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Saúde em Debate ISSN: 0103-1104 [email protected] Centro Brasileiro de Estudos de Saúde Brasil Dias Quinderé, Paulo Henrique; de Almeida Sales, Fabergna Dianny; Alves Albuquerque, Renata; Salete Bessa Jorge, Maria A convivência entre os modelos asilar e psicossocial: Saúde Mental em Fortaleza, CE Saúde em Debate, vol. 34, núm. 84, enero-marzo, 2010, pp. 137-147 Centro Brasileiro de Estudos de Saúde Rio de Janeiro, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=406341770016 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

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Saúde em Debate

ISSN: 0103-1104

[email protected]

Centro Brasileiro de Estudos de Saúde

Brasil

Dias Quinderé, Paulo Henrique; de Almeida Sales, Fabergna Dianny; Alves Albuquerque,

Renata; Salete Bessa Jorge, Maria

A convivência entre os modelos asilar e psicossocial: Saúde Mental em Fortaleza, CE

Saúde em Debate, vol. 34, núm. 84, enero-marzo, 2010, pp. 137-147

Centro Brasileiro de Estudos de Saúde

Rio de Janeiro, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=406341770016

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Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal

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ARTIGO ORIGINAL / ORlGINALARTICLE

A convivência entre os modelos asilar e psicossocial:

Saúde Mental em Fortaleza, CE*

Living with the models asylum care andpsychosocial: Mental Health in Fortaleza, CE

Paulo Henrique Dias Quinderé I

Fabergna Dianny de Almeida Sales 2

Renata Alves Albuquerque 3

Maria Salete Bessa Jorge 4

137

I Psicólogo; especialista em Saúde

Mental e Mestre em Saúde Pública

pela Universidade Estadual do Ceará

(UECE); membro do Grupo de

Pesquisa Saüde Mental, Família,

Práticas de Saúde e Enfermagem

(GRUPSFE).

pau loq u i [email protected]

1 Enfermeira; Mestre em Cuidados

Clínicos em Saúde e Enfermagem pela

UECEi Professora da UECEi Membro

do GRUPSFE.

[email protected]

3 Psicóloga; pedagoga; Mestre em

5:lúde Pública pela UECE; membro do

GRUPSFE.

[email protected]. br

1 Enfermeira; Doutora em Enfermagem

pela Universicl"lde de Sáo Paulo (USP);

professora titular e coordenadora do

Mestrado Acadêmico em Saúde Pública

d, UECE; líder do GRUPSFE.

[email protected]

RESUMO Observa-se umaperspectiva de muddnçagradativa no modeÚJ de atenção

em Saúde Mental na cidade de Fortaleza, CE. Contudo, percebe-se a convivêncÚl

de dois modeÚJs de atenção: modeÚJ manicomÚlI epsicossocial. O objetivo do estudo é

analisar os modeÚJs de atenção no municipio de Fortaleza, analisando as atividodes

desenvolvidos nos serviços de Saúde MentaL Trata-se de um estudo quantitativo. Foi

detectado que o tipo de atividode maisftequente são as individuais, 89,9% dos ações

nos hospitaispsiquiátricos e81,4% nos CAPs. Embora venha acontecendo oprocesso de

muddnça dos dispositivos de atenção em saúde, asatividodesdesenvolvidospermanecem

baseados no modelo médico hegemónico.

PALAVRAS-CHAVE: Atenção à Saúde; Serviços de Saúde Mental- Avaliação

em Saúde; Modelos de Atenção em Saúde Mental.

ABSTRACr lheperspectilJe ofgradual change in the model 01Mental Health care in

the cityolFortaleza, CE, Brazil has bem observed However, there is the coexistence oftUJo

modelsolattention: theasylum andthepsychosodalmodeL lhe objectiveolthisquantitative

study was to analyze the existing models 01care in Fortaleza, as analyzing the activities

deveÚJped in Mental Health Services. It was observed that the mostjir:quent/y employed

activity is the individual type, which represents 89.9% 01the actions taken in psychÚltric

hospitaisand81.4% in the CtPs. Althoughaprocess 01change is happeningin the health

care devices, the deveÚJpedactivities are stilJ basedon the hegemonic medical modeL

KEYWO RDS: Health Care; Mental Health Services; Health Evaluation; Models

01Mental Health Care.

~ Este estudo é parte da pesquisa "Organização dos serviços de Saúde Mental: qualidade dos serviços, acessibilidade, integralidade e participação dos trabalhadoresde Saúde Mental no controle social", desenvolvida com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico e Fundaçiio Cearensede Apoio ao Desenvolvimento Cientifico (CNPq/FuNCAP).

Sl1lideem Debate. Rio deJ~Uleiro, v. 34, o. 84, p. 137-147, jan.lmar. 2010

Anotacao
Título do Artigo: A convivência entre modelos asilar e psicossocial: análise da atenção à saúde mental no municipio de Fortaleza-CE Autor(es): Paulo Henrique Dias Quinderé; José Maria Ximenes Guimarães; Maria Salete Bessa Jorge; Fabergna Dianny De Almeida Sales; Renata Alves Albuquerque a_Paulo_Henrique_Dias_Quinderé;_José_Maria_Ximenes_Guimarães;_Maria_Salete_Bessa_Jorge;_Fabergna_Dianny_De_Almeida_Sales;_Renata_Alves_Albuquerque
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138 QUINDERÉ. P.H.D.; SALES, ED.A.; ALBUQUERQUE. R.A.; JORGE, MS.B. • Aconvivência entre os modelos asilar e psicossocial: Saúde Mental em Fonaleza, CE

INTRODUÇÃO

O processo de reforma psiquiátrica ocorre no

contexto da luta pela redemocratização e reorganização

da sociedade brasileira. Em meados da década de 1970,

período em que se intensificaram as reflexões e os debates

acerca da assistência à Saúde Mental, com o surgimento

de vários movimentos sociais, dentre os quais o Movi­

mento de Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM),

que reivindicam melhores condições de trabalho e

denunciam os maus-tratos aos quais são submetidos os

portadores de transtornos mentais.

Ao MTSM, agregam-se outras iniciativas que

fazem encorpar a Reforma Psiquiátrica no Brasil, como

os Encontros de Coordenadores de Saúde Mental da

Região Sudeste (1985), posteriormente estendidas às

demais regiões, a 1 Conferência Nacional de Saúde

Mental (1987), como uma extensão da 8a Conferência

Nacional de Saúde. Por outro lado, o cenário interna­

cional fundamenta de forma teórica o arcabouço da

reforma psiquiátrica com as ideias e experiências da

tradição italiana de Franco Basaglia e da realização do

III Encontro Latino-Americano da Rede de Alternati­

vas à Psiquiatria, em dezembro de 1986 na cidade de

Buenos Aires, do qual participaram muitos militantes

do MTSM, proporcionando uma profunda reflexão

quanto ao pensamenro e ao trabalho dos profissionais

em Saúde Mental (AMARANTE, 1995).

A aprovação da lei 10.216 foi de vital importância

para a ampliação da assistência em Saúde Menral no Brasil.

A lei versa sobre a responsabilidade do Estado na área da

Saúde Menral, insrirui definirivamente a subsriruição gra­

dual dos manicômios pelos serviços substitutivos de base

comunitária, assegura direitos aos portadores de transtor­

nos mentais, garante uma organização da assistência a essas

pessoas, além de versar acerca do processo de internação

voluntária e involunrária dos pacienres (LOUGON, 2006).

Saúde em Debau. Rio de Janeiro, v. 34, n. 84. p. 137-147. jan.lmlu. 2010

No Ceará, o processo de reforma psiquiátrica

antecipou-se ao movimento reformista nacional por

meio da Lei Estadual Mário Mamede nO 12.151, de 29

de julho de 1992, e teve uma característica peculiar de

um movimento surgido do interior para a capital. As

mudanças nas cidades em que se implantaram os Cen­

tros de Atenção Psicossocial (CAPS) (Iguatu, Canindé

e Quixadá, CE) eram visíveis: redução nos gastos com

internações psiquiátricas e formação de movimentos

sociais para a criação de núcleos de Movimento da Luta

Antimanicomial (SA,VlPAIO; SANTOS; ANDRADE, 1998).

O processo de implantação dos serviços substitu­

tivos em Fortaleza iniciou em 1998, com a implantação

do CAPS geral da Secretaria Executiva Regional III (SER

III). Até o ano de 2005, existiam apenas três CAPS,

num município com população superior a 2 milhões

de habitantes. Somente no ano de 2006 é que houve

uma reestruturação da rede assistencial com a ampliação

dos serviços substitutivos e implantação de 11 novos

CAPS, residências terapêuticas e albergues terapêuticos

(ANDRADE et aI, 2007).

Este aspecto traz uma particularidade à cidade de

Fortaleza, a convivência entre os dois modelos de atenção

em Saúde Mental: o manicomial e o psicossocial.

Entende-se por modelos de atenção em saúde as

formas de organização das relações entre os diversos

atores presentes nos serviços de saúde mediadas pelas

tecnologias utilizadas no processo de trabalho, cuja

finalidade é inrervir sobre as necessidades de saúde

apresentadas pela população (TEXEIRA, 2003). Nesta

perspectiva, pode-se afirmar ainda que os modelos de

atenção à saúde são historicamente construídos como

parte de um contexto sociopolítico e econômico (JORGE

et aI., 2007).

A construção do modelo manicomial remonta

à instituição da psiquiatria enquanto saber médico

hegemônico, quando se estabelece o espaço hospitalar

como o ambiente autorizado a realizar intervenções de

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cura aos portadores de transtornos mentais. Tem como

característica a patologização da loucura, criando todo

um aparato tecnológico de intervenções e práticas cen­

tradas principalmente na medicalização (CARVALHO;

AMARANTE, 2000). Na medicalização da loucura, a

relação médico-paciente dá lugar à relação medicina­

hospitalização. Estrutura-se uma tecnologia, na qual o

poder é centrado na instituição por meio da aquisição de

um novo mandato social a partir de práticas que cercam

as vias para assistência em domicílio e para a confiança

no importante valor terapêutico dos vínculos familiares.

A hospitalização configura-se como única e necessária

resposta à loucura, sendo o tratamento baseado exclu­

sivamente na internação, medicalização e em técnicas

coercitivo-punitivas (CARNEIRO, 2008). Este modelo

ainda se faz presente na cidade de Fortaleza, tendo em

vista a existência de seis hospitais psiquiátricos.

No modelo asilar, os indivíduos são abordados

de forma fragmentada, ou seja, as intervenções são

centralizadas nele e desconsideram o seu entorno

social: família, grupo de amigos, comunidade. Além

disso, o sujeito é destituído de seus desejos e vontades

e passa a ser um meto expectador do seu tratamen to.

Já no modo psicossocial, espera-se que as diferentes

possibilidades de intervenção sejam contempladas e os

sujeitos sejam abordados em suas diversas dimensões.

Nesse novo modelo, a ênfase na reinserção social do

indivíduo é de grande relevância para a desconstrução

da imagem do louco perigoso, transformando-o num

ser ativo, participativo, autónomo e cidadão (COSTA­

ROSA, 2000).

Já o modelo psicossocial, nascido dentro da con­

juntura da reforma psiquiátrica, tem o objetivo de se

contrapor ao modelo asilar tanto em termos de saberes

e práticas como em termos de discurso que os articula,

surgindo a partir da influência de movimentos interna­

cionais no campo da Saúde Mental, como a psiquiatria

de setor e psicoterapia institucional (França), comunida-

des terapêuticas (Inglaterra), Saúde Mental comunitária

(EUA) e o movimento de desinstitucionalização (Itália)

(AIV1ARANTE, 1995).

A organização dos dispositivos institucionais é

fundamental para a transformação do modelo de atenção

à Saúde Mental. Em relação à organização institucional

dos serviços, o modelo asilar se caracteriza por organo­

gramas piramidais, ou seja, verticalizados, onde o fluxo

de poder institucional tem apenas um sentido: do ápice

para a base. As relações de poder estão bem definidas e

delimitadas. Os usuários têm seus espaços interditados,

assim como a população, de uma maneira geral. Já no

modelo psicossocial, o organograma de organização

do serviço é horizontal. Na organização do trabalho

de equipe o poder é diluído entre os trabalhadores que

a compõem, bem como entre os trabalhadores e os

usuários. Nesse novo modelo, a população assume uma

postura de participação ativa das decisões da instituição

(COSTA-RoSA, 2000).

Os serviços substitutivos ao modelo hospitalo­

cêntrico precisam subverter a lógica da hierarquização

e se organizarem de forma que agreguem os diferentes

níveis de atenção à saúde em uma só unidade. Podem,

portanto, atuar em nível de atenção primária, no acom­

panhamento e apoio matricial de casos nas Unidades

Básicas de Saúde (UBS), fazer atendimento especiali­

zado dos casos de transtornos mentais e acompanhar

os pacientes nas unidades de internação psiquiátricas

nos hospitais gerais, perpassando os diversos níveis de

complexidade do sistema de saúde (ONOCKO-CAMPOS;

FURTADO, 2006).

Considerando a expansão da rede de serviços de

Saúde Mental de base comunitária com o propósito de

substituição do modelo manicomial de um lado, e a

coexistência de hospitais psiquiátricos de ourro, o pre­

sente estudo se faz relevante por discutir a conjuntura

atual onde se dá a convivência entre os dois modelos de

atenção em Saúde Mental.

Sl1lideem Debate. Rio deJ~Uleiro, v. 34, o. 84, p. 137-147, jan.lmar. 2010

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Ressalta-se que o paradigma biológico, até então

hegemónico, legitima o funcionamento das institui­

ções psiquiátricas, sendo que a reforma psiquiátrica é

fundamentada no paradigma psicossocial e, portanto,

tem como loeus de tratamento os serviços substitutivos

de atenção em Saúde Mental. Tal polarização teórica,

no entanto, não impede que, em ambos os tipos de

serviços, convivam práticas biológicas e psicossociais.

Então, mais uma vez, justifica-se a relevância deste

estudo em tentar captar as práticas de Saúde Mental-existentes em ambos os contextos. E de suma impor-

tância para os gestores e profissionais que terão um

retrato das atividades desenvolvidas em seus serviços,

pois proporciona reflexões acerca do seu "saber fa­

zer", trazendo subsídios e críticas para o processo de

mudanças na atenção aos portadores de transtornos•mentaIs.

Com base nessas considerações, cabe o seguinte

questionamento: está sendo possível, no município de

Fortaleza, mediante a implantação dos serviços substi­

tutivos subverter a lógica manicomial?

Com a perspectiva de responder a tal indagação, o

objetivo deste estudo é analisar os modelos vigentes de

atenção em Saúde Mental no município de Fortaleza,

tomando como objeto de análise as atividades desen­

volvidas nesses serviços.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo exploratório, de avaliação,

com abordagem quantitativa, no qual se abordaram

aspectos relacionados à organização da atenção à Saúde

Mental, à estruturação do sistema local de atenção à

Saúde Mental, tomando como objeto as atividades

desenvolvidas nos serviços articulando-as aos modelos

de atenção vigentes.

Saúde em Debau. Rio de Janeiro, v. 34, n. 84. p. 137-147. jan.lmlu. 2010

Foi realizado na cidade de Fortaleza, Ceará, junto

aos trabalhadores de quatto hospitais psiquiátricos e de

três CAPS do município. Em relação aos CAPS, destaca-se

que no início da pesquisa estes eram os únicos serviços

dessa natureza em funcionamento.

A amostra, nesta fase da pesquisa, foi composta por

274 trabalhadores atuantes na área da Saúde Mental,

sendo 44 trabalhadores dos três CAPS e 230 dos hospi­

tais psiquiátricos, aos quais foi aplicado um formulário

elaborado por pesquisadores do Grupo de Pesquisa

Saúde Mental, Família, Práticas de Saúde e Enfermagem

(GRUPSFE). Entre outras perguntas, solicitava-se que

fossem informadas as principais atividades realizadas no

serviço, considerando-se para a construção da categoria

de análise a sua primeira resposta.

Os participantes da pesquisa foram organizados

em cinco grandes categorias de trabalhadores: médicos,

enfermeiros, outros trabalhadores de saúde de nível

superior, técnicos e auxiliares em saúde, o que engloba

os técnicos e auxiliares de enfermagem, os auxiliares de

terapia ocupacional, atendentes de farmácia e laborató­

rio, e outtoS trabalhadores de nível médio, o que envolve

os técnicos de nível médio da área administrativa e os

trabalhadores da equipe de apoio. A coleta de dados foi

feita durante o período de 2005 a 2006.

Para efeitos de análise dos resultados, primeira­

mente foi estruturado um banco de dados pertencente

ao GRUPSFE, a partir do qual se procedeu à análise

estatística descritiva mediante o cálculo das frequências.

Para tanto, utilizou-se o software SPSS 11.5.

Na perspectiva de atender aos princípios éticos

da pesquisa envolvendo seres humanos, o projeto foi

submetido à aprovação do Comitê de Ética em Pes­

quisa da Universidade Estadual do Ceará (UECE),

obtendo-se parecer favorável. Após os devidos esclare­

cimentos, os ptofissionais que optaram por participar

da pesquisa assinaram o termo de consentimento livre

e esclarecido.

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RESULTADOS

O tipo de atividade mais frequentemente reali­

zada pelos trabalhadores de Saúde Mental nos serviços

estudados são individuais, reptesentando uma taxa de

88,39%, enquanto as atividades em grupo correspon­

dem a apenas 11,61%.

Quando diferenciado por instituição de Saúde

Mental, observa-se que tanto nos hospitais psiquiátricos

(89,95%) quanto nos CAPS (81,49%) a principal ativi­

dade realizada é a individual. No entanto, as atividades

em grupo são referidas mais frequentemente como

principal atividade nos CAPS (18,51%) do que nas ins­

tituições psiquiátricas (10,15%) (Figura 1).

Verificou-se que emre as principais arividades in­

dividuais realizadas nos hospitais psiquiátricos estão as

consultas ambulatoriais e os cuidados diretos ao paciente

(33,9%), aproximando-se do resultado encontrado nos

CAPS (36,4%).

As atividades relacionadas à administração e

preparo e à dispensação de medicação são maiores nos

hospitais psiquiátricos (25,7 e 5,2%) do que nos CAPS

(4,5 e 2,3%).

As atividades burocráticas relacionadas ao paciente

são mais frequentes nos CAps (11,4%) do que nos hos­

pitais psiquiátricos (7,0%) (Tabela 1).

Quando as atividades individuais são distribuídas

por trabalhadores, observa-se que as mais realizadas

pelos profissionais de saúde dos CAPS são as consultas

ambulatoriais: médico (100%), enfermeiro (100%) e

ou tros profissionais de saúde de nível superior (85,7%).

Os demais profissionais de saúde também realizam

atividades ligadas à administração (14,3%).

Os técnicos auxiliares em saúde apresentam uma

maior mobilidade nas atividades individuais nos CAps, pois

são responsáveis por atividades administrativas (30%) e bu­

rocráticas (30%), por administração de medicação (20%),

além de prestarem cuidados diretos ao paciente (30%).

Nos hospitais psiquiátricos, a maioria dos profis­

sionais de nível superior tem como principal atividade

individual as consultas ambulatoriais: médico (100%),

outros profissionais de nível superior (72,4%) e enfer­

meiros (52,4%).

FIGURA 1 - Distribuição da principal atividade realizada nas instituições de Saúde Mental de Fortaleza (CE), 2005

%

89,9 81,4

18,5

Atividade Individual

• Atividade emGrupo

HospitalPsiquiátrico

CAPS

Fonte: Banco de D.ldos do GRUPSFE.

Instituição de Saúde Mental Fortaleza

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TABELA 1 - Principais atividades individuais realizadas pelas instituições de Saúde Mental de Fortaleza (CE), 2005.

Atividade individual

Administração de medicação

Administrativas e serviços gerais

Consulta e cuidados direros ao paciente

Atividades burocráticas relacionadas ao paciente

Prepara e dispensa medicaç..io

Torai

Fome: Banoo de Dados do GRUPSFE.

n

2

20

16

5

44

lnstituição

CAPS Hospital Psiquiátrico

% n %

4,5 59 25.7

45,5 65 28,3

36,4 78 33,9

I 1,4 16 7

2,3 12 - ?),-

100 230 100

TABELA 2 - Principais atividades de grupo realizadas pelas instituições de saúde mental de Fortaleza (CE), 2005

lnstltuiçáo

n

Atividade em Grupo Hospital psiquiátrico

Arte-terapia

Reunião em grupo

Grupo acolhimento

Grupo terapêutico

Laborrerapia

Psicoterapia grupo

Atividade recreativa

Total

Fome: Banoo de Dados do GRUPSFE.

I

4

4

O

O

10

CAPS

%

O

10

40

40

O

10

O

100

n

8

I

9

2

3

3

26

%

30,8

O

3,9

34,6

7.7

11,5

11,5

100

Destaca-se que os enfermeiros dos hospitais psi­

quiátricos assumem também atividades administrativas

(23,8%) e burocráticas relacionadas ao paciente (23,8%),

bem como os demais profissionais de saúde de nível su­

perior (6,9 e 3,4%), que também realizam atividades de

preparo e de dispensação de medicação (17,2%).

Para os técnicos auxiliares em saúde, a atividade

de maior frequência passa a ser a administração de

medicação (55,1 %), seguida dos cuidados diretos ao

paciente (27,1%).

Saúde em Debau. Rio de Janeiro, v. 34, n. 84. p. 137-147. jan.lmlu. 2010

As principais atividades coletivas realizadas nos

CAPS são os grupos de acolhimento e os grupos terapêu­

ticos (40%). Em seguida, temos as reuniões em grupo e

a psicoterapia de grupo, com 10% cada. Nos hospitais

psiquiátricos, as principais atividades coletivas são os

grupos terapêuticos e arte-terapia com 34,6 e 30,8%,

respectivamente, seguidas das psicoterapias grupais

e atividades recreativas (11,5% cada) e laborrerapia

(7,7%). O grupo de acolhimento aparece com (3,9%)

(Tabela 2).

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Quando as atividades grupais sáo distribuídas

por trabalhadores, percebe-se que a principal atividade

realizada pelos enfermeiros, nos hospitais psiquiátricos,

é o grupo terapêutico (100%). Os demais profissionais

de nível superior dividem-se entre as atividades coletivas

de arte-terapia (29%) e grupo terapêutico (29%). Os

técnicos auxiliares em saúde participam das atividades

relacionadas à arte-terapia (60%), laborterapia (20,0%)

e atividades recreativas (20,0%).

Nos CAPS, as atividades coletivas mais realizadas

pelos enfermeiros sáo grupo de acolhimento (50%) e

grupo terapêutico (50%) e, pelos outros profissionais de

nível superior, a reuniáo de grupo (50%). As atividades

dos técnicos auxiliares em saúde se concentram no grupo

terapêutico (100%).

DISCUSSÃO

As principais atividades desenvolvidas pelos pro­

fissionais no campo da Saúde Mental do município

estudado ainda sáo preponderantemente individuais,

característica herdada de um modelo asilar, no qual o

doente mental é tratado apenas em seus aspectos biológi­

cos. Tanto nos hospitais psiquiátricos quanto nos CAPS,

as atividades coletivas sáo delegadas ao segundo plano,

contrapondo-se ao novo paradigma de Saúde Mental,

no qual o enfoque visa à reconstruçáo do sujeito em

sua multiplicidade, preservando-se sua subjetividade

(aspectos individuais), sua história de vida e suas relações

interpessoais (família, comunidade, amigos) (ZERBETO;

PEREIRA, 2005).

A concentraçáo de atividades individuais nos CAPS

por parte dos trabalhadores aponta possivelmente para a

ideia de que suas práticas se dáo no âmbito dos serviços,

náo articulando suas ações de forma coletiva com o ter--ritório de abrangência. E importante que as atividades

desenvolvidas nos CAPS sejam capazes de promover a

conexáo do paciente com os serviços e, a partir daí, com

O território. Assim, as práticas realizadas transformam-se

em ferramentas de ressignificaçáo das difíceis experiên­

cias dos sujeitos (LEAL; DELGADO, 2007).

Os CAPS buscam a reabilitaçáo psicossocial do

usuário, o que, segundo Zerbetto e Pereira (2005),

significa reconstruir e exercitar os direitos de cidadania,

trabalhando no tripé casa/trabalholrelações sociais. A

reabilitaçáo psicossocial ampliada potencializa o desen­

volvimento de habilidades de enfrentamento de situa­

ções sociais, reduzindo a condiçáo de vulnerabilidade do

indivíduo. Tal modelo de intervençáo acontece contex­

tualizado com o conjunto de determinantes presentes no

território, buscando estabelecer novas ordenações para a

vida daqueles que procuram O serviço (LUSSI, PEREIRA;

PEREIRA]ÚNIOR, 2006). Desta forma, a atençáo centra­

da prioritariamente nas atividades individuais se torna

insuficiente para atender este modelo de atençáo.

De acordo com Costa-Rosa (2000), lIDU das ca­

racterísticas do modelo asilar é a realizaçáo do trabalho

pelos profissionais de maneira comparti mentalizada.

Ou seja, os profissionais se encontram apenas nos

prontuários dos pacientes e náo se reúnem em grupo

para discutirem suas atividades em comum. Apesar das

mudanças ocorridas na reestruturaçáo dos serviços e na

composiçáo de equipes interdisciplinares, a organizaçáo

do trabalho parece ainda estar centrada no procedimen­

to, refletindo o modelo de "linha de montagem" e, como

consequência, a fragmentaçáo do modo de atençáo aos

indivíduos acometidos.

Embora esteja acontecendo o processo de mudança

dos dispositivos de atençáo em Saúde Mental- do hospi­

tal psiquiátrico para os CAPS - de uma maneira geral, as

atividades desenvolvidas permanecem baseadas no biolo­

gicismo, no individualismo e na compartimentalizaçáo

do trabalho. Deste modo, é dada grande ênfase por parte

de ambos os serviços às atividades individuais.

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Os dados do estudo mostram que, dentre estas

atividades, uma grande parcela vem sendo dispensada

aos cuidados diretos ao pacientes, seja por meio de

consultas, de ambulatórios específicos ou psicoterapia, o

que aponta para uma reproduçáo por parte dos serviços

de Saúde Mental substitutivos do manicómio centrada

no modelo da clínica tradicional. O modelo psicossocial

deve ir em direçáo à clínica ampliada do sujeito e náo à

clínica das especialidades, executada pelos especialistas.

A clínica ampliada torna-se uma relaçáo estratégica

quando realizada nos espaços sociais e náo "no ato

médico ou psicoterápico do consultório" (AMARANTE;

TORRE, 2001, p. 78).

No modelo psicossocial, as intervenções se dáo

no contexto de vida do indivíduo e de sua família e do

meio ambiente natural e social onde estáo inseridos.

O indivíduo é considerado em sua multidimensiona­

lidade, ampliando-se a concepçáo de saúde como uma

experiência subjetiva e resultante de um equilíbrio

dinâmico de aspectos físicos, psicológicos, bem como

de suas interações com o meio social (PÜSCHEL; IDE;

CHAVES, 2006).

As atividades que estáo relacionadas ao preparo,

à dispensaçáo e à administraçáo de medicaçáo sáo con­

sideravelmente maiores nos hospitais psiquiátricos do

que nos CAPS, apontando para uma importante tentativa

de mudança na atençáo aos portadores de transtornos

mentais que é reforçada pela quantidade de atividades

de grupo tidas como principais, o que se apresenta

com maior frequência nos CAPs do que nas instituições. ., .

pSlqUlatrlcas.

Para Costa-Rosa (2000), o modelo asilar de aten­

çáo à Saúde Mental enfatiza as determinações orgânicas,

o que significa que seu meio básico de tratamento é o

medicamentoso. Amarante e Torre (2001) colocam que

para o saber psiquiátrico hegemónico a doença mental é

concebida de maneira naturalista, dando poder e força

às práticas de asilamento, patologizaçáo e medicalizaçáo

Saúde em Debau. Rio de Janeiro, v. 34, n. 84. p. 137-147. jan.lmlu. 2010

dos transtornos mentais. Portanto, há uma crença por

partes dos trabalhadores de que a eficácia do tratamento

se dá pela química.

Mostazo e Kirschbaum (2003) colocam que há,

por parte dos usuários dos serviços de Saúde Mental,

uma representaçáo socialmente determinada do uso da

medicaçáo associada ao tratamento psiquiátrico, permi­

tindo a sua adesáo significativa como condiçáo básica

de tratamento nos CAPs.

Este duplo movimento em que os profissionais

assumem uma postura tradicional centrada no modelo

biológico da doença mental e os usuários buscam o ser­

viço na esperança de que uma medicaçáo aplaque todos

os seus males, tende a se retroalimentar, tornando-se

um ciclo vicioso.

No modelo psicossocial, outros fatores assumiráo

tamanha importância. As implicações subjetivas ganha­

ráo maior ênfase na abordagem e acompanhamento dos

casos. Os aspectos socioculturais seráo importantes para

o entendimento do transtorno psíquico apresentado,

bem como para a conduçáo dos casos. A desmedica­

lizaçáo do tratamento é um aspecto preponderante

na aplicaçáo do modelo psicossocial, potencializando

outros recursos relegados pelo modelo asilar (COSTA­

ROSA,2000).

Observa-se claramente que, nas instituições

hospitalares de Fortaleza, o enfermeiro divide suas

funções entre os cuidados diretos ao paciente e o

gerenciamento deste cuidado, delegando as ações de

cuidados físicos e administraçáo de medicamentos

aos técnicos e auxiliares de enfermagem. Nos CAPS,

o enfermeiro precisa estar mais próximo do seu novo

papel na Saúde Mental que, segundo Andrade e Pe­

dráo (2005), é o de agente terapêutico com base na

relaçáo com o paciente e compreensáo de seu com­

portamento, com O objetivo de promover qualidade

de vida do indivíduo. Com relaçáo aos técnicos e

auxiliares de enfermagem, dentro do novo paradigma

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da Saúde Mental, é possível estabelecer com o usuário

uma postura de escuta, de atenção à problemática

de saúde do indivíduo que busca ajuda, utilizando o

acolhimento como instrumento de intervenção nos

CAPS (ZERBETTO; PEREIRA, 2005).

Os profissionais médicos continuam centrando

suas atividades nas consultas e no ambulatório tanto nos

hospitais psiquiátricos quanto nos serviços substitutivos.

Há uma evidente reprodução do modelo biomédico

em ambos os espaços de atenção à Saúde Mental. Esses

lugares não têm as atividades grupais como prioridade,

seja por meio de grupos terapêuticos, de reuniões para

discutir a sua prática diária ou para discutir os casos de

maneira coletiva. O presente estudo corrobora os au­

tores Antunes e Queiroz (2007), que trazem a atuação

do médico de forma hegemónica e centrada no modelo

biomédico, enquanto os demais profissionais de saúde

atuam como coadjuvantes no processo de atenção, ca­

bendo a eles a abordagem das dimensões psicológicas e

sociais. Como coloca Franco, Bueno e Merhy (1999),

o trabalho nas equipes de saúde se organiza a partir da

figura do médico, que determina o trabalho dos demais

profissionais.

Percebe-se um avanço nas práticas de atenção ao

portador de transtorno mental desenvolvidas nos hos­

pitais psiquiátricos de Fortaleza a partir da ampliação

das atividades coletivas, entre elas grupos terapêuticos

e arte-terapia, provavelmente devido a instrumentos

de fiscalização que pretendem descaracterizar o mode­

lo asilar, como O Programa Nacional de Avaliação do

Sistema Hospitalar (PNASH/Psiquiatria). De acordo

com Delgado et aI. (2007), o programa objetiva avaliar

a esttutura física dos hospitais, a sua dinâmica de fun­

cionamento, os processos e recursos terapêuticos, além

da adequação destes hospitais à rede de atenção à Saúde

Mental no território.

Porém, Vieira Filho e Nóbrega (2007) afirmam

que o hospital psiquiátrico ainda representa o modelo

manicomial como uma Instituição Total, de acordo com

o conceiro de Goffman, que atua com uma esrrutura de

poder englobador e possuidor de um sistema rigoroso

de normas explícitas, no qual as trocas sociais são pra­

ricamente inexisrentes. Goffman (1987) afirma que até

mesmo no interior das Instituições Totais há restrição

entre a transmissão de informações e contato entre os

indivíduos, o que ajuda a conservar mundos sociais

distintos e com pouca interpenetração.

Para Amarante e Guljor (2005 p. 70), a "orga­

nização de serviços sem a desconstrução/reconstrução

dos saberes e práticas" gera um aumento da demanda

de cuidado em Saúde Mental, ocorrendo o que alguns

autores consideram uma psiquiatrização social. A pro­

gressiva desospitalização dos indivíduos com transtornos

mentais, sem a respectiva criação de uma rede de suporte

psicossocial que os atenda em suas múltiplas dimensões

e que seja de fato substitutiva ao modelo manicomial,

pode gerar uma crescente fileira de excluídos e desas­

sistidos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da inserção de novos instrumentos de cui­

dado ao indivíduo com transtornos mentais, pensados

com base na preocupação com sua subjetividade e com

O seu meio social por meio da comunicação terapêutica

e da escuta, criar-se-ão espaços de ruptura com o modelo

manicomial.

No entanto, apenas a implantação de serviços

substitutivos extra-hospitalares não é suficiente para

mudar a lógica da assistência manicomial. Práticas

antigas do manicómio continuam presentes nestes

serviços, tais como a centralização do atendimento na

figura do médico de maneira individualizada, a utili­

zação do medicamento como terapêutica principal, a

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não-partiCIpação dos clientes na construção de seus

projetos terapêuticos, a falta de capacitação adequada

dos profissionais para atuar na área da Saúde Mental e

coletiva, assim como as dificuldades destes profissionais

em trabalhar de maneira articulada com os demais

setores sociais e serviços de saúde.

Assim, percebe-se uma superposição de modelos

de atenção em Saúde Mental no município de Fortaleza,

onde os hospitais psiquiátricos ainda são hegemônicos.

Os CAPS ainda não se consolidaram como serviços

substitutivos, nlostrando-se muito nlais conlO uma

alternativa ao modelo manicomial, já que neles vem

ocorrendo uma reprodução das características do hos­

pital psiquiátrico expressa pela concentração de proce­

dimentos individuais, O que parece na oser potente o

suficienre para rencionam dialeticamenre, e portanto de

maneira radical, a essência do paradigma psiquiátrico.

Este fato não reduz sua importância, sobretudo como

perspectiva de ruptura com um modelo excludente e

cronificador. No enranto, acredita-se que seja necessário

repensar sua posição e funcionalidade na construção de

uma rede de atenção à Saúde Mental na qual se privilegie

o modelo psicossocia1.

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