reflexÕes sobre a ordem “sujeito-verbo” no … · semelhanças entre elas. ... podendo atuar...

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1 REFLEXÕES SOBRE A ORDEM “SUJEITO-VERBO” NO PORTUGUÊS BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO Nayara Maira da Silva¹ GT: 6 Elenice Israel da Silva² GT: 6 1 RESUMO: O português do Brasil apresenta, principalmente, duas ordens predominantes de colocação do sujeito e verbo nas orações: SV (sujeito-verbo) e VS (verbo-sujeito). Este trabalho tem o objetivo de descrever, através de um levantamento quantitativo, as características das duas ordens citadas acima, com o intuito de apontar diferenças e/ou semelhanças entre elas. A Gramática Tradicional revela que a predominância ocorre na ordem SV, enquanto a ordem VS mantém-se mais restrita e explica que os casos de ordem inversa têm como objetivo enfatizar algum constituinte da frase, em contrapartida, os linguistas afirmam que essa explicação é falha. De acordo com (BERLINK, AUGUSTO e SCHER, 2004), a explicação dos gramáticos não é satisfatória para justificar todos os casos e é nesse ponto que os linguistas questionam, pois para eles, dizer que a inversão ocorre por ter como objetivo a ênfase é tão vago quanto problemático. Em suma, nosso objetivo é mostrar que a língua portuguesa não apresenta construções apenas SVO e sim, que podemos encontrar vários tipos de orações com a ordem invertida, ou seja, a ordem SVO pode sofrer alterações dependendo do contexto. Para compreendermos o emprego da ordem SV e sua inversão no português, selecionamos algumas sentenças extraídas de um corpus organizado com contos escritos em português brasileiro e com base nele apresentamos algumas análises de sentenças em que ocorre tanto a ordem sujeito- verbo, quanto a sua inversão para entendermos o motivo da mudança dos constituintes e também, se a mudança de ordem modifica ou não o sentido da frase. PALAVRAS-CHAVE: Ordem dos constituintes. Português do Brasil. Funcionalismo. ABSTRACT: The Portuguese in Brazil has mainly two predominant placement of orders subject and verb in prayer: SV (subject-verb) and VS (verb-subject). This paper aims to describe, through a quantitative survey, the characteristics of the two orders mentioned above, in order to point out differences and / or similarities between them. The Traditional Grammar reveals that the prevalence occurs in the SV order, while the VS order remains more restricted and explains that cases of reverse aim to emphasize a constituent of the sentence, on the other hand, linguists say that this explanation is flawed. According to (BERLINK, AUGUSTO and SCHER, 2004), explaining the grammarians is not satisfactory to justify all cases and that's where linguists question because for them, saying that the inversion occurs by having as its goal the emphasis is as vague as problematic. In short, our goal is to show that the Portuguese language has no buildings only SVO and yes, we can find various types of prayers with the reverse order, ie the SVO order may change depending on the context. To understand the use of SV order and its inversion in Portuguese, we selected a few sentences extracted from a 1 Graduanda do oitavo período do curso de Licenciatura em Letras Português/Inglês pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro. Email: [email protected] ² Graduanda do oitavo período do curso de Licenciatura em Letras Português/Espanhol pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro. Email: [email protected]

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REFLEXÕES SOBRE A ORDEM “SUJEITO-VERBO” NO

PORTUGUÊS BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

Nayara Maira da Silva¹ GT: 6

Elenice Israel da Silva² GT: 61

RESUMO: O português do Brasil apresenta, principalmente, duas ordens predominantes de colocação do sujeito e verbo nas orações: SV (sujeito-verbo) e VS (verbo-sujeito). Este trabalho tem o objetivo de descrever, através de um levantamento quantitativo, as características das duas ordens citadas acima, com o intuito de apontar diferenças e/ou semelhanças entre elas. A Gramática Tradicional revela que a predominância ocorre na ordem SV, enquanto a ordem VS mantém-se mais restrita e explica que os casos de ordem inversa têm como objetivo enfatizar algum constituinte da frase, em contrapartida, os linguistas afirmam que essa explicação é falha. De acordo com (BERLINK, AUGUSTO e SCHER, 2004), a explicação dos gramáticos não é satisfatória para justificar todos os casos e é nesse ponto que os linguistas questionam, pois para eles, dizer que a inversão ocorre por ter como objetivo a ênfase é tão vago quanto problemático. Em suma, nosso objetivo é mostrar que a língua portuguesa não apresenta construções apenas SVO e sim, que podemos encontrar vários tipos de orações com a ordem invertida, ou seja, a ordem SVO pode sofrer alterações dependendo do contexto. Para compreendermos o emprego da ordem SV e sua inversão no português, selecionamos algumas sentenças extraídas de um corpus organizado com contos escritos em português brasileiro e com base nele apresentamos algumas análises de sentenças em que ocorre tanto a ordem sujeito- verbo, quanto a sua inversão para entendermos o motivo da mudança dos constituintes e também, se a mudança de ordem modifica ou não o sentido da frase. PALAVRAS-CHAVE: Ordem dos constituintes. Português do Brasil. Funcionalismo.

ABSTRACT: The Portuguese in Brazil has mainly two predominant placement of orders subject and verb in prayer: SV (subject-verb) and VS (verb-subject). This paper aims to describe, through a quantitative survey, the characteristics of the two orders mentioned above, in order to point out differences and / or similarities between them. The Traditional Grammar reveals that the prevalence occurs in the SV order, while the VS order remains more restricted and explains that cases of reverse aim to emphasize a constituent of the sentence, on the other hand, linguists say that this explanation is flawed. According to (BERLINK, AUGUSTO and SCHER, 2004), explaining the grammarians is not satisfactory to justify all cases and that's where linguists question because for them, saying that the inversion occurs by having as its goal the emphasis is as vague as problematic. In short, our goal is to show that the Portuguese language has no buildings only SVO and yes, we can find various types of prayers with the reverse order, ie the SVO order may change depending on the context. To understand the use of SV order and its inversion in Portuguese, we selected a few sentences extracted from a

1 Graduanda do oitavo período do curso de Licenciatura em Letras Português/Inglês pela Universidade

Federal do Triângulo Mineiro. Email: [email protected] ² Graduanda do oitavo período do curso de Licenciatura em Letras Português/Espanhol pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro. Email: [email protected]

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corpus organized with tales written in Brazilian Portuguese and based on it are some sentences analysis that is both subject-verb order, as its inversion to understand the reason for the change of the constituents and also, if the change order modifies or not the sense of the phrase. KEYWORDS: Order of constituents. Portuguese of Brazil. Functionalism.

1 INTRODUÇÃO

A Gramática Tradicional considera a ordem sujeito-verbo como sendo a mais

recorrente no Português do Brasil, enquanto a ordem inversa (verbo-sujeito) ocorre por uma

questão de recurso estilístico, pois os gramáticos explicam que a inversão acontece com o

objetivo de ênfase em algum constituinte da frase.

De acordo com (Berlink, Augusto e Scher, 2004) para os gramáticos a inversão ocorre

com maior frequência nas orações interrogativas, reduzidas e exclamativas, em verbos

intransitivos e verbos dicendi(são os verbos que introduzem a fala das pessoas) e também a

própria natureza do elemento deslocado permitem essa inversão, como o sujeito oracional,

adjunto adverbial e predicativo.

Mas, segundo os autores, essa explicação não é satisfatória para explicar todos os

casos e é nesse ponto que os linguistas questionam, pois para eles, dizer que a inversão ocorre

por ter como objetivo a ênfase é tão vago quanto problemático. A crítica dos linguistas se

baseia no fato de que as ocorrências de inversão são comuns, sendo assim, se fosse apenas por

questão de enfatizar não ocorreria com frequência.

Os linguistas também questionam: Por que a inversão (VS) se restringe apenas para

esse tipo de oração ou verbos já que ela é considerada apenas um recurso estilístico? Ou seja,

para eles deveria ser uma possibilidade que se encaixaria em qualquer tipo de frase e verbo.

Outro ponto em que os três autores questionam é a confusão que se pode fazer ao procurar o

elemento na frase em que se está querendo enfatizar e também se existe a possibilidade de

enfatizar dois elementos diferentes em uma mesma frase.

Berlink, Augusto e Scher citam um exemplo em que a confusão do elemento

enfatizado acontece: “Na festa vieram o Manuelzão e o Augusto Matraga”, ou seja, não há

uma certeza se é o sujeito posposto (Manuelzão e o Augusto Matraga) ou o adjunto adverbial

anteposto (Na festa) que está sendo enfatizado. Enfim, questões como essas a gramática deixa

sem explicação.

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Sendo assim, com tantas dúvidas e questionamentos, nos propomos a analisar em

alguns contextos a variação da ordem SV/VS a fim de entender os motivos da inversão da

ordem e também, sob uma perspectiva quantitativa, analisar em qual ordem há mais

ocorrência. Analisamos algumas sentenças do conto “O Gigante Egoísta” de Oscar Wilde.

2 ESTUDOS SOBRE A POSIÇÃO DE SUJEITO NA VISÃO DOS LINGUISTAS

De acordo com Ferrazeri Junior (2012), cada língua estabelece uma ordem sintática

padrão entre as partes da frase, e o nosso português brasileiro possui a ordem sujeito- verbo-

complemento, porém como o autor explica, não é uma regra que está proibida de sofrer

alterações, pelo contrário, pode ser alterada sempre que for preciso ou desejável, claro que

sempre mantendo a estrutura com sentidopara que não haja problema na interpretação.

Nesta seção, apresentamos estudos sobre a posição do sujeito nas orações, ou seja, se

ela se encontra na ordem sujeito-verbo ou na ordem inversa, verbo-sujeito, para tanto, nos

embasamos em algumas pesquisas feitas por Berlinck (1988).

Berlinck (1988) argumenta que o Português do Brasil possui restrições em relação à

ordem V-SN, e o estudioso fala que a monoargumentalidade é indicada como um fator

favorável à ocorrência de V-SN, ou seja, há a presença da ordem inversa em verbos

intransitivos. E segundo a análise de LIRA (1982) em verbos transitivos não ocorre a presença

da ordem inversa, e Berlinckdiscute o pensamento da autora, o estudioso retoma a analise

funcionalista de Lira sobre o comportamento dos verbos transitivos. Para o autor, no

Português do Brasil o objeto não é obrigatório, o sujeito nulo pode acorrer e alguns pronomes

podendo atuar tanto como sujeito quanto como objeto, sendo assim, o sujeito posposto pode

causar uma ambiguidade no sentido da frase.

Em seu artigo “Ordem dos Termos em Português e a Topicalização”, Botelho

afirma que a modalidade escrita tem sido o principal instrumento de análises dos gramáticos,

talvez por isso tem-se a ideia de que a língua portuguesa é uma língua de ordem direta, pois o

uso da forma topicalizada na língua escrita é bastante comedido, e é muito comum nos textos

literários e orais.

Segundo o autor, atribui-se a um texto bem escrito a objetividade, a concisão, a

legibilidade, a correção e a obediência à norma-padrão, características importantes que dizem

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respeito à referenciação, no entanto é muito comum encontrarmos nos textos escritos e nos

textos orais situações de estruturas deslocadas de sua determinada ordem canônica.

Li e Thompson (Apud BOTELHO, 2010) apontam como principal característica da

topicalização um deslocamento ou uma inversão de termos dentro da oração. Nesse sentido

podemos citar a frase: “A baleia comeu o peixe”, em que temos um simples deslocamento do

termo “a baleia” que é suficiente para causar ambiguidade na oração: “Comeu o peixe a

baleia”, isto é, se mudarmos os dois sintagmas nominais de posição, teríamos uma troca de

sentido, pois poderíamos entender que o peixe comeu a baleia.

A inversão do sujeito com os verbos intransitivos não apresenta problemas dessa

ordem, como por exemplo, a seguinte frase: “A criança nasceu”, ou seja, se invertermos a

ordem continuará com o mesmo sentido “Nasceu a criança”. Talvez por isso haja uma

ocorrência maior de deslocamento do sujeito, constituindo uma nova ordem.

Em seu artigo “Uma abordagem funcionalista da ordem de palavras no português

falado”, Pezatti apresenta um enfoque funcionalista à questão da ordem sujeito verbo ou

verbo sujeito. Defende a ideia de que a adequação psicológica determina a maneira como as

expressões linguísticas são percebidas, interpretadas e reproduzidas.

Para DeLancey (1981) todas as línguas apresentam um tipo de mecanismo responsável

por marcar a importância da comunicação em uma determinada oração ou discurso. Tal fato

está relacionado a duas noções psicológicas: fluxo de atenção e ponto de vista. Esses

parâmetros são também utilizados a mecanismos linguísticos para indicar valores na sentença,

pois quando falamos de concordância verbal e ordem dos constituintes estamos na verdade

falando de fluxo de atenção e de ponto de vista linguístico.

O fluxo de atenção determina a ordem linear dos sintagmas nominais na sentença de

acordo com o interesse do falante. Este o apresentará na ordem que desejar para que o ouvinte

se atente mais a um termo que o falante considere importante. Segundo Pezatti, mecanismos

como a topicalização e alteração de voz são usados para controlar o fluxo de atenção.

Assim, podemos observar que há grande ocorrência de orações onde predominam as

estruturas verbo- sujeito e ou estruturas com termos deslocados para se obter ênfase. Podemos

afirmar que o português não é uma língua essencialmente de predominância sujeito- verbo, há

também o uso de estruturas com termos deslocados com o objetivo de enfatizar determinado

termo de acordo com o objetivo do locutor, que deseja chamar a atenção do leitor para um

determinado ponto na sentença.

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3 ESTUDOS SOBRE A POSIÇÃO DE SUJEITO NA VISÃO DOS GRAMÁTICOS

Perini (1995) afirma que a ordem inversa é um fenômeno bastante comum em

português e que a posposição do sujeito na oração define uma relação de correspondência,

destaca ainda que há casos em que não é possível a colocação do verbo após o sujeito. A

primeira restrição que o autor aponta é a presença de um objeto direto na oração, como por

exemplo, não se pode pospor o sujeito na oração: “Comprou um carro Carlos”. Perini fala

também sobre a impossibilidade de pospor o sujeito na oração: “Está Sônia onde?” e explica

que a anteposição do elemento “onde” deve acontecer para que seja possível, assim ficaria:

“Onde está Sônia?”.

Para Borba (1979) gramática diz respeito aos princípios de organização da língua,

constituindo um conjunto de regularidades subjacentes a que todo falante obedece quando usa

a língua. É uma hipótese sobre a competência linguística de seus falantes, e como qualquer

hipótese, deve ser testada quanto à clareza e explicitação e obedecer a determinadas condições

para ter validade. De posse dessas condições, pode-se saber que orientação terá a gramática.

Borba (1979) defende que o ponto de partida para compreender a linguagem é o

próprio falante, e consiste em descobrir o que ele sabe sobre a linguagem e a língua que usa.

Assim a gramática tem procurado construir gramáticas universais, que seriam o código verbal

utilizado pela comunidade humana para comunicação mútua herdada culturalmente e não

inventadas, e gramáticas particulares, que são construídas a partir da teoria geral que procura

construir modelos explicativos da competência do falante nativo.

O estudioso explica ainda que os componentes de uma oração bem como os

expedientes que lhe são próprios, manifestam-se numa ordem natural, de acordo com as

exigências do pensamento. Qualquer perturbação nessa ordem natural causa irregularidades

gramaticais rotuladas como figuras porque servem como ornamento do discurso. O autor

explica esse fenômeno apontando dois tipos de sintaxe: regular e irregular. A primeira tenta

explicar a estrutura oracional através das estruturas do pensamento e do juízo, e a faz se

aproximar dessa estrutura que em seu estudo chama de Sujeito + predicado. A segunda

procura determinar todos os fatores psicológicos que alteram a organização lógica e “normal”

da frase.

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“Apesar das falhas, essa sintaxe “tradicional” esteio de nossas gramáticas escolares, teve um certo lastro de observações pertinentes quer no plano psicológico, quer no plano semântico, e até no fonético. Já é um tipo de orientação estrutural conceber a frase como proposta de “partes” relacionadas. Muitos problemas sintáticos relevantes foram levantados por essa orientação teórica, embora com solução adiada por falta de observação direta dos fatos lingüísticos.” (BORBA, p.51)

Assim, podemos perceber que a sintaxe “tradicional” é o norte das gramáticas

tradicionais e nas estruturas das frases uma palavra deve estar conectada a outra, como no

exemplo: “Eu comprei uma moto”. Nesse exemplo podemos perceber que comprei está ligado

a Eu e uma moto está ligada a comprei. Obedecendo assim uma ordem linear.

Para Bechara, na Moderna Gramática Portuguesa, a ordem trata da “maneira de

dispor os termos dentro da oração e a oração dentro do período” (BECHARA, 2014 p.581).

Assim a ordem mais comum em português, segundo esse autor, é “a colocação do verbo

depois do sujeito, não havendo passiva com o pronome se ou quando não se trata de

interrogação parcial com pronome não sujeito ou advérbio interrogativo” (BECHARA, 2014

p.582).

Para esse autor, esse caso de colocação usual “nos leva a uma ordem considerada

direta, usual, que consiste em enunciar, no rosto da oração, o sujeito, depois o verbo, e em

seguida, os seus complementos”. (BECHARA, 2014 p.182).

O gramático explica que se a ordem não se encontra nessa estrutura, se diz inversa ou

ocasional, como por exemplo, “A casa de flores, eu visitei ontem”. Porém, há casos em que a

colocação pode chegar a prejudicar a clareza de sentido da frase e Bechara explica que nesses

casos há um hipérbato, como exemplo: “A banda tocava uma música horrorosa” – “Uma

música tocava a banda horrorosa”, ou seja, há uma inversão as palavras da oração,

modificando assim, o sentido da frase passando a ter outro diferente.

Quando essa deslocação cria a ambiguidade, alguns autores dão o nome de sínquise.

Assim, se faz importante o conhecimento de mundo ou o contexto em que a oração está

inserida, pois se pode interpretar que a música ou a banda é horrorosa.

Contudo, a língua portuguesa conta com verbos em que o deslocamento ou a inversão

de termos não cria duplo sentido e, por isso mesmo, outras ordens dos termos são possíveis e

até mesmo preferidas. É o caso de: Parecia chegar do nada o frio! Nesse caso, a mudança de

ordem constitui ênfase.

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Bechara atribui a essa ordem inversa um afastamento da norma e pode adquirir efeito

estilístico, chamando a atenção para um determinado termo oracional.

Cunha e Cintra (2007), em Nova Gramática do Português Contemporâneo também

afirmam a predominância da ordem direta, ou seja, na sequência: sujeito + verbo+ objeto

direto + objeto indireto ou sujeito + verbo+ predicativo.

Segundo os gramáticos, essa preferência é mais comum nas frases enunciativas ou

declarativas e o predomínio da ordem direta não faz das inversões (verbo + sujeito) algo

pouco usual. Ao contrário, segundo eles há certas inversões que se consagraram e se tornaram

para nós uma exigência gramatical.

A ênfase é citada pelos gramáticos como o principal fator que concorrem para alterar a

ordem dos termos de uma oração. Na gramática é feito um levantamento exaustivo dos

motivos que podem levar à inversão concreta VS (Verbo+Sujeito), elencando situações onde

é mais comum encontrar as inversões, os exemplos a seguir de 1 a 11 são explicados e

adaptados da Nova Gramática do Português de Cunha e Cintra (2007):

Nas orações interrogativas:

1- Onde vai você a essa hora?

Nas orações que contém uma forma verbal imperativa:

2- Pense você se isso é possível.

Nas orações em que o verbo está na passiva pronominal:

3- Faz-se luzes nos cabelos.

Nas orações absolutas construídas com o verbo no subjuntivo para denotar uma

ordem, um desejo:

4- Que venha o hexa na copa de 2014.

Nas orações construídas com verbos do tipo dizer, sugerir, perguntar, responder e

sinônimos que arrematam enunciados em DISCURSO DIRETO ou neles se inserem:

5- Não acredito no que diz, protestou Mariana.

Nas orações reduzidas de infinitivo, de gerúndio e de particípio:

6- Terminada a confusão, voltaram todos ao trabalho.

Nas orações subordinadas adverbiais condicionais construídas sem conjunção:

7- Tivesse eu obedecido, não estaria assim agora.

Em certas construções com verbos unipessoais:

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8- Cumpre trabalharmos bastante.

Nas orações que se iniciam pelo predicativo, pelo objeto (direto ou indireto) ou por

adjunto adverbial:

9- Este é o melhor dia da minha vida!

É comum a inversão também nas orações substantiva subjetiva, pois essas se colocam

normalmente depois do verbo da principal:

10- É preciso que tome direito os remédios.

Os verbos intransitivos também podem vir antepostos ao seu sujeito.

11- Voltaram a ser fortes e vigorosos.

Cegallaa, em Novíssima Gramática da Língua Portuguesa, acrescenta dois casos

em que se pospõe o sujeito ao verbo, além desses citados na Nova Gramática do Português

contemporâneo em que se pospõe o sujeito ao verbo, que são:

Em orações adverbiais reduzidas de particípio ou de gerúndio.

12- “De manhã, acabado o almoço, a cólera estourou.”

Em certas frases exclamativas.

13- Como são belas aquelas palmeiras!”

E em orações interferentes.

14- “É falso, interrompeu o presidente.”

Embasados nos gramáticos Bechara e Cunha e Cintra, citados acima, é possível

percebermos que as construções em que aparecea ordem canônica inversa (VS), são bastante

comuns e não pode ser designada apenas para estilizar ou para destacar um verbo na oração.

Como já foi dito, a análise da ordem sujeito- verbo e sua inversão podem ser

analisados por meio de noções gramaticais e por meio de conceitos funcionalistas. Para se

entender o que cada linha defende procuramos explicá-las e compararmos os dois aspectos de

ordem para percebermos as diferenças.

4 AS DUAS CORRENTES LINGUÍSTICAS DA SINTAXE: A FORMALISTA E A

FUNCIONALISTA

Segundo Berlinck, Augusto e Scher (2004) a visão formalista se preocupa com os

estudos das características internas à língua, ou seja, analisa o aspecto formal de uma frase.

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Sendo assim, não há uma preocupação com o contexto (situação comunicativa) em que a

língua está inserida.

Os estudiosos destacam que Chomsky adota uma perspectiva formalista, partindo do

princípio de que a língua é um sistema de conhecimentos interiorizados na mente humana. No

texto “O estudo da Gramática” de Mioto, Silva e Lopez (2000) podemos entender mais a

fundo as concepções gerativistas de Noam Chomsky.Os autores discorrem a respeito das

definições de competência e desempenho propostos por Chomsky, as quais explicam como se

constitui a aquisição da linguagem. A primeira é o conhecimento que o falante tem da sua

língua, que o permite perceber quais sentenças são gramaticais ou agramaticais, ou seja,

sentenças que pertencem ou não a uma dada língua, e a segunda ocorre quando o falante

coloca em uso a competência para produzir as sentenças que ele fala.

Para os autores, Chomsky afirma que o homem possui em seu aparato genético a

linguagem, ou seja, o ser humano já nasce com certo tipo de linguagem internalizada.

Chomsky chama esse aparato de linguagens presente no cérebro de Gramática Universal, ou

seja, o estágio inicial de um falante que está adquirindo uma língua.

Percebemos assim, que a função formalista da língua estará ligada ao gerativismo de

Chomsky, pois, o trabalho com a sentença acontece apenas com a sintaxe, com a estrutura,

enquanto o contexto em que ela está inserida não é analisado. Assim como ressaltam os

autores:

“Essa corrente do pensamento linguístico se dedica a questões relacionadas à estrutura linguística, sem se voltar especialmente para as relações entra a língua e o contexto (situação comunicativa) em que se insere. Em outras palavras, para os pesquisadores que seguem essa via de análise, a linguagem ou, mais especificamente, a sintaxe deve ser examinada como um objeto autônomo.” (Berlinck; Augusto; Scher, p. 210, 2004)

Enquanto a visão formalista, segundos os autores Berlinck, Augusto e Scher (2004) vê

a linguagem como um sistema não-autônomo, que nasce da necessidade de comunicação entre

os membros de uma comunidade, ou seja, na análise funcionalista é preciso ir além dos

limites da sentença, não é como na formalista que se analisa apenas a estrutura. Sendo assim,

para os funcionalistas só é possível compreender a sintaxe olhando também o contexto em

que a sentença está inserida.

Para esses estudiosos, o importante é a relação entre linguagem e o seu uso, assim

como defende os autores:

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“A abordagem funcionalista vê a linguagem como um sistema não-autônomo, que nasce da necessidade de comunicação entre os membros de uma comunidade, que está sujeito ás limitações impostos pela capacidade humana de adquirir e processar o conhecimento e que está continuamente se modificando para cumprir novas necessidades comunicativas.” (Berlinck; Augusto; Scher, p. 211, 2004)

Percebemos, então, que nessa segunda visão a linguagem não é autônoma, pois ela

precisa de um contexto para ser analisada. Estudaremos as duas abordagens analisando as

sentenças que utilizamos em nosso corpus.

5 A ANÁLISE SOB AS DUAS PERSPECTIVAS: FORMALISTA E FUNCIONALISTA

No capítulo de Berlinck, Augusto e Scher (2004) presente no livro “Introdução à

linguística: domínios e fronteiras” de Anna Christina BenteMussalimencontramos as análises

que cada corrente faz das ordens dos constituintes na sentença. Veremos as diferenças entre

elas percebendo que a ordem dos constituintes pelo funcionalismo se encontra em diferentes

maneiras, pois não possui uma regra específica, assim como fala os autores “não há uma

ordem primeira, básica, da qual todas as demais derivam, mas sim a coexistência de várias

construções”.

Segundo os autores, quando se fala de uma análise formalista ou análise sob a

perspectiva gerativista, a ordem dos itens de uma sentença obedece a uma competência do

falante em organizar estruturalmente os constituintes, pois como já foi explicado, a teoria

gerativistavê a linguagem como uma dotação genética, ou seja, o ser humano vem equipado

com uma Gramática Universal e na análise formalista fala-se de uma hierarquia nos

constituintes sintáticos que se organizam na sentença.

Enquanto na análise funcionalista, os estudiosos afirmam que há uma alternativa de

ordenação dos constituintes da sentença e que não há uma hierarquia como na visão

formalista. Berlinck, Augusto e Scher (2004) explicam ainda:

“Concebe-se que os elementos constitutivos da sentença podem ser ordenados segundo diversos padrões, gramaticalmente equivalestes. Não há uma ordem primeira, básica, da qual todas as demais deveriam, mas sim a coexistência de várias construções.”

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Borba (2003) fala sobre essa mudança de constituintes nas sentenças: “Quando

falamos, transformamos a ordem estrutural em ordem linear e quando ouvimos, operamos em

sentido inverso. A ordem linear está sempre sujeita aos objetivos imediatos da comunicação:

as unidades se arrumam segundo os interesses do falante ou até segundo a própria

mentalização do que se quer comunicar.”

6 METODLOGIA

Neste estudo, propomo-nos a analisar a variação da ordem SV/VS e sob uma

perspectiva quantitativa, analisar em qual ordem há mais ocorrência.

A pesquisa deu-se através de uma investigação bibliográfica, em que buscamos

entender os motivos da inversão da ordem VS. Para isso ancoramo-nos em estudiosos da

língua como: Borba (1979), Bechara (2014), Cunha e Cintra (2007), Berlinck, Augusto e

Scher (2004), Berlinck (1988), Ferrazeri Junior (2012), Perini (1995) e outros.

Após a leitura dos autores citados acima, optamos por fazer a análise do conto “O

Gigante Egoísta”, de Oscar Wilde. A partir da leitura do conto, buscamos analisar a

ocorrência da ordem SV/ VS nas seguintes frases:

15- Os pássaros pousavam nas árvores e cantavam tão docemente que as crianças

costumavam parar de brincar para ouvi-los.

16- Ele tinha andado visitando seu amigo, o ogre da Cornualha, e ficara sete anos com

ele.

17- Nós não sabemos.

18- Como eu gostaria de vê-lo!

19- Aqui e ali, sobre a grama, apareciam flores belas como estrelas.

20- Sobe logo, menino! – dizia a Árvore, curvando os ramos o mais que podia.

21- Mas onde está seu companheirinho?

22- Nas palmas das mãos da criança estavam as marcas de dois pregos.

23-... Havia doze pessegueiros que, na primavera, abriam-se em flores delicadas em

tons de rosa e pérola...

24- Então chegou a Primavera...

25-... E por todo o país apareceram pequenas flores e pequenos pássaros.

26- Em todas as árvores que ele conseguia ver havia uma criança.

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27- Nas palmas das mãos da criança estavam as marcas de dois pregos.

Logo escolhemos as frases, buscamos analisá-las e relacioná-las com a teoria estudada

pelos linguistas e pelos gramáticos. Após reflexões ao longo das sentenças analisadas,

computamos o número de ocorrências de ordens SV/ VS a fim de verificarmos qual ordem

prevalecia, assim como investigar as causas dessa ocorrência e, principalmente, observar qual

o tipo de oração em que ocorre a inversão, considerando o aspecto de topicalização como uma

característica natural da língua.

7 ANÁLISES

Com base no conto “O Gigante Egoísta” de Oscar Wilde apresentaremos algumas

análises de sentenças em que ocorre tanto a ordem sujeito- verbo, quanto a sua inversão para

entendermos o motivo da mudança dos constituintes e também, se a mudança de ordem

modifica ou não o sentido da frase.

Vejamos as seguintes sentenças:

28- Os pássaros pousavam nas árvores e cantavam tão docemente que as crianças

costumavam parar de brincar para ouvi-los.

29- Ele tinha andado visitando seu amigo, o ogre da Cornualha, e ficara sete anos com

ele.

30- Nós não sabemos.

31- Como eu gostaria de vê-lo!

32- Aqui e ali, sobre a grama, apareciam flores belas como estrelas

33- Sobe logo, menino! – dizia a Árvore, curvando os ramos o mais que podia.

34- Mas onde está seu companheirinho?

35- Nas palmas das mãos da criança estavam as marcas de dois pregos.

36-... Havia doze pessegueiros que, na primavera, abriam-se em flores delicadas em

tons de rosa e pérola...

37- Então chegou a Primavera...

38-... E por todo o país apareceram pequenas flores e pequenos pássaros.

39- Em todas as árvores que ele conseguia ver havia uma criança.

40- Nas palmas das mãos da criança estavam as marcas de dois pregos.

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Nos termos acima podemos perceber a ocorrência de ordem sujeito- verbo nas

sentenças (28), (29), (30) e (31), enquanto nas sentenças (32), (33), (34) (35), (36), (37), (38),

(39) e (40) temos a ordem inversa (verbo-sujeito). Observamos uma ordem linear nas quatro

primeiras sentenças que obedecem a uma organização estrutural dos constituintes, ou seja, há

nessas frases uma ordem natural dos constituintes onde um elemento está ligado ao outro

(Sujeito + Verbo + Objeto).

A sentença (28) poderia sofrer a inversão da ordem sem perder o sentido da frase,

continuando assim, a ser uma sentença gramatical. Observamos o exemplo:

41- As crianças costumavam parar de brincar para ouvir os pássaros que pousavam nas

árvores e cantavam tão docemente.

O que não acontece com as sentenças (29), (30) e (31), pois identificamos certo

estranhamento no sentido:

42- Andado visitando seu amigo ele tinha, o ogre da Cornualha, e ficara sete anos com

ele.

43- Sabemos nós não.

44- Gostaria eu de vê-lo!

Devemos lembrar também nos casos em que ocorre a inversão da ordem natural

(SVC) que a gramática orienta que seja colocada vírgula, para marcar a pausa.

Na sentença (41) percebemos uma não marcação, pois encontramos uma ordenação

SVC em que não é preciso colocar vírgula, não exige pausa, aliás, é a ordem básica da língua.

Analisando as sentenças (32), (33), (34), (35), (36), (37), (38), (39) e (40) percebemos

mudanças segundo a ordem natural, ou seja, as sentenças apresentam uma ordem verbo-

sujeito.

Vimos que a Gramática Tradicional defende que a ordem inversa (verbo-sujeito)

ocorre por uma questão de recurso estilístico, pois os gramáticos explicam que a inversão

acontece com o objetivo de ênfase em algum constituinte da frase e que ela ocorre com maior

frequência nas orações interrogativas, reduzidas e exclamativas, em verbos intransitivos e

verbos dicendi.

Porém, ao analisarmos os casos em que ocorre o sujeito posposto, percebemos que a

inversão aparece em vários tipos de orações, assim como citamos os autores Berlink, Augusto

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e Scher (2004) que defendem as ocorrências de inversão como sendo comuns e que afirmam

que ela ocorre com freqüência.

Nos exemplos que selecionamos, a inversão está presente em cinco orações com

verbos bivalentes, ou seja, que precisam de dois complementos, (32, 34, 35, 38 e 40).

Encontramos também três casos de inversão nas orações com verbos monovalentes, isto é,

que pede apenas um complemento (36, 37 e 39) e na oração com o verbo na forma imperativa

encontramos um caso (34). Observamos também nessas sentenças analisadas que a inversão

da ordem está presente principalmente nas orações com verbos transitivos indiretos.

Na sentença “... havia doze pessegueiros que, na primavera, abriam-se em flores

delicadas em tons de rosa e pérola..." é preciso ressaltar que há muitos casos de problemas na

concordância verbal quando o sujeito está posposto, pois o verbo "haver" fica invariável,

sendo assim, ele não concorda com o sujeito.

Percebe-se então, que a língua portuguesa possui outros tipos de verbos em que a

inversão ocorre. Essa posposição muitas vezes acontece quando se deseja dar preferência a

uma sequência na frase, isto é, enfatizar. Podemos pensar no exemplo 35: “Nas palmas das

mãos da criança estavam as marcas de dois pregos” em que o autor pretende reforçar que as

marcas de dois pregos estavam nas palmas das mãos da criança e não em outra parte do corpo.

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Analisamos algumas ocorrências no conto “O Gigante Egoísta” a fim de comparar a

ordem dos constituintes nas sentenças. Percebemos que há uma quantidade maior de frases

em que a ordem dos constituintes se encontra em sujeito- verbo, e quanto à ordem inversa,

não há muitos casos.

Percebemos que ao pensar na frase com a ordem dos constituintes invertida, pode

haver uma perda de sentido na frase. Para que isso não ocorra é necessário fazer as

adequações na sentença.

Em suma, nosso objetivo é mostrar que a língua portuguesa não apresenta construções

apenas SVO e sim, que podemos encontrar vários tipos de orações com a ordem invertida, ou

seja, a ordem SVO pode sofrer alterações dependendo do contexto. Assim como Berlinck,

Augusto e Scher (2004) afirmam: “Também a ordem VSO é autorizada como uma

possibilidade de ordenação pelos gramáticos”.

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9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Janeiro: Lucerna, 2009.

BERLINCK, R. A.; AUGUSTO, M. R. A.; SCHER, A. P. Sintaxe. In: MUSSALIM,

Fernanda; BENTES, Anna Christina (Orgs.). Introdução à linguística: domínios e

fronteiras. V.1, 4. ed. São Paulo: Cortez, 2004.

BERLINCK, R de A.A ordem V SN no português do Brasil: sincronia e

diacronia. Campinas, UNICAMP, 1988. Dissertação de mestrado.

BORBA, Francisco S. Introdução aos estudos lingüísticos. 13ª Ed. Campinas, SP: Pontes

Editores, 2003, Francisco S. Teoria sintática. São Paulo, SP: Edusp. 1979.

BOTELHO, José Mario. A Ordem dos Termos em Português e a Topicalização.

Disponível em: http://www.filologia.org.br/revista/47/03.pdfacesso em: 13 ju. 2014.

CEGALLA, Domingos Paschoal. Novíssima Gramática da Língua Portuguesa. 48. ed. São

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CUNHA, C. e CINTRA, L. A Nova Gramática do Português Contemporâneo. 3ª edição.

Lexikon: Rio de Janeiro, 2007.

FERRAREZI JUNIOR, C. Sintaxe para a Educação Básica: com sugestões didáticas,

exercícios e respostas. 1. ed. São Paulo: Editora Contexto, 2012. v. 3000. 176p .

LIRA, Solange. 1982. Nominal, pronominal and zero subjects in BrazilianPortuguese.

UniversityofPennsilvaniaPh.D. dissertation.

MUSSALIM; Fernanda. BENTES; Anna Christina. Introdução à lingüística: domínios e

fronteiras. 4° Ed. São Paulo: Cortes, 2004.

PERINI, M. A. .Gramatica Descritiva do Português. São Paulo: Ática, 1995. 380p .

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PEZATTI, ErotildeGoreti. Uma abordagem funcionalista da ordem de palavras no

português falado. Disponível em: http://seer.fclar.unesp.br/alfa/article/viewFile/3955/3630.

Acesso em: 13 jul. 2014.

WILD, Oscar. O Gigante Egoísta. Disponível em: http://kavorka.wordpress.com/simao-o-

cireneu-oscar-wilde/o-gigante-egoista/. Acesso em: 27 mai. 2014.

10 ANEXO

O GIGANTE EGOISTA

Oscar Wilde

Todas as tardes, ao saírem do colégio, as crianças costumavam a ir brincar no jardim do

Gigante. Era um jardim lindo e grande, com grama verde e suave. Aqui e ali, sobre a grama,

apareciam flores belas como estrelas, e havia doze pessegueiros que, na primavera, abriam-se

em flores delicadas em tons de rosa e pérola, e davam ricos frutos no outono. Os pássaros

pousavam nas árvores e cantavam tão docemente que as crianças costumavam parar de

brincar para ouvi-los.

- Como nos sentimos felizes aqui! - exclamavam elas.

Certo dia ele voltou. Ele tinha andado visitando seu amigo, o ogre da Cornualha, e ficara sete

anos com ele. Depois de sete anos ele já havia dito tudo que tinha o que não tinha para dizer,

já que sua conversa era limitada, e resolveu voltar para seu próprio castelo. Ao chegar, ele viu

as crianças brincando no jardim.

- O que é que vocês estão fazendo aqui? - gritou ele com uma voz muito ríspida, e as crianças

saíram correndo.

- O meu jardim é meu jardim - disse o Gigante. - Qualquer um pode compreender isso. Eu não

vou permitir que ninguém brinque nele, a não ser eu mesmo.

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De modo que ele construiu um muro alto em torno do jardim e colocou um cartaz de aviso.

OS INVASORES SERÃO PROCESSADOS!

Ele era um Gigante muito egoísta.

As pobres crianças agora não tinham mais onde brincar. Elas tentaram brincar na estrada, mas

a estrada era muito poeirenta e cheia de pedras duras, e eles não gostavam. Começaram a

passear em torno do muro depois das aulas, conversando sobre o lindo jardim que ficava lá

dentro. "Como éramos felizes lá!", diziam uma ás outras.

Então chegou a Primavera, e por todo o país apareceram pequenas flores e pequenos pássaros.

Só no jardim do Gigante Egoísta é que continuava a ser inverno. Os passarinhos não

gostavam de cantar lá, porque não havia crianças, e as árvores se esqueceram de florescer.

Uma vez uma flor bonita chegou a brotar, mas ao ver o cartaz de aviso ficou com tanta pena

das crianças que se enfiou de volta no chão e adormeceu. Os únicos que estavam contentes

eram a Neve e o Gelo.

- A Primavera se esqueceu deste jardim - eles exclamaram -, de modo que podemos viver aqui

o ano inteiro.

A neve cobriu toda a grama com seu manto branco, e o Gelo pintou todas as árvores

de prata. Eles convidaram o Vento do Norte para se hospedar com eles, e ele veio. Todo

enrolado em peles, rugia o dia inteiro pelo jardim, derrubando as chaminés com seu sopro.

- Este lugar é ótimo - disse ele. - Nós precisamos convidar o Granizo para vir fazer uma visita.

E o Granizo apareceu. Todos os dias, durante três horas, ele matracava no telhado do castelo

até quebrar quase todas as telhas, e depois corria, dando voltas pelo jardim o mais depressa

que podia. Sempre vestido de cinza, soprava gelo para todo lado.

- Não entendo porque as Primavera está demorando tanto a chegar! - disse o Gigante Egoísta,

sentado junto à janela e olhando para seu jardim frio e branco. - Espero que o tempo mude

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logo.

Mas a Primavera não apareceu, nem o Verão. O Outono trouxe frutos dourados para todos os

jardins, mas nenhum para o do Gigante.

- Ele é muito egoísta - disse o Outono.

De modo que ali ficou sendo sempre inverno, e o Vento Norte e o Granizo, a Neve e o Gelo

dançavam em meio às árvores. Certa manhã, o Gigante estava deitado, acordado, na cama,

quando ouviu uma música linda Soava com tal doçura em seus ouvidos que ele até pensou

que deviam ser os músicos do Rei que passavam. Na realidade era apenas um pequeno

pintarroxo cantando do lado de fora de sua janela, mas já fazia tanto tempo que ele não ouvia

um só passarinho em seu jardim que aquela parecia ser a música mais bonita do mudo. E

então o Granizo parou de dançar sobre a cabeça dele, e o Vento do Norte parou de rugir, e um

perfume delicioso chegou até ele, através da janela aberta.

- Acho que finalmente a Primavera chegou - disse o Gigante. - E, pulando da cama, olhou par

fora.

O que ele viu?

A visão mais bonita que se possa imaginar. Por um buraquinho no muro as crianças haviam

conseguido entrar, e estavam todas sentadas nos ramos das árvores. Em todas as árvores que

ele conseguia ver havia uma criança. E as árvores estavam tão contentes de terem as crianças

de volta que se cobriram de flores, balançando delicadamente os galhos, por cima da cabeça

da meninada. Os passarinhos voavam de um lado para outro, chilreando de prazer, e as flores

espiavam e riam. Era uma cena linda, e só em um canto é que continuava as ser inverno. Era o

canto mais distante do jardim, e nele estava de pé um menininho. Ele era tão pequeno que não

conseguia alcançar os ramos da árvore, e ficou andando em volta dela, chorando, muito

sentido. A pobre árvore continuava coberta de neve e de gelo, e o Vento do Norte soprava e

rugia acima dela.

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- Sobe logo, menino! - dizia a Árvore, curvando os ramos o mais que podia. Mas o menino

era pequeno de mais.

E o coração do Gigante se derreteu quando ele olhou lá para fora.

- Como eu tenho sido egoísta! - disse ele. - Agora já sei porque a Primavera não aparecia por

aqui. Eu vou colocar aquele menininho em cima daquela árvore, depois vou derrubar o muro,

e meu jardim será um lugar onde as crianças poderão brincar para sempre e sempre.

Ele estava realmente arrependido do que tinha feito. E assim, desceu a escada, abriu a porta da

frente com toa a delicadeza, e saiu para o jardim. Mas quando as crianças o viram ficaram tão

assustadas que fugiram, e o inverno voltou ao jardim. Só o menininho pequeno é que não

fugiu, porque seus olhos estavam marejados de lágrimas e não viu o Gigante chegar. E o

Gigante aproximou-se de mansinho por trás dele, pegou delicadamente em sua mão e o

colocou em cima da árvore. A árvore imediatamente floresceu, e os passarinhos vieram cantar

nela; e o meniniho esticou os braços, passou-os em torno do pescoço do Gigante e o beijou.

Quando viram eu o Gigante não era mais mau, as outras crianças voltaram correndo, e com

elas veio a Primavera.

- Agora o jardim é de vocês, crianças - disse o Gigante. E pegando um imenso machado,

derrubou o muro. Quando toda a gente começava a iro para o mercado, ao meio-dia, lá estava

o Gigante brincando com as crianças no jardim mais bonito que todos já haviam visto.

Elas brincavam o dia inteiro, mas quando chegava a noite despediam-se do Gigante.

- Mas onde está seu companheirinho? - perguntou ele. - O menino que eu botei em cima da

árvore.

O Gigante gostava dele mais do que de todos os outros, porque ele lhe havia dado um beijo.

- Nós não sabemos - responderam as crianças. - Ele foi embora.

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- Vocês têm de dizer a ele par anão deixar de vir aqui amanhã - disse o Gigante.

Mas as crianças disseram que não sabiam onde ele morava, e que jamais o haviam visto antes.

O Gigante ficou muito triste.

Todas as tardes, quando acabavam as aulas, as crianças iam brincar como Gigante. Mas o

menininho de quem o Gigante gostava nunca mais apareceu. O Gigante era muito bondoso

com todas as crianças, mas sentia saudades de seu primeiro amiguinho, e muitas vezes falava

nele.

- Como eu gostaria de vê-lo! - costumava dizer.

Os anos se passaram, e o Gigante ficou mais velho e fraco. Ele já não conseguia brincar

direito, e então ficava sentado em uma poltrona enorme, olhando as crianças que brincavam e

admirando seu jardim.

- Tenho tantas flores lindas - dizia ele -, ma as crianças são as flores mais bonitas de todas.

Certa manhã de inverno, ele olhou pela janela enquanto se vestia. Agora já não odiava o

inverno, pois sabia que este era apenas a Primavera enquanto dormia, e que as flores estavam

descansando.

De repente ele esfregou os olhos, espantado, e olhou, e olhou, e olhou. Era por certo

uma visão maravilhosa. No cantinho mais distante do jardim havia uma árvore toda coberta de

flores brancas. Seus ramos eram dourados, carregados de frutos de prata, e debaixo deles

estavam o menininho que ela amava.

O Gigante correu pelas escadas, com a maior alegria, e saiu para o jardim. Cruzou depressa o

gramado e chegou perto do menino. E quando chegou bem perto, seu rosto ficou rubro de

raiva, e ele disse:

- Quem ousou te ferir?

Nas palmas das mãos da criança estavam as marcas de dois pregos, como m haviam marcas

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de dois pregos em seus pezinhos.

- Quem ousou te ferir? - gritou o Gigante. - Dize-me, para que eu possa tomar de minha

grande espada para matá-lo.

- Não - respondeu o menino -, pois essas são as feridas do Amor.

Quem és? - perguntou o Gigante, e quando o temor apossou-se dele, ajoelhou-se diante da

criança.

A criança sorriu para o Gigante e lhe disse:

- Você me deixou, certa vez, brincar em seu jardim, e hoje você irá comigo par ao meu jardim

que é o Paraíso.

Naquela tarde, quando as crianças chegaram correndo, encontraram o Gigante morto, deitado

debaixo da árvore, todo coberto por flores brancas.