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1 Reflexões sobre a abordagem de Sistema de Inovação Adriana Sbicca Fernandes 1. Introdução A dificuldade da teoria tradicional em explicar as diferentes taxas de crescimento das economias levou estudiosos a incorporarem elementos da dinâmica econômica. Na tentativa de entender como os países adquirem competitividade e percorrem períodos de desenvolvimento econômico, a partir da década de 1980 autores como Lundvall, Freeman e Nelson passaram a tratar dos sistemas de inovação (SI). De acordo com esta abordagem, a inovação é um fenômeno fundamental e inerente à economia e a competitividade das firmas ou economias nacionais reflete sua capacidade em engajar-se em atividades vinculadas à inovação. Esta é compreendida como um processo que envolve diversos atores e instituições, cujas interações geram importantes informações sobre os caminhos específicos de desenvolvimento tomados. A estrutura analítica do SI se difundiu a partir de então, passando inclusive a ser utilizada como base para formulação de políticas públicas. O presente texto tem início com um breve histórico sobre o surgimento da abordagem dos sistemas de inovação e a apresentação desta estrutura analítica juntamente com uma discussão sobre os principais conceitos relacionados ao tema. Em seguida, trata da utilização do sistema de inovação para análise empírica através de suas dimensões nacional, regional e setorial. Nesta parte são apresentados os sistemas nacionais de inovação (SNI) dos Estados Unidos, Japão e Brasil onde se busca apreender as diferenças em suas taxas de crescimento em diversos períodos da história e indicar fatores que parecem estimular a economia. Por fim, foca os SI como instrumento para políticas públicas. 2. Origens Teóricas A expressão “Sistema de Inovação” surgiu nos anos 80 e se difundiu com trabalhos como de Chris Freeman (1987) e Richard Nelson (1987;1988) 1 . Esta abordagem ganhou maior espaço no início dos anos 90 com a obra de Nelson (1993) que faz uma análise comparativa de sistemas nacionais de inovação (SNI) e com trabalhos mais teóricos que investigavam o conceito e o desenvolvimento da estrutura de análise do sistema de inovação como de Lundvall (1992). Desde então, tais autores passaram a ser referência nos trabalhos sobre SI e são amplamente citados pelos estudos posteriores neste campo. Idéias semelhantes a esta abordagem podem ser encontradas mais de um século antes no trabalho de Friedrich List. Ele criticou economistas clássicos, como Adam Smith, por darem atenção insuficiente à ciência, tecnologia e habilidades ao estudarem o 1 Freeman, C., Tecnology and economic performance: lessons from Japan , 1987; Nelson, R. Understanding technical change as an evolutionary process , 1987; Nelson, R. Institutions suporting technical changing in the United States , 1988.

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Reflexões sobre a abordagem de Sistema de Inovação

Adriana Sbicca Fernandes

1. Introdução

A dificuldade da teoria tradicional em explicar as diferentes taxas de crescimento

das economias levou estudiosos a incorporarem elementos da dinâmica econômica. Na tentativa de entender como os países adquirem competitividade e percorrem períodos de desenvolvimento econômico, a partir da década de 1980 autores como Lundvall, Freeman e Nelson passaram a tratar dos sistemas de inovação (SI). De acordo com esta abordagem, a inovação é um fenômeno fundamental e inerente à economia e a competitividade das firmas ou economias nacionais reflete sua capacidade em engajar-se em atividades vinculadas à inovação. Esta é compreendida como um processo que envolve diversos atores e instituições, cujas interações geram importantes informações sobre os caminhos específicos de desenvolvimento tomados. A estrutura analítica do SI se difundiu a partir de então, passando inclusive a ser utilizada como base para formulação de políticas públicas.

O presente texto tem início com um breve histórico sobre o surgimento da abordagem dos sistemas de inovação e a apresentação desta estrutura analítica juntamente com uma discussão sobre os principais conceitos relacionados ao tema. Em seguida, trata da utilização do sistema de inovação para análise empírica através de suas dimensões nacional, regional e setorial. Nesta parte são apresentados os sistemas nacionais de inovação (SNI) dos Estados Unidos, Japão e Brasil onde se busca apreender as diferenças em suas taxas de crescimento em diversos períodos da história e indicar fatores que parecem estimular a economia. Por fim, foca os SI como instrumento para políticas públicas.

2. Origens Teóricas A expressão “Sistema de Inovação” surgiu nos anos 80 e se difundiu com trabalhos como de Chris Freeman (1987) e Richard Nelson (1987;1988)1. Esta abordagem ganhou maior espaço no início dos anos 90 com a obra de Nelson (1993) que faz uma análise comparativa de sistemas nacionais de inovação (SNI) e com trabalhos mais teóricos que investigavam o conceito e o desenvolvimento da estrutura de análise do sistema de inovação como de Lundvall (1992). Desde então, tais autores passaram a ser referência nos trabalhos sobre SI e são amplamente citados pelos estudos posteriores neste campo.

Idéias semelhantes a esta abordagem podem ser encontradas mais de um século antes no trabalho de Friedrich List. Ele criticou economistas clássicos, como Adam Smith, por darem atenção insuficiente à ciência, tecnologia e habilidades ao estudarem o

1 Freeman, C., Tecnology and economic performance: lessons from Japan, 1987; Nelson, R. Understanding technical change as an evolutionary process, 1987; Nelson, R. Institutions suporting technical changing in the United States, 1988.

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crescimento das nações. Seu livro The National System of Political Economy (1841) poderia muito bem ser intitulado “The National System of Innovation”. List focava principalmente o problema de como a Alemanha poderia alcançar economicamente a Inglaterra. Ele advogava proteção à indústria nascente e foi esta parte de seu pensamento que mais permaneceu como legado de sua obra à economia moderna. Porém, List também propôs um amplo leque de políticas com objetivo de acelerar ou tornar possível a industrialização e o crescimento econômico. Dentre elas salientou a necessidade da responsabilidade governamental pela educação e treinamento e pela criação da infra-estrutura de suporte ao desenvolvimento industrial. Muitas destas políticas se referiam à aprendizagem de nova tecnologia e sua aplicação econômica. Ele claramente antecipou muitos elementos da abordagem contemporânea sobre sistema nacional de inovação (Freeman e Soete, 1997, p. 295). Para Freeman e Soete, foi graças a List que a Alemanha desenvolveu uma educação técnica de alta qualidade e um dos melhores sistemas de treinamento do mundo, elementos lembrados por diversos historiadores como um importante diferencial alemão que beneficiou a situação econômica do país ao longo de sua história. No entanto, a versão moderna de sistema de inovação não teve List como inspirador direto. Apenas depois do conceito ter surgido é que autores como Lundvall buscaram em List um precursor intelectual (Lundvall et al., 2001, p. 5).

O uso cada vez mais amplo do sistema de inovação pode ser percebido na incorporação deste por instituições contemporâneas que focam o desenvolvimento econômico como o Banco Mundial e a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Esta última, por exemplo, tradicionalmente considerava alterações técnicas e inovação como fortemente influenciadas pelo tipo de dado coletado nas atividades de P&D. Focava o sistema de P&D num sentido restrito sem levar em conta a complexidade do processo de aprendizado e incorporando apenas a tecnologia desenvolvida sem considerar as alterações da própria tecnologia decorrentes de sua produção, difusão e uso. Em 1988, a OCDE procurou compreender a importância da tecnologia na dinâmica econômica e lançou programas como o Programa Tecnologia/Economia (TEP) cujos resultados foram apresentados em Montreal em 1991 e davam um enfoque importante ao conceito de sistema nacional de inovação (Lundvall, 1995, p. 5).

3. Principais características da abordagem do sistema de inovação É possível apontar aspectos teóricos comuns da abordagem do sistema de inovação apesar da diversidade que pode ser observada na literatura sobre o tema. Dois elementos estão presentes nos trabalhos que utilizam esta estrutura analítica: i) a importância central da inovação como fonte do crescimento da produtividade e do bem-estar material e ii) a compreensão da inovação econômica como um processo complexo e dinâmico que envolve diversas instituições. Tais idéias muitas vezes são relacionadas ao pensamento evolucionista2, se bem que nem todos os autores deixam essa relação explícita.

Através do sistema de inovação, busca-se compreender como ocorre o processo onde emergem as inovações tecnológicas, tanto em relação ao surgimento e difusão dos 2 Edquist (1997, p. 7) sustenta que a origem dos sistemas de inovação está na teoria evolucionista. Já Cimoli e della Giusta (1998) e Andersen (1997) concordam com a coerência entre estas duas correntes e, de maneira geral, salientam esta compatibilidade ao tratarem de elementos importantes para ambas, por exemplo, o comportamento dos agentes, a especificidade histórica, e a multiplicidade de configurações institucionais.

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elementos do conhecimento como na transformação destes em novos produtos e processos de produção. A complexidade da dinâmica da inovação reside no fato de que ela não é assumida como um processo linear da pesquisa básica para a pesquisa aplicada e depois para o desenvolvimento e implementação na produção. Envolve mecanismos de feedback e relações interativas entre ciência, tecnologia, aprendizado, produção, política e demanda. Também esta abordagem transcende a cadeia de causa e efeito que se inicia com P&D e termina com o aumento da produtividade, mediada pela inovação e difusão. Pode até existir esta relação mas o enfoque apenas nela não captura, em geral, os determinantes da inovação de uma maneira satisfatória. O sistema é dinâmico e seus elementos reforçam-se mutuamente ou, ao contrário, combinam-se de tal modo que bloqueiam o processo de aprendizagem e inovação. Neste sentido podemos citar normas de saúde, leis de patentes e legislações que refletem posturas éticas da sociedade.

Diante desta complexidade, assume-se que a firma não inova de maneira isolada e, deste modo, não faz sentido observar a inovação como resultado apenas de decisões intra-firma. A abordagem da firma maximizadora de lucro não é adequada por vários motivos. Para salientar alguns podemos tratar da existência de diferentes instituições envolvidas, como universidades e laboratórios públicos de pesquisa, que não têm motivações da busca do lucro. E também a firma tem seu comportamento influenciado por instituições que constituem limites ou incentivos para inovação como leis, regulações de saúde, normas culturais, regras sociais e padrões técnicos. O processo de inovação envolve outros agentes além da firma como vendedores, competidores, produtores de insumos (incluindo conhecimento e financiamento) e também universidades, escolas, institutos de treinamento ou agências governamentais. Ainda as experiências de consumidores, trabalhadores, engenheiros de produção e representantes de venda podem influenciar a direção dos esforços de inovação.

A observação da inovação como um processo interativo que envolve diferentes atores leva à noção de sistema. Esta compreensão holística do processo de inovação pode ser melhor entendida quando focamos uma idéia presente na abordagem e reforçada por Lundvall (1995, p.2): aprendizagem como uma atividade social que envolve interação entre pessoas e que não se dá apenas através da educação formal e P&D. A inovação é influenciada pelo aprendizado que pode ocorrer através do aumento da eficiência das operações de produção (learning-by-doing), do aumento da eficiência do uso de sistemas complexos (learning-by-using) e do envolvimento entre usuários e produtores resultando em inovações de produto (learning-by-interacting). Porque a aprendizagem é predominantemente interativa e socialmente imersa, não pode ser compreendida sem o envolvimento de instituições e do contexto cultural. Neste sentido, a estrutura de análise do SI é sistêmica e interdisciplinar na medida em que inclui influência de fatores institucionais, sociais e políticos além dos econômicos.

A perspectiva histórica é uma característica do SI. A invenção técnica, sua transformação numa inovação economicamente importante e sua difusão ocorrem num intervalo de tempo longo. A inovação se desenvolve no tempo e a história é importante porque o processo é muitas vezes “dependente do caminho” (path dependent): pequenos eventos são reforçados e tornam-se crucialmente importantes num feedback positivo. Deste modo, o sistema de inovação como um todo desenvolve-se cumulativamente no tempo, ou seja, a possibilidade do desenvolvimento tecnológico de empresas ou países depende, em parte, de se dominar o ‘estado da arte’ das tecnologias já em uso. Esta característica do aprendizado técnico e sua combinação com a interdependência de instituições faz com que

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seja praticamente impossível encontrar um sistema que garanta permanentemente a inovação econômica. Instituições que estimulavam a inovação num período podem retardá-la num período posterior.

O enfoque na inovação como elemento central da dinâmica econômica e o objetivo de compreender como o processo de inovação se dá num ambiente complexo com interações entre diversos atores são elementos que caracterizam a abordagem do sistema de inovação. Existem, porém, diferenças no uso dessa estrutura analítica quanto ao significado, ênfase e uso de conceitos como se verá a seguir com relação ao entendimento acerca de inovação, instituição, sistema e, conseqüentemente, sistema de inovação.

4. Diversidade Conceitual Desde de Joseph Schumpeter, que procurou colocar no centro da análise econômica

a inovação, existe uma ampla discussão sobre este conceito. Ele referiu-se ao mesmo como uma nova combinação de fatores, ou seja, uma alteração na quantidade de produto decorrente da variação da quantidade de fatores. Neste caso, considerou a inovação como uma mudança descontínua (pois não se refere a novas combinações como ajuste contínuo mediante pequenas etapas) e cumulativa. Schumpeter refere-se, também, à ‘destruição criadora’ dando ênfase aqui às rupturas que podem ocorrer em relação ao passado. Esta idéia de descontinuidade pode ser aplicada não apenas à estrutura produtiva mas também à estrutura de organização e isto é uma origem de diversidade que influencia a abordagem do SI: faz diferença a inclusão, ou não, da inovação tecnológica, inovação de produto ou ainda inovação organizacional, sendo esta última mais negligenciada na literatura existente. Mas há bons motivos para incluí-la quando se pretende observar o crescimento e os efeitos do emprego da inovação. Edquist (1997, p.23-24) aponta três razões específicas para isto: i) as alterações organizacionais são importantes fontes de crescimento da produtividade e competitividade e podem influenciar fortemente o emprego, ii) alterações organizacionais e tecnológicas estão muito relacionadas e entrelaçadas no mundo real e as primeiras são muitas vezes necessárias para que as alterações tecnológicas ocorram com sucesso e iii) toda tecnologia é criada por seres humanos e neste sentido é ‘formada socialmente’ o que ocorre com uma estrutura de formas organizacionais específicas.

Outro contraste surge com o conceito de instituição. Apesar de sua influência central no SI, a interpretação dada a instituição nem sempre é a mesma. Carlsson e Stankiewicz (1995 apud Edquist, 1997, p.25)3 adotam um significado amplo e complexo apresentando como “infra-estrutura institucional” de um sistema tecnológico: sistema político, sistema educacional (incluindo universidades), legislação de patentes e relações de trabalho reguladas por instituições. Já Nelson e Rosenberg (1993) não definem claramente o que compreendem por instituições, mas está claro em seu trabalho que consideram firmas e laboratórios de pesquisa industrial importantes instituições envolvidas com a inovação e ainda incluem neste rol “instituições de suporte” como pesquisa universitária, laboratórios do governo e políticas tecnológicas.

3 Carlsson, B. e Stankiewicz, R. “On the nature, function and composition of technological systems” In Carlssson, B. (ed.) Technological systems and economic performance: the case factory automation. Dordrecht: Kluwer, 1995.

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Uma terceira variação surge com relação ao significado atribuído a sistema. Enquanto Nelson e Rosenberg (1993) não apresentam este conceito de maneira clara, Edquist (1997, p.14) aponta uma acepção que inclui todos os fatores econômicos, sociais, políticos, organizacionais, institucionais e outros que influenciam o desenvolvimento, difusão e uso de inovações. Embora admita dificuldades práticas em se fazer isto, dada sua abrangência.

Em conseqüência dos conceitos de inovação, instituição e sistemas usados pelos autores encontramos diferenças em suas interpretações de sistema de inovação. Lundvall (1995) aponta “a estrutura de produção” e a “prática institucional” de uma firma específica, uma constelação de firmas ou uma nação como as duas dimensões mais importantes as quais juntas definem um sistema de inovação. No entanto, aspectos randômicos fazem com que o sistema não seja predeterminado por estas duas dimensões. Trata de um conceito restrito e outro amplo de SI. No primeiro são incluídos organizações e instituições envolvidas em ‘pesquisa’ (organizações que têm objetivos específicos que podem ser departamentos de análise de mercado ou departamentos de P&D e laboratórios) e em ‘exploração’ (organizações acadêmicas e científicas, fora de firmas privadas, que perseguem metas diferentes daquelas das pesquisas orientadas para o lucro). No segundo inclui todos os aspectos da estrutura econômica e prática institucional que afetam aprendizagem, além de ‘pesquisa’ e ‘exploração’ também incorpora sistema de produção, sistema de marketing e sistema de finança.

Diante da diversidade conceitual, a utilização de uma acepção ou outra, e mesmo a seleção das instituições envolvidas num determinado sistema, requerem uma análise histórica mais específica. Percebe-se que mais que um guia de análise, a abordagem pretende levantar questões para investigação e que requer uma pesquisa empírica aguçada envolvendo inclusive uma análise histórica do objeto que se pretende estudar.

Edquist (1997) trata da ambigüidade conceitual como característica natural numa nova abordagem que ainda apresenta incertezas quanto aos conceitos essenciais. Acredita que o desenvolvimento levará a uma redução do pluralismo, hoje benéfico por não excluir opções potenciais. Para Alcorta e Peres (1998, p. 859) esta imprecisão pode resultar na observação de relações tão amplas e difusas que tudo e nada é explicado. A “teoria” corre o risco de ser muito ambígua ou totalmente tautológica. Já Lundvall (1995, p. 13) parece achar essa abertura interessante não apenas numa primeira fase de desenvolvimento, pois várias perspectivas teóricas podem focar diferentes aspectos do sistema. Segundo ele, o SI é uma “ampla rede de arrasto” para capturar processos de inovação, seus determinantes e algumas de suas conseqüências. Esta diversidade conceitual é a razão de tratarmos o sistema de inovação de abordagem ou estrutura analítica ao invés de teoria.

5. Estudos Empíricos a Partir do Sistema de Inovação Um dos aspectos fundamentais na aplicação da abordagem do SI é a escolha do

nível de agregação do objeto de estudo. Pode-se estabelecer diversos recortes da realidade e além do âmbito nacional, é possível encontrar padrões de inovação regional (como o Vale do Silício nos EUA), supranacional (como o estudo da União Européia ou da América Latina), ou ainda setorial (como indústria automobilística, têxtil etc.). Inúmeras são as delimitações relevantes para a compreensão de sistemas de inovação e cabe destacar a possibilidade de complementaridade entre diversas pesquisas: o estudo enfocando setores

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ou regiões de um determinado país tende a auxiliar a elaboração de trabalhos sobre o sistema nacional do mesmo.

Os sistemas de inovação específicos são diferentes a ponto de só poderem ser comparados através de uma postura bastante crítica. É possível uma melhor compreensão dos aspectos que estimulam o processo de inovação com o estudo empírico de um país, região ou setor que apresenta uma boa dinâmica de desenvolvimento tecnológico, mas isto requer atenção às características peculiares ao sistema. Cada um apresenta uma determinada especialização e isto ocorre por razões históricas (do próprio sistema e das instituições que o influenciaram ao longo do tempo). Não existe um sistema de inovação ideal a ser tomado como modelo, pois a importação de partes importantes de um sistema, como suas instituições, é muito mais complexa que o empréstimo de tecnologia. Além disso, mesmo que se tenha um exemplo histórico de sucesso no desenvolvimento tecnológico, nunca se saberá se a melhor estratégia foi explorada por ele ou não.

O indicador clássico da performance da inovação é o gasto em P&D como proporção do PIB. Mas existem problemas óbvios com sua utilização como o fato de refletir apenas um esforço de insumo e não mensurar o resultado tecnológico alcançado com este gasto. Também, o uso apenas deste indicador parece expressar a incorporação de uma visão tradicional de aprendizagem, a qual não considera, por exemplo, que atividades de rotina podem ser mais importantes que P&D. Outras formas de mensurar o desempenho de um sistema de inovação têm incluído patentes, proporção de novos produtos a venda e proporção de produtos de alta tecnologia em comércio externo. No entanto, cada um destes indicadores possui debilidades e Lundvall propõe como mais satisfatório seu uso de forma combinada.

Os resultados alcançados com um sistema de inovação devem compreender mais que representações do desempenho tecnológico. Isto porque o progresso técnico não é a meta final por si, mas sim o crescimento econômico. Então, diferentes indicadores de crescimento econômico como renda per capita ou consumo per capita podem ser relevantes para comparar sistemas e melhor compreendê-los. Por outro lado, estes indicadores podem refletir outros fatores que não a inovação: um crescimento apenas de quantidade produzida que não implica necessariamente em alterações qualitativas advindas de um esforço tecnológico (situação observada em grande parte da história do sistema de inovação brasileiro como se verá a seguir). Deste modo, estes dados isolados representam pouca informação sobre os sistemas de inovação específicos.

Os atores e instituições que influenciam o sistema de inovação são importantes assim como suas complexas relações. A possibilidade de capturá-las através dessa estrutura analítica é uma de suas vantagens, mas ao mesmo tempo seu maior desafio.

A seguir apresentaremos alguns estudos de diferentes SNI em que se pretende mostrar de que modo, ao longo do tempo, foram sendo criadas condições que permitiram saltos em crescimento econômico através da construção de sistemas nacionais de inovação que estimularam o desenvolvimento tecnológico.

5.1 Sistemas Nacionais de Inovação

O baixo crescimento do início de 1970 em todos os países industriais avançados, o crescimento do Japão com grande poder econômico e tecnológico e o melhoramento da sofisticação técnica da Coréia, Taiwan e outros NICs levaram ao estudo das instituições e

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mecanismos que estimulam a inovação técnica e fizeram surgir um claro espírito de procura pela compreensão das capacidades tecnológicas das firmas do país como a fonte-chave de sua proeza competitiva. Havia a crença de que tais capacidades se desenvolvem no âmbito nacional e podem ser construídas por ações nacionais, o que foi chamado por Nelson e Rosenberg (1993, p. 3) de “tecnonacionalismo”. Através do estudo de países que apresentavam altas taxas de crescimento econômico ou que alcançaram países poderosos na história (como foi o caso dos EUA com relação à Inglaterra no final do século XIX e início do XX e também do Japão e dos NICs já mencionados), procurou-se compreender melhor a conquista de capacidade tecnológica pelos países. A seguir apresentaremos os SI dos EUA, Japão e Brasil.

5.1.1 O caso dos EUA4

No final do século XIX o desenvolvimento das ferrovias gerou a infra-estrutura de

transporte necessária para viabilizar o uso dos recursos naturais e do tamanho do mercado norte-americano. As tecnologias desenvolvidas a partir de então se relacionavam a padrões já estabelecidos que tinham como base habilidades mecânicas mais que a pesquisa científica. Os EUA se beneficiaram de recursos que já possuíam e que favoreciam o desenvolvimento de máquinas agrícolas e transporte em seu enorme mercado. Soma-se a isto uma importante habilidade de explorar fontes externas de conhecimento como foi o caso da fiação de algodão e tecelagem contrabandeadas da Inglaterra e de outros países da Europa. Estas condições sustentaram o crescimento da produtividade e da renda per capita norte-americana a ponto destas ultrapassarem as da Grã Bretanha por volta de 1913. O desenvolvimento da produção em massa fez surgir, mais sistematicamente nos EUA do que em outros países, formas de organização de trabalho específicas como o taylorismo e fordismo. Estes sistemas reforçavam a divisão do trabalho em tarefas que não necessitavam, relativamente, de habilidade especial. As operações eram realizadas de maneira repetitiva por um trabalhador simples e eram supervisionadas por administradores de baixa hierarquia. O alto preço relativo do trabalho na América do Norte induziu uma trajetória tecnológica de capital intensivo e a mecanização e padronização da produção. Os trabalhadores tinham pouca responsabilidade tanto sobre a qualidade do produto quanto sobre o processo de trabalho e as flutuações de demanda eram administradas com dispensas do emprego. Havia, portanto, instabilidade no emprego e baixo investimento com treinamento de funcionários. Nas grandes fábricas estabeleceram-se laboratórios de controle de qualidade e análise de material. Pessoas envolvidas com pesquisa foram empregadas nestes locais que passaram a se expandir gradualmente, provocando mudanças na estrutura de organização da firma tais como a expansão e diversificação das atividades e a substituição do controle intrafirma para o controle de mercado. No final do século XIX, a política antitruste norte-americana, através da Lei Sherman, limitou os acordos entre firmas sobre fixação de preços e participação no mercado. Isto provocou diversas fusões na virada do século com objetivo de alcançar uma maior especialização horizontal com maior controle sobre as firmas subsidiárias. Houve um

4 Leituras interessantes sobre o SNI norte-americano são Mowery e Rosenberg (1993); Freeman (1998), Freeman (2001).

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aumento da confiança da corporação com relação à pesquisa industrial e inovação como meios de contrabalançar os efeitos da lei antitruste.

No início do século XX destacou-se o setor químico. As indústrias química, de vidro, borracha e petróleo foram responsáveis por cerca de 40% dos laboratórios fundados entre 1899 e 1946. Por volta deste último ano, a indústria química apresentou um crescimento no emprego de pessoas ligadas à pesquisa chegando a ser responsável por 43% do total. A contratação de engenheiros e cientistas na pesquisa industrial aumentou de 3.000 em 1921 para 46.000 em 1946 (Mowery e Rosenberg, 1993, p. 33-34). Houve uma concentração geográfica da pesquisa industrial norte-americana em cinco estados: Nova York, New Jersey, Pensilvânia, Ohio e Illinois.

Cerca de um terço dos gastos do governo federal norte-americano na década de 1930 foi com as universidades, fundações privadas, institutos de pesquisa e estados do país (parte destes últimos foram repassados às universidades). Isto significou um aumento na quantidade de pessoal qualificado para resolver problemas técnicos na indústria. Mowery e Rosenberg (1993, p. 36) ressaltam a formação de engenheiros, primeiramente num nível elementar mas que já antes de 1940 trabalhavam na fronteira científica em algumas universidades norte-americanas. Houve uma influência externa nesta maior qualificação já que muitos cientistas terminaram sua formação em universidades européias, também o crescimento da reputação dos físicos norte-americanos a partir da década de 30 se deu depois da emigração para os EUA de cientistas europeus.

Em substancial período do pós Segunda Guerra, os investimentos com P&D nos Estados Unidos cresceram e foram maiores do que todos os outros países da OCDE, atingindo seu pico em meados da década de 60. O projeto Manhattan, que objetivava o desenvolvimento de armas nucleares, teve seu auge em 1944 e 45 e marcou uma era da “Grande Ciência”5. A relação entre a pesquisa do setor privado e universidades atingiu um estágio bastante avançado. Através do Office of Scientific Research and Development (OSRD) a comunidade científica foi chamada a participar e guiar pesquisas científicas no campo militar. O OSRD foi importante em melhorar a capacitação do setor privado para a pesquisa. No pós Guerra os gastos do governo federal eram em torno de metade a dois-terços dos gastos com P&D, em 1985 75% dos fundos federais para P&D eram alocados em indústrias privadas, apenas 12% em laboratórios federais (Mowery e Rosenberg, 1993, p. 40) e 9% eram endereçados às universidades. A pesquisa básica se manteve principalmente devido a recursos federais (como ocorre ainda hoje). Em 1953, menos de um terço da pesquisa básica era realizada nas universidades e esta participação tem crescido para metade nos anos mais recentes.

A defesa dos EUA tem uma grande participação no orçamento nacional e, apesar de ter declinado na década de 1980, voltou a se elevar posteriormente. Mas não é fácil reconhecer como os gastos militares fortaleceram a capacidade da inovação das empresas norte-americanas. Isto porque é muito simples confundir gastos militares em P&D com as enormes compras militares realizadas. No caso dos semicondutores, por exemplo, parece que a demanda militar influenciou mais que os gastos militares em P&D. Ao mesmo tempo em que incentivou a inovação, a demanda da defesa norte-americana era suprida por empresas domésticas o que acabou funcionando como uma barreira a entrada. Isto costuma

5 A Big Science se caracteriza por grandes projetos com um volume muito grande de recursos. Isto difere do período anterior à II Guerra Mundial em que existia uma quantidade grande de projetos realizados por pequenos grupos de pesquisadores, por pesquisadores individuais ou estudantes de pós-graduação.

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ser associado com outro elemento que diferencia o sistema de inovação dos EUA: o papel particularmente expressivo de novas firmas que comercializam novas tecnologias6. Alguns exemplos são o desenvolvimento e difusão da microeletrônica (hardware e software), biotecnologia e robótica durante as últimas quatro décadas.

Por volta de 1930 a pesquisa nas universidades continuava a crescer, mas já com uma pequena participação de recursos das indústrias. Havia ainda demanda do governo que tomou a forma de contratos específicos para determinados projetos. A contratação de pessoas ligadas à pesquisa por empresas privadas também aumentou.

Indústria, universidade e governo federal foram, portanto, os atores-chave na história do SI norte-americano. A importância dada à indústria e educação superior desde o final da século XIX foi uma característica dos EUA (e também da Alemanha e Grã Bretanha). As leis antitruste e o papel militar da P&D foram duas políticas públicas que influenciaram fortemente os rumos do sistema de inovação nos EUA e sua forte dinâmica de desenvolvimento tecnológico. No entanto, na década de 1970 as firmas norte-americanas parecem ter sentido a competição de empresas estrangeiras. Juntamente com a queda na economia doméstica houve um declínio nos investimentos em P&D e indicadores (como o salário real) apontaram uma estagnação ou declínio no padrão de vida norte-americano e o baixo crescimento da produtividade agregada. Após 1973 o sistema de inovação norte-americano parece ter perdido força. As firmas passaram a demorar em utilizar novas tecnologias de manufatura. A observação destes fatos e ainda o comportamento do comércio internacional levaram a discussões sobre as necessidades de novas organizações e fundos públicos e privados para P&D.

O declínio na P&D das indústrias se perpetuou na década de 80 e a própria análise do sistema de inovação norte-americano fez surgir debates quanto a alternativas de políticas públicas para reverter a situação. Dentre muitas alternativas falou-se em alteração na relação entre tecnologia civil e militar (que se mostrou uma fonte fértil de novas tecnologias comerciais) e até mesmo alterações nas leis de propriedade intelectual fortalecendo a proteção às inovações. Outra aspecto que fez parte destes debates foi alguma mudança na lei antitruste. Neste sentido, o governo Reagan, por exemplo, já tinha alegado que a concorrência internacional parecia ser mais perigosa à economia nacional que o poder de mercado de alguma concentração industrial.

Nos anos 90 houve um ressurgimento da força competitiva da indústria norte-americana. Na indústria de semi-condutores em particular, Intel, Motorola e Texas Instruments desafiaram a supremacia japonesa em tecnologia e produtividade. Na indústria automobilística, a Ford e a GM imitaram algumas inovações japonesas e estabeleceram novas plantas com produção mais avançada e sistemas de administração7. Mas a melhor 6 Motivos apontados para este desempenho incomum de firmas que não apresentam grande escala são a ampla extensão da pesquisa básica realizada em universidades e o governo e empresas privadas que serviram como “incubadoras” para o desenvolvimento de inovações. Ainda elementos como a alta mobilidade da mão-de-obra na formação de aglomerações regionais com firmas de alta tecnologia que serviram como canal de difusão da inovação e atraíram outras firmas em indústrias relacionadas ou similares. No Japão, em contraposição, a baixa mobilidade do trabalho interfirma é apontada como uma restrição à transferência tecnológica. Um fator importante para a sobrevivência de novas firmas nos EUA é seu mercado de capital que possibilitou o aumento do fluxo de recursos para as novas empresas como de biotecnologia e de microcomputadores nos anos 50 e 60. 7 Outro setor em que existe um predomínio tecnológico norte-americano é a biotecnologia. São apontados como determinantes para isso três acontecimentos que estimularam a P&D na agricultura nos EUA. Primeiramente a Lei de Patentes de Plantas (Plant Patent Act) de 1930 que estabeleceu o direito de

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performance norte-americana foi atingida pelas atividades relacionadas à Internet e indústrias de software. Isto trouxe a confiança dos investidores numa fase de crescimento e elevação da produtividade para além do século XX. No campo do comércio exterior, os EUA foram hábeis em conseguir a redução de barreiras em mercados externos para a penetração de produtos e serviços de informação e computação, sustentando a propriedade intelectual de firmas norte-americanas e, quando necessário, limitando a penetração de firmas estrangeiras no mercado interno do país.

O suporte às universidades pelo governo federal continuou e elas adquiriram rapidez na criação de novos cursos e se aprimoraram em desenvolver pesquisas genéricas e aplicadas de imediato valor prático para a indústria. O número de universidades envolvidas em atividades de patente subiu de 30 em 1965, para 150 em 1991 e 400 em 1997.

O caso do Japão A história do sistema de inovação japonês não é muito diferente das de outros países com relação às suas experiências e às políticas utilizadas pelo governo. Com a restauração Meiji de 1868, após mais de dois séculos de reclusão, os líderes do país procuraram compreender quanto o Japão estava distante do ocidente com relação à tecnologia. Iniciaram, então, um conjunto de medidas que tentavam diminuir esta distância. Ao longo da era Meiji (1868-1911) foi criada infra-estrutura de transporte, comunicação, educação e finanças. A difusão da tecnologia ocorreu de diversas formas: importação de máquinas e plantas industriais, transferência de informações escritas em livros e textos, levando estudantes japoneses a estudar no exterior, investimento direto estrangeiro e a contratação de professores e consultores. Em 1904, a educação elementar de seis anos tornou-se compulsória, o que envolveu 99% dos meninos e 96% das meninas.

Um elemento foi fundamental para que estes esforços tivessem resultados positivos para o desenvolvimento econômico: um setor privado (investidores, administradores, engenheiros e trabalhadores) apto a aproveitar estas oportunidades. Isto ocorreu porque já existia no país, mesmo que em pouca escala, a importação de tecnologia principalmente devido a imigração japonesa para a China e Coréia do século VII ao IX, e a introdução de armas pelos portugueses no século XVI, o que desde esta época iniciou um processo de imitação. Também já havia um desenvolvimento de tecnologias e habilidades, como por exemplo na engenharia civil devido à importância da água para o cultivo do arroz e máquinas como os teares de S. Toyoda. Soma-se a isso, uma educação de nível elementar de alta qualidade, embora a superior só tenha começado na área de ciências no início do século XIX.

De 1870 a 1880, o governo construiu e criou plantas e fábricas nas indústrias de mineração, de construção de navios e têxtil em razão das dificuldades do setor privado em realizar estes investimentos e enfrentar os riscos. No entanto, este caminho não se mostrou frutífero, pois tais investimentos não foram grandes e muitas empresas acabaram sendo privatizadas e ressurgiram gradualmente nas mãos do setor privado. O governo reteve em

propriedade sobre variedades de plantas e que influenciou a comercialização de milho híbrido. Depois a extensão e fortalecimento desta na Lei de Proteção a Variedade de Plantas (Plant Variety Protection Act) de 1970 que acabou por gerar um aumento no desenvolvimento de novos cereais. E, em 1980, a decisão no caso Diamond x Chakrabarty que sustentou a patente de seres vivos. Este novo ambiente provocou uma alteração nos investimentos na agricultura norte-americana com uma crescente participação de recursos privados (de ¼ dos investimentos na década de 50 para 40% em 1960 e 50% em 1970).

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seu poder indústrias relacionadas à área militar como de construção de navios, aviões, munição, aço e utilidade pública como telecomunicações. Estas atividades envolviam muitos dos engenheiros existentes no período e significaram grande desenvolvimento tecnológico. Com o desarmamento que se seguiu à guerra russo-japonesa (de 1904-1905), muitos destes engenheiros e trabalhadores habilidosos moveram-se para o setor privado.

A importação de tecnologia continuou presente na história do sistema de inovação japonês com a importação de máquinas avançadas, engenharia reversa, acordos de licença e investimento direto estrangeiro8. Estes dois últimos tiveram sua influência aumentada a partir da virada do século através da liberalização do investimento estrangeiro pelo governo e sua entrada na Convenção de Paris, além do sistema de patentes que foi introduzido a partir de 1885. O papel importante desempenhado pelo conhecimento que já tinha sido adquirido pelo Japão tornou mais fácil a escolha da tecnologia a importar e possibilitou a modificação da tecnologia compatibilizando-a às condições locais. Além disso, a engenharia reversa necessita de um entendimento do mecanismo básico por trás do produto e habilidade para imitá-lo.

No período da I Guerra Mundial havia uma oferta cada vez maior de engenheiros e trabalhadores treinados. Associações acadêmicas e jornais profissionais foram formados. Industriais e políticos propuseram e realizaram a criação de institutos de pesquisa básica, a expansão do número de laboratórios industriais nacionais e melhoraram a educação científica e tecnológica. Isto respondeu à necessidade cada vez maior de pessoas qualificadas para a pesquisa e ciência nas indústrias baseadas em tecnologia. A Guerra acelerou este processo pois o governo compreendia a importância da alta tecnologia e do setor privado para contribuir com a defesa nacional. Também houve dificuldade na importação de equipamentos e bens intermediários durante a guerra o que estimulou as indústrias nacionais a produzirem máquinas-ferramenta, produtos químicos, alumínio e aço. Isto, por sua vez, aumentou a necessidade de tecnologia avançada o que levou a uma ampliação da formação de mão-de-obra tanto por parte do governo como do setor privado através de universidades, escolas especializadas, laboratórios de pesquisa e teste.

Em 1920 mais da metade das crianças que saiam da educação elementar continuavam seus estudos por dois ou cinco anos em escolas secundárias. A educação superior, principalmente na área de engenharia e tecnologia, teve influência britânica com a contratação de diversos professores da Inglaterra. A boa formação dos estudantes e professores contratados alcançou ótimos resultados e, posteriormente, alunos formados tornaram-se professores das instituições. Por volta da I Guerra Mundial, já havia uma boa oferta de engenheiros treinados através das diversas universidades instaladas.

Assim como nos EUA, a demanda da defesa japonesa suprida pelo setor privado doméstico significou uma preferência por indústrias internas evitando competidores internacionais. No entanto, este benefício foi pequeno comparativamente a outros países já que as tarifas de importação no Japão (5% em 1902) eram bem inferiores às do Reino Unido (21%) e dos EUA (45%) no mesmo período.

O progresso tecnológico foi uma fonte importante para o crescimento econômico no início do século XX, baseado principalmente no metal, maquinaria, química e outras

8 Antes da I Guerra Mundial, a indústria de aço, especialmente no caso Yamata Work, utilizou como estratégia para obtenção de tecnologia a importação de todo o conjunto: plano, tecnologia, equipamento e pessoal. Já na indústria automobilística e de equipamentos elétricos e comunicação, a engenharia reversa e a importação de tecnologia através de licenças ou joint ventures foi mais comum.

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indústrias pesadas que cresceram a taxas maiores que 10% aa de 1900 a 1940, enquanto as indústrias manufatureiras cresceram 6% aa neste período. Isto significou uma mudança na estrutura produtiva japonesa, já que no século anterior indústrias de processamento de comida e têxtil eram as maiores.

Mesmo havendo uma atividade interna em P&D, o Japão ainda precisava, em muitos aspectos, da tecnologia importada dos Estados Unidos e Europa. Por isso o impacto da II Guerra Mundial foi grande e acabou por aumentar os esforços de P&D do país para evitar a diminuição do ritmo de seu desenvolvimento. Durante a guerra, a atividade manufatureira do Japão caiu sendo muitas de suas fábricas atingidas por bombas ou tomadas pelas forças aliadas. Com o final da Guerra, os gastos militares praticamente foram reduzidos a zero e foram realocados na produção civil. A Guerra da Coréia auxiliou a recuperação japonesa e de 1950 a 1973 a economia nacional cresceu a uma taxa anual de 10%. Estudos mostram que esta recuperação está associada a uma alta taxa de acumulação de capital combinada com progresso tecnológico.

Diferentemente da Europa, muitas empresas japonesas permaneceram nas mãos de acionistas japoneses e poucas foram as subsidiárias estabelecidas no Japão, com exceção da IBM, NCR e algumas refinarias de petróleo. As maiores firmas de automóveis, equipamentos elétricos e aço mantiveram-se com proprietários japoneses. Como conseqüência, muitas destas firmas não foram expostas a pressões do mercado de capital internacional e a instabilidade e choques que se espalharam por todo o sistema no último quartel do século XX. O predomínio de acionistas locais em parte dificultava a entrada de capital quando era necessário mas ao mesmo tempo restringia a competição externa. Como havia competição entre as firmas domésticas e alta taxa de poupança após 1950, não houve conseqüências negativas.

O Japão se beneficiou do comércio de tecnologia que se tornou muito ativo após a II Guerra Mundial. A compra de tecnologia que esteve presente na história do sistema de inovação japonês cresceu e se tornou semelhante a de outros países (0,17% do PIB em 1988) como se percebe da comparação com a França (0,18%), Alemanha (0,17%) Reino Unido (0,16%) e EUA (0,04%).

Na década de 60, o Japão não tinha mais tanta necessidade de importar tecnologia e começou a competir internacionalmente. O governo procurou adotar medidas para aumentar o desenvolvimento tecnológico embora incentivos fiscais do governo em geral, como subsídios e empréstimos com baixos juros tenham sido modestos. As firmas japonesas privadas que competiam entre si e com empresas norte-americanas e européias aumentaram seus gastos com P&D chegando a triplicá-los na metade da década.

A partir da crise do petróleo em 1973, a era de alto crescimento chegou ao fim. O Japão adotou o câmbio flexível e houve uma apreciação do yen. O crescimento anual nas décadas de 70 e 80 girou em torno de 5%, bem abaixo das altas taxas anteriores em torno de 10%. Muitos negócios passaram a desenvolver tecnologias para o aumento de eficiência energética. Isto foi possível com acumulação de inovação incremental que levou a indústria de aço, por exemplo, a desenvolver o chamado processo de fabricar aço sem óleo e reduziu o consumo de energia dramaticamente. O governo se envolveu em projetos de P&D relacionados a energia. Indústrias intensivas em energia tenderam a diminuir sua escala e aquelas que trabalhavam com alta tecnologia expandiram-se rapidamente. Um exemplo é a produção de alumínio. O Japão chegou a ser o segundo produtor de alumínio no mundo no início da década de 70. Depois das crises do petróleo, a produção virtualmente acabou e

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aumentou a importação. Por outro lado, indústrias de alta tecnologia como de semicondutores, computadores e química fina cresceram rapidamente.

Os gastos do governo japonês em P&D foram menores que em outros países como EUA, Alemanha, França e Reino Unido. Um dos motivos para isto foi seu nível mais baixo de gasto com defesa. Outra característica diferenciadora do sistema japonês foi a maior formação de engenheiros que de cientistas, ao contrário dos outros países.

O número de patentes registradas por japoneses ou estrangeiros no Japão aumentou de 131.000 em 1970 para 341.000 em 1987, ao mesmo tempo em que a Europa teve um declínio nestas duas décadas e os EUA aumentaram apenas gradualmente, resultando em 134.000 no ano de 1987.

Odagiri e Goto (1993, p. 106-107) destacam alguns aspectos bastante específicos da firma japonesa. A maior estabilidade da relação empregador e empregado que implica numa maior motivação dos funcionários para o crescimento da firma e sua sobrevivência no longo prazo. Ainda, a origem dos diretores das firmas japonesas, que diferentemente dos EUA, está muito mais nos departamentos de produção e tecnologia do que em departamentos de finanças e de contabilidade. Deste modo, por terem maior experiência na produção e em P&D, eles possuem melhor entendimento sobre as limitações e potencialidades dos projetos e seus conhecimentos de venda e marketing facilitam a adequação de tecnologias à demanda. Outro elemento positivo apontado pelos autores é o esquema de rotação pelo qual passa o trabalhador japonês que acaba experimentando diversos departamentos, adquirindo uma visão mais ampla da empresa e ainda flexibilidade diante das alterações no ambiente de trabalho.

5.1.2 O caso do Brasil Somente após 1930 se estabeleceu no Brasil um processo de industrialização com forte participação do governo, assim como já tinha ocorrido com a Alemanha, Japão e países recém industrializados da Ásia. As profundas mudanças na estrutura produtiva do país podem ser percebidas com as alterações na dinâmica de acumulação de capital. Houve uma diminuição da participação da agricultura no PIB de 40% em 1930 para 13,2% em 1980, enquanto a indústria aumentou sua participação de 32,6% para 80%. Entretanto, os avanços técnicos não estiveram presentes ao longo do processo, predominando o crescimento pelo aumento da produção e não da produtividade.

A situação foi diferente da inglesa ou norte-americana em que as firmas tinham um ambiente de concorrência maior. Quando o capitalismo industrial, caracterizado pela introdução sistemática do avanço técnico, surge no Brasil as condições mundiais são de um capitalismo monopolista. Assim, o surto industrial brasileiro ocorre devido a forte presença de empresas multinacionais e estatais.

O aumento do preço dos produtos importados junto com a queda da receita advinda do café são apontados como fatores estimuladores do início da industrialização brasileira. Internamente, existiram grupos que consideravam o desenvolvimento industrial como condição necessária para o fortalecimento da nação, mas que não eram fortes o bastante para garantir uma posição hegemônica frente aos interesses agroexportadores. Isto resultou numa acomodação típica do ‘processo conservador de modernização brasileira’ (Villaschi, 1996, p. 51). Não houve uma ruptura da estrutura vigente até então, a ponto de Villaschi

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dizer que esta foi a razão para conjuntura ainda hoje ser dualista, com a coexistência entre o velho e o novo, o tradicional e o moderno que levam o autor a afirmar que o Brasil apresenta uma modernização chamada de incompleta.

De 1930 a 1955 houve um esforço do Estado em investimentos na construção de estradas e na produção de energia elétrica. Outras medidas também procuraram fomentar o processo de industrialização como a crescente participação do Estado em atividades de produção de aço e petróleo, a exportação de minério de ferro e a criação de instituições como o BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico).

De 1956 a 60, o Plano de Metas buscou uma diversificação da base industrial brasileira. A indústria automobilística, naval e a indústria pesada de máquinas e equipamentos elétricos foram instaladas neste período. Ocorreu ainda uma ampliação do setor de bens de capital, ao mesmo tempo em que se expandia a produção de aço, petróleo e papel e celulose. Na entanto, o enfoque principal destas indústrias era no aumento da capacidade produtiva e não na capacitação tecnológica, característica que esteve presente desde o início da industrialização.

No período de 1956 a 62 a entrada de capital estrangeiro cresceu muito (de US$ 17,6 milhões ao ano de 1947 a 55 para US$ 106 milhões ao ano no período de 1956 a 62) indicando uma participação maior de empresas multinacionais. O crescimento do PIB foi de 6,9% aa de 1957 a 61 tendo declinado em 1962 para 5%, ano que marca o início de uma espiral inflacionária, quando cresceram as preocupações com balança de pagamentos e dívida externa.

A partir de 64, o regime autoritário procurou expandir as indústrias produtoras de bens duráveis, se bem que num ambiente carente de crédito. Ocorreu uma diversificação das exportações, com participação decrescente de bens agrícolas e crescente de produtos manufaturados, o que pode ser entendido como um fortalecimento do sistema de inovação. O crescimento do PIB de 3,9% aa de 1962 a 67 para 13,3% em 1968 manteve-se em dois dígitos até 1973 e se deu juntamente com a redução do salário real e o aumento da desigualdade na distribuição de renda. Os setores que apresentaram melhor desempenho foram o de transporte, maquinário e equipamento elétrico, enquanto setores tradicionais como têxtil, vestuário e alimentos tiveram desempenhos inferiores. No entanto, devido à estrutura produtiva ainda deficiente, produtos de setores mais sofisticados tinham de ser importados.

Após o choque do petróleo, em 1973, foi constatada uma necessidade de expandir a produção de insumos básicos e de bens de capital. A papel do Estado novamente foi fundamental e ele aumentou sua participação na formação bruta de capital fixo de 20% em 1970 para 28,7% em 1979. Ao longo desta década, o Brasil completou a indústria de base (petroquímica, papel e celulose, siderurgia, materiais não-ferrosos) e o setor de bens de capital (equipamentos elétricos, de telecomunicações, ferroviários, aeroviários, máquinas-ferramentas e outros).

O processo de industrialização brasileiro até então foi marcado por uma ausência de políticas tecnológicas. O debate público passou a envolver este tema após a II Guerra Mundial mas as iniciativas de P&D surgiram apenas a partir dos anos 70. Duas notáveis exceções foram a criação do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) e do Centro de Treinamento e Pesquisa mantido pela Petrobrás (CENAP) (Villaschi, 1996, p. 69). Sem representar uma política tecnológica, mas já como conseqüência dos debates existentes, o Plano de Metas (1955-60) deu apoio financeiro à importação de equipamentos e mediou o ingresso de tecnologia estrangeira incorporada em máquinas e equipamentos. Foi com o

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Plano Estratégico de Desenvolvimento (PED) de 1968 a 1970 que a preocupação com um planejamento tecnológico esteve mais presente, permanecendo também no I PND (1969-74) e no II PND (1975-79). Este último marcado pela reserva de mercado da informática (principalmente com o controle administrativo e tecnológico exercido por industriais brasileiros) e pelo desenvolvimento da capacidade de P&D em telecomunicações. Houve, neste período, um apoio institucional à criação de laboratórios de pesquisa em empresas, de institutos de P&D e a promoção de pesquisa nas universidades9.

A década de 80 ficou conhecida como “década perdida” caracterizada como um período de alta inflação, crescimento da dívida externa, inexistência de poupança do setor público para atingir objetivos de desenvolvimento, alta das taxas de juros e estagnação da renda per capita. Externamente a situação também era adversa com altas taxas de juros internacionais e queda relativa dos preços dos produtos primários. Diante disto, as firmas brasileiras adotaram uma postura defensiva ao invés de avançar no desenvolvimento tecnológico.

O processo descrito anteriormente resultou na existência de setores dinâmicos na economia brasileira com possibilidades de melhores relações usuário-produtor e acesso a redes de tecnologia e produção de países industrializados. Siderurgia, celulose e petroquímicos são setores que utilizam o baixo custo dos insumos locais e a grande demanda interna que lhes resulta em economia de escala. Também tais setores mantiveram desde os anos 70 suas capacidades tecnológicas atualizadas a ponto de participarem da concorrência internacional.

Existem, no entanto, problemas com o sistema nacional de inovação brasileiro. As empresas estatais na década de 70 foram utilizadas muitas vezes como instrumento de programas de estabilização tendo suas tarifas fixadas abaixo da inflação. Também sofreram cortes de investimentos com a crise fiscal do governo, o que acabou por provocar deficiências na capacidade de atendimento da demanda, como na área de telecomunicações e energia. Este enfraquecimento das empresas estatais atingiu centros de P&D, universidades e o setor privado dados os vínculos muito estreitos existentes entre os mesmos.

Segundo Cruz e Silva (199010, apud Villaschi, 1996, p. 182), uma análise dos gastos com P&D no setor de máquinas por volta de 1990 indicava que mais de 20% das empresas não investiam em atividade de P&D. Dos 77% restantes, o gasto girava em torno de 2% de suas receitas. Esta porcentagem estava acima da média do sistema de 0,6%, mas era baixa para um setor tão importante.

A política de reserva de mercado da informática pode ter influenciado a baixa difusão do uso de automação digital nas empresas até 1990. As empresas nacionais privadas e estatais apresentaram maior uso desta tecnologia do que as multinacionais o que pode ser compreendido como uma pressão para a quebra dessa reserva de mercado. As novas técnicas organizacionais (como Just in Time ou ‘Kan Ban’) também não estavam muito presentes no país no mesmo período. Um motivo apresentado por Villaschi (1996, p. 197) para isso foi a incompreensão por parte das empresas da importância de se conjugar

9 O número de atividade de P&D de uma associação de 82 empresas no país criada em 1982 chamada ANPEI, foi crescente, 2 por volta de 1950 e, depois do II PND, este número subiu para 27 em 1970 e 42 na década de 80 (Villaschi, 1996, p. 292). 10 CASTRO, M. “Uneven development and peripheral capitalism: the case of Brazilian informatics”, LSE, London, mimeo, 1990.

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aperfeiçoamentos organizacionais e mudanças tecnológicas, o que diminui a adoção das primeiras ou de ambas.

O incentivo dado ao desenvolvimento do setor de informática no Brasil resultou em sua transformação no setor mais importante do complexo eletrônico de consumo, passando de uma participação de 13% do complexo em 1970 para 43% em 1986. No entanto, a informática brasileira representava apenas 2% das vendas mundiais do setor nos anos 80. Dados da década de 80 mostram que, apesar dos incentivos dados a empresas nacionais pela política de informática, as multinacionais que operavam no país eram consideravelmente maiores com relação às vendas. Como benefício da política de informática pode ser apontada a formação de uma rede de apoio técnico a usuários e uma maior difusão de equipamentos auxiliados por computador como resultado de vínculos mais estreitos entre usuários e produtores (Sá, 198911 apud Villaschi, 1996, p. 193). Entretanto, a mão-de-obra barata, o preço do crédito e a escassez de recursos humanos e treinamento desestimulavam a adoção de automação na produção.

Villaschi aponta o setor de telecomunicações como outro que se beneficiou de políticas traçadas no passado. No governo militar o setor era considerado ‘de segurança’ e para fortalecê-lo foi nacionalizada a Companhia Telefônica Brasileira e criado o Ministério das Telecomunicações. No II PND procurou-se acelerar a expansão de uma infra-estrutura de telecomunicações e nacionalizar a produção de equipamentos para este setor. No entanto, apesar da densidade telefônica (número de telefones por habitantes) ter aumentado, era equivalente a 60% da de outros países latino-americanos como México, Argentina e Colômbia em 1991. Nos anos 80, a redução de verbas para o setor provocou a piora dos serviços. Apesar disso, o número de telefones e a área geográfica atendida foram ampliados e a indústria de produção de equipamentos de telecomunicações também se desenvolveu.

Com relação a formação de recursos humanos, o Brasil apresenta muita debilidade. Primeiramente, o gasto público com educação é pequeno com relação ao PIB em comparação com outros países. A experiência das escolas técnicas, nos anos 70, onde menos de 3% dos matriculados no segundo grau estudavam, se mostro mais eficaz em formar mão-de-obra técnica qualificada que acabava continuando seus estudos nas universidades. O ensino universitário se difundiu tardiamente com relação a países como México e Peru. O número de matrículas aumentou com a introdução de muitas faculdades particulares, mas com o predomínio de cursos que precisavam de menos equipamento e apresentavam menor custo operacional, o que acarretou na diminuição da participação dos cursos de engenharia e de tecnologia. Este crescimento acelerado provocou a heterogeneidade dos padrões de ensino juntamente com a coexistência de instituições com orçamentos muito pequenos e outras com muito mais recurso.

No anos 90, a situação de incerteza se acentuou com o congelamento discricionário de todos os ativos financeiros no primeiro Plano Collor em 1990, que posteriormente passou a demandar taxas de juros mais altas e cláusulas instantâneas de indexação. Por outro lado, o início do programa de liberalização comercial adicionou pressão competitiva crescente ao sistema industrial brasileiro e aumentou a incerteza com relação ao futuro, exacerbando, assim, as estratégias defensivas do setor privado. No início de 1992 ocorreu uma notável reversão dos fluxos de capital para o Brasil.

O Plano Real partiu de altas taxas de juros e resultou numa taxa de câmbio altamente sobrevalorizada logo no início. Isto debilitou a balança comercial. A parcela de

11 SÁ, E. (coord.) “Automação Industrial: um suporte à competitividade”, BNDES, Rio de Janeiro, 1989.

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importados na composição da oferta nacional aumentou e em muitos casos eliminou a produção doméstica, levando à regressão de parte significativa da indústria local. A reduzida proteção tarifária, juntamente com a taxa de câmbio sobrevalorizada e as altas taxas de juros, oprimiram os lucros das empresas e tornaram mais difícil a implementação de processos de reestruturação para competir nos padrões internacionais. Novamente, as empresas brasileiras foram forçadas a adotar estratégias puramente defensivas ou de sobrevivência. A propriedade e a gerência familiar continuaram solidamente estabelecidas e a proteção da riqueza familiar continuou prevalecendo sobre os riscos da acumulação de capital corporativa. Houve uma perda considerável de controle nacional sobre empresas industriais e de serviços com o aumento da presença de investidores estrangeiros em todos os setores dinâmicos com alto valor agregado: automotivo, eletrônico, informática, telecomunicações e bens de capital (Coutinho, 2000). Após a seqüência de crises financeiras e de câmbio na Ásia e na Rússia (ao longo de 1997 e 1998) a situação ficou insustentável o que levou os mercados a desencadear uma desvalorização abrupta do Real no início de 1999.

5.2 Sistemas de inovação regional e setorial

Existem vários motivos para que a dimensão nacional seja escolhida para se estudar sistema de inovação. As incertezas envolvidas na inovação e a importância do aprendizado implicam na necessidade de complexa comunicação, principalmente quando o conhecimento é tácito e difícil de codificar. Neste caso, se as partes envolvidas têm um mesmo ambiente nacional e compartilham normas, o aprendizado interativo e a inovação podem ser mais fáceis de se desenvolver. Sob este aspecto, o estudo de um país pode oferecer explicações fundamentais sobre este ambiente onde se dá a inovação. A possibilidade de que os atores tenham uma mesma experiência histórica básica, mesma língua e cultura pode refletir na organização interna da firma, nas relações interfirmas, no papel do setor público, na prática institucional do setor financeiro e na intensidade e organização da P&D.

Na perspectiva das políticas públicas há, ainda, a ação dos governos nacionais em construir contextos macroeconômicos que estimulem (ou no mínimo não desestimulem) o desenvolvimento tecnológico. Sem falar do fato de que os governos têm tido um papel importante em dar suporte ao processo de aprendizado. A educação costuma ser colocada, mesmo pelos adeptos do livre mercado, como uma das áreas em que a atuação do Estado é imprescindível.

No entanto, existe a discussão se a dimensão nacional faria tanto sentido nos dias de hoje. Em um contexto de globalização e regionalização, Lundvall (1995, p. 3) aponta a cooperação em P&D entre grandes firmas com base em diferentes nações o que pode fazer com que as fronteiras nacionais percam o sentido para os SI. Também novas idéias como ‘especialização flexível’, ‘redes’ e ‘pós-fordismo’ seriam razões para que cientistas sociais argumentassem a favor da maior importância da abordagem regional e setorial. Segundo Edquist, os governos agem como se fizesse sentido a perspectiva nacional embora isto possa não estar de acordo com a realidade.

Assim, do mesmo modo que há razões bastante fortes para se estudar o SNI, existem também motivos para se focar o processo de inovação sob outro recorte da realidade. A inovação ocorre num determinado local e apresenta características

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cumulativas. Neste sentido, a exploração e o desenvolvimento de novas técnicas podem ser influenciados por técnicas já em uso na vizinhança e por uma estrutura institucional específica. A unidade nacional é muito grande para entender os efeitos do processo de inovação numa área particular. Cimoli e della Giusta (1998, p. 39-40) apresentam um conceito amplo de aglomerado12 como “um conjunto de esforços (e atividades tecnológicas) dos quais é possível identificar um vetor de performance econômica e aproximar a relação entre esforços e performance”.

O sistema regional envolve a determinação de limites que identificam uma área onde uma matriz institucional específica, competências e suas interações com a indústria podem ser relacionadas para gerar uma performance local (Cimoli e della Giusta, 1998). A escolha de uma região pode estar baseada em semelhanças históricas, sociais, culturais e características produtivas da mesma (Breschi e Malerba, 1997, p. 130).

No sistema setorial temos um grupo de firmas que atua no desenvolvimento e na fabricação de produtos de um setor, e na geração e utilização de tecnologias para este mesmo setor. Cada grupo de firmas é inter-relacionado de duas formas: através de processos de interação e cooperação em desenvolvimentos de artefatos tecnológicos e através de processos de competição e seleção em atividades de inovação e de mercado (Breschi e Malerba, 1997, p. 131). Salienta-se aqui que a competição e a seleção envolvem firmas com diferentes capacidades e performances de inovação e a observação de um setor torna estes fenômenos mais fáceis de serem apreendidos.

O SNI tende a perder as características institucionais, competitivas, interativas e organizacionais que não são nacionais. As firmas de uma indústria podem competir internacionalmente mas ter uma organização local. Em outros casos podem competir no âmbito regional e comprar equipamentos e materiais ofertados por firmas estrangeiras. O uso de dimensões distintas da nacional tenta capturar elementos do SI que acabam sendo complementares, auxiliando conjuntamente na compreensão do processo de inovação em determinado período e lugar.

6. Sistemas de Inovação como suporte para políticas públicas

Nelson e Rosenberg (1993, p. 4-5) dizem que não existe nenhuma conotação na abordagem de sistema de inovação de que ele seja conscientemente estruturado e construído e nem que as instituições envolvidas funcionem juntas de maneira harmoniosa e coerente. O conceito de sistema é de um conjunto de instituições que atuam exercendo uma grande influência sobre a performance da inovação e, neste sentido, não é possível descartar o papel das políticas governamentais. Em realidade, os sistemas nacionais de inovação apresentados na seção 5.1, reforçaram a participação fundamental das políticas públicas. A existência de gastos militares, investimento em P&D, educação e infra-estrutura foram fundamentais na determinação de um ou outro caminho de desenvolvimento tecnológico. Ao mesmo tempo, medidas governamentais não ocorreram de maneira isolada determinando sozinhas este caminho. Fatores externos como o contexto internacional (guerras e condições de comércio externo, por exemplo) e padrões tecnológicos e 12 Uma expressão muito utilizada na literatura para designar estes aglomerados é “cluster”. No entanto, não encontramos apenas esta interpretação genérica que entende cluster como sinônimo de sistema de inovação. Como um exemplo, a OCDE (1999, p.8) interpreta cluster como sistemas nacionais de inovação em escala reduzida assemelhando-se ao significado de sistema regional de inovação utilizado no presente texto.

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organizacionais vigentes no momento tiveram seu papel. Deste modo, não é possível traçar receitas de como um governo deve atuar para estimular o desenvolvimento econômico mas os estudiosos tentam aprender com as experiências passadas e estudos de casos nacionais, regionais ou setoriais são fundamentais para isso. Neste sentido, Freeman e Soete (1997, p. 372) apontam alguns investimentos do governo para dar suporte à inovação que os economistas geralmente aceitam como tendo um importante papel no desenvolvimento de SI: i) pesquisa fundamental, principalmente em universidades; ii) tecnologias genéricas e sua difusão, principalmente tecnologia de informação e comunicação e iii) infra-estrutura como banco de dados e outros serviços de informação.

Segundo Freeeman (2001, p. 123), as previsões sobre direções gerais e mudanças técnicas são mais confiáveis que sobre firmas ou projetos individuais. Dizer que o setor de informação e comunicação continuará a crescer é uma perspectiva segura, mesmo que existam experiências cíclicas e projetos ou firmas isoladas possam entrar em colapso. Desta forma, o governo pode agir sobre estas perspectivas.

Apesar do papel do governo poder ser visto de maneiras diferentes, o debate entre liberalismo (laissez faire) e intervencionismo obscurece a complexidade da ação governamental. A OCDE, por exemplo, admite que a emergência de SI tende a ser um processo induzido pelo mercado com pouca interferência do governo (OCDE, 1999, p. 16-17). Ao mesmo tempo utiliza, em publicação de 1999, a abordagem do SI buscando identificar oportunidades de investimento em regiões, necessidades de infra-estrutura e formas de melhorar o gasto em ciência e tecnologia. Aponta quatro razões para a participação do governo no fortalecimento ou no estímulo ao aparecimento de SI. As duas primeiras focam a importância da ação governamental na criação de condições estruturais para o funcionamento mais harmonioso dos mercados e no auxílio à geração de externalidades associadas com P&D e com a criação de conhecimento. A terceira enfatiza que o governo por si é um importante ator em algumas partes da economia principalmente na proposição de desafios às firmas como gerando demanda para projetos. Por fim, o governo pode agir procurando remover imperfeições sistemáticas em seus SI. Observa-se que, diferentemente do caso brasileiro, nos sistemas nacionais de inovação dos EUA e do Japão existiu uma continuidade de políticas, fortemente baseadas em criação de infra-estrutura e investimento em educação, que favoreceram o desenvolvimento de suas capacidades tecnológicas. A cumulatividade do aprendizado impõe um desafio maior a países como o Brasil que iniciam seus esforços sob condições mais precárias, uma vez que as possibilidades de desenvolvimento tecnológico dependem em parte das tecnologias já em uso. A história pode sugerir evidências, certamente não conclusivas, para interpretar os dias de hoje. No caso dos países subdesenvolvidos como o Brasil, a abordagem do sistema de inovação pode ser vista como uma forma de realizar pesquisas nos âmbitos nacional, regional e setorial que forneçam informações preciosas para guiar uma política tecnológica que possa auxiliar a conquista de uma situação econômica melhor.

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