirizações em todas as direções, com

expansão em novas modalidades de contratação e sua disseminação tanto no setor público –

que premido pelas políticas de austeridade fiscal imposto pelas políticas neoliberais e assim

impedido de realizar concursos públicos, suprem a necessidade de contratação de servidores

através de contratos terceirizados via Organizações Não Governamentais (ONGs),

Organizações Sociais (OS), Organizações Sociais de Interesse Público (OSCIP), além de

cooperativas e no setor privado, com a externalização das atividades, com novas modalidades

de contratação precarizadas que ganharam destaque. Assim:

Dentre as novas modalidades, cabe destacar as principais, que são as mais

utilizadas hoje no setor público e privado: a primeira diz respeito às empresas

individuais, em geral incentivadas pela ideologia do empreendedorismo, que,

de fato, sustenta a liberdade das empresas de se desobrigar dos compromissos

de gestão do trabalho, de encargos sociais e direitos trabalhistas, pois forçam

os trabalhadores a alterar sua personalidade jurídica, registrando uma empresa

42

em seu nome. Tal situação transforma o assalariado em empresário e, portanto,

faz com que perca todos os seus direitos trabalhistas, sendo o contrato entre

empresas regido pelo direito comercial, numa relação “entre iguais”...

(THÉBAUD-MONY & DRUCK, 2007, p. 46-47).

Desta forma, as regras que regem as ralações de trabalho são alteradas, embora não haja

alteração na relação entre trabalho e capital. Os conflitos passam a ser “administrados” dentro

do âmbito empresarial. Neste contexto, a política de Recursos Humanos transforma as regras

gerais em individuais e padroniza o comportamento dos trabalhadores. Há a eliminação do

controle coletivo – sindicatos, cooperativas. As ações são padronizadas em processos e

procedimentos na empresa.

O tipo de atividade desenvolvida determina o tipo de mão de obra e a tecnologia que é

empregada. A fragmentação da estrutura produtiva leva ao desenvolvimento de economias

baseada em pequenas empresas – produção pequena – que por sua vez contribui para

reprodução do capital das grandes empresas. Essas microunidades de produção, via de regra,

são compostas por trabalhadores informais e/ou pequenas empresas familiares e caracterizam–

se pela baixa produtividade/ baixa remuneração. Neste contexto inserem-se ainda os

trabalhadores por conta própria, como os chamados microempreendedores individuais (MEI)

ou Pessoa Jurídica (PJ) – que, portando, sob a ótica empreendedora, vende produto do trabalho,

não a força de trabalho, o pode servir de argumento para descaracterizar a relação de trabalho

subordinado.

Nos anos 1990, no Brasil, a adoção das políticas neoliberais e a inserção do país na

dinâmica da globalização financeira levou à abertura econômica, com fortes consequências no

mercado de trabalho interno. O desemprego tornou-se fenômeno de massa, com queda dos

salários e aumento da desigualdade social. Neste contexto de desestruturação do mercado de

trabalho começaram a surgir um conjunto de propostas para mudar a forma de regulamentação

das relações trabalhistas, apontadas como rígidas, anacrônicas e inibidoras da criação de

empregos. Dentre as propostas que surgem no período estão as modalidades de contratação

chamadas atípicas20 e flexibilização da jornada e da remuneração (GIMENEZ & KREIN,

2016).

20 Vasapollo e Martufi (2003), citados por Antunes (2005), colocam como trabalho atípico a prestação de serviços

cuja característica fundamental é a falta ou insuficiência de tutela contratual. Conforme os autores, nesta

modalidade estão incluídas todas as formas de prestação de serviços diferentes do chamado modelo-padrão, ou

seja, trabalho efetivo, com garantias formais e contratuais, contratos full-time e por tempo indeterminado. Acerca

de contratos atípicos, ver nota nº2

43

Numa análise das terceirizações no estado de São Paulo no período de 1985 a 200521

Pochmann (2008) observa que houve uma queda de 71% no tamanho das empresas de

terceirização, o que tende a estar relacionado tanto com o avanço da flexibilização da

terceirização quantitativa (atividades de base) como à alteração no tipo de terceirização (para

a superterceirização). Assim, conforme apontado no estudo, há um aumento expressivo de

empresas sem empregados, as chamadas PJ, que passaram a ser contratadas para as atividades

que antes eram desenvolvidas por empregados assalariados com contratos formais. Conforme

observa Pochmann:

Em 2005, por exemplo, quase 1/3 das empresas de terceirização de mão-de-

obra não tinham empregados, enquanto em 1985, menos de 50% do total dos

empreendimentos eram constituídos por “PJ’s”. Ou seja, no prazo de 20 anos,

o número de PJ’s aumentou mais de 174 vezes (POCHMANN, 2008, p. 61).

No mesmo estudo, Pochmann observa que esta modalidade de contratação não se

restringiu aos empregos assalariados e se espraiou para diversos regimes de contratos não

assalariados com o objetivo de reduzir os custos de contratação da mão-de-obra.

Na comparação com o emprego assalariado formal (público ou privado), o peso

da cunha fiscal do contrato PJ (empresa) chega a ser 56,5% inferior e o do

autônomo de 11,7% inferior. Não foi por outro motivo que a explosão da

abertura de novos negócios no Brasil se deu, em grande parte, devido ao

surgimento das empresas sem a presença de empregados, modificando

significativamente a natureza da composição e dos custos de contratação dos

trabalhadores (idem, p. 62).

Observando o período, o autor constata que a política econômica de liberalização

comercial e financeira adotada principalmente após a implementação do Plano Real, em 1994,

representou um importante constrangimento à expansão produtiva. Com isso, naquele período,

as empresas de terceirização de mão-de-obra se colocaram como uma possibilidade de

aumentar a competitividade das empresas através da redução dos custos do trabalho, que

reforça o discurso de então (e retomado recentemente nas discussões para justificar a aprovação

da reforma trabalhista), de que o principal entrave para o crescimento das empresas e para a

geração de empregos estava nos altos custos de contratação/demissão de trabalhadores e

inflexibilidade da legislação trabalhista.

Estava posto assim um cenário amplamente favorável ao crescimento da

superterceirização, como aponta Pochmann, das atividades-fim. Ganham destaque assim a

terceirização de atividades como supervisão, inspeção de qualidade, vendas, análises, gerentes,

técnicos, entre outras.

21 Levantamento completo em POCHMANN (2008).

44

Na maior parte das vezes, a superterceirização identifica-se com as ocupações

mais sofisticadas, responsáveis por atividades que dizem respeito ao núcleo de

competência em cada empresa. Para poder atender às especificidades das

demandas de recursos humanos por parte do núcleo de competência de cada

empresa, o movimento de terceirização da mão-de-obra passou a ser realizado

por micro e pequenas empresas especializadas na subcontratação de

trabalhadores mais qualificados, sobretudo com a difusão dos chamado “PJ’s”

(POCHMANN, 2008, p. 63).

Nos anos 2000, houve crescimento acelerado da terceirização, mesmo que neste período

a legislação permitia somente que ocorresse em funções que não fossem caracterizadas como

atividade principal da empresa, mas em atividade meio. Os setores mais atingidos pela onda de

terceirização no período foram o setor bancário, os serviços públicos e empresas estatais, com

proliferação da substituição de servidores concursados por contratações através de

Organizações Não Governamentais (ONG), Organizações Sociais (OS) e Organizações da

Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). No setor privado, mesmo nas atividades

nucleares das empresas, cresceram as modalidades de contratações atípicas, como as

cooperativas de mão-de-obra e empresas de uma única pessoa, os PJ (DRUCK, 2016).

Com a aprovação da Lei das Terceirizações (Lei 13.429/ 201722), seguida pela Reforma

Trabalhista (13.467/201723), respectivamente, ampliou-se a possibilidade de formas de

contratação chamadas atípicas, como trabalhadores contratados como Pessoa Jurídica, ou

Micro Empreendedor Individual (MEI), entre outras modalidades de contratação precarizadas,

como as cooperativas de trabalhadores, que até então vinham sendo consideradas pela Justiça

do Trabalho como formas de burla à legislação trabalhista. Na análise de Gimenez & Krein:

A liberalização da terceirização ocorre sob uma estrutura econômica muito

assimétrica. De forma objetiva, não se trata de relações entre empresas

tipicamente organizadas, mas regulamentação a ser aplicada no complexo e

desigual quadro das relações entre empresas contratantes de serviços

terceirizados, mais bem organizados, e no universo heterogêneo e com forte

precariedade material e legal dos contratados. Nessas condições de assimetria,

a empresa contratante tem as prerrogativas de definir as condições da relação

com as terceirizadas, numa óbvia relação de subordinação (2016, p. 30-31).

Assim, a aprovação das leis das terceirizações e da reforma trabalhista em 2017

representou o estabelecimento de um novo padrão de relações de trabalho que marca o

rompimento com as regras construídas desde 1930, com o advento da desregulamentação e

flexibilização favorável aos empresários; constituindo-se em um processo sem precedentes de

22 Texto integral disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13429.htm acesso

em 18 de maio de 2018. 23 Texto integral disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm acesso

em 18 de maio de 2018.

45

precarização das relações de trabalho, como uma avalanche que há muito estava represada. O

amplo cardápio de opções colocadas aos empregadores desequilibra a correlação de forças e

torna o trabalhador um mero instrumento de ajuste de custo e produção, submetido

exclusivamente às necessidades do empregador (GALVÃO et al., 2017).

O gráfico 224 abaixo mostra a crescimento do número de MEIs no Brasil na última

década. Observa-se que desde a criação dessa modalidade de inserção no mercado de trabalho,

houve um salto de pouco mais de 44 mil pessoas para mais de oito milhões de trabalhadores

nesta situação.

Gráfico 2

1.5 - Desregulamentação do trabalho e uberização dos trabalhadores

Com a aprovação da lei das terceirizações e da reforma trabalhista abre-se um processo

sem precedentes de precarização que Pochmann (2016) chama de “uberização” da classe

trabalhadora, numa referência ao modo de organização das plataformas de transportes

mediadas por aplicativos instalados em smartphones, cujos motoristas aderem ao serviço como

24 Extraído de ALVARENGA, Darlan Alves. Reportagem “País já tem 8,1 milhões de microempreendedores

formais; veja atividades em alta entre MEIs”, disponível em

https://g1.globo.com/economia/noticia/2019/04/03/pais-ja-tem-81-milhoes-de-microempreendedores-formais-

veja-atividades-em-alta-entre-meis.ghtml, acesso em 03 de abril de 2019.

46

supostos empreendedores, sem nenhuma relação ou garantia trabalhista. O nome vem da

empresa mais conhecida destes serviços, a Uber.

Conforme Abílio (2017), a uberização, embora um fenômeno recente decorrente do

avanço da tecnologia, tem sua base no processo de precarização do trabalho que transfere ao

trabalhador os riscos e custos do capital, sob o discurso de empreendedorismo.

A uberização, portanto, não surge com o universo da economia digital: suas

bases estão em formação há décadas no mundo do trabalho, mas hoje se

materializam nesse campo. As atuais empresas promotoras da uberização –

aqui serão tratadas como empresas-aplicativo – desenvolvem mecanismos de

transferência de riscos e custos não mais para outras empresas a elas

subordinadas, mas para uma multidão de trabalhadores autônomos engajados

e disponíveis para o trabalho. Na prática, tal transferência é gerenciada por

softwares e plataformas online de propriedade dessas empresas, os quais

conectam usuários trabalhadores a usuários consumidores e ditam e

administram as regras (incluídos aí custos e ganhos) dessa conexão.25

Da mesma forma Antunes (2018), anota a insegurança e precariedade que caracterizam

as novas relações de trabalho, conforme observado nas experiências de reformas ao redor do

mundo.

A instabilidade e a insegurança são traços constitutivos dessas novas

modalidades de trabalho. Vide a experiência britânica do zero hour contract

[contrato de zero hora], o novo sonho do empresariado global. Trata-se de uma

espécie de trabalho sem contrato, no qual não há previsibilidade de horas a

cumprir nem direito assegurados. Quando há demanda, basta uma chamada e

os trabalhadores e as trabalhadoras devem estar on-line para atender o trabalho

intermitente. As corporações se aproveitam: expande-se a “uberização”

amplia-se a “pejotização”, florescendo uma nova modalidade de trabalho: o

escravo digital. Tudo isso para disfarçar o assalariamento (ANTUNES, 2018,

p. 23).

Assim, observa-se que a precarização da mão-de-obra é fruto de processo de mudança

no padrão de acumulação do capitalismo desde a década de 1970 e vem se impondo, com

diferentes formas e modelos desde então. O desenvolvimento da tecnologia no período, com

grande mudança no paradigma nas áreas de comunicação e informação funcionaram como

vetores de estratégias empresariais de redução de custos do trabalho e imposição de novas

formas de uso e remuneração da força de trabalho.

Em pleno século XXI, mais do que nunca, bilhões de homens e mulheres

dependem de forma exclusiva do trabalho para sobreviver e encontram, cada

vez mais, situações instáveis, precárias, ou vivenciam diretamente o flagelo do

25 ABÍLIO, L.K. Uberização do trabalho: subsunção real da viração. Artigo publicado no site Passa Palavra em

19 de fevereiro de 2017. Disponível em http://passapalavra.info/2017/02/110685 , último acesso em 19 de

setembro de 2018.

47

desemprego. Isto é, ao mesmo tempo que se amplia o contingente de

trabalhadores e trabalhadoras em escala global, há uma redução imensa de

empregos; aqueles que se mantém empregados presenciam a corrosão de seus

direitos sociais e a erosão de suas conquistas históricas, consequência da lógica

destrutiva do capital que, conforme expulsa centenas de milhões de homens e

mulheres do mundo produtivo (em sentido amplo), recria, nos mais distantes e

longínquos espaços, novas modalidades de trabalho informal, intermitente,

precarizado, “flexível”, depauperando e ainda mais os níveis de remuneração

daqueles que se mantém trabalhando (ANTUNES, 2018, p. 25).

A crise do capitalismo globalizado após 2008 proporcionou um novo modelo de uso e

remuneração da mão de obra, através de um sistema de coordenação intercapitalista

centralizada das empresas e integração descentralizadas através da produção de bens e serviços

ao redor do mundo. Isso, aliado a tecnologias que permitem o surgimento de controle do

trabalhado através de plataformas virtuais, leva às novas formas de exploração do trabalho,

conforme observam Pochmann & Moraes.

Em relação a isso, identifica-se, por exemplo, a experimentação das formas de

maior exploração capitalista do trabalho humano com a generalização da

terceirização e de sistemas conhecidos como “uberificação” e “nikeficação” ou

“capitalismo de plataforma e empreendedores”. Simultaneamente, a

degradação nas antigas conquistas obtidas pela velha classe trabalhadora

industrial transcorre cada vez mais no ambiente marcado pela flexibilização e

desregulação do sistema de proteção social e trabalhista nas ocupações e

serviços (POCHMAMM & MORAES, 2017, p. 13).

Com isso, as primeiras décadas do século XXI são marcadas pelo paradoxo de uma

extraordinária revolução tecnológica, capaz de colocar o mundo nas mãos de um indivíduo

portando um pequeno equipamento eletrônico pari passu ao crescimento das mais perversas

formas de exploração do trabalho, que remetem às oficinas fabris do século XIX.

Interessante notar que o próprio equipamento que utilizamos como exemplo, reforça

este paradoxo, seja em seu processo de produção, a partir das mais aviltantes condições de

trabalho nas minas de carvão em países subdesenvolvidos (Antunes, 2018), nas condições de

trabalho no processo de desenvolvimento e nas maquiladoras, que também se aproveitam do

trabalho precário nos países pobres; seja como instrumento de perpetuação de uma jornada de

trabalho que não termina, e que as vezes sequer inicia, como ocorre com os trabalhadores zero

hora (intermitentes), os uberizados e os PJ, sempre disponíveis ao trabalho, embora este sempre

incerto.

Abílio (2017), utilizou o termo “viração” para designar a situação em que se encontra

muitos trabalhadores diante do desmonte da desregulação do trabalho e que atinge também os

trabalhadores na área de comunicação e jornalismo. Trata-se da busca de uma forma de

48

inserção no mercado de trabalho, seja através do autoemprego, pequenos negócios e prestação

de serviços, em geral na informalidade.

Conforme mostra a autora, este tipo de inserção no trabalho apresenta um novo estágio

de exploração, uma nova modalidade de terceirizações ao consolidar a mudança do estatuto de

trabalhador para um nanoempresário de si mesmo, sempre disponível para o trabalho, sem

garantias mínimas, mas ainda assim subordinado.

Podemos entender a uberização como um futuro possível para empresas em

geral, que se tornam responsáveis por prover a infraestrutura para que seus

“parceiros” executem seu trabalho; não é difícil imaginar que hospitais,

universidades, empresas dos mais diversos ramos adotem esse modelo,

utilizando-se do trabalho de seus “colaboradores just-in-time” de acordo com

sua necessidade. Este parece ser um futuro provável e generalizável para o

mundo do trabalho (ABÍLIO, 2017)26.

Apesar de ganhar notoriedade planetária com os milhões de motoristas cadastrados na

empresa Uber em todo o mundo, a uberização é resultado de um processo de precarização

associado ao crescimento da massa de desempregados, à desregulamentação do trabalho e às

inovações tecnológicas (KREIN et al., 2018).

Para compreender como a precarização do trabalho dos jornalistas está inserida no

contexto geral de desregulação do trabalho, buscamos, nos capítulos seguintes fazer uma breve

reconstrução do surgimento da imprensa e seu papel no desenvolvimento capitalista, bem como

um breve histórico da imprensa no Brasil, com o surgimento, regulação e posterior

desregulação do exercício da profissão.

26Abílio, L.C. Uberização do Trabalho: subsunção real da viração. Publicado no site do Instituto Humanitas

Unisinos em 01/03/2017, disponível em http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/565264-uberizacao-do-trabalho-

subsuncao-real-da-viracao, acessado em 28 de abril de 2019.

49

Capítulo 2 – O Jornalismo no desenvolvimento capitalista

Neste capítulo busca-se situar a atividade do jornalismo como fruto do desenvolvimento

do capitalismo e da sociedade urbano-industrial, com a crescente necessidade de circulação de

informação e a transformação desta em uma mercadoria, a notícia, que também passa a ser um

produto de compra e venda.

Embora a comunicação e a troca e circulação de informação possa ser localizada desde

o início da história, o que hoje conhecemos como meios de comunicação de massa surge no

contexto do desenvolvimento capitalista, a partir da Revolução Industrial, no século XVIII

(TRAVANCAS, 1992).

A invenção da imprensa por Gutenberg, em 1454, representou uma revolução na forma

de produção de impressos, mas o jornalismo somente surge como atividade a partir da produção

em grande escala e da necessidade e distribuição e da informação. Inicialmente uma atividade

exercida por letrados, com poucos veículos e público restrito. A partir da Revolução Industrial

vão surgindo os grandes meios, como necessidade de circulação de ideias e informação no

desenvolvimento do capitalismo.

(...) é sem dúvida no século XVIII, com a Revolução Industrial, que a imprensa

vai se desenvolver, ganhar força como resultado de um produto industrial com

profissionais especializados. Os principais interesses dos jornais de então eram

mercantis e políticos. Com a Revolução Francesa, em 1789, começa a se fazer

jornais como se entende hoje, com várias páginas e assuntos diversos: um

espaço de opinião e polêmica (TRAVANCAS, 1992, p.17).

A aceleração da industrialização, no início do século XIX representou também um

grande salto para imprensa, com o surgimento de várias inovações, como a impressora a vapor,

que tinha a capacidade de rodar 1100 folhas por hora, que possibilitou a impressão em larga

escala e a produção dos jornais de grande circulação. É também neste período que os jornais

passam a veicular anúncios pagos (TRAVANCAS, 1992).

Outra inovação que irá transformar a produção de impressos e torná-los veículos de

circulação de massa é a criação da máquina de composição, conhecida como linotipo, que

possibilitou a publicação de jornais com tiragens de milhares de exemplares. Outras invenções

deste período foram fundamentais para a transformar a circulação de informação em um dos

grandes negócios do capitalismo nascente. Também surgem nesse período o telégrafo, a

instalação do primeiro cabo transatlântico e o telefone, que proporcionaram novos recursos

para a produção e distribuição de notícias no mundo todo (TRAVANCAS, 1992).

50

A partir dessas inovações, a publicidade irá se tornar parte fundamental para o

financiamento dos meios de comunicação de massa, uma vez que para atender a demanda

crescente de informações, geradas num ritmo cada vez mais rápido, maior é a necessidade de

estruturas física, de equipamentos, logística de distribuição e recursos humanos (KUNCZIK,

2002).

O encarecimento da produção dos jornais de grande circulação criou uma barreira

econômica à sobrevivência de pequenos jornais e levou à cartelização do setor, que passou a

ser dominado por grandes empresas. Arbex Jr. escreve que:

O desenvolvimento das tecnologias da comunicação (após o telégrafo e o

telefone, o telégrafo sem fio, a telecomunicação e o rádio, o cinema e a

televisão) implicou a unificação tecnológica das formas de produzir e imprimir

a notícia, acelerando processos de cartelização da imprensa: os pequenos

jornais locais tornaram-se dependentes dos jornais urbanos das

circunvizinhanças e passaram a ser incorporados a estes como redações

municipais ou afiliadas. Quanto mais rapidamente um jornal era impresso, e

quanto maior o seu alcance, maior a sua importância para os interesses

econômicos privados que o sustentavam, assim como o seu papel de “pórtico

de entrada” para dar visibilidade social a empresas e anunciantes (ARBEX Jr.,

2001, p. 58).

Genro Filho (1987), por outro, aborda a questão da mercantilização da imprensa do

ponto de vista de uma necessidade do capitalismo:

(...) as empresas precisam vender mercadorias que, antes de se constituírem

como valor de troca, como condição para isso, devem ser valores de uso.

Devem ser objetos ou serviços úteis. Sabemos que o capitalismo cria,

constantemente, novas necessidades, muitas delas falsas e degradantes, e os

produtos correspondentes para supri-las. Seguindo esse raciocínio, só duas

alternativas a serem consideradas. Ou as modernas empresas jornalísticas

criaram nos consumidores a falsa necessidade das notícias e informações, tal

como elaboradas atualmente, ou então seguiram a tendência do mercado que

estava se criando com o surgimento de novas necessidades reais. Quer dizer,

ou os capitalistas inventaram, conforme seu arbítrio, o moderno jornalismo e

as necessidades que ele satisfaz, ou perceberam as novas e reais necessidades

(da informação do tipo jornalístico) e fizeram dela uma fonte de lucros.

(GENRO FILHO, 1987, p. 111, grifos no original).

Assim, a informação passa a ter valor de uso e de troca e cria seu produto de compra e

venda: a notícia. Marcondes Filho (1986) define a notícia como uma mercadoria a ser comprada

e vendida, como qualquer produto disponível em um mercado:

Assim como uma roupa que se pode adquirir numa loja, assim como uma fruta

que se pode obter em uma quitanda, também notícias podem ser compradas.

Elas não são somente produtos, como se supõe a acepção mais ingênua. Elas

são, de fato, “a forma elementar da riqueza no capitalismo” (Marx); são

51

mercadorias. São produzidas para um mercado real e encerram em si a dupla

dimensão da mercadoria: o valor de uso e o valor de troca. (1986, p. 25).

Genro Filho, no trabalho acima citado, observa ainda que:

A mercadoria-notícia, ou seja, a informação jornalística comercializada,

continua tendo um valor de uso cujo conteúdo, por definição, jamais pode ser

dissolvido ou abolido, pois ele é a condição para a realização do valor troca.

Mais concretamente, essa persistência do valor uso da notícia se manifesta do

seguinte modo: o espaço ocupado pelas notícias e reportagens, mesmo que

secundários conforme a ótica econômica, deve corresponder a uma

necessidade ao público consumidor para que o espaço publicitário seja

valorizado. (GENRO FILHO, 1987, p. 112 – grifos no original)

Com a expansão do capitalismo e a consequente necessidade de produção e circulação

de notícias, surgem os grandes conglomerados de comunicação, que irão representar e difundir,

através da produção da notícia, os interesses de outros conglomerados econômicos, que via de

regra os controlam, seja através do aporte econômico, da propriedade direta ou mesmo pela

identidade de classe.

Os jornais nascem arquitetados e vocacionados para a lógica empresarial do

capitalismo e não, como apregoa a historiografia corrente, no sentido de

emergir com uma posição ideológica, voltada para o exercício do poder

político.

O surgimento da imprensa e do jornalismo está associado imanentemente ao

comércio. A atividade comercial, isto é, o interesse em desenvolver um

negócio lucrativo, foi sem dúvida, a mola que ativou o processo de criação dos

jornais (MARSHALL, 2003. p. 71).

A partir da análise de Marcondes Filho (1986) pode-se acrescentar que, com o avanço

das tecnologias de informação e comunicação, a imprensa, entendida neste contexto como

meios de comunicação de massa que englobam os meios disponíveis (rádio, televisão, internet),

se conforma como um centro aglutinador das diversas demandas da sociedade.

Na era tecnológica, [...] emerge a imprensa como único grande canalizador

capaz de “organizar” de alguma maneira as aspirações, as reivindicações ou a

insatisfação de uma sociedade, diante do esvaziamento e mesmo

desaparecimento de algumas instituições intermediárias entre Estado e povo,

especialmente daqueles grupos que lutavam ou se engajavam por uma causa

política, ideológica ou moral. (MARCONDES FILHO, 1993, p. 140).

Com o “poder” de se colocar como intermediadora e porta-voz de uma ampla gama de

interesses sociais, os meios de comunicação construíram a narrativa que busca a legitimação

como uma instituição de interesse comum, isenta de interesses políticos e econômicos e tão

somente o lócus de reinvindicações e debates da sociedade. Conforme observado por Fígaro:

52

O jornalismo está vinculado à determinada lógica de organização empresarial,

que enquadra a informação nos objetivos da lucratividade. Na origem, o

arcabouço discursivo que dá sustentação ao jornalismo está vinculado aos

valores da autonomia e da emancipação do cidadão. O jornalismo nasce

inspirado nos ideais do Iluminismo e do Racionalismo, a partir dos quais o

homem adquire centralidade nas decisões dos rumos da sociedade. É uma

narrativa da urbanidade, da polis, do cidadão e da cidadania, mas sempre

delimitada pelos valores do liberalismo econômico. Ao longo do século XX, o

jornalismo consolidou-se como uma narrativa produzida por profissionais

especializados, dedicados exclusivamente a selecionar os fatos do cotidiano

que merecem, a partir de determinada avaliação, ganhar o status de notícia

(2012, p.7)

Da mesma forma, Marcondes Filho descreve como se processa uma narrativa que tem

por objetivo escamotear o caráter mercadológico que envolve a atividade, o que lhe confere

mais poder e social que lhe caberia, uma vez que se trata de atividade mercadológica, com

objetivo de lucro, como em toda empresa capitalista.

Ela é um meio oportuno, veículo possível para a condução dessas campanhas

e, atuando como que por delegação, acaba por absorver muito mais importância

e não raro poder social do que em princípio lhe cabe. Isso porque, como já dito,

a imprensa é uma instituição de natureza econômica. Sua intenção é manter-se

como empresa no mercado, garantir renda e lucro satisfatório, a ponto de pagar

seus encargos sociais, a manutenção de seus equipamentos, a renovação de

seus sistemas técnicos e, como qualquer outra empresa, não coloca questões

éticas ou morais no produto que faz. Simplesmente vende (MARCONDES

FILHO, 1993, p.141).

Moraes (2013) observa que como proprietários dos meios de produção e de toda

infraestrutura e logística necessária, os grandes grupos midiáticos formam um sistema de

produção material e imaterial, que transmite valores e significados que não são meramente

abstratos. Assim, este sistema interfere na circulação de informação e interpretação e cria

consensos sociais.

No contexto do capitalismo globalizado, das grandes corporações financeiras, os meios

de comunicação de massa não são apenas constituídos de instrumento de dominação

ideológica. Eles são parte do próprio sistema, de uma engrenagem de geração de lucros,

produção e circulação de informações e de construção de consensos dentro dos interesses do

mundo das finanças global.

Os medias [meios de comunicação de massa], numa primeira aproximação,

podem ser localizados, sobretudo em fases mais recentes, sob o capitalismo

monopolista e sob hegemonia no capital financeiro, como parte da base

econômica, à medida que, de um lado, as empresas que os compõem são hoje

grandes conglomerados, envolvidos muitas vezes não só nos negócios da área

de comunicações, como em tantos outros, e de outro lado, pelo fato de tais

meios de comunicação, vistos sob um aspecto mais amplo, são elementos

53

constitutivos, estruturantes deste atual estágio de desenvolvimento do

capitalismo, especialmente se se considera o predomínio do capital financeiro,

dependente da rapidez de informações que só a infraestrutura dos media pode

proporcionar (JOSÉ, 2010, p. 111).

Portanto, não é possível analisar a imprensa e o jornalismo dissociado de seu papel no

sistema capitalista e do processo de industrialização, que proporcionou seu crescimento,

tornando possível colocar a informação como um produto de consumo de massa, e mesmo

como um vetor de construção de narrativa e legitimação do capitalismo. Conforme observa

Marshall (2003), a imprensa como conhecemos hoje é fruto das necessidades de informação

decorrente da sociedade baseada no modo de produção capitalista. Assim, a mídia, que se

traduz por meio, é onde se colocam as informações a serem mercantilizadas, vendida como

produto para o consumo.

Considerando os postulados apresentados por Karl Marx e desenvolvidos por

uma corrente significativa de teóricos, é necessário recuperar-se a

compreensão de que a história da imprensa e do jornalismo encerra, em sua

essência, o modo de produção da sociedade capitalista. Esse é o eixo central.

A imprensa periódica surgiu em decorrência da necessidade de informação

mercantil na florescente sociedade capitalista e, portanto, veio suprir

objetivamente uma necessidade do capitalismo (MARSHALL, 2003, p. 64).

Ainda na análise de Marcondes Filho:

O jornalismo, via de regra, atua junto com as grandes forças econômicas e

sociais: um conglomerado jornalístico raramente fala sozinho. Ele é ao mesmo

tempo a voz de outros conglomerados econômicos ou grupos políticos que

querem dar às suas opiniões subjetivas e particulares o foro da objetividade

(1986, p. 11).

O controle da rentabilidade, os altos lucros financeiros que mantém o sistema de

geração ininterrupta do fluxo de informações requerem que elas recebam o tratamento de uma

mercadoria como quaisquer outras, sujeitas as regras do capitalismo, conforme já assinalado.

Desta forma, conforme Moraes:27

O êxito do sistema corporativo de mídia, em larga medida, vincula-se ao

aprimoramento de tecnologias que favoreçam o comando à distância e a

velocidade circulatória do capital. A produtividade e a competitividade

dependem da capacidade dos agentes econômicos de aplicar, com rapidez

inaudita, os dados e conhecimentos obtidos, de forma sincronizada e em

amplitude global. A informação estratégica nos circuitos digitais torna-se uma

mercadoria como outra qualquer, sujeita à lei da oferta e da procura, ao mesmo

27 Op.cit

54

tempo convertida em precioso insumo básico para a geração de dividendos

competitivos (MORAES, 2013, p.29).

Accardo (2007), anota que, atualmente, mais do que em períodos anteriores, os medias

conformam uma indústria sujeita a todas as limitações e imperativos da economia liberal. No

cenário de avanço da tecnologia, com a hegemonia da indústria audiovisual, e particularmente

da televisão, fortaleceu, através da publicidade, a submissão ao mercantilismo de industriais,

banqueiros e outros grandes investidores que agora detêm a posse de quase todas as

informações e meios de comunicação.

Nas sessões seguintes será feita uma reconstrução histórica de como o jornalismo se

estruturou enquanto atividade profissional no Brasil, passando de um ofício exercido de forma

quase amadora até se tornar uma profissão regulamentada, com a obtenção de algumas

conquistas importantes, como a organização em sindicato, a regulamentação legal, o

estabelecimento da obrigatoriedade do diploma de ensino superior específico para seu exercício

e a criação do piso salarial.

Na sequência, será observado o desmonte dessas conquistas, como o fim da

obrigatoriedade do diploma, a crise nos veículos de comunicação, notadamente os impressos,

as demissões em massa, a crescente onda de contratos de trabalho terceirizados, seja como

Pessoa Jurídica, MEI ou trabalho freelance, os impactos da mídia online e a entrada de novos

atores no mercado de comunicação.

2.1 - Breve histórico da imprensa no Brasil

A história registra como primeiro jornal brasileiro o “Correio Brasiliense”, fundado em

Londres em 1808, por Hipólito José da Costa. O periódico, publicado em língua portuguesa,

chegava ao Brasil de forma clandestina para driblar a censura prévia. Com o fim dessa censura

e a Independência, em 1822, foram surgindo novos jornais, em sua maioria em tom panfletário.

(TRAVANCAS, 1992).

O jornalismo como característica de empresa surge no Brasil no final do século XIX,

principalmente na cidade do Rio de Janeiro, a época capital e centro das decisões políticas e

econômicas do país, recém-saído de um regime monárquico para república.

Medina (1978) anota que neste período foi possível observar duas tendências que

transformaram a atividade jornalística em atividade de exploração comercial e industrial. De

um lado, jornais como a Gazeta de Notícias e Jornal do Comércio, veículos tradicionais que

remontavam ao tempo do Império, se modernizaram do ponto de vista da estrutura econômica,

55

com aquisição de equipamentos e passaram a faturar principalmente com a venda de espaços

publicitários. Por outro lado, os novos órgãos que surgiram no período, como o Jornal do Brasil

e em seguida o Correio da Manhã, já nasceram com estrutura empresarial, voltados ao objetivo

principal de obter lucro, como em qualquer atividade capitalista.

A segunda tendência é refletida em outros centros do país neste período, como é o caso

dos periódicos Diário Mercantil, de São Paulo e Correio do Povo, de Porto Alegre (MEDINA,

1978).

No início do século XX, com a possibilidade de veicular propaganda, a imprensa torna-

se definitivamente um negócio empresarial. Isso reflete também em transformações na forma

de apresentar o conteúdo, para se tornar mais atraente para venda em banca e consequentemente

conseguir mais anunciantes. Assim,

As páginas dos jornais não se destinam apenas à política e a literatura, mas

abrem espaço agora para entrevistas e reportagens ao estilo europeu e

americano, o noticiário esportivo, a crônica. Além dessas inovações, a

fotografia e as cores começam a ser utilizadas pela primeira vez

(TRAVANCAS, 1992, p. 19).

Outra característica que irá marcar profundamente não só a imprensa, mas a sociedade

brasileira, é a forma como se desenvolveu o crescimento das empresas jornalísticas no país,

caracterizado por grandes oligopólios familiares e dinastias regionais que utilizaram esses

meios como uma poderosa ferramenta de influência política, econômica e cultural que

prevalece ainda hoje.

Como consequência desta concentração, cabe registrar também que o contraponto, na

forma de resistência de setores populares também tiveram grande importância na história da

imprensa brasileira, notadamente a imprensa operária que surge entre o final do século XIX e

início do século XX.

Entre o fim do século XIX e começo do século XX, uma imprensa especial

ganha terreno e destaque: a imprensa operária. São muitas publicações, várias

delas em italiano, espanhol e alemão, algumas com tiragem de 4.000

exemplares. É uma imprensa característica de uma época e específica para um

tipo de público, que não se reconhecia na grande imprensa (TRAVANCAS,

1992).

A imprensa operária, também chamada imprensa alternativa, embora minoritária e

muitas vezes atuando de forma clandestina terá importante papel ao longo do século XX, seja

como órgão de divulgação de partidos e correntes políticas de esquerda, como instrumento de

agitação, formação e identidade, sendo que muitas organizações assumiram o nome dos

56

periódicos que editavam. Em alguns momentos de grave repressão política, formavam a

principal voz de oposição, como ocorreu no Brasil no final da década de 1970 e nos anos 1980,

no enfrentamento à ditadura militar e no processo de redemocratização do país28.

Sodré (1999), em análise sobre o desenvolvimento da imprensa no Brasil, anota que,

como ocorreu historicamente, a imprensa nasceu e se desenvolveu com o capitalismo e aqui

ela também apresentou as características do capitalismo dependente. Conforme o autor:

A imprensa, [...], nasceu com o capitalismo e acompanhou seu

desenvolvimento. Ela espelha, atualmente, a ampla crise que caracteriza a atual

etapa do avanço do capitalismo. Etapa bem definida, aliás, pelo extraordinário

surto e influência dos referidos meios de massa. Como estamos às vésperas de

avanço tecnológico de proporções inéditas, nesse terreno, é de crer que

profundas mudanças serão operadas nas atividades dos meios de comunicação,

sempre em detrimento da imprensa. Mas, se a imprensa nasceu com o

capitalismo e acompanhou seu avanço, esse processo assinala, no Brasil, traços

particulares, estritamente ligados aos aspectos que o avanço capitalista

apresentou por aqui (SODRÉ, 1999, p. X).29

O que Sodré aponta como aspectos do avanço do capitalismo no Brasil, reflete-se na

concentração da propriedade dos meios de comunicação no Brasil, perpetuada como

instrumento de dominação política, econômica e cultural que permanecem ainda no período

atual, em que pese a advento de novas tecnologias de difusão e das diversas crises enfrentadas

pelo setor.

Dados apresentados pela ONG Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social e

do Media Ownership Monitor Brasil – MOM, frutos de uma pesquisa realizada em 2017,

apontam para a manutenção da alta concentração de audiência, propriedade e concentração

geográfica, numa análise de 50 veículos, nos segmentos rádio, TV, mídia impressa e online

aponta a predominância de grandes grupos econômicos30.

Os 50 meios de comunicação analisados são de propriedade de 26 grupos: 9

pertencem ao Grupo Globo, 5 ao Grupo Bandeirantes, 5 à família Macedo

(considerando o Grupo Record e a Igreja Universal do Reino de Deus - IURD,

ambos do mesmo proprietário), 4 ao grupo de escala regional RBS e 3 ao Grupo

Folha. Outros grupos aparecem na lista com dois veículos cada: Grupo Estado,

Grupo Abril e Grupo Editorial Sempre Editora/Grupo SADA. Os demais

grupos possuem apenas um veículo da lista. São eles: Grupo Sílvio Santos,

Grupo Jovem Pan, Grupo Jaime Câmara, Diários Associados, Grupo de

Comunicação Três, Grupo Almicare Dallevo & Marcelo de Carvalho,

Ongoing/Ejesa, BBC – British Broadcasting Corporation, EBC – Empresa

28 Mais sobre a imprensa operária em: GIANNOTTI (2007; 2014); MOMESSO (2013). 29 O trecho citado encontra-se no artigo “O pensamento de Nelson Werneck Sodré sobre a imprensa e os meios

de comunicação de massa no Brasil, nos últimos anos”, inserido como anexo no livro citado, por isso, apresenta

paginação em numeral romano, diferentemente do restante da obra. 30 A íntegra da pesquisa está disponível em http://brazil.mom-rsf.org/br/midia/, acesso em 25 de março de 2019.

57

Brasil de Comunicação, Publisher Brasil, Consultoria Empiricus, Grupo Alfa,

Grupo Mix de Comunicação/Grupo Objetivo, Igreja Renascer em Cristo, Igreja

Adventista do Sétimo Dia, Igreja Católica/Rede Católica de Rádio e INBRAC

– Instituto Brasileiro de Comunicação Cristã.31

O avanço tecnológico de proporções inéditas apontados por Sodré, às vésperas do

século XXI, se concretizaram nos anos seguintes, com a consolidação da internet, a criação das

redes sociais e o surgimento de equipamentos de comunicação acessíveis a uma grande parte

da população e que a torna capaz de realizar tarefas que antes pareciam ser prerrogativas de

quem atuava no jornalismo.

Obviamente isso impactou profundamente o mercado das empresas de comunicação,

com a crise de antigos modelos de produção de notícia, notadamente os jornais impressos, mas

não só, uma vez que novas tecnologias também possibilitaram a produção de materiais

audiovisuais de alta qualidade, com transmissão via rede de computadores, sem a

intermediação das empresas de comunicação. Como consequência, a profissão de jornalista

também enfrentou essas transformações que modificou, se não a essência, mas a forma de

atuação que se consolidou ao longo do século XX.

Na sequência, buscamos fazer um histórico de como a profissão de jornalista surgiu no

Brasil, como atividade praticamente amadora, se constituiu como uma profissão

regulamentada, vista como prestígio social e o recente processo de desregulamentação,

principalmente a partir da década de 1990.

31 Disponível em http://brazil.mom-rsf.org/br/midia/, acesso em 9 de maio de 2019.

58

Capítulo 3 - A construção e regulamentação da profissão de jornalista no Brasil

A profissão de jornalista no Brasil foi constituída inicialmente como ofício exercido de

forma militante, não caracterizando necessariamente uma profissão ou mesmo a principal fonte

de renda. O reconhecimento do jornalista enquanto profissional só começa a ser reivindicado

no Brasil a partir do século XX, embora a atividade, como visto anteriormente, tenha seus

primeiros registros no país desde 1808. No decorrer do século XIX, mesmo com o surgimento

de publicações periódicas, jornais e gazetas, a atividade era exercida por um profissional

completamente diferente do jornalista profissional que surgiria depois.

Por volta da metade até o final do século XIX, algumas pessoas já eram

consideradas jornalistas, mas o ofício de escrever para jornal não era encarado

como uma profissão. Um dos intelectuais que, em 1908, fez parte da fundação

da Associação Brasileira de Imprensa, ABI, avaliava que as características

heterogêneas daquele conjunto de produtores de conteúdo, bem como suas

condições de trabalho e salários nos veículos impressos do início do século

eram sintoma de uma profunda falta de profissionalização dos jornalistas

(LOPES, 2011, p. 61).

Com o desenvolvimento capitalista no país e o consequente crescimento da difusão de

informação, esse ofício foi se constituindo como profissão, até sua regulamentação,

primeiramente na década de 1930, com o surgimento dos sindicatos da categoria e,

posteriormente na década de 1960, durante o período da ditadura militar, com a exigência de

diploma superior específico para o exercício da atividade e consequente proliferação das

faculdades de jornalismo. Nas últimas três décadas o jornalismo vem passando por uma onda

de desregulamentação, inserido no contexto de desregulamentação dos direitos do trabalho no

Brasil, como veremos abaixo.

Os primeiros passos para a regulamentação do jornalismo enquanto profissão no Brasil

data da década de 1930. Fruto da política adotada por Vargas de incentivo a criação de

sindicatos, além dos trabalhadores jornalistas, surgem também os sindicatos patronais de

jornais, revistas e de rádio da Capital paulista.

Antes, em 1909, foi criada Associação Brasileira de Imprensa (ABI), com o objetivo

de se constituir como uma caixa de assistência aos profissionais, no mesmo momento em que

começava a surgir no Brasil diversas organizações operárias, sendo que no ano anterior havia

sido realizado na cidade do Rio de Janeiro o Congresso Operário Brasileiro (COB).

Neste ponto cabe uma breve contextualização.

59

Na década de 1930, uma das políticas do governo Vargas era inserir a crescente classe

trabalhadora urbana nas políticas sociais definidas pelo Estado e ao mesmo tempo a controlar,

com a criação de entidades associativas e através de seu atrelamento político e econômico a

estrutura do Estado (GOMES, 1988). Numa análise dos estudos de Oliveira Viana, um dos

principais formuladores desta política, Gomes (2012) anota que, dentro do projeto de Vargas,

a organização corporativa dos trabalhadores era a melhor forma de garantir a ordem política e

social e manter as condições para o desenvolvimento urbano e industrial que começava a ser

implementado. Isso envolvia um modelo de organização sindical tutelado pelo Estado, que

serviria inclusive de modelo para a organização da sociedade que se pretendia construir.

A base do modelo era a ampliação da participação do povo, organizado em

associações profissionais, que respondiam ao problema da incorporação de

novos atores à esfera pública, o que era inviável segundo as práticas liberais,

parcamente institucionalizadas e incompatíveis com a realidade nacional. Por

essa razão, tais associações precisavam ser estimuladas e reconhecidas

legalmente pelo Estado para exercerem funções efetivas de canalização e

vocalização dos interesses de um determinado grupo social. Tinham que se

transformar em instituições de direito público, atuando por delegação estatal e

ganhando legitimidade política, além de outros recursos de poder. Entre eles e

com destaque, os financeiros, materializados no recolhimento compulsório de

um tipo de imposto que atingiria a todos os trabalhadores, fossem

sindicalizados ou não: o imposto sindical (GOMES, 2012, p. 80-81, itálico no

original).

Não por acaso, conforme observado por Mendes (1999), o Sindicato dos Jornalistas do

Estado de São Paulo nasceu no mesmo ano em que foi criado o Departamento de Imprensa e

Propaganda (DIP), pelo governo Vargas, e, no final do mesmo ano, instituído o Estado Novo.

Na mesma década, em 1935, surge a primeira faculdade voltada para a formação de

jornalistas, na então Universidade do Distrito Federal, com formação voltada principalmente

para as Ciências Sociais e Ética (MENDES, 1999).

Com a imposição do Estado Novo a Universidade foi fechada e somente em maio de

1943 foi editado o Decreto Lei 5480 que criou o ensino de comunicação social em nível

superior.

Porém, foi graças a ação da ABI junto ao governo Getulista, que se iniciou na

Faculdade Nacional de Filosofia, da Universidade do Brasil, a formação

superior para a área. Os primeiros alunos ingressaram na instituição em 1948,

com apoio da multinacional fabricante de cigarros Souza Cruz e contra a

vontade dos empresários de comunicação (MENDES, 1999).

A criação do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo, em 1937,

acontece no momento em que, por um lado o governo de Getúlio Vargas intensificava o

60

controle sobre a imprensa e, do lado profissional, o jornalismo ainda se configurava como uma

profissão semiamadora, precária e pouco organizada. Além da ABI, com sede no Rio de

Janeiro, a categoria tinha como representantes a Associação Paulista de Jornalistas (APJ) e a

Associação dos Cronistas Esportivos do Estado de São Paulo (ACEESP), todas entidades de

caráter assistencial e previdenciária.

Quando o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo nasceu, jornalismo ainda não

era uma profissão na sua essência. Era um “bico”. Jornalista era chamado de

“militante da imprensa” e não precisava ter formação.

Os salários viviam atrasados e eram minguados. Mulher na redação era coisa

raríssima, porque jornalista era sinônimo de boemia e marginalidade. Férias,

aposentadoria, assistência médica nem existiam para os militantes da imprensa.

Como a penúria era grande, os jornalistas acabaram formando algumas

associações para assistência mútua, antecessoras do Sindicato.32

Com a criação do Sindicato e maior organização da categoria, tem início a um processo

de profissionalização e são obtidas algumas conquistas importantes, como o Decreto-lei

910/38, que determinou a jornada de cinco horas, o registro profissional, as férias remuneradas

e a formação das escolas de jornalismo. Porém, o primeiro curso superior de jornalismo em

São Paulo só seria criado em 1947, na Fundação Cásper Líbero, oferecido em associação com

o curso de Filosofia da PUC-SP33.

Na década de 1950 é que a profissionalização começa a se consolidar com uma série de

mudanças nas redações, que passaram a produzir um tipo de jornal que tinha como objetivo ser

atrativo para conquistar um público mais amplo. Houve assim, um rompimento com o modo

anterior de produção de jornais. A característica de veículos voltados mais para valores da

política, do direito e da literatura foi substituído pelo discurso da objetividade, que levou a

maior autonomização do jornalismo e seu modo de se apresentar ao público (LOPES, 2011).

É nessa fase que, pressionado pelo crescimento do rádio e o surgimento da televisão,

que os jornais impressos adotam o modelo norte-americano de produção de reportagens que se

mantém até os dias atuais. É o modelo da pirâmide invertida, ou seja, com o fato principal da

notícia sendo relatado logo no primeiro parágrafo, também chamado de lead34 (condutor do

texto), com prioridade para textos meramente informativos, em detrimento dos opinativos que

32 Texto da Jornalista Evalise Pacheco na Revista Comemorativa do 70º aniversário do Sindicato dos Jornalistas

Profissionais no Estado de São Paulo, publicada em abril de 2007. 33 Revista comemorativa do 70º aniversário do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, p.

35. 34 O lead é uma técnica de redação jornalística que surgiu nos Estados Unidos e que busca resumir toda a

informação no primeiro parágrafo do texto, baseado na seguinte fórmula: Quem? O que? Quando? Onde?

Consequências. A lógica desta fórmula é dar ao leitor a opção de ser informado do básico sem necessariamente

ler o restante do texto caso não tenha tempo ou interesse. Assim, a notícia perde o perfil analítico, procurando, em

tese, ater-se a objetividade factual.

61

caracterizavam a fase anterior. São valorizadas as fotografias, as ilustrações, gráficos e os

textos opinativos passam a ser exclusivos ou dos donos do jornal ou de articulistas com

prestígio em alguma área de interesse para publicação, da política às artes.

Surgida nos Estados Unidos depois da I Guerra Mundial, numa visão funcionalista da

comunicação social, atribuiu-se uma aura de imparcialidade e objetividade aos meios de

comunicação e do próprio jornalismo, que a passa a reivindicar como mero observador dos

fenômenos sociais, apartados do movimento histórico e de seus blocos de classe (GENRO

FILHO, 1987). Assim, assumem simplesmente a função de “instituição” da sociedade

capitalista contemporânea, assim entendida como “paradigma do progresso e da normalidade”.

Neste novo modelo não caberia mais, portanto, o jornalista semiamador, ou romântico.

Assim, a profissionalização e consequente regulamentação passaram a ser a principal

reclamação tanto dos jornalistas como dos proprietários dos jornais.

Nesse cenário, um dos principais valores a contribuir para a autonomia

jornalística em relação à influência político-jurídica-literária foi a norma da

objetividade, primeiramente adotada pelo Diário Carioca e, em seguida, por

outros jornais do Rio de Janeiro. A institucionalização desse ideal em manuais

de redação e em programas de disciplinas no ensino superior acabou fazendo

com que ele fosse intimamente associado à ideia de profissionalismo e de

jornalismo correto. Não obstante tenham enfrentado resistências por parte dos

jornalistas, as regras da objetividade acabaram sendo reproduzidas por

redações de todo o país, incluindo as de rádio e televisão. Elas serviram não

apenas de orientação pragmática do trabalho, mas se tornaram pilares para a

construção de toda uma deontologia (LOPES, 2011, p. 62).

3.1 A luta pela regulamentação e as greves de 1961 (vitoriosa) e de 1979

(derrotada)

O processo de regulamentação também teve episódios importantes de mobilização

através da entidade sindical. Até o início dos anos 1960, apesar da profissionalização, o

trabalho precarizado ainda era característica da profissão.

Em 61, os jornalistas estavam sendo apresentados a uma gradual

profissionalização da atividade. As redações já não pertenciam mais aos

estudantes de outras áreas ou a servidores públicos que achavam no jornalismo

uma forma de complementar a renda. Os jornais, rádios e TV começavam a

vender um produto novo e diferenciado, um jornalismo profissional. Mas os

62

jornalistas ainda viviam uma realidade próxima à ficção, com salários baixos

e irregulares e com uma jornada extenuante.35

Assim, em dezembro de 1961, foi deflagrada uma greve reivindicando reajuste salarial

de 60% e piso salarial, a época no valor de 26 mil cruzeiros, o que equivalia a dois salários

mínimos de São Paulo. O movimento teve grande adesão dos jornalistas e parte dos gráficos.

A paralisação durou cinco dias, com fortes enfrentamentos com a polícia e com os

empregadores, com piquetes para evitar que os jornais circulassem. O movimento saiu

vitorioso com a decisão do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), que deu ganho de causa aos

jornalistas, como reajustes de 45% no salário e estabeleceu o piso de 22 mil cruzeiros a época36.

Quase duas décadas depois, em 1979, período em que ocorriam as grandes

mobilizações sindicais, principalmente na região do ABC paulista, os jornalistas do estado de

São Paulo realizaram um novo movimento paredista, reivindicando 25% de aumento salário e

imunidade contra dispensa para membros de conselhos consultivos e representantes de redação.

A greve foi decretada em um momento em que os jornalistas vinham de uma grande

mobilização em decorrência do assassinato, sob tortura, pela ditadura militar, do jornalista

Vladimir Herzog, em outubro de 1975.

Em 1979, os jornalistas vinham com a moral alta: há dois anos haviam vencido

o regime militar ao fazê-lo reconhecer a autoria da morte de Vladimir Herzog;

conseguiram aprovar a regulamentação da profissão e acompanhavam os

avanços nas greves do ABC, com o novo ordenamento de forças

capital/trabalho nelas embutido. Neste clima, mais de 1,5 mil jornalistas

realizaram a maior sessão de assembleia dos 42 anos de história do Sindicato,

no dia 16 de maio37.

Porém, diferentemente do que ocorreu em 1961, desta vez a greve foi derrotada. A

movimento não contou com a adesão dos gráficos e de outros setores, como radialistas. Com a

profissionalização havia também mudado o perfil dos jornalistas, com novas funções, “cargos

de confiança” e produção de reportagens por agências. O Tribunal Regional do Trabalho

decretou a ilegalidade da greve e os jornalistas voltaram ao trabalho em seguida.

Em depoimento à Revista Comemorativa de 70 anos do Sindicato dos Jornalistas

Profissionais do Estado de São Paulo, o jornalista Juca Kfouri fez o seguinte relato: “Foi um

aprendizado duríssimo, uma derrota muito grande. A gente prometia que não ia ter jornal no

dia seguinte e teve. Eles saíram com 10 ou 15% dos jornalistas trabalhando, mas saíram”. Na

35 de SANTIS Fernando. Sobre Greves, solidariedade e lições antagônicas. In: Revista comemorativa do 70º

aniversário do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, Abril 2007, p. 42. 36 Idem. 37 Ibidem.

63

mesma reportagem, pode-se destacar a seguinte frase: “As empresas haviam aprendido fazer

jornalismo com bem menos jornalistas”38.

Seria um prenúncio da crise a que categoria iria enfrentar nas décadas seguintes? Esta

foi a última grande mobilização dos jornalistas, que nos anos seguintes entrariam em um

período de perdas e precarização, tanto pelas mudanças que começavam a ocorrer no mercado

de trabalho, quanto pelas grandes transformações tecnológicas na área de comunicação e

também pela perda da obrigatoriedade do diploma de curso superior específico para o exercício

profissional - uma questão se arrastou por anos, sendo constantemente contestada e burlada

por vários veículos de comunicação, notadamente a Folha de São Paulo – até decisão do

Supremo Tribunal Federal em 2009, que aboliu o a obrigatoriedade, como veremos adiante.

Portanto, o período narrado acima marca o momento em que os jornalistas se

conformaram enquanto uma profissão regulamentada, que pode ser resumido nos principais

eventos envolvendo sua entidade sindical no estado de São Paulo, conforme resumido Mendes

(1999):

No mesmo ano em que foi criado o DIP, era fundado o Sindicato dos Jornalistas

Profissionais do Estado de São Paulo. O movimento sindical dos jornalistas

paulistas teve três momentos marcantes: em 1961, uma greve conquistou o

primeiro piso salarial da categoria. Em 1975, a morte do jornalista Vladimir

Herzog - pela ditadura militar - provocou indignação geral e diversas

manifestações. Em 1979, outra greve mobilizou grande parte da categoria,

embora não tenha alcançado êxito quanto às reivindicações.39

3.2 – Exigência do diploma e mudança do perfil da categoria

Outro marco importante na regulamentação da profissão aconteceu em 1960, com a

realização do primeiro congresso sobre o ensino superior de jornalismo. Em 1962 o Decreto

1.177/62 determinou a obrigatoriedade do diploma para a concessão do registro profissional e

a instituição do estágio. Porém, como ainda não havia regulamentação, a exigência do diploma

só foi definitivamente estabelecida através do Decreto-lei 972/69, durante a ditadura militar. O

decreto, ao mesmo tempo em que atendia a uma reivindicação dos jornalistas organizados em

sindicatos, abria mercado para a proliferação das faculdades de jornalismo, num momento em

que a censura cerceava gravemente o exercício livre da profissão.

38 Idem, ibidem. 39 MENDES, R.F. A profissionalização do jornalismo no Brasil. In. Sala de Prensa – web para profisionales de

comunicación ibero-americanos. Disponível em http://saladeprensa.org/art40.htm acesso em 27 de setembro de

2018.

64

Em artigo publicado na Revista Comemorativa dos 70 anos do Sindicato dos Jornalistas

do Estados de São Paulo, o jornalista José Hamilton Ribeiro faz um duro retrato da profissão

antes da regulamentação, observando que até então o recrutamento dos profissionais pelas

empresas de comunicação não tinha um critério estabelecido, o que, em sua opinião, formava

um quadro desfavorável à valorização e qualificação da profissão. Conforme descrito por

Ribeiro, na época da fundação do SJSP, para exercer o ofício de jornalismo o único requisito

necessário era ter mais de 14 anos de idade.

Repórter era recrutado entre “office-boys”, porteiros, vigias, motoristas,

entregadores de jornal – muitos deles analfabetos. Gente que trabalhava por

um prato de comida e que se punha diante da empresa com absoluta

inferioridade psicológica.

Redação era lugar de boêmio, de falso poeta, de desajustados em geral, de

picaretas e aproveitadores sem nada a perder, a tal ponto que um jornal de São

Paulo – a Folha! – escreveu isso num editorial (dia 29/11/37): “É uma

necessidade a Escola de Jornalismo. Há na imprensa, bem sabemos, uma boa

porcentagem dos que realmente têm vocação, mas, ao lado destes, em não

pequeno número, os fracassados em outras profissões, os que procuram fazer

do jornalismo um negócio, ou os que, por vaidade, aspiram ver o nome em letra

de forma”40.

A exigência do diploma, por outro lado, também criou um impasse para os profissionais

que já exerciam a profissão, mas não tinham formação específica. Cabe ressaltar que em 1969

existiam 18 faculdades com curso de jornalismo autorizada pelo MEC, sendo que algumas

ainda não tinham formado as primeiras turmas.

O impasse foi contornado com a criação da figura do provisionado, ou seja, o jornalista

com registro profissional, mas sem formação específica. Essa solução criou uma divisão entre

os jornalistas, uma vez que o artigo 12 do Decreto 972/69 definia que profissionais nesta

situação não poderia exceder o limite de um terço das novas admissões. Outro decreto

dificultou ainda mais o exercício da profissão sem o diploma ao definir que estes profissionais

não poderiam exercer cargos de chefia (LOPES, 2011).

Kucinsky (2005), por outro lado, observa que o exercício da profissão de jornalista,

além da formação profissional, requer sensibilidade e uma certa vocação. Para o autor, o

argumento de que antes do estabelecimento da exigência do diploma o jornalismo era exercido

apenas por boêmios e românticos fica mais no campo imaginário do que com base na realidade.

Assim, a abertura das escola de jornalismo tinha mais a função de preparar profissionais

para as mudanças ocorridas na década anterior, quando as grandes reportagens, a postura mais

40 RIBEIRO, José Hamilton. Sindicato, 60 mais 10: 70. In. Revista comemorativa do 70º aniversário do

Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo. Abril, 2007.

65

crítica, irreverente e desafiadora perante as autoridades e ideologia dominante foi perdendo

espaço para as chamadas reportagens objetivas, simples relatos de fatos descontextualizados,

preso a manuais de redação, o que, por sua vez, fez surgir um profissional com maior

capacidade técnica, porém com postura mais blasé diante dos dramas humanos e sociais e sem

tempo e até mesmo sem vocação para buscar grandes histórias (KUCINSKY, 2005).

Dentro desta análise, a proposta da criação de cursos superiores de jornalismo buscava

a formação de profissionais com o objetivo de suplantar a falta de conhecimento diante do um

mundo que exigia saberes cada vez mais especializados.

[...] Mas o resultado dessa experiência, praticamente única no mundo, foi

constrangedor. O saber e a auto-estima dos jornalistas não aumentaram; ao

contrário, caíram ainda mais. E a vocação deixou de ser critério para o ofício

de jornalista. Vocação vem do latim vocare. Designa, mais do que talento, um

chamado interior sobre o qual não se tem controles, uma urgência de fazer algo

(KUCINSKY, 2005, p. 103).

O fato é que, com a exigência do diploma, houve um grande crescimento da oferta de

cursos universitários, o que consequentemente levou ao aumento de profissionais habilitados

para o exercício da profissão.

Em menos de 20 anos, o número de cursos de jornalismo abertos no Brasil

aumentou mais que cinco vezes. Dados do Instituto Nacional de Estudos e

Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, Inep, contabilizam que o número de

graduados com essa habilitação em 2001, foi de aproximadamente 13 mil; em

2002, 15 mil e em 2003, 18 mil. Estima-se, com isso, que apenas na primeira

década do século XXI, foram despejados quase 180 mil novos bacharéis em

jornalismo no mercado de trabalho (LOPES, 2011, p. 67).

Dados mais recentes, como mostra o Censo da Educação Superior de 2017 aponta a

existência de 273 Instituições de Ensino Superior de Jornalismo sendo 55 públicas e 218

privadas. Segundo o mesmo levantamento, naquele ano foram formados 8.518 alunos41.

Interessante notar que, desde 2009, o diploma de curso superior específico para exercício da

profissão de jornalista deixou de ser exigido, como veremos mais adiante.

Tabela 1 – Instituições de curso superior e número de formados em 2017

41 Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Sinopse Estatística da Educação

Superior. Brasília: Inep, 2018. Disponível em < http://portal.inep.gov.br/web/guest/sinopses-estatisticas-da-

educacao-superior> Acesso em 26 de março de 2019.

66

2017 Públicas Privadas Total

Número de

instituições

55 218 273

Número de

formados em 2017

2022 6496 8518

Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP. Sinopse Estatística da

Educação Superior no Brasil. Elaboração própria.

Com a criação das escolas de jornalismo, ocorreram mudanças importantes no perfil do

jornalista. O que antes era um ofício relacionado à boemia e romantismo, exercido

predominantemente por homens, foi substituído por profissionais com formação superior.

Outra mudança importante neste período é que as mulheres passaram a ser maioria na profissão.

Ribeiro (1998), observa que quando o Sindicato dos Jornalistas foi fundado, em 1937,

dos 303 associados não chegavam a 0,5% de mulheres. O quadro começa a mudar na década

de 1970, quando o exercício do jornalismo deixa de ser “coisa de homem”, muito em função

da regulamentação e do acesso à profissão via diploma universitário.

Com os primeiros passos para a regulamentação da profissão e, basicamente,

com as escolas de Jornalismo, a sindicalização feminina passou a aumentar,

ainda que discretamente. Nas décadas, 50 e 60, as mulheres não passavam de

5% da categoria. A partir de 1970, a presença de mulheres jornalistas

sindicalizadas entrou em curva ascendente (RIBEIRO, 1988, p. 134).

Ainda assim, conforme anota Ribeiro, a taxa sindicalização não constitui o melhor

parâmetro para mostrar o crescimento da presença feminina na profissão, dada a baixa taxa de

sindicalização. Conforme o autor, o número de matrículas na faculdade Cásper Líbero, mais

de 70% das vagas, e a existência de maioria de mulheres em postos de chefia em alguns

veículos, em 1998, eram uma sinalização desta mudança no perfil de gênero da categoria.

Conforme dados da pesquisa “Quem é o Jornalista Brasileiro”, realizado em 2012 pelo

Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da Universidade Federal de Santa Catarina

(UFSC), em convênio com a FENAJ42, naquele ano a categoria era composta majoritariamente

por mulheres, que representavam 64% do total, enquanto os homens eram 36%.

42 A pesquisa foi coordenada pelo professor Jack Mick, com participação dos pesquisadores Alexandre Bergamo

e Samuel Lima.

67

Gráfico 3

Fonte: Pesquisa “Perfil profissional do jornalista brasileiro – Etapa 1”

Fígaro (2014) observa que desde os anos 1990 a feminização da categoria tornou-se

mais concreta. O perfil de mulheres jovens, com nível superior tornou-se maioria absoluta dos

profissionais. Essa mudança, conforme aponta a autora, também representou conflitos e

preconceitos, seja do machismo arraigado na sociedade, seja por antigos profissionais que se

viram ameaçados em seus postos e que associavam o crescente número de mulheres nas

redações à perda da qualidade no jornalismo.

Mesmo com o preconceito machista, hoje muitas mulheres ocupam postos de direção,

chefia e reportagens de destaque. Importante notar, como também observa Fígaro, que essa

mudança no perfil de gênero no jornalismo não está dissociada do crescimento da participação

feminina no mercado de trabalho brasileiro. O mesmo preconceito e assédio enfrentado nas

redações é o que se reproduz no mercado de trabalho de uma forma geral.

3.3 – As crises do jornalismo e dos jornalistas

Numa análise histórica do surgimento do jornalismo e da profissão de jornalista

observa-se que sempre houve momentos de crise e dúvidas relativas ao futuro desta profissão,

principalmente devido às transformações tecnológicas de cada período.

Mulheres64%

Homens36%

JORNALISTAS BRASILEIROS POR SEXO (2012)

Mulheres Homens

68

Na análise de Lopes (2011), ao centrar a discussão dos problemas enfrentados pelos

jornalistas na questão das mudanças na tecnologia, pode-se distorcer a compreensão que a

atividade jornalística vive em constante instabilidade. Conforme aponta a autora, com base no

que preconiza a École des Annales43 – em que processos históricos ocorrem em conexão e não

como uma reunião de acontecimentos ou feitos de personagens históricos isolados - as crises

são consequências de acirramento de conflitos já existentes, que estão latentes em determinado

momento ou contextos sociais e que confrontam modelo suspostamente estável. Assim ocorreu

e ocorre com o jornalismo.

Neste sentido, a reflexão proposta por Lopes sobre a atual crise do jornalismo e que se

relaciona com o exercício da profissão de jornalista deve ser colocada sob os aspectos de quais

setores estão em crise.

As transformações nas relações de trabalho e mudanças no padrão tecnológico que

afetam a forma de produção de notícias com reflexos na atividade dos jornalistas devem ser

compreendidas dentro da lógica das transformações no modo de produção e na dinâmica do

desenvolvimento capitalista, uma vez que o jornalismo, enquanto atividade profissional é fruto

deste desenvolvimento e os meios de comunicação não diferem das demais empresas

capitalistas, ou seja, comercializam uma mercadoria, a informação, e a vendem com objetivo

de obter lucro.

Obviamente, trata-se de uma mercadoria diferente, pois mais do que valor de troca, ela

também se constitui como um instrumento de difusão de valores sociais e econômicos e cumpre

papel fundamental na dominação de um setor social sobre outro. Mais do que um “quarto

poder”, forma um poder em si própria.

Na análise de Lopes (2011), tanto a modelo de produção baseado na “objetividade”

jornalística, quanto a própria instituição do diploma, embora esta última questão fosse uma

reivindicação de parte dos jornalistas, representaram, ao seu tempo, o que pode ser

caracterizado como uma “crise” da profissão, uma vez que exigiam mudanças no que vinha

sendo feito até então.

Outro ponto apontado por Lopes como uma crise para os jornalistas foi o impacto da

chegada dos computadores, em meados da década de 1980, que provocaram profundas

mudanças no ambiente de trabalho, com a substituição das tradicionais máquinas de escrever

43 Fundada em 1929 por Lucien Febvre e Mark Bloch, a École des Annales foi um movimento historiográfico

francês do século XX que tinha como características a utilização em suas análises, de métodos da Ciências Sociais

e da História. Para ver mais sobre o tema: BRAUDEL (2009) e BURKE (1990).

69

que ditavam o ritmo de trabalho e eram praticamente o símbolo das redações de jornal até

então.

A inserção de tais aparatos tecnológicos impactou o universo jornalístico de

diferentes formas, as quais foram percebidas de maneiras variadas pelos

integrantes do grupo dos jornalistas. As empresas, de modo geral, celebraram

as intervenções pelo fato de terem dado um ar mais clean ao local de trabalho,

além de terem acelerado o processo de fechamento das edições e permitido

maior controle sobre o serviço dos funcionários. Já os sindicatos manifestaram

preocupação com o fim de algumas funções, como, por exemplo, as de

copidesque ou de revisor. Os representantes de classe também questionavam

sobre as pressões sofridas pelos jornalistas no processo de adaptação às novas

exigências, ao novo ritmo, ao novo modo de trabalho (LOPES, 2011, p. 63).

Observa-se assim que, tal como ocorreria nos anos seguintes, as mudanças na

tecnologia utilizada no fazer jornalismo causam impactos e geram “crises” no momento em

que são implementadas. Não se pode dizer que isso ocorre apenas no jornalismo. O que de fato

vai causar grandes mudanças no exercício da profissão, além de todo o processo de

informatização e uso de tecnologias que até então estavam no campo da ficção será

desregulamentação da profissão de jornalista, que não pode ser observada apartada das

mudanças gerais nas relações de trabalho que caracterizaram o período. Como bem observa

Lopes:

De fato, os impactos da tecnologia sobre as profissões são fortes, a ponto de

extinguir funções, alterar modus operandi, conferir novo ritmo, criar novas

ansiedades e diminuir outras, motivar formações em novas competências. Elas

movimentam não apenas o campo dos fazeres, mas também o dos saberes e

dos valores. Contudo, é bom que se deixe extremamente claro que não é a

tecnologia sozinha e autonomamente que provoca tais alterações. Ela possui

tanto um caráter de produtor quanto de produto das ações humanas (LOPES,

2011, p. 64).

Na análise de Dantas et al. (2017) a percepção de precarização da profissão é refletida

na realidade vivida pelos profissionais, cada vez mais exigidos para o desenvolvimento de

novas competências, com prazos cada vez menores para execução do trabalho, acúmulo de

trabalho e a constante ameaça de demissão.

As tecnologias digitais possibilitaram a concentração de funções distintas em um único

profissional, que realiza assim mais etapas da produção da matéria jornalística, que produz para

diversos veículos.

Isso permitiu, por um lado a redução de custos e facilitou a coleta de informações, o

que causou uma mutação no profissional. O estereótipo do intrépido repórter de rua é

substituído pelo jornalista que passa a maior parte do tempo sentado em frente ao computador.

Mesmo confinado ao espaço da redação, ou as vezes de sua casa ou escritório próprio, esse

70

profissional passar a exercer uma série do funções, que lhe vale o rótulo de polivalente, o

desejado multimídia capaz de produzir conteúdo para os mais diferentes meios de difusão.

Ocorre que essas novas funções, com habilidades sem as quais, hoje, impossibilitam

qualquer tipo de inserção no mercado de trabalho, não são remuneradas, ou seja, o

multiprofissional continua a receber como um único trabalhador.

A exploração aumentou e agora os jornalistas trabalham em mais de uma

função e recebem o equivalente a apenas uma. Ou seja, há uma sobrecarga de

trabalho sem remuneração extra. Eles se esgotam mais, bem como estão mais

sujeitos ao estresse (DANTAS et al, 2018, p. 40).

Neste contexto, as empresas de comunicação, como estratégia de redução de custos,

além da redução do número de trabalhadores nas redações e as consequentes ondas de

demissões, da transformação do jornalista em profissionais multitarefas, aproveitam-se da

dinâmicas de aceleração da circulação da informação e impõem um ritmo de trabalho

acelerado, sem tempo para a apuração e checagem devida da informação. Há uma padronização

da linguagem, as vezes estabelecidas em manuais de redação que devem ser seguidos, e a

priorização de conteúdos de pouco interesse jornalístico, voltados para pautas comportamentais

e de entretenimento. Assim, em muitos casos, o jornalismo já não faz mais reportagens, mas

sua atividade se resume a produção de “conteúdos”, ou seja, um conceito abstrato que comporta

quase todo tipo de produção (DANTAS et al., 2017).

É neste contexto que novos atores ocuparam um espaço que antes se pensava

exclusividade do jornalismo e dos jornalistas. A tecnologias de informação de comunicação e

a popularização do acesso à internet possibilitaram o surgimento de novos canais e novas

formas de difusão de informações, não necessariamente matérias jornalísticas – como se define

pelos conceitos de objetividade apontados acima, mas informações que despertam o interesse

e atraem grande parcela do público antes cativos do jornalismo convencional.

Surgem assim os blogueiros e influenciadores digitais, que dominam este novo formato

de comunicação de massa e passam a distribuir conteúdo informativo, não necessariamente

jornalístico, uma vez que são meramente baseados em opiniões pessoais, determinadas visões

de sociedade, sem necessariamente ter compromisso com fatos, o que, em alguns casos, leva

ao surgimento do que tem sido chamado de fakenews.

A pressão do tempo determinada pelo fluxo contínuo de informações no meio digital

coloca também um dilema ético aos jornalistas. Não é incomum que, tendo as informações

71

mínimas, primeiro se publica e assim garante um furo44, ou no mínimo não ser superado pela

concorrência. O processo de apuração e checagem fica num segundo plano, o que não raras

vezes ocasionam as barrigas45 que acabam por comprometer a credibilidade.

Assim, conforme descrito por Dantas, a discussão atual sobre crise no jornalismo reflete

as discussões sobre o modelo de negócios, impactos de novas tecnologias e mudanças nas

práticas profissionais. Acrescento ainda a discussão sobre a concentração dos meios em poucos

grupos empresariais/familiares e seu papel determinante na manutenção da agenda política em

defesa de seus próprios interesses, que no momento atual, pode se fundir com o do capital

financeiro e o modelo neoliberal.

Em linhas gerais, a crise do Jornalismo envolve historicamente razões

políticas, econômicas, tecnológicas e culturais. As reiteradas reflexões sobre

tal crise, as quais parecem atualmente acenar com mais pujança, talvez pelas

constantes reconfigurações tecnológicas que ocorrem em ritmo

demasiadamente acelerado, não são algo novo para o Jornalismo. Afinal,

“crise” ou “crises” não surgem instantaneamente, mas são frutos de processos

contextuais, complexos e dinâmicos (DANTAS et al., 2017, p. 41).

A percepção de crise e precarização do jornalismo ganha maior destaque com o fim da

exigência do diploma de curso superior pelo STF em 2009, mas conforme aponta Dantas,

referenciada em Barsotti (2014), a crise do jornalismo pode ser localizada como uma crise de

modernidade, uma vez que, antes mesmo da popularização do acesso à internet a circulação já

vinha diminuindo, a despeito do aumento do número de jornais, a receita publicitária estava

em queda e já havia cortes nas redações em função de novos meios digitais.

Outro ponto analisado por Dantas sobre a crise no jornalismo é a perda do protagonismo

na produção de notícias e narrativa dos acontecimentos. O surgimento de uma nova dinâmica,

onde não existe mais o mero receptor de informação, mas também um potencial “colaborador”

ou produtor, com meios de interagir no conteúdo apresentado pelos jornalistas, não mais

através dos antigos espaços de carta ao leitor, restritos a alguns assinantes e sujeitos ao processo

de edição do jornal, mas agora diretamente, ao mesmo tempo em que se produz a matéria,

podendo emitir comentários ou até mesmo se contrapor ao conteúdo publicado com a inserção

de novas informações não observadas pelo jornalista autor da matéria. Há, portanto, um

aumento do monitoramento da atividade, perda da “aura” exclusiva de testemunha ocular da

44 Termo utilizado no meio jornalístico para designar o ato de um jornalista, ou um veículo de comunicação,

noticiar algo importante com exclusividade, antes dos concorrentes. É comum entre os jornalistas a busca

constante de um furo que lhe garanta prestígio profissional. 45 Barriga ou barrigadas são jargões utilizados no jornalismo para designar uma matéria publicada com grande

destaque, mas que posteriormente se mostra falsa, ou imprecisa.

72

história, como se proclamava a chamada de um famoso boletim informativo radiofônico e

depois televisivo que marcou a história no Brasil entre as décadas de 1940 e 196046.

3.4 - Desregulamentação da profissão e o fim da exigência do diploma em curso

superior

No dia 17 de setembro de 2009 o Supremo Tribunal Federal (STF), por 8 votos

favoráveis e um contrário decidiu pelo fim da exigência do diploma de curso superior para o

exercício do jornalismo. Antes disso, desde 2006 já era permita a emissão de registro

profissional no Ministério do Trabalho a qualquer pessoa que conseguisse comprovar exercício

regular da profissão.

A decisão do STF foi consequência de um recurso impetrado pelo Sindicato das

Empresas de Rádio e Televisão no Estado de São Paulo (Sertesp), que contestava uma decisão

proferida pela Tribunal Regional da 3ª Região, que reconhecia a necessidade da exigência do

diploma, corrigindo decisão de primeira instância de uma ação do Ministério Público Federal

que pedia a revogação do Decreto Lei 972/69 sob o argumento que este não era compatível

com a Constituição de 1988 por ferir a liberdade de expressão.

Junto com o fim da exigência do diploma, também foi revogada a Lei de Imprensa, de

1967, com o mesmo argumento de que representava um obstáculo a plena liberdade de

expressão, até porque tratava-se de uma legislação promulgada no período da ditadura militar,

embora ela não tivesse sido revogada pela Constituição de 1988.

Conforme observado por Cavalcanti Filho, em artigo publicado no jornal Folha de São

Paulo, com o fim da Lei de Imprensa, o Brasil passava a ser o único país da ONU a não ter

nenhuma legislação sobre o assunto.

Dos 191 países da ONU, só um não tem Lei de Imprensa. O Brasil. Alguma

coisa está errada nesses números. Claro que sofremos, por tempo demais, com

a pior Lei de Imprensa do planeta. Mas, pior mesmo, é não ter lei nenhuma. Os

jornais dizem que Inglaterra e Estados Unidos também não têm, só que são

realidades diferentes. Não apenas por serem países da common law (com

menos ênfase nas leis e mais ênfase nas decisões), mas, sobretudo, por não

haver lá, sobre o tema, o vazio que agora passamos a ver por aqui47.

46 Trata-se do Repórter Esso, informativo patrocinado pelo multinacional petroleira Exxon, que foi ao ar pela

primeira vez em 28 de agosto de 1941 pela Rádio Nacional e teve sua última edição em 31 de dezembro de 1968,

na Rádio Globo. Fonte: Acervo do jornal O Globo, disponível https://acervo.oglobo.globo.com/em-

destaque/testemunha-ocular-da-historia-reporter-esso-fez-sucesso-no-radio-na-tv-19930939 acesso em 17 de

abril de 2019. 47 CAVALCANTI FILHO, José Paulo. Jornalistas correm riscos sem lei para recorrer. Artigo publicado

originalmente no jornal Folha de São Paulo, edição de 7 de maio de 2009 e reproduzido pelo site Consultor

73

A perda da exigência do diploma e do retrocesso na regulamentação da profissão pode

ser apontado como um fator que abriu espaço para maior precarização da profissão, com a

proliferação de profissionais autônomos, não necessariamente jornalistas por formação, mas

não só.

Com o fim da Lei de Imprensa, junto com o fim da exigência do diploma específico

para o exercício da profissão, houve um revés nas conquistas pela regulamentação da profissão.

Como nenhuma legislação foi criada para substituí-la e nenhum critério foi estabelecido para

o exercício do jornalismo, na prática houve um retorno à situação anterior ao início da

regulamentação, na década de 1930, ou seja, no Brasil, o simples fato de estar apto a ingressar

no mercado de trabalho habilita qualquer pessoa a exercer a profissão de jornalismo, o que

pode ser um dos fatores que contribuiu com a crescente precarização das relações de trabalho

no setor. Tal situação é colocada nos seguintes termos pelo presidente do Sindicato dos

Jornalistas do Estado de São Paulo (SJSP), Paulo Zocchi:

O jornalismo profissional está sendo atingido porque ele foi desregulamentado.

É importante recuperar o diploma, porque hoje em dia a gente tem o registro

profissional da categoria, mas daqui a pouco a gente pode perder. Isso é uma

questão relevante, porque todos os diretos da nossa categoria estão associados

a uma estruturação legal, como o direito ao sigilo de fonte, o direito trabalhista

de jornada reduzida. Então tem uma série de direitos associados ao registro

profissional. Há uma profissão regulamentada que tem um registro, que não

tendo mais o diploma, se expressa no registro. Mas o registro hoje em dia não

tem regra nenhuma. Qualquer pessoa tira o registro. Não precisa nada. Isso

pode ser usado para outras profissões, por exemplo, delegados, policiais,

advogados, ou qualquer profissional que podem solicitar o registro, pode ter

carteira da FENAJ e usar quando lhes for conveniente. Então nossa profissão

está fragilizada por isso48.

Outro ponto apontado por Zocchi é que, diferentemente de outras profissões, como

advogados, engenheiros e médicos, os jornalistas não conseguiram criar um “Conselho dos

Jornalistas” para estabelecer critérios para o exercício da profissão e defender suas

prerrogativas, uma vez que essa proposta sempre é combatida pelos proprietários dos principais

veículos de comunicação como uma afronta à “liberdade de expressão”, e se apropriam desse

discurso para defesa de seus interesses empresarias.

Não conseguimos aprovar uma “ordem” dos jornalistas, depois caiu o diploma.

Se tivéssemos uma ordem dos jornalistas, teríamos uma entidade stricto sensu

profissional, como a OAB, o CRM, e por outro lado teríamos o sindicato. Como

não temos isso, o sindicato é visto em parte como alguém que pode ocupar o

Jurídico. Disponível em https://www.conjur.com.br/2009-mai-07/jornalistas-correm-riscos-lei-imprensa-recorrer

, último acesso em 10 de outubro de 2018. 48 Em entrevista ao autor, realizada em 16 de outubro de 2018.

74

lugar desta entidade profissional. Só que o sindicato não pode ocupar

plenamente este espaço, ele não tem prerrogativa legal para fazer isso.

Entidades profissionais tem certas maneiras de se colocar. Por exemplo, uma

entidade profissional pode entrar num RH de uma empresa e olhar o registro,

pode fiscalizar os contratos. O sindicato não pode. Então ele não tem meios de

fazer valer a defesa de uma profissão neste sentido. Isso é uma coisa que

permitiu uma empresa como a Folha (Folha de São Paulo), por exemplo, burlar

por 20 anos a regulamentação profissional, porque nós não tínhamos nenhum

mecanismo de defesa contra isso.

Da mesma forma, Leal Filho (2018) destaca que a perda da obrigatoriedade do diploma

também representou um duro golpe para formação do jornalista e para a defesa da profissão.

Assim, conforme observado em entrevista ao jornal da Universidade Estadual de Maringá, os

proprietários dos meios de comunicação não só conseguiram o poder de decisão sobre quem

deve e quem não deve exercer a profissão, bem como começam a se a apoderar das escolas de

comunicação como mais um produto e um espaço para adestramento profissional conforme

suas necessidades:

Nós passamos por muitas dificuldades, a mais recente é a decisão equivocada,

a meu ver, do Supremo Tribunal Federal, acabando com a exigência do

diploma de jornalismo. Há uma série de argumentos que garante que o diploma

é fundamental para a qualidade do jornalismo, para a formação do jornalista e

para a defesa da profissão. Esse foi um baque muito forte que nós sofremos, há

várias faculdades que reduziram turmas ou chegaram, até mesmo, a fechar o

curso e, paralelamente a isso, as empresas de comunicação estão contratando

jornalistas sem diploma ao seu bel prazer e, infelizmente, quem decide quem

vai receber na carteira de trabalho a qualificação de jornalista é simplesmente

o proprietário do meio de comunicação e é ele quem diz quem é jornalista ou

não.49

A questão sobre se o fim da obrigatoriedade do diploma precariza o exercício da

profissão ainda é controverso. Como já citado acima, as novas tecnologias possibilitaram a

entrada de novos atores no universo da comunicação, como blogueiros, youtubers e os

chamados influenciadores digitais, que se utilizam da internet como ferramenta de

comunicação direta com determinado público, em alguns casos com grande audiência.

Ainda em 2008, quando o debate sobre o fim do diploma era discutido no STF e essa

era uma pauta que mobilizava as entidades sindicais da categoria, havia alguns

questionamentos sobre se esse era um debate central. Em artigo publicado no site Observatório

da Imprensa, o jornalista Carlos Castilho defendia que a discussão sobre obrigatoriedade do

49 LEAL FILHO, Laurindo Lalo. O diploma é fundamental para a qualidade do jornalismo, para formação do

jornalista e para a defesa da profissão. Entrevista ao jornal da Universidade Estadual de Maringá (UEM),

reproduzida pelo site do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo. Disponível em

http://www.sjsp.org.br/noticias/o-diploma-e-fundamental-para-a-qualidade-do-jornalismo-para-a-formacao-do-

jornal-2a13 acesso em 10 de outubro de 2018.

75

diploma não estava em sintonia com a realidade que já se vivia no jornalismo. Para ele, essa

questão estava centrada numa garantia de exclusividade nas redações, em um momento em que

a profissão estava submetida a pressões que colocavam desafios externos ao mercado de

trabalho, como as inovações tecnológicas que colocavam em crise o modelo tradicional dos

negócios da imprensa e a consequente extinção de postos de trabalho. O que Castilho apontava

era que a garantia do diploma não seria suficiente para garantir emprego formal nos meios de

comunicação.

As questões centrais hoje são o desenvolvimento de um novo modelo de

negócios para a imprensa, o novo relacionamento dos jornalistas com o público

e o novo papel das faculdades. São questões que afetam diretamente a

sobrevivência da categoria, mas são também decisivas para toda a sociedade

que, mais do que nunca, depende das informações produzidas pelos jornalistas,

profissionais ou não.50

O que se observa neste trabalho não é a centralidade ou não do diploma como

prerrogativa para o exercício do jornalismo, mas como esta questão está inserida no contexto

geral de precarização do trabalho.

Partindo da observação de Carlos Castilho, é fato que na última década houve uma

avalanche no mercado de trabalho. As demissões em massa, conhecidas na categoria como

“passaralhos”, tornaram-se constantes. Grandes empresas jornalísticas, que até a pouco tempo

pareciam sólidas começaram a demitir em massa, algumas desapareceram. Neste cenário,

aceitar contratos precarizados, frilas, MEI/PJ, tornou-se quase obrigação para se inserir no

mercado de trabalho. O empreendedorismo também é visto como uma alternativa, em muitos

casos também como último recurso, como procuraremos mostrar nas páginas seguintes.

50 CAVALCANTI FILHO. Obrigatoriedade do diploma: um debate fora de foco. Observatório da Imprensa,

publicado em 15/10/2008, disponível em http://observatoriodaimprensa.com.br/codigo-aberto/obrigatoriedade-

de-diploma-um-debate-fora-de-foco/ acesso em 25 de abril de 2019.

76

Capítulo 4 – Mudanças tecnológicas e precarização da condição de trabalho.

Um cenário de dúvidas para os jornalistas

A desregulamentação profissão tem no fim da exigência do diploma específico de curso

superior para seu exercício como uma questão paradigmática, mas esse fato por si não é

suficiente para explicar a precarização. Conforme observaremos nos relatos de jornalistas

entrevistados para este trabalho e a própria experiência deste autor, a efetividade do diploma

com requisito obrigatório como exercício da profissão, desde sua implementação, esteve como

uma questão a ser resolvida, principalmente nos jornais de menor circulação, de cidades do

interior e em emissoras de rádio, onde a presença de profissionais sem formação específica, ou

mesmo o conflito com outras áreas, como os radialistas, acontecia com frequência.

Mesmo grandes jornais, como a Folha de São Paulo, que citamos acima como uma das

entusiastas da criação do diploma na década de 1960, há muito tempo se conformou como uma

das principais opositoras da obrigatoriedade do diploma, muitas vezes burlando essa exigência,

conforme observado pelo presidente do SJSP.

Há também o fato de que, mesmo antes da decisão do STF sobre o fim da exigência do

diploma, muitos profissionais sem formação específica, estimulados pelos meios de

comunicação nos quais trabalhavam conseguiam o registro provisório no Ministério do

Trabalho com a comprovação de que exerciam alguma atividade relacionada ao jornalismo,

como fotografias e textos publicados em algum veículo de comunicação.

Na experiência vivida pelo autor desta dissertação, ainda como estudante de jornalismo

na década de 1990, quando o estágio não era regulamentado, também houve trabalhos de forma

bastante precária como repórter em alguns jornais de cidades da região de Campinas, ainda

sem o diploma e por isso mesmo sem nenhum registro ou garantia profissional. Era o frila-fixo

sendo utilizado como uma forma de inserção no mercado de trabalho de jornalista, algo

bastante comum entre os estudantes de jornalismo naquele período.

Assim, pode-se afirmar que a questão do fim da exigência do diploma aparece mais

como uma consequência do que como uma causa da precarização do jornalismo. As

transformações decorrentes das constantes inovações tecnológicas, a crise no modelo de

financiamento e o aparecimento de novos atores no mercado de comunicação, assim como a

precarização geral do mercado de trabalho, jogam um papel central neste debate.

Castel (2008) coloca o tema do ponto vista da crise do emprego e da crise da sociedade

baseada no salário como meio de subsistência. Neste contexto, o que se apresenta para o mundo

77

do trabalho é o fim dessa relação com contratos definidos e regras gerais definidas aplicadas

em âmbito coletivo. Conforme o autor:

A segmentação dos empregos, do mesmo modo que o irreversível aumento dos

serviços, acarreta uma individualização dos comportamentos no trabalho

completamente distinta das regulações coletivas da organização “fordista”.

Não basta mais trabalhar, é preciso saber vender e se vender. Assim os

indivíduos são levados a definir, eles próprios, sua identidade profissional e

fazer com que seja reconhecida numa interação que mobiliza tanto um capital

pessoal quanto uma competência técnica geral. Essa diluição dos

enquadramentos coletivos e dos pontos de identificação que valem para todos

e não está limitada à relação de trabalho (CASTEL, 2008, p. 601).

Assim, neste capítulo busca-se descrever os impactos das transformações no mundo do

trabalho no jornalismo, apontando alguns elementos que indicam a precarização do trabalho,

com o aumento das demissões na década atual, bem como os impactos causados pelas novas

tecnologias de informação e comunicação, que além das transformações causadas nas redações,

com a redução de postos de trabalho e extinção de algumas funções relacionadas ao jornalismo,

provocaram uma crise no modelo de negócios de muitos veículos e proporcionaram criação de

novos meios e a entrada de novos atores de mercado de comunicação, que passaram a competir

com os jornalistas.

4.1 – Demissões e contratos precários

Dantas et al. (2017) em artigo sobre crise, precarização e mudanças estruturais no

jornalismo, coloca a precarização como um conjunto de fatores e condições que dificultam o

trabalho. No caso do jornalismo, as longas e intensas jornadas de trabalho, acúmulo de funções

e baixos salários, além da constante pressão por causa das demissões tem sido os principais

problemas, conforme tem sido relatado por profissionais e por representantes das entidades

sindicais, como o SJSP e a FENAJ.

A autora cita um estudo de Druck (2011) com o mapeamento dos seis tipos de

precarização do trabalho por ela detectado a partir do contexto brasileiro, sendo:

➢ Vulnerabilidade das formas de inserção e desigualdades sociais;

➢ Intensificação do trabalho e terceirização;

➢ Insegurança e saúde no trabalho;

➢ Perda das identidades individual e coletiva;

➢ Fragilização da organização dos trabalhadores;

➢ Condenação e descarte do Direito do Trabalho.

78

Para Bulhões, destes pontos indicados por Druck, no caso dos jornalistas o que mais

prevalece é a intensificação e a terceirização do trabalho. No mesmo tema, a autora cita Lima

(2015), que aponta que a precarização dos jornalistas pode ser mais fortemente detectada

através da:

➢ Jornada de trabalho excessiva;

➢ Intensidade do trabalho;

➢ Vínculos empregatícios precários;

➢ Baixos salários;

➢ Indícios de multifunção.

Os constantes passaralhos nas redações também são fundamentais para o aumento da

precarização, uma vez que os jornalistas, sob o constante medo do desemprego, acabam

aceitando condições de trabalho com baixos salários, abaixo do piso estabelecido pelo

sindicato, sem formalização e submetendo-se a longas jornadas, sem recebimento de horas

extras, sem descanso semanal e outros direitos, como ocorre principalmente no caso dos frilas-

fixos, contratados para o trabalho diário, porém sem qualquer vínculo formal com o contratante.

A alta rotatividade da mão de obra e demissão sempre foram umas das características

do mercado de trabalho dos jornalistas. Porém, na última década, com a crise de negócio em

vários setores da comunicação e enxugamento das grandes redações, as demissões se tornaram

endêmicas. Conforme mostra Dantas et al. (2017), citando pesquisa do projeto Jornalismo de

Dados, desenvolvida pela plataforma na internet Volt Data Lab51, organizada por Spagnuolo

(2015):

O estudo mostra que, entre 2012 e junho de 2015, pelo menos 1.084 jornalistas

foram demitidos, de um total de 3.568 trabalhadores dispensados em

aproximadamente 50 empresas de comunicação no Brasil. Entre os que mais

demitiram, está a Editora Abril, que em mais de três anos, mandou embora ao

menos 440 pessoas (163 jornalistas), seguida pela grupo Estado e Folha, com

ao menos 65 demissões cada um. Como os dados da pesquisa foram coletados

a partir de notícias publicadas em sítios especializados na divulgação de

informações sobre a imprensa brasileira, Sérgio Spagnuolo (2015) admite que

provavelmente houve bem mais demissões (DANTAS et al., 2017, p. 44).

Os vínculos precários em 2015 representavam 30% dos jornalistas brasileiros nas

modalidades freelancers ou PJ. Portanto, quase um terço dos jornalistas trabalhavam sob o que

51 VOLT DATA LAB é uma agência independente de jornalismo e tecnologia que produz análises, reportagens,

investigações, relatórios, levantamentos e metodologias baseadas em dados, aplicando esse conhecimento para

redações, ONGs, projetos de mídia, empresas de comunicação e terceiro setor no Brasil e no exterior. Fonte:

https://www.voltdata.info/, acesso 26 de abril de 2019.

79

se pode caracterizar como contrato atípico, ou seja, um vínculo instável e precário, não cobertos

pelas garantias da CLT (DANTAS et al., 2017).

Sobre a pejotização, o trabalho de Silva (2014), constata que ela é percebida pelos

profissionais como uma expressão da precarização, assinalada pelo fato que alguns desses

trabalhadores relatarem que foram obrigados por seus empregadores a abrir uma empresa

individual e mudar a forma de contrato, trocando do vínculo celetista para se transformar em

PJ.

Entre os prejuízos mais evidentes nesta modalidade de contratação é que ele deixa de

ser uma relação entre trabalhador e empregado, tornando-se um contrato entre empresas com

prejuízos na cobertura de direitos garantidos pela CLT. Assim, perde-se o direito ao Fundo de

Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), participação em lucros e resultados, pagamentos de

horas-extras, plano de saúde, seguro desemprego, entre outras. Até mesmo o direito às férias

remuneradas fica comprometido, uma vez que o contrato é por trabalho e se não há período

trabalhado, não há remuneração (SILVA, 2014; DANTAS, 2017).

No mesmo sentido, Silva (op.cit.) aponta outras modalidades de contratação que se

tornaram comum no jornalismo, como contratos temporários (ainda que regidos pela CLT),

utilizados por empresas públicas e privadas para preencher vagas sazonais ou suprir escassez

de profissionais em determinados períodos; o autônomo que presta serviços pontuais de

curtíssimo prazo, as vezes sem vínculo e com o fornecimento de recibos como o RPA (Recibo

de Pagamento Autônomo), sem nenhuma garantia trabalhista e o free lancer e o frila-fixo, já

citados neste trabalho, que podem trabalhar sazonalmente ou como funcionários sem qualquer

registro, no último caso.

A modalidade frila-fixo é muito utilizada para contratação de estudantes de jornalismo

ou profissionais em início de carreira e que buscam inserção no mercado de trabalho. Trata-se

de um contrato extremamente precário, onde muitas vezes sequer é reconhecido o vínculo

trabalhista, seja para o recebimento do piso salarial e outras garantias trabalhistas, seja para

fins de recebimento de benefícios previdenciários e contagem de tempo para a aposentadoria.

O próprio termo, frila-fixo, criado pelos jornalistas, embute uma contradição e ao

mesmo tempo uma naturalização da condição precária de trabalho. Se frila é uma corruptela de

free lancer, que pode ser traduzido do inglês como um contrato livre, ao se acrescentar a palavra

fixo a “liberdade” deixa de existir, pois o profissional passa a estar diariamente à disposição do

contratante e das demandas diárias de trabalho, que são cobradas e devem ser cumpridas dentro

do prazo de fechamento do jornal, ou seja, as mesmas atribuições de um trabalhador

formalizado. Com este tipo de contrato irregular as empresas obviamente deixam de recolher

80

qualquer obrigação trabalhista e previdenciária e não se responsabilizam em caso de acidente

de trabalho. Trata-se do que pode ser chamado de precarização total, um trabalho informal.

Na visão do representante da entidade sindical dos jornalistas do estado de São Paulo,

Paulo Zochi, tanto os contratos PJ, como os frilas representam uma precarização, pois em sua

avaliação os jornalistas configuram uma atividade eminentemente de trabalhadores e não de

profissionais liberais e prestadores de serviços. Na entrevista realizada para este trabalho, foi

formulada a seguinte questão ao presidente do SJSP:

Como o Sindicato enxerga o aumento dos contratos PJ? Eles contribuem para

formalização de uma parcela dos jornalistas ou representam mais precarização das relações

de trabalho?

Abaixo a resposta de Paulo Zochi:

O pejotismo sem sombra de dúvida é majoritariamente um fenômeno de precarização

do trabalho, porque jornalistas não são profissionais liberais. Diferentemente de outras

profissões, principalmente médico e advogado, por exemplo, em que o sujeito abre o

consultório ou uma banca e atende avulso o cidadão, o jornalista não atende avulso cidadão

nenhum. O jornalista só trabalha para empresas. Então o pejotismo mascara relações reais

de trabalho.

Então, primeiro: tem o pejotismo que é a fraude aberta. Nesses casos o sindicato

conseguiu nos últimos anos, nas empresas aqui de São Paulo, reverter de maneira parcial.

Mas por causa de uma campanha aberta contra todas as empresas, com denúncias no

Ministério do Trabalho, um negócio que as vezes demora anos para dar algum resultado, mas

que chega uma hora que dá, eventualmente. Conseguimos, em 2013, fazer a editora Abril

contratar 120 filas fixos. Ela tinha uns 200.

O caso do PJ é ainda mais complicado que o do frila, porque ele tem que abrir empresa,

dar nota fiscal, pagar imposto. Muitas empresas, por exemplo, não aceitam notas sequenciais,

o que obriga o jornalista a fraudar o talonário dele, para não dar nota sequencial e ficar

sujeito a sanções legais. Mas ele só trabalha para essa empresa. Seria para dificultar a prova

do vínculo empregatício. Mas esse profissional está na empresa todo dia trabalhando, tá numa

revista semanal toda semana colaborando, numa revista mensal, todo mês colaborando. É

vínculo empregatício.

81

O que acontece é que, num mercado, sobretudo de assessoria de imprensa, as pessoas

começam a captar clientes avulsos, daí o cara trabalha para uma banca de advogados, para

uma empresa de informática, como assessor de imprensa. Aí, eventualmente ele se estabelece

como um PJ, mas ainda assim, se for observar a natureza econômica, na verdade, esse cara

poderia ser empregado de várias empresas em tempo parcial.

Porém, é bobagem achar que mudou a natureza do trabalho de jornalista, porque ele

sempre presta serviço para empresas, dificilmente ele vai ter um cliente pessoa física.

4.2 – Panorama das demissões de jornalistas na década atual

No ano de 2017 foram registradas no Brasil 380 demissões de jornalistas, o que

correspondeu a um salto de 60% em relação à 2016, conforme aponta a série “A Conta dos

Passaralhos”, projeto realizado pelo Volt Data Lab, que mapeia as demissões no setor de

jornalismo desde 2012 (SPAGNUOLO, 2017)52.

Conforme mostra a série, o pico de demissões aconteceu em 2015, com 685

desligamentos registrados, porém o montante de ocorrência de “passaralhos”, ou seja, demissão

em massa em um mesmo veículo, foi o maior desde que iniciou a série.

O levantamento mostra também que quando se inclui nas demissões outras áreas dentro

das empresas de jornalismo, como administração, marketing e gráfica, entre outros (inclusive

os jornalistas), as demissões somaram 1.063 em 2017.

Com relação às demissões por setor, foi detectado aumento nos segmentos de rádio e

televisão, porém os jornais impressos foram os que mais demitiram jornalistas, algo que vem

se repetindo desde 2013.

Em termos gerais, considerando todos os profissionais que atuam no setor, o segmento

de rádio e TV aparece como o que mais demitiu no período, com 6.813 dispensas entre 2012 e

2017, conforme mostram os gráficos abaixo:

52 Ocorrência de “passaralhos” no Brasil alcança maior patamar desde 2012 – total de demissões de jornalistas em

redações chega a 2º maior nível desde 2012, com 380 dispensas. Por Sérgio Spagnuolo, publicado em 19 de

dezembro de 2017, disponível em https://medium.com/volt-data-lab/passaralhos-2017-feced1e5b0d8 acesso em

18 de abril de 2019.

82

Gráfico 4 – Referente às demissões em redações (geral: impressos, rádio, TV,

digital) Brasil

83

Gráfico 5

84

Gráfico 6

85

Gráfico 7

Conforme alerta Spagnuolo, os dados acima configuram um termômetro sobre o setor,

pois os dados foram coletados pelas demissões informadas pela imprensa – principalmente

veículos segmentados como Jornalista & Cia53, Portal Comunique-se54, Portal da Imprensa55 e

Portal dos Jornalistas56. Assim, é provável que o número de demissões tenha sido maior. Além

disso, acrescenta, neste levantamento não foi possível levantar o número de contratações,

também porque as contratações como PJ e frilas, muito comum em redações, não constam nas

estatísticas oficiais de emprego.

53 http://www.jornalistasecia.com.br/ImprensaAutomotiva.htm 54 https://portal.comunique-se.com.br/ 55 http://www.portalimprensa.com.br/ 56 https://www.portaldosjornalistas.com.br/

86

Observando os dados da pesquisa Demografia das Empresas e Estatísticas de

Empreendedorismo – 2016 do IBGE, com base na Classificação de Atividades Econômicas

(CNAE), identificamos seis ramos de atividade ligados à comunicação e jornalismo, conforme

tabela abaixo.

Tabela 2:

Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE 2.0) [7/109]

J - Informação e comunicação

58 - Edição e edição integrada à impressão

59 - Atividades cinematográficas, produção de vídeos e de programas de televisão;

gravação de som e edição de música

60 - Atividades de rádio e de televisão

61 - Telecomunicações

62 - Atividades dos serviços de tecnologia da informação

63 - Atividades de prestação de serviços de informação Fonte: IBGE

Os gráficos abaixo mostram os números de empresas abertas em cada ano existente nos

dados disponíveis entre em 31 de dezembro 2010 e 31 de dezembro de 2016 e a quantidade de

empregados assalariados e não assalariados. Embora a classificação seja bastante genérica,

observando-se as classificações 58 a 60, pode-se fazer uma aproximação das empresas que

tenham maior número de jornalistas em seu quadro. Pelo número de assalariados e não

assalariados, pode se observar o crescimento de contratos não assalariados, que pode configurar

o aumento de contratos tanto como MEI ou PJ.

87

Gráfico 8

Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE 2.0) - 58 Edição e edição integrada

à impressão

No gráfico 8, verifica-se que, no setor ligado a impressos houve queda tanto no total de

ocupados, 131.650 empregados em 2010 e 96.077 em 2016. Quanto ao pessoal assalariado,

passou-se de 107.425 para 74.684.

88

Gráfico 9

Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE 2.0) - 59 Atividades

cinematográficas, produção de vídeos e de programas de televisão; gravação de som e

edição de música

Neste gráfico, também bastante abrangente, mas que inclui produção e vídeos e

programas de televisão, observa-se tanto o crescimento de empregados total, que passou de

41.161 em 2010 para 51.174 em 2016, porém o número de assalariados foi de 23.023 para

29.107 empregados, o que mostra um setor com alto número de contratos de trabalho não

remunerados por salário.

89

Gráfico 10

Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE 2.0) - 60 Atividades de rádio e de

televisão

Quanto aos serviços de rádio e televisão, observa-se também um alto índice de

trabalhadores não assalariados ao longo da década. O número pessoal ocupado total em 2010

era de 88.357 em 2010 e de 89.852 em 2016. Quanto ao pessoal assalariado, houve uma

pequena queda no período, passando de 83.872 em 2010 para 82.561 em 2016.

Por se tratar de um setor com diversa gama de profissionais, há um equilíbrio entre

assalariados e não assalariados, o que também pode ser um indicativo de alto índice de

contratos pejotizado neste setor.

Os setores de 62 e 63 de classificação da CNAE listados no levantamento não são áreas

de atuação significativas de jornalistas.

4.3 – Alguns casos recentes e emblemáticos de passaralhos

Relatamos abaixo alguns casos de demissão em massa e precarização ocorridas no ano

de 2018 que podem ser apontados como emblemáticos por se tratarem, por um lado de

empresas que em outros tempos tinham uma posição consolidada em seus mercados, e por

outro lado, o número de profissionais envolvidos e a forma como essas empresas trataram as

demissões, negando mesmo direito básicos, como os salários e pagamento das indenizações

previstas em lei, sendo tais direitos demandados pelos demitidos via Justiça do Trabalho.

90

No primeiro caso, relatamos o caso do jornal “Correio Popular”, com sede na cidade de

Campinas e circulação regional. Trata-se mais antigo jornal impresso ainda em circulação

diária na cidade, vinculado à empresa Rede Anhanguera de Comunicação, a RAC.

Entre os meses de fevereiro a setembro de 2018 os jornalistas desta empresa realizaram

uma greve de 220 dias, reivindicando o pagamento dos salários, que estavam em constante

atraso. Conforme relato do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo (SJSP), os salários

não eram pagos desde o mês de fevereiro daquele ano. Além disso, a empresa não havia pago

o 13º Salário de 2017, adicional de um terço de férias, não recolhia o Fundo de Garantia por

Tempo de Serviço e contribuições previdenciárias.57

A greve foi encerrada no dia 21 de setembro, com a aceitação, por parte dos

trabalhadores, da proposta da empresa para quitação dos débitos e reconhecimento da dívida

que incluía o 13º salário de 2017, mais da metade do salário do fevereiro e os salários entre

março e agosto de 2018.58

Em outro caso, a editora Abril, uma das principais empresas de comunicação do país,

havia anunciado estar em processo de recuperação judicial e demitido mais de 800

trabalhadores, sem o pagamento das verbas indenizatórias. Os jornalistas atingidos por essas

demissões divulgaram o seguinte manifesto:

"Abril demite e não paga

Posição oficial dos jornalistas dispensados pela Editora Abril

Na manhã de 6 de agosto, os funcionários da Editora Abril foram surpreendidos

pelo fechamento de revistas do grupo e pela dispensa em massa de jornalistas,

gráficos e administrativos. Nos dias seguintes, os números estavam em torno

de 800 profissionais. Ao todo, 11 títulos foram encerrados. Na vida particular

dos empregados da Abril, as medidas têm sido devastadoras. A empresa

desligou de forma injusta, sem negociação com as entidades de representação

trabalhista e sem prestar esclarecimentos oficiais. Em 15 de agosto, nove dias

após o início das demissões, a Abril entrou com pedido de recuperação judicial

(acatado pela Justiça) incluindo nesse processo todas as verbas rescisórias dos

dispensados e também a multa de 40% sobre o Fundo de Garantia por Tempo

de Serviço. Ou seja, um dia antes do prazo final para indenizar integralmente

os ex-funcionários, a empresa realizou a manobra, fazendo crer que as duas

ações (demissão em massa e pedido de recuperação judicial) foram

arquitetadas em conjunto, tendo como um dos seus objetivos não pagar os

empregados.

Além disso, suspendeu a prestação de contas (antiga homologação), não

liberou a chave para o saque do FGTS e as guias do seguro-desemprego,

57 Apoie os grevistas da RAC; paralisação completa mais de 200 dias. Disponível em http://www.sjsp.org.br/noticias/seja-solidario-e-apoie-os-grevistas-do-correio-popular-cb71, acesso em 05 de

setembro de 2018. 58 Flaviana Serafim: Jornalistas conquistam acordo na RAC após sete meses em greve. Disponível em

http://www.sjsp.org.br/noticias/greve-na-rac-jornalistas-conquistam-acordo-9bc3 acesso em 27 de setembro de

2018.

91

deixando os demitidos sem nenhuma cobertura financeira. Quando tentam

contatar o RH, recebem informações contraditórias – portanto, os demitidos

permanecem no escuro.

A Editora Abril há muito vem descumprindo outros compromissos com as

mulheres e os homens que se doaram e participaram bravamente de um esforço

cotidiano para que a empresa se recuperasse da crise pela qual enveredou. Um

exemplo: os profissionais desligados em 2017 e no começo deste ano viram

suas indenizações sendo pagas em parcelas, algo considerado ilegal. Com a

recuperação judicial, eles tiveram as parcelas finais congeladas. Assim,

pessoas que não mantêm vínculo com a empresa há pelo menos sete meses se

encontram listadas como credoras e impedidas de receber o que resta. Foram

também atingidos fotógrafos, colaboradores de texto, revisão e arte, que,

igualmente, não verão o seu dinheiro.

Deixemos clara nossa profunda indignação com o fato de a família proprietária

da Editora Abril – que durante décadas acumulou com a empresa, e com o

nosso trabalho, uma fortuna na casa dos bilhões de reais – tentar agora

preservar seu patrimônio e não querer usar uma pequena parte dele para

cumprir a obrigação legal de nos pagar o que é devido.

Por fim, é preciso considerar o prejuízo cultural da medida. Com o

encerramento dos títulos Cosmopolitan, Elle, Boa Forma, Viagem e Turismo,

Mundo Estranho, Guia do Estudante, Casa Claudia, Arquitetura&Construção,

Minha Casa, Veja Rio e Bebe.com, milhares de leitoras e leitores ficaram

abandonados. Para a democracia brasileira e para a cultura nacional, a drástica

medida representa um enorme empobrecimento. Morrem títulos que, ao longo

de décadas, promoveram a educação, a saúde, a ciência e o entretenimento;

colaboraram para a tomada de consciência sobre problemas da sociedade;

formaram cidadãos e contribuíram para a autonomia e o desenvolvimento

pessoal de todos os que liam e compartilhavam a caudalosa quantidade de

conteúdos produzidos pelas revistas impressas, suas versões digitais ou redes

sociais. Nada foi colocado no lugar desses veículos, abrindo enorme lacuna na

história da comunicação no nosso país.

Parte da crise, sabe-se, é global e impactou a imprensa do mundo inteiro. Outra

parte deve-se ao fato de a Abril ter perdido o contato com a pluralidade de

opiniões e se afastado da diversidade que caracteriza a população brasileira.

Uma gestão sem interesse no editorial sucateou as redações, não soube investir

em produtos digitais e comprometeu a qualidade de suas publicações sob o

pretexto de “cortar custos”. Além disso, deu ouvidos apenas a executivos e

consultorias, sem levar em consideração os profissionais da reportagem e o

público.

Neste momento difícil para toda a nação, com o desemprego se alargando, nós,

jornalistas demitidos, estamos organizados e contando com o apoio do

Sindicado dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP).

Também estamos unidos às demais categorias – gráficos e funcionários

administrativos. É uma demonstração de tenacidade na defesa da integralidade

dos nossos direitos e um sinal de prontidão para enfrentar as necessárias lutas

que virão. Não pedimos nada além do que o nosso trabalho, por lei, garantiu.

São Paulo, 20 de agosto de 2018

Comitê dos Jornalistas Demitidos da Abril"59

59 Abril demite e não paga. Disponível em http://www.sjsp.org.br/noticias/abril-demite-e-nao-paga-9534, acesso

em 5 de setembro de 2018.

92

Ainda no que se refere ao caso das demissões na editora Abril, no dia 25 de setembro

de 2018, a Justiça do Trabalho, em sentença do juiz Eduardo José Matiota, da 61ª Vara do

Trabalho de São Paulo, anulou as demissões realizadas pela empresa desde dezembro de 2017

e determinou a imediata reintegração dos demitidos, com o entendimento de que a empresa não

havia feito qualquer negociação com o sindicato da categoria antes de promover a demissão

em massa de funcionários60, mas a medida não foi cumprida. A empresa foi vendida pelos

proprietários, a família Civita, para um grupo empresarial e a editora entrou em recuperação

judicial61.

Em março de 2019, o jornal Folha de São Paulo realizou uma demissão coletiva

(passaralho) de 15 jornalistas, sem qualquer tipo de negociação com a entidade sindical da

categoria. O presidente do Sindicato, Paulo Zocchi declarou, em entrevista ao jornal do SJSP

que as demissões, além da questão trabalhista, têm levado à uma perda na qualidade das

publicações, uma vez que as vagas não são repostas e há uma sobrecarga de trabalho para quem

fica, precarizando ainda mais as condições de trabalho:

Há um aspecto grave nos cortes de vagas em redações que é prejuízo às

condições de se fazer jornalismo. As demissões afetam duramente a capacidade

de apuração jornalística, além do que, para os profissionais, ampliam a carga

de trabalho, reforçam as condições de assédio moral e disseminam o estresse e

as doenças associadas à piora das condições de vida e trabalho62

Os casos acima citados envolvem, além dos aspectos econômicos que levaram as

referidas empresas à crise financeira, um profundo desrespeito aos profissionais, com a

negação de direitos básicos, como salários e direitos trabalhistas na rescisão do contrato dos

demitidos.

Da nota publicada pelo dos trabalhadores da editora Abril, observa-se, além da

indignação e perplexidade com as demissões, que os motivos que levaram a esta situação vão

além de questões econômicas, e refletem a perda de contato dos proprietários com a realidade

enfrentada pela maioria da população brasileira e a pluralidade existente na sociedade.

60 Justiça anula demissões na Editora Abril. Disponível em http://www.sjsp.org.br/noticias/justica-anula-

demissoes-da-editora-abril-f47b acesso em 27 de setembro de 2018. 61 Conforme cobertura do SJSP sobre as demissões na Editora Abril, disponível em

http://sjsp.org.br/noticias/saiba-tudo-sobre-as-demissoes-em-massa-e-o-calote-da-abril-ffbc, acesso em 09 de

maio de 2019. 62 Entrevista à Flavia Serafim. Sindicato dos jornalistas protesta contra demissões na Folha de S.Paulo. publicado

em 25 de março de 2019. Disponível em https://sp.cut.org.br/noticias/sindicato-dos-jornalistas-protesta-contra-

demissoes-na-folha-de-s-paulo-9279 acesso em 06 de maio de 2019.

93

4.4 – Precarização do trabalho e as impacto das novas tecnologias na trajetória

profissional

O processo de precarização e desmonte que a categoria vem enfrentando nos últimos

anos foi também o tema principal na abertura do 15º Congresso Estadual dos Jornalistas do

Estado de São Paulo, realizado entre os dias 4 e 6 de agosto de 2017. Na abertura do evento, o

presidente do Sindicato dos Jornalistas, Paulo Zocchi, fez a seguinte observação: “Somos uma

das categorias mais precarizadas, sendo que a pejotização tem se tornado epidêmica. Com a

reforma trabalhista as dificuldades devem aumentar, com aumento da perseguição aos

jornalistas e aumento da violência e precarização”63.

Outro ponto observado é que o avanço da tecnologia da informação nas últimas décadas

provocou profundas mudanças no mercado de trabalho dos jornalistas. Grande parte da

categoria hoje está fora das redações, inclusive trabalhando em blogs e mídias independentes.

Conforme aponta Fígaro (2013):

A reestruturação produtiva ocorrida no mundo do trabalho, principalmente a

partir dos anos 1990, transformou as relações de trabalho. Foi a partir dessa

década que aumentou o número de jornalistas contratados sem registro em

carteira profissional, abrindo caminho para novas formas de contratação, como

a terceirização, contratos de trabalho por tempo determinado, contrato pessoa

jurídica (PJ), cooperados, freelancers entre outros. São jovens, não

sindicalizados, que mantém vínculos precários, trabalham entre oito e dez

horas por dia em ritmo acelerado. O fato da maioria dos freelancers receberem

pagamento a partir de nota fiscal fornecida por um terceiro e trabalharem no

setor de revistas e Internet dá indicações claras de onde estão os problemas

contratuais (2013, p. 45).

As significativas mudanças nas últimas décadas devido à introdução de novas

tecnologias e ao redesenho da organização produtiva no mundo trabalho, associadas às

mudanças na forma de acumulação capitalista, do modelo fordista para o modelo flexível,

impactou os jornalistas principalmente a partir da década de 1990. Isso se observa por meio da

flexibilização crescente dos contratos de trabalho e das condições de uso e remuneração da

força de trabalho.

O aumento da terceirização, contratos por tempo determinado e contratos de pessoa

jurídica (PJ), cooperados e freelancer transferiu aos trabalhadores os riscos e as incertezas do

mercado. Assim, “flexibilidade, inovação, criatividade, capacidade de formação permanente e

empreendedorismo são termos que se ajustam a toda uma gramática incorporada no mercado

63 O 15º Congresso Estadual dos Jornalistas foi realizado na sede do SJSP, na cidade de São Paulo, entre os dias

4 e 6 de agosto de 2017. O autor participou do evento como delegado.

94

de trabalho e que também impactam o mundo do jornalista” (OLIVEIRA & GROHMANN,

2015, p. 124).

Para um retrato da atual situação, foram ouvidos nove profissionais que atuam na área

desde a década de 1990, com trajetórias diversificadas e que vivenciaram essas transformações

em suas carreiras. Também buscou-se ouvir o depoimento do representante sindical da

categoria, o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo, com objetivo de

obter um retrato de como estas questões têm sido enfrentadas e quais a perspectivas futuras

para o jornalismo profissional.64

A seleção dos entrevistados foi baseada na vivência deste autor como colega de

profissão, também jornalista, e que compartilhou muitos dos momentos e experiência

profissional relatados pelos entrevistados.

Primeiramente foi solicitado aos entrevistados que descrevessem sua trajetória na

profissão. O objetivo dessa questão foi extrair das falas, através das diferentes trajetórias

profissionais, como o trabalho no jornalismo se transformou no período de início da carreira

destes entrevistados, em geral na década de 1990, e como isso modificou a forma de atuação e

sobrevivência na profissão. Assim, na seleção dos entrevistados também foi levado em

consideração o recorte proposto nesta dissertação, que é verificar os impactos das mudanças

nas relações de trabalho junto com o surgimento acelerado de novas tecnologias e as mudanças

nas relações de trabalho que ocorreram no período.

As respostas são transcritas abaixo, por ordem cronológica das entrevistas:

Michele Costa, jornalista, 25 anos de profissão65:

Comecei na carreira no segundo ano de faculdade, em 1994. Desde então estou na

categoria, com alguns períodos sem trabalho. Basicamente trabalhei em jornais da região de

Campinas. Comecei em jornais pequenos, em cidades próximas a Campinas, que na época,

64 Optou-se por entrevistar jornalistas que já exerciam profissão na década de 1990 e vivenciaram as

transformações ocorridas no jornalismo desde então. As entrevistas, baseadas em um roteiro prévio, foram

realizadas pessoalmente e gravadas, com exceção da jornalista Nice Bulhões, que respondeu por email e do

jornalista Mauricio Somionato, via WhatsApp. Além das questões formuladas no roteiro, outras perguntas

surgiram conforme as respostas obtidas e não foram necessariamente feitas da mesma forma a todos os

entrevistados. Os depoimentos serão utilizados em outros tópicos desta dissertação. A seleção dos entrevistados

foi feita com base nos contatos profissionais deste autor, com conhecimento prévio da trajetória dos entrevistados.

Por uma questão de logística optou por concentrar em profissionais que atuam na cidade de Campinas, a exceção

do presidente do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo. 65 Em entrevista ao autor, realizada em Campinas, no dia 23 de janeiro de 2019.

95

era que aceitavam os estudantes, pois na época não havia nenhum tipo de intermediação do

sindicato em relação a estágio.

Foi uma opção que fiz na época, porque, realmente trabalhar com jornalismo era

minha escolha de vida. Na época até deixei um trabalho bom que eu tinha, como gerente do

Mcdonalds, para começar a trabalhar na área, ganhando um pouco menos até, aliás, bem

menos, para trabalhar como repórter nessas cidades do interior, de uma forma, naturalmente,

precária. Se a profissão já era um pouco precária na época, trabalhando assim, sem nenhum

apoio, nenhuma regulamentação, como estagiário, era mais ainda né?

Assim foi até o último ano de faculdade, quando tive a primeira contratação como

repórter mesmo em carteira, que foi no jornal Todo Dia, em Americana. Antes mesmo de ser

formada. Estava no meio do último ano. Depois vim para o Diário Popular de São Paulo, na

regional aqui em Campinas, que fazia uns seis meses que tinha aberto. Na época foi bem legal.

Foi uma coisa bem interessante para minha carreira, porque tinha profissionais bem

experientes e qualificados ali. Por esse lado pude aprender, aprender com eles e tal.

Depois do Diário Popular66 eu voltei ao Todo Dia67 depois no O Liberal68 trabalhei

três anos, no começo dos anos 2000.

Então, basicamente, fui de repórter de redação para assessoria de imprensa, tanto na

área empresarial, quanto política. Fiz uma pós-graduação em assessoria de imprensa e foi um

segmento que foi bom para mim, foi um bom período da minha vida, porque remunera melhor

e não tem esse problema de longas jornadas, não tem tanto aquele stress de redação. Tem

stress também, claro, o cliente, o assessorado dá muito trabalho, mas não é igual ao de

redação.

Fiz assessoria para muitos segmentos já, variados mesmo, e já estava começando em

assessoria política, mas em palestra a alunos da PUC, disse que talvez fosse mais interessante

a assessoria empresarial , porque o empresarial tem uma relação com você separada, você

não tem essa ligação que a política as vezes te coloca, essa relação até sentimental com o

trabalho, de identificação. O cliente empresário não tem isso, ele trata você, no caso de uma

contratação sem vínculo empregatício, ele te trata como outro empresário. Trata você como

um profissional liberal, com respeito, com valores razoavelmente justos. Então, a assessoria

de imprensa empresarial é mais interessante neste ponto de vista.

66 Jornal que circulou em São Paulo até o início dos anos 2000 e que posteriormente foi comprado pelo grupo

Folha de São Paulo e passou a se chamar “Agora”. Entre o final da década de 1990 e início dos anos 2000 este

jornal manteve uma sucursal em Campinas. 67 Jornal diário de circulação na Região Metropolitana de Campinas, com sede na cidade de Americana. 68 Jornal diário com sede na cidade de Americana.

96

Então foi isso, redação, assessoria de imprensa em vários segmentos, e agora comecei

uma coisa totalmente diferente. Foi uma fase da minha vida que pensei em fazer alguma coisa

que fosse mais tranquila, que me dê mais prazer do que desgaste. Porque o jornalismo, mesmo

na assessoria de imprensa, de certa maneira, é um desgaste emocional muito grande. Então

esse foi um segmento que eu vi que poderia conciliar alguma coisa, uma área que está me

interessando naquele momento, com algo que pudesse me fazer bem, que não fosse me deixar

doente, que é uma consequência direta do nosso trabalho. Essa coisa do adoecimento.

Ninguém dá muita bola para isso, mas é uma coisa muito séria.

Quando comecei no jornalismo, jamais me via escrevendo, contado histórias de

viagens, histórias de pessoas, de realizações, como eu estou contando hoje. Histórias que eu

imaginava que não tinham impacto direto na sociedade. Então era muito mais emocionante

naquela ocasião e por um bom tempo da minha vida, lidar com coisas mais fortes, mais

imediatistas. Como repórter da área política sempre esteve muito presente e que eu realmente

gostava muito disso. Gosto ainda, mas não tenho mais saúde para isso. Então procurei fazer

algo que me desse um pouco mais de tranquilidade e qualidade de vida mesmo.

Mário Camargo, 27 anos de profissão69:

Iniciei com comunicação com 15 anos, meio que de brincadeira, com o rádio. Depois,

a coisa ficou mais séria a partir de 1989/ 1990, quando comecei a fazer faculdade, depois em

1992 iniciei em redação mesmo e aí não parei mais.

Eu comecei no rádio, num programa de rádio que não era só jornalismo. A minha

primeira redação mesmo, foi no jornal O Diário, de Piracicaba. Eu fiz jornalismo na Unimep

e lá em Piracicaba eu comecei em jornal diário. Fui repórter de polícia, a gente sempre

começa cobrindo polícia, bucha né, depois fui cobrir um pouco mais a área política, que era

mais a minha verve. A coisa do social e da política sempre esteve mais próximo de mim.

Logo em 1993 eu vim para Campinas, eu fiz meu TCC sobre comunicação sindical,

sobre o Sindicato dos Bancários de São Paulo e aí já tinha interesse para a comunicação dos

trabalhadores, obviamente. Eu fui trabalhar no Sindicato dos Trabalhadores da Unicamp,

onde fiquei por oito anos. Nesse interim também prestei assessoria para outros sindicatos e

também trabalhei em rádio de novo, na rádio Bandeirantes aqui, que na época era rádio

Educadora. Depois me enveredei para comunicação sindical e também comecei a fazer

assessoria de comunicação e de imprensa para candidatos e então acabei fazendo a assessoria

69 Entrevista ao autor, realizada no dia 13 de fevereiro de 2019.

97

de imprensa do então candidato à prefeito, o Toninho. Tinha feito já para deputados, para

vereador, para candidato a prefeito em Votorantim em 1996 e em 2000, fiz a assessoria do

Toninho. A gente ganhou a eleição, e ele me chamou para trabalhar na assessoria da

prefeitura de Campinas. A gente fez um trabalho bem legal de reestruturar a comunicação,

que estava toda detonada. Quando eu cheguei tinha um rapaz que só passava fax para a

imprensa. Então você imagina uma prefeitura de uma cidade com o porte de Campinas, um

polo de tecnologia e a prefeitura mandando release por fax, com um profissional só para isso.

Então a gente fez aquela experiência, trabalhamos em cima de um plano de comunicação.

Depois eu saí da prefeitura de Campinas e fui para Maringá fazer a mesma coisa,

coordenar a comunicação lá, montar a estrutura que também estava desestruturada, fiz um

trabalho bem legal. Também dei aula na universidade para curso de jornalismo lá no Paraná

no tempo que fiquei lá. Nesse interim também fiz um curso de especialização em comunicação

popular comunitária, que realmente era minha praia, conversar com um público que não tem

muito costume de ler e ter pouco acesso à informação e depois em 2006, eu fui para o Rio de

Janeiro, trabalhar na comunicação da Petrobrás, especificamente na subsidiaria Transpetro,

também para iniciar um projeto de comunicação. Então eu fiquei meio que especializado em

montar projetos de comunicação. Campinas acho que foi o mais desafiador, tanto pela minha

inexperiência, quanto pelo desafio mesmo de pegar uma coisa desmontada. Depois eu fiz a

mesma coisa em Maringá e num departamento da Transpetro montando comunicação. Depois

disso eu fui fazer gestão de crise e também fiquei especializado em gestão de crise, porque

prefeitura tem crise toda hora, e fui fazer parte da equipe da gestão de crise na Petrobrás na

época da primeira CPI, em 2009 e a gente criou lá o blog Fatos & Dados que deu uma

repercussão danada, onde a gente desmascarava um pouco a relação da imprensa com a

companhia. A gente publicava as respostas da Petrobrás num blog e comentava e comparava

com o que era publicado no O Globo, na Folha, na Veja. O Globo principalmente tinha um

embate muito forte com a gente lá. Isso teve uma repercussão enorme. Foi a primeira vez que

uma empresa brasileira fez aquele tipo de comunicação, tentando mostrar transparência. A

gente chegou a cobrir oito horas ao vivo da CPI da própria Petrobrás pelo canal da Petrobrás,

algo inimaginável até aquela época.

Depois voltei para São Paulo e fui trabalhar, também para montar um projeto de

comunicação numa indústria farmacêutica. Aí eu mudei. Estava numa empresa estatal e fui

para a iniciativa privada. Fiquei lá por dois anos e meio e estruturei o departamento de

comunicação, depois voltei a Piracicaba onde comecei minha carreira, por questões

familiares. Assessorei um vereador e depois voltei a Campinas, para assessorar outro

98

vereador. É uma trajetória de muitas cidades, alguns estados e bastante eclética. Um pouco

de redação, um pouco de rádio, mas muito na área de assessoria de comunicação.

Cláudio Liza Jr, 22 anos de profissão70:

Comecei antes de me formar, num contrato que não era de jornalista, mas eu exercia

a função de jornalista no Tribuna de Indaiá (Indaiatuba), jornal impresso, que já acabou

inclusive, foi extinto no ano passado.

Sempre estive ligado ao jornalismo impresso, sou da época pré-internet, quando eu

entrei no jornal não tinha, pelo menos na Tribuna de Indaiá não tinha, depois o fui para o

Todo Dia (Americana), no ano 2000, tinha um terminal, um micro com internet, que a gente

podia consultar alguma coisa. Assim, eu sou da época da checagem por telefone, presencial,

muito telefone, pegar carro e ir para a rua. A internet começou neste período aí e logo depois

a gente já começou a ter o problema com o tal “Ctrl C, Crtl V”, lá para os anos 2001/ 2002,

mas não era tanto quanto era hoje.

O jornal impresso era o que mais tinha entrada, era o que mais se lia. Já se falava da

crise do jornalismo impresso, mas os sites não tinham a mesma abrangência, a mesma entrada

com o leitor que tem hoje, que é muito maior que o jornal.

No Tribuna de Indaiá, como repórter eu só fui ser registrado depois de dois anos e aí

logo depois eu já saí. Depois de formado eu fui registrado, mas não por ter sido formado, foi

por ter passado um tempo lá e o pessoal do sindicato ter brigado por mim.

Depois eu fui para o Todo Dia, dez meses, depois Folha de São Paulo, regional

Campinas, quando eles ainda postavam aqui, tinha uma regional, era forte, tinha sete

jornalistas lá. Em 2003 foi o ano que a Folha fechou Campinas, mas eu saí um pouco antes.

Eu fui para o jornal de Piracicaba, do jornal de Piracicaba a gente foi montar o projeto

do jornal “Bom Dia”, em Jundiaí, mas eram vários Bom Dia, - Jundiaí, Sorocaba, Rio Preto

e Bauru. A ideia era um jornal com diferencial, com notícias rápidas e já era para competir

com a internet. Isso em 2005. Também era tabloide, berlinde na verdade, um pouquinho maior

que tabloide. Foi um projeto que era do Matinas Suzuki, o J. Hávila, também acabou ao longo

do tempo sendo enterrado. Se juntou ao grupo Diário de São Paulo e sumiu.

Do Bom Dia eu fui para o Agora São Paulo, em 2008, mais ou menos, para fazer

edição, Brasil, Mundo e depois Cidades, subeditor de Cidades, e depois fui para o Correio

Popular, onde fiquei oito anos, até a crise descambar numa greve e nessa greve eu acabei

70 Entrevista ao autor, realizada em Campinas, no dia 13 de fevereiro de 2019

99

saindo de lá. Uma crise braba, que deixou a gente dois anos com o salário atrasado. Saí de lá

em outubro do ano passado (2018) num acordo judicial depois da greve. Então, eu só fiz

jornalismo impresso na verdade.

Maurício Simionato, 27 anos de profissão71:

Em 1992 entrei na faculdade, PUC-Campinas e costumo dizer que comecei em 1993,

porque considero os estágios que eu fiz, também todos na área. Comecei como estagiário na

extinta redação do jornal O Estado de São Paulo aqui em Campinas, foi bem legal. A redação

já estava em fase final, mas ainda com máquina de escrever. A gente fazia umas notinhas. Eu

fazia checagem, rádio escuta, ligava para as polícias. Fazia o trabalho de rádio escuta mesmo

e passava para os jornalistas o que acontecia, as vezes fazia algumas notinhas e escrevia na

máquina de escrever e passava por fax para a redação em São Paulo.

Depois consegui um estágio na comunicação interna da Mercedes-Benz, em Campinas.

Ainda tinha uma fábrica grande, com 6 mil funcionários, fabricava ônibus e caminhões e

trabalhei dois anos como estagiário, na comunicação interna da Mercedes. Depois deste

estágio eu consegui ir trabalhar no Diário do Povo, em 1996. Aí eu entrei na sessão Disque

Diário, trabalhei ali um ano, mais ou menos, foi um grande aprendizado.

Depois de 1996 acabou esse Disque Diário e eu fui trabalhar no jornal Todo Dia, que

estava nascendo, em 1997, então eu entrei naquela primeira turma de repórteres do Todo Dia,

uma redação bem agitada, muito legal trabalhar, acho que foi uma grande escola. Ali cheguei

escrever dez matérias num dia, enfim, um aprendizado para a vida mesmo de repórter. Cobri

áreas de polícia, cidade, política, esportes; aprendi a trabalhar com redação e produzir com

agilidade e precisão, o máximo possível.

Depois já no final, depois de um ano fui para a Folha Campinas e aí foi uma longa

história. Depois trabalhei como chefe de reportagem já em 2000. Foi aí que abriu uma vaga

da Folha para ser correspondente em Belém do Pará, e aí eu disputei essa vaga e consegui.

Fui para Belém em 2001 e ai eu fiquei lá como correspondente da Folha de São Paulo cobrindo

a Amazônia praticamente até 2004, quase três anos, cobri casos como o julgamento de

Eldorado dos Carajás, esquema Sudam, cobri bastante coisa do Jader Barbalho, cobri muita

coisa de conflito de terra, conheci irmã Dorothy e depois tive a infelicidade de cobrir a morte

dela, enfim, teve fatos, cicatrizes também, porque foi uma cobertura muito duro que eu tive ali

na Amazônia.

71Entrevista ao autor, realizada em Campinas, no dia 28 de fevereiro de 2019

100

Depois em 2004 fechou a agência Folha em Belém, fui dispensado pela Folha, voltei

para Campinas e começou aquela crise ali, acho que em 2004, quando a Folha começou a

fechar várias sucursais, várias agências, vários correspondentes foram demitidos e eu fui

nessa leva. Voltei para Campinas e me chamaram para fazer um frila de novo na Folha

Campinas. Então fiquei até ser contratado de novo pela Folha, seis meses depois de demitido

eu fui contratado de novo, como repórter em Campinas e aí eu fiquei até o final de 2004 que

foi quando fechou de vez a Folha Campinas e aí, para minha surpresa, a Folha demitiu todo

mundo e optou por me deixar. Aí virou agência Folha e eu virei correspondente da Folha em

Campinas.

Nesse meio tempo, nesses seis meses que eu fiquei fora da Folha, eu fiz alguns frilas e

entre eles eu fiz um Frila bem legal no jornal O Globo em São Paulo e aí fiquei lá cobrindo

férias, foi uma experiência bacana também de ter trabalhado no jornal O Globo, e aí, voltei

para Folha, como disse antes, fiquei como correspondente por sete anos aqui, trabalhando

sozinho no escritório. Tudo CLT, até 2011.

Em 2011 fechou a Folha Campinas, eu fui demitido, depois de sete anos e aí acabou

essa longa jornada com a Folha, que se for somar dá quase treze anos. Daí o Uol me contratou,

eu fiquei como correspondente aqui e cobri o impeachment do Dr. Hélio, toda aquela crise de

troca de prefeitos, do Demétrio, depois do Pedro Serafim, enfim, cobri todo esse imbróglio

pelo Uol. Fiquei um ano, até que um amigo me chamou para um projeto bem legal que foi a

implantação do jornal Destak em Campinas. Aí eu deixei o Uol e fui trabalhar na implantação

do jornal Destak, fiquei um ano ali como editor.

Em seguida, aí eu comecei já como PJ. Montei uma empresa e no Destak foi onde eu

comecei como PJ. No Destak em 2012 eu abri uma empresa, eu e um amigo somos sócios de

uma empresa de comunicação, e começamos receber por nota da empresa Destak, então, como

era PJ, eu consegui uma licença, tive uma proposta para fazer a campanha do Márcio

Pochmann para prefeito, e aí para chefiar a campanha e tudo, na assessoria de imprensa. Foi

uma proposta bem legal, e eu aceitei. Então pedi licença do Destak por quatro meses, fiz a

campanha, fomos para o segundo turno, foi uma campanha muito legal. Depois destes quatro

meses eu voltei da licença, para o Destak, trabalhei mais quatro meses e aí tive eu tive esse

convite para trabalhar no Aeroporto de Viracopos, em 2012, dezembro, onde estou até hoje.

Comecei como PJ, tinha uma agência de comunicação que tinha ganho a conta aqui

do aeroporto na época da concessão, e aí essa agência de comunicação que me contratou para

ser o coordenador da assessoria de imprensa do aeroporto. E aí eu fiquei até 2017 na agência,

acabou o contrato da agência em 2017 e o aeroporto me contratou, hoje eu estou como CLT,

101

há um ano, como CLT de novo. Minha agência de comunicação continua aberta, mas hoje eu

estou como CLT.

Resumindo, passei pelo estágio no começo, depois CLT, depois passei uma fase de free

lance pelo Uol, depois passei para a fase PJ no Destak, e voltei para o CLT, então passei por

todos esses estágios. Incrivelmente, no momento mais difícil eu voltei para o CLT, que

atualmente é mais difícil para nossa profissão.

Alayr Ruiz 72 – 32 anos de profissão:

Meu primeiro emprego no jornalismo foi em 1987, na Lótus propaganda, de Campinas,

uma agência de publicidade que não existe mais, mas na época eles tinham um departamento

de assessoria de imprensa, e eu fui trabalhar como assistente de assessoria de imprensa. Em

1989, eu fui trabalhar no Correio Popular, trabalhei no Correio Popular de repórter de

cidades, depois repórter de cultura, saí em novembro de 1992 e aí eu fui trabalhar no extinto

Diário do Povo. Aí houve aquela reviravolta toda, o Correio comprou o Diário do Povo e em

2000 eu fui enviada de volta para trabalhar no Correio Popular e fiquei lá entre editoria de

cultura, editando capa, fiz editoria de economia por um tempo, plantão em esportes, um pouco

de tudo até agosto de 2015, quando eu fui demitida depois de tanto anos de casa.

Hoje, eu criei um site e também estou trabalhando na parte de comunicação numa

ONG com o pessoal do Instituto Anelo, eu comecei como voluntária, mas eles resolveram que

iriam me pagar. Não é um piso salarial de jornalista, mas lá todo mundo ganha igual, todo

mundo ganha R$30,00 por hora trabalhada.

Nice Bulhões, 24 anos de profissão73:

Estou no jornalismo desde 1995. Comecei no extinto Diário Serra, jornal do Mato

Grosso do Sul. Fiquei dois meses na assessoria de imprensa do governo do Estado do Mato

Grosso do Sul. Depois, em 1998, mudei para Campinas e trabalhei no Todo Dia, de Americana.

Em 2000, fui contratada pelo Diário do Povo. Com a compra do Diário pelo jornal Correio

Popular, fui transferida para a Agência Anhanguera de Notícias. Nos jornais, passei por quase

todas as editorias. Hoje estou na assessoria de imprensa do Sinergia CUT (Sindicato dos

Eletricitários do Estado de São Paulo).

72 Entrevista ao autor, realizada no dia 20 de março de 2019 73 Entrevista ao autor, respondida por email, no dia 18 de março de 2019

102

Sara Silva, 29 anos de profissão74:

Eu entrei no primeiro jornal em 1990, como fotógrafa e entrei na faculdade em 1992.

No primeiro ano saí da fotografia e fui para redação. Já comecei a trabalhar como repórter

no meu primeiro ano de faculdade. Era uma época que não existia, por exemplo, estágio. Eu

já fui direto para a redação. Comecei, com máquina de escrever e lauda. Era repórter, ia para

rua, cobria cidades e tal. Isso foi no Jornal de Jundiaí. Em 1994, vim trabalhar na Folha

Sudeste, que era a sucursal da Folha de São Paulo em Campinas. A Folha, já naquela época,

não tinha uma política de contratar só profissionais formados em jornalismo. Meu editor, por

exemplo, não era formado em jornalismo e não era nem formado em curso superior. Ele tinha

abandonado a faculdade. Então, a Folha já tinha um perfil completamente diferente dos

tradicionais veículos de comunicação na época. Eu era estudante e fui contratada como

repórter. Era um trabalho tradicional do jornalismo. A minha escola de jornalismo foi a Folha

de São Paulo. Foi lá que eu aprendi técnicas de apuração, a ser repórter mesmo.

Depois, já me formando, eu entrei no Correio Popular, em 1996. Fiquei menos de um

ano. Também como repórter de cidade. Fiquei pouco, mas não me lembro porque, eu não fui

registrada. Essa coisa do jornalismo sempre foi meio assim, as empresas não formalizavam os

contratos. Entrei como frila, isso aconteceu na Folha também. Fiquei um tempo como frila e

depois tinha uma prova para contratação, que era muito difícil, ainda mais para quem era

estudante, porque tinha toda uma exigência de você ter conhecimento sobre o “Manual de

Redação e Estilo”. Depois fui formalizada, mas eu fiquei uns seis meses trabalhando sem

registro em carteira. No Correio Popular eu trabalhei quase um ano sem registro em carteira.

Depois eu quis tentar outros formatos além do impresso e fui trabalhar na EPTV. Eu

entrei no começo de 1997, como produtora. Foi a empresa mais estruturada que eu trabalhei.

Era CLT, pagavam hora extra, o que nos jornais impressos não ocorria, também quando se

está estudando, você está investindo na formação, está aprendendo. E quando se é jovem, no

jornalismo é a paixão muito o que move.

Fiquei na TV até 2002. É muito diferente da reportagem de jornal. Depois eu adoeci,

fiquei estressada. Como eu tinha um projeto de morar fora do Brasil um tempo, eu saí da TV

e fui para Toronto no Canadá e fiquei até 2004. Só que lá eu trabalhei para jornais e revistas

direcionadas para as comunidades brasileira e portuguesa. Voltei, trabalhei como frila.

Depois trabalhei em uma produtora que fez a campanha do Zica75 em 2004. Em 2005 eu entrei

74 Entrevista concedida ao autor, realizada em Campinas, no dia 13 de abril de 2019 75 Candidato à Prefeito pelo PT em 2004

103

na TV Bandeirantes, trabalhei como editora alguns meses e depois fui para a TV TEM em

Jundiaí. O trabalho era mais pesado, porque era uma estrutura menor, mas com um grande

volume de trabalho e eu acabei ficando doente. Então decidi que não queria mais trabalhar

assim.

E aí uma amiga tinha um projeto para trabalhar com internet, num site sobre um guia

sobre a cidade de Campinas, na área de cultura, o que os veículos tradicionais de comunicação

não tinham, eles ainda não tinham entendido a internet. Não entenderam até hoje né?

Então, abrimos um site segmentado, de turismo e cultura, mostrando o que acontece

em Campinas. Aí me interessou, e aí a gente começou a trabalhar, em 2009 e em julho de 2010

lançamos o Campinas.com.br, que mantemos até hoje. Então, na minha trajetória trabalhei

como CLT, como frila e agora como empreendedora.

Luciana Almeida, 27 anos de profissão76:

Comecei junto com a faculdade, em 1992 e de lá pra cá já são então 27 anos. Meu

primeiro trabalho foi na Folha, na SP Sudeste, como primeiranista de faculdade, fui bater lá

e comecei minha carreira trabalhando na regional da Folha aqui em Campinas. De lá pra cá

eu tive complementos entre empreender e ir para o jornalismo tradicional.

Então hora eu tentava entender que as coisas estavam mudando, já percebendo nos

anos 1990 que tinha oportunidade para empreender. Então logo depois da Folha eu fui fazer

um produto que se chamava “Correio dos Anjos” e era para o segmento de área alternativa

da cidade. A gente se questionava até se era jornalismo, mas que segmento é esse, sobre coisas

que estão se transformando. Foi um projeto que nasceu na faculdade, em jornalismo

comunitário, e havia muito questionamento se era jornalismo, se não era, o que que

segmentação tinha a ver com tudo isso. Então foi uma época que consegui estudar um pouco

sobre segmentação e fazer esse jornalismo para a comunidade exotérica e medicina

alternativa. Na época isso era muito taxado ainda, não era visto com bons olhos como é hoje,

a questão do bem-estar. Mas foi um lugar de experimentação, de entender um segmento, o que

tal segmento quer ver, quais eram as tendências, então eu considero que foi um projeto que

me ajudou a embrionar outros projetos.

Depois, cansada um pouco do empreendedorismo, eu voltei para o jornalismo

tradicional e fui trabalhar na EPTV, e faço uma carreira lá até 2001, onde está começando

um novo movimento, que saia do jornalismo segmentado, revistas aparecendo, projetos

76 Entrevista concedida ao autor, realizada na cidade de Campinas, no dia 13 de abril de 2019

104

segmentados aparecendo e que a gente não via, a gente só via grandes jornais. Mas estava

chegando a internet nas redações, nas grandes redações. E a gente lá na EPTV também tinha

um projeto começando, que era o primeiro portal da EPTV. Na própria EPTV tinha projetos

embrionários também, como o Terra da Gente, que estava começando naqueles anos 1990,

num projeto segmentado para quem pesca. Isso é jornalismo? Isso não é jornalismo? Eles

tinham vários questionamentos sobre isso, mas é um projeto que começou nos anos 1990 nos

segmentos e existe até hoje como um projeto bem-sucedido.

Depois da EPTV eu fui para Brasília, morar lá e foi uma época de parar um pouco

porque eu tive meu segundo filho, e tinha tido uma primeira experiência no jornalismo de não

ter tempo de ficar com filho e vi nesse momento a oportunidade de ficar um pouco cuidando

do filho. Fiquei uns cinco a oito meses parada e foi ótimo para respirar e ver para onde as

coisas estavam indo. Então, lá em Brasília eu resolvi fazer uma nova especialização, pois só

o jornalismo não estava dando conta de tudo isso que estava vindo de mudança. Então

encontrei um curso na Universidade de Brasília que chamava Turismo, Cultura e Lazer. Eu

achava interessante estudar essas perspectivas e como é que elas poderiam ser talvez leituras

interessantes para o Brasil. Então fui assim tentando entender esses segmentos em como eles

se davam, talvez, na minha carreira. Nisso eu tive uma oportunidade de trabalhar no

Ministério do Turismo, na implantação do plano nacional de turismo, e entender um pouco

como era um caminho interessante para o Brasil, o turismo, mas um turismo de experiência,

um turismo de leitura, um turismo de cidade, e como isso poderia ressignificar uma cidade.

Talvez ali começou um embrião do que viria a ser o Campinas.com.br, que é um portal de

turismo, cultura e lazer para a cidade de Campinas. Ele nasce um pouco a partir dessa

experiência.

No Ministério do Turismo eu trabalhava com a comunicação e era já uma outra

atuação, trabalhava fazendo as palestras, como trazer essa comunicação do que o turismo

gostaria de ser para um território. Foi bastante interessante também porque eu tive a

oportunidade de ver a comunicação de uma forma mais ampla, para implantar um plano, por

exemplo. Eu fui convidada depois para ir para a TV Senado, e eu tinha saudade da televisão,

acabei indo para a TV Senado e participando de alguns programas especiais. A TV Senado é

uma tv muito interessante, é uma tv pública onde é possível construir programas ou projetos

editoriais no jornalismo que você não conseguiria construir numa tv aberta. Então eu

participava do projeto de inclusão, discutindo a questão da inclusão através do jornalismo,

foi bem interessante, uma experiência marcante para mim.

105

Depois a gente resolveu voltar para Campinas e aí fiquei bastante em crise, na dúvida

se voltava para o jornalismo tradicional, ou procurar emprego em assessoria de imprensa que

estava crescendo muito ou volto a empreender? E aí a veia da empreendedora estava lá de

novo, e aí que nasce o projeto do Campinas.com.br, um pouco com essa de falar de coisas que

a cidade não está falando sobre si própria, sob um recorte, que é bem a cara da internet.

Rose Guglielminetti, 23 anos de profissão77:

Comecei em 1996, no Diário do Povo, que foi extinto. Aliás, estou começando a achar

que todos os jornais em que trabalhei estão se extinguindo. Entrei lá numa época em que as

redações eram cheias de repórteres. Por exemplo, na editoria de “cidades” nós éramos quase

em dez pessoas. A editoria de “política” eram quatro, a de economia mais quatro, então na

época que eu comecei a trabalhar como jornalista a gente ia literalmente para a rua, então

você tinha uma estrutura da empresa que era muito diferente, tinha o motorista, tinha o

repórter, tinha o fotografo, o arquivista. A gente ainda pegava matérias pelo jornal impresso,

era aquele jornal que eram arquivados, por exemplo, se a gente fosse fazer uma matéria que

precisava rememorar alguma coisa, a gente pedia para o arquivista, ele descia com uma pasta

de papel e a gente consultava. Era uma época em que era mais difícil fazer jornalismo, mas

tinha muito mais vagas de trabalho. Então, quando você ficava desempregado, você nem

chegava a ficar desempregado. Aqui nós tínhamos o Diário do Povo, o Correio Popular, tinha

a Folha de São Paulo, tinha as rádios, as TVs, então quando ficava desempregado, quando

alguém sabia que você estava saindo pra rua, aliás, as vezes o próprio repórter nem esperava

ser demitido, ele ia embora – e logo alguém estava convidando para poder trabalhar. Então,

eu passei pelo Correio Popular, passei pela Agência Anhanguera de Notícia, depois passei

pela Band News, Bandeirantes (rádio e TV) jornal Metro e hoje estou no Grupo Bandeirantes.

O que se depreende destas entrevistas é que os profissionais, com diferentes trajetórias

e experiências, tendo em comum o fato de terem começado na profissão no entre o final da

década de 1980 e início da de 1990, sendo todos com curso superior em jornalismo, é que as

transformações tecnológicas e o advento da internet impactaram diretamente na forma de se

fazer jornalismo, que os levaram a reinventar suas carreiras, uma vez que a maioria não se

encontra mais em uma redação, seja por opção, ou mesmo por falta de espaço profissional,

77 Entrevista concedida ao autor em 07 de maio de 2019

106

embora todos tenham uma extensa trajetória em redações, tendo iniciado a carreira quando

ainda eram estudantes de jornalismo.

Os que afirmaram ainda trabalhar sob contrato CLT são os entrevistados Maurício

Simionato, que atualmente está em uma assessoria de imprensa de uma empresa privada,

embora tenha relatado ter aberto uma microempresa com um colega para prestação de serviços;

Nice Bulhões, que atualmente trabalha em assessoria de imprensa na área sindical e Rose

Guglieminetti, que atua em uma grande empresa de comunicação e jornalismo.

As entrevistadas Sara Silva e Luciana Almeida partiram para o empreendedorismo

como sócias de um portal sobre cultura e lazer na cidade de Campinas.

As entrevistadas Michele Costa e Alayr Ruiz atuam como MEI e criaram blogs pessoais

sendo que a última também presta serviço como freelance para uma ONG.

O entrevistado Mário Camargo atua em assessoria parlamentar na Câmara Municipal

de Campinas, sob contrato especial de trabalho. Cláudio Liza Jr. recentemente deixou a redação

do jornal Correio Popular onde trabalhava como CLT e atualmente tenta viabilizar um blog

direcionado para o terceiro setor.

4.5 A precarização sentida no dia-dia do trabalho

Sobre a questão da precarização, a questão colocada foi a seguinte:

Você concorda que há um processo de precarização da profissão de jornalismo?

Porque?

As respostas são transcritas abaixo:

Michele Costa:

Então, precarização sempre teve. Naquela época, quando começamos nos anos 1990,

já tinha muito frila e frila fixo. Esses casos começaram a chamar atenção poucos anos depois

com a Folha (de São Paulo), com a criação das regionais, principalmente com a Folha de São

Paulo em Campinas. Na época foi a maior notícia de precarização visível, extremamente

visível, de jornalistas, porque realmente eles passaram a não contratar as pessoas, era o tal

do frila- fixo, que não verdade não existia contratação, não existia nenhum vínculo trabalhista

entre a empresa e o jornalista. Isso é muito grave. Nesta época, a gente não tinha contrato

nenhum, nós estudantes. Claro que nas redações, em jornais pequenos devia ter um ou dois

jornalistas contratados, mas a maioria era estudantes, nessas condições precárias, sem

nenhum vínculo, sem nenhum direito, mas tendo que cumprir horário, tendo que cumprir

pautas, regras e tal. O máximo que eles davam era uma marmita.

107

Tem um episódio engraçado, quando trabalhava no Tribuna de Indaiá78, comecei lá,

foi o primeiro jornal que trabalhei. E lá eles não davam almoço. Tinha que levar, tinha que se

virar. E eu lembro, minha vida era muita corrida. Não tinha condição, tempo, porque era o

dia todo lá e a noite em casa com filha pequena, com faculdade a noite, depois chegava para

dormir. Não tinha tempo nem de arrumar uma marmita e lavar e muitas vezes não tinha

dinheiro também para comer. Então, realmente, chegava a passar fome no trabalho. Eu lembro

que eu troquei de emprego, eu larguei o Tribuna de Indaiá pelo Diário Votura79, só pela

diferença que o Diário Votura dava uma marmita, horrorosa, mas pelo menos não passava

fome.

Havia uma expectativa com relação à profissão, havia bastante idealismo ainda com

relação a profissão, no jornalismo. Então a gente tinha essa coisa de fazer muito sacrifício

para estar na área, de aceitar uma série de situações ruins, visivelmente erradas, ilegais até,

para poder fazer o jornalismo.

Então, de um lado, tinha essa coisa da dedicação da profissão, que era bom, mas pela

questão trabalhista, da legislação trabalhista, da precarização era ruim, tipo de aceitar

trabalhar até 14 horas por dia, direto. E já cheguei a ficar mês inteiro sem folga, sem uma

folga, trabalhando no mínimo 12 horas por dia, até mais, principalmente no Diário Popular.

Lá foi o período que eu trabalhei mais, puxado mesmo. Tanto que quando eu saí eu entrei com

processo, por conta de receber as horas extras, adicional noturno, receber o que não era pago.

Teve muita situação, por exemplo, dirigir também. No Todo Dia tinham essa exigência,

de dirigir o veículo do jornal e isso foi um dos motivos de eu sair. Você não ganha para dirigir,

além do que atrapalha o desempenho das funções do jornalista, seja o repórter de texto ou o

fotográfico. No Liberal já era um pouco diferente. Eles exigiam só que os repórteres

fotográficos dirigissem. Mas teve algumas situações em que fui cobrada para pegar o carro,

uma situação que não tinha outra pessoa, não tinha motorista, não tinha “fotorista” para

dirigir e aí, eu neguei, eu me neguei várias vezes de pegar o carro. Na época, claro, essas

coisas vão somando. Não era motivo para cortar alguém, uma situação dessa, mas são coisas

que vão meio que vão desgastando um pouco a relação com o empregador, se você questiona

as coisas.

78 Jornal com sede na cidade de Indaiatuba, deixou de circular em outubro de 2018. 79 Jornal com sede na cidade de Indaiatuba

108

Mário Camargo:

Sim, concordo que houve uma precarização e ela começou definitivamente com uma

redução drástica nas redações, eu acho que no começo de 2002, 2003, nós tínhamos a metade

da redação da década de 1990 já. Uma precarização terrível né. Ai já não se pagava mais

hora extra, fazia banco de horas e a partir daí só vi as redações murchando. As agências de

notícias dominando, mandando a mesma matéria para todo mundo, você abre um jornal do

Rio Grande do Sul, ou um jornal de São Paulo, ou um jornal de Brasília e a matéria é

exatamente a mesma, quando não a foto, então não se tinha mais a apuração local. Isso foi

muito ruim para a profissão, porque aí, junto com isso, a desregulação da profissão, a perda

do diploma, eu sou um cara formado na faculdade, mas vejo muitos colegas hoje que

conseguiram o registro no Ministério do Trabalho80 só com algumas matérias escritas e

passaram a ser jornalistas. Então essa trajetória prejudicou demais a carreira do jornalista e

também prejudicou demais o jornalismo em certo ponto de vista.

Cláudio Liza Jr.:

Sobre a precarização, puxando pela memória, faz uns dez anos que as redações vêm se

enxugando, talvez mais do que isso. Era um processo de acúmulo de trabalho mesmo. Mas isso

recentemente está muito visível, que inclusive está faltando dinheiro para pagar o número de

funcionários correspondente ao jornalismo de qualidade. A qualidade do jornalismo, para

mim, caiu. Tá muito mais reativo do que investigativo. Você está muito mais no declaratório,

muito mais no factual, e as vezes até sem condição de cobrir todo factual que existe. Então, a

precarização é uma realidade sim. Inclusive na foto, tá se apelando muito para imagem de

internet, tá se usando foto de qualquer jeito, e os profissionais da foto estão muito incomodados

com isso. Se usa captura de tela em internet, se usa captura de tela de televisão, leitor que

envia, e isso não é o adequado né. O adequado é você ir lá no local, ver, ter sua apuração a

respeito daquilo e ter uma foto mais realista, de maior qualidade, com um ângulo mais

jornalístico.

Maurício Simionato:

Na questão da precarização, eu acho que sim, há uma precarização da profissão, muito

complexa, mas acho que é por conta, em parte, do fechamento de vagas e crise dos veículos

80 Para o exercício da atividade de jornalista, mesmo com o fim da exigência do diploma, é necessário obter um

registro no antigo Ministério do Trabalho, que foi extinto e incorporado ao Ministério da Economia criado em

Janeiro de 2019.

109

de comunicação. Então, isso gerou essa precarização da profissão, porque tem muita gente da

nossa área que se formou comigo, que estudou, que trabalhou que hoje está desempregado ou

partiu para outra profissão por conta do fechamento de vagas e apesar da explosão da internet,

que foi uma bolha, que logo voltou ao normal né, então você tem hoje gente ainda se formando

em jornalismo e as vagas não estão sendo ampliadas de acordo com a molecada que está vindo

aí se formando. Então, há realmente uma precarização, os jornais oferecem menos e as

pessoas por necessidade, é difícil julgar isso, mas por necessidade acabam aceitando um piso

bem menor do que deveria ser pago né. É difícil julgar isso. As vezes a pessoa tá num

desespero, precisa alimentar o filho, precisa pagar o aluguel e acaba aceitando ganhar menos.

É complicado. A gente vê isso em Campinas, como a questão do jornal Correio Popular, você

vê que tem gente ali de história no jornalismo, que aceitou ir para o jornal, que aceitou voltar

para Correio Popular, com a incerteza de receber, de não receber, ou de receber menos, mas

é difícil a gente julgar, porque são pessoas que tem uma história no jornalismo e estavam sem

colocação no mercado e acabaram aceitando isso, é uma solução complexa e só o tempo vai

dizer se vai ser retomado ou não.

Resumindo, há sim uma precarização, principalmente a questão de muita gente sendo

contratada como PJ, muita gente sendo contratada como frila, na questão de assessoria de

imprensa você também vê muito essa concorrência, ninguém mais paga o que é devido para

um assessor de imprensa, para uma assessoria de imprensa num evento, por exemplo. A

empresa acaba barganhando arruma gente que aceite receber bem menos pelo serviço, até

por conta da necessidade mesmo né?

Alayr Ruiz:

Está havendo precarização, totalmente, principalmente nas poucas redações que ainda

resistem. É muita coisa para a pessoa fazer, é muita cobrança, é muita coisa apertada. E

acredito que tem muita interferência do comercial, é uma coisa que, a gente tem que trabalhar

junto, mas ao mesmo tempo um não pode interferir no outro de uma maneira assim, muito

descarada. E hoje eu acredito que uma das razões da precarização é isso. Eu não sei como

estão os salários hoje em redação, mas muitos jornais estão com problemas de atraso de

pagamentos. Mas eu acredito que eles devam respeitar o mínimo da categoria. Mas nas

assessorias de imprensa, por exemplo, exige-se muito, que você tenha carro, que você fale

inglês, que você seja um ‘xyz megamaster’ em redes sociais e os caras te pagam um salário de

R$1,4 ou R$1,5 mil reais.

110

Nice Bulhões:

Concordo que há sim uma precarização. A prova maior disso é a falta de pagamento

para muitos profissionais da ativa. E o pior é a falta de conscientização do próprio profissional

por acreditar que possa ser responsável pelo fechamento da empresa se parar para cobrar os

seus direitos.

Sara Silva:

Acho que os veículos foram diminuindo cada vez mais suas equipes porque eles foram

perdendo a capacidade de investimento e sustentabilidade dos negócios. As equipes foram

sendo massacradas, sempre foi um volume grande de trabalho, mas hoje em dia acredito que

está pior. Eu não estou atuando em um veículo, mas a gente ouve os relatos de colegas, acho

que os jornalistas também ainda estão tentando se situar nesse universo, porque a gente

aprendeu um pouco isso. A gente aprendeu a ser jornalista, a prezar por isso, a ser um

profissional funcionário, tanto é que a gente não faz greve, e quando faz não dá resultado.

Somos uma categoria que não conseguiu se agrupar quando tudo isso estava acontecendo para

tentar de alguma maneira entender todo esse universo, do ponto de vista do mercado de

trabalho, como a gente ainda está patinando nisso nos últimos tempos. Houve uma

precarização generalizada. Com as novas tecnologias as quantidades de informações vieram

como uma avalanche, um tsunami de informações, a qualidade se perdeu muito. Os jovens

profissionais de hoje provavelmente não leem tanto quanto a gente lia, e liamos de uma forma

mais aprofundada. Houve uma superficialização generalizada, da vida até. Tudo é muito

superficial. Então eu vejo que os jovens que chegam aqui, são pouquíssimos os que chegam

com alguma bagagem, e mais, interesse. Eles são dispersos, não conseguem checar uma

informação na profundidade. É tudo muito superficial e acho que essa precarização vem

bastante dessa superficialidade. Talvez pela quantidade de informação.

Também teve aquele período que ficou a dança do diploma. A exigência do diploma ou

não. Então teve um momento, que os veículos também se aproveitaram disso, do ponto de vista

de contratação, isso também eu acredito que deve ter ajudado a dar uma precarizada no nível

dos profissionais.

Luciana Almeida:

Eu concordo que estão havendo precarização e sinto muito isso. A gente recebe quase

um jornalista por semana perguntando como fazer (empreender), a gente já atendeu muitos

111

amigos, pessoas numa situação de estar a até mesmo passando fome. A gente foi pioneiro nisso

e inspirou muita gente.

Mas a precarização não tem necessariamente um lugar do patrão para o empregado,

é muito mais complexo e muito mais amplo. A gente está vivendo em um mundo em que a nossa

área mudou com impactos da tecnologia e da Internet, a gente demorou muito para ver para

onde estava indo a mudança e se apropriar dela. Os blogueiros, os youtubers e os

influenciadores digitais foram muito rápidos e entenderam muito bem esse campo do

“nichado”. A gente ficou com muito preconceito. Era até um território “os blogueiros” e “os

jornalistas”, e nessa demora a gente perdeu espaço de mercado, na transição de canais de

distribuição. A gente tinha que ter entendido que só a distribuição que mudou, a informação

continuava. A necessidade de informação, a informação segmentada, boa, qualificada

continua, vai sempre continuar. O que tem mudado são as plataformas. E de repente chegou

novas plataformas e continua chegando, e a gente teve muito preconceito; preconceito com

redes sociais, preconceito mesmo e isso atrasou a entrada dos jornalistas nesse universo.

Então essa precarização vem de uma mudança de canais de distribuição, de uma

lentidão do jornalista entender que era só mais um canal de distribuição que a gente tinha que

se apropriar, de um preconceito. Toda mudança gera medo, gera apego nos modelos antigos.

Então a gente teve todo esse medo e esse preconceito; e a mudança econômica mesmo que vem

com a tecnologia, com ferramentas de automação, com desafios de futuro e aí vem a

automação de muita coisa, mudando o lugar das coisas. Então, eu acredito que não é só uma

relação trabalhista, a precarização vem de todo esse contexto.

Por outro lado, mesmo com a perda do diploma, já em 1992 eu trabalhava na Folha,

com o diploma não sendo reconhecido, eu era primeiranista de faculdade. Então é uma

discussão que não é de agora.

Rose Guglielminetti:

Acho que está havendo precarização, mas não sei se é só na nossa profissão. Eu acho

que todo trabalhador, tem sido exigido muito mais dele. Você pega uma área médica, da saúde,

na comunicação, eu vejo minha irmã que é da área de recursos humanos. Então eu acho que

a gente tem sido exigido mais. Agora, se a gente for comparar, por exemplo – eu amo ir para

a rua, quando a gente ia para a rua, eu cobria a Câmara Municipal, passava a tarde toda lá,

ficava até a noite quando tinha sessão legislativa. Só então eu voltava para a redação e

escrevia a matéria. Isso exige um tempo. Na época a gente tinha uns seis repórteres de política,

112

entre repórteres e editores, que cobriam Câmara, Prefeitura e outros órgãos, era muito

definido.

Com a internet, whatsapp e tudo mais, a gente deixou de ir para esses lugares, até

porque as empresas não tem mais condições; até a forma de pagar anúncios está migrando

para as redes sociais, então as próprias empresas de comunicação não tem mais aquela receita

para bancar uma estrutura para poder ter vários jornalistas, com carro e tudo mais. Então eu

consigo entender, assim, ao mesmo tempo que há uma precarização há uma facilitação no

sentido de que você fica mais tempo na redação, não precisa se desgastar para ir para rua.

Mas acho que não é só na profissão de jornalista, acho que são em todas. Inclusive, com a

Reforma Trabalhista, a tendência é que essa coisa de carteira assinada, você ficar um tempo

na empresa, isso está acabando. Por exemplo, hoje, se eu quiser entrar na televisão e no rádio

da minha casa, eu entro. Eu não preciso estar aqui na redação e muitas vezes eu faço isso. Aí

você pode dizer que é complicado, porque o profissional fica fulltime, e fica mesmo. Agora,

médico fica fulltime, economista fica fulltime. Percebe que houve uma exigência maior do

mercado de trabalho e não é só de nossa profissão, e aí ou você se adequa ou fica

desempregado, não tem muita saída.

Das respostas obtidas pelos profissionais é unanime a percepção de que o trabalho no

jornalismo passou por um processo de precarização a partir do final dos anos 1990, embora ela

já fosse uma realidade já naquela época, principalmente através das contratações informais,

dos freelances e frila-fixo. Também pode-se notar nas falas que com o advento das novas

tecnologias houve uma grande redução no quadro de funcionários nas redações e muitos

veículos deixaram de existir. Quem continuou empregado teve de assumir novas funções,

inclusive não necessariamente ligadas ao jornalismo, como a de motorista, por exemplo. A

percepção geral é que atualmente, trabalho regulamentado, com registro CLT é algo cada vez

mais raro. Nota-se uma percepção que, com a diminuição dos profissionais na redação e

acúmulo de tarefas comprometeu a qualidade do que é publicado.

Ainda com a relação a precarização, também foi entrevistado o presidente do Sindicato

dos Jornalistas do Estado de São Paulo, Paulo Zocchi, sendo formulada a seguinte questão81:

“De acordo com a FENAJ, a categoria enfrenta problemas trabalhistas crônicos, sendo

que os principais podem ser resumidos no desrespeito à jornada de trabalho – a maioria das

81 Entrevista concedida ao autor, realizada na cidade de São Paulo, no dia 16 de outubro de 2018

113

empresas não pagam horas extras e sonegam o vínculo em carteira. Há a generalização do

trabalho sem qualquer vínculo empregatício, os chamados de frilas e frilas-fixos, e a imposição

da situação de Pessoa Jurídica para parte de categoria. Qual o panorama da categoria hoje, em

relação as condições de trabalho?”

A resposta foi a seguinte:

As empresas de comunicação estão sob impacto gigante da internet, que é mundial,

transforma a circulação de informação de maneira que uma parcela cada vez maior da

sociedade, da qual a sociedade se apropria, circula na esfera da internet. Isso é geral no

mundo todo hoje. Isso impacta os meios de comunicação de uma maneira profunda. No Brasil

a questão tem uma dimensão particular porque tem uma legislação, que vem desde antes da

ditadura que estabelece que os meios de comunicação têm que ser de brasileiros que a

participação de estrangeiros deve ser limitada a 30%. A base dessa lei é uma ideia de

soberania nacional. O setor de comunicação é estratégico numa sociedade e por isso tem que

ser de propriedade de brasileiros. Mesmo sabendo que hoje em dia, devido a predominância

do capital financeiro, isso tem ficado fácil de burlar, mas corresponde a uma ideia de

soberania nacional.

Com o advento da internet e o fato de que as informações começam a circular cada vez

mais no espaço da internet, tem uma subversão, porque as empresas de internet, para fins

legais, não são empresas de comunicação. Na prática elas são, e elas são estrangeiras, norte-

americanas no nosso caso específico. O Facebook e o Google são os principais atores. Essas

empresas entram no Brasil, como se isso fosse uma porteira aberta, não tem barreira nenhuma,

rentabilizam os meios em que atuam em boa parte com informação jornalística, da qual eles

se apropriam a título gratuito, e fazem isso rentabilizar de maneira importante empresas deles,

não geram praticamente emprego nenhum, e estão demolindo as empresas brasileiras.

Então, tem o aspecto que mostra o caos que a economia funciona num regime como o

nosso que é o fato que os caras faturam horrores com a informação jornalística, mas através

de uma mecânica que destrói a fonte dessa informação a longo prazo. E o pior da história é

que as empresas jornalísticas, sobretudo as de mídia impressa, que estão sendo as mais

atingidas neste momento, veem isso acontecer e não tomam medida nenhuma. Certamente não

é por falta de deputados no Congresso que possam defender o interesse deles. Veja a situação

da editora Abril. A família proprietária da Abril adota uma postura simplesmente de tentar

preservar ao máximo o patrimônio bilionário deles. Blindam o patrimônio, estão vendo a

empresa afundar e vão mudar para fora do país e acabou o assunto. Então os caras nem ao

114

menos resistem. Não tomam nenhuma medida, não fazem nada. A gente está num cenário de

crise importante das empresas. A gente fala de “passaralho” faz tempo. Porque já nos anos

90, as empresas já estavam sob o impacto do que a gente chama de “era da globalização”,

uma era no qual o capital financeiro vai tomando uma importância cada vez maior na roda

geral da economia. As empresas começaram a se guiar cada vez mais por regras de

rentabilidade bancária. A Globo é um exemplo absurdo. Ela tem uma lucratividade do tipo

30% sobre o patrimônio líquido todo ano. Isso é dado público. As demais empresas também

tiveram altos lucros. Então isso fez com que elas passassem a ser gerenciadas por executivos

estranhos à área editorial, adotando preceitos de governança que é o de reduzir violentamente

as redações, expandir ao máximo a lucratividade, em detrimento do negócio em si, que é o

jornalismo. Então a gente fala nas mesas de negociações “se você vai demitir sua redação

pela metade, você vai matar o jornalismo. Se matar o jornalismo, ninguém mais compra jornal.

Então, qual a realidade concreta com as empresas nesse tipo de postura? É essa combinação

disso que já vinha dos anos 1990, com essa crise estrutural, com o cenário da internet, mais a

crise econômica que estamos atravessando.

Primeiro, foi tendo um enxugamento. As grandes empresas, podemos falar da Abril, do

Estadão, da Folha, até mesmo das TVs, mas principalmente da mídia impressa. Demissões em

massa dos jornalistas mais velhos. Aquela velha pirâmide, que se tinha há trinta anos, que era

assim: dois caras com 30 anos de profissão, dois com 20, dois com 10 e dois “focas”, agora

tem um ou dois mais velhos e 10 focas trabalhando. E os caras que entram, por exemplo na

Abril, é um troço desesperador para os jovens jornalistas. O cara entra na empresa, sai da

faculdade, é um cara promissor, começa a fazer o trabalho dele, ganha prêmio de jornalismo,

passa dois anos, passa quatro anos, passa seis anos, o cara não sai do piso. Aí ele muda de

profissão, ele sai e entra outro. Então não tem mais aquela progressão de carreira.

A profissão está atomizada por gente que vai trabalhar muito em assessoria, em

empresas que tendem a não reconhecer assessoria de imprensa como trabalho jornalístico, e

é trabalho jornalístico, enfrentando baixos salários, frequentemente terceirização, pejotismo

e tal.

4.6- Impactos das mudanças tecnológicas e no trabalho sobre os jornalistas

Entre os anos 1990 até a década atual, a forma de produção jornalística passou por

várias transformações, assim como ocorreu de uma forma geral no mundo do trabalho,

ocasionado tanto pelas inovações tecnológicas, como pela forma de organização das empresas,

em função dessas mudanças.

115

Conforme coloca Marcondes Filho (2009), as novas tecnologias de comunicação, se

por um lado facilitaram o trabalho de pesquisa e produção de notícia, elas trouxeram mais

atribuições aos jornalistas, ao mesmo tempo em que levaram ao enxugamento das redações,

com a extinção de funções que perderam sentido, mas com aumento da carga de trabalho e de

responsabilidades.

Atualmente, o repórter não é só repórter. A ele cabe apurar, investigar, checar, escrever,

editar, diagramar - no caso de veículos impressos, - ou produzir para diferentes formatos e

linguagens como áudio, vídeo, sites, blogs, redes sociais, tudo em tempo exíguo. Além da

concorrência de outros veículos, há ainda a pressão de se fazer necessário, uma vez que a

produção de conteúdo deixou de ser prerrogativa do jornalista.

As novas tecnologias foram utilizadas como forma de precarização do trabalho ao

impor, dentro de um contexto de desregulação dos direitos trabalhistas, uma jornada de trabalho

que nunca termina. Assim, com um computador ligado à rede mundial, em sistemas intranet e

mesmo com os smartphones, o jornalista se vê forçado a permanecer plugado 24 horas, com o

trabalho invadindo os espaços privados de descanso, convivência familiar, social e lazer, que

que tem levado ao adoecimento (HELOANI, 2006, p. 192).

Citando Reimberg (2014), Dantas (2017) pontua a questão que, apesar das

consequências negativas para o jornalismo e para a saúde mental dos jornalistas, a precarização

do trabalho é mitigada pelo prazer profissional, que aparece na forma de reconhecimento na

produção jornalística. O estudo mostra que ainda persiste uma vaidade no exercício da

profissão. Em sua pesquisa sobre a questão do sofrimento e prazer no exercício do jornalismo,

Reimberg (2014) detectou em entrevistas com profissionais da área que:

Os jornalistas convivem diariamente com o sofrimento no trabalho. Há um

grande envolvimento com a profissão e não há separação entre trabalho e vida

pessoal. O trabalho dá sentido à vida, e o envolvimento e a mistificação da

profissão fazem com que se aceitem as condições organizacionais, como

excesso de trabalho, longa jornada, ritmo e pressão, ainda que essas condições

sejam fatores de sofrimento (REIMBERG, 2014, p. 265).

Porém, o prazer oriundo dessa “vaidade” pode não ser suficiente para manter ao longo

dos anos condições tão ruins de trabalho. Assim, há muitos jornalistas que já não acreditam

mais no seu trabalho e ou fazem uma produção alienada, simplesmente executando o que lhe é

proposto pelo empregador, fazendo com que o prazer seja substituído pelo sofrimento no

trabalho, e assim acabam por abandonar a profissão (BULHÕES, 2018).

Outro ponto abordado é o conceito de mudanças estruturais, sintetizado pela autora

como um conjunto de transformações que incluem novas formas de produção da notícia,

116

processos de convergência digital e a crise da empresa jornalística enquanto modelo de

negócios.

A questão colocada por Dantas (2017) é até que ponto as mudanças estruturais são “no”,

ou “do” jornalismo. No primeiro caso pode-se dizer que são eventos externos que afetam a

profissão. No segundo caso, as transformações seriam endógenas, que levaria a questões de

mudanças nas concepções técnicas, de prática linguagem. A reflexão é até que ponto a prática

jornalística vem se modificando, uma vez que isso já ocorreu em outras épocas, com o

surgimento, do rádio, depois da televisão, web sites, que a seu tempo demandaram mudanças

na forma de produção e linguagem.

Vizeu & Lordêlo (2015), classificam esse período como uma transição dos modos de

produção fordista e pós-fordista nas redações. Baseados em duas pesquisas realizadas de forma

individual pelos próprios autores, uma em 1990 e outra em 2015, eles observaram que na

transição de um modelo para outro houve severos impactos, como a redução de funções e

tarefas necessárias para a produção jornalísticas, extinção de profissões e, por outro lado

aumento da demanda de notícia em uma sociedade mais conectada, com uma gama maior de

veículos e plataformas de emissão e recepção de notícia, em vários formatos – audiovisual e

em forma de texto – 24 horas por dia.

Para atender essas novas demandas, as empresas de comunicação passaram a exigir

profissionais polivalentes, capazes de realizar várias tarefas, e flexíveis, com horários de

trabalho indefinidos e contratos individualizados.

Conforme mostra a pesquisa realizada em 1990, tendo como base de análise a redação

de um telejornal local de uma emissora de grande audiência transmitido para a cidade do Rio

de Janeiro, a equipe de produção era composta por uma ampla gama de profissionais:

Nos anos 90, a estrutura da redação era composta por um diretor-regional, um

chefe de redação, 12 editores de texto, um chefe de reportagem, quatro

subchefes de reportagem, três assistentes de produção e dez repórteres. Os

quais possuíam funções e meio de distribuição noticiosa fixa, ou seja, restrito

ao meio televisivo: “TV fazia TV” (VIZEU & LORDÊLO, 2015, p. 135).

Na pesquisa realizada em 2015, observando as redações de telejornais de várias

emissoras, constatou-se que as mudanças na rotina reconfiguram a forma de produção

jornalística. Com a convergência de vários meios em uma única empresa, os autores

constataram que houve uma reconfiguração do fazer jornalístico, “sendo agora realizado por

profissionais polivalentes multimídia e distribuídos de modo multiplataforma entre os meios

móveis e fixos observados até a década de 1990 (IDEM, p.136).

117

Nesta nova configuração há a possibilidade de compartilhamento de conteúdo nas

diversas plataformas e assimilação do público também como participante da produção, com o

envio de imagens e áudios para as redações através de dispositivos móveis ou mesmo através

da publicação e reprodução de conteúdo nas redes sociais online.

A operação em mídias digitais abre a possibilidade de busca por perfis de

profissionais polivalentes funcionais para compor as redações. Na rotina

produtiva, em que ocorre colaborações entre profissionais do mesmo meio, as

funções e papeis, muitas vezes apresentam flexibilização de profissionais,

como uma polivalência funcional (IDEM, p. 144).

Moretzsohn (2014), em artigo que analisa as modificações no jornal O Globo ocorridas

em março de 2014, observa as mudanças na rotina de trabalho imposta pela prioridade que o

jornal passou a dar às notícias online, com a integração das redações digital e do jornal

impresso. Tais modificações acabaram por estender a jornada de trabalho, com a antecipação

do horário de chegada à redação e postergação do horário de saída. Isso ocorre porque, no

mundo online, sempre é dia em algum lugar, sempre há um pregão de bolsa de valores

acontecendo. Como se dizia do antigo Império Britânico, o sol nunca se põe no mundo virtual,

ou nunca desliga, como anuncia o slogan de um canal a cabo de notícias 24 horas.

Na análise de Moretzsohn (cit.) a pressão pelo fechamento de matéria e publicação

antes da concorrência, que em muitos casos, como nos diversos veículo do grupo Globo, mas

não só, se dá dentro de veículos de uma mesma empresa, com a audiência medida pela

quantidade de cliques que a matéria recebe acabam por configurar uma rotina estressante, pelo

lado da demanda de trabalho, e ao mesmo tempo frustrante, devido ao fato de que a qualidade

e/ou a importância da notícia seja substituída por textos ocos ou assuntos fúteis, mas que geram

maior número de cliques, ou seja, maior audiência para o veículo.

Aceleração do ritmo de trabalho, acúmulo de funções, exaustão no fim do dia.

A alteração radical das rotinas de produção da notícia, que no Brasil começou

em meados dos anos 1980 com a informatização das redações e aprofundou na

década seguinte com a chegada da internet, atingiu novo patamar em março de

2014, com a mudança através da qual o jornal O Globo pretende estabelecer

um ponto de virada nessa trajetória: o privilégio à informação online, que exige

a antecipação de horários e a extensão da jornada, com reflexos decisivos na

organização da redação, na exploração do trabalho, na competitividade entre

as empresas do mesmo grupo, na forma de se produzir e consumir notícia e nas

expectativas quanto à sobrevivência do meio impresso (MORETZSOHN,

2014, p. 60).

O autor chama atenção também para o fato de que o material produzido online seja

chamado de conteúdo e não de reportagem, pois “conteúdo pode ser qualquer coisa, desde

horóscopo, palavras cruzadas e frivolidades, até informações da mais alta relevância”.

118

Observamos os impactos diretos destas mudanças em depoimentos de jornalistas

entrevistados para esta pesquisa. Entre as falas, é possível observar que há uma percepção clara

de que a forma de se fazer jornalismo hoje é completamente diferente de duas décadas atrás e

isso trouxe como implicações a redução de postos de trabalho nas redações e consequente

aumento da concorrência, com a pressão para a produção da notícia de forma mais ágil para

atender a demanda de notícias full time exigidas pelas plataformas digitais online, o que

contribuiu para a perda de precisão na apuração e confiabilidade das notícias e também com a

precarização dos contratos de trabalho, uma vez que neste período foram sendo paulatinamente

eliminados vários postos de trabalho com vínculo pela CLT, sendo substituídos ou por contrato

individuais, tipo PJ, ou mesmo pelo trabalho informal, os chamados freelance e também com

o empreendedorismo como alternativa de sobrevivência no mercado de trabalho.

Nos depoimentos descritos abaixo, os jornalistas entrevistados relatam como

perceberam essas mudanças e como elas impactaram em suas carreiras:

Michele Costa:

Eu não sou das pessoas mais pessimistas ainda mas tenho colegas mais experientes

que já olham para a profissão há alguns anos já e falam que o jornalismo morreu, que não

existe mais e, naturalmente, a profissão de jornalista também, por conta de vários fatores, não

só por conta das novas mídias, não só por conta da precarização, embora elas estejam

interligadas de alguma forma, mas também porque hoje tem muita gente atuando, se dizendo

jornalista, ou fazendo o que a gente chamaria de jornalismo há tempo atrás, e que não são

jornalistas. Essa era até uma discussão dentro do movimento sindical inclusive, dessas mídias

novas: “jornalistas livres”, “mídia ninja”, entre outros por aí, que tem até alguns jornalistas

que participam desses grupos, mas majoritariamente não. As pessoas que trabalham ali com

comunicação, não são jornalistas. Então você tem essa situação. E as vezes você pega o

material que essas pessoas produzem e são bons materiais. Eu falo que isso é comunicação,

eu vejo dessa maneira, vejo isso como comunicação, como forma de comunicação. Por

exemplo, uma associação de bairro, uma associação de moradores, enfim, entidades que tem

as pessoas que fazem a comunicação e não são jornalistas. Quer dizer, são formas diferentes

de comunicação, mas se você pegar mesmo o conteúdo, dificilmente essas pessoas sabem a

linguagem e todos os pormenores, os cuidados que um jornalista deve ter com notícia. Então,

eles fazem a comunicação, eles até informam, dão informação, mas na maioria dos casos, eu

não chamaria isso de jornalismo.

119

Agora, nas questões das novas tecnologias, eu não peguei este período na redação,

porque, depois do (jornal)O Liberal, eu comecei a pegar frilas a distância.

Trabalhei como assessoria de imprensa bastante tempo. Como assessora de imprensa,

a questão das novas tecnologias ficou bastante evidente, porque é bastante parecida a

situação. Então, você vai querer que o jornalista seja, tanto na função de repórter numa

redação, editor, repórter principalmente. Ou de assessor de imprensa, seja qualquer que seja

o segmento a exigência passou a ser maior, porque você tem que reportar situações, você é

cobrado para reportar situações em vídeo, em foto, em texto, ao mesmo tempo, em caso de

assessoria de imprensa, você tem que fazer o relacionamento com a imprensa, você tem outros

públicos, no caso de assessoria de imprensa também, com os quais você tem que se relacionar,

então a exigência é muito grande, e o curioso que as outras pessoas, principalmente nas

assessorias – porque dentro de uma redação você até consegue compactuar com um colega,

que por mais que ele esteja na chefia, ele também é jornalista, então as vezes ele cede um

pouco – agora, numa assessoria, um segmento que só tem você de jornalista ali, as pessoas

não compreendem o quanto você se desdobra para fazer tudo aquilo e ainda não ter o valor

devido. Claro, deve ter casos que isso acontece, esse valor é reconhecido e tal, mas as minhas

experiências na foram neste sentido não, infelizmente.

Mário Camargo:

Houve uma mudança enorme na categoria. Eu me lembro quando fui contratado no

sindicato, que tinha todo compromisso legal, ou seja, o que eles defendiam para a categoria,

defendiam para quem trabalhava lá também, o que era muito legal. Então tinha uma

consciência de classe muito forte. Isso nos favorecia muito para trabalhar. Eu me lembro que

eu saí de Piracicaba com o salário básico de repórter de redação e fui ganhar o salário da

assessoria, que naquela época tinham pisos bem diferentes, 30% a 40% a mais. Eles

respeitavam horário, pagavam hora extra. Enfim, era uma relação trabalhista muito legal.

Eles davam condições razoáveis de trabalho, até porque o sindicato não era tão rico assim,

mas sempre que possível, traziam mais gente para trabalhar, tinha uma pessoa que cuidava

mais da diagramação, apesar de a gente fazer de tudo, porque a redação era pequena.

Fotografava, escrevia, cheguei a diagramar. Só não colocava o fotolito na máquina, mas as

relações de trabalho eram bastante distintas das que eu vivi na redação do Diário, do que eu

vivi na rádio Bandeirantes, que eram relações mais frias, de uma cobrança – não que o

sindicato não tivesse cobrança, porque a gente trabalhava até de madrugada, mas uma relação

120

mais fria mesmo. Então eu percebi que quando eu comecei na carreira efetivamente, na década

de 1990, as condições das redações eram outras.

Eu me lembro que quando eu vim para Campinas, e, 1993, nós tínhamos o Diário (do

Povo), uma potência, muita gente na redação, tínhamos o Correio Popular, que tinha uma

redação enorme, tinha a sucursal da Folha, que era a Folha Sudeste, que depois virou Folha

Campinas, tinha o Diário Popular, que depois virou o Diário de São Paulo. Tinha uma

sucursal da Gazeta Mercantil aqui, tinha a EPTV com boas equipes de reportagem, tinha a TV

Thati, que era a Manchete, tinha a TV Bandeirantes e o SBT. E rádio tinha a rádio

Bandeirantes, que foi onde eu trabalhei, a rádio Central, que fazia jornalismo, a rádio Cultura,

que depois virou CBN e a rádio Brasil, eram quatro rádios.

Quando a gente ia para as coletivas, por exemplo, ia cobrir uma coletiva do Prefeito,

ficava se empurrando, literalmente se acotovelando, com cinegrafistas, com fotógrafos, porque

não tinha sala para caber tantos jornalistas. E as coletivas viravam né, porque com tantos

jornalistas, cada um perguntava coisas diferentes, então rendia. O bom da coletiva aquela

época era que você pegava até ideia dos outros para publicar sua matéria, além da sua própria

ideia. Então, tinha um calor enorme na cobertura jornalística aqui e as condições de trabalho

eram razoáveis. Você tinha o fotografo que realmente fotografava, não precisava dirigir o

carro, o cinegrafista que não precisava dirigir o carro, só era cinegrafista, até porque a

máquina era enorme, pesava 10, 12 quilos, e o repórter tinha um salário legal, pagava-se

horas extras nas redações naquela época.

Eu percebi que na virada, no final da década de 1990, foi bem isso, já no governo de

Fernando Henrique Cardoso, a coisa começou a mudar, por conta da flexibilização da

legislação que já começava e também por conta da tecnologia. A gente já começou a perceber

notebooks nas entrevistas, que a gente nunca viu isso, era o radinho, um gravadorzinho e o

bloquinho de papel. Começaram a aparecer também as máquinas fotográficas digitais. Então

já se descarregava as fotos ali, já se começava a editar ali. O que se fazia de volta na redação,

já começou a ser feito ali mesmo no local da entrevista, da reportagem. Não tinha internet com

tudo que se tem hoje, então a matéria não era transmitida online, mas ela chegava na redação

praticamente pronta. Já escrita no notebook, com as fotos já escolhidas, e aí o motorista

desapareceu. Raramente se tinha uma equipe com motorista, a não ser TV, e as redações foram

murchando.

Eu percebi também que até na assessoria sindical, que eu trabalhei por muito tempo,

isso também começou a acontecer. Começa muito fortemente a pressão do multitarefa, então

eu tenho que fotografar, eu tenho que diagramar, eu tenho que escrever, eu tenho que fazer

121

assessoria, ou seja, tenho que fazer o relacionamento com a imprensa. Também a relação dos

jornalistas com as assessorias começou a mudar. Como a pressão nas redações era muito

grande, o jornalista queria tudo pronto, então foi o reinado das assessorias, nessa virada do

século. Tudo que a gente escrevia, a gente sabia que os jornais gostavam de receber a matéria

pronta, a gente já fazia o título, já fazia o lead, já mandava foto com legenda e em muitos casos

os jornalistas “compravam” a matéria quase que inteira, as vezes adequavam alguma coisa

com o estilo do jornal e a gente percebia que o jornalista não apurava mais. As assessorias

passaram a apurar, a produzir a matéria pronta e quando é rádio inclusive com a fala já, com

o “off”, e as redações foram murchando.

Em Campinas foi muito evidente isso. Alguns jornais foram fechando, como a Gazeta

Mercantil, o Diário do Povo virou parte de uma rede, que virou a RAC (Rede Anhanguera de

Comunicação) e as redações murcharam porque os jornalistas, alguns ficaram no Diário e

outros ficaram no Correio (Popular) no começo, mas já se criou o núcleo de redação da

agência, que ela produzia para os dois jornais e vendia matéria para fora.

Hoje, o jornalista não sai da redação, antigamente, eu pegava quatro pautas no rádio

e quase morria para fazer as quatro pautas, porque tinha que apurar, eu tinha que ir lá no

Ouro Verde, aí tinha uma outra pauta no São Marcos e outra no Centro e acabava meu dia.

Eu ia escrevendo no colo, tinha o motorista, para poder chegar e gravar a matéria, porque

senão não dava tempo de fechar o jornal. Quer dizer, eu virava essa cidade. Foi bom porque

eu conheci a cidade de cabo a rabo e suas contradições também. Isso para o jornalista é

importantíssimo, ter essa sensibilidade da rua, o cheiro da rua, essa coisa do calor da rua e

entender por que que a instituição não atende. Quando eu estava na Prefeitura, eu estava lá

vendo o problema da prefeitura, mas também estava lá na ponta, vendo o problema do buraco,

o problema da saúde, a questão da educação, quer dizer, isso é ótimo para a apuração do

jornalismo. Hoje o jornalista não sente cheiro de nada mais. Ele sente o cheiro do mouse, do

computador. Isso é muito ruim, perde-se a sensibilidade da vida, que é essencial para a

produção do bom jornalismo.

Eu lembro de um conhecido jornalista, já falecido82, que dizia que surgiu o jornalista

fiteiro, ou seja, se comprava pronto, então essa verve da apuração ficou muito prejudicada,

então compra-se dossiê. Eu me lembro de uma entrevista recente da assessora de imprensa da

Polícia Federal de Curitiba, no The Intercept83, dizendo que ela entregava dossiês prontos

82 O entrevistado se refere ao jornalista Aberto Dines, falecido em maio de 2018. 83 Site de notícias, que edita uma página na internet em português.

122

para os jornalistas e eles aceitavam. Tudo bem que é de um órgão oficial, mas, não vai apurar?

Ou seja, publique-se e depois a gente vai atrás. O jornalismo que apura hoje é a exceção da

exceção.

Cláudio Liza Jr.:

O impacto na tecnologia, para falar a verdade eu senti mais recentemente. Não sei se

o Correio Popular estava um pouco atrasado nisso, mas a gente sentiu recentemente. Primeiro

que os jornais começaram a vender pouco, e aí o que eu vi foi que o leitor comum, que

comprava jornal na banca, começou a comprar só jornal popular84. Os grandes jornais se

mantiveram com sua credibilidade e com anunciantes, mas na banca não vende. Quando eu

fui para um jornal popular, que foi o Agora, foi muito visível. Eles mapeavam qual notícia que

dava mais leitura para só dar esse tipo de notícia, mas só dar esse tipo de notícia mesmo. No

Agora é só aposentado. Por exemplo, chuva, lá eles não dão, porque eles mapearam que não

dá leitura. No Correio dá, por exemplo. Mas migrou muito para o popular. E vi o Correio

abrindo o Notícia Já, e infelizmente não prosseguindo com o projeto, que era um projeto bom.

O jornal popular ainda é lido. Acho que é o único que é bastante lido, de papel.

Eu vi muito a internet tomar conta. Eu vi muito os profissionais que estão entrando

querer dar notícia rapidamente, sem uma checagem muito longa, muita “barriga”, muita

notícia precipitada, mais pela agilidade dos veículos. É uma pressão em cima dos

profissionais, até dos mais experientes mesmo de dar antes. Eu vi isso inclusive em jornais

muito sérios, como no ‘Agora’, que é muito sério, mas eles tentavam dar o mais rápido

possível. Mas a experiência do pessoal de lá segurava um pouco a onda, e a gente via o pessoal

dando antes da gente, dando muita barriga, e órgão de imprensa muito sérios.

A molecada está vindo com muita ansiedade em dar as coisas, o que é comum na nossa

profissão, a gente quer dar o furo, mas a ansiedade, não sei se sou eu que eu era assim e agora

não estou acostumado mais, mas não se pergunta muito, não se tem paciência para entrevistar,

e é com a paciência, com a conversa que você tira as maiores informações. A gente vê muito

imediatismo. Eu vejo muito isso.

Mas, principalmente, vejo a internet tomando conta mesmo. Dos últimos anos para cá

isso foi muito mais visível porque, até mesmo eu, num celular, eu não pego mais um jornal

84 O entrevistado refere-se a jornais em formato tabloide, com notícias curtas e manchetes e fotos chamativas,

vendidos em banca a preço baixo, que fez relativo sucesso na década passada. Exemplo deste tipo de publicação

em Campinas foi o Notícia Já, do grupo RAC. O “Agora São Paulo”, do grupo Folha também pode ser

caracterizado como jornal “popular”.

123

para ler. Eu acordo e vou olhar nos grandes sites o que está acontecendo. Sinceramente não

vejo muita necessidade de jornal impresso. Se os jornais não se fizerem necessários, eles não

serão. Porque você vai ver o dia-dia no toque de seu dedo.

Maurício Simionato:

Na questão das mudanças, nós passamos por elas. Comecei numa redação com

máquina de escrever e até então a gente não imaginava o que era tecnologia né? Não tinha

essa noção. Eu vejo hoje, passados todo esse tempo, eu não entendo como até o ano 2000/

2001, a gente trabalhava sem Google, sem internet. Era um desafio realmente, a gente tinha

uma longa agenda e também o que contava muito era seus contatos, o que tinha anotado, os

telefones, tinha muito mais a cobertura in loco, a gente ia no local, não tinha essa apuração

de hoje, por internet. Acho que esse pessoal mais novo, pós 2000, não sabe o que foi essa fase

do jornalismo, que contava muito você ter fontes.

Nice Bulhões:

Nos jornais, as mídias sociais ganharam peso na apuração de notícias. Inclusive, sendo

usadas até para entrevistas. Com isso, a apuração de rua reduziu. Houve redução também no

quadro de pessoal, mas houve um aumento do número de matérias a serem apuradas e

cobrança quanto à rapidez.

Alayr Ruiz:

Foram várias mudanças, uma consequência da outra. A principal foi com o advento da

tecnologia. Quando eu entrei no Correio Popular, em 1989, era máquina de escrever. Já

existia microcomputador, mas naquela época a gente ainda trabalhava na máquina de

escrever, era a lauda de 20 linhas, que a gente datilografava a matéria, com papel carbono,

com cópia. Então existia toda uma gama de funções dentro da redação do jornal. Tinha o

diagramador, o digitador, o revisor, o pestapeiro, tinha toda uma gama de funções. Com a

informatização, que começou aos poucos no início dos anos 1990, foram se eliminado funções

e departamentos, aí a tecnologia, pela minha experiência, que chegou para facilitar a vida,

também complicou, porque a partir do momento em que algumas funções foram sendo extintas,

alguém teve de assumir aquele trabalho, porque a máquina não faz sozinha né. A gente precisa

trabalhar.

Vou dar um exemplo: a gente tinha um departamento de produção, que era a pessoa

que cuidava de coisinhas que ocupam tempo, tipo, verificar se chegou – no meu caso, na

124

editoria de cultura – o pacote do mês de palavra cruzada, de quadrinhos, que vinha pelos

correios, vinha um CD com as imagens, primeiro era disquete, depois CD, então, era a pessoa

que ficava correndo atrás dessas coisas. Quando eles informatizaram toda a redação, eles

eliminaram esse departamento, então, as editoras, editora assistente, além do trabalho de

edição, também tiveram que acumular essa outra função, que é ver se chegou, ficar

controlando, ficar cobrando, a jornada de trabalho ficou mais desgastante, não era tão longa

como era antes, nos tempos mais românticos da máquina de escrever, que a gente ficava na

redação até a hora que precisasse, pela apuração da notícia, mas a gente acabou ficando

escravos de deadline85.

Aquela época de romantismos de “parem das rotativas”, ficou só no romantismo.

Então foi ficando um trabalho cada vez mais mecânico. Eu acho que isso afetou na qualidade

do trabalho. A gente passou a ser multitarefa.

Sara Silva:

Com a internet eu acho que os veículos patinaram muito tempo para entender e criar

novas formas de negócio. Eu acho que estão patinando até hoje. A gente vê a editora Abril e

outros grandes aí que até hoje não sabe qual a melhor forma de se apropriar das novas

tecnologias, porque isso não deixa de ser um negócio né? Eu hoje sou uma empreendedora e

vejo como um negócio. A gente foi formado para ser funcionário. Há uma deficiência muito

grande nas instituições de ensino. Já havia nos anos 1990 um hiato, uma grande distância

entre o que se ensina e o que é praticado no mercado de trabalho. Na época, enquanto jovem,

eu odiava isso, eu aprendi muito mais trabalhando do que na faculdade, isso não tenho a

menor sombra de dúvida. E depois, já trabalhando eu entendi a importância da teoria, de

estudar e se aprofundar nas questões teóricas, até para te orientar na sua profissão. Mas já

na época existia um distanciamento muito grande. E vejo a mesma coisa que acontecia há 30

anos e hoje. O que aconteceu? As novas tecnologias são muito rápidas, exige um

acompanhamento e mesmo que a gente acompanhe a gente tá atrasado. Então, hoje, é

impressionante. Eu não acompanho. A gente recebe os estagiários, eu vejo que há um

distanciamento muito grande das universidades, das instituições de ensino com o mercado de

trabalho.

85 Deadline refere-se ao horário final de entrega das reportagens para edição.

125

Luciana Almeida:

A gente está vivendo uma grande revolução, como foram as revoluções econômicas lá

atrás, que tiveram grandes impactos. Então, mudança de formato de trabalho e é aí que o

empreendedor não é só uma escolha, ele é uma necessidade, as pessoas vão ter que ser

empreendedoras

Recentemente a gente acompanhou a do jornalismo agora de vários especialistas que

vem parar aqui, sejam eles arquitetos, outros, outras áreas, falando que perderam clientes nos

últimos tempos, não sabe o que aconteceu, não sabe o que impactou, mas tem alguém novo,

que começou ontem, mas tem um canal que bomba na internet, tem mais cliente que eles, só

que eles tem mais experiência, e as pessoas, de várias áreas estão surtando com o impacto da

tecnologia nessas áreas. Diz-se que no futuro vão se fazer empresas e desfazer empresa para

realizar um trabalho, que tudo que puder ser automatizado será, então eu acho que a gente

não tem muito mais que ficar brigando com isso. É uma questão até de sobrevivência.

Rose Guglielminetti:

Na minha trajetória eu vi as redações irem se encolhendo aos poucos, vagas sendo

fechadas, um pouco por causa da tecnologia, porque a tecnologia, ela não é ruim, porque ela

facilitou muito o nosso trabalho, por exemplo, se precisa fazer uma pesquisa você dá uma

googada e tá resolvido, você precisa fazer uma entrevista, você faz pelo whatsapp, email,

você recebe muito do leitor, do ouvinte, do telespectador vídeos e imagens que a gente teria

que ir a rua para fazer, e o cara que está lá na cena, ele já te manda, e isso tá fazendo com

que o próprio jornalismo mude um pouco de figura, porque o jornalista antes era o detentor

da informação, porque ele tinha que ir até o local, pegar as informações, levantar, escrever,

ou fazer uma matéria de rádio e de tv. Hoje não, o próprio morador do bairro, a própria pessoa

que está na rua, ela é repórter e tudo isso está fazendo com que nossa profissão tenha que ser

repensada mesmo.

Eu acabei desenvolvendo minha carreira no factual, me adaptando aos novos meios.

Então, a gente percebeu que ter uma coluna no jornal, as pessoas só iriam saber no dia

seguinte. Foi aí que surgiu a ideia do blog, não lembro exatamente em que ano. A gente viu a

necessidade de as pessoas serem informadas imediatamente, porque era a exigência da

internet. Eu estava na Rede Anhanguera quando houve a junção do Correio Popular e do

Diário do Povo, já sendo reflexo da tecnologia, do fechamento de vagas, quando houve a

unificação das redações para poder diminuir os custos mesmo. Então houve perda de trabalho

para jornalista, fotografo, motorista e tudo que envolve essa cadeia de produção jornalística.

126

Naquela época eu acabei montando o blog86, foi uma iniciativa minha, conversei com a direção

da empresa e eles concordaram. Então eu trabalhava como repórter de política do Correio e

montei o blog. Foi um sucesso, todo mundo lê, não é só político, é a população, muita gente se

informa e cobra. Eu descobri que o blog – num primeiro momento ele deu mais trabalho,

porque além de trabalhar como repórter, eu tinha que alimentar o blog e eu não ganhava mais

por isso – mas ele foi um aliado porque ele me trazia notícia, as pessoas que liam notícia, elas

alimentavam, então isso facilitou minha vida. Então eu tenho muitas fontes por causa deste

tipo de repórter que eu acabei sendo, multimídia. Então teve um convite para eu trabalhar no

Grupo Bandeirantes quando eu ainda era do Correio Popular, houve uma autorização. Com

isso acabei me tornando um jornalista multimídia, então hoje faço tv, faço rádio, faço blog e

até a pouco tempo fazia impresso (no jornal Metro, do mesmo Grupo, que deixou de circular

em Campinas no final do mês de abril de 2019) e me possibilitou ter empregabilidade, me

tornou empregável, acabei fazendo tudo.

Paulo Zochi – Presidente do Sindicatos dos Jornalistas do Estado de São Paulo:

O jornalismo está sob impacto da tecnologia, nesse sentido, há adaptações. Se um

sujeito filma um acidente com um celular, captou uma imagem, isso é informação. Isso vira

jornalismo (notícia) quando for parar na mão de um jornalista, for editado e colocado no ar

dentro do contexto, de uma certa explicação, etc. Até então não é jornalismo. E não é uma

discussão semântica, é uma discussão sobre o que é jornalismo. Agora, claro que o jornalismo

profissional está sendo atingido porque ele foi desregulamentado. É importante recuperar o

diploma, porque hoje em dia a gente tem o registro profissional da categoria, mas daqui a

pouco a gente pode perder. Isso é uma questão relevante, porque todos os diretos da nossa

categoria estão associados a uma estruturação legal.

86 A entrevistada é editora de um blog – Blog da Rose, com publicações principalmente sobre a política local.

127

Capítulo 5 - Identidade profissional e formas de sobrevivência no mercado de trabalho

Na análise do professor Laurindo Lalo Leal Filho, os jornalistas são pioneiros em ser

alvo de terceirizações, precarização e pejotização, devido à característica da categoria de se

enxergar mais como profissional liberal do que como trabalhador87.

Conforme anota Accardo (2007), a hegemonia dos meios audiovisuais, em especial com

a televisão, faz com que muitos profissionais, mesmo exercendo o trabalho em condições

precárias e mal remuneradas, sentem-se presos, através da simbologia da imagem pública, a

um prestígio e poder, o dito quarto poder, que compensaria as vicissitudes enfrentadas no

cotidiano do trabalho.

Heloani (2006), em pesquisa sobre a qualidade de vida no trabalho do jornalista,

observou que há um fetiche do profissional em relação ao seu trabalho, seja por um suposto

glamour que envolve a profissão, seja pela sensação de poder, ou mesmo como uma missão, a

de levar a informação à sociedade. Desta forma, enxerga-se como um trabalhador diferenciado,

ou seja, um intelectual com poder de influenciar os rumos da sociedade.

No entanto, essa visão da profissão está associada ao estereótipo clássico do jornalista

que trabalha numa grande redação, com um contrato formal de trabalho, ou mesmo o assessor

de imprensa. Com as mudanças no mundo do trabalho e o surgimento de novas funções e

trabalho de forma independente – e não necessariamente jornalistas - como blogueiros,

empreendedores digitais, influenciadores, entre outras formas de atuação, essa identidade ficou

no campo do imaginário. A nova realidade imposta pela tecnologia estaria colocando o a mídia

outrora chamada quarto poder em xeque. Conforme Ramonet (2012):

A confortável situação das mídias e dos jornalistas, em posição de monopólio

da informação na sociedade, está chegando ao fim. Muitos jornalistas

profissionais se viam como uma elite, pensando em deter o poder exclusivo de

impor e de controlar debates. Esse pecado do orgulho os fazia crer que seus

leitores passivos e cativos estariam sempre a seu favor. Mas esse tempo em

que eles tinham sozinhos o direito de escolher e de publicar informações já

terminou. A internet despojou-os de sua identidade de “padres particulares”

(RAMONET, 2012, p. 21).

Marshall (2003), anota que neste contexto há a construção do que ele chama de

“jornalista pós-moderno”, que substituiu o jornalismo engajado, palco de lutas ideológicas e

de debates sociais, transformando-se assim num mero veículo de venda de informação e de

estilo de vida.

87 Análise feita durante palestra de abertura do 15º Encontro Estadual dos Jornalistas.

128

O jornalista pós-moderno transformou-se numa máquina de produção de

informação, um operário com demandas estipuladas e prazos de entrega a

cumprir. Afinal, as redações dos jornais contemporâneos adotaram projetos

fordistas e tayloristas de produção de notícias, obrigando o jornalista a ser uma

peça maleável capaz de se adaptar a variadas necessidades e situações

(MARSHALL, 2003, p. 32).

Oliveira & Grohmann (2015), chamam atenção para as novas competências exigidas

pelo profissional de jornalismo; a flexibilidade para aceitar diferentes tipos de contrato de

trabalho, a capacidade de inovação e criatividade, que leva a necessidade de atualização e

formação permanente.

Nestes termos, o emprego estável, com carteira de trabalho assinada, horário e salário

definidos, típico do período fordista, vai se tornando algo raro, anacrônico. A palavra chave

para definir essa nova situação profissional é o empreendedorismo. O “novo jornalista’, assim,

não estaria mais preso às redações. Agora ele mesmo vende suas pautas e tem liberdade para

trabalhar onde e quando for mais conveniente.

Fazer sucesso é ter competências ajustadas ao “novo espírito do capitalismo

(Boltanski; Chiapello, 2009), em que a flexibilidade é um imperativo, ao lado

do espírito aventureiro. Nesse zeitgeist, a noção de “carreira, enquanto algo

fixo e estável se esvai, dando lugar a conceitos como “projetos”, “jobs”,

“home-oficce” e “frilas” (Oliveira & Grohmann, 2015, p.125).

Com a individualização das relações de trabalho, triunfa o discurso da autossuficiência

de um profissional que se enxerga como um indivíduo altamente capacitado e portador de uma

missão. O discurso do qual o jornalismo, para além de uma profissão, é encarado como uma

missão de vida, faz com que, para alguns profissionais, não seja admitida a situação de

desemprego. Nessa construção semântica, a situação de desempregado torna-se vexatória e a

palavra desemprego silenciada, proibida, uma vez que o jornalista é um profissional que deve

estar sempre disponível para aceitar um “job”, um “frila” ou aguardando um projeto

interessante ou mesmo trabalhando as próprias pautas (Fígaro, 2008; Oliveira & Grohmamm,

2015).

Na análise de Torres (2012), o empreendedorismo deve ser buscado como uma

necessidade para o desenvolvimento profissional e do próprio jornalismo. Para o autor, as

universidades brasileiras formam empregados para um mercado de trabalho já saturado.

O certo “conforto” e “status” oferecido pelas carteiras profissionais assinadas

com grandes meios de comunicação faz com que uma legião de estudantes

sonhe em repetir o óbvio, evitando uma inovação própria ou um confronto

direto com os moldes jornalísticos vigentes. Perde o estudante, perde o

mercado de comunicação, perde o jornalismo e, principalmente, perde a

129

sociedade, pois não consegue ter um jornalismo inovador com mentes

inovadoras.88

O mesmo autor faz uma comparação crítica da formação do mercado de trabalho

brasileiro em relação ao norte-americano, que em sua avaliação, ao priorizar a formação de

empreendedores, proporciona um ambiente propício para o surgimento de “mentes inquietas”

e tem como resultado a criação de empresas de ponta, estudos e novos padrões de se pensar o

jornalismo, o que levou a uma situação, nos Estados Unidos, de grandes conglomerados de

blogs ou jornalistas individuais a terem peso importante no mercado editorial, diferentemente

do que ocorre no Brasil. Assim, o conselho que ele dá aos profissionais de jornalismo para

enfrentar os desafios dos novos tempos é:

Jornalistas, criem mais. O fato da quase obrigatoriedade de aprenderem noções

de programação, empreendedorismo, design ou outras atividades deveria ser,

por si só, combustível suficiente para que os nossos futuros jornalistas – e os

que já estão no mercado – atuem de maneira mais agressiva. É gratificante

trabalhar para uma grande mídia, porém mais gratificante ainda é criar uma

mídia para chamar de sua.89

Por outro lado, criar uma mídia para chamar de sua pode ser considerado como fazer

jornalismo? Conforme analisa Paulo Zocchi, o empreendedorismo no jornalismo esbarra na

própria característica do trabalho, uma vez que, diferentemente do que ocorre com outras

profissões, o jornalista não é um profissional liberal.

Nesta análise, não basta simplesmente abrir empresa PJ individual, montar um

escritório e/ou uma página na internet e atender clientes. Geralmente o trabalho do jornalista é

negociado com empresas, uma vez que a produção de notícia requer uma estrutura e tempo

para sua produção, o que dificulta que seja suportada por um único indivíduo. O trabalho de

produção de notícia, assim, não se confunde com a criação de um espaço virtual, uma página

na internet, um blog para publicação de artigos e conteúdo de caráter opinativo, o que não

necessariamente é exclusivo de jornalistas.

Entre jornalistas entrevistados para este trabalho, quatro, todas mulheres, passaram a

atuar como empreendedoras depois de uma trajetória trabalhando em veículos de comunicação

e em assessoria de imprensa.

Como se pode observar nos depoimentos abaixo é que o autoemprego pode tanto ser

resultado de uma falta de opção de inserção no trabalho formal, dado a crise nos meios de

88 TORRES, Clayton Carlos. Jornalistas dever ser jornalistas. E empreendedores. Publicado no site Observatório

da Imprensa em 24/04/2012. Disponível em http://observatoriodaimprensa.com.br/feitos-desfeitas/ed691-

jornalistas-devem-ser-jornalistas-e-empreendedores/ acesso em 07 de novembro de 2018. 89 Idem.

130

comunicação tradicional, o reduzido número de vagas o aumento das contratações como PJ;

seja por entender que as mudanças ocorridas são irreversíveis e que é preciso se adaptar a elas

até por uma questão de sobrevivência. Outro ponto que aparece em algumas falas é que, se um

dia a profissão de jornalismo representou algum status social e era romantizada, na visão destes

profissionais, ficou no passado.

Michele Costa:

O jornalista, por conta do status, dessa coisa do ego, essa coisa do “ah, eu sou, eu faço

e aconteço”, carrega muito com ele essa coisa de se achar muito importante, ele não consegue

enxergar que ele é mais uma pessoa apertando um botão numa linha de produção, na prática,

para aquele empregador, claro que em alguns momentos, alguns colegas se destacam, fazem

um nome, crescem e acabam se tornando pessoas conhecidas independente do veículo, mas

isso é muito, muito raro, pessoas que conseguem se destacar desta maneira, independente do

veículo de comunicação. A maioria acaba sendo assim: o fulano, o João da Folha, e quando

ele sai da Folha ele é o João. Aí que ele se dá conta que ele não era realmente uma pessoa

muito importante sem o “sobrenome” Folha, então aí que ele percebe o que ele perdeu, e aí

já se passaram anos de direitos trabalhistas que ele perdeu. É um problema que realmente

acontece.

Mário Camargo:

Eu nunca tive essa coisa do glamour da profissão, eu acho que eu era um operário da

notícia, da informação, em vez de eu estar com uma enxada na roça, minha enxada é uma

caneta, ou um computador agora. Mas já no início da minha carreira, na faculdade, as pessoas

queriam trabalhar na Globo, ou em outra TV, porque achava que aquilo era o máximo, como

se fosse um profissional liberal. Nós não somos profissionais liberais de verdade. Seja

contratado por carteira, seja PJ, nós trabalhamos para uma empresa, diferente de outras

profissões liberais, como médicos, advogados. E sempre grande parte da categoria não

percebia essa coisa – não, nós somos profissionais liberais. Eu nunca gostei dessa frase. Acho

que esse encanto começou a diminuir bastante exatamente no momento dessa mudança nas

redações, dessa modernização, melhor, da tecnologia, do avanço da tecnologia nas redações,

porque aí as redações começaram murchar, os salários começaram a diminuir e acho que caiu

a ficha que realmente a gente era um operário da notícia, um trabalhador que está a serviço

de uma coisa comercial, um prestador de serviço como qualquer outro à empresa. E aí eu acho

131

que a coisa acabou mesmo quando veio essa briga do fim do diploma de jornalismo. Eu acho

que hoje, com quem eu converso, ninguém se sente como profissional liberal, tenho amigos de

longa data, desde quando eu comecei, até antes, hoje a conversa é outra. Hoje a conversa é

mais real, como devia ter sido sempre nessa coisa do glamour, do profissional liberal. A única

coisa é que eu acho que o colunista, não que eu acho que ele seja um profissional liberal, mas

acho que ele tinha mais liberdade de produzir seus próprios conceitos, coisa que você não vê

em outro tipo de empresa, mas os colunistas hoje também são raríssimos né.

Cláudio Liza Jr.:

O que eu senti é que as pessoas estão querendo consumir a informação online, seja

blog, redes sociais. A distinção se é jornalismo ou não, para o público em geral, parece que

nunca fez muita diferença, porque agora é o que você colocar lá e bater com o que você

acredita. O jornalismo é exatamente o contrário, é colocar o contraditório. Mas ali não, é

muita gente querendo usar um veículo, o veículo existe na internet, são as redes sociais, ele

existe. Na nossa época o que existia? Era um veículo profissional. Hoje em dia não. Qualquer

um pode usar. Isso democratiza, mas ao mesmo tempo, qualquer um vai escrevendo e as

pessoas não estão querendo distinguir. Isso está trazendo como consequência para o jornalista

sério, falta de credibilidade, por incrível que pareça. Deveria aumentar. Mas aí, se você

escreve algo que incomoda, você é que está sendo parcial e aqueles que estão sendo parciais

de verdade é que estão ganhando espaço. Eu estou realmente muito preocupado com isso. Não

sei se a população vai depurar, vai conseguir ao longo do tempo saber consumir o que é sério

e ver com reservas o que é fake né. Fakenews sempre existiu, boato sempre existiu, mas do

volume que está acontecendo e servindo a propósitos inclusive políticos e governamentais, isso

realmente está excessivo e a gente está perdendo espaço para isso e não sei se a gente está

sabendo reagir.

A gente demorou para entender que a gente vai ter que se reinventar. Os mais novos já

estão entendendo isso, a gente é que está demorando um pouco. A gente vai ter que migrar dos

grandes veículos para a internet e a gente vai ter que construir de novo a nossa credibilidade.

Maurício Simionato:

Eu que vim do jornalismo impresso e decidi abrir uma janela, do jornalismo

institucional que na verdade nada mais é do que você trabalhar em parceria com o marketing

e com relações públicas. Você acaba agregando, abrindo janelas em relação à comunicação.

132

Então, como eu fiz essa pós em comunicação e marketing e trabalho no aeroporto, numa área

de assessoria de imprensa que atua junto com o departamento de comunicação e marketing,

então foi um grande aprendizado, de participar de eventos, de fazer eventos. Então eu tive que

ampliar meu repertório que era só de reportagem de jornalismo impresso ou partir para um

outro lado também. E aprendi muita coisa com o jornalismo institucional, principalmente

como lidar com pessoas. Acho que jornalismo tem muito disso né. Que é meio que você tem

que aprender a lidar com pessoas. Isso é uma lição muito importante e com o jornalismo

institucional isso se reforçou na minha parte.

Nice Bulhões:

Eu sempre trabalhei com CLT. Acredito que outras formas de contratação, como os

PJ, podem ser importantes para alguns cargos no jornalismo, mas não se pode simplesmente

inverter a proporção. A CLT é primordial e traz garantias ao trabalhador.

Alayr Ruiz:

Eu acho que a geração mais nova deu uma dominada aí, mas a nossa geração foi

ficando mais velha e foi perdendo um pouco de espaço. Mas isso é natural dentro do nosso

esquema de trabalho no país, que você prefere demitir um mais velho, que ganha mais e é mais

experiente e contratar um mais novo, ignorando a importância de ter diferentes gerações

trabalhando no mesmo espaço, porque uma só tem a ganhar trabalhando com a outra. Eu

penso que o jornalismo, de forma geral, está muito chapa branca. As iniciativas mais

indignadas são as vezes sites independentes, que lutam muito para sobreviver porque não é

fácil você manter um site, uma empresa de comunicação tendo de competir com empresas que

estão ali consolidadas com departamentos comerciais, com coisas que tem já um esquema de

trabalho e uma carteira de clientes.

Sara Silva:

A internet permitiu que a gente fosse o “dono” do meio de comunicação. Não só o

dono, mas a gente passou a ter mais possibilidades de se comunicar diretamente com um

público sem intermediário, ou criar o próprio veículo. É você ser seu próprio veículo. Tanto é

que, profissionais de outras áreas que entenderam isso, por exemplo os blogueiros, porque

eles encontraram uma possibilidade de se comunicar direto com o público. Por exemplo, uma

profissional que era terapeuta, para anunciar o tipo de serviço que ela faz, ela tinha que

colocar um anúncio no jornal, fazer um texto, tinha que ter um intermediário.

133

Com a internet ela mesmo fala com o público que está interessado nela, que a “Calda

Longa”90, são os microgrupos de interesses que você atinge num universo de pessoas, você vai

falar com aquele grupo. Por exemplo, você faz um anúncio no jornal, atira para tudo que é

lado, mas se ela “atirar” em dez que está interessado no trabalho dela é muito mais efetivo.

Então, os blogueiros entenderam isso e encontraram aí uma possibilidade de se comunicar

diretamente com um público que é o que ele está querendo atingir, e não precisava mais de

um veículo tradicional. A internet permitiu esse contato direto com o público. Então os

jornalistas que tem uma formação que se preocupa com a formação ideológica, com a questão

técnica, a gente não é a notícia, nós somos os intermediários, a gente é repórter, nós temos a

técnica de reportar o que está acontecendo e a gente sabe quais são as técnicas para levar

essa informação com a maior possibilidade de isenção, coisa que quem produz conteúdo não

tem capacidade para entender isso, para produzir um material nesse sentido.

Então, as novas tecnologias vieram para o bem, mas tem essa questão da

superficialidade que hoje em dia todo mundo faz e é complicado.

Luciana Almeida:

A Internet precisa de recorte, precisa ser segmentada, precisa ser especializada,

precisa ter nicho, senão você é um projeto muito grande e aí exige muito dinheiro. Tudo que é

grande demais exige dinheiro demais para existir e os nichos começaram a aparecer aí e na

questão da “calda longa” os nichos e a internet possibilitaram ter mercado para as pessoas

que nunca teriam mercado em outras circunstâncias. Então, a Internet veio como uma

ferramenta pró jornalista como uma possibilidade de empreender num projeto nichado. Mas

isso já fazia parte da minha discussão de projetos segmentados, então foi só um novo ambiente

para algo que eu já meio que transitava. Então o Campinas.com nasce no meio disso, com um

projeto antes chamado “Tudo de Bom Campinas”, projeto para valorizar a cidade, para

responder o que se tinha nela para fazer, dialogando com uma cidade que tinha uma discussão

do que não tinha, negativa, de baixa autoestima. A gente mostrava que tinha para a cidade se

perceber diferente do que ela se percebia. E aí para mim foi ficando muito claro o papel que

a comunicação pode fazer. Ela tem um papel de ser um ativador, de ser mobilizador, que até

então não parecia para mim tão forte no jornalismo tradicional. Apesar do papel de denúncia,

90 O termo cauda longa, traduzido do inglês long tail, é uma ferramenta que vem sendo utilizada cada vez mais

no mercado online por proporcionar resultados positivos na segmentação de conteúdo. Esse é um recurso

econômico da internet representado por um gráfico de curva, por isso o nome cauda longa.

Fonte: https://www.internetinnovation.com.br/blog/entenda-o-que-e-cauda-longa-e-como-a-segmentacao-do-

conteudo-pode-melhorar-seus-resultados/

134

outros papeis que a comunicação pode fazer quando aparece o online, que é esse de

engajamento, e foi ficando isso claro para a gente, porque até hoje quando alguém na internet

fala que não tem nada para fazer, alguém pega o portal e responde: então você não conhece

o portal Campinas.com.br . Então a gente mostrou que através da comunicação é possível

você mobilizar, engajar e mudar até percepções.

Isso foi muito legal. Para fazer o portal a gente teve que aprender negociar, fazer

contratos, aprender várias coisas que não eram habilidades que até então a gente tinha. Foi a

hora que começou o negócio e a gente teve que desenvolver habilidades de administração,

negociação, vendas, um plano de negócios, modelo de negócio, melhorar projetos, tecnologia,

acompanhar equipes que a gente nunca tinha acompanhado na vida, habilidades que até então

o jornalista na faculdade não tem e não era estimulado a ter. E foi muito desafiante, foi a

primeira vez que a gente arriscou tudo, a gente podia perder tudo. Então, entendemos que

empreender significa arriscar, que é um lugar de medo para o jornalista que foi formado na

faculdade. Mas você tem que arriscar.

Então a gente começou a desenvolver um perfil de empresário, foi forjado, lapidado,

dolorido, é até hoje, a gente sempre tem que buscar muito curso e as coisas estão mudando

muito rápido e a gente tem que aprender muito. Então uma questão que acho que se coloca no

presente hoje é o jornalista empreendedor. Até então a gente não precisava ser empreendedor.

E hoje, se você quiser sobreviver no mercado, você vai ter que ser um jornalista empreendedor.

Até então a gente vem empreendendo em novos projetos, entendo que o portal é um

meio e não é o fim, e onde está o negócio então? Um novo modelo de negócio para esses

negócios online ou o jornalismo que foi para o online, já que o online tem uma percepção de

que é gratuito, que as redes sociais são gratuitas, o que é uma falsa percepção, porque na

verdade existe negócio, o Google tá ganhando, o Facebook está ganhando, o Instagram está

ganhando, inclusive com os conteúdos que muitos jornalistas produzem, e o jornalista não está

ganhando com a alimentação dessa rede de distribuição de informação.

Então o empreendedor, como fazer para que o negócio seja financiado e você consiga

continuar produzindo um bom jornalismo, de checagem, de uma informação correta, uma

informação que não seja fake, uma informação que não seja desavisada, que se preocupe com

o outro é um grande desafio.

135

Rose Guglielminetti:

Sempre trabalhei como CLT, nunca fui PJ. Houve uma proposta para vir para o Metro

quando estava chegando em Campinas, mas não tive interesse em ser PJ e aí contrataram

como CLT.

Acho que diante da crise no mercado de trabalho, o empreendedorismo pode ser uma

saída, só que tem de ser pessoas que saibam fazer. Eu, por exemplo não sei fazer. Eu não sei

vender. Meu blog, quem vende é a Band. Mas vamos supor que se eu resolvesse romper com

essa estrutura formal do trabalho, eu teria que ter uma pessoa que vendesse para mim, porque

eu não sei. Então eu acho que essa geração que está chegando agora, de novos jornalistas,

eles não são como a gente.

A velha geração, nós somos formados para denunciar, somos formados para ir contra

interesses, o que mais encantava a gente era denunciar um político corrupto, era fazer

matérias superlegais e tal; essa geração nova foi formada já na mídia social e que interessa

para ela é que a informação chegue a um número “x” de pessoas. Então eles já são youtubers

que não veem problemas em falar de uma coisa e vender ao mesmo tempo. Então talvez, para

essa nova geração o empreendedorismo seja a saída, mas tem que ter vocação.

Encontrar um nicho de atuação dentro do jornalismo online, trabalhar com dados, criar

plataformas digitais, aprender a empreender, pois não haverá mais emprego. Essas são algumas

das alternativas apresentadas nos depoimentos acima como forma de sobrevivência no mercado

trabalho

Como é possível observar nos depoimentos, o empreendedorismo aparece como uma

forma de se manter no mercado de trabalho. A lógica apresentada é: uma vez que não haverá

mais emprego, crie o seu. Porém, é importante notar, neste caso, que não se trata de uma

alternativa.

5.1 – O trabalho do jornalista em perspectiva – rumo ao precariado?

Nos relatos abaixo, os entrevistados responderam sobre qual a perspectiva para o

trabalho dos jornalistas e se, diante das novas tecnologias e das novas formas de comunicação

e difusão de informações, eles ainda viam a profissão como necessária. As respostas foram as

seguintes:

136

Michele Costa:

Então, para falar do futuro do jornalismo, acho que é uma coisa que está entrando em

extinção mesmo, considerando que as novas gerações vão se adaptando a isso, as novas

gerações de jornalistas vão se adaptando a esse mercado, a essa movimentação, a essas

mudanças, e vão mudando o jeito de fazer, que chamam de jornalismo. Mas o jornalismo que

a gente conheceu, o jornalismo que a gente fez com muita dedicação, com muita seriedade, em

alguns momentos da vida até com esperança que isso contribuísse para melhorar um pouco a

sociedade, esse tipo de jornalismo, está mais difícil de esperar que continue com as novas

gerações. Enquanto estiverem os colegas, talvez na nossa faixa etária, da nossa época que

consigam preservar isso de alguma maneira, mas não consigo ver essas novas gerações de

jornalistas levando isso adiante. Só consigo vê-los incorporando a situação atual, ou

moldando isso e fazendo algo novo, algo diferente, que talvez possa receber um novo nome

para os pesquisadores da área comunicação, mas creio que daqui algum tempo não vai ser

chamado de jornalismo não.

Mário Camargo:

Eu acho que o jornalismo sempre será necessário. O que me preocupa, enquanto o

jornalismo e enquanto o profissional, é que tipo de jornalismo estão fazendo hoje. Eu tenho

receio que o jornalismo deixe de ser importante quanto já foi, ou menos importante do que é

hoje, o advento da tecnologia trouxe algo novo, que é a produção de conteúdo. A gente não

produz mais matérias. E sem diploma, hoje qualquer pessoa pode produzir conteúdo. Então

eu acho que nós estamos numa encruzilhada. O jornalismo está numa encruzilhada, porque o

jornalismo que apura, que tem fonte, e que tem método, com todos os problemas que o

jornalismo tem, tem método, a tua ética, enfim, toda uma estrutura redacional de narrativa,

quando você percebe que todo mundo pode produzir conteúdo, que cada um pode criar seu

meio de comunicação na internet, seja ele um blog, ou uma rede social, seja o que for, isso

sem qualquer tipo de consciência da ética, da apuração, você vê esse absurdo dessa avalanche

de fake news. E aí, quem consome informação já não sabe mais, não tem mais condições de

definir se aquela matéria que está, dita que foi no Uol, realmente foi publicada no Uol, porque

ele vai ter que investigar. Antigamente era o jornalista que investigava a notícia. Agora ele, o

público, vai ter que investigar se aquilo é verdade ou não e em muitos casos não consegue.

Então, acho que isso é uma encruzilhada para o jornalismo. O jornalismo perde muito com as

fakenews. Ah, você quer fazer reserva de mercado? Não é isso. É que o bom jornalismo leva

137

tempo, tem que ter estrutura, tem um gasto, você tem gasto para produzir, você tem gasto para

veicular. Então o jornalismo vive uma encruzilhada e eu tenho receio de perder muito a

importância para sociedade. Paralelo a isso, se o jornalismo bem feito perde importância para

a sociedade, obviamente que o jornalista também perde, ainda mais, sem diploma, sem

consciência ética, então eu vejo que, além de a gente ter perdido um glamour que nunca teve

na minha opinião, mas que para muitos teve, eu acho que não corre o risco de ser extinto, mas

corre o risco de perder a importância mesmo, o jornalista enquanto profissional. Hoje eu não

posso me considerar um jornalista mais. Eu faço gestão de redes sociais, eu escrevo matérias,

eu faço vídeos para internet. Esse é um trabalho de jornalismo. O que eu fiz de apuração da

matéria, de conversar com o vereador é, agora de produzir um vídeo para rede social, fazer

gestão dos comentários, isso não é jornalismo. Agora, tem algum jornalista que não faz isso

hoje? Eu acho que não. Então eu acho que ou o jornalismo muda, ou ele perde importância.

Outro dia eu estava conversando com um professor de universidade, da Unimep, e ele me disse

que possivelmente essa universidade não tenha curso do primeiro ano de jornalismo esse ano.

Isso é um problema. Baixa procura, a universidade está em crise, as universidades EAD estão

tomando conta. Então, se você não tem entrada para o primeiro ano do curso de jornalismo,

numa cidade como Piracicaba, que tem 400 mil habitantes, e atende uma região de 600/700

mil habitantes, isso é preocupante, corrobora com a ideia de que a gente vai perder

importância. Então, não sei se a gente vai acabar, mas como existiremos, como nós seremos?

Seremos talvez produtores de conteúdo, talvez não tenha mais o diploma de jornalista, mas

vamos continuar produzindo notícia.

Claudio Liza Jr.

Eu acho que está tudo aberto, e o que vai acontecer na minha opinião é que o jornalista

sério vai entrar nesse mundo virtual e produzir e competir. Vai ser mais individual do que

corporativo, porque as grandes corporações estão sabendo entrar nas redes sociais. Elas vão

sobreviver ainda muito. Mas são poucas, os jornais médios e até alguns jornais grandes que

não estão sabendo lidar com isso eles vão, acho que inevitavelmente, sumir. Eu vejo, mesmo

sem saber como aproveitar, eu vejo oportunidade nisso. Eu acho que a gente vai ter

oportunidade, já tem, de abrir um negócio próprio, ser empreendedor da notícia. O mundo

virtual tá muito movimentado, tá muito presente. Ele é um outro mundo e muita gente tá

ganhando dinheiro com isso. Tá empreendendo. O jornalista não sabe fazer isso, mas vai ter

que saber. Eu estou tentando entrar nisso aí.

138

Produzir notícia tem custo, mas não o mesmo custo que um jornal tem, de comprar

papel, de ter transporte para distribuição, de ter que printar, imprimir, de manter as linhas

telefônicas. Para produzir com qualidade, você vai ter que ter gasto telefônico, vai ter gasto

de internet, gasto de transporte para ir nos lugares. Mas hoje em dia é viável fazer sozinho.

Você vai ter que ter uma pequena retaguarda por trás, que não é a mesma coisa de um grande

jornal. Só que aí vai entrar um outro problema atual, que acho que é a segmentação. Cada um

vai entrar na sua área. Os grandes jornalões universais, que informam você sobre tudo, a

tendência está contra eles, embora eles sejam absolutamente necessários. Eu não vejo isso

mais. As pessoas estão indo mais no seu nicho de interesse e que está abrindo seu negócio está

indo fazer o que sabe fazer, que é mais fácil.

Maurício Simionato:

Os desafios de hoje eu considero que são as formas de fazer uma junção de jornalismo,

com tecnologia de forma que esse jornalismo ele tenha um tom mais aprofundado, ou mais

analítico, do que o jornalismo impresso. O jornalismo impresso traga um tom mais analítico

e com mais fôlego, reportagens especiais, coisas que as pessoas não vão ler na internet. As

pessoas vão procurar um jornal, uma revista, para ler materiais mais aprofundados, de

investigação, com texto mais apurado, com análise e acho que essa, eu vejo isso como o

caminho do jornalismo, para diferenciar do hard news que vai todo, hoje, para o online.

Então eu vejo uma saída aí né, além dessa questão analítica, do jornalismo analítico,

de aprofundar nas questões, eu acho que também o jornalismo de dados, de ter as ferramentas,

de saber pesquisar dados que estão disponíveis na internet, essa é uma grande sacada que

pode alavancar o jornalismo, não só o jornalismo impresso, como o jornalismo online. Esse

jornalismo de dados, saber compilar dados é muito importante, é uma questão que vem se

destacando.

Nice Bulhões:

Acredito que as mídias sociais desafiam os profissionais a todo momento. Hoje, um

profissional bom não é apenas aquele que apura uma boa matéria, já que, além disso, precisa

entender de palavras-chaves, logaritmos, memes... enfim tudo aquilo que envolve os meios

digitais. Sem contar, que a profissão enfrenta a falta de reconhecimento e respeito, seja pela

não obrigatoriedade do diploma para o ofício, pelo registro da profissão para

"pseudojornalistas" e ainda pela confusão entre matérias sérias e as fake news.

139

Alayr Ruiz

O jornalista é muito necessário nos dias de hoje, acho que ele ainda não se deu conta.

As empresas de comunicação ainda não se deram conta do real papel do verdadeiro jornalista,

daquele que é o eterno incomodado, daquele que fica indignado com as coisas, que questiona.

Talvez o principal desafio, além de retomar a relevância que é nossa, que a gente tem essa

importância, principalmente nesse momento político no Brasil, em que qualquer notícia que é

desfavorável ao atual presidente é classificada como fake news e não é. E é um conceito que

se impregnou em sua base eleitoral. Então, de alguma maneira a gente tem que tentar reverter

isso; e como se tornar viável financeiramente. Você tem que ter um suporte, um departamento

jurídico para grandes reportagens investigativa, denúncias. É um desafio, que nós estamos sob

ataques constantes.

Sara Silva:

Eu acho que o jornalista nunca foi tão necessário como agora. A gente é o principal

filtro do dessa avalanche de informação, fake news, por exemplo, que é um fenômeno que veio

com as novas tecnologias e, assim, o jornalista nunca foi tão necessário para ser o filtro de

toda essa avalanche de informação que chega, o jornalista tem a capacidade de traduzir isto

de uma forma mais profissional, com mais qualidade para o público. Eu só acho que os

profissionais da área têm que encontrar o caminho, qual é o caminho? Eu acho que isso vai

começar a se desenhar, os profissionais estão saindo das grandes redações, estão, por

necessidade até, tendo que encontrar novos caminhos e a gente acredita no seguinte, que não

tem mais emprego formal. Eu não acredito mais em emprego formal. Acredito em você abrir

seu próprio terreno, a fórceps, a facão, abrir o terreno e encontrar novos caminhos de

trabalho. Acho que o empreendedorismo chegou no jornalismo, com toda força. Acho que tem

muitos caminhos. Nunca se necessitou tanto de comunicação como hoje. Os nossos clientes,

que são empreendedores também, eles sabem de tudo, menos comunicação. Ninguém sabe

comunicação. Os jornalistas são os únicos que sabem trabalhar a comunicação de forma

profissional, de uma forma que seja de qualidade. Isso em vários setores, a comunicação é o

mais importante hoje para a vida de qualquer profissional.

Então, o empreendedorismo chegou ao jornalismo e acho que cada um vai encontrar,

até por necessidade, novos caminhos para se reinventar. Acho que a gente tá no meio dessa

transição ainda, a gente não tem isso muito definido. O Boni escreveu um livro sobre isso, há

uns cinco anos, e ele defende, como acontece em outros países onde isso está um pouco mais

formatado, que haverá uma cobrança pelo conteúdo na internet, não sabemos se isso pode

140

acontecer. Acho que no Brasil é muito difícil, porque temos a cultura do piratear, de não pagar

pelas coisas, do jeitinho. Mas na música, com Spotfy, o Netflix, a gente paga. Eu acho que

esses formatos, como Uber, Airbnb, talvez esses formatos disruptivos pode chegar na

comunicação de alguma maneira nesses grandes veículos e cobrar por entrega, e isso criar

um mercado novo. Mas estamos num momento de transição e o profissional de comunicação

nunca foi tão necessário.

Luciana Almeida:

Se a gente quer um futuro diferente, a gente tem que entender para onde ele está indo,

quais são as regras e como vamos criar coisas a partir dessa apropriação do que está sendo

colocado, que façam grupos e pessoas e o coletivo e o colaborativo também ficar bem. Todos

os eventos de inovação que eu vou dizem “quem não se inovar, está fora” e eu fico me

perguntando onde é o planeta chamado “tá fora”, que todo mundo será colocado numa nave

e levado para lá, porque não existe “tá fora”, se for isso mesmo a gente tem uma

miserabilização geral, uma situação e uma condição humana muito complicada, e não será só

os jornalistas, serão várias e várias profissões. Eu acho que a nossa categoria começou antes

e também tem chances antes de se apropriar e se reinventar.

Então não e só uma questão de patrão e empregado. Inclusive os próprios veículos

grandes, onde tinha os patrões, eles também estão sendo engolidos. A gente olha aí a Abril, a

gente olha os grandes jornais, não é um problema só do Correio Popular, por exemplo, é um

problema do Correio Brasiliense, de outros e outros, e jornais internacionais. Então, entende

que eles também foram engolidos por essa mudança? Então é uma discussão muito mais

ampla, mas exige o “eu” fazedor, que é uma habilidade que até então muitas carreiras não

tinham, e a gente está tendo que desenvolver de uma forma muito dolorosa, diferente para

gerações novas que estão vindo aí porque parece que eles já vem entendendo isso, mais prontos

para empreender, mas é um cenário do mercado de trabalho muito assustador, porque o

mercado de trabalho como a gente conhece não vai existir.

Mas quem sabe fazer uma curadoria de conteúdo, quem sabe checar, quem sabe

organizar e concatenar as ideias de uma forma lógica, coerente, que dialogue com o outro,

sempre vai ter valor. Então, eu nunca vi na verdade tanto emprego como hoje para jornalista,

porque todo negócio tem um portal que precisa produzir conteúdo, que precisa comunicar esse

conteúdo para seu público, que é um público específico, que está nas redes, que está em vários

lugares. Se a gente for olhar mesmo com uma lupa menos crítica, eu acho que nunca teve tanto

emprego para quem produz conteúdo e para quem sabe fazer conteúdo como jornalista. E vejo

141

muitas pessoas não conseguirem produzir conteúdo, porque falta alguma coisa na organização

das ideias. Então não é uma habilidade para 100% das pessoas. É uma habilidade forjada,

tem processo, tem técnica e tem aprendizado, e ela é uma habilidade que está em alta de

oportunidade de trabalho. Então muda a perspectiva, conteúdo bom, apurado, que fale com o

público, está em alta. Então o jornalista é muito necessário.

Rose Guglielminetti:

O jornalista é necessário porque, como falei, o leitor e o ouvinte te mandam uma foto,

um vídeo, mas você tem que checar. Então o que diferencia um jornalista de um blogueiro e

de uma pessoa que não é formada é checagem da informação e a responsabilidade com aquilo

que você escreve, com aquilo que você fala e com aquilo que você veicula. Essa é a diferença.

Nós vivemos nestas últimas eleições (em 2018), as fake news. Era um negócio

assombroso, então a gente perdia muito tempo. Pela primeira vez a gente teve que formar um

grupo de veículos de imprensa para checar notícias mentirosas. Você imaginava isso em

eleições anteriores? Nunca.

Obviamente a fofoca e a elaboração de relatórios contra candidatos sempre existiram

em campanhas, mas cabia ao jornalista checar a veracidade. Então essa responsabilidade com

a informação é muito do jornalista que é ético, do jornalista sério. Apesar do atual presidente

da república querer desqualificar a imprensa, eu acho que a mídia social tem um poder

incrível, só que o poder de credibilidade dela não chega a 10% de um veículo oficial de

informação. Então a mídia ainda é importante para a democracia. Pode se discutir que ela

está concentrada nas mãos de empresas, que tem interesses, mas aí é outra discussão, mas ela

é necessária para a democracia, e estamos sofrendo ataques.

Há políticos querendo criar uma nova forma de informar, de ir para as redes sociais.

Acho que o país está vivendo tempos nebulosos, sombrios na questão da liberdade. A gente

ainda tem, mas somos atacados. Quando faz uma matéria que não agrada um público, eles

vêm para cima da gente com ameaças, com discurso de ódio, não querem entender nosso papel

de denunciar. Antigamente, se alguém não gostava da matéria ela pedia um outro lado, ela

entrava na justiça. Hoje não, hoje nos desqualificam nas redes sociais. É um negócio absurdo.

As pessoas e as próprias empresas que são essa mídia oficial – jornais, revistas,

televisão, a gente está tentando entender como vai ser esse futuro e como nós vamos sobreviver

no meio das redes sociais. O que a gente tem feito? A gente tem gravado live, então, mais uma

atribuição que se tem. Antes nós tínhamos horários estáticos para entrar no ar. Então eu

entrava no jornal da noite, entrava no jornal da tarde, só que agora não. Agora eu tenho que

142

escrever lives. E tem muito poder. Ontem gravei uma live sobre a questão dos tickets da

Câmara (Municipal) e está com 20 mil visualizações, compartilhamentos, então as pessoas se

informam hoje pelo smartphone. Minha filha de 16 anos lê tudo pelo celular, assiste seriados

pelo celular.

Como a gente vai se adaptar, não sabemos ainda. A gente está descobrindo novos meios

de vender. Então, por exemplo, a gente sabe que se estiver numa live, a pessoa vai querer ver

o que eu vou falar no jornal das sete. Então houve uma inversão, a gente vai para as redes

sociais para trazer o público para o veículo oficial. A gente tá juntando tudo, o blog, estamos

descobrindo como vai ser isso. A gente tá lutando, todos estão lutando, jornalistas, as

empresas. Pois quando fecha um veículo há desemprego, e não vai ter mais aquela vaga. Como

a gente vai se reinventar eu não sei, mas a gente precisa. Quem está no mercado tá com a água

batendo no nariz, e a gente fica tentando não se afundar. Isto é tanto os trabalhadores e as

empresas, eu vejo todo um esforço para pagar os salários em dia, manter o negócio, mas tá

complicado. Mas eu ainda tenho fé na mídia oficial. Nós vamos migrar para os novos meios.

O jornalismo existe. Hoje não existe uma superestrutura por de trás da informação, hoje com

celular você pode fazer.

Paulo Zochi;

Então, para falar sobre o futuro da profissão: o jornalismo exige meios e estrutura

importantes. O jornalismo não pode ser feito, por exemplo, por blogueiros, por mais

importante que seja o trabalho deles, eles não podem ser comparados como fonte de

informação jornalística comparável a um jornal que acaba, porque eles não têm a capacidade

de investigação que tem um jornal. Capacidade econômica, porque fazer jornalismo custa

caro. Para fazer uma reportagem profunda sobre um tema, precisa deixar uma pessoa fazendo

isso, durante algum tempo. As vezes exige viagens, as vezes necessita de várias pessoas. Então,

entendo que neste momento a gente ainda não superou a necessidade de se ter empresas de

comunicação e jornalismo. A via da comunicação pública, com uma empresa forte de

comunicação pública seria uma boa possibilidade. Evidentemente isso depende de meios

políticos para manter de forma autônoma. As próprias empresas de comunicação estão

colocadas no horizonte. Estão aparecendo novos meios de atividade jornalística. A principal

questão, no meu ponto de vista, é que o jornalismo tem que ser uma atividade profissional, ou

seja, “mídia ninja” é jornalismo? Na minha opinião não. Sou a favor da liberdade de

expressão e todo mundo tem direito de se expressar. Um sindicato tem direito de treinar seus

diretores para fotografar, filmar uma manifestação, por exemplo, mas não é jornalismo.

143

Jornalismo é uma atividade profissional, regulamentada, que exige todo um

conhecimento. A gente defende uma informação de nível superior. Tem a questão de

linguagem, a questão ética. Então, eu creio que hoje o jornalismo profissional é mais

necessário do que ele era há trinta anos atrás. A sociedade é mais complexa. Então, o

jornalismo vai resistir, agora como exatamente não está claro ainda, porque aparecem novas

formas de informação, sites investigativos, coisas que são interessantes.

O que se observa a partir dos depoimentos dos jornalistas que vivenciaram as

transformações ocorridas nas últimas décadas é que o jornalismo, enquanto atividade de levar

a informação à sociedade ainda se faz necessário. Mais do que isso, uma vez que, no tsunami

de informações que circulam ininterruptamente, sob vários meios, ele seria mais necessário do

que nunca, pois seria sua expertise, seu compromisso ético, filtrar o que é fato do que não é.

Ao mesmo tempo, observa-se ainda uma perplexidade sobre como atuar e como sobrevier neste

novo cenário.

Como observamos no Capítulo 2 deste trabalho, o jornalismo nasceu e se desenvolveu

como uma necessidade do capitalismo, com a crescente troca comercial e a necessidade de

circulação da informação, esta, por sua vez, transformada em um produto de consumo através

da notícia.

O que ocorreu nas primeiras décadas deste século é que as formas de produção, venda

e consumo da notícia não necessariamente dependem mais da intermediação do jornalista.

Assim, se enquanto profissão ele continua necessário como um filtro do que é realidade e o que

não é, qual seria seu espaço de atuação? Como trabalhador precarizado das grandes empresas

de comunicação, que cada vez mais prescindem de seu trabalho? Como microempresário,

vendedor de notícia? Como agente de marketing, cada vez menos comprometido com sua

autoconcedida missão de contar um acontecimento a um grande público e mais parecido com

um bedel de imagem de celebridades e/ou empresas?

Dentro deste cenário, os jornalistas estão sofrendo grandes impactos. Há a mudança na

base tecnológica, queda de tiragem dos impressos, crise do atual modelo de negócios. As

empresas de mídia colocaram em segundo plano o negócio da comunicação. Na prática

renunciaram ao jornalismo e retiram lucros principalmente na base do rentismo e outros

negócios não necessariamente ligados ao jornalismo91, conforme observado por Ramonet:

91 Ver notícia em http://sjsp.org.br/noticias/do-agronegocio-ao-mercado-imobiliario-conheca-os-outros-

negocios-dos-donos-da-mi-39d7, acesso em 10 de setembro de 2018

144

Lembremos que os donos dos meios de comunicação não são nem mesmo

empresários do ramo, mas empórios empresariais com ações e interesses em

todos os setores, desde multinacionais das telecomunicações que controlam os

canais de divulgação da informação até grupos bancários imprescindíveis para

o seu funcionamento. E sua viabilidade depende dos grandes anunciantes,

como as empresas de hidrocarbonetos, automobilística, magazines. Estes

meios não são quarto poder nenhum; são o poder do dinheiro ... (RAMONET,

2013, p. 74).

Neste contexto, como se coloca o jornalismo enquanto profissão que foi criada a partir

da necessidade e produção da notícia – o produto vendável da informação? Com aceleração

das formas de transmissão, o fácil e contínuo acesso, não só para o consumo, mas produção de

conteúdo de notícia por qualquer cidadão portando um smartphone, teriam os jornalistas

perdido sua função enquanto profissionais que reportam determinados acontecimentos ao

público mais amplo? Ramonet (2013) analisa esta questão da seguinte forma:

O que é um jornalista? É o analista de uma jornada, de um período, como a

própria história diz. Mas o período não existe mais e, em consequência, não há

mais jornalismo, mas sim imediatistas que não são capazes de analisar, pois

para isso, é preciso tempo. Se esse tempo desapareceu não há análise. Então a

informação é arrastada por uma aceleração geral que faz com a que a

velocidade intrínseca de cada meio não seja igual, todos se organizam em

função da velocidade dominante – que é a do imediatismo, a da internet, mas

também pode ser a do rádio ou a do canal de televisão com informação

contínua. O único veículo que não pode transgredir ou suprimir o período é a

imprensa escrita – a que mais sofre, entre outras razões, por requerer um

processo industrial, com suas máquinas, papeis, caminhões e operários. Assim

sendo, a rapidez faz com que seja cada vez mais difícil para o jornalista ter um

tempo de análise suficiente (RAMONET, 2013, p. 56).

Desta forma, conforme observado acima, a produção de notícia, como produto da

informação deixa de ser um ofício restrito ao jornalista. Captar imagens e editar em aplicativos

de simples operação e disponíveis de forma gratuita na internet, gravar áudios, escrever

pequenos texto noticiosos e poder difundi-los através de diferentes meios, sem custo, ou mesmo

atuando como cidadão “colaborador”, de forma voluntária para os veículos de comunicação

comerciais, como pode ser observado nos boletins de trânsito nos programas de rádios e nos

telejornais, ou em situações de violência, acidentes ou fenômenos climáticos filmados com

aparelhos de celular e cedidos, sem custo, para transmissão, tornaram-se atividades que têm

dispensado o trabalho profissional do jornalista.

Ainda neste ponto, as novas tecnologias da comunicação proporcionam a uma nova

gama de profissionais, especialistas em determinados assuntos, terem a disposição canais de

difusão sem a necessidade de se recorrer aos “media”. (RAMONET, 2013).

145

Mas, seria isso jornalismo como definido por Ramonet, o analista de uma jornada, ou

de um período? No contexto colocado, de coleta e difusão de informação, com as novas

tecnologias tornaram a profissão redundante nos dias atuais? Essa questão, colocada em

perspectiva, recoloca o jornalista como um agente na manutenção da informação não mais

como mera mercadoria, mas já como um direito social dentro de uma sociedade complexa e

globalmente interligada, em um cenário de circulação ininterrupta e em quantidade incalculável

de informação que, não raras vezes, não tem conexão com fatos.

Outro ponto levantado por Ramonet é que, com o avanço da tecnologia e predominância

dos meios eletrônicos de comunicação, avançamos rumo à extinção da imprensa escrita em

papel. Citando como exemplo o mercado norte-americano, o autor observa que isso tem como

consequência o aumento das demissões e crescimento de contratos de trabalho precarizado,

especialmente entre os mais jovens:

Dezenas de milhares de jornalistas têm perdido seus empregos. Nos Estados

Unidos, foram demitidos 35 mil jornalistas nos últimos anos. A característica

principal da profissão hoje é a precarização. A maioria dos jovens jornalistas é

muito mal paga. Trabalha por tarefa, muitas vezes em condições pré-

industriais. Mais de 80% dos jornalistas recebem baixos salários. A profissão

vive sob ameaça constante do desemprego e, a despeito disso, as faculdades de

jornalismo e Comunicação da Europa e Estados Unidos continuam formando,

todos os anos, centenas de milhares de profissionais que, não raro, vão ser

explorados pelo mercado. (2013, p. 89).

A situação colocada por Ramonet, em análise sobre a situação dos jornalistas nos

Estados Unidos e na Europa, se reproduz no Brasil com as características econômicas e

culturais do país.

Neste cenário, o trabalho do jornalista poderia estar se configurando no que Standing

(2015) define como precariado?

Em termos gerais, Standing define o precariado como uma classe de trabalhadores

marcados pela permanente insegurança, não só no mercado de trabalho, mas em função disso,

em todos os aspectos da vida. Nesta análise, os jornalistas poderiam ser definidos no que o

autor chama de proficians (profissionais) e technician (técnico), que detém um conjunto de

habilidades que podem ser vendidas através de contratos autônomos ou consultorias.

Com isso, há cada vez menos sentimento de pertencimento a uma categoria

profissional, pois o trabalho solitário, muitas vezes realizado na própria residência, a falta de

segurança de renda a partir do trabalho – geralmente os contratos, ainda que possam ser bem

remunerados, tem duração definida. Assim, o trabalho caracterizado pelo precariado carece de

uma identidade profissional (STANDING, 2015).

146

A reforma na legislação do trabalho, principalmente a partir da Reforma Trabalhista e

da Lei das Terceirizações, em 2017, tem levado à substituição, involuntária por parte dos

trabalhadores, de contratos formais por formas flexíveis de trabalhos sem vínculos formais, que

os obriga a se tornarem empreendedores ou Pessoa Jurídica para se manter ativo em sua

atividade laboral e mesmo como necessidade de sobrevivência.

Essas transformações, como procuramos demostrar neste trabalho, representam

claramente uma precarização das relações do trabalho e mais do que isso, precarização das

relações socais. Com isso, conforme apontou o antropólogo Carlos Gutierrez em entrevista ao

site de notícias Nexo Jornal, sobre o avanço do empreendedorismo como forma de

sobrevivência no mercado de trabalho e o impacto disso no discurso político da esquerda, “Há

uma tendência para que todos sejam empreendedores, uma vez que as regras coletivas de

negociação passam a ser individuais” 92.

No jornalismo, essa tendência aparece com a generalização dos contratos Pessoa

Jurídica e MEI, que leva à conversão quase compulsória dos trabalhadores em empreendedores.

Como é possível observar nas entrevistas realizadas para este trabalho, mesmo as profissionais

que se tornaram microempresárias por opção, há a seguinte constatação: “nós fomos formados

para ser trabalhadores, a gente sabe apurar uma reportagem, escrever, editar, não administrar

uma empresa”.

Com a dupla desregulamentação enfrentada pelos jornalistas – a da própria profissão,

com a perda do diploma e da primazia na divulgação de informações com as novas tecnologias,

não dissociada das ocorridas no mercado de trabalho, com as crescentes formas precárias de

contratação, que passaram em muitos casos a ser legalizadas pela Reforma Trabalhista - o

cenário torna cada vez mais estreita a inserção no mercado via emprego formal, com garantias

da CLT, ainda que profundamente modificada com as recentes leis da terceirização e reforma

trabalhista.

Conforme observa Pochmann (2017), essa forma de (des)organização do trabalho torna

o sistema de assalariamento com contratos regulares de trabalho cada vez menos frequente.

Assim, a insegurança passa a ser a tônica das relações laborais.

A atualidade da reformulação encontra-se inserida na lógica a desconstituição

do trabalho tal como se conhece, pois integra o novo sistema de UBERização

92 Como a substituição do ‘trabalhador’ pelo ‘empreendedor’ afeta a esquerda. Entrevista ao site do antropólogo

Carlos Gutierrez à João Paulo Charleux, publicada no site de notícias Nexo Jornal em 1 de novembro de 2016,

atualizada em 2 de novembro de 2016. Acesso em 3 de julho de 2019. Disponível em:

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%E2%80%98trabalhador%E2%80%99-pelo-%E2%80%98empreendedor%E2%80%99-afeta-a-esquerda

147

do trabalho no início do século XXI. Isso porque o modo UBER de organizar

e remunerar a força de trabalho distancia-se crescentemente da regularidade do

assalariamento formal, acompanhado geralmente pela garantia dos direitos

sociais e trabalhistas (POCHMANN, 2017, p. 277).

Além das já descritas formas precárias de contratação, seja as informais, como freelance

e frila-fixo, seja as formalizadas, como a pejotização e MEI subordinadas a um único

empregador, as novas formas de contratação previstas nas Reforma Trabalhista, como o

contrato intermitente, em que o trabalhador fica à disposição do empregador para realizar

trabalhos just in time, ou seja, na exata necessidade do empregador, recebendo somente pelas

horas efetivamente trabalhadas, se encaixam nas possibilidades abertas com posição de

microempreendedor. Neste caso, se trataria da venda direta de um serviço ao cliente. Não mais

um contrato de trabalho.

148

Considerações finais:

As mudanças na regulação do trabalho, a partir da década de 1970 e o advento das

políticas de cunho neoliberal tiveram como objetivo a submissão do trabalho pelo capital após

o breve período em que esta relação estava sob regulação estatal. Foi o fim do chamado pacto

fordista.

Assim, o processo de desregulamentação que se assiste desde então está baseado no

discurso no qual a rigidez das legislações trabalhistas e a intervenção estatal na relação entre

empresários e trabalhadores era nociva, uma vez que inibia o investimento, impedia uma livre

negociação entre iguais e assim atravancava o desenvolvimento e a consequente geração de

empregos.

Obviamente, esta narrativa encontrou eco nos altos índices de desemprego verificados

neste período, em grande parte como consequência dos próprios ajustes neoliberais da

economia, com os cortes em investimentos públicos e primazia em gerar superávits fiscais

como metas dos diferentes governos como única forma de garantir crescimento econômico.

Nesse cenário, cria-se uma profecia autorrealizável, baixo investimento, baixo

crescimento, baixo consumo, alto desemprego. Aos trabalhadores é apresentado o binômio:

direitos é igual a desemprego. Assim, cabe a renúncia ao trabalho regulado para a flexibilização

e insegurança, em troca de garantia de trabalho, o que geralmente não ocorre, como pode ser

observado no Brasil após a aprovação da Reforma Trabalhista, ou quando há emprego é de

forma extremamente precária.

Do mesmo modo a mudança nos padrões de produção, com a fantástica velocidade de

inovações tecnológicas sugam profissões que há não muito tempo pareciam promissoras e

estáveis.

Para os jornalistas essas transformações os atingiram em duas frentes:

Enquanto trabalhadores, viram a profissão passar por um processo de

desregulamentação, seja com a perda do diploma, o fechamento de redações, os constantes

“passaralhos” e o crescimento das formas de contratação precárias, como free lance, frila fixo,

PJ e empreendedores, mesmo que, no último caso, as vezes sem vocação ou preparo para isso.

Do ponto de vista da tecnologia, a extinção de antigas funções, o enxugamento das

redações, a necessidade do trabalho multimídia, a constante necessidade de atualização

profissional.

Há ainda, do ponto de vista da identidade, a perda da primazia de ser o portador da

notícia, a testemunha ocular dos acontecimentos, filtro e tradutor das informações para a

149

sociedade. Sofre agora a concorrência de novos atores e sente-se como quem chegou atrasado

à festa da era digital.

Neste trabalho, ao situarmos o jornalismo moderno como uma criação do capitalismo,

e o jornalista como um trabalhador que produz uma mercadoria, a notícia. Ttambém situamos

a atual crise do setor como consequência da crise do capitalismo.

O fim das grandes redações, o enxugamento dos postos de trabalho, as fusões

interempresariais são reflexo de movimentos do capital, que cria a partir de suas crises novas

possibilidades de acumulação, de extrair lucros. Assim a desregulamentação e a insegurança

são as atuais formas de manter o trabalho subordinado, pelo medo do desemprego e da

precarização da vida.

Quando iniciei esta pesquisa, em março de 2017, o foco principal de análise da

precarização era como os contratos de Pessoa Jurídica para jornalistas representavam uma burla

à legislação trabalhista ao impor este tipo de contrato a amplos setores da categoria, mesmo

estes realizando um trabalho subordinado a uma mesma empresa. Assim, uma relação normal

de trabalho transforma-se numa relação entre empresas, com prejuízos ao trabalhador quanto

às garantias de seus direitos previstos na CLT, bem como estabelece uma falsa relação entre

empresas, inclusive com fraudes no recolhimento de impostos.

Durante o andamento da pesquisa, tivemos a aprovação da Lei das Terceirizações e da

Reforma Trabalhista, que subverteu todo o arcabouço protetivo da CLT e abriu um amplo

cardápio de possibilidades aos empresários para dispor do uso e remuneração da mão-de-obra.

Contratações através de MEI, pejotização, trabalho intermitente, temporários, terceirizados e

outras formas de contratações atípicas deixaram de ser exceções e passaram a ser possibilidades

concretas, amparadas pela legislação, como mecanismos de redução de custos de trabalho.

Assim, entendemos que a pejotização é um dos elementos da precarização da profissão

de jornalista e um subterfugio de burla da legislação trabalhista. Mas no cenário atual, a própria

legislação do trabalho vem sendo desmontada. Portanto, trata-se de um desmonte mais

complexo.

Com o crescimento do desemprego, o fechamento de grandes redações, por um lado, e

as possibilidades de trabalho abertas pela internet, compreendemos que a profissão hoje vive

um momento de redefinição. Os contratos PJ, MEI e o empreendedorismo sinalizam o

momento de individualização das relações de trabalho. As possibilidades abertas pela internet

colocam à produção de conteúdo informativo ao alcance de uma ampla parcela de pessoas e ao

jornalista caberia se estabelecer neste novo cenário e fazer-se necessário.

150

Na fala da uma das entrevistadas para esse trabalho, questiona-se o mantra dos

vendedores das maravilhas deste novo cenário: “quem não se adaptar está fora”. A questão é:

onde é o fora?

Talvez a respostas para essa questão esteja nos milhões de trabalhadores precarizados

ao redor do mundo, tentando sobreviver como se fossem empreendedores, mas na realidade

apenas empregados de ninguém, a serviço de um algoritmo que o conecta com outros milhões

de pessoas que demandam seu serviço e que pagam para um aplicativo, que lucra com essa

transação, mas que no entanto se exime de qualquer responsabilidade sobre o trabalhador, uma

vez que se coloca apenas como intermediador.

O que apresentamos aqui foram as consequências das mudanças ocorridas no mundo

do trabalho especificamente numa categoria profissional de cunho intelectual, que ainda detém

grande poder de influência na formação da opinião pública e que vem passando por um

processo de desregulação e precarização. Entretanto, não se pode observar essas mudanças

dissociadas do movimento geral da desregulamentação das relações entre capital e trabalho

observados nas últimas três décadas e do triunfo das políticas neoliberais.

151

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