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REFLEXÕES SOBRE TEMAS RELACIONADOS À CARREIRA DOS AGENTES FISCAIS DE RENDAS DO ESTADO DE S.PAULO REFLEXÕES SOBRE A CARREIRA FISCAL Antônio Sérgio Valente Número 2 Dezembro 2011

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Page 1: REFLEXÕES SOBRE A CARREIRA FISCALEm 2010, o acumulado da arrecadação foi de R$ 105.317,7 milhões, ou seja, 60,86% mais do que fora arrecadado em 2008 (R$ 65.469,70 milhões). No

REFLEXÕES SOBRE TEMAS RELACIONADOS À CARREIRA DOS AGENTES FISCAIS DE RENDAS DO ESTADO DE S.PAULO

REFLEXÕES

SOBRE A

CARREIRA FISCAL

Antônio Sérgio Valente

Número 2 Dezembro 2011

Page 2: REFLEXÕES SOBRE A CARREIRA FISCALEm 2010, o acumulado da arrecadação foi de R$ 105.317,7 milhões, ou seja, 60,86% mais do que fora arrecadado em 2008 (R$ 65.469,70 milhões). No

CARTAS DO FISCAL REFLEXÕES SOBRE A CARREIRA FISCAL Antônio Sérgio Valente

Série inédita de artigos publicada originalmente pelo www.BLOGdoAFR.com

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Parte I

Introdução

lguns problemas estão magoando muito os servidores públicos do Estado de São Paulo, sobretudo os que atuam na fiscalização de

tributos. Tais servidores têm importância crucial para as finanças públicas do Estado, motivo pelo qual deveriam merecer tratamento mais respeitoso por parte do governo. Mas isto,

lamentavelmente, desde a gestão anterior, não tem ocorrido.

Nesta sequência de artigos, abordaremos algumas dessas mágoas, todas facilmente superáveis se houver um mínimo de boa vontade dos governantes. Apontaremos providências que podem equacionar os problemas e, no final da série, uma possível origem dos recursos: a mera realocação de verbas destinadas ao combate da sonegação fiscal. a) Ausência de data-base para reajuste dos vencimentos e expurgo do ingrediente político. Pela ordem, os temas serão:

b) Ausência de correção do valor nominal da cota.

c) O teto, essa trava que entrava a carreira.

d) O Nível Básico.

e) A velocidade das promoções e o resgate da motivação.

f) Uma possível origem dos recursos necessários.

Neste artigo inaugural, abordaremos o primeiro tema da lista.

Ausência de Data-Base e o Ingrediente Político

Embora a carreira tenha sido reestruturada recentemente, em 2008, através da Lei Complementar 1059/08, com o objetivo de descompactar o que fora completamente achatado pela EC 41/2003, a fim de que cada integrante pudesse receber, em função de méritos e desempenho, cotas fixas, cotas de produtividade, cotas de pró-labore e participação nos

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resultados, na prática isto não tem funcionado bem, e a razão primeira certamente é a ausência de uma data-base para o reajuste anual dos vencimentos.

Conforme relato das lideranças sindicais da categoria, numa das reuniões iniciais com o atual Secretário da Fazenda, o respeitável economista Andrea Calabi, este franziu a testa ao ser informado de que a categoria não tinha uma data-base. E o fez com muita razão. É mesmo de estranhar que uma categoria tão forte, que lida com interesses econômicos tão vultosos, não possua uma data-base.

O problema é que a referida LC 1059/08 simplesmente não previu isso. As rubricas são todas expressas em quantidades de cotas e, embora o valor unitário da cota deva ser atualizado mensalmente, nos termos do art. 16, § 1º, da referida LC, há uma trava que impede essa atualização, conforme o § 4º, item 2, do mesmo artigo: o valor unitário não pode superar 0,008334% dos subsídios do governador. E como o governador não tem data para elevar os seus próprios proventos, que geralmente ficam represados durante anos, a classe enfrenta longos períodos de congelamento salarial.

Isso desmotiva o servidor. Por mais que o fisco se esmere, por mais que se esforce, por mais que produza, não recebe aumentos anuais. Essa postura do governo, que já vem de longa data, tem magoado profundamente a categoria.

Trata-se de enorme injustiça. Vejamos os números.

Segundo o site da própria Secretaria da Fazenda (Prestando Contas> Arrecadação Tributária Mensal> Relatório de Receitas Tributárias), as receitas oriundas da cobrança de ICMS, IPVA, TAXAS e ITCMD, acumuladas de janeiro a dezembro de 2008, atingiram o montante nominal de R$ 65.469,7 milhões. No acumulado do ano seguinte, 2009, esse montante subiu para R$ 90.836,50 milhões. Vale dizer, um incremento nominal de 38,74%. No mesmo período, de janeiro/2008 a dezembro/2009, o IPCA variou 10,87% e o IGPM 10,11%.

Em 2010, o acumulado da arrecadação foi de R$ 105.317,7 milhões, ou seja, 60,86% mais do que fora arrecadado em 2008 (R$ 65.469,70 milhões). No mesmo período, o IPCA de dezembro/2007 a dezembro/2010, variou 17,12%, e o IGPM 21,42%.

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Portanto, a arrecadação subiu bastante nesses dois anos (60,86%), em decorrência do combate à sonegação e de medidas que anteciparam as receitas, mas a trava — cujo valor inicial, em agosto/2008, era de R$ 1,2375 — permaneceu constante, congelada, até janeiro/2011, quando só então foi destravada para R$ 1,5604. Valorizou

apenas 26,09%, em todo esse período, exatamente a mesma variação dos subsídios do governador paulista, que foram elevados de R$ 14.850,00 para apenas R$ 18.725,00.

Em outras palavras, o ingrediente político, o subsídio do governador, está travando a carreira. A trava não é de natureza econômica; é política.

Por este motivo, para corrigir o problema, é imprescindível a adoção imediata das seguintes medidas:

1º — Retirada do ingrediente político que trava a carreira, indexando o valor da cota aos subsídios dos Desembargadores, conforme faculta o art. 115, § 8º, da Constituição Estadual, com amparo no art. 37, §12 da Constituição Federal, mediante aprovação de uma PEC estadual.

2º — Fixação de uma data-base para acionamento da trava, ou previsão de que o acionamento se dará no mesmo mês em que forem elevados os subsídios dos Desembargadores.

Estas medidas teriam de ser combinadas com a alteração do critério de atualização do valor da cota.

Mas este assunto será tratado no próximo artigo.

Até lá.

* * *

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Parte II

o primeiro artigo desta série, elencamos uma lista de mágoas que os Agentes Fiscais de Rendas do Estado de São Paulo

vêm sentindo, em face de atitudes dos últimos governos. Neste, abordaremos um desses temas, uma autêntica mina explosiva que o governo anterior implantou e que poderá ensejar, em médio prazo, danos devastadores à carreira.

Trata-se da falta de previsão do reajuste nominal do valor da cota, que quantifica todos os vencimentos da classe fiscal.

Ausência de Correção do Valor Nominal da Cota

A redação dos §§ 1º a 3º do art. 16 da LC 1059/08 previu a atualização do valor unitário da cota em função exclusivamente do incremento real da arrecadação, excluindo qualquer tipo de reposição nominal, pois os valores das arrecadações mensais, conforme consta no § 2º do referido artigo, são atualizados monetariamente e só então comparados.

Ora, quando se confronta o valor atualizado de um período pretérito com o de outro, é óbvio que se está excluindo a variação nominal da receita tributária. Se houvesse previsão de alguma outra forma de reposição inflacionária, o critério seria até que razoável, mas lamentavelmente a LC 1059/08 não previu nada nesse sentido.

Todos os economistas sabem que a inflação do período anterior é a reposição básica que o trabalhador pleiteia, a perda do seu poder de compra. Além desta reposição mínima, cujo índice pode ser discutido e negociado, acrescenta-se um aumento real, por produtividade. De modo que é quase um paradoxo admitir o aumento por produtividade e negar a variação nominal ou alguma outra forma de reposição inflacionária.

O efeito da regra mencionada sobre o valor da cota só não tem sido notado por duas razões: em primeiro lugar, porque a trava do § 4º, item 2, do mesmo art. 16, da LC 1059/08, consegue ser pior ainda; e em segundo lugar, porque a inflação está em patamares baixos, enquanto a

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arrecadação vem crescendo em termos reais mais do que a própria inflação, de modo que o efeito não se manifesta, mas a mina está lá, enterrada no futuro, preparada para explodir assim que a inflação pisar nela. Caminhar num terreno minado como esse não oferece segurança nem estímulo a servidor nenhum. Quem se atreveria, por exemplo, a adquirir um apartamento financiado?

Não bastasse a PR – Participação nos Resultados, que também é incerta e não sabida, pode ocorrer ou não, pode ser maior, menor ou inexistente, depende das metas, do desempenho da economia e de uma série de outros fatores, também todas as demais rubricas que compõem a remuneração, expressas em cotas, podem ser mitigadas pela corrosão monetária não reposta.

A arrecadação costuma crescer por conta da evolução dos preços, da maior atividade econômica e do esforço arrecadador, mas normalmente as duas últimas evoluem de forma moderada. Vivemos nos últimos três anos uma fase excepcional da arrecadação tributária, para a qual a antecipação de receitas (ST) muito contribuiu, mas em médio prazo, se a economia esmorecer um pouco e se a inflação der o ar da desgraça, hipóteses que não podem ser descartadas, a arrecadação tende a subir menos em termos reais, mesmo com maior esforço da fiscalização, e, neste caso, o valor da cota ficaria estagnado ainda que o governador elevasse os seus vencimentos.

Explicando melhor: se, num determinado período, a inflação — medida pelo índice que o Secretário escolher na resolução — for de 50%, por exemplo, e a arrecadação nominal evoluir também 50%, ao pé da letra da LC 1059/08, §§ 1º a 3º do art. 16, o valor da cota se manteria constante. Ou seja, boa parte da carreira perderia 50% do seu poder aquisitivo, isto mesmo após a elevação do teto.

O problema é que o disposto no § 4º, item 2 do citado art. 16 da LC 1059/08 (que atrela o valor da cota ao percentual máximo de 0,008334% dos subsídios do governador), não corresponde a uma correção automática do valor da cota, mas a mero limite máximo da evolução; vale dizer, equivale a uma trava no valor da cota, mas desde que este a atinja. Se o valor da cota se situar aquém da trava, a diferença não é automaticamente engatilhada. O que consta nesse dispositivo é apenas um limite máximo, que não pode ser confundido com gatilho automático, nem com limite mínimo.

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No exemplo citado (50% de inflação e 50% de crescimento da arrecadação), o valor da cota permaneceria o mesmo, e se por acaso o governador elevasse os seus vencimentos em 50%, conforme a inflação, a maior parte da classe não alcançaria esse incremento, não obstante a elevação do teto. Apenas os que têm direitos surrupiados pela EC 41/2003, sob a rubrica redutor salarial, é que poderiam receber até o novo teto, se o redutor superar o montante do aumento. E mesmo estes servidores, que no passado foram fortemente prejudicados, no ano seguinte, se a situação continuasse, já não teriam acesso ao mesmo aumento, eis que a maior parte da gordura que tinham, senão a totalidade, seria derretida pela absorção da VPNI; em alguns casos, não teriam direito a aumento nenhum no ano seguinte, não obstante outra hipotética inflação de 30%, 40%, ou 50%.

Para ficar mais claro ainda, digamos que os proventos do governador fossem de R$ 20.000,00, a inflação do período fosse de 50%, a arrecadação tivesse crescido 50%, a cota 0% (50-50), e que o governador decidisse aumentar os próprios vencimentos em 50% (inflação). Neste caso, os valores brutos dos holerites nada subiriam. Note-se que, antes do aumento, todos os AFRs recebiam pelo teto de R$ 20.000,00. Com o aumento, poderão receber até o teto de R$ 30.000,00 caso os seus holerites brutos sejam iguais ou superiores a este valor. Mas se um AFR tem o holerite bruto igual ou inferior a R$ 20.000,00 é o valor que consta ali que ele receberá, e não os R$ 30.000,00 do teto. Em outras palavras, mesmo que os proventos do governador e a inflação subissem 50%, o colega ficaria sem aumento algum, perderia 50% do seu poder aquisitivo...!

É um completo absurdo, mas é exatamente isso que está escrito na LC 1059/08, que não prevê nenhum mecanismo de reposição inflacionária. Isso precisa ser alterado imediatamente. E com fixação de data-base para reposição inflacionária e aumento real do valor da cota, o que pode ser feito por alteração na própria LC, e também fixação de data-base para ajuste da trava, que teria de ter feito por PEC estadual, definindo o índice de elevação do subsídio do governador, ou estabelecendo vinculação com os dos Desembargadores.

A legislação atual, do modo insidioso como está redigida, é tão perversa, tão maquiavélica, tão omissa quanto aos reajustes, que não há como uma classe nutrir simpatia pelo superior que a impõe.

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Vá lá, compreendemos que não foi o atual Secretário, nem o atual Governador que a subscreveram, mas, se persistirem na firme intenção de mantê-la, ficará evidente que a estão ratificando. Neste caso, toda a consideração — humana, pessoal, partidária até, que ainda resta em parte dos companheiros — pela cúpula do governo, cairia por terra.

A classe, de um modo geral, ainda considera os dirigentes do governo e da Secretaria da Fazenda como homens de bem e do bem, tratáveis, mas como vem experimentando, já neste início de governo, dificuldades semelhantes às que enfrentou com o antecessor, uma profunda intransigência, a mágoa e apreensão crescem.

Urge que o governo atue o mais brevemente possível para consertar a impressão que está transmitindo. Que reflita sobre a importância da categoria fiscal para as finanças públicas e para o Estado. Sem fiscalização eficiente de tributos, sem tranquilidade para trabalhar e clima de motivação renovada, não há erário que prospere.

Portanto, é fundamental que o governo ponha a mão na consciência e corrija a rota insidiosa que o antecessor traçou, pois se persistir no caminho equivocado, estará ratificando a conduta do outro, e as posições ficarão bem claras: seriam todos, neste caso, farinha do mesmo saco. A superação da mágoa aqui apontada, a mera reposição inflacionária do valor da cota e da trava, é medida que no momento atual nem representa tanto assim, e é justíssima. É uma ilusão da autoridade imaginar que, com intransigência e ameaças veladas, calará a classe. Muito pelo contrário. A história tem demonstrado que a opressão motiva o oprimido a reagir.

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Parte III

os dois primeiros artigos desta série, tratamos de problemas relacionados ao reajuste dos vencimentos, especialmente da data-base e do valor da cota. Mencionamos, de passagem, um

ingrediente político que emperra a carreira e que é incompatível com a boa e eficiente gestão pública: o teto. Neste artigo, esmiuçaremos o tema.

O Teto, essa Trava

A Reforma da Previdência, de 2003, trouxe à baila muito mais do que normas previdenciárias: criou um limite de vencimentos, o cognominado teto, que nos Estados, no que se refere aos servidores do Poder Executivo, não pode ultrapassar os subsídios dos governadores.

A pretexto de extirpar do serviço público o marajalismo, a exorbitância de certos holerites, que em alguns casos eram de fato

escandalosos, com penduricalhos que não tinham contrapartida em trabalho, dedicação e responsabilidade, o Congresso Nacional procedeu a uma espécie de minirreforma administrativa, mas com critérios bem discutíveis.

O problema é que, embora a medida fosse necessária para boa parte dos casos, não foram excepcionadas certas rubricas estimulantes da produtividade e da eficiência, percebidas por carreiras que têm importância fundamental para o bom funcionamento do Estado e da máquina administrativa, como as ligadas à fiscalização de tributos.

Também não foram imaginados critérios para estabelecer os desníveis necessários no interior das carreiras. Salta aos olhos que um general não deve ganhar o mesmo que um coronel, que um cientista com vasta experiência não deve ganhar o mesmo que um colega aprendiz, que um servidor qualquer em início de carreira não deve ganhar o mesmo que um colega já com anos de tarimba, que um novato não deve auferir como se

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fora um servidor com quinquênios de bagagem, que um servidor muito produtivo não deve perceber o mesmo que um menos atuante.

Os parlamentares deveriam ter pensado nesses pormenores e criado diferentes níveis de tetos, para as diferentes parcelas que compõem os holerites de cada carreira, com inclinações nesses telhados, como os das casas, com domos para certas rubricas e chaminés estreitas para outras, obviamente sempre com limites superiores, para evitar que o marajalismo se reimplantasse.

Em outras palavras, não deveriam provocar, com a minirreforma, o achatamento das carreiras.

Poderiam, por exemplo, ter fixado, em torno dos vencimentos dos Ministros do STF, graus de variação dos tetos para mais e para menos, conforme a função exercida, estabelecendo quais rubricas poderiam exceder esse limite e até quanto.

Mas nada disso foi feito. A reforma ceifou indiscriminadamente, pela raiz, o joio e o trigo, os marajás e os trabalhadores qualificados; cometeu uma série de injustiças contra servidores de rara competência; atentou violentamente contra direitos adquiridos ao longo de décadas de trabalho e competência, conquistados por profissionais com vasta folha de serviços; comprimiu carreiras a tal ponto que algumas se tornaram uma espécie de sucata prensada. Enfim, retirou do servidor público mais qualificado a maior parte da sua motivação.

* * *

O foco inicial objetivava estabelecer apenas um teto nacional de vencimentos para os servidores públicos do país, que não poderia ultrapassar a remuneração dos Ministros do STF, mas, ao longo do encaminhamento da proposta, várias distorções foram introduzidas. A intenção inicial, embora despida de critérios que pudessem preservar a eficiência e garantir a estrutura interna das carreiras, não era tão ruim como a versão final que foi negociada e aprovada (EC 41/2003).

O problema maior foi que, durante as discussões, governadores e prefeitos — capitaneados pelo então governador de Minas Gerais, Aécio

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Neves — instruíram as suas bancadas, a fim de que os tetos fossem estadualizados e municipalizados, sem nenhum critério objetivo, eis que vinculados aos subsídios do momentâneo e não raramente demagógico chefe do Executivo, cargo de natureza política.

E nos Estados houve ainda um particular agravante: os servidores do Executivo seriam considerados como de segunda linha, receberiam tratamento inferior aos do Legislativo e do Judiciário.

Carreiras de importância vital para o Estado passaram a ser tratadas, em certos feudos, como subalternas. Já as do Legislativo e do Judiciário, em alguns casos com funções de responsabilidade social, econômica e financeira aquém da exercida por várias carreiras do Executivo, têm direito a perceber, no Estado de São Paulo, por exemplo, 30% a mais do que um Agente Fiscal de Rendas.

Estes profissionais lidam com interesses econômicos altíssimos, são incumbidos de descobrir fraudes tributárias de difícil detecção, têm de ser extremamente dedicados, criativos e perspicazes, pois apuram esquemas de sonegação organizada, alguns ardilosamente engendrados. Em certos casos, correm até risco de vida. Autuam e defendem os seus trabalhos nas esferas administrativas e não raramente na judicial, pois representam criminalmente contra sonegadores; até mesmo depois da aposentadoria são obrigados a prestar testemunhos contra infratores, em audiências penais nos fóruns; e, na maioria dos casos, os Autos de Infração que lavram acabam sendo pagos ou parcelados, enfim, geram imensos créditos tributários para o Estado.

Portanto, é execrável essa discriminação odiosa contra os servidores do Poder Executivo, particularmente contra os do fisco. Não bastasse o que perderam com as deturpações encaminhadas pelos governadores da época, que impediram a aprovação do teto indexado aos vencimentos dos Ministros do STF, vêm sendo rebaixados para níveis inferiores aos dos demais poderes, níveis demagogicamente estabelecidos, como se fossem servidores de segunda classe.

Alguns governadores achataram com motoniveladora as carreiras sob o seu domínio. De repente, todos os servidores de determinadas carreiras, como a dos Agentes Fiscais de Rendas, por exemplo, fossem internos ou externos, iniciantes ou veteranos, mais produtivos ou menos, ocupando ou não funções de comando, de repente se viram todos com vencimentos praticamente iguais, nivelados por baixo.

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Em alguns Estados, o problema foi corrigido com relativo bom senso, mas em outros, como em São Paulo, o descalabro ainda persiste.

Para solucionar o problema, é fundamental que os governos estaduais entendam a urgência de:

a) Elevar o teto até o nível permitido pelo art. 37, § 12 da CF, e, no caso de São Paulo, pelo art. 115, § 8º, da Constituição Estadual, mediante o encaminhamento de PEC estadual.

b) Abrir, no teto elevado, domos que permitam a elevação de certas rubricas, como a produtividade, até o limite dos vencimentos dos Ministros do STF, mediante instruções às bancadas federais dos seus partidos no sentido de que encaminhem a questão no Congresso.

c) Abrir, no teto elevado, chaminés que permitam a vazão de estímulos capazes de premiar, por metas alcançadas e também por méritos individuais, sempre com parâmetros bem objetivos, de modo a impedir que tais estímulos extrapolem — mesmo nos casos excepcionais de alcance pleno das metas — o percentual máximo de 20% ou 30% acima dos vencimentos dos Ministros do STF.

Dessa forma, as carreiras poderiam ser restabelecidas, sem holerites exagerados, e com razoáveis estímulos aos seus integrantes.

* * *

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Parte IV

os artigos anteriores desta série, discutimos questões relativas à data-base, à correção nominal do valor da cota, à trava e ao teto de vencimentos.

Agora abordaremos um tema de natureza miúda, mas nem por isso menos importante.

O Nível Básico

Na reestruturação da carreira através da LC 1059/08, o governo anterior criou uma discriminação contra os novos integrantes: o Nível Básico. Nesse nível, no qual o servidor deve permanecer por três anos, percebe 2800 cotas fixas, contra 4000 do Nível I.

Essa criação merece duas glosas.

a) O Interstício no Nível Básico

Não se tem notícia de trainee ou estagiário do setor privado que necessite de mais de um ano de permanência nessa função.

No setor público, embora haja um período de estágio probatório, que oscila entre dois e três anos, este não se confunde com o Nível Básico instituído para a carreira de Agente Fiscal de Rendas do Estado de São Paulo.

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O estágio probatório existe para evitar que servidores aprovados em concursos, porém sem condições pessoais para exercer as atividades do cargo, por uma série de razões objetivas, que vão de aspectos psicológicos da personalidade à competência, tivessem de ser tolerados no serviço público, às custas do contribuinte.

Já o chamado Nível Básico não é informado por esses critérios. O objetivo aqui é remunerar o servidor com valores aquém dos percebidos por colegas mais antigos, tendo em vista a sua inexperiência, a fase de aprendizado, o desconhecimento dos trâmites, a dificuldade de produzir no início da carreira. Mas daí a estabelecer três anos para essa fase é muita discriminação. Ninguém leva tanto tempo assim para aprender a fiscalizar. Aliás, nenhum profissional devidamente formado leva todo esse tempo para aprender a trabalhar em nenhum emprego, seja público ou privado. Se isto ocorresse na prática, as empresas todas quebrariam. Esse período de treinamento e adaptação, no setor privado, raramente supera os seis meses, quando muito um ano.

De modo que esse interstício poderia tranquilamente ser reduzido para um ano. Dois já seria um exagero. Mas até este poderia ser aplicado, desde que com algumas correções no conceito, como as que apontaremos no tópico a seguir.

b) As Cotas do Nível Básico

A diferença entre a quantidade de cotas fixas do Nível Básico para o Nível I é de 42,85%, e do Nível Básico para o Nível VI é de 114,28%.

Já do Nível I ao Nível VI, em ordem ascendente, as variações intermediárias, são de 10%, 9,09%, 8,33%, 7,69% e 7,l4%.

As diferenças entre os Níveis I a VI até que são razoáveis, mas em relação ao Nível Básico a desproporção é grande.

A metáfora da escada aplica-se perfeitamente às carreiras e ilustra bem o problema. Uma boa escada, dessas que os pintores usam para alcançar os beirais dos sobrados, costuma ter a base larga e o topo estreito, mas as diferenças entre os degraus são mínimas. Já na escada construída pela LC 1059/08 faltam pelo menos três degraus entre o Nível Básico e o Nível I.

Se um pintor de paredes, depois de pôr o pé no primeiro degrau de uma escada assim, tentasse galgar o segundo, teria de ser removido para o Pronto Socorro mais próximo, com distensão muscular, pois precisaria

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elevar a perna três vezes mais. Uma escada como essa, além de perder estabilidade e firmeza, é até esteticamente feia. O projetista não deve sentir orgulho do seu desenho.

Vá lá que seja um período inicial da carreira, mas a discrepância é muito grande. Além de causar profundo mal-estar no convívio entre os integrantes da classe, provoca desfalque expressivo no quadro de servidores, tanto em quantidade como em qualidade, pois vários desses iniciantes aprovados em outros concursos (portanto, não passaram por sorte ou acaso no concurso para AFR), alguns dos quais ocupavam ótimas colocações, já migraram para outras carreiras públicas e até para o setor privado. Foram cabeças presumivelmente notáveis que debandaram, gente que teria futuro no fisco, que produziria muito para as finanças públicas, mas que o quadro fazendário paulista perdeu em razão dessa escada antiestética e injusta.

Nunca o índice de evasão foi tão grande. É uma falácia afirmar que esse indicador está dentro da normalidade. Basta comparar com os de outros concursos do mesmo cargo; uns gatos pingados é que iam embora. Agora, a tal remoção para o PS mais próximo é enorme.

Ademais, a eficiência, o empenho, a dedicação, a motivação dos ingressantes discriminados que ainda permanecem na carreira, como de resto a de todos os demais servidores que com eles convivem, são fatores influentes no clima de trabalho nas repartições, no ambiente, no humor das pessoas.

A solução ideal seria a simples eliminação do Nível Básico, ainda que com a manutenção do estágio probatório de três anos.

Soluções Alternativas

Alternativamente, poderia o governo estudar a hipótese de manter o Nível Básico, mas com variação percentual próxima à dos demais desníveis, iniciando com algo em torno de 3600 cotas fixas e reduzindo o interstício para dois anos.

Outra alternativa à extinção seria fracionar o Nível Básico em três degraus: os seis meses iniciais, relativos aos cursos introdutórios, poderiam ficar no montante das atuais 2800 cotas; após mais seis meses (um ano de carreira), viria o segundo degrau, com 3200 cotas; após mais seis meses

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(um ano e meio de carreira), viria o terceiro degrau, com 3600 cotas, e finalmente, após mais seis meses (ao cabo do segundo ano de carreira), o atual Nível I, com as suas 4000 cotas já estabelecidas. Seria, salvo melhor desenho, uma escada pelo menos um pouco mais justa e acessível.

São medidas que, se vierem associadas ao aperfeiçoamento da velocidade de ascensão, que abordaremos no próximo artigo, devolverão à carreira a motivação e o estímulo. A priori, é bom que se adiante, o custo é extremamente baixo, chega a ser ínfimo se comparado ao incremento que houve na arrecadação nos últimos três anos. E cabe, sem dúvida, na proposta de realocação de recursos que apresentaremos no artigo posterior ao seguinte.

* * *

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Parte V

os artigos anteriores da série, discutimos questões relativas à data-base, à correção nominal do valor da cota, à trava, ao teto e ao piso da carreira, o Nível Básico.

Agora abordaremos um tema que a alguns pode parecer pouco relevante, mas é de extrema importância.

A Velocidade das Promoções e o Resgate da Motivação

A regra de progressão na carreira, estabelecida pela LC 1059/08, do Nível I ao Nível VI, prevê que apenas 20% dos servidores de cada degrau poderão subir para o seguinte a cada disputa, e ainda assim mediante a observância de um interstício mínimo de três anos em cada um dos três primeiros níveis, e de quatro anos nos dois

seguintes, sendo que no último a permanência é ilimitada, vale dizer, cessam as expectativas de evolução.

Essas regras têm vários problemas. Vejamos os principais.

Um servidor de baixa produtividade e de pouca qualificação curricular, que seja promovido a cada cinco anos, poderá alcançar o topo da escada aos 28 anos de carreira (3 de Nível Básico, e 5 em cada um dos 5 degraus seguintes). E talvez nem merecesse…!

Por sua vez, um AFR de média produtividade, com mais de uma universidade na bagagem, talvez alguns diplomas de extensão universitária, enfim, um bom profissional, se for promovido, em média, a cada quatro anos, levará cerca de 23 anos para atingir o topo (3 de Nível Básico e 4 em cada um dos 5 degraus seguintes). Convenhamos que não é muita diferença em relação ao de baixa de produtividade.

Já um ótimo AFR, o melhor de todos, criativo, perspicaz, aquele que é requisitado para os trabalhos mais relevantes da Casa, que acompanha o Ministério Público em operações complexas e até arriscadas, que lavra muitos AIIMs e os sustenta com garra até a vitória, que motiva recolhimentos enormes aos cofres públicos, esse precisará de pelo

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menos 20 anos para atingir o topo, nem um dia a menos (3 de Nível Básico, 3 em cada um dos 3 primeiros níveis, e 4 em cada um dos 2 níveis anteriores ao último). Portanto, com essa regra, o AFR exemplar, paradigmático, não é devidamente recompensado; recebe quase o mesmo tratamento do AFR mediano, e não se distancia tanto assim do menos produtivo de todos.

E o pior é que, depois de atingir o topo, a LC não acena para os AFRs, sejam medianos ou exemplares, com nenhuma perspectiva de vantagem adicional, a não ser uma eventual, incerta e não sabida fumacinha de PR que passe pela chaminé do teto, e ainda assim desde que esse AFR se disponha a assumir um posto de comando, mesmo sendo um profissional estritamente vocacionado para a FDT, vale dizer, um ótimo servidor na linha de frente, na área de execução, mas talvez não fosse tão exemplar numa função mais burocrática, de comando, que são atividades bem diferentes.

* * *

Em suma, o problema da baixa velocidade das promoções decorre de três motivos:

a) No que se refere aos servidores mais produtivos, em razão dos longos interstícios mínimos obrigatórios, que deveriam ser totalmente eliminados, mantendo a disputa em função das cotas excedentes de produtividade, que se acumulam até a conquista do nível seguinte, quando então a contagem é recomeçada; já basta este acúmulo para distorcer a concorrência perfeita da competição; o interstício mínimo obrigatório significa dupla punição aos servidores mais produtivos.

Ilustrando, ao conter coercitivamente, num determinado nível, um profissional de larga produtividade, a Fazenda age como um balonista imprudente. Quem já soltou balão na infância sabe bem como é: puxam-se as extremidades, acende-se a tocha, espera-se que o ar quente expulse o ar frio, e quando o artefato pega força e quer subir — quando pega no breu, como se costuma dizer — não se deve contê-lo, pois ele pode balançar e pender, a chama atinge o papel e adeus alturas. Moral da alegoria: quando o balão tiver gás para subir, não se deve contê-lo, pois ele pode queimar.

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Os interstícios mínimos fixados na LC 1059/08 agem exatamente como o balonista imprudente: contêm o balão que está pegando no breu. Em alguns casos, o balão queima e morre de fato, ou se aposenta; em outros, a contenção é tão demorada que a tocha até se apaga: esvai-se o gás, a motivação, a energia para subir. E quem mais perde com isso é o próprio serviço público, o erário e a sociedade.

b) No que se refere aos profissionais de nível intermediário, bons servidores certamente, embora não excepcionais, o problema está no diâmetro do funil pelo qual passam os promovidos de cada ano, atualmente fixado em 20%. Esse percentual poderia ser elevado, sem grandes custos para a Fazenda paulista, de 1/5 para 1/3 ao ano. O incentivo — que hoje não chega a 5% do total das cotas de cada promovido, cujo custo atual situa-se em torno de 1% das cotas totais (20% de promoções ao ano X 5% de cotas adicionais a cada promovido), e com a alteração sugerida chegaria a apenas 1,667% das cotas totais (33,33% de promoções ao ano X 5% de cotas adicionais a cada promovido) — seria certamente recompensado pela maior motivação e pelo correspondente aumento de produtividade.

c) No que se refere aos servidores que já estão no topo da carreira, no Nível VI, a ausência de novos estímulos, por méritos, é um sério problema. Que motivação tem o profissional que não espera mais nada da carreira? Sem estímulo, talvez se acomode, ou perceba que a vida está em outro lugar. Em ambos os casos, quem mais perde com a evasão da competência e da experiência é o serviço público, o erário, a sociedade e o Estado.

O chamado abono permanência não é exatamente uma promoção; é uma compensação pela não aposentadoria, pela permanência no cargo, mas não é estímulo à maior produtividade. Este ocorreria se tais servidores que atingem o topo da carreira pudessem concorrer com os demais companheiros de nível a cotas adicionais de PR, por exemplo, mediante o confronto dos excessos de produtividade de cada ano, sempre zerados a cada nova conquista. É que faz parte da natureza humana buscar sempre novas metas, e quando se impede que isto ocorra, alguma consequência advirá, é inevitável.

Enfim, há que se revestir a promoção por merecimento em estímulo efetivo ao servidor, seja aos que estão trilhando os níveis iniciais da carreira, seja aos que já atingiram o topo. O custo é módico e o retorno é

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imenso. Que os dirigentes meditem sobre o assunto, se pretendem de fato maior motivação e empenho.

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Parte VI

á abordamos, nesta série, várias questões relativas aos ajustes necessários e urgentes na carreira fiscal. Antes que o leitor se pergunte de onde sairão os recursos para cobrir tais alterações, vamos

oferecer aqui uma boa pista da sugestão que apresentaremos no próximo e último artigo da sequência.

A Nota Fiscal Paulista

A NF-Paulista, que tem o pomposo título de Programa de Estímulo à Cidadania Fiscal, na verdade é uma tentativa de combater a sonegação do ICMS do setor varejista. Mas a questão do efetivo estímulo à cidadania é polêmica. No passado já houve experiências do mesmo tipo, com os talões da fortuna, por exemplo, e outras mais, que não resultaram no efeito esperado e foram descartadas.

É que cidadania não é uma virtude que se compra e se vende no balcão. O conceito de cidadania passa pela formação cívica das pessoas, pela educação, pela transparência do governo, pela confiança nas instituições, e até mesmo pelo exemplo dos governantes.

No caso específico da NF-Paulista talvez haja, conforme o lado do prisma pelo qual se observa, até um certo desestímulo à cidadania, pois as pessoas de bem não gostam quando são induzidas, de alguma forma, ainda que sutil, a engano. Quando se lhes garante, no site da SEFAZ-SP, por exemplo, que 30% do ICMS efetivamente recolhido pelo estabelecimento será devolvido ao consumidor que pedir para incluir no Cupom Fiscal ou na Nota Fiscal o seu CPF, e depois, ao observar que o crédito correspondente é irrisório ou nulo (ST), tais consumidores se sentem de alguma forma ludibriados, pois muitos sabem que o tributo vem embutido no preço da mercadoria e que o varejista pagou o ICMS ao seu fornecedor e este à Fazenda.

Em certos casos, quando o cidadão é cidadão mesmo, ele vai à repartição e pergunta. Quando lhe respondem que o imposto é sobre o valor acrescido, os tais 30% não são calculados sobre o ICMS total da mercadoria, mas sim sobre o valor da margem, que no varejo costuma

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oscilar em torno de 40%, de modo que os 18% correspondem a 7,2% do valor da mercadoria, então esse cidadão que não é bobo nem nada pega o celular e refaz a conta.

— Poxa, mas esta compra de R$ 1.000,00 no supermercado não me retribuiu R$ 72,00, veja, o crédito é vinte vezes menor!!

O servidor examina o Cupom, confere no site, é verdade. Será que o estabelecimento está sonegando? Entra no sistema e verifica: o Cupom está lá, corretíssimo. Então o agente abre a GIA daquele mês e verifica. Sim, está explicado, claro, o problema é que a maior parte das mercadorias do Cupom estão na ST. O servidor explica ao cidadão como funciona a ST: o varejista pagou o tributo ao fornecedor, mas quem recolheu foi o fabricante, não o emitente do Cupom, o senhor compreende?

O cidadão sorri meio de lado, meneia a cabeça e diz:

— Poxa, mas é tanta sutileza… Nunca imaginei que os verbos pagar e recolher tivessem sentidos tão diferentes assim.

O servidor, já meio sem jeito, atenua, explica que o cidadão vai concorrer a prêmios, veja bem…

— Mesmo que a mercadoria seja isenta o senhor vai concorrer, é uma tremenda vantagem.

— Ah, é? Mas que pena; não jogo nem na loteria, a minha religião não permite.

Mas o atendente, além de ser muito bom no que faz, é também espiritualista, responde que o cidadão pecou sem saber, esse tipo de pecado nem venial é, não costuma não atrapalhar a alma de ninguém, aliás… — e então o agente lança um argumento incontestável — o senhor pode doar o crédito a uma instituição de caridade…

E aqui está, a bem da verdade, a maior, senão a única virtude da NF-Paulista: os benefícios às instituições de caridade.

Porque a restituição aos compradores não é mérito, pelo contrário, pois os maiores consumidores, os que têm direito aos créditos mais elevados, são justamente os que mais compram, os de maior poder aquisitivo, os mais ricos da sociedade. Ora, devolver impostos à elite não é o que se poderia chamar de virtude da NF-Paulista, muito pelo contrário.

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Mas a questão fundamental não é o estímulo ou desestímulo à cidadania. O maior problema é que a NF-Paulista não consegue alcançar o objetivo a que se propõe: combater a sonegação. Ela tenta fechar uma das portas, a falta de emissão de NF, mas até mesmo essa única porta ela deixa entreaberta.

É que, segundo uma estimativa informal dos que lidam no metiê, existem na praça, já devidamente autuadas, cerca de 134 modalidades de sonegação. E não pense o leitor que se trata apenas de uma hipérbole; na verdade, além da falta de emissão da NF há muitas outras maneiras de sonegar ICMS.

Não é o ato de emitir o Cupom Fiscal ou a Nota Fiscal e de relacioná-los num arquivo magnético entregue à Secretaria da Fazenda que acaba com a sonegação. É muita ingenuidade supor isso. Se o contribuinte, em contrapartida, emitir NF de devolução ficta; se ao final do mês estornar o lançamento; se lançar o valor total corretamente, mas equivocar-se na base de cálculo ou na alíquota; se considerar uma operação normal como se isenta fosse, ou sujeita estivesse à ST; se inserir nos Mapas-Resumos cancelamentos que não ocorreram, embora mantendo o Cupom original intacto; se meio por descuido errar nas planilhas de ressarcimento de mercadorias sujeitas à ST remetidas para outras UFs, ou cujos fatos geradores não ocorreram; se enquadrar uma mercadoria como se fosse da cesta básica, embora não o seja; se atribuir a uma mercadoria um percentual de redução de base de cálculo que não lhe cabe; se não emitir oficialmente nenhum dos outros Cupons ou Notas Fiscais sem indicação do CPF; e se fizer tudo isso não nos Cupons e Notas, mas apenas nos Livros de Saídas, omitindo ou adulterando valores de bases de cálculo e alíquotas, ainda que mantendo íntegro o valor contábil de cada operação; e se por acaso resolve equivocar-se no Livro de Entradas ou no de Apuração, então é que as portas se escancaram para valer, serão tantas emoções que em certos casos será necessário o apoio da polícia ou do Roberto Carlos.

Portanto, é uma grande falácia supor que a mera emissão da NF ou do Cupom acabe com a sonegação. Se não houver um AFR para ir ao contribuinte e conferir o que consta nos documentos e nos livros com o que está na vida real, se não houver alguém para enquadrar na lei o que está na prateleira e confrontar com o que é lançado no Cupom, vale dizer, alguém para pôr a tranca na porta entreaberta e nas outras 134

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escancaradas das quais a NF-Paulista sequer se dá conta, de nada adianta a correta emissão.

Estas observações reforçam o argumento do tópico anterior e de todos os demais artigos desta série: o combate à sonegação, por mais informatizado que seja o controle, passa necessariamente pelos recursos humanos do fisco, eis porque este não pode ser relegado ou tratado como carreira de segunda linha. É dos bons serviços prestados por essa classe que dependem as finanças do Estado, os orçamentos de todas as Secretarias, inclusive os dos órgãos dos poderes Legislativo e Judiciário.

O ideal seria que o governo, com 1/3 ou no máximo metade dos recursos da NF-Paulista, substituísse o programa por outro que priorizasse a cidadania exclusivamente em função da solidariedade, a fim de que cada consumidor, ao exigir NF, não estivesse negociando no balcão, a preço vil, a sua cidadania. Neste caso, o consumidor apresentaria ao caixa um cartão com o número não do seu CPF, mas do CNPJ de uma entidade credenciada, que receberia os recursos. Estar-se-ia mantendo no programa sucessor da NF-Paulista exclusivamente a função social, que é a sua única virtude, como acabamos de ver, sem aviltar a cidadania nem inseri-la num cassino.

Em suma, por esta proposta, seria preservada a única virtude da NF-Paulista, e, ao mesmo tempo, cerca de metade a 2/3 dos seus recursos poderiam ser alocados no efetivo combate à sonegação fiscal. Mas deste assunto cuidaremos no próximo e último artigo desta série. Até lá.

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Parte VII

á abordamos, nesta série, questões pertinentes à data-base, ao valor unitário da cota, à trava, ao teto, ao piso, às

promoções por merecimento, à Nota Fiscal Paulista, e o economista responsável pelo cofre deve estar franzindo as sobrancelhas, coçando a orelha esquerda e se perguntando:

de onde sai o dinheiro para cobrir tudo isso?

A dúvida é procedente, pois a receita tributária já apresenta sinais de esmorecimento. Se nos três últimos anos cresceu em percentuais espetaculares, em 2011 há uma visível contração. Se comparada a arrecadação mensal de 08/2010 com a de 08/2008, por exemplo, houve um crescimento nominal da ordem de 57,78%, e real de 44,76 (levando-se em conta o IPC-FIPE). Mas comparando a de 08/2011 com a de 08/2010, o crescimento nominal foi de apenas 10,62%, enquanto o real foi de 3,77%. Note-se que a diferença é um abismo.

O problema é que, por um lado, a economia já não é a mesma, há uma forte crise internacional que vem afetando o emprego e a produção, até mesmo no Brasil, embora ainda palidamente; e por outro lado, no caso específico de São Paulo, a política de antecipação de receitas através da Substituição Tributária (ST), intensificada fortemente a partir de 2008, agora é que está produzindo os efeitos contrários, vale dizer, agora é que a conta está sendo paga. Em outras palavras, a ST deixou de influir positivamente na arrecadação e pode ter passado a produzir vários efeitos contrários, a saber:

a) Abriu brechas de evasão legal aos que operam com margens superiores aos IVAs-ST, e não são poucos os produtos e empresas que estão nesta condição, de vez que o cálculo é feito pela média ponderada das margens, e não pelo pico.

b) Abriu brechas, em tese, para a evasão travestida de legal, a dos que decidem operar com braços de distribuidores cujos sócios podem ser parentes ou prepostos com contratos de gaveta, com preços escamoteados, eis que o recolhimento complementar relativo às etapas seguintes de circulação foi dispensado.

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c) Criou uma maior propensão a sonegar por parte dos que operam com margens inferiores aos IVAs-ST, e que, por estarem impedidos legalmente de pleitear o ressarcimento, resolvem fazer justiça com as próprias mãos.

Todos esses fatores certamente estão contribuindo para mitigar o crescimento da receita tributária.

De modo que mais do que nunca agora é preciso contar com um esforço adicional da fiscalização, seja contribuindo com ideias a respeito de alterações legislativas, seja exercendo efetivamente, com motivação renovada, o combate à sonegação. E para que isto ocorra será preciso que o governo aja com criatividade, seja no sentido de estimular o fisco, mediante a correção do tratamento remuneratório que lhe vem dispensando, cujas distorções principais foram apontadas nos artigos precedentes desta série, seja na realocação de recursos necessários para esse fim, sobretudo em tempos de vacas magras.

Neste artigo, consideraremos uma possível fonte desses recursos:

Os Recursos Alocados na Nota Fiscal Paulista

A NF-Paulista, esmiuçada no artigo anterior desta série, foi implantada há quatro anos e, segundo o seu site, já distribuiu, entre créditos e prêmios, R$ 4.775.041.482,29; em números redondos, cerca de R$ 100 milhões por mês. Isto sem contar o custo de divulgação do programa, pois gente famosa e de cachê expressivo participou da campanha, que foi veiculada até em horário nobre. Mas, não havendo informações exatas sobre tais gastos, fiquemos com os números do site, em valores nominais, sem nenhuma atualização monetária.

Admitindo que a classe fiscal, entre ativos e aposentados com paridade, atinja a cifra de 10.000 servidores, que provavelmente está superestimada, se aqueles R$ 100 milhões mensais fossem alocados na carreira que efetivamente trabalha para fechar as 134 portas possíveis de sonegação às quais nos referimos no artigo precedente, isto repararia parte das injustiças que foram cometidas nos últimos anos contra a classe fiscal e a motivaria bastante, pois poderia resultar em aumentos da ordem de R$ 10 mil reais, por mês, para cada AFR, incluindo-se os da ativa e os aposentados com paridade.

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Mas este número é mais ou menos o dobro do que os AFRs estão pleiteando neste momento: reposição da corrosão inflacionária do valor da cota e atualização do seu valor real. Estas duas rubricas representam menos de 30% dos vencimentos atuais, cujo valor já acrescido por elas se situaria em torno dos atuais vencimentos dos Desembargadores, antes do aumento que se lhes está para ser concedido. Estas reposições, juntas, implicam em aumentos da ordem de R$ 3.000,00 a R$ 5.000,00 reais, por mês/AFR.

Outra reivindicação da categoria, a extinção do Nível Básico, que elevaria o piso da carreira em 1200 cotas, ao valor já atualizado pelo aumento da cota mencionado no parágrafo anterior (cerca de R$ 2,00 contra os R$ 1,5604 atuais) resultaria em aumento bruto de apenas R$ 2.400,00, isto para menos de 500 servidores, que receberiam também o aumento da faixa inicial indicada no parágrafo anterior.

As demais reivindicações já apontadas, em artigos precedentes desta série, são tão ínfimas que nem vale a pena calcular (data-base, velocidade das promoções, incentivos à motivação, etc). O certo é que todos estes itens somados representariam algo em torno de 4 a 5% de aumento a cada três anos, para cada AFR, e ainda assim conforme os seus méritos e produtividade. Se anualizados, estes aumentos trienais representariam algo em torno de 1,667% ao ano, ou seja, de R$ 240,00 a R$ 360,00 mensais, conforme o Nível do AFR.

Em suma, todos os aumentos somados não ultrapassariam a média bruta mensal de R$ 5.400,00 por AFR/mês, que, se descontados o Imposto de Renda e a Contribuição Previdenciária (que inclusive os aposentados pagam), resultaria no aumento líquido de cerca de R$ 3.240,00. Ora, não é tanto assim.

Para suprir as reivindicações atuais da classe fiscal, basta realocar cerca de metade da verba mensal destinada à NF-Paulista. Note-se que essas rubricas são da mesma família de despesas, ambas se destinam ao combate à sonegação fiscal. Sequer seria necessário transferir recursos das obras, da saúde ou da educação. Bastaria a alocação mais eficiente dos recursos que já estão sendo aplicados no controle da arrecadação.

E o governo nem precisaria abrir mão da NF-Paulista, bastaria reduzi-la para a metade ou até para 1/3, se quiser resolver o problema definitivamente. Ou, o que seria o ideal, substituir o programa por outro que priorizasse a cidadania em função da solidariedade, apenas e

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exclusivamente isto, a fim de que cada consumidor, ao exigir NF, não estivesse negociando no balcão, a preço vil, a sua cidadania fiscal. Neste caso, o consumidor apresentaria ao caixa um cartão com o número não do seu CPF, mas do CNPJ de uma entidade credenciada, que receberia os créditos. Estar-se-ia mantendo no programa sucessor da NF-Paulista exclusivamente a função social, sem aviltar a cidadania nem transformar em cassino o combate à sonegação. Vale dizer, seria preservada a virtude da NF-Paulista, e, ao mesmo tempo, alocar-se-ia de modo mais eficiente a posta restante dos recursos.

Ao acolher esta proposta, o governo estaria resgatando uma parte da sua dívida em relação à carreira fiscal do Estado de São Paulo, com custo adicional em torno de zero. Haveria certamente o resgate da motivação e o empenho aumentaria, com resultados compensatórios para a sociedade. Porque investir no agente que fiscaliza a receita tributária sempre é compensador, pois é o servidor que mais gera recursos para o Estado.

Por outro lado, o tsunami econômico que novamente percorre o mundo, embora talvez produza por aqui apenas algumas marolas, como já ocorreu em passado recente, não é justificativa para pôr os vencimentos do fisco no congelador. Pelo contrário, é nessas horas que a propensão a sonegar aumenta e a motivação do Agente Fiscal de Rendas é fator fundamental para que esse combate seja bem sucedido.

Que o governo ponha a mão na consciência e perceba que esta proposta, combinada com as dos artigos precedentes da série, é uma pechincha irrecusável.

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Page 29: REFLEXÕES SOBRE A CARREIRA FISCALEm 2010, o acumulado da arrecadação foi de R$ 105.317,7 milhões, ou seja, 60,86% mais do que fora arrecadado em 2008 (R$ 65.469,70 milhões). No

CARTAS DO FISCAL REFLEXÕES SOBRE A CARREIRA FISCAL Antônio Sérgio Valente

Série inédita de artigos publicada originalmente pelo www.BLOGdoAFR.com

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Sobre o autor

ANTÔNIO SÉRGIO VALENTE, cronista, contista e romancista. Publicou crônicas em diversos jornais, o romance A Solidão do Caramujo (1995) e o volume de contos Deus Protege os Cães Perdidos e Outros Achados (2000), que figurou entre os finalistas do Prêmio Jabuti. Participou do Grupo Contares e de diversas antologias, inclusive da UBE – União Brasileira de Escritores. Na década

de 1990 participou de oficinas literárias na Casa Mário de Andrade. Nascido em 1955,

é gaúcho de Porto Alegre, mas filho de paulistanos da gema, esta radicado em São Paulo desde a infância. Formado em Economia (FAAP) e em Direito (USP). Foi cartorário (auxiliar e escrevente no Tabelionato de Ermelino Matarazzo, Capital), analista econômico-financeiro da BOVESPA, Inspetor Fiscal da PMSP e Agente Fiscal de Rendas do Estado de São Paulo, cargo no qual se aposentou em 2010, para dedicar-se à literatura. [email protected]

CARTAS DO FISCAL A exemplo de entidades de classe, sites de especialistas e blogs de analistas, o BLOG do AFR lança o segundo livro eletrônico, com a série inédita de artigos de Reflexões sobre a Carreira Fiscal, de autoria do articulista convidado ANTÔNIO SÉRGIO VALENTE.

O tema é de extrema importância por tratar de uma carreira exclusiva de estado e, assim, de interesse de toda a coletividade. Esta publicação tem o caráter de provocar o debate e despertar o interesse para a importância estratégica da categoria fiscal.