rede sociais como palco

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Redes sociais como palco da participação política no Egito 1 Carolina Lima Silva Pereira 2 Resumo A participação política dos cidadãos na contemporaneidade deve ser pensada no contexto da globalização em que vivemos, com a crise de identidades que perpassam as esferas constitutivas que davam estabilidade ao corpus social. Agora configurada no espaço virtual, essa participação se dá nas comunidades virtuais, que operando com base em laços identitários, transformam-se em espaços de discussão, debate e mobilização. O presente artigo busca traçar um paralelo entre este cenário e as redes sociais, analisando o papel dessas mídias na articulação e mobilização do povo egípcio na revolução que depôs o ditador Hosni Mubarack conhecida como Primavera Árabe. Palavras-chave: Participação política; redes sociais; Facebook; Egito 1. Introdução Tendo em vista a presença cada vez mais intensa das Tecnologias de Informação em Comunicação (TIC´s) no papel de mediadoras do nosso contato com o mundo, servindo portanto como medium, o presente artigo faz um recorte o histórico que busca compreender a utilização das redes sociais, especialmente Facebook na revolução conhecida como Primavera Árabe que derrubou o governo ditatorial de Hosni Mubarak no Egito, em fevereiro de 2011. O que nos importa é resgatar como as redes foram usadas para articulação, e principalmente, para manutenção da mobilização popular. Acreditamos que, em governos democráticos, as redes sociais tendem a ser as novas “ágoras públicas”, devido ao potencial colaborativo e de coparticipação engendrado pela web 2.0. Direcionando nossas expectativas para mais além, enxergamos nas redes sociais a concepção habermasiana de esfera pública moderna, constituindo-se o espaço público privilegiado para debate de temas públicos. Nesse sentido, torna-se crucial debruçar-nos sobre fato tão relevante na história 1 Trabalho apresentado no GT de Historia da Mídia Digital, integrante do 9º Encontro Nacional de História da Mídia, 2013. 2 Mestranda no Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). [email protected]

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Page 1: Rede Sociais Como Palco

Redes sociais como palco da participação política no Egito1

Carolina Lima Silva Pereira2

ResumoA participação política dos cidadãos na contemporaneidade deve ser pensada no contexto da globalização em quevivemos, com a crise de identidades que perpassam as esferas constitutivas que davam estabilidade ao corpus social.Agora configurada no espaço virtual, essa participação se dá nas comunidades virtuais, que operando com base emlaços identitários, transformam-se em espaços de discussão, debate e mobilização. O presente artigo busca traçar umparalelo entre este cenário e as redes sociais, analisando o papel dessas mídias na articulação e mobilização do povoegípcio na revolução que depôs o ditador Hosni Mubarack conhecida como Primavera Árabe.

Palavras-chave:

Participação política; redes sociais; Facebook; Egito

1. Introdução

Tendo em vista a presença cada vez mais intensa das Tecnologias de Informação em

Comunicação (TIC´s) no papel de mediadoras do nosso contato com o mundo, servindo portanto

como medium, o presente artigo faz um recorte o histórico que busca compreender a utilização das

redes sociais, especialmente Facebook na revolução conhecida como Primavera Árabe que derrubou

o governo ditatorial de Hosni Mubarak no Egito, em fevereiro de 2011. O que nos importa é

resgatar como as redes foram usadas para articulação, e principalmente, para manutenção da

mobilização popular.

Acreditamos que, em governos democráticos, as redes sociais tendem a ser as novas “ágoras

públicas”, devido ao potencial colaborativo e de coparticipação engendrado pela web 2.0.

Direcionando nossas expectativas para mais além, enxergamos nas redes sociais a concepção

habermasiana de esfera pública moderna, constituindo-se o espaço público privilegiado para debate

de temas públicos. Nesse sentido, torna-se crucial debruçar-nos sobre fato tão relevante na história

1 Trabalho apresentado no GT de Historia da Mídia Digital, integrante do 9º Encontro Nacional de História da Mídia,2013.

2 Mestranda no Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). [email protected]

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da mídia digital, para entender como as redes, em um contexto não-democrático, foram utilizadas

pela população para forçar uma mudança na forma de organização do governo do país, que vivia

sob um regime ditatorial, alijado de eleições abertas há 30 anos.

2. Crise de identidades no campo político

Para entender o cenário de político mundial, é preciso levar em conta o contexto que se

apresenta como pano de fundo da sociedade moderna. Para muitos estudiosos, vivemos tempos de

crise das identidades, em que os referenciais que serviam de ancoragem social estão passando por

declínio, o que acarreta identidades fragmentadas, múltiplas e flutuantes. Pensadores como Stuart

Hall defendem a ideia de que existe um descentramento das identidades, que tem modificado a

forma como olhamos hoje em dia para as questões de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e

nacionalidade, que no passado serviam como fundamentos sólidos do nosso mundo. Dessa forma, o

próprio sujeito pós-moderno é visto como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente.

“(…) as identidades, que compunham as paisagens sociais “lá fora” e que asseguravam nossa

conformidade subjetiva com as “necessidades” objetivas da cultura, estão entrando em colapso,

como resultado de mudanças estruturais e institucionais.” (HALL, 2005. pg 12)

No cerne da explicação desse fenômeno de descentramento do sujeito está a globalização, que

ao contribuir com o deslocamento das identidades nacionais, interfere nas representações que nos

fornecem referenciais simbólicos de língua, nação, história, literatura e cultura. Como

consequências da globalização em relação às identidades nacionais, Hall aponta três possíveis

caminhos: o da desintegração, como resultado do crescimento da homogeneização cultural; a

resistência à globalização e o surgimento de novas identidades híbridas. (HALL, 2005. pg 69)

Com relação ao surgimento de movimentos políticos como o feminismo, na década de 60,

que deram início a outras iniciativas no sentido de busca por afirmação de direitos das minorias,

Hall sugere que esse momento histórico reforçou um enfraquecimento das organizações políticas,

que se pulverizaram no seio da sociedade. “Eles (os movimentos) refletiam o enfraquecimento ou o

fim da classe política e das organizações políticas de massa com ela associadas, bem como sua

fragmentação em vários e separados movimentos sociais.” (HALL, 2005. pg 44 )

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Outro autor que reforça essa visão é Canclini, para quem a globalização trouxe como

consequência o desinteresse pela política. “Esse esvaziamento simbólico e material dos projetos

nacionais deprime o interesse pela participação na vida pública. Mal se consegue reativá-lo em

períodos pré-eleitorais por meio de técnicas de marketing.” (CANCLINI, 2007, pg 19) Para

Canclini, ao mesmo tempo em que a globalização atua na expansão da potencialidade econômica

das sociedades, ao interferir na ideia de pertencimento a uma nação, opera reduzindo a capacidade

de ação dos Estados Nacionais, partidos, sindicatos e atores políticos clássicos.

Ao ver que o distanciamento da política e o aprofundamento das desigualdades geram não apenasdescrença, mas também turbulências nas cúpulas financeiras e nas economias, alta abstençãoeleitoral e abalos na base social, cabe perguntar se esse modo injusto de globalizar é governável.Ou, simplesmente, se a globalização feita desse modo tem algum futuro. (CANCLINI, 2007, p.21).

De acordo com o antropólogo, a tendência é que proximidade que os cidadãos experimentam

nos regimes democráticos com a interação entre esferas de poder locais, regionais e nacionais

estejam se perdendo porque, com a globalização a relação se estabelece com mais ênfase com as

entidades supranacionais. (CANCLINI, 2007) Dessa maneira, o que se perde com esse

“afastamento” dos centros de poder seria a construção de uma nível de interação com a política no

sentido de articulação que propicie a manifestação, a participação e o ingresso em esferas de

mobilização social.

Muniz Sodré também defende que a mídia despolitiza a política, sendo responsável pela sua

espetacularização e pela transformação dos políticos em personagens míticos, que acabam por

ocupar o papel dos partidos políticos.

A chamada “despolitização” midiática ou tecnológica resulta, por sua vez, do enfraquecimentoético-político das antigas mediações e do fortalecimento da midiatização. Sob a égide, da produçãoinformacional da realidade, a tecnointeração toma o lugar da mediação desviando os atorespolíticos da prática representativa concreta (norteada por conteúdos valorativos ou doutrinários)para a performance imagística. (SODRÉ, 2002. pg. 27)

Se, na esfera cultural como já identificamos, a sociedade vive uma “crise de identidade” em

que os modelos que antes nos guiavam na nossa compreensão do mundo estão em declínio, no

campo da política essa tendência se manifesta como uma crise de representação. Articula -se com

esse pensamento, as teorias do cientista político francês Bernard Manin que entende que nas

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sociedades democráticas vivemos uma “democracia de público”, caracterizada pelo declínio das

relações de identificação entre representantes e representados.

Frequentemente se afirma que a representação política está passando por uma crise nos países ocidentais.Durante décadas, a representação parecia estar fundamentada em uma forte e estável relação de confiançaentre o eleitorado e os partidos políticos; a grande maioria dos eleitores se identificava com um partido ea ele se mantinha fiel. Hoje, porém, o eleitorado tende a votar de modo diferente de uma eleição para aoutra, e as pesquisas de opinião revelam que tem aumentado o número dos eleitores que não seidentificam com partido algum. (MANIN, 2013, pg 1 )

Essa crise se manifesta com o surgimento de um perfil de eleitor flutuante caracterizado por

três importantes critérios: personalização na escolha do seu candidato, baixo vínculo partidário ou

ideológico e voto reativo, guiado pelos noticiários veiculados nos meios de comunicação. “O

formato de governo representativo que hoje está nascendo se caracteriza pela presença de um novo

protagonista, o eleitor flutuante, e pela existência de um novo fórum, os meios de comunicação de

massa.”(MANIN, 20013, pg. 31)

Acreditamos que a mídia, ao exercer impacto significativo sobre a sociedade contemporânea,

constrói representações da realidade que influenciam no campo político. Esse fenômeno ganhou

mais destaque no Brasil a partir de 1989, com a primeira eleição democrática para presidente pós-

ditadura. Se antes, o acesso do cidadão à política ocorria por meio de partidos políticos e

associações de moradores, a partir da presença maciça dos veículos de comunicação –

principalmente a televisão – na cobertura política, os mesmos passaram a atuar com grande força

na representação dos políticos aos cidadãos brasileiros, influenciando a opção do voto. Mesmo que

essa influência não tenha impacto dominante (devendo se levar em conta fatores sociais,

situacionais e culturais), contribui em grande medida para a despolitização dos cidadãos. Porém, os

eleitores têm condição de negociar com esse conteúdo, não consumindo passivamente tudo que os

veículos transmitem.

Para alguns autores, fica claro o papel de interdependência entre a emissores e receptores no

qual a televisão atua na construção do repertório utilizado para os cidadãos explicarem a política.

Alessandra Aldé aponta três mecanismos usados pelo meio: a apresentação da “essência dos fatos”,

do “estatuto visual da verdade” e da “novelização”. O primeiro deles, indica a necessidade que os

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receptores têm da TV apontar aquilo que merece ser visto; o segundo valoriza a imagem e

importância que os receptores dão de enxergar os fatos com seus próprios olhos, para assegurar sua

veracidade e o terceiro, diz respeito a uma tendência de personalização dos fatos. (ALDÉ, 2004,

pg. 198 e 199).

Citamos ainda as conclusões da pesquisadora Márcia Dias, que enumera outras causa para a

despolitização da sociedade. Ele argumenta que historicamente, no Brasil, a ligação entre partidos e

eleitores sempre foi frágil evocando aspectos mais conjunturais, como a enfraquecimento do

sistema de classes e das posturas ideológicas dos partidos.

(…) o declínio dos partidos políticos não é uma função da ascensão de novas tecnologias dainformação na contemporaneidade, mas fruto de um processo histórico cujas raízes se encontram nostermos do contrato representativo que legitima a forma do moderno governo democrático.” (DIAS,2005, p. 150 apud COLLING, pg. 352)

Diante desse panorama, cabe-nos pensar em alternativas viáveis para que a cidadania e a

participação política sejam possíveis, em um ambiente que estimule a construção de espaços de

discussão polissêmicos e democráticos. Nesse sentido, a amplitude de possibilidades que a internet

nos oferece para a construção desses espaços deve ser objeto de estudo e análise no campo da

comunicação.

3. Comunidades como alternativa ao global

Como contraponto a esse processo homogeneizador que a globalização acarreta, surge a

opção pelo comunitário. Nesse sentido, a comunidade surge como o espaço por excelência de trocas

mútuas de confiança e de relações pessoais amigáveis e podemos enxergá-la ainda como o local

onde se concretizam as trocas interpessoais a respeito do campo político. Na atualidade o espírito

comunitário é cada vez mais invocado no ambiente da globalização. Talvez o indivíduo, ao

defrontar-se dentro da globalização acione uma estrutura que permita se reconhecer e não ser

pulverizado. Neste sentido, é imprescindível a noção de comunidade, para tentar entender como se

processa a ideia de mundialização e como este propósito se caracteriza no processo globalizante.

Se pensarmos na mundialização como espírito presente em toda história da humanidade,

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podemos percebê-la na ampliação de fronteiras, expansão territorial e construção de impérios. A

globalização concretiza isso não mais pela conquista com armas e exércitos, mas com dispositivos

ordenadores da lógica e do capital, como por exemplo, os mass media. A globalização é muito mais

uma postura de mercado, um ordenamento de megaempresas e multinacionais. A postura

econômica, a forma de apropriação do capital define a forma como as regiões elaboram sua cultura,

língua, formas de expressão, política, religião e relações com outros povos. Articula-se uma rede de

interesses contratuais e o trabalho apresenta-se desvinculado da elaboração do produto, da

apropriação do capital e do controle do excedente, instalando-se uma nova possibilidade de posse

de bens.

O consumo passa a ser atrelado ao exercício da cidadania. Uma vez que é impossível controlar

o trabalho e as forças por ele regidas, só seria possível exercer domínio sobre a escolha dos bens

produzidos. A necessidade de formar um grupo advém não só do desejo de continuidade no mundo,

necessidade de identificação ou sobrevivência, mas sim no desejo de todo ser humano de ter êxito

no “drama na existência”. (PAIVA, 1998)

(...) na história do Ocidente, a ideia de comunidade sempre esteve no imaginário social, como aproposta de um mundo melhor e mais harmônico. Comunidade sempre representou uma saída, umapossibilidade de fazer reverter o modelo pautado na racionalidade instrumental, formulado peloIluminismo, e que redundou na sociedade atual, tecnoburocrática, de indivíduos atomizados edispersos.”(PAIVA, 1998, pg. 23)

Zygmunt Bauman busca pensar a reestruturação da comunidade em um mundo desenraizado

como o nosso, caracterizado por um estado de instabilidade, de fluidez, onde as relações não se

estabelecem pautadas sobre nenhum critério de durabilidade e se aceleram as relações

momentâneas. Para o sociólogo, a palavra “comunidade” apresenta não apenas um significado, mas

uma sensação de proteção, confiança uns nos outros, lugar de trocas mútuas de confiança, de

relações pessoais e amigáveis, algo bastante atraente em meio a um contexto de competição e de

individualidade que emerge em nossos tempos. No entanto, o autor acredita que no mundo atual a

existência da vida em comunidade se sustentaria em um campo de forças entre a busca por

segurança e o desejo de liberdade, que não poderiam ser conciliadas e encontradas sem atritos.

(BAUMAN apud ALMEIDA, 2001)

As pequenas comunidades que se unem por laços de identidade podem ser discutidas à luz do

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que Benedict Andersen denomina “Comunidades Imaginadas”. Elas pertencem a uma comunidade

maior: a Nação. Essa identidade nacional para o autor é uma comunidade viva apenas na

imaginação uma vez que é praticamente impossível se conhecer a maioria dos outros membros da

mesma nação, mas é essa imagem de unidade que transmite a ideia de uma eterna comunhão.

(ANDERSEN, apud HALL, 2005).

Como membros de tal “comunidade imaginada”, nos vemos, no olho de nossa mente, comocompartilhando dessa narrativa. Ela dá significado e importância à nossa monótona existência,conectando nossas vidas cotidianas com um destino nacional que preexiste a nós e continua existindoapós nossa morte. (HALL, 2005. pg 52).

4. Ressignificação de comunidade na cibercultura

Em tempos marcados pela força do virtual nas relações sociais, há que se pensar na

ressignificação do conceito de comunidade. O avanço das Tecnologias de Informação e

Comunicação (TIC´S) vem contribuindo para o acelerado processo de mudanças no mundo atual,

alterando noções de espaço e tempo na vida social. A pesquisadora Cicília Maria Krohling Peruzzo

acredita na evolução do conceito tradicional de comunidade para as comunidades em redes. As

pessoas que optam por esses agrupamentos, em geral possuem laços identitários (ideais, crenças e

valores) no entanto, não precisam mais estar próximas umas às outras para vivenciarem essas

trocas. Característica marcante dessas novas formas de comunicação, a desterritorialização não

impossibilita a formação de grupos sociais, pois agora mesmo que as pessoas não estejam

próximas, podem estar em contato umas com as outras através das comunidades virtuais.

Novo modo de comunicação ao transformar a dimensão espaço/tempo possibilitou a vivência de eventossimultâneos sem necessidade de estar num mesmo lugar. Isso modificou o conceito de comunidade,porque não há mais necessidade de interação face a face, de estar num mesmo território geográfico paraque haja processo comunitário. (PERUZZO, 2002, pg. 5).

Com a evolução da internet para 2.0 os conceitos de colaboração e contribuição passaram a

fazer parte da rotina das pessoas, que transformaram o ciberespaço em um local de manifestações

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vinculando ideias, reivindicações e críticas. É nesse ambiente, marcado pela construção de

processos coletivos que surge uma nova sociabilidade com o advento de mídias sociais,

especialmente o Facebook, uma das mais populares do Brasil com 61 milhões de membros

inscritos3. Essas ferramentas tomaram enorme proporção, sendo praticamente impossível hoje discutir

cultura sem falar de redes sociais, isso porque esses canais promoveram rupturas significativas na

contemporaneidade, nos aspectos de desintermediação, identidade/comunidade e mobilização

social. Caracterizada pela distribuição dos produtos culturais de forma padronizada, a cultura de

massas (predominante nos séculos XVIII ao XX) sofreu com a cibercultura o seu primeiro ponto de

ruptura por conta do conceito de desintermediação (LÉVY, 2000), o que permitiu a cada um de nós,

a possibilidade de publicar notícias, textos, músicas e vídeos na rede.

Pierre Lévy é um dos autores que mais acredita nas potencialidades da Internet como

ampliadora da democracia, justamente pelas facilidades de interatividade desta nova mídia e pelo

aspecto de que hoje, todos podem ser emissores. O que antes passava pelo crivo de jornais, editoras

e gravadoras ganhou passe livre na internet, que funciona como um canal aberto para todo tipo de

manifestação. O processo comunicativo, anteriormente controlado por veículos de comunicação que

exerciam controle da difusão da informação passa a ser horizontalizado, requerendo a participação e

interatividade do receptor.

O surgimento do ciberspaço cria uma situação de desintermediação, cujas implicações políticas eculturais ainda não terminamos de avaliar. Quase todo mundo pode publicar um texto sem passar por umaeditora nem pela redação de um jornal. O mesmo vale para todos os tipos de mensagens possíveis eimagináveis.” (LEVY 2000, pg 209).

Essa revolução tecnológica promoveu mudanças na questão da representação identitária,

alterando as formas das pessoas se relacionam umas com as outras, ao criarem no ciberespaço

ambientes de trocas pessoais e profissionais como as comunidades virtuais. As pessoas com perfis

nas redes sociais encontram nesses ambientes um lugar para manifestação individual. “São espaços

de interação, lugares de fala, construídos pelos atores de forma a expressar elementos de sua

personalidade ou individualidade.” (RECUERO, 2009. pg 25).

3 http://www.tecmundo.com.br

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Como consequência da cibercultura que nos rodeia, temos ainda nas redes sociais um

estímulo à mobilização e à participação popular. Como o próprio ciberespaço que estimula a

colaboração e a coparticipação, as redes sociais tornaram-se campo fértil para movimentos dessa

natureza. “Ações das redes sociais de cunho comunitário não se esgotam no ambiente do

ciberspaço. Elas advém de uma prática da realidade concreta e a ela retornam. É a partir ela que se

forma a partilha, a troca de conhecimentos e a confluência de interesses comuns.” (PERUZZO,

2002. pg 12)

Seja em manifestações políticas, a favor da paz ou em defesa do meio ambiente, as pessoas

que fazem parte dessas redes estão utilizando essas ferramentas para que suas vozes sejam ouvidas.

O exemplo mais emblemático dessa apropriação foi a utilização, no final de 2010, pelos egípcios da

rede social Facebook para manifestações contrárias ao regime do ditador Mubarak com mobilização

de milhares de pessoas na Praça Tahir que contribuíram para a queda do ditador.

No âmbito da comunicação social a Internet, à medida que se expande nas empresas, em casa daspessoas, nas escolas e na sociedade em geral, tem sido um suporte de desenvolvimento e facilitação daparticipação dos cidadãos em fóruns e debates de opinião sobre os mais diversos temas, permitindouma ampliação dessa participação, o que prova de algum modo que a Internet pode constituir-setambém como um importante meio de promoção de uma conduta mais ativa do cidadão.(PATROCÍNIO 2002 apud MIGUEL; FERREIRA. 2009. pg 20 e 21).

5. Compreendendo o Egito

Com mais de 81 milhões de habitantes, o Egito é um dos países mais populosos de África. A

grande maioria da população vive nas margens do rio Nilo, praticamente a única área não desértica

do país. Sua extensão territorial inclui também a península do Sinai.4 Nesse contexto de crise de

identidades, que perpassa o discurso contemporâneo, o Egito passou por profundas mudanças que

transformaram sua realidade nos últimos anos. Após a Primavera Árabe, o país vivenciou um

momento de transição, desde que o presidente Mubarak foi deposto. Uma divisão instalou-se na

sociedade entre os que acreditavam que o país devia continuar seguindo o rumo islâmico ou ser um

Estado laico. Venceu a primeira opção, e em julho de 2012 foi eleito o primeiro presidente civil da

4 http://pt.wikipedia.org/wiki/Egito

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história do Egito, Mohammed Morsi, ligado à Irmandade Muçulmana.5

Os argumentos iniciais que utilizamos para exemplificar a fragilidade dos Estados-Nações

frente a globalização podem também ser aplicados no caso egípcio. O consenso geral é de que o

governo do Egito, apesar de manter-se no poder por meio da violência estatal, tornou-se o principal

aliado dos EUA para sustentação do Estado de Israel, mantendo-se economicamente dependente do

imperialismo europeu. (SILVA, 2011). Portanto, as relações econômicas dentro e fora do país

ocorrem com base no sistema capitalista, o que carreia em si o processo globalizante.

A ligação com os EUA advém de sua localização estratégica para o mundo árabe, já que se

situa entre grandes potências petroleiras como Arábia Saudita, Emirados Árabes e Kuwait. Outro

fator crucial para entender a revolução trata-se da crise mundial de 2007, que impôs na agenda

política do Egito demandas de trabalho e salário que extrapolaram, a ponto de culminarem na

exigência de democracia no mundo árabe. (SILVA, 2011)

(…) o mundo árabe talvez tenha sido o que mais sofreu com a crise econômica mundial. (…) acrise aumentou o empobrecimento das massas, atingindo a juventude. Na Tunísia, 60% dapopulação possui menos de 30 anos e destes jovens, 50% estão desempregados. Neste contexto, opreço do pão chegou ao aumento absurdo de 200%. O desemprego, agravado pela crise, foi umtrampolim de revoltas, gerando o que se chamou de Primavera Árabe. (SILVA, 2011. pg 32.)

Entre os motivos que levaram o povo a protestar estava ainda a enorme violência policial e

leis que colocavam o país em estado de exceção, restringindo os direitos civis. Aliado a isso, havia

muito desemprego, salários baixos, falta de moradia e um governo acusado de muita corrupção.

(SILVA, 2011).

Todos esses indícios apontavam para uma grande insatisfação popular, que teve como palco

para a participação política, a rede social Facebook que no Egito acumulava o total de 5 milhões de

usuários. Congregando pessoas unidas por laços identitários, o Facebook foi de grande contribuição

para a revolução, abrindo-se como um canal de mobilização e luta por democracia.

6. O Facebook na revolução

5 http://pt.wikipedia.org/wiki/Pol%C3%ADtica_do_Egito

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As Fanpages criadas pelos revolucionários cumpriram importante papel na Primavera Árabe,

sendo utilizadas como canais de articulação e mobilização de movimentos que levaram ao fim da

ditadura egípcia. As contribuições se deram em vários níveis: facilitação da troca de mensagens,

espaço para discussão de ideias, propostas de novas movimentações, visibilidade mundial ao

movimento, apoio a movimentos similares em outros países, denúncia de torturas pela polícia.

A Fanpage mais importante foi a “We Are All Khaled Said”, que atualmente congrega 329 mil

usuários.6 Foi criada no final de 2010 por Wael Ghonim, executivo do Google no Egito, para

protestar contra a tortura da polícia egípcia que culminou na morte do estudante Khaled Said.

Mostrava fotos atrozes da tortura sofrida pelo estudante e deixava subentendido que aquilo poderia

ocorrer com qualquer cidadão egípcio.

Um post nesta página destaca uma data simbólica para o movimento, o dia 25 de janeiro de

2011 que seria marcado por uma série de manifestações contra o governo Mubarak. A mensagem

pede ajuda internacional, no sentido de estender a pressão popular para as embaixadas egípcias ao

redor do mundo, como pode ser conferida abaixo:

Ativistas de todo o Egito já concordaram em fazer o dia 25 de janeiro, o dia para começar a revoltapacífica egípcios contra a tortura, pobreza, corrupção e desemprego no Egito. Levante-se para osseus direitos egípcios. Aos nossos amigos internacionais: Ajude-nos por favor de toda formapossível para tornar este dia um sucesso. 25 de janeiro é o dia oficial da Polícia egípcia (em quecelebram nos torturando). Você quer ser parte da mudança no Egito? E ajudar a criá-lo?7

Os recursos de fotos e vídeos foram bastante explorados nas páginas e nesta em particular,

que mostrava fotos de protestos no Egito em em outros lugares do mundo, e também de

mobilizações ao redor do país, com intuito de mostrar que a população queria dar um basta naquele

regime. Via Facebook também era possível assistir as manifestações nas principais cidades do

Egito. O mais interessante foi a forma como essas postagens foram articuladas: “A cobertura era

colaborativa, ou seja, não havia uma equipe contratada com o objetivo de realizar vídeos e fotos das

manifestações, mas sim uma rede de internautas que produziam individualmente seus conteúdos, os

publicavam online e chegavam à Fanpage.” (REIS, 2011, pg. 14)

6 Dado do dia 01/05/2013. 7 https://www.facebook.com/photo.php?

fbid=176594399046219&set=a.134576649914661.12242.133634216675571&type=1&comments (Tradução livre da autora)

Page 12: Rede Sociais Como Palco

A resposta do governo a essas manifestações não tardou, tanto é que houve monitoramento e

bloqueio de acesso às redes sociais por parte do governo. Sobretudo, isso não impediu que a

população continuasse comunicando-se por outros meios e que a ditadura finalmente chegasse ao

fim. Em janeiro de 2011, a Praça Tahrir foi o ponto focal da revolta contra Hosni Mubarak. Cerca

15 mil pessoas tomaram a praça no dia 25 e em torno de 250 mil pessoas no dia 31. No dia 1º de

fevereiro foi convocada uma "Marcha de um Milhão" para ocupar a praça Tahrir. Em 11 de

fevereiro de 2011, depois de 30 anos, Hosni Mubarak renuncia ao poder. A Praça Tahrir, palco das

manifestações que ensejaram a queda da governo, vira cenário em que milhares de egípcios

comemoram a queda do ditador.

A utilização das redes sociais se inserem, nesse contexto, como legítima no processo de busca

pela redemocratização do país. Cumpre ressaltar sua importância para considerar as redes como

esse novo espaço de discussão, ou seja, essa nova ágora política.

Page 13: Rede Sociais Como Palco

6. Bibliografia

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Doutorado apresentada ao IUPERJ. 2001.

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BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: A busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Zahar,

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Page 14: Rede Sociais Como Palco

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