regime de obras repercussao na renda e contrato arrendamento (recovered)

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 REGIME DE OBRAS E SUA REPERCUssAo NA RENDA E NA MANUTENc::AO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTOl ASSUN<::AO CRISTAS* Sumario: I Introducao II. 0 dever e  direito de fazer obras: suas consequencias  NRAU e regime transit6rio) III. 0 principio do born uso e da boa conservacao do im6vel e  equilibrio da s pres ta coes,  INTRODUC;:AO Foi-me pedido para tratar do regime de obras e da sua repercussao na renda e na manutencao do contrato de arrendamento. Sobre  trabalho, pensado para uma intervencao de meia hora, importa fazer uma observacao preliminar. 0 tema pode ser abordado sob varias pers- pectivas, nomeadamente sob a do contrato de arrendamento e aqui distin- guir consoante as diferentes modalidades) e a das posicoes das partes perante as obras. Sendo  objectivo do seminario dar a conhecer  novo regime do arrendamento urbano e legislacao conexa, centrando-se, portanto, numa logica de conhecimento e explicacao do direito e nao de elaboracao cientifica em torno do contrato de arrendamento, pareceu-me que a segunda perspec- tiva a esta finalidade era mais adequada. As obras sao, assim,  centro da exposicao:  dever de fazer obras,  direito de fazer obras, a obrigacao de suportar obras e seus efeitos juridicos. Abordo primeiro  novo regime das obras e depois  regime aplicavel transi tori a- mente, porque, embora seja objecto de uma exposicao aut6noma neste semi- nario tern particular relevancia para a materia. Dentro de cada uma destas divis5es analisarei a posicao do senhorio e a posicao do arrendatario, fazendo I 0 texto que agora se publica corresponde, com pequenas actualizacoes bibliograficas,  comunicacao proferida no Serninario A Nova Lei do Arrendamento Urbano , organizado pela Iurisnova, em Lisboa, nos dias 10 e 11 de Outubro de 2006. , Professora da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. Themis ana IX n. 15 2008: 27-43

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  • REGIME DE OBRAS E SUA REPERCUssAo

    NA RENDA E NA MANUTENc::AO

    DO CONTRATO DE ARRENDAMENTOl

    ASSUN

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  • REGIME DE OBRAS E SUA REPERCUssAo NA RENDA E NA MANUTEN~AO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO

    A lei da ampla liberdade as partes no contrato para se acertarem relativa-mente ao regime das obras: e 0 contrato que define, em primeira linha, quenlesta obrigado a fazer obras e quem tern direito a fazer obras. No entanto, osartigos 1074. e 1111. introduzem regras supletivas segundo as quais e 0senhorio quem esta obrigado a realizar as obras de conservacao do prediorequeridas por lei ou pelo fim do contrato.

    No caso de arrendamento para fins nao habitacionais, a lei preve ainda,tambem supletivamente, que 0 arrendatario esta autorizado a realizar asobras exigidas por lei ou as requeridas pelo fim do contrato+,

    Ia 0 regime aplicavel ao arrendamento para fins habitacionais e 0 regimegeral do artigo 1074., que no seu n." 2 apenas preve a possibilidade de 0arrendatario executar obras quando tal faculdade esteja prevista no contratoou quando 0 senhorio 0 autorize por escrito.

    A violacao do dever de realizar obras tern consequencias a tres niveis queterao importancia e incidencias diferentes consoante a parte em falta seja 0senhorio ou 0 arrendatario, Esses tres niveis sao: a renda; a manutencao docontrato, uma vez que a omissao do dever de realizar obras e fundamento deresolucao do mesmo; a responsabilidade civil eventualmente associada a reso-lucao.

    Analisa-se de seguida a posicao do senhorio e do arrendatario por refe-rencia aos seus deveres e consequencias do respectivo incumprimento.

    1. 0 senhorio

    1.1. Dever de Jazer obtas

    A situacao juridica que melhor caracteriza a posicao do senhorio nestamateria e 0 dever de fazer obras. Este dever e mesmo urn dos mais importan-tes dentro do novo regime do arrendamento urbano.o artigo 1074. determina que "cabe ao senhorio efectuar todas as obras

    de conservacao, ordinarias ou extraordinarias>, requeridas pelas leis vigentesou pelo fim do contrato, salvo estipulacao em contrario"

    4 Note-se que as duas situacoes sao colocadas em alternativa, basta que as obras sejamrequeridas pelo fim do contrato para que 0 arrendatario esteja supletivamente autorizado aexecuta-las. Em sentido aparentemente diferente, M. Grave, Novo Regime do ArrendamentoUrbano. Anotacoes e Comentarios, 3.a ed., ed. autor, 2006, Lisboa, p. 115.

    5 Enquanto 0 RAU distinguia entre obras de conservacao ordinarias, extraordinarias e debeneficiacao, 0 NRAU apenas considera as primeiras duas categorias. Na verdade, a inovacaonao e grande, uma vez que 0 RAU ja fazia corresponder 0 mesmo regime as obras de censer-vacao extraordinaria e de beneficiacao, inutilizando, na pratica, a distincao. E sintomatica a

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    a obrigacao de pagar a renda e a compensacao, no final do contrato, pelasobras licitamente feitas nos termos aplicaveis as benfeitorias realizadas pelopossuidor de boa fe. A resposta depende da configuracao da posicao juridicado arrendatario enquanto titular de uru direito a fazer as obras ou de urndever de fazer as obras. A este ponto voltarei unl pouco abaixo.

    1.2. 0 direito de fazer obras

    Se e verdade que 0 senhorio tern 0 dever de fazer obras, nao e menos ver-dade que este dever e simultaneamente urn direito.

    Desde logo, 0 n." 2 do artigo 1074. determina que 0 arrendatario "apenaspode executar quaisquer obras quando 0 contrato 0 faculte ou quando sejaautorizado, por escrito, pelo senhorio" 0 que aponta com clareza para umazona de intervencao exclusiva do senhorio. Alem disso, no artigo 1038.0/e)preve-se, a contrario sensu, a faculdade do senhorio de realizar obras urgentes.

    Depois, a lei preve casos em que 0 senhorio deve fazer obras, mas em queesse dever corresponde, na verdade a urn poder-dever: sao os casos de obrasde rernodelacao e restauro profundo e os casos de demolicao. Note-se que, deacordo corn 0 regime antigo, 0 senhorio encontrava-se frequentemente nasituacao delicada de estar financeiramente impossibilitado de fazer obras,tanto mais que nao conseguia, dentro do quadro legal existente, garantir urnadequado retorno do seu investimento.

    Nestas situacoes 0 dever de fazer obras do senhorio reveste tambem a rou-pagem activa do direito de fazer obras e, entretanto, suspender 0 contrato dearrendamento ou mesmo de denunciar 0 contrato, nos termos do Decreto--Lei n." 157/2006, de 8 de Agosto (a que chamarei abreviadamente RJOPA-Regime Iuridico das Obras em Predios Arrendados).

    De acordo com este diploma, as obras de rernodelacao e restauro profun-dos, caracterizadas por obrigarem, para a sua realizacao, uma desocupacao dolocado, perrnitem que 0 senhorio suspenda 0 contrato pelo periodo dedecurso das obras e mesmo, em certos casos, que 0 denuncie. A denuncia eexcepcional: sera apenas possivel se as obras, cumulativamente, forem carac-terizadas como estruturais, ou seja, se originarem uma distribuicao de fogossem correspondencia COIU a distribuicao anterior (art. 4./2 do RJOPA), e naose preveja, ap6s a obra, a existencia de local com caracteristicas equivalentesas do locado. Por caracteristicas equivalentes deve entender-se sensivelmentea mesma dim ensao e a mesma tipologia''.

    8 [a 0 RAU previa como limite ao direito de reocupacao do locado a identica tipologia dopredio. Veja-se, nomeadamente, 1. Goncalves da Silva, Cessacdo do Contrato de Arrendamento

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    extern a ou a disposicao interna das suas divisoes (art. 64.0/d) do RAU). Res-salvavam-se apenas deterioracoes consideradas Iicitas por serem pequenas enecessarias para assegurar 0 conforto ou comodidade do arrendatario.o novo regime, no entanto, nao contem previsao expressa nesse sentido,

    antes dispondo apenas genericarnente, no n." 2 do artigo 1083., que e funda-mento de resolucao 0 incumprimento que, pela sua gravidade ou consequen-cias, torne inexigivel a outra parte a manutencao do arrendamento. Deseguida preve algumas situacoes exemplificativas ern que 0 senhorio poderarequerer a resolucao do contrato. Mantem-se, no entanto, 0 preceito relativoas deterioracoes Iicitas.

    Se e admissivel a validade da regra anterior face ao actual regime!", tam-bern e sustentavel que se alargou consideravelmente 0 fundamento de resolu-cao do contrato!". Na verdade, tirando os casos de deterioracoes licitas, asobras nao autorizadas deverao ser entendidas como incumprimento gravedo contrato de arrendamento por parte do arrendatario. Contudo, nao e deexcluir que, no caso concreto, a importancia da obra seja consideravelmentereduzida e que a resolucao do contrato possa represeritar urn abuso de direitopor parte do senhorio.

    2.4. 0 direito de realizar obras

    Por fim, 0 arrendatario tern 0 direito a realizar obras quando:

    tal conste do contrato de arrendamento ou;tenha sido autorizado, por escrito, pelo senhorio (art. 1074.11);quando a obra seja urgente ou;o senhorio esteja em mora quanta a obrigacao de executar certa obra ea sua urgencia nao permita esperar pela decisao judicial (art. 1036.).

    Nestes dois ultimos casos determina 0 artigo 1036. que 0 Iocatario terndireito ao reembolso das despesas feitas, devendo no entanto avisar 0 locadorde que ira executar a obral''.

    16 P. Romano Martinez, Da Cessaiiio do Contrato, cit., p. 349, a cuja posicao, implicita-mente, adere F. Gravato Morais, Novo Regime do Arrendamento Comercial, Coimbra, Alme-dina, 2006, p. 118.

    17 L. Menezes Leitao, Arrendarnento Urbano, cit., p. 103.18 Embora no n." 2 do artigo 1036., que estabelece a obrigacao de informar 0 locador

    como condicao para 0 reembolso das despesas com a obra so se referir ao caso de reparacoes edespesas urgentes, nao se ve razao para desaplicar 0 mesmo criterio no caso, previsto no n." 1,de mora do locador.

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    o processo de realizacao das obras preve a elaboracao de urn orcamentoque sera apresentado ao senhorio e fixara 0 valor maximo pelo qual ele seraresponsavel. 0 municipio tern ainda de assegurar 0 realojamento do arrenda-tario em condicoes analogas as que tinha, devendo 0 arrendatario reocupar 0imovel no prazo de tres meses sobre 0 fim da obra, sob pena de caducidadedo contrato de arrendamento. 0 municipio compensara 0 montante gasto ateao limite do orcamento atraves do recebimento das rendas, podendo noentanto 0 senhorio levantar depositos no valor correspondente a 500/0 darenda (art. 18.0 do DL 15712006).

    B. 0 regime especial transitorio

    o RJOPA preve na sua seccao III urn regime especial transitorio aplicavelaos contratos de arrendamento .para habitacao celebrados antes da entradaem vigor do RAU e aos contratos de arrendamento para fins nao habitacio-nais celebrados antes da entrada em vigor do Dccreto-Lei n." 257/95, de 30 deSetembro.

    Isto significa que aos contratos celebrados depois da entrada em vigor des-tes diplomas, mas antes da entrada em vigor do NRAU e RPOJA, se aplica 0regime ja descrito, uma vez que nao ha particularidades previstas no regimetransitorio ao regime das obras.o regime transitorio, aplicavel aos contratos de arrendamento celebrados

    antes do RAU ou do Decreto-Lei n.? 257/95, de 30 de Setembro, e particular-mente importante porque sera aplicavel as situacoes mais graves: degradacaodos im6veis a par de uma total desadequacao do valor das rendas.

    Neste regime transitorio nao reveste particular interesse para 0 terna 0regime do contrato de arrendamento para fins nao habitacionais, porquantonao existe uma correlacao entre a feitura de obras de conservacao e aactuali-zacao de renda e, alem disso, 0 regime dos contratos de arrendamento parafins habitacionais aplica-se com as necessarias adaptacoes (art. 50.0 NRAU).Ja 0 regime dos contratos de arrendamento para fins habitacionais conterndiversas disposicoes muito relevantes para este tema.

    Nao me alongarei muito neste regime transitorio, uma vez que ha umaexposicao particularmente dedicada ao regime transitorio em geral e dentrodeste a parte das obras e da actualizacao das rendas correspondem aos aspec-tos mais importantes.

    Salientarei, no entanto, dois ou tres aspectos.Em primeiro lugar, a solucao prevista na lei para os contratos de arrenda-

    mento para fins habitacionais parte de uma logica de correspectividade entre

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    importara seguir 0 procedimento previsto no artigo 33.0 com vista a classifi-cacao do predio entre excelente (nive15) e pessimo (nfvel I). No caso de con-tratos de arrendamento para fim nao habitacional, a renda pode ser actuali-zada independentemente do nivel de conservacao. Ja no caso de contratos dearrendamento para habitacao, se a classificacao corresponder a nivel medio(3) ou superior, 0 senhorio informa 0 arrendatario da intencao de modificara renda e os termos em que se devera processar, nos termos dos artigos 34.0 eseguintes. Caso seja atribuido nivel l ou 2, 0 senhorio tera de fazer obras paradepois poder obter melhor classificacao e consequentemente poder actualizara renda.

    2. Iniciativa do arrendatario

    Mas imagine-se que 0 senhorio nao quer ou nao pode fazer as obras neces-sarias, ainda que isso implique a impossibilidade de proceder a actualizacaoda renda, ou mesmo que nem toma a iniciativa de obter a classificacao dolocado. Entao, a lei preve a hipotese de 0 arrendatario solicitar que a comis-sao arbitral municipal promova a determinacao do coeficiente de conserva-cao do locado (art. 48.0).

    No caso referido de ao imovel ser atribuido nivel abaixo de 3, 0 arrenda-tario pode intimar 0 senhorio a realizar as obras, 0 que se traduz num verda-deiro direito subjectivo do arrendatario.

    Se 0 senhorio nao realizar as obras necessarias, 0 arrendatario poderaoptar por uma de duas vias: realizar ele proprio as obras de maneira a atingirurn nivel medio de conservacao, caso em que dara disso conhecimento aosenhorio e a comissao municipal arbitral e em que podera efectuar compen-sacao com 0 valor das rendas (art. 33.0 do RJOPA)20; ou solicitar a camaramunicipal a realizacao de obras coercivas. Neste ultimo caso, 0 arrendatarioainda podera vir a fazer as obras se 0 senhorio, instado pelo municipio paraas executar, nao 0 fizer dentro do prazo estabelecido.

    A al. c) do n." 4 do artigo 48.0 do NRAU preve ainda outra possibilidade:a de 0 arrendatario comprar 0 locado com 0 objectivo de 0 reabilitar. Nao setrata, contudo, de uma alternativa as anteriores, como pode resultar de umaprimeira leitura da lei. Na verdade, 0 n." 6 do mesmo artigo remete para

    20 Note-se que 0 valor das obras para efeito de cornpensacao corresponde as despesas efec-tuadas e orcarnentadas e respectivos juros, acrescidos de 5% destinados a despesas de adminis-tracao. 0 valor da renda a tel' em conta corresponde a urn nivel medio de conservacao e a umfaseamen to de cinco anos nos termos dos artigos 31.0 a 33.0 do NRAU.

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    3. Iniciativa do municipio

    Por iniciativa propria ou a pedido do arrendatario (art. 48.0/4/b) doNRAU), 0 municipio pode realizar obras com 0 objectivo de obter urn nivelde conservacao compatrvel com a actualizacao da renda, ou seja, com urnnivel medio de conservacao (art. 28. RJOPA). Por remissao generica do n." 2do artigo 23., 0 regime de recebimento das rendas por parte do municipio etarnbern aqui aplicavel.

    III. 0 PRINCIPIO DO BOM USO E DA BOA CONSERVAGAO DO IMOVEL E 0 EQUI-LlBRIO DAS PRESTAGOES

    As obras sao a pedra de toque na manutencao do equilibrio das prestacoesno novo regime do arrendamento urbano.

    Se tal preocupacao ja era (e e) visivel no que toea a direitos de indemniza-cao por obras licitas e por benfeitorias, embora neste caso equiparando 0locatario a possuidor de rna fe, 0 NRAU, como se explicou, vern introduziruma simetria entre as obras e a prestacao devida pela contraparte. Se as obrasforem feitas pelo arrendatario, porque assim foi estipulado no contrato, entaonaturalmente que a renda acordada ja tera em conta essa circunstancia, Seforem efectuadas pelo arrendatario, porque 0 locatario esta em mora e naofor possrvel esperar as delongas de urn processo judicial ou simplesmente por-que a urgencia nao consente qualquer dilacao (art. 1036.), 0 arrendatariopode compensar 0 credito pelas despesas da obra com a obrigacao de paga-mento da renda. As obras licitamente feitas e aplicado 0 regime das benfeito-rias realizadas por possuidor de boa fe (art. 1074./5). Apenas as obras ilicitascontinua a ser aplicavel 0 artigo 1046. do Codigo Civil, que remete para 0regime das benfeitorias realizadas pelo possuidor de rna fe.

    Note-se que podera vir a acontecer que os contratos modelo utilizadosvenham a preyer que 0 arrendatario fica encarregado de realizar as obras noimovel sem que tal resulte num ajustamento da renda. Con10 principio fun-damental, e de acolher que as partes tenham ampla liberdade para estabele-cer 0 regime das obras e antecipadamente ou mesmo a posteriori ajustar arenda ou a cornpensacao devida pelas obras. No entanto, nao e de excluir apossivel necessidade de acautelar 0 arrendatario enquanto parte porventuramenos informada no contrato de arrendamento->. Esta proteccao podera ser

    23 E possivel que exista alguma assimetria inforrnativa em desfavor do arrendatario parti-cularmente nos casos em que este e urn consumidor e 0 arrendamento e feito atraves de urn

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  • ASSUNC;:AO CRISTAS

    particularmente relevante nos casos de contratos de. adesao (aos quais se apli-cara a lei das clausulas contratuais gerais). E certoque no regime transit6rioja se preve a possibilidade de, para efeitos de actualizacao da renda, aplicarurn coeficiente de conservacao inferior no caso de 0 arrendatario demonstrarque 0 estado de conservacao se deve a obras por si realizadas. Nao se preve,no entanto, no novo regime, preceito paralelo.

    Como meio de garantir a transparencia e informacao na contratacao, deveentender-se que 0 acordo quanta a responsabilidade do arrendatario pela exe-cucao de obras nao afasta por si s6 a responsabilidade do senhorio pelo paga-mento das obras e a possibilidade de 0 arrendatario compensar 0 credito peladespesa com a obrigacao de pagamento da renda. Para que tal aconteca seranecessario declaracao expressa das partes nesse sentido ou a dernonstracao deque 0 valor da renda e particularmente baixo como contrapartida da obriga-cao do arrendatario de executar e suportar 0 valor da obra. Naquelas situa-coes, improvaveis, mas possiveis (e com campo vasto de relevancia no caso deornissao do contrato), em que 0 arrendatario tenha a obrigacao de fazer asobras, mas nao de suportar 0 seu custo, 0 arrendatario podera exigir apenaso montante correspondente as obras necessarias para manter urn nivel mediode conservacao. Exigir acima disso nao e admissivel, por corresponder a inob-servancia do dever de boa fe no cumprimento das obrigacoes, genericamenteaplicavel (art. 762,/2).

    Para alern deste aspecto, a execucao ou nao das obras passa a ter, a meu ver,uma relacao directa com a rnanutencao do contrato de arrendamento e como valor da renda-", Referiu-se como a nao execucao das obras e causa de reso-lucao e, diria, de aplicacao do correspondente regime de responsabilidadecontratual. Mas, caso as partes nao pretendam par termo ao contrato, e se asobras nao forem feitas nem pelo senhorio nem pelo arrendatario em suasubstituicao (porque nao quer ou nao pode), entao tal ten! urn impacto nega-tivo no estado de conservacao do predio 0 que tera influencia na renda.

    Apesar de a lei apenas se referir ao estado de conservacao dos predios paraefeito de actualizacao de rendas antigas, deve entender-se que 0 principio daconformidade exige urn nivel de conservacao pelo menos rnedio, mas por-

    pro fissional de mediacao imobiliaria, Isto em nada e prejudicado pela constatacao de que aconsideracao do arrendatario como "parte fraca" no contrato e 0 vinculismo a tal associadolevaram a supressao do mercado do arrendamento, com consequencias profundamente nega-tivas. Veja-se, por exemplo, A. Menezes Cordeiro, 0 Novo Regime ... , cit., pp. 319 e 320.

    24 Aprofundando decisivamente urn caminho que ja tinha sido iniciado pelo proprio RAU.Exemplificativamente, veja-se, A. Pais de Sousa, Obras no Locado e sua Repercussao nas Rendas,Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Inocencio Galvao Telles, vol. III, Direito do Arren-damento, Coimbra, Almedina, 2002, 159, pp. 172 e ss..

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  • REGIME DE OBRAS E SUA REPERCUssAO NA RENDA E NA MANUTEN, do predio introduzem uma maior exigen-cia na possibilidade de actualizar a renda. E perfeitamente admissivel que, ernface de urn incumprimento parcial por parte do senhorio, porque obrigado afazer as obras de conservacao nao as realiza, 0 arrendatario venha impedir 0aumento da renda ou ate exigir a reducao da mesma ate que 0 born estado dopredio seja reposto. A reducao da contraprestacao, aflorada no artigo 802. doCodigo Civil e assumida no n." 1 do artigo 4. do Decreto-Lei 6712003, de 8 deAbril (compra e venda de bens de consumo), enquanto rernedio para 0 incum-primento parcial ou defeituoso, tern aqui pleno campo de aplicacao-"

    Assim, 0 senhorio tera todo 0 interesse em manter 0 predio em bornestado de conservacao e os objectivos da nova lei nao se esvairao com 0 decor-rer do tempo. Por esta via estara razoavelmente garantido 0 principio doequilibrio contratual: urn predio em born estado, com obras de conservacaoregulares permitira uma actualizacao consentanea da renda e, ao inves, urnpredio degradado nao Iegitirnara 0 aumento de renda. Seria born que a lei cla-rificasse este aspecto. Na falta de preceito explicito, a solucao nao devera dei-xar de ser encontrada com base quer nas regras gerais do cumprimento dasobrigacoes quer na teleologia da recente reforma.o NRAU assumiu expressamente como objectivo a reabilitacao urbana e,

    por isso, relacionou intimamente obras, renda e resolucao do contrato.Importara no futuro fazer a avaliacao do impacto deste regime, para 0 qual ametodologia da analise economica do direito muito podera contribuir-".

    25 Referindo-se, precisamente, ao nivel de conservacao medio como "nivel (rninimo) deconservacao", F. Gravato Morais, Arrendamento para Habitacao ... , cit., p. 84.

    26 Em situacces inversas, mas que nao deixam de ser inspiradoras, a jurisprudencia veminvocando um principio de proporcionalidade para desobrigar 0 senhorio de fazer obras dis-pendiosas contrastantes com a exiguidade das rendas recebidas. Veja-se, com indicacces devaries arestos, Pinto Furtado, Manual do Arrendamento Urbano J, cit., p. 504, nota 440, defen-dendo a aplicacao da ideia de proporcionalidade ao dever de conservacao do senhorio, parti-cularmente nos casos de arrendamentos vinculisticos (p. 505).

    27 Nao em particular sobre esta lei, mas em sede de teoria geral sobre os modelos de arrenda-mento, veja-se, entre n6s, F. Araujo, 0 Problema Economu:o do Controle das Rendas, Estudos emHomenagem ao Prof. Doutor Inocencio Galvao Telles,vol. Ill, Direito do Arrendamento, Coimbra,Almedina, 2002, 176, nomeadamente 0 elenco dos efeitos da desregulamentacao (pp. 230 e ss.).

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