reflexÕes sobre o comportamento social por … · o ser humano é eminentemente um ser prático e...

12
1 REFLEXÕES SOBRE O COMPORTAMENTO SOCIAL POR MEIO DA LITERATURA FICCIONAL: UM ESTUDO DOS PERSONAGENS CORIOLANO E MACBETH DE SHAKESPEARE doi: 10.4025/XIIjeam2013.cyrilo.oliveira.rodrigues13 CYRILO, Silvana Pereira São OLIVEIRA, Terezinha RODRIGUES, Jéssica Salomão INTRODUÇÃO Este texto refere-se aos resultados finais da pesquisa intitulada Reflexões sobre o comportamento social por meio da literatura ficcional: um estudo dos personagens Coriolano e Macbeth de Shakespeare, iniciada em 2012, sob orientação da Prof.ª Dr.ª Terezinha Oliveira, em nível de iniciação científica. Detalharemos, ao longo de nosso relato, as etapas decorridas durante a execução do projeto, a metodologia utilizada, o propósito e as conclusões. Tivemos por objetivo, nessa pesquisa, a observação e análise do comportamento humano, partindo do princípio da diversidade de comportamentos existentes. Nosso ponto de partida foi fruto da inquietação em compreender até que ponto a subjetividade humana pode ser influenciada pelo meio em que o indivíduo está inserido, ou seja, até que ponto as decisões humanas são individuais ou respondem a interesses de outros indivíduos, além de verificar em que medida os comportamentos singulares dos indivíduos interferem na sociedade como um todo. Ao realizarmos nossos estudos, utilizamos como fonte principal duas peças literárias do dramaturgo e poeta inglês, Willian Shakespeare: tratam-se de Macbeth e Coriolano. Sabemos que a inquietação para entender a natureza humana não é um fato novo e que muitos autores, dentre eles, filósofos, teólogos e pesquisadores, de diferentes ramos da ciência como a sociologia, sociobiologia, psicologia, entre outros, dedicaram

Upload: trankiet

Post on 14-Dec-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: REFLEXÕES SOBRE O COMPORTAMENTO SOCIAL POR … · O ser humano é eminentemente um ser prático e histórico e vai construindo seu modo de ser, mediante sua prática com o trabalho

1

REFLEXÕES SOBRE O COMPORTAMENTO SOCIAL POR MEIO

DA LITERATURA FICCIONAL: UM ESTUDO DOS PERSONAGENS

CORIOLANO E MACBETH DE SHAKESPEARE doi: 10.4025/XIIjeam2013.cyrilo.oliveira.rodrigues13

CYRILO, Silvana Pereira São

OLIVEIRA, Terezinha

RODRIGUES, Jéssica Salomão

INTRODUÇÃO

Este texto refere-se aos resultados finais da pesquisa intitulada Reflexões sobre o

comportamento social por meio da literatura ficcional: um estudo dos personagens

Coriolano e Macbeth de Shakespeare, iniciada em 2012, sob orientação da Prof.ª Dr.ª

Terezinha Oliveira, em nível de iniciação científica. Detalharemos, ao longo de nosso

relato, as etapas decorridas durante a execução do projeto, a metodologia utilizada, o

propósito e as conclusões.

Tivemos por objetivo, nessa pesquisa, a observação e análise do comportamento

humano, partindo do princípio da diversidade de comportamentos existentes. Nosso ponto

de partida foi fruto da inquietação em compreender até que ponto a subjetividade humana

pode ser influenciada pelo meio em que o indivíduo está inserido, ou seja, até que ponto as

decisões humanas são individuais ou respondem a interesses de outros indivíduos, além de

verificar em que medida os comportamentos singulares dos indivíduos interferem na

sociedade como um todo.

Ao realizarmos nossos estudos, utilizamos como fonte principal duas peças

literárias do dramaturgo e poeta inglês, Willian Shakespeare: tratam-se de Macbeth e

Coriolano. Sabemos que a inquietação para entender a natureza humana não é um fato

novo e que muitos autores, dentre eles, filósofos, teólogos e pesquisadores, de diferentes

ramos da ciência como a sociologia, sociobiologia, psicologia, entre outros, dedicaram

Page 2: REFLEXÕES SOBRE O COMPORTAMENTO SOCIAL POR … · O ser humano é eminentemente um ser prático e histórico e vai construindo seu modo de ser, mediante sua prática com o trabalho

2

anos de suas vidas na busca dessa compreensão, cada qual com suas singularidades e ideias

típicas do período social e histórico em que estavam inseridos.

Partindo desse pressuposto, analisamos também os escritos de Tomás de Aquino,

padre dominicano, filósofo e téologo e de Aristóteles. Embora os autores citados tenham

um longo período de distância temporal, sendo Aristóteles um clássico da filosofia antiga,

Tomás de Aquino, escritor do século XIII, conhecido como o principal mestre escolástico

do seu tempo e William Shakespeare (1564-1516), principal poeta inglês da modernidade,

os três autores tratam em seus escritos, fundamentalmente do comportamento humano,

nosso objeto de estudo. Destacamos também, que como nosso estudo insere-se nos campos

da filosofia e da psicologia da educação, sob a perspectiva da história social, torna-se

importante considerar autores de tempos históricos distintos do nosso, não para

reproduzirmos seus pensamentos e experiências, mas para sabermos como os homens

produziram seus saberes e suas relações ao longo do tempo. Os acontecimentos por nós

hoje vivenciados, já foram também vivenciados por outros indivíduos, em diferentes

períodos históricos e é isso que faz com que possamos partir de um conhecimento já

construído, para então construirmos os nossos próprios.

A busca dos homens pelo conhecimento já se tornou algo natural e constante.

Ainda encontramos pessoas que frequentam o nível básico escolar, ou até mesmo o nível

superior, não com o intuito de estar aprendendo algo novo, mas apenas para adquirir um

diploma, e atuar profissionalmente, ou até mesmo para aprender a solucionar problemas do

dia a dia, como fazer “contas” e ler. Todavia, consideramos o conhecimento para além das

experiências e práticas cotidianas, mas também para exercermos nossa humanidade e

transformarmos e vivermos melhor.

Pensamos que o objeto de nosso estudo, a natureza e o comportamento humano são

essenciais na formação do professor, para atuar no processo de ensino e aprendizagem. É

comum encontrarmos entre colegas de trabalho, alguns professores e os próprios

acadêmicos de Pedagogia, a preocupação exacerbada em estudar apenas metodologias para

o ensino de conteúdos e teorias educacionais, como se a única tarefa do professor fosse

transmissão de conhecimentos. Não somos contrários a essa ideia, mas também não somos

totalmente favoráveis. Recorremos aqui a prática da virtude estudada por Aristóteles, onde

não devemos cair em extremos, mas encontrar sempre o meio- termo. O estudo dos

conteúdos e de teorias educacionais são fundamentais para a formação e futura atuação do

Page 3: REFLEXÕES SOBRE O COMPORTAMENTO SOCIAL POR … · O ser humano é eminentemente um ser prático e histórico e vai construindo seu modo de ser, mediante sua prática com o trabalho

3

profissional, mas não podemos ignorar o fato que este estará lidando com seres humanos,

que não são tábulas rasas e que trazem para a sala de aula, seu modo de ser, hábitos de sua

classe social, sua etnia, suas histórias, e costumes. No processo de ensinar, o projeto

político pedagógico, o currículo e os materiais curriculares são importantes, mas, tem

pouca importância se não estiver presente no professor o princípio da formação da pessoa,

especialmente, no seu aspecto ético.

Muito se tem falado, atualmente, sobre a necessidade de educar para a cidadania,

que já é até mesmo lemas em fachadas e uniformes escolares e nos projetos políticos

pedagógicos. Mas o modo como concebemos o conhecimento escolar e nossas ações

cotidianas em sala de aula, nos permitem realmente essa formação de cidadãos críticos e

reflexivos? Ou precisamos nos atentar apenas ao ensinar conhecimentos básicos para que o

aluno consiga passar de ano? Se quisermos formar pessoas conscientes, que sejam

verdadeiras cidadãs, é necessário que lhes dê, primeiramente, condições de serem pessoas,

mas há tempo destinado para aprender ética e valores morais no ambiente escolar? Como

afirma Oliveira (2012, p.112) “[...] devemos sempre, enquanto docentes, formar pessoas na

sua totalidade, construindo pessoas sábias de conteúdo e de ética. Quando ensinamos uma

criança a ler e a escrever devemos ensinar, também, as condições para ser sujeito

consciente em seu locus”.

Assim, nossa pesquisa de cunho bibliográfico, teve como princípio norteador duas

áreas específicas do conhecimento pedagógico: a filosofia da educação e a psicologia da

educação. No âmbito da Filosofia da Educação trabalhamos com o conceito de ética e no

da Psicologia da Educação, o conceito de subjetividade. Todavia, estes dois campos foram

conduzidos pelo olhar da história na medida em que os dois conceitos que elegemos para

compreender o comportamento dos homens, a ética e a subjetividade, só podem ser

compreendidos dentro de um tempo específico.

Compreender a obra de um autor sem levar em consideração questões e

acontecimentos que contribuíram para a formulação de suas ideias, não é uma tarefa fácil,

e talvez a ausência desse conhecimento possa nos levar a cometer equívocos quanto a suas

formulações. Contextualizaremos, brevemente, o período vivenciado por Aristóteles e

Tomás de Aquino, escritores que descreveram a natureza humana em períodos distintos.

Para iniciarmos esta contextualização e caracterização do período da filosofia

antiga, recorremos ao clássico Aristóteles por meio da obra Ética a Nicômaco, escrita entre

Page 4: REFLEXÕES SOBRE O COMPORTAMENTO SOCIAL POR … · O ser humano é eminentemente um ser prático e histórico e vai construindo seu modo de ser, mediante sua prática com o trabalho

4

335 a. C a 323 a.C. O autor nasceu em Estagira – Macedônia em 384 a.C.. Era filho do

médico Nicômaco, da corte do Rei Amintas II, pai de Filipe da Macedônia. Ainda na

adolescência, dirigiu-se para Atenas, para obter uma boa formação. Com a morte de

Alexandre (323), Aristóteles teve de fugir a perseguição dos democratas atenienses,

refugiando-se em Calcide, na Eubeia, onde morreu em322 a.C.

Através da leitura da obra, podemos compreender a investigação de Aristóteles

sobre o modelo de saber que se pode obter acerca da conduta, levando em conta a situação

concreta do Homem, um ser que está acima do animal, mas que não pode ser definido

apenas pela pura razão, esse meio-termo é o que se entende por virtude. Vale ressaltar a

importância do conhecimento e leitura de um clássico da filosofia antiga para o melhor

desenvolvimento de nosso projeto, uma vez que o autor aborda o tema da virtude, uma

ação do individuo que só existe no interior das relações humanas.

Shakespeare e seu tempo histórico

Shakespeare nasceu no dia 23 de abril de 1564, na pequena cidade inglesa de

Stratford-upon-Avon. Aos dezoito anos de idade casou-se com Anne Hathaway com quem

teve três filhos. Seus textos fizeram e faz ainda muito sucesso por se tratarem de temas

próprios dos seres humanos abordando questões de sentimentos, temas políticos, questões

sociais, independente do tempo histórico.

Shakespeare cria maneiras diversas de representar a mudança no ser humano,

alterações essas provocadas não apenas por falhas de caráter ou por corrupção, mas

também pela vontade própria, pela vulnerabilidade temporal da vontade. Os ideais tanto da

sociedade como do indivíduo, eram talvez, mais importantes no mundo de Shakespeare do

que no nosso.

Ao ler as peças de Shakespeare, até certo ponto, ao assistir a encenação o

procedimento mais sensato é deixar se levar pelo texto e pelos personagens, e permitir uma

recepção que possa distanciar daquilo que é lido, ouvido e visto, de maneira a incluir

quaisquer contextos relevantes. Não podemos moldar Shakespeare segundo nossas próprias

tendências políticas e culturais. Sendo Shakespeare o mais memorável dos escritores faria

sentido supor que a dor que Shakespeare nos causa seja tão significante quanto o prazer.

Page 5: REFLEXÕES SOBRE O COMPORTAMENTO SOCIAL POR … · O ser humano é eminentemente um ser prático e histórico e vai construindo seu modo de ser, mediante sua prática com o trabalho

5

Conforme Kieman (1999) em relação à época em que Shakespeare viveu, não

podemos afirmar que fosse uma Inglaterra feliz, no século XVI, os níveis populacionais

estavam crescendo na Europa, e entre 1500 e 1650, a população da Inglaterra deve ter

aumentado de dois para cinco milhões.

Esse aumento na população criava grandes pressões e favorecia uma economia

rígida. O quadro social da Inglaterra estava desagregando-se com o alto índice de

desemprego, a existência de muitos desabrigados e a vadiagem. Quando a situação da

religião, a Igreja Católica passava por uma grande ruptura pela degradação do clero, o que

deu origem a diversas guerras e ocasionou a Reforma Luterana, a Reforma Calvinista e a

Reforma Anglicana.

A educação sob o signo da ética

O termo ética vem sendo estudado desde muito tempo atrás, por diversos

pensadores e em épocas diferentes, cada qual dando um significado ao tema, mas todos

estudaram o homem como objeto de estudo moral e politico, datado historicamente. De

acordo com a crença dos filósofos metafísicos, tanto gregos como medievais, 1acreditava-

se que na essência dos seres humanos, já estaria inscrita, de maneira estável e permanente,

a referência básica dos valores que deveriam nortear suas ações morais.

Sob o enfoque praxista¹ a ética decorre de um modo igualmente novo de pensar o

homem, embora ele continue sendo entendido como um ser natural e dotado de identidade

subjetiva, o que lhe permite projetar e antever suas ações, já não é visto mais nem com um

ser totalmente determinado, nem como um ser inteiramente livre. Ele é simultaneamente

determinado e livre. Sua ação é sempre um compromisso, em equilíbrio instável entre as

imposições da sua condição de ser natural e a autonomia de sujeito, capaz de intencionar

suas ações, a partir da atividade de sua consciência. Partindo do pressuposto da ética

contemporânea o homem não é totalmente livre, mas também não é puramente empírico,

dominado pela sociedade ou pela natureza, portanto o homem se encontra sob a dualidade

de sua realidade natural e sua realidade histórico-social, que até certo ponto podem

conduzi-lo a determinados comportamentos, mas que também é construída por ele, por

1Práxis: No marxismo, o conjunto de atividades humanas tendentes a criar condições indispensáveis á existência da sociedade e, particularmente, á atividade material, á produção e a prática.

Page 6: REFLEXÕES SOBRE O COMPORTAMENTO SOCIAL POR … · O ser humano é eminentemente um ser prático e histórico e vai construindo seu modo de ser, mediante sua prática com o trabalho

6

meio de suas ações práticas. Percebe-se aqui a importância da racionalidade humana em

gerir sua própria vida.

O ser humano é eminentemente um ser prático e histórico e vai construindo seu

modo de ser, mediante sua prática com o trabalho e no processo de sociabilidade com seus

semelhantes, com a própria subjetividade, mediante sua vivência da cultura simbólica2.

Mas sua prática se distingue dos demais animais por não ser mecânica como é a prática dos

demais seres naturais; mas como uma prática intencional, marcada por um sentido,

vinculado a objetivos e fins. A natureza humana é determinada pelas condições objetivas

de sua existência, ao mesmo tempo que atua sobre elas por meio de sua praxis.

Retomando Aristóteles e a obra Ética a Nicômaco sobre a teoria ética filosófica

podemos verificar que o autor busca estabelecer o bem tanto ao indivíduo quanto à

sociedade num todo. Acreditamos ser importante a reflexão dos pensamentos de

Aristóteles sobre a ética, a conduta, a moral e a virtude a fim de fazermos uma relação com

o cotidiano de nossos personagens e também do comportamento humano contemporâneo.

Todos os acontecimentos por nós hoje vivenciados, já foram também vivenciados por

outros indivíduos, em diferentes períodos históricos, e é isso que faz com que possamos

partir de um conhecimento já construído, para ai então construirmos os nossos próprios².

Considerando que o conceito de ética no pensamento filosófico de Aristóteles leva

a contextualização descritiva do que é ética, acreditamos ser fundamental seu estudo na

sociedade contemporânea, uma vez que estamos num curso, no qual, ao seu término,

sairemos habilitadas a ensinar e alfabetizar crianças das séries iniciais. Ensino esse que, a

nosso ver, não deve se limitar aos conhecimentos básicos de ler, escrever e contar, mas se

amplia na responsabilidade de ensinar os valores éticos e morais, para que esses sejam

impregnados na essência humana do cidadão, e que as decisões, em qualquer instância,

sejam norteadas pelo bom-censo sem ferir o outro ou a coletividade.

O ser humano só consegue se distinguir dos demais animais por possuir a

capacidade de intelecto, de viver em comunidade, seja na relação do trabalho, seja em

qualquer outro âmbito, na relação entre outros homens e a comunidade. O homem, já nasce

com as características físicas de homem, mas precisa aprender a sê-lo e isso só se fará com

o contato com seus iguais, por meio da aprendizagem de valores já estabelecidos no 2 Entendemos por cultura simbólica de acordo com o italiano Carlo Genzeberg em seu trabalho “O Queijo e outros Vermes” analisa a reprocidade entre as espefas culturais, mostrando que uma vivência, cultura simbólica tem dimensões múltiplas, ampliando suas possibilidades sócio cultural, transmitidos historicamente abriu novas possibilidades para a escrita da história.

Page 7: REFLEXÕES SOBRE O COMPORTAMENTO SOCIAL POR … · O ser humano é eminentemente um ser prático e histórico e vai construindo seu modo de ser, mediante sua prática com o trabalho

7

ambiente em que se encontra. Toda ação humana tem uma intenção, e é essa capacidade de

planejar algo com vistas a alcançar um resultado, de usar o intelecto a nosso favor

intencionalmente, que nos difere dos demais animais. A ética reflete exatamente sobre

esses valores já impregnados na sociedade, para se buscar a moralidade e os meios para

alcança-los.

Mas esses ‘códigos de ética’ nem sempre existiram. Nos primórdios do pensamento

grego, não havia nenhum estabelecimento de regras na conduta do relacionamento

humano. Com as conquistas da ciência de novos conhecimentos, a ideia da essência

humana como natureza humana permanente, não se sustenta mais e a filosofia moderna se

vê levada a buscar outros fundamentos para compreender aos comportamentos éticos.

Vale ressaltar que moral e ética são conceitos distintos. A moral consiste num

conjunto de comportamentos e normas aceitos como válidos nas relações humanas. Quanto

à ética, trata de estudar sobre a aceitação de alguns comportamentos como legítimos,

válidos, considerando sempre outros aspectos do moral pertinentes a aspectos pessoais e

culturais, ou seja, é a união entre o sujeito e seus valores, a reflexão do comportamento

moral e a conduta de cada indivíduo. De modo geral, a ética é o estudo dos juízos da

conduta humana, que é passível do bem e do mal, isto é, de vícios e virtudes, presente em

um único ser ou em grupo. A ética visa a nosso ver, tomada de decisões individuais, mas

sempre em relação ao outro, com a intenção de promover o bem comum. Só pode ser

estabelecida por meio de um processo de compreensão do tempo histórico no qual os

sujeitos se encontram e não partindo de valores já abstratamente idealizados e concebidos.

É preciso lembrar, ainda que a ética é construída a partir de referenciais econômicos,

políticas, sociais e culturais.

Mas podemos nos questionar sobre qual a relação entre a ética e a educação? É

comum ouvirmos falar ou lermos em alguns projetos políticos pedagógicos escolares a

necessidade e interesse em formar sujeitos críticos e reflexivos, para a prática da cidadania,

ou seja, o compromisso assumido por professores e demais pessoas envolvidas na

educação pela aplicação do conhecimento na construção da cidadania. É necessário que os

professores desempenhem suas funções partindo de um método para que possamos

alcançar o conhecimento desejado. É por meio da aprendizagem de formas culturais que

adquirimos também nossos valores éticos, um trabalho que vincule não somente os

profissionais da educação, mas também os familiares.

Page 8: REFLEXÕES SOBRE O COMPORTAMENTO SOCIAL POR … · O ser humano é eminentemente um ser prático e histórico e vai construindo seu modo de ser, mediante sua prática com o trabalho

8

As salas de aulas são os ambientes nos quais são desenvolvidas várias experiências

sociais, não só de alunos, mas também de professores. Não se pode acreditar que a escola

seja um espaço isolado, pois a formação e a educação resultam em significação e

subjetivação. De acordo com Gonzalez Rey (2003), a subjetividade pode ser definida, "[...]

como a organização dos processos de sentido e significação que aparecem e se organizam

de diferentes formas e em diferentes níveis do sujeito e na personalidade, assim como nos

diferentes espaços sociais em que o sujeito atua" (PINHEIRO, 2006, p. 2)

Os valores morais são acompanhados pelo caráter normativo e prescritivo, ditando

como nossas ações devem ser praticadas, dizendo-nos o que deve ser feito. São exemplos

das ordens recebidas pelos professores, pais, parentes ou pessoas mais velhas, mas cabe a

nós segui-las ou não.

Essa deve ser aprendida por meio da própria ação, ou seja, é empírica e não inata.

Não nascemos bons ou maus professores, por exemplo, com um ‘dom’ especial, mas nós

nos tornamos bons ou maus por meio do hábito.

A seguir, passaremos a analisar esses aspectos que tratam das virtudes e dos vícios

humanos a partir de duas peças de Shakespeare que, efetivamente, se constituem nos

objetivos de nossa pesquisa.

Macbeth e Coriolano em meio a virtudes e vícios

As duas obras analisadas são peças de tragédia de autoria de William Shakespeare

(1564-1516), dramaturgo inglês e poeta, cujos escritos tratam, fundamentalmente, dos

comportamentos humanos.

A peça Coriolano é uma tragédia de Shakespeare, escrita em 1608. A história

circunscreve-se em torno de Caio Márcio, um general romano que ficou sendo conhecido

como Coriolano após vencer uma batalha contra os Volscos e se tornou odiado pela plebe

por evidenciar à ela o quanto ela tornava-se oportunista e corrompida por se submeter,

integralmente às vontades dos tribunos do povo.

A segunda peça que analisamos, Macbeth pode ser considerada uma das tragédias

mais curtas de Shakespeare. Ela foi escrita, provavelmente, entre os anos de 1603 e 1606,

não há uma data estabelecida, podendo ser encontrada datas diferentes em cada escrito. A

obra trata sobre um regicídio e suas consequências. Nessa peça podemos observar que

Page 9: REFLEXÕES SOBRE O COMPORTAMENTO SOCIAL POR … · O ser humano é eminentemente um ser prático e histórico e vai construindo seu modo de ser, mediante sua prática com o trabalho

9

todas as consequências dos comportamentos humanos interpessoais passados, presentes e

antecipados influenciam as suas atividades, no geral, por mais remotas ou simples que se

possam parecer.

Aristóteles lembra-nos que a virtude, intelectual e moral, a primeira, por via de

regra, gera-se. e cresce graças ao ensino — por isso requer experiência e tempo, enquanto a

segunda se forma através de hábitos. Aprendemos a ser virtuosos praticando atos virtuosos

e aprendemos a ser viciosos, praticando atos viciosos.

“[…] os homens tornam-se arquitetos construindo e tocadores de lira tangendo seus instrumentos. Da mesma forma, tornamo-nos justos praticando atos justos” (ARISTÓTELES, II).

Podemos citar como exemplo o personagem Macbeth, que de inicio apenas

almejava possuir um trono, mas com as profecias das bruxas e pedido de sua esposa, acaba

iniciando uma série de atos viciosos. “Verbalmente, quase todos estão de acordo, pois tanto

o vulgo como os homens de cultura superior dizem ser esse fim a felicidade e identificam o

bem viver e o bem agir como o ser feliz” (ARISTÓTELES,1973,p.251)

Segundo Aristóteles, toda ação e toda escolha tem em mira um bem qualquer, e o

fim da ação dos homens é a busca da felicidade. Embora todos os homens procuram levar

uma vida em busca da felicidade, há divergências em onde encontra-la. “A julgar pela vida

que os homens levam em geral, a maioria deles, e os homens de tipo mais vulgar, parecem

(não sem um certo fundamento) identificar o bem ou a felicidade com o prazer, e por isso

amam a vida dos gozos.” (ARISTÓTELES, 1973,p.252)

Podemos perceber nitidamente isso na sociedade contemporânea, na qual os

homens buscam, constantemente, dar um significado a sua existência e incessantemente

procuram ser felizes. Dentro dessa perspectiva, cada qual se apega a um caminho. Uns

encontram a felicidade nos bens materiais, se alienando na posse de obter cada vez mais

coisas para ser alguém. Outros buscam a felicidade na religião, ao dinheiro, na riqueza, em

honras, etc. e nessa procura pela felicidade, onde valoriza-se o TER e não o SER, os atos

virtuosos, do qual estudamos em Aristóteles, é frequente encontrarmos pessoas que

desenvolvem problemas depressivos, estresse, se alienam ao mundo material, em uma

felicidade passageira e inconstante.

Page 10: REFLEXÕES SOBRE O COMPORTAMENTO SOCIAL POR … · O ser humano é eminentemente um ser prático e histórico e vai construindo seu modo de ser, mediante sua prática com o trabalho

10

Por exemplo, tanto o medo como a confiança, o apetite, a ira, a compaixão, e em geral o prazer e a dor, podem ser sentidos em excesso ou em grau insuficiente; e, num caso como no outro, isso é um mal. Mas senti-los na ocasião apropriada, com referência aos objetos apropriados, para com as pessoas apropriadas, pelo motivo e da maneira conveniente, nisso consistem o meio-termo e a excelência característicos da virtude (ARISTÓTELES,1973,p. 272-273).

Aristóteles acreditava que a virtude é o meio-termo e que tanto o excesso quanto a

falta, são considerados vícios, fazendo com que o homem pereça. Mas senti-los na ocasião

apropriada, com referência aos objetos apropriados, para com as pessoas apropriadas, pelo

motivo e da maneira conveniente, nisso consistem o meio-termo e a excelência

característicos da virtude. “Está, pois, suficientemente esclarecido que a virtude moral é

um meio-termo, e em que sentido devemos entender esta expressão; e que é um meio-

termo entre dois vícios, um dos quais envolve excesso e o outro deficiência, e isso porque a

sua natureza é visar à mediania nas paixões e nos atos” (ARISTÓTELES,1973, p. 277).

A virtude visa o desenvolvimento pleno do ser humano, no meio- termo, sem cair

em nenhum dos extremos. Ela consiste na disposição adquirida voluntariamente, definida

pela razão conforme a conduta de um homem que age refletidamente.

Costuma-se dizer que nada há que acrescentar nem tirar nas coisas bem-feitas, considerando-se que o excesso ou a falta destrói a perfeição e a justa medida a conserva (...). E a virtude que é mais perfeita e melhor que toda a arte, do mesmo modo que a natureza, tenderá para o meio. (...) Chamo meio da coisa o igualmente distante dos extremos, que é um e idêntico para todos, meio a respeito de nós, o que não é excesso nem falta. E este não é único nem idêntico para todos (ARISTÓTELES, III)

Portanto, a virtude está no meio termo das decisões de comportamento, de como

atuar para uma situação específica.

(...) a virtude está em nosso poder, do mesmo modo que o vício, pois quando depende de nós o agir, também depende o não agir, e vice-versa. De modo que quando temos o poder de agir quando isso é nobre, também temos o de não agir quando é vil; e se está em nosso poder o não agir quando isso é nobre, também está o agir quando isso é vil. Logo, depende de nós praticar atos nobres ou vis, e se é isso que se entende por ser bom ou mau, então depende de nós sermos virtuosos ou viciosos (ARISTÓTELES, III).

Page 11: REFLEXÕES SOBRE O COMPORTAMENTO SOCIAL POR … · O ser humano é eminentemente um ser prático e histórico e vai construindo seu modo de ser, mediante sua prática com o trabalho

11

Para Aristóteles, a ética é tratada como a ciência das condutas humanas,

objetivando enfim comprometer-se em possibilitar ao homem a garantia da felicidade por

meio de uma vida regida por virtudes morais e éticas. Não há moralidade em uma ação

irresponsável, ou naquela em que o sujeito não agiu com pleno conhecimento. Ou seja, é

necessário que o sujeito tenha conhecimento da justiça, para assim alcançar a disposição de

caráter que a torna propensa a fazer o que é justo, desejando e fazendo.

Considerações Finais

Com as constantes transformações sofridas pela sociedade, o processo educativo

deve estar sempre sendo revisado. Desse modo, a instituição de ensino vem se tornando

cada vez mais um local de instrução, mas também de educação, assumindo as

responsabilidades de educar não apenas nas disciplinas escolares, mas também para a

formação humana.

Reconhecemos, assim, a importância dos estudos de autores de diferentes períodos

históricos: antiguidade, medieval e moderno, que se dedicaram à compreensão da natureza

humana, servindo como modelo aos pedagogos contemporâneos como fonte de reflexão de

atitudes e conhecimentos.

Portanto, a leitura e análise das duas peças shakesperianas, proporcionou e

proporciona às pessoas a possibilidade de adquirir conhecimento. Ela nos ajudará também

a compreender o passado sem atribuir juízo, mais, possibilitará abrir inúmeras

possibilidades de compreender nos nossos próprios comportamentos. Embora o intelecto

humano possa nos levar a agir conforme a razão, levando em consideração suas

experiências, emoções e sentimentos, cada sujeito é capaz de estabelecer suas próprias

verdades, tornando-se assim um ser único e responsável por si mesmo.

Ainda que esses aspectos sejam perceptíveis em nossos estudos, constatamos que

cada indivíduo é capaz de se moldar de acordo com o ambiente em que está inserido, e tem

sua formação de caráter construída por meio de sua subjetividade e influência de suas

respectivas culturas. Como o ser humano é dotado de desejos e valores, esse procura agir

de acordo com seus interesses, mesmo que possa ferir os sentimentos alheios ou seus

próprios sentimentos.

Page 12: REFLEXÕES SOBRE O COMPORTAMENTO SOCIAL POR … · O ser humano é eminentemente um ser prático e histórico e vai construindo seu modo de ser, mediante sua prática com o trabalho

12

REFERÊNCIAS

ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco. IN: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973.

OLIVEIRA, Terezinha. A influência da leitura de Tomás de Aquino na formação do

Professor. In: _____. Ensino e debate na Universidade Parisiense do Século XIII: Tomás de Aquino e Boaventura de Bagnoregio. Maringá: Eduem, 2012. p. 103-112.

PINHEIRO, Maria Cláudia Tardin. Publicidade: a procura amorosa do consumo. Comunicação, Mídia e Consumo, São Paulo, v. 3, n. 8, p. 169-187, nov. 2006.

SHAKESPEARE, W. Coriolano. EBookLibris. Disponível em: http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/coriolano.html Acesso em: 30 out. 2011.

SHAKESPEARE, W. Macbeth. EBookLibris. Disponível em: http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/macbethr.html Acesso em: 30 out. 2011.