recursos humanos à luz da psicanálise - uma reflexão possível

86
UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU MESTRADO PROFISSIONAL EM PSICANÁLISE, SAÚDE E SOCIEDADE Lucia Conceição Santos de Almeida RECURSOS HUMANOS À LUZ DA PSICANÁLISE – UMA REFLEXÃO POSSÍVEL. Rio de Janeiro 2011

Upload: vuongtruc

Post on 07-Jan-2017

249 views

Category:

Documents


6 download

TRANSCRIPT

Page 1: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU

MESTRADO PROFISSIONAL EM PSICANÁLISE, SAÚDE E SOCIEDADE

Lucia Conceição Santos de Almeida

RECURSOS HUMANOS À LUZ DA PSICANÁLISE –

UMA REFLEXÃO POSSÍVEL.

Rio de Janeiro 2011

Page 2: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

Lucia Conceição Santos de Almeida

Mestrado Profissional em Psicanálise, Saúde e Sociedade

Área de Concentração: Psicanálise, Sociedade e Práticas Sociais

RECURSOS HUMANOS À LUZ DA PSICANÁLISE –

UMA REFLEXÃO POSSÍVEL. Dissertação apresentada à Banca Examinadora do Mestrado Profissional em Psicanálise, Saúde e Sociedade da Universidade Veiga de Almeida, como requisito ao Título de Mestre em Psicanálise, Sociedade e Práticas Sociais.

Orientadora: Profª Drª Maria Cristina C. Poli

Rio de Janeiro 2011

Page 3: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

FOLHA DE APROVAÇÃO

Lucia Conceição Santos de Almeida

RECURSOS HUMANOS À LUZ DA PSICANÁLISE –

UMA REFLEXÃO POSSÍVEL. Dissertação apresentada à Banca Examinadora do Mestrado Profissional em Psicanálise, Saúde e Sociedade da Universidade Veiga de Almeida, como requisito ao Título de Mestre em Psicanálise, Sociedade e Práticas Sociais.

Aprovada em 25 de março de 2011.

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________________ Profª. Drª. Maria Cristina C. Poli

Universidade Veiga de Almeida – UVA

_______________________________________________________ Profª. Drª. Maria Alice Ferruccio

Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ

_______________________________________________________ Profª. Drª. Sonia Xavier de A. Borges

Universidade Veiga de Almeida – UVA

Page 4: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

DIRETORIA DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTU SENSU E DE PESQUISA Rua Ibituruna, 108 – Maracanã 20271-020 – Rio de Janeiro – RJ Tel.: (21) 2574-8871 - (21) 2574-8922

FICHA CATALOGRÁFICA

Ficha Catalográfica elaborada pelo Sistema de Bibliotecas da UVA

Biblioteca Maria Anunciação Almeida de Carvalho

A447 Almeida, Lucia Conceição Santos de

Recursos humanos á luz da psicanálise; uma reflexão possível / Lucia Conceição Santos de Almeida, 2011.

85f. ; 30 cm. Digitado (original).

Dissertação (Mestrado) – Universidade Veiga de Almeida, Mestrado Profissional em Psicanálise, Saúde e Sociedade, Rio de Janeiro, 2011.

Orientação: Profª. Drª. Maria Cristina C. Poli.

1. Psicanálise. 2. Recursos humanos I. Poli, Maria Cristina C. (orientador). II. Universidade Veiga de Almeida, Mestrado Profissional em Psicanálise, Saúde e Sociedade. III. Título.

CDD –150.195

Ficha Catalográfica elaborada pelo Sistema de Bibliotecas da UVA Biblioteca Maria Anunciação Almeida de Carvalho

Page 5: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

Dedico este trabalho ao meu marido Sergio:

grande incentivador e parceiro das minhas

aspirações e desafios.

A minha filha Ana Beatriz: luz da minha alma,

grande exemplo de superação e amor à vida.

A meus pais: mestres na vida.

À minha amada avó Rosa: exemplo e

saudade eterna.

Aos meus amigos na MSA: apoio nas horas

mais difíceis.

A minha orientadora: pela paciência e apoio

para que eu pudesse entender que não estava

só neste percurso.

Page 6: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

RESUMO

A partir da análise das atribuições da área de Recursos

Humanos, propomos promover um debate interdisciplinar num

diálogo com a psicanálise, pois, embora os estudos sobre as

organizações tenham trazido inúmeras contribuições auxiliando

as empresas em sua busca por espaços de trabalho mais

humanizados, não queremos deixar de problematizá-las, na

medida em que elas podem produzir um modelo

instrumentalizado e instrumentalizador com tal rigor pragmático

e metodológico, que acabe inviabilizando a escuta do

trabalhador de um outro lugar senão de agente de

padronização a serviço dos objetivos da empresa. A

Psicanálise, por sua vez, nos traz conceitos que não só

possibilitam novas significações do significante trabalho, como

também um novo sentido para o que aprisiona o sujeito em

significações como sofrimento e alienação.

Refletindo sobre as mudanças na sociedade, nos movimentos

da administração e analisando as características emergentes

das relações de trabalho como a intensa flexibilidade; visão de

curto prazo; ênfase em valores como cooperação e confiança

em contraponto com o estímulo ao individualismo e a

competitividade; o gradual desaparecimento de carreiras

estáveis e de vínculos profissionais duradouros, discorremos

sobre a possibilidade do profissional de Recursos Humanos

poder ocupar um lugar de escuta fora do modelo de

instrumentalização da subjetividade do trabalhador, utilizando a

ótica da Psicanálise e seus referenciais teóricos.

Palavras-chave: Psicanálise, Cultura, Recursos Humanos,

Trabalho.

Page 7: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

ABSTRACT

Analyzing the attributions of the Human Resources area, we

proposed an interdisciplinary approach to promote a dialogue

with psychoanalysis. Although studies on organizations have

brought many contributions assisting companies in their

challenges for more humane working spaces, we considered

important to have another view of them, understanding that they

can produce an instrumented model with such rigor and

pragmatic methodology, which can cause a lack of listening of

the worker and perform as an agent of standardization in the

service of corporate objectives. Psychoanalysis, in turn, brings

us not only concepts that allow new meanings of work

significant, but also a new meaning for that imprisons the

workers in significations such as suffering and alienation.

Reflecting on the changes in society, in the movements of the

administration and analyzing the characteristics of the emerging

labor relations: intense flexibility, short-term vision, emphasis on

values such as cooperation and trust as opposed to the

encouragement of individualism and competitiveness, and the

gradual disappearance of career stable and lasting professional

ties, we discussed the possibility of a professional from Human

Resources can occupy a place of listening outside the model of

instrumentalization of the worker subjectivity, using the lens of

psychoanalysis and its theoretical frameworks.

Keywords: Psychoanalysis, Culture, Human Resources, Labor.

Page 8: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ...................................................................................... .. 08 2. O CONTEXTO SOCIAL DO TRABALHO ............................................ .. 15 3. CONTEXTO DA ADMINISTRAÇÃO DO TRABALHO ......................... .. 32 4. RECURSOS HUMANOS À LUZ DA PSICANÁLISE ............................. 43

4.1. Psicanálise e RH – interlocuções possíveis .............................. 57 4.2. France Telecom – um caso .......................................................... 66

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................... 71 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁGICAS ........................................................ 82

Page 9: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

8

1. INTRODUÇÃO Nestes últimos 20 anos, temos atuado na área de Recursos Humanos (RH)

dentro de empresas dos mais diferentes segmentos de mercado, nos levando a

entender que a sua função essencial é atender aos objetivos estratégicos da

empresa no que se refere aos processos e instrumentos aplicados à Gestão de

RH, tendo como resultado esperado maior incremento e manutenção da

performance do trabalhador, garantindo assim a sobrevivência da empresa

através das pessoas.

Para alcançar esses objetivos, os teóricos da Gestão de RH compartimentaram

sua atuação para que possam potencializar todos os pontos de contato com o

trabalhador, desde a captação dos profissionais até os programas sociais,

estabelecendo identificações positivas que reforcem comportamentos de alta

performance.

No sentido de uma melhor compreensão da atuação dos profissionais de

Recursos Humanos nas empresas e, posteriormente, como a psicanálise pode

contribuir com seus referenciais teóricos a esta área, descrevemos na Figura1,

quais os principais pontos deste contato com o trabalhador, denominados de

subsistemas de RH, que permeiam as práticas de RH.

GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS

RECRUTAMENTO

& SELEÇÃO

ALOCAÇÃO

E AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO

REMUNERAÇÃO

TREINAMENTO

E DESENVOLVIMENTO

RELACIONAMENTO

INSTITUCIONAL

SISTEMAS

DE INFORMAÇÃO

Figura1. Adaptado de (CHIAVENATO, 1999, p. 12)

O primeiro deles é o subsistema voltado para agregar pessoas e tem como base

o recrutamento e seleção de profissionais para as mais diversas funções dentro

das empresas. Para tanto, utilizam-se técnicas de avaliação que pretendem tornar

possível a verificação da adequação do candidato à função em aberto, sendo a

Page 10: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

9

principal delas a entrevista individual. Porém outras técnicas também são

utilizadas, como dinâmicas de grupo, testes comportamentais ou psicológicos,

entrevistas em grupo e situacionais, entre outras.

O segundo é aplicar pessoas, tendo como objetivo entender como cada elo da

cadeia produtiva está dividido e como cada função precisa ser definida para

garantir os resultados esperados. Neste subsistema também está inserida a

avaliação de desempenho, que mede os resultados esperados versus os

resultados obtidos e recompensa os trabalhadores por eles. Tanto no

levantamento de cargos quanto na avaliação de desempenho o trabalhador tem a

oportunidade de dizer o que faz, como faz sua atividade e as dificuldades que

encontra para alcançar os resultados definidos.

O terceiro é recompensar pessoas e trata-se da composição da definição e

manutenção da remuneração do trabalhador, entendendo remuneração o salário

e demais benefícios oferecidos pela empresa, como: previdência privada, plano

de saúde e odontológico, participação nos resultados. Dentro deste subsistema

também está incluída a pesquisa de remuneração que avalia junto ao mercado o

quanto atrativa é a empresa para buscar novos profissionais e manter seus

potenciais nos seus quadros.

O quarto é desenvolver pessoas, sendo seu objetivo treinar e desenvolver os

trabalhadores para suas funções, para desafios futuros e para as mudanças que

surgem ao longo da história da empresa, como certificações, fusões e sucessões.

Esta é uma atuação importante do RH, pois em geral se baseia em

levantamentos das necessidades e expectativas pessoais e organizacionais, que

possam ser atendidas essencialmente através do conhecimento. Nesta função a

ação de comunicação é essencial para divulgar, sensibilizar e manter todos os

envolvidos no mesmo foco.

O quinto é manter pessoas. Este é o subsistema que trata da aderência do

trabalhador junto à empresa, ou seja, o estilo de gestão, os programas de

Page 11: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

10

reconhecimento, os programas de sugestões, os códigos de conduta e valores

institucionais, os programas de qualidade de vida, as relações sindicais.

E o último é monitorar pessoas através de um sistema de informações sobre os

trabalhadores, que sustentam as decisões de gestão quanto às demissões,

admissões, mudanças de estrutura, entre outros indicadores para a melhoria do

desempenho individual ou coletivo.

Analisados, mesmo que superficialmente, os subsistemas de RH, verificamos

uma configuração de conceitos e práticas que apontam para uma possibilidade de

incremento da performance do trabalhador e do aumento de satisfação no

trabalho. Porém, ao longo do nosso percurso profissional, acompanhando os

trabalhadores dentro da empresas, o que pudemos perceber é um distanciamento

entre os resultados esperados dessas ações e o que se traduz em realidade.

Esta percepção pôde ser captada a cada aplicação dos subsistemas acima

referidos. Tomamos por exemplo, os processos de recrutamento e seleção, que

são utilizados para seleção novos colaboradores na empresa. As tecnologias

atuais de avaliação de seleção nos sugerem métodos quantitativos a fim de

reduzir a subjetividade do recrutador. Porém, a avaliação de um candidato é

composta de outros aspectos, como a adequação à cultura da empresa, aos

futuros desafios profissionais, histórico familiar, entre outros que surgem de uma

abordagem menos matemática do candidato. Sendo assim, se aquilo que

diferencia em candidato de outro candidato é a sua singularidade, perguntamos

como não escutá-lo para além do dado objetivo de seu percurso profissional.

Em muitas entrevistas individuais e dinâmicas de grupo por nós realizadas,

pudemos registrar algumas falas de candidatos, como: “existe vida após o

trabalho”; “é importante separar a vida profissional da pessoal”; “precisamos ter

um tempo depois do trabalho para se fazer aquilo que se gosta”.

Pensando nestas falas extraídas do contexto de avaliação e exposição

profissional do candidato sobre suas expectativas pessoais e profissionais, nos

Page 12: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

11

questionamos, sem ainda aprofundar este assunto no momento, sobre as

conseqüências da não escuta do que o candidato trás como significantes em

relação ao trabalho e em relação a outros significantes como família e escolhas

pessoais.

Nas avaliações de desempenho, muito embora encontremos técnicas bastante

convincentes de que o trabalhador está sendo avaliado em sua integralidade,

percebemos que questões complexas, que a princípio poderiam ser ouvidas como

um processo de identificação com o líder que requer outro endereçamento,

podem estar causando uma redução nos resultados esperados e que não há

quantificação que aponte para esta questão.

Outra experiência importante em nossa atuação é o treinamento e

desenvolvimento de profissionais. Este trabalho tem por objetivo a indicação de

treinamentos que possam desenvolver as potencialidades do trabalhador nas

suas atividades atuais e futuras.

O mapeamento dos treinamentos é feito através de alguns indicadores

importantes de gestão:

1) Mapeamento de competências;

2) Avaliação de desempenho;

3) Mudanças estratégicas;

4) Diagnósticos de cultura, clima, gestão, entre outros;

5) Novas contratações ou progressões.

Encontramos, em algumas empresas, situações onde os trabalhadores não são

consultados quanto aos treinamentos que irão realizar e quando o são, (através

de formulários ou em raros momentos em entrevistas) percebe-se que a visão da

empresa sobre a capacitação e desenvolvimento daquele trabalhador está,

muitas vezes, dissonante com a sua necessidade ou desejo.

Como exemplo, podemos mencionar alguns treinamentos, por nós ministrados,

que atendem alguns itens de capacitação, e nos defrontamos por vezes com

Page 13: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

12

profissionais que não sabem o que estão fazendo naquele evento, o que se

espera dele, ou mesmo o que ele espera de seu futuro a partir das informações

que estão sendo repassadas e do qual a empresa espera uma resposta.

O trabalho que acreditamos ser uma das maiores fontes de inspiração para este

trabalho é o diagnóstico de gestão.

Ele tem por método entrevistas abertas e diretivas com os envolvidos,

investigando primeiramente as expectativas do solicitante sobre o diagnóstico a

ser realizado, a quem se destina e o contrato de confidencialidade. Com este

trabalho realizamos um levantamento da história organizacional; situações

importantes vividas pelos envolvidos no diagnóstico (tanto positivas como

negativas); emoções ligadas a esses fatos; metáforas trazidas pelo entrevistado

ou sugerida a partir de seu discurso e ao final a conciliação de demandas:

empresa e gestor. Todo este levantamento gera um Relatório Final identificando

oportunidades de reflexão e ações sobre as questões levantadas.

Trazemos ainda, outra experiência que reforça nosso desejo de avançar em

nossa atuação utilizando a psicanálise como referencial teórico: a assessoria a

empresas que estão em processo de adequação de suas estruturas para receber

pessoas com diferentes modalidades de deficiências.

O trabalho é constituído de avaliação da cultura organizacional verificando

impasses e valores restritivos ou flexíveis para aceitação da diferença,

mobilização e sensibilização através de palestras e depoimentos, avaliação dos

postos de trabalho para adequação de espaços e de instrumentos de trabalho.

A questão central do trabalho de inserção de pessoas com deficiência está na

possibilidade de aceitação por parte dos trabalhadores das diferenças, seja ela

pela via aparente da deficiência física, seja pela via da singularidade como tratada

na psicanálise. Neste embate entre o princípio da normalidade e o princípio da

singularidade, há em causa um desconforto no confronto com o desconhecido.

Page 14: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

13

Foi atuando, principalmente nos processos acima referidos, ouvindo as empresas,

na figura de seus gestores, e ouvindo os trabalhadores; que consideramos uma

pergunta recorrente: que relevância há neste ouvir que nos impele a contribuir

para a melhoria das relações entre a organização e o trabalhador.

Ao escutar os trabalhadores sobre suas questões profissionais e também aquelas

de cunho mais pessoal, percebe-se que a função de escuta, nos processos de

seleção, avaliação de desempenho, treinamento e outros subsistemas que nos

confrontam com a fala do trabalhador, fica à deriva, não havendo porto seguro

que a acolha dentro das organizações, no sentido de uma prática habitual dos

profissionais que se dizem agentes da melhoria das relações humanas no

trabalho.

Nas possibilidades que se apresentam, dentro dos subsistemas de RH, temos

atuado nesta função faltosa apoiando-nos na escuta dos trabalhadores para além

dos dados quantitativos esperados, e traduzindo essas falas em ações concretas

de melhoria de processos e relações de trabalho.

Enfim, influenciados pela teoria psicanalítica em função de nossa atuação clínica

e nos surpreendendo, muitas vezes, escutando o trabalhador para além do que

seria próprio de nossa atuação como profissional de RH, nos propusemos a

mergulhar na questão da escuta analítica nos subsistemas de recursos humanos,

onde estão inseridos os processos de Recrutamento e Seleção, Avaliações

Diagnósticas e Treinamento, acreditando que poderemos nos apropriar dos

referenciais da psicanálise para instrumentalizar os profissionais de RH a serem

melhores ouvintes de seus clientes internos.

Numa das defesas de dissertação que assistimos, fomos surpreendidos com o

tema a respeito do trabalho institucional com coveiros; recortamos uma fala que

nos colocou em alerta sobre o nosso dilema dentro das organizações “onde existe

sujeito de um sofrimento comum ali está a psicanálise como possibilidade de

escuta e endereçamento para a cura”.

Page 15: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

14

Impregnado pela instituição e suas formas de alienação, o sujeito fala na busca

de um sentido. Mas fala em um espaço não próprio para a atuação de um

psicanalista, pois, a princípio, não haveria espaço para tal nas organizações.

Ele fala a um profissional que de alguma forma tem uma posição privilegiada de

escuta, que codifica sua demanda e endereça-a a outro espaço. Mas esse

endereçamento, esta primeira escuta, já não seria uma escuta preliminar em

psicanálise? Não seria a demanda do trabalhador envolta de metáforas laborais

para dar conta de suas questões mais subjetivas?

Assim, esta dissertação se utiliza da pesquisa bibliográfica de artigos acadêmicos,

aulas e palestras pertinentes ao tema, assim como de nossa experiência

profissional, tendo um estudo de caso para ilustrar nossa hipótese.

.

Iniciamos nossa trajetória de pesquisa, percorrendo os movimentos da produção

industrial e os impactos sociais e políticos que influenciam as relações de trabalho

até os dias de hoje, tendo como foco principal a problematização da atuação de

Recursos Humanos, como possibilidade de ocupar um lugar de escuta fora do

modelo de instrumentalização da subjetividade do trabalhador.

Nos propomos em adição, promover um debate interdisciplinar num diálogo com

a psicanálise, pois, embora a Psicologia Organizacional tenha trazido inúmeras

contribuições para a atuação da área de Recursos Humanos, e auxiliando as

empresas em sua busca por espaços de trabalho mais humanizados, não

queremos deixar de problematizá-la, na medida em que ela pode produzir um

modelo instrumentalizado e instrumentalizador com tal rigor pragmático e

metodológico, que acabe inviabilizando a escuta do trabalhador de um outro lugar

senão o de agente de padronização a serviço dos objetivos da empresa.

Finalizando propomos a realização de um Seminário aos profissionais de RH,

tendo como objetivo, ressaltar a escuta do trabalhador, como forma de qualificar

nossa atuação e gerar resultados mais efetivos ao nosso trabalho.

Page 16: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

15

2. O CONTEXTO SOCIAL DO TRABALHO

Entendendo que as forças sociais estão intrinsecamente ligadas às

transformações do processo laboral e, conseqüentemente, a uma mudança

subjetiva da organização do trabalho, escolhemos três sociólogos que descrevem

a modernidade e seus impactos nas relações de trabalho e as mudanças em suas

representações. São eles: Anthony Giddens (1991), Richard Sennett (1999) e

Zigmundt Bauman (2001).

Iniciamos assim com uma questão, aparentemente simples, porém desafiadora,

sobre o que é, afinal, a modernidade. Anthony Giddens (1991), em seu livro “As

conseqüências da Modernidade” descreve a modernidade em referência ao estilo,

costume de vida ou organização social que emergiram na Europa a partir do

século XVII, tendo uma repercussão mundial.

Sua característica fundamental é o desatar de todos os nós tradicionais da ordem

social, tanto na sua extensionalidade estabelecendo formas de interconexão

social que são globais quanto na sua intencionalidade alterando características

pessoais de nossa existência.

Como resultado mais específico, essa transformação social penetra nas

organizações e altera a forma de produção e relações de trabalho. Dentro desta

lógica, o desenvolvimento das organizações mundiais modernas criou mais

oportunidades para os seres humanos gozarem de uma existência segura e

gratificante.

Porém, tanto Marx como Durkheim e Weber (apud GIDDENS, 1991, p.20)

observavam a era moderna como fonte de fortes turbulências, sendo cada um

mais ou menos otimista diante das mudanças e das perspectivas de alteração

social.

Marx via a luta de classes como fonte de dissidências na ordem capitalista, mas

via ao mesmo tempo a emergência de um sistema social mais humano. Durkheim

Page 17: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

16

acreditava na expansão para além do industrialismo estabelecendo uma vida

social harmoniosa e gratificante, integrada através de uma combinação da divisão

do trabalho e do individualismo moral. Já Weber (apud GIDDENS, 1991, p.21) era

mais pessimista, vendo o mundo moderno como paradoxal onde o progresso

material era obtido apenas à custa de uma expansão da burocracia que

esmagava a criatividade e a autonomia individuais.

“..., todos os três autores viram que o trabalho industrial moderno tinha

conseqüências degradantes, submetendo muito seres humanos à

disciplina de um labor maçante e repetitivo.” (GIDDENS, 1991, p.17)

Para autores influenciados por Marx (apud GIDDENS, 1991, p.23), a força

transformadora principal que modela o mundo moderno é o capitalismo. Neste,

não só uma variedade de bens materiais, mas também a força de trabalho

tornam-se mercadoria.

A era moderna está intimamente ligada à transformação do tempo e do espaço,

fomentando relações entre ausentes, localmente distante. “Em condições de

modernidade, o lugar se torna cada vez mais fantasmagórico” (GIDDENS, 1991,

p.27). Podemos perceber esta mudança através das transações virtuais

financeiras com fusos horários díspares e relacionamentos cultivados à distância.

Giddens nos leva a pensar também a questão do dinheiro como mais um dos

mecanismos de afastamento simbólico da pura mercadoria. O dinheiro pode ser

qualquer coisa em qualquer lugar. Entendendo assim “dinheiro”, como um

significante cultural, que vai além de seu uso, mas desencadeia uma percepção

de que uma ação deverá ter uma reação que está diretamente ligada a sua

recompensa.

Assim, a lógica estabelecida entre trabalho e recompensas estabelece uma

certeza: de que se os sistemas sociais funcionam como se espera que o façam,

que existem padrões e regras a serem cumpridos e que nada poderá alterar o

curso desta relação. Esta certeza, porém, tem por base uma atitude de alienação,

Page 18: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

17

onde se perde algo em benefício da segurança da coletividade, e de confiança de

que não haverá ruptura nestes sistemas sociais, negligenciando por vezes as

contingências da vida. Assim, nos resta ou vivermos alienados ou em um estado

de incertezas onde não há garantias de atendimento as nossas necessidades de

existência.

Para Giddens (1991), o que é característico da modernidade não é uma adoção

do novo por si só, mas a suposição de uma reflexividade, desdobrando a reflexão

sobre a própria natureza da reflexão. Assim, não estamos seguros, como em

outras eras, onde verdades eram estabelecidas e as relações eram dogmáticas.

O que conhecemos hoje talvez possa ser refutado amanhã. Estamos vivendo no

campo do devir e, assim, no campo da angústia, onde não podemos estar

seguros do conhecimento que nos é dado.

Pressupõe ainda um cenário de alta tecnologia, que não tão somente alteram as

formas de produção, mas toda a sociedade (transportes, vida doméstica, relações

sociais, internet, etc.). A natureza fortemente competitiva e expansionista do

empreendimento capitalista implica que a inovação tecnológica tende a ser difusa,

mas constante.

O sistema administrativo do estado capitalista, e dos estados modernos em geral,

tem que ser interpretado em termos de controle coordenado, onde nenhum outro

estado pré-moderno conseguiu se aproximar do nível de coordenação

administrativa da modernidade. Isto implica em um desenvolvimento de condições

de vigilância, que, como o capitalismo e o industrialismo, ascendem da

modernidade. Com isso, a supervisão é inserida como uma ferramenta de

controle, como descrito por Foucault (apud GIDDENS, 1991, p.47) – prisões,

escolas, locais de trabalho, mas caracteristicamente baseada no controle da

informação.

Cabe aqui esclarecer que para Giddens o capitalismo e o industrialismo são

entendidos da seguinte forma:

Page 19: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

18

“O capitalismo é um sistema de produção de mercadorias centrado na

relação entre a propriedade privada do capital e o trabalho assalariado sem

posse de propriedade, esta relação formando o eixo principal de um

sistema de classes. O empreendimento capitalista depende da produção

para mercados competitivos...” (GIDDENS, 1991, p.61)

“A característica principal do industrialismo é o uso de fontes inanimadas

de energia material na produção de bens, combinado ao papel central da

maquinaria no processo de produção.” (GIDDENS, 1991, p.61)

“O industrialismo pressupõe a organização social regularizada da produção,

no sentido de coordenar a atividade humana, as máquinas e as aplicações

e produções de matéria-prima e bens”. (GIDDENS, 1991, p.62)

A emergência do capitalismo, como diz Marx (apud GIDDENS, 1991, p.67),

precedeu ao desenvolvimento do industrialismo e na verdade forneceu o ímpeto

para sua emergência. A produção industrial e a constante revolução na tecnologia,

a ela associada, contribuem para processos de produção mais eficientes e

baratos.

A transformação em mercadoria da força de trabalho foi um ponto de ligação

particularmente importante entre o capitalismo e o industrialismo, porque o

“trabalho abstrato” pode ser diretamente programado no projeto tecnológico de

produção. O contrato de trabalho capitalista envolve a contratação de trabalho

abstrato, ao invés de servidão da “pessoa inteira” (escravidão) – daí a mão-de-

obra; uma proporção da semana de trabalho, ou do produto.

A globalização está intrinsecamente ligada à idéia de modernidade, dentro do

conceito de tempo e espaço, com conexões presença/ausência. Ela se refere

essencialmente a este processo de alongamento mundial do tempo e espaço.

Este é um processo dialético, onde as conseqüências não caminham em uma

mesma direção.

Page 20: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

19

Muitas empresas multinacionais podem imprimir, pelo seu imenso poder

econômico, mudanças culturais nas regiões em que se instalam, visto que muitas

vezes têm orçamentos maiores do que as nações em que se estabelecem.

Se por um lado temos os estados-nação como principais atores dentro da ordem

pública, as empresas são agentes dominantes dentro da economia mundial.

Porém em suas relações comerciais entre si, com estados e consumidores, as

empresas têm como principal objetivo, e dependência, o lucro.

O desenvolvimento industrial teve como aspecto mais óbvio, a expansão global

do trabalho, não apenas no que diz respeito à especialização da indústria, mas

também à difusão mundial de tecnologias de máquinas, afetando a vida cotidiana,

influenciando o caráter genérico da interação humana com o meio ambiente

material.

A difusão do industrialismo criou um mundo ameaçador, com mudanças

ecológicas reais que afetam todo o planeta, porém também transformou as

tecnologias de comunicação nos colocando nesta referência de mundo. No

mundo moderno, o futuro está sempre em aberto, não somente em termos da

contingência comum das coisas, mas em termos da reflexividade do

conhecimento em relação aos quais as práticas sociais são organizadas.

Nos momentos de crise, o verdadeiro repositório de confiança está no sistema

abstrato, na idealização, e não nos indivíduos que o representam. Porém os

pontos de acesso a estes sistemas abstratos trazem lembretes de que são

operadores de carne e osso, por isso mesmo falível, como ouvidorias, gestores,

profissionais de RH, centrais de atendimento, etc.. Giddens toma como exemplo o

ar descontraído da tripulação de um avião que surte mais efeito do que as

estatísticas sobre as quedas de avião.

Por isso o compromisso com o “rosto”, no sentido do contato visual com o outro,

mantém a sensação de confiança, mais do que os códigos de ética envolvidos

nas diversas profissões. Podemos nos lembrar a célebre frase de César sobre

Page 21: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

20

sua mulher Pompéia, mesmo sabendo de sua inocência: “À mulher de César não

basta ser honesta, tem que parecer honesta.”

Essas características de segurança são encontradas na primeira infância, quando

recebemos uma dose básica de confiança que elimina ou neutraliza as

suscetibilidades existenciais. A confiança aqui referida não implica somente em

contar com a uniformidade e continuidade dos provedores externos, mas também

que na possibilidade de confiar em si mesmo. Assim a previsibilidade das rotinas

sem importância da vida cotidiana está profundamente envolvida com um

sentimento de segurança psicológica, e quando alteradas a ansiedade transborda.

Podemos evidenciar esta ansiedade nos processos de mudanças organizacionais,

quando são inseridos novos padrões de trabalho ou nos movimentos da

economia, que tem como conseqüência reestruturações não só verticais como

horizontais. Aquilo que se entendia como certeza de atendimento de expectativas,

a organização, se traduz como também submetido a incertezas, seja pela via das

demandas diferenciadas do mercado, seja pelo desenvolvimento tecnológico.

De forma mais intensa, observamos este fenômeno nos processos demissionais,

tanto para aqueles que são desmobilizados quanto para os que permanecem na

organização, visto que há uma identificação direta destes últimos com os

primeiros, ou seja, “se aconteceu com o outro pode acontecer comigo”.

Neste momento, onde não há certezas de respostas adequadas às necessidades

do trabalhador, vem à tona a fragilidade desta confiança básica, inaugural da

primeira infância. Uma intervenção mínima de escuta, por parte dos profissionais

de Recursos Humanos, nos parece que traria resultados de, no mínimo, amparo e

acolhimento deste trabalhador, apontando para uma visão mais reflexiva do

trabalho e do seu papel dentro deste contexto. Além disso, trazer uma outra

perspectiva sobre o trabalho e suas relações, tendo em vista que a rotina não é

parte estrutural de nossa vida e sim as contingências. “só temos uma certeza: que

tudo muda”.

Page 22: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

21

Enfim, a rotina exige uma vigilância constante e um refazer contratual, entre

indivíduos, também constante, de forma que, caso o contrato seja quebrado, o

transbordamento inevitável de sentimentos como mágoa, perplexidade e traição,

junto com suspeita e hostilidade, seja amenizado.

A segurança da rotina e a confiança em sistemas abstratos se colocam como

substitutos da relação que já não mais se estabelece na vida cotidiana, visto que

a vida privada reduziu suas referências estáveis e a vida pública as acrescentou

em suas relações. Para Horkheimer, no capitalismo organizado “a iniciativa

pessoal desempenha um papel sempre menor em comparação aos planos

daqueles com autoridade”. (apud GIDDENS, 1991, p.118)

Nesta transição a honra é substituída pela lealdade, tendo como apoio o afeto

pessoal e a sinceridade é substituída pela autenticidade, uma exigência de ser

aberto e bem intencionado.

Considerando este cenário, Richard Sennett (1999), em seu livro “A corrosão do

caráter”, indica que o novo capitalismo é marcado pelo mercado global e o uso

maciço de novas tecnologias que tornam a vida mais dinâmica obrigando as

pessoas a se prepararem para freqüentes mudanças, incluindo trocas de

emprego.

A nova forma do capitalismo também se caracteriza pela quebra de tabus antigos

- podemos citar o maior número de mulheres que passam a trabalhar, algumas

até mesmo com a responsabilidade de sustento do lar.

Porém, o capitalismo atual trouxe também efeitos indesejados, como o medo de

perder o controle sobre a própria vida, pois o mercado cada vez mais é motivado

pelo consumidor, e, para manter sua competitividade e produtividade, as

empresas, e, conseqüentemente, seus trabalhadores, se tornam em maior grau

subservientes aos horários dos clientes.

Page 23: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

22

O medo da perda de controle está intrinsecamente referido ao controle de tempo.

Tendemos a operar com horários mais flexíveis reinventando o ciclo circadiano

trazendo em decorrência a secundarização da vida emocional e declínio das

carreiras tradicionais. O mundo se tornou mais dinâmico e as mudanças de

emprego, ou mesmo de carreira durante a vida se tornam cada vez mais comuns.

O mercado se torna mutável como nunca antes visto, passando cada vez mais a

se pensar no curto prazo.

Segundo Sennett (1999), as empresas se caracterizam pela "força dos laços

fracos", o emprego passa a ser utilitário e sem vínculo, há uma falta de

perspectiva de compromisso duradouro com a empresa gerando assim uma certa

falta de lealdade institucional. Os trabalhadores tendem a ficar "negociáveis"

assim que descobrem que não podem contar com a empresa. Enfim, o mundo

anterior ao "novo capitalismo" era mais burocrático, previsível. O atual tem a

marca da flexibilidade e do dinamismo, das relações líquidas.

Dois filósofos contemporâneos, no século XVIII, Denis Diderot (apud BORGES,

2008), francês, e Adam Smith (apud BORGES, 2008), escocês, tinham posições

diferentes sobre a rotina no trabalho. Diderot considerava que a rotina laboral não

era degradante, ao contrário, era igual a qualquer outra forma de aprendizado,

indo além afirmando que a rotina estava em constante evolução, pois repetindo

uma tarefa haveria a possibilidade de se descobrir como reduzir seus tempos ou

criar novos procedimentos. Um modelo similar de estudo de uma determinada

tarefa é reinstaurada nos anos 80, pelo modelo japonês de melhoria contínua,

chamado kaisen (termo japonês que indica que é sempre possível se fazer

melhor).

Já Adam Smith via a rotina de forma negativa, algo degradante, fonte de

ignorância mental por falta de conhecimento de como fazer a mudança. A rotina,

portanto se tornava autodestrutiva porque os trabalhadores perdiam o controle

sobre seus próprios esforços.

Page 24: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

23

No capitalismo atual, a rotina é de outra ordem, não mais das certezas de

realização de uma tarefa de forma repetida ou da manutenção de

relacionamentos duradouros. Passa a dar lugar à falta de segurança no emprego,

do futuro incerto, da costumeira reavaliação da carreira, e essa "rotina dinâmica"

é tão ou mais destrutiva quanto a rotina sob o ponto de vista de Smith (apud

BORGES, 2008).

Para minimizar os impactos desta nova demanda de dinamismo e enfrentamento

de incertezas, as organizações se tornaram mais flexíveis a partir do

remodelamento de sua gestão. Antenadas às demandas do mercado, as

organizações se reinventam de forma descontínua, mobilizando e desmobilizando

recursos a cada novo desafio.

Outro fato importante é a especialização flexível da produção sendo um sistema

de inovação permanente. A finalidade é inserir no mercado, cada vez mais rápido,

produtos variados, sendo uma forma de adaptação à mudança permanente e não

uma forma de controlar essa mudança.

Para implantar esta modalidade de gestão é necessário que as decisões sejam

tomadas de forma rápida, com suporte de alta tecnologia, rapidez nas

comunicações e fundamentalmente ter disposição de deixar que as demandas de

mercado externo determinem a estrutura da empresa, que obviamente poderá ser

mutante, ao sabor do mercado.

A concentração de poder sem centralização é uma técnica moderna de dar

liberdade, mas ao mesmo tempo manter o controle. Esta é uma técnica muito

utilizada para grupos de trabalhos, empresas com filiais, prestadores de serviço

ou agências.

Na maioria dos casos é imposta uma meta a ser atingida e é dada liberdade para

o grupo atingir essa meta da forma que achar mais conveniente. Geralmente

essas metas estão além do que normalmente seria alcançável e o controle se dá

através de planilhas ou mapas de acompanhamento. Essa é uma forma de dar

Page 25: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

24

mais controle às pessoas sobre as suas atividades diminuindo a burocracia e

envolvendo o trabalhador no negócio da empresa.

Na verdade, esses sistemas de informação oferecendo total controle sobre os

atos "independentes" do grupo é uma nova forma de poder aparentemente

libertador, mas na realidade desigual, pois aumenta o poder da alta administração

de forma dissimulada tornando o trabalhador único responsável pelo seu êxito ou

fracasso.

O trabalho se torna ilegível no capitalismo flexível porque há perda da

identificação entre o ato e o ator do trabalho. O trabalho passa a ser frio,

mecânico, asséptico. A alienação e a indiferença, no que se refere ao produto do

trabalho, se instauram e o trabalhador não tem mais o domínio do processo, não

sabe mais o seu ofício original, ou seu valor no processo produtivo, o que

acarreta em identificação fluida com o trabalho. Outro aspecto observado quando

o trabalhador se torna alienado do trabalho é a falta de vínculos dentro do grupo.

Uma nova ética do trabalho se estabelece no trabalho em equipe, onde se

destaca a capacidade de ouvir e de se adaptar as diversas circunstâncias

exigidas no ambiente interno e externo, sendo necessário maior cooperativismo.

Porém, o que poderia ser um catalisador para um retorno aos vínculos mais

densos, se traduz na evitação desses vínculos, onde os grupos tendem a manter-

se juntos na superfície das coisas. "O trabalho em equipe deixa o reino da

tragédia para encenar as relações humanas como uma farsa". (SENNETT, 1991,

p.91)

Outro ponto deste momento na ordem do trabalho é que o fracasso não é mais a

perspectiva apenas dos pobres ou desprivilegiados, tornou-se mais conhecido

como um fato regular na vida da classe média.

Sennett discorre sobre sua experiência com alguns profissionais da IBM que

acreditavam que suas carreiras seriam quase que vitalícias, mas depois de

demitidos descobriram no próprio fracasso certa revelação sobre suas vidas.

Page 26: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

25

Este é um mito importante nas relações de trabalho: que o vinculo de trabalho é

para sempre. Não há uma visão transitória de relação, por isso tanta mágoa

envolvida nas demissões. A empresa se apropria não só do trabalhador como do

seu desejo e quando a relação utilitária já não é mais produtiva, o vínculo se

rompe e se rompe o mito, despedaçando o trabalhador em sua existência.

A IBM era administrada por Thomas Watson Sr., que administrava de forma

feudal e dirigida como um exército. Como as relações feudais, os empregos são

vitalícios para a maioria dos trabalhadores e uma espécie de contrato social entre

administração e mão-de-obra.

Em 1956, Thomas Watson Jr, assumiu o lugar do pai, implantando uma

administração com maior delegação e escuta dos trabalhadores, proporcionando

maiores benefícios. Após 1980 houve grandes perdas para o mercado da IBM,

Thomas Watson Jr. se aposentou, entrando outros presidentes em seu lugar.

Em 1993, a IBM procurou substituir as rígidas estruturas hierárquicas por formas

mais flexíveis de organização, e com uma produção flexível orientada para maior

diversidade de produtos no mercado com maior rapidez. A estabilidade dos 400

mil trabalhadores mudou dentro desta nova realidade acarretando demissões em

grande escala.

Depois de algum tempo os trabalhadores que foram demitidos sentavam-se em

um café em Nova York para discutir o fracasso em suas carreiras. Quando

Sennett (1991) se junta a eles, no começo todos se achavam vítimas passivas da

empresa, mas depois mudam o foco para seu próprio comportamento. Esses

trabalhadores acreditavam que tinham sido traídos pela IBM e que a lealdade à

empresa havia morrido.

Como uma das formas de se tornar competitiva, reduzindo em especial os custos

com trabalhadores, a IBM passou a contratar mão-de-obra indiana, onde pagava

muito menos do que aos americanos. Esses mesmos homens que se juntavam

num bar, ressentidos de suas demissões, reconheceram a qualidade de trabalho

Page 27: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

26

que vinha da Índia e passaram a pensar no que deveriam ter feito antes de suas

carreiras chegarem ao ponto que chegara.

O tema, porém, das discussões ainda era mais o fracasso e a falta de controle

sobre as suas vidas. Eles julgavam que estiveram errados em não se qualificar e

acreditavam que deveriam ter corrido mais riscos. Sennett (1991) percebeu que

aos poucos os programadores estavam tentando enfrentar a realidade do

fracasso e de seus próprios limites. Para eles o que importava não era mais o que

aconteceu, mas o que eles deveriam ter feito há alguns anos: ter tomado suas

vidas em suas mãos e se responsabilizarem por elas. Após algum tempo a

percepção quanto ao ocorrido na IBM tornou-se mais realista.

O regime flexível talvez pareça gerar uma estrutura de caráter constantemente

em recuperação. Exige-se um senso maior de comunidade, e um senso mais

pleno de caráter, do crescente número de pessoas que, no capitalismo moderno,

estão condenados a fracassar. Cabe aqui destacar a definição de caráter para

Sennett: “traços pessoais a que damos valor em nós mesmos, e pelos quais

buscamos que os outros nos valorizem” (SENNETT, 1991, p.10).

Sennett passa a então a questionar as relações de trabalho contemporâneo e

suas implicações nos valores pessoais como a lealdade e os compromissos

mútuos. Não é possível construir um caráter em um capitalismo flexível, onde não

há metas a longo prazo, pois a construção deste depende de valores e relações

duradouras e isto não é possível em uma sociedade onde as instituições vivem se

desfazendo ou sendo continuamente reprojetadas.

A partir desta experiência, o que fica de alerta é a exigência de uma resiliência do

eu, sendo entendida como a capacidade de resistir à pressão das situações

adversas dentro das organizações, na medida em que precisamos estar

preparados para enfrentar um constante correr de riscos a partir do

estabelecimento de relações mais flexíveis, em todos os níveis.

Page 28: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

27

Sennett (1991) coloca que diante da destruição da esperança e do desejo, a

preservação de nossa voz ativa é a única maneira de tornar o sofrimento

suportável, assim a narrativa dos ex-trabalhadores tentou uma espécie de saída

através da palavra.

Podemos compreender, a partir deste relato, a importância de um espaço de

possibilidade de verbalização das questões que perpassam a vida do trabalhador

na empresa, desde sua admissão até a sua demissão.

As propostas práticas mais convincentes que existem para enfrentar os

problemas do novo capitalismo concentram-se nos lugares onde ele opera, ou

seja, nas organizações sociais ou privadas.

Hoje a dependência é uma condição vergonhosa: o ataque à rígida hierarquia

burocrática quer libertar estruturalmente as pessoas da dependência; o assumir

riscos destina-se mais a estimular a auto-afirmação que a submissão ao que

existe. Dependência vira sinônimo de fracasso.

Porém, a ideologia do parasitismo social, termo apropriado da Biologia que

descreve organismos que vivem em associação com outros aos quais retiram os

meios para a sua sobrevivência, normalmente prejudicando o organismo

hospedeiro, é um instrumento utilizado no local de trabalho. Ou seja, enquanto as

organizações estimulam a autonomia e o trabalhador precisa demonstrar que não

está se aproveitando do trabalho dos outros, este ainda está subjugado à

hierarquia organizacional. Em muitas sociedades havia pouca vergonha de

depender de outras pessoas. O fato de o fraco necessitar do forte, como na

sociedade indiana e japonesa, não é considerado humilhação.

No mercado moderno a maioria da massa laborativa trabalha para os outros. A

vergonha da dependência tem uma conseqüência prática, corrói a confiança e o

compromisso de qualquer empreendimento coletivo. Os laços de confiança são

testados quando as coisas dão errado e a necessidade de ajuda se torna aguda.

A falta de confiança também pode ser criada pelo exercício flexível do poder.

Page 29: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

28

No trabalho em equipe supõe-se que todos partilham da mesma motivação, e é

essa suposição que enfraquece a verdadeira comunicação, fortes laços entre as

pessoas significam enfrentar com o tempo suas diferenças. A comunidade aberta

em seus conflitos é exatamente o que um regime flexível deveria inspirar.

A grande questão no capitalismo moderno é: "Quem precisa de mim?", isso reduz

o sujeito ao sentido de sermos necessários, a falta de resposta é uma reação

lógica ao sentimento de que não somos necessários, sendo sua conseqüência o

adoecimento do trabalhador tanto de forma física como mental.

Dentro desta visão podemos considerar que o que se pede é que não exista a

falta como elemento singular do ser humano. Considerando o Seminário 7

(LACAN, 1960), Lacan irá criticar esse ideal de autonomia, como uma

possibilidade de escapar à falta para ser Um com o Outro: ser sem falta em um

gozo narcísico.

Porém, na experiência psicanalítica, tratamos este ponto como um lugar de

impossibilidade, objeto almejado e objeto obtido são diferentes. O objeto da Lei

(das ding) não são os objetos dos nossas vontades, mas o objeto para sempre

perdido, que instaura o desejo como falta que procura ser preenchida com objetos

causa de desejo, categorizado por Lacan como objeto a. Assim deslizamos

através de objetos em torno dessa falta, buscando significá-la.

Ora se a completude é a ausência da falta original, o que se oferece a este

trabalhador é o adoecimento, a morte ou, se articularmos os modos de gozo

tratados por Lacan, tendo no centro o objeto a, teremos o que nos parece ser o

principal modo de gozo da sociedade contemporânea, onde o sujeito procura a

completude não no sentido, mas nas coisas. Desta forma, a sociedade capitalista

estaria vinculada a um modo de gozo a partir da aquisição, ter em detrimento do

ser e, consequentemente, ao consumismo.

Zygmundt Bauman (2001), em seu livro “Modernidade Líquida”, faz um recorte da

sociedade traduzindo-a como indivíduos colecionadores de experiências e

Page 30: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

29

sensações. Pela propriedade de não fixação no espaço e por não se prenderem

ao tempo, utilizou-se da metáfora da “fluidez” ou “liquidez” para definir a era

moderna.

A modernidade fluida, segundo Bauman, produziu uma profunda mudança na

condição humana e em seus conceitos básicos de individualidade, relação

tempo/espaço, vínculos de trabalho e a participação em comunidade.

O tempo adquire importância singular pela velocidade do movimento através do

espaço, da imaginação e da capacidade humana. Não há limites neste contexto,

pois o que existe é um esforço contínuo, rápido e irrefreável para que todo e

qualquer limite seja ultrapassado.

O acesso a meios mais rápidos de mobilidade na modernidade é a principal

ferramenta de poder e dominação, principalmente no que tange a mobilidade

virtual.

A definição de homem moderno a ser incapaz de parar e de ficar parado, tendo

necessidade de estar sempre à frente de si mesmo, significando também, ter uma

identidade que só pode existir como um projeto não realizado. Estamos tratando

de um ser em devir.

Há que se fazer, porém, uma distinção histórica entre a condição na

modernidade em que vivemos e a condição da modernidade de nossos ancestrais.

Bauman se utiliza de duas características para apresentar diferenças na situação

atual. A primeira diz respeito ao declínio da crença de que há um estado de

perfeição a ser atingido no fim do caminho. A segunda diz respeito à auto-

afirmação do indivíduo, que se reflete no discurso ético/político do quadro da

“sociedade justa” para o dos “direitos humanos”.

Ou seja, se a modernidade era densa em suas ideologias, a modernidade atual é

fluida, livre de deveres libertários. Diferente da individualização de cem anos atrás,

a individualização na modernidade atual, consiste em transformar a identidade

Page 31: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

30

humana em uma tarefa, onde seus autores serão responsáveis pela realização

dessa tarefa e das conseqüências advindas com a mesma.

Em “O Mal-Estar na Civilização”, Freud (1930) concebeu um mundo no futuro

regido pela segurança no qual uma ordem social extrema daria incontestável

forma a um desejo coletivo de controle e justiça. A estabilidade social romperia o

fluxo constante do afloramento das pulsões; a sexualidade e a agressividade,

entre outras exigências, e sofreriam com a renúncia que o processo civilizatório

demanda, porém essa renúncia seria acatada em troca de um pouco de

felicidade, para não perder a segurança iminente nesse arcabouço de perigos em

um trajeto desconhecido.

Mas, no pensamento de Bauman (1998), em particular no livro “O Mal-Estar da

Pós-Modernidade”, encontraremos um mundo repleto de incertezas onde o ser

humano troca a segurança, outrora desejada, pela liberdade, mas não uma

liberdade qualquer: a liberdade individual engendrada por uma vontade suprema.

Porém esta vontade suprema reduz o homem a um estado de insegurança, de

medo universal, de tecnologia excludente, de ameaças constantes e desemprego

crescente. Mudanças repentinas, aonde o tempo é o senhor que tudo pode.

Mudanças econômicas, políticas, culturais transformam o cotidiano em

ambivalente. A rotina e a estabilidade das relações que traduz um sentimento de

confiança já não existem e o sentimento de incompletude, de vazio é mais um

fantasma a assombrar os humanos “pós-modernos”.

As incertezas apontadas por Bauman contagiam todos os setores de atuação

humana. Os pressupostos que nos regem, e indicam um pseudo ideal de

liberdade totalizante, são o do mercado consumidor, competitividade, indiferença,

verdades múltiplas, que salientam diferenças, mas não respeitam as

singularidades.

A globalização como veículo de enquadramento e padronização, despersonaliza

as diversas culturas alimentando-as de produtos para consumo rápido, liberdade

de escolha que não alcança a satisfação prometida, pois parece impossível o

Page 32: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

31

prazer nesta época de constante oferta de oportunidades de satisfação através

das coisas e das pessoas.

Neste contexto encontramos um mundo de guerras preventivas, como são

preventivas as ofertas de produtos que nem se sabia precisar, levando ao

consumismo exacerbado. Assim o homem pós-moderno no sentido de combater

o vazio que incessantemente tenta ser preenchido pelo outro, busca um

prolongamento de sua vida em novas formas de comunitarismo (nos quais estão

incluídos o nacionalismo e o fundamentalismo religioso – e até terrorista), neste

mundo onde o homem sonha com o prolongamento de sua vida, essas formas de

comunitarismo são tentativas legítimas de combater os excessos da liberdade, da

falta de ética, da invasão de um livre mercado internacional, onde os países

desenvolvidos fazem as regras.

O mundo “pós-moderno” nos desafia a refletir sobre quais os benefícios da

desapropriação do ser para a apropriação do ter. Além disso, o quanto devemos

abrir mão de nossa individualidade em prol de uma sociedade que nos massifica

e enquadra para seu próprio prazer e benefício.

Se por um lado Giddens (1991) nos leva a considerar a noção de reflexividade

como ponto de possibilidade de ver e agir criticamente no mundo, por outro

Bauman (2001) nos apresenta uma visão de sociedade crua considerando os

caminhos da sociedade apontando para uma padronização do ser e uma

valorização do ter. Já Sennett (1999) contextualiza as organizações e seus

impactos nas relações de trabalho.

Por fim, o que pretendemos é nos apropriar da visão de Giddens trazendo a

reflexividade como ponto de atenção para a atuação dos profissionais de RH,

utilizar Sennett como base para a contextualização das organizações na

sociedade moderna e Bauman, trazendo uma visão crítica da sociedade,

impactando o sujeito que é convocado a trabalhar nas organizações,

estabelecendo diferentes formas de relações de trabalho.

Page 33: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

32

3. O CONTEXTO DA ADMINISTRAÇÃO DO TRABALHO

Temos presenciado profundas transformações no mundo do trabalho, tanto nas

formas de estrutura produtiva quanto nas formas sociais e políticas. Nos

arriscamos a dizer que essas repercussões influenciaram tanto a materialidade do

trabalho quanto a sua subjetividade.

O grande salto tecnológico, a automação, as tecnologias da informação,

invadiram o ambiente organizacional revirando os paradigmas do trabalho e de

suas relações.

Mas para entender a realidade do mundo do trabalho é necessário entender os

movimentos históricos que nortearam a sua estrutura e que ainda estão presentes,

de forma residual ou integral. Seja através dos tempos e movimentos pelo

cronômetro fordista ou pela produção em série taylorista, ou pela especialização

flexível do toyotismo, temos elementos que nos indicam possíveis hipóteses para

discutir o sofrimento do trabalhador frente às mudanças no processo produtivo ou

a manutenção de estruturas de trabalho que reforçam a coisificação da

subjetividade.

Trataremos basicamente das mudanças nos trabalhos produtivos da indústria em

seus principais movimentos como o Taylorismo, Fordismo, Toyotismo, entre

outros, entendendo os diferentes focos que engendram o trabalhador e sua

posição diante do trabalho. O Taylorismo, ou a chamada Administração Científica, foi desenvolvido por

Frederick W. Taylor (apud BORGES, 2008), engenheiro americano do início do

sec. XIX e é constituído basicamente de um modelo de desenvolvimento dos

trabalhadores e seus resultados, através de instruções e procedimentos, para que

pudessem fazê-los produzir mais e com qualidade melhor.

Esta era uma época onde os trabalhadores eram desqualificados e tratados com

desprezo, pois não havia interesse em investir já que a demanda de

Page 34: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

33

trabalhadores era enorme. Taylor (apud BORGES, 2008) então identifica, a partir

de sua análise da singularidade da tarefa, que trabalhadores desqualificados

eram trabalhadores de baixa produtividade e, conseqüentemente, menos lucro,

forçando a um maior número de contratações.

Além disso, instituiu o modelo de planejamento de produção para que pudesse ter

maior controle sobre o produto final, visando sempre potencializar a cadeia

produtiva, assim sendo acreditava que os melhores resultados refletiriam em

menores custos e, conseqüentemente, em salários mais altos.

Dentro desta lógica científica, de análise e controle de dados, introduziu o

conceito de “tempos e movimentos”, que tinha por objetivo fazer com o que o

trabalhador executasse uma determinada tarefa dentro de uma seqüência e

tempos pré-programados de modo a ter um desperdício mínimo de produção.

Eliminando movimentos inúteis e fazendo o trabalho se tornar mais rápido e

eficaz.

É neste momento em que a figura do supervisor se inaugura dentro das fábricas

com a função de verificar se os trabalhadores estão desenvolvendo duas

atividades dentro dos procedimentos definidos. Institui-se também a separação

entre aqueles que executam e aqueles que planejam. A noção do bom

trabalhador se traduz naquele que cumpre ordens e não as discute, tendo o

supervisor como aquele que dá as ordens.

Dentro do seu método existia um olhar sobre o trabalhador para além das

questões da produção. Ele estabelece alguns preceitos até hoje difundidos na

administração moderna.

Uma relação entre a fadiga e a diminuição da produtividade, com perda de

qualidade de resultados, doenças e aumento da rotatividade de pessoal.

Estabelece ainda que todas as instruções programadas devam ser transmitidas a

todos os trabalhadores, definindo as aptidões de cada trabalhador para

determinada tarefa na direção da especialização e divisão do trabalho.

Page 35: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

34

Incentivos salariais e prêmios por produtividade, para aqueles que se

destacassem além do estabelecido (atualmente chamado de meritocracia) e a

melhoria do ambiente físico para maior conforto do trabalhador e, por

conseqüência; maior produtividade.

Entra em cena a noção do homem econômico, motivado por recompensas

salariais e materiais e que hoje em dia ainda é foco de todas as empresas para

que se possa estimular o aumento da produtividade.

Este método traz em si maior controle sobre os trabalhadores e desapropriação

do trabalhador em relação ao seu trabalho, visto que a segmentação das tarefas

era vital para maior produtividade.

Analisando os sistemas de gerenciamento e controle da qualidade dos resultados

nas últimas duas décadas, nos deparamos com a permanência da administração

científica nas atuais ditas inovações de gestão. O treinamento contínuo, as

certificações que garantem o resultado final, a função da supervisão como ponto

chave para a manutenção de um processo produtivo com resultados de

excelência, são ainda a base da administração contemporânea, mesmo se

travestida de outros nomes.

Um exemplo do resquício do Taylorismo na atualidade são as normas

International Organization for Standardization-9000 (ISO-9000), que garantem,

através de itens de controle da qualidade, o produto entregue ao cliente, a forma

de gestão, o treinamento a ser aplicado para cada função.

Quando da nossa atuação como Auditora da Qualidade para as normas ISO-9000

(grupo de normas técnicas que estabelecem um modelo de gestão da qualidade

para organizações em geral, qualquer que seja o seu tipo ou) e do Prêmio

Nacional da Qualidade (PNQ), a padronização dos macro fluxos de processo, a

descrição das atividades e sua real aplicação no trabalho, a definição de

indicadores de qualidade e de técnicas estatísticas que pudessem garantir esses

resultados eram, e são, fatores decisivos para o controle da produção e do

Page 36: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

35

controle da atuação do trabalhador. A Área de Recursos Humanos sofreu uma

valorização pela necessidade de “motivar” seus trabalhadores para as novas

práticas de trabalho, além de analisar outras formas de gestão.

Henry Ford (apud BORGES, 2008), fundador da Ford Motor Company,

revolucionou a indústria automobilística a partir de 1914, quando introduziu a

automatização da linha de montagem de seus carros, utilizando os princípios de

padronização e simplificação de Frederick W. Taylor. Seu grande objetivo era

popularizar o automóvel através da redução dos custos da produção.

No filme “Tempos Modernos” de Charles Chaplin, podemos verificar como a linha

de montagem do modelo fordista operava. Esteiras rolantes movimentavam-se

com as peças, enquanto os operários ficavam estáticos realizando uma parte da

tarefa da produção. Assim não era necessária nenhuma qualificação dos

trabalhadores.

Fixo em seu posto de trabalho, o trabalhador era parte da máquina, sem que

houvesse necessidade de elaboração mental para o exercício de sua função.

Sem interferência da mente, novamente desapropriando o trabalhador de seu

trabalho, a linha de produção homem-máquina se constituía em uma só entidade.

Enquanto no Taylorismo ainda havia a preocupação de se adequar as

potencialidades às necessidades de especialização da tarefa, no Fordismo, pela

implantação de movimentos repetitivos e sem atuação mental, volta-se a

desprestigiar a qualificação e a prestigiar somente a “mão-de-obra”, mais barata e

substituível. Ford, em 1913, relata:

“Para certa classe de homens, o trabalho repetido, ou a reprodução

contínua de uma operação idêntica, por processos que não variam nunca,

constitui um espetáculo horrível. A mim me causa horror. Por preço algum

do mundo poderia fazer todos os dias as mesmas coisas.

Entretanto, atrevo-me a dizer que para a maioria a repetição nada tem de

desagradável. Para certos temperamentos, a obrigação de pensar é uma

Page 37: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

36

verdadeira tortura, porque o ideal consiste em operações que de modo

algum exijam instinto criador.” (apud BORGES, 2008, slide 25)

Ford traduz uma realidade de mão-de-obra marginalizada, sem capacitação, que

se assujeitava a realizar qualquer tipo de trabalho em troca de uma remuneração.

Aqui ele já inaugura uma tentativa de avaliar as tendências do trabalhador para

uma ou outra atividade, porém ainda com a visão segmentada entre elaboração

mental e trabalho braçal, como se ambas pudessem ser dicotomizadas.

O Fordismo teve seu ápice na Segunda Guerra Mundial, nas décadas de 1950 e

1960, conhecidas também como Os Anos Dourados. Porém o mundo mudou

após a guerra e com isso o modelo rígido de gestão e de produção de um único

produto que atendesse a todos os potenciais compradores, levou o Fordismo ao

declínio.

Em 1970, a General Motors flexibiliza sua gestão e sua produção, cria diversos

modelos de carro com cores variadas e adota um sistema de gestão

profissionalizado, assim ultrapassando a Ford como maior montadora do mundo.

Neste mesmo período com a crise do petróleo e a entrada de competidores

japoneses neste mercado, um novo modelo de produção se inicia baseado no

Toyotismo e em 2007, a Toyota se torna a maior montadora de veículos do

mundo colocando fim ao Fordismo.

O Japão, após a Segunda Guerra Mundial, apesar de destruído, encontrou

condições favoráveis para retomar sua economia e mudar o curso da história

dentro das organizações. Diferentemente dos EUA e da Europa, o Japão tinha um

mercado consumidor pequeno, com capital e matéria-prima escassos e grande

disponibilidade de mão de obra especializada. Nesta conjuntura, a aplicação do

modelo americano de administração de produção em massa era inviável.

O que se configurou como resposta foi o aumento da produtividade através da

fabricação de pequenas quantidades de numerosos modelos de produtos,

Page 38: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

37

voltados para o mercado externo, de modo a gerar divisas para a sua

reconstrução pós-guerra.

O Toyotismo, como modelo de organização produtiva, foi elaborado por Taiichi

Ohno, que tem como base a filosofia orgânica da produção industrial. Em seu

sistema foram identificados alguns aspectos importantes de sustentação, como a

introdução de uma mecanização flexível onde a produção é realizada a partir da

necessidade da entrega, em contraponto com o Fordismo que privilegiava o

estoque de excedentes da produção, sendo assim flexível a demanda do

mercado.

Além disso, a estruturação de processos multifuncionais ou de polivalência de

seus trabalhadores, incentivando o enriquecimento do trabalho e investimento em

educação, visto que com mercados muito segmentados a função de especialista

restringia a produção.

O envolvimento do trabalhador no pensar a produção, foi extremamente

estimulado com a implantação de sistemas de controle de qualidade total,

promovendo ciclos de palestras onde o trabalhador desenvolve a visão de todo o

processo produtivo e sua importância dentro dele.

Hoje ainda verificamos a utilização do sistema “Just in time”, originalmente

idealizado por Henry Ford (apud BORGES, 2008), porém implantada por ele,

baseado em controles estatísticos de processo produzindo o necessário, na

quantidade e no momento necessários.

Apesar das maravilhas e novidades que o Toyotismo trouxe através da tecnologia

nos modos de produção atual, esse mesmo modo desencadeou um elevado

aumento das disparidades socioeconômicas e uma necessidade desenfreada de

aperfeiçoamento constante para simplesmente se manter no mercado.

Page 39: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

38

Alguns pensadores, entre eles Richard Sennett (1999), concordam que a nova

crise econômica mundial, deflagrada em setembro de 2008, representa uma

profunda ruptura com a visão de trabalho predominante no século XX.

Esta ruptura vinha se processando com a emergência das novas tecnologias da

era digital que, por si, já modificaram a natureza do trabalho contemporâneo. No

ambiente de crise, essas mudanças derivadas da técnica, criam um quadro

potencialmente explosivo em curto prazo.

Onde a globalização impetra um nova ordem social e econômica, não há espaço

para as relações de confiança estabelecidas de forma clara e transparente. As

ações dentro do contexto do trabalho são documentadas virtualmente para que se

possa garantir que a mensagem foi enviada, porém não está em questão o

recebimento e o entendimento da mensagem e sim a emissão

descompromissada da informação, pois uma vez enviada, já não faz mais parte

da responsabilidade daquele que enviou.

Os espaços verbais de discussões e análise tornaram-se espaços vazios de

elaboração. Hoje se seguem os twitters pessoais ou corporativos, mas que

elaborações subjetivas efetivas se traduzem deste colóquio virtual?

No isolamento de seus computadores, cada trabalhador se coloca como um

espectro para o outro, protegido pela máquina. As relações aumentam em

quantidade e diminuem qualidade. Chega-se ao máximo do distanciamento do

outro ao serem enviados e-mails aos colegas que estão ao seu lado fisicamente.

O tempo é uma variável que se expande na medida em que as pessoas e as

corporações, envolvidas no trabalho, estão em diversas partes do mundo e o

acesso às informações é online. Os profissionais estão conectados através de

seus computadores fixos ou móveis de forma que são acessados em todo o

tempo e lugar. A pressão por resultados de excelência e pela manutenção do

trabalho desloca o tempo do trabalho para o tempo livre, sem que o inverso seja

uma verdade.

Page 40: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

39

Os vínculos que se estabelecem com as empresas já não são mais fantasiosos,

cumprindo uma promessa de convivência eterna e de plena satisfação. A relação

de uso entre as coisas e as pessoas, muito bem colocado por Bauman (2001), é

também vivenciada nas relações de trabalho que estabelecem vínculos frágeis e

sem envolvimento subjetivo.

Muitos têm sido os estudos que procuram desvendar a natureza de novas formas

de trabalho imaterial – mais associativas e coletivas liberadas dos locais de

emprego, com novas recomposições entre o manual e o intelectual. E a

perspectiva para os próximos anos traz reformulações importantes tanto para o

trabalhador quanto para aqueles que fazem a arquitetura das relações de trabalho.

Assim, neste item nos interessa refletir sobre as características do "novo

capitalismo": a exigência de flexibilidade; a visão de curto prazo; a contradição

entre enaltecer valores como lealdade, ajuda mútua e confiança e estimular o

individualismo e a competitividade; o desaparecimento de carreiras estáveis e de

vínculos profissionais duradouros; questionando se tais condições não estariam

contribuindo para corrosão do caráter, criando novas subjetividades.

Muito se tem falado sobre novas formas de subjetivação na atualidade, se

utilizarmos como parâmetro a tradição ocidental do individualismo iniciada no

século XVII, tendo as noções de interioridade e reflexão sobre si mesma como

eixos constitutivos. Mas o que nos parece mais apropriado é inferir que com todas

as mudanças na sociedade até agora descritas, não se trata de uma nova forma

de subjetividade, mas a forma reativa a uma sociedade que trás para cada sujeito

a necessidade de sobreviver em meio à fluidez de ideais, vínculos frágeis,

descrenças nas autoridades e tantas outras inconstâncias advindas do Outro.

Talvez seja importante que repensemos os fundamentos de nossa leitura da

subjetividade atentando para os "destinos do desejo" na atualidade, na medida

em que tais destinos podem nos levar a perceber o que se passa nas

“subjetividades”. Se conseguirmos, por exemplo, identificar os destinos do desejo

assumindo uma direção auto-centrada e exibicionista, onde há um esvaziamento

Page 41: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

40

e um não investimento nas relações humanas, podemos inferir que a

subjetividade latente é a impossibilidade de reconhecer o outro em sua diferença

radical, característica fundamental na cultura narcísica.

Quando nos referimos à cultura do narcisismo, é importante utilizarmos o

historiador e crítico social Christopher Lasch (1983). Pode-se definir a “cultura do

narcisismo” como uma cultura que requer a sobrevivência de um mínimo eu

diante dos sentimentos de impotência em que somos jogados diariamente através

dos meios de comunicação ou de nossos contatos sociais. A decadência dos

vínculos, o descrédito nas instituições públicas, privadas ou religiosas, o consumo

estimulando o prazer imediatista e a perda das ideologias podem ativar nossas

defesas narcísicas para que o ego, confrontado exaustivamente com a frustração,

possa sobreviver. Temos aqui a supervalorização da realização individual em

detrimento dos ideais coletivos.

Freud, no texto “Introdução ao Narcisismo” (FREUD, 1914), aborda a questão da

constituição do ego, que consiste de um afastamento do narcisismo primário,

como processo de individuação. A libido é deslocada em direção ao ideal do ego,

que está diretamente ligado a identificações com os pais ou outras figuras

substitutivas e depois com os ideais da cultura. O ideal do ego representa o

modelo a ser atingido e as realizações a serem alcançadas.

“A busca do atingimento do “ideal do ego” implica, enfim, o

desenvolvimento, crescimento e transformação do ego narcísico; implica

também a renúncia e adiamento do “prazer imediato” em função de um

“modelo ideal”, ele próprio “libidinizado”, mas que aponta para projetos

futuros e requer a inserção do sujeito no real. Por outro lado, o recurso

ao “ego ideal” consiste numa saída que envolve uma renúncia do

enfrentamento da realidade e um fascínio por um “objeto-engodo” que

encerra o sujeito num pseudo-estado a-conflitivo mediante o processo

de “idealização”.” (SEVERIANO, 2006, p.1)

Page 42: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

41

Freud (1921) afirma ainda, no texto, “Psicologia das Massas e Análise do Eu”,

que somente através da identificação mútua entre os membros da massa e do

controle da expansão narcísica pode haver possibilidade de coesão social,

indicando a importância dos vínculos libidinais para a limitação do narcisismo e os

compromissos primordiais para a existência de um grupo.

Mas se esses mesmos compromissos estão dissolvidos em relações virtuais e

frágeis, se o princípio da impessoalidade colocou os líderes em uma posição

ilusória, percebemos que a saída para a sobrevivência deste ego é a emersão de

defesas narcísicas, que coloca o outro no lugar de objeto para satisfação de seus

desejos na busca da realização do ideal a ser alcançado, porém sem sentido.

Podemos talvez dizer que há ainda uma saída, pois se por um lado o sujeito na

cultura do narcisismo encerra o outro como objeto para seu usufruto, por outro, as

experiências de perda e o reconhecimento da incompletude do sujeito têm a

possibilidade de abrir caminho para a subjetivação permanente, para a alteridade

e temporalidade e, consequentemente, para um futuro que tenha sentido.

Porém, no ambiente de trabalho, essa esperança de subjetivação permanente,

que Giddens (1991) chamou de reflexividade, está capturada pelas organizações

capitalistas, amarrando o trabalhador no ideário narcisista, tendo em vista que

quanto mais fluidas são as relações, muito bem descrito por Bauman (2001), mais

submetido às regras como ponto de apoio para sua sobrevivência e mais

submetido aos seus próprios interesses em detrimento do todo, gerando uma

competitividade por vezes doentia e que adoece o trabalhador, para o alcance de

resultados cada vez melhores, com reconhecimento também maior. Como em um

círculo vicioso, temos o trabalhador que precisa produzir mais, para ser

reconhecido e alavancar seu status profissional.

Assim, como Sennett (1999) coloca, a corrosão do caráter acontece para fazer

frente a constante desconstrução do que se é diante de um vínculo de trabalho.

Se o trabalhador não pode mais criar laços com a empresa, pois não há mais

garantias de longo prazo, se não pode criar laços com seus colegas de trabalho,

Page 43: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

42

pois existe uma competição acontecendo por melhores resultados, se o ideário da

empresa pode mudar a qualquer momento devido a fusões, compra, venda ou

internacionalização de outras culturas, o que resta é a sustentação de um mínimo

de narcisismo para a proteção do ego.

Quanto menos vínculos existirem, quanto mais contarmos somente conosco,

quanto mais autônomo e auto-suficiente o trabalhador for, maior a possibilidade

de ele sobreviver tanto no mundo do trabalho quanto emocionalmente, visto que a

insistência das organizações capitalistas é a redução ou coisificação da

subjetividade do trabalhador.

Page 44: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

43

4. RECURSOS HUMANOS À LUZ DA PSICANÁLISE

Após caminharmos pelas interlocuções com a administração e a sociologia no

que diz respeito ao trabalho, finalmente chegamos à Psicanálise, saber que mais

nos interessa para embasar esta dissertação.

Iniciemos, assim, nosso percurso pelo entendimento dos complexos laços que se

estabelecem nas empresas através dos textos de Freud sobre a cultura,

percorrendo a linha do tempo em que ele discorre sobre o assunto.

Destacamos os textos Totem Tabu (1913); Psicologia das Massas e Análise do

eu (1921); O Futuro de uma Ilusão (1927) e O Mal estar da Civilização (1930),

como fundamentais para entender a cultura através da visão da psicanálise.

Em Totem e Tabu (1913), Freud faz uma reflexão sobre a origem da civilização,

abordando o mito da horda primeva e da morte do pai totêmico que levam a

hipóteses acerca da origem das instituições sociais e culturais, além da religião e

da moralidade.

São escolhidas, como objeto de estudo, as tribos primitivas da Austrália que eram

regidas pelo sistema de totemismo, tendo como característica principal a

proibição de relações sexuais entre membros de um mesmo clã,

conseqüentemente a proibição do incesto como fator fundamental - substituindo o

parentesco consangüíneo real pelo parentesco totêmico.

Freud (1913) distingue o laço totêmico do familiar, sendo o primeiro mais forte e

herdado pela linhagem feminina.

Proibição e desejo – Freud retoma sua teoria a respeito do Complexo de Édipo

sobre a primeira escolha amorosa da criança que é incestuosa. Assim, ele

encontra esta ambivalência nos tabus, pois proíbem algo que é desejado e a sua

violação precisa ser vingada para que outros não repitam a mesma ação do

transgressor.

Page 45: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

44

Analisando os tabus (termo que possui dois sentidos contraditórios: sagrado e

proibido - tendo como característica comum o temor do contato) dos povos

primitivos, Freud (1913) pontua que estes não divergem de alguns dos costumes

de nossa sociedade, comparando a psicologia dos povos primitivos com a

psicologia dos neuróticos, em especial com a neurose obsessiva.

Os atos cerimoniais e o desejo de violar a proibição insistem no inconsciente,

produzindo uma posição ambivalente frente ao proibido (temor e desejo), em

decorrência um senso de culpa é convocado toda vez que um tabu é violado,

levando à angústia e ao caráter obsessivo. Há também que se respeitar

severamente os tabus que protegem o totem, sendo que qualquer violação seria

punida com doença grave ou morte.

A partir do mito da horda primeva, Freud descreve uma situação mítica em que os

filhos matam e devoram o pai tirânico colocando fim à horda patriarcal – o fato de

devorarem o pai fazia com que se identificassem com ele (aquisição de parte de

sua força, mito presente nas tribos antropofágicas)

Apresentam-se então sentimentos ambivalentes dos irmãos perante o pai, pois ao

mesmo tempo em que o odiavam (obstáculo para seus desejos sexuais), também

o amavam e o admiravam. Esta ambivalência levaria ao sentimento de culpa e à

herança simbólica: “o pai morto tornou-se mais forte do que o fora vivo... o que

até então fora interdito por sua existência real foi doravante proibido pelos

próprios filhos” (FREUD, 1913, p. 171 e 172).

A estrutura totêmica teria então surgido a partir do sentimento filial de culpa e

também como impeditivo de repetição do ato de destruição do pai real.

A morte do pai da horda faz surgir “um ideal que corporificava o poder ilimitado do

pai primevo contra quem haviam lutado, assim como a disposição de submeter-se

a ele” (FREUD, 1913, p.177). Ou seja, o retorno do amor, o aparecimento da

identificação e da organização social, entrelaçando lei e desejo.

Page 46: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

45

Freud (1913) então finaliza nos aconselhando a não nos deixar influenciar demais

pelo nosso julgamento em relação aos homens primitivos em analogia com os

neuróticos, visto que há distinções, principalmente no que tange ao pensar e ao

fazer em ambos. Ele diz: “... os neuróticos acima de tudo, inibidos em suas ações:

neles, o pensamento constitui um substituto completo do ato.” (FREUD, 1913, p.

190). “Os homens primitivos, por outro lado, são desinibidos: o pensamento

transforma-se direto em ação.” (FREUD, 1913, p.191).

Mas presume, por fim, com segurança, que “no princípio foi o Ato”, remetendo-se

a Parte I da Cena 3, em Fausto, de Goethe e como em João 1: 1-3: “No princípio

era o Verbo”.

Pensamos então, como este traço primário da existência humana, pode ser

identificado nos complexos grupos que se formam dentro das organizações.

Uma empresa é a concretização do desejo de uma ou mais pessoas com o

objetivo de subsistência, riqueza e poder. Trazendo para nossa lente de estudo

uma empresa qualquer, escolhida dentro da amostragem de nossa percepção

cotidiana, vamos encontrar em algumas empresas os nomes próprios de seus

fundadores em sua marca, em outras marcas que identificam seus

produtos/serviços ou uma metáfora associada a estes. Porém, todas são repletas

de significados subjacentes.

Podemos assim entender que a marca de uma empresa nos remete a um totem,

sendo este um símbolo de um grupo ao qual o indivíduo se filia a um sistema de

códigos e proibições. Esta filiação subjetiva, em algumas situações, pode ser

transmitida por parentesco.

Em algumas regiões, onde uma empresa tem uma grande relevância econômica

e social para a população, o respeito e o desejo de fazer parte daquela empresa

são cultivados desde cedo, seja pela experiência dos familiares e amigos

próximos, seja pelo lugar de destaque que a filiação à essa empresa trás para o

indivíduo. Em nossos processos seletivos, quando os candidatos são

Page 47: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

46

questionados sobre o interesse em trabalhar em determinada empresa,

escutamos frases como “Eu sempre sonhei trabalhar nesta empresa”; “Meu pai

me levava ao trabalho dele e eu adorava ver os trens com todo aquele minério”;

“Quase todo mundo da minha família trabalhou ou trabalha lá, e eu tenho esta

meta também”; “É o sonho de todos da cidade poder um dia trabalhar aqui”.

Essa marca (como ícone desse grupo de significantes que a sustentam) deve ser

respeitada e assimilada pelos seus trabalhadores e através de seus uniformes,

camisetas, crachás, carteiras de trabalho e demais elementos objetivos e

subjetivos, irão marcar sua existência e filiação. Nas tribos primitivas os animais

do totem estavam representados em seus elmos, roupas ou em tatuagens.

Nas empresas, assim como nos grupos primitivos, existe o controle da ação do

indivíduo, a garantia de sua subsistência física e uma posição que o define dentro

do grupo. Além disso, os trabalhadores agregam aos seus nomes aos nomes das

empresas em que trabalham, transmitindo a eles, status e posição na sociedade.

Além disso, as empresas têm seus códigos de ética e conduta, valores definidos

e afixados em locais visíveis (tabus). Sendo ainda existente uma das proibições

mais antigas que é o sexo entre os membros do mesmo clã como parte deste

código. Em muitas empresas, seus empregados não podem se relacionar

afetivamente sob pena se serem demitidos. Os trabalhadores agregam aos seus

nomes os nomes das empresas em que trabalham, transmitindo a eles, status e

posição na sociedade.

Enquanto o vínculo com as tribos é permanente, à exceção daqueles que

descumprem as regras, nas empresas esses vínculos são estabelecidos e

rompidos na medida em que o mercado de trabalho se organiza. Ou seja, o

sujeito refaz suas identificações a cada novo vínculo empregatício necessitando

introjetar novos totens e tabus.

Podemos retomar aqui a experiência de Richard Sennett na International

Business Machines (IBM), tratada no capítulo sobre o contexto social do trabalho,

Page 48: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

47

que indica claramente como este luto do desligamento de uma empresa e de

seus significantes pode marcar profundamente o indivíduo a ponto de paralisá-lo

para o estabelecimento de novos laços sociais e especificamente de trabalho.

A vinculação a uma empresa gera ao indivíduo uma posição de importência

(paramos neste momento para explicar esta palavra, ato falho na nossa escrita,

pois o que gostaríamos de escrever era “importância”, mas o que veio foi sua

aglutinação com a palavra “impotência”. Necessário dizer que a “importância”

nesta vinculação à empresa também está atrelada à “impotência” que se

estabelece a partir desta vinculação. Potência e impotência se posicionam nesta

relação. Explicamos, ao estarmos vinculados a uma organização nos colocamos

a seu serviço, sujeitos a sua ordem, impotentes em nosso desejo. Por outro lado,

como benefício desta relação de assujeitamento, temos a potência de termos

empregos, remunerações, posição junto à sociedade produtiva. Creio que o ato

falho importência” revela sobremaneira a nossa relação com o trabalho).

A partir deste ato falho, vamos ao texto “Psicologia das Massas e Análise do Eu”,

onde Freud (1921) detalha os conceitos de laços libidinais, identificação e

idealização para a formação de grupos e líderes: “...os homens não são

espontaneamente amantes do trabalho e ... os argumentos não tem valia alguma

contra suas paixões.” (FREUD, 1921, p.18)

Freud descreve que a produção de massas compreende regulamentos especiais

particularmente a partir da infância, cujos benefícios da civilização seriam

introjetados de tal forma que poderiam efetuar sacrifícios referentes ao trabalho e

à satisfação instintual que forem necessários para sua preservação.

Sugere ainda que para que se dê a produção de uma geração com tal qualidade,

é necessário existirem líderes inabaláveis, que como educadores, devem exercer

uma coerção ainda maior antes que tais exigências sejam postas em prática

(trabalho e satisfação pulsional).

Page 49: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

48

Quando o homem começa a se distanciar de sua condição animal, ali se

produziram proibições que levaram ao processo civilizatório e que até hoje

imperam constituindo a origem da hostilidade contra a civilização, visto que toda

criança nasce padecendo dos mesmos desejos instintuais, como o canibalismo, o

incesto e o desejo de matar. Porém não podemos dizer que não houve evoluções

no processo coercitivo, visto que o supereu se tornou o guardião da internalização

gradativa das proibições civilizatórias.

É só por meio dessa evolução que uma criança se torna um ser moral e social,

sendo o fortalecimento do supereu uma vantagem cultural muito importante no

campo psicológico. Essa operação transforma opositores em veículos da

civilização.

É importante também colocar que embora as reivindicações pulsionais acima

descritas tenham sido, de alguma forma, internalizadas, à exceção das

psicopatologias, outras proibições culturais só são mantidas sob a pressão da

coerção externa, conhecidas como exigências morais da civilização que se

aplicam a todos.

Identificamos claramente as reminiscências dessa coerção no exercício da

liderança dentro das organizações. O gestor tem como principal função preparar a

equipe para fazer o trabalho com alto desempenho, através da elaboração de

procedimentos escritos e de manuais de treinamento, planos de treinamento,

determinação cuidadosa do perfil, integração intensa com RH no momento da

seleção de seus futuros funcionários, auditoria feita por ele próprio e por terceiros,

avaliações freqüentes do desempenho dos seus profissionais com feedback claro,

elaboração de planos de desenvolvimento individual para suprir as carências de

seus comandados. Todas essas responsabilidades demonstram a ortopedia

necessária para que o trabalhador possa responder às expectativas da

organização.

Page 50: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

49

Muito embora muitas pessoas se neguem a matar ou cometer incesto, não se

furtam a satisfazer seus impulsos agressivos e sexuais acobertando-os através

de mentiras, fraudes e calúnias para manterem-se impunes.

O assédio moral no ambiente de trabalho pode ser considerado uma das

possibilidades de satisfação dos impulsos agressivos acobertada pelas

exigências de competitividade e alta performance são perpassadas por abuso de

poder, ofensas repetitivas, agressões, maximização dos “erros” e culpas, que se

repetem por toda jornada, degradando deliberadamente as condições de

trabalho.

A partir deste relato fica notório que, como o próprio Freud (1921) coloca em seu

texto “Psicologia das Massas e Análise do Eu”, a psicologia individual e a

psicologia social estão intrinsecamente ligadas, visto que não há como desprezar

os fenômenos sociais da pesquisa sobre o indivíduo e vice versa.

Coloca, porém, que o questionamento da psicologia social ou de grupo se baseia

na influência de um indivíduo por um grande número de pessoas, com que se

acha ligado por qualquer circunstância, e que, quando rompido este laço, um

fenômeno facilmente observável se revela, chamado por Freud de “instinto social”

(tradução das expressões originais herd mind, group mind) (FREUD, 1921, pg.

92), mas que de alguma forma pode ser analisado sob a ótica da primeira

constituição social: a família e não tão somente como algo primitivo.

Freud se utiliza da obra de Lê Bon para recorrer aos fenômenos do indivíduo em

grupo, indagando o porquê, sob certa condição grupal, um indivíduo, a quem

havia chegado a compreender, agiu de maneira inteiramente diferente daquela

que seria esperada e qual seria a natureza desta força que produz este tipo de

alteração mental. Le Bon tenta responder a este questionamento dizendo que os

indivíduos em grupo tomam posse de uma mente coletiva que os fazem agir de

forma diferente de quando isolados. Ele trata este fenômeno como grupo

psicológico que é um ser provisório com características diversas daquelas dos

indivíduos que o compõe.

Page 51: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

50

Em algumas organizações, em especial as que produzem produtos ou serviços

controversos, como álcool, cigarros, armas, podemos observar claramente a

assimilação de códigos e valores que não estariam presentes se não houvesse a

vinculação com o grupo psicológico estabelecido.

Le Bom (apud FREUD, 1921) coloca que os indivíduos apresentam novas

características que não possuíam anteriormente, (na psicanálise, porém, diz-se

que o indivíduo é colocado sob condições que permitem o surgimento das

repressões dos impulsos instintuais inconscientes, as características que

aparentemente são novas, na realidade são as manifestações desse

inconsciente), por conta de três fatores diferentes: a) o poder invencível por

considerações numéricas, b) Contágio (porém como efeito de sugestionabilidade)

e c) sugestionabilidade.

Nos grupos, as idéias mais contraditórias podem existir lado a lado e tolerar-se

mutuamente, sem que nenhum conflito surja da contradição lógica entre elas.

Esse é também o caso da vida mental inconsciente dos indivíduos, das crianças e

dos neuróticos. Os grupos dão, constantemente, precedência ao que é irreal

sobre o real; são quase tão intensamente influenciados pelo que é falso quanto

pelo que é verdadeiro. Possuem tendência evidente a não distinguir entre as duas

coisas.

Essa predominância da vida da fantasia e da ilusão nascida de um desejo

irrealizado é o fator dominante na psicologia das neuroses. Descobrimos que

aquilo por que os neuróticos se guiam não é a realidade objetiva comum, mas a

realidade psicológica.

Quanto à liderança dos grupos, Le Bon diz que, assim que seres vivos se reúnem

em certo número, se colocam sob a influência de um chefe, pois possui tal anseio

de obediência, que se submete a qualquer um que se indique a si próprio como

chefe.

Page 52: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

51

Podemos falar de outras manifestações de formação de grupo que revelam uma

opinião muito mais elevada da mente grupal como: 1) os princípios éticos de um

grupo que podem ser mais elevados do que os dos indivíduos que o compõe e 2)

o trabalho intelectual revelado na linguagem, no folclore, nas canções populares.

Freud (1921) cita McDougall: uma multidão ocasional só se torna um grupo no

sentido psicológico quando há algo em comum uns com os outros, um interesse

comum num objeto, uma inclinação emocional semelhante numa situação ou

noutra. Isto tem como resultado a exaltação ou intensificação da emoção

produzida em cada membro. O grupo não organizado é emocional, impulsivo,

violento, influenciável, sem auto-critica. McDougall fala de cinco ‘condições

principais' para a elevação da vida mental coletiva a um nível mais alto:

1)continuidade de existência do grupo, 2) idéia definida da natureza, composição,

funções e capacidades do grupo para desenvolver uma relação emocional com o

grupo como um todo, 3) interação com outros grupos semelhantes, 4) tradições,

costumes e hábitos tais, que determinem a relação de seus membros uns com os

outros e 5) estrutura definida, expressa na especialização e diferenciação das

funções de seus constituintes.

O indivíduo num grupo está sujeito, através da influência deste, ao que com

freqüência constitui profunda alteração em sua atividade mental. Sua submissão

à emoção torna-se extraordinariamente intensificada e sua capacidade intelectual

é acentuadamente reduzida. Freud se pergunta por que no grupo cedemos ao

contágio de uma emoção e quando sozinhos resistimos?

Dentro deste questionamento introduz o conceito de Libido ligado à energia das

pulsões sexuais.

Freud vai destacar uma distinção entre grupos com líderes e grupos sem líderes.

Dois grupos altamente organizados, permanentes e artificiais: ao Igreja e o

exército. É de notar que nesses dois grupos cada indivíduo está ligado por laços

libidinais por um lado ao líder (Cristo, o comandante-chefe) e por outro aos

demais membros do grupo.

Page 53: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

52

Freud (1921) então vem dizer que os laços libidinais são o que caracterizam um

grupo. Os indivíduos do grupo comportam-se de forma semelhante, toleram seus

outros membros, e não sentem aversão por eles. Este fenômeno ocorre a partir

de uma limitação do narcisismo que só pode ser produzida pela existência de um

laço libidinal com outras pessoas.

A libido se liga à satisfação das necessidades básicas e escolhe como seus

primeiros objetos aqueles que de alguma forma fizeram parte desta satisfação.

Nos grupos, não se pode falar de objetivos sexuais, havendo outros mecanismos

para os laços emocionais, as chamadas identificações.

A identificação é a mais remota expressão de um laço emocional com outra

pessoa. Ela desempenha um papel na história primitiva do complexo de Édipo.

“Um menino mostrará um interesse especial pelo pai; gostaria de crescer como

ele, ser como ele e tomar seu lugar em tudo. Podemos simplesmente dizer que

toma o pai como seu ideal” (FREUD, 1921, p.133).

Assim, o laço existente entre os membros de um grupo é da natureza de uma

identificação com uma qualidade emocional comum, que reside na natureza do

laço com o líder.

Outro conceito importante, segundo Freud, é o da idealização que se dá na

presença do amor, que tende a falsificar o julgamento a respeito do outro, visto

que, quando estamos amando, uma quantidade considerável de libido narcisista

de direciona para o objeto. Esse amor se volta para as qualidades que nos

esforçamos em obter para o nosso próprio ego e que de maneira indireta satisfaz

nosso narcisismo. Como Freud diz: o objeto foi colocado no lugar do ideal do eu.

Do estado de estar amando à hipnose vai, evidentemente, apenas um curto

passo. Os aspectos em que os dois concordam são evidentes. Existe a mesma

sujeição humilde, que há para com o objeto amado. Há o mesmo debilitamento da

iniciativa própria do sujeito; ninguém pode duvidar que o hipnotizador colocou-se

no lugar do ideal do eu.

Page 54: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

53

Assim, podemos considerar a constituição libidinal dos grupos que têm um líder e

que não adquiriram as características de um indivíduo, que seu movimento foi de

colocar um objeto no lugar de seu ideal do eu e, conseqüentemente, se

identificaram uns com os outros em seu ego.

Em termos da teoria da libido, o gregarismo é outra manifestação da tendência

proveniente da libido e sentida por todos os seres vivos da mesma espécie, e os

impulsiona a fazerem parte de unidades cada vez maiores. Freud, porém,

questiona a existência de um instinto gregário. A linguagem deve sua importância

à aptidão para o entendimento mútuo, sendo nela que a identificação mútua dos

indivíduos repousa em grande parte.

O homem é um animal de horda, uma criatura individual numa horda conduzida

por um chefe. O pai da horda primeva, porém, era livre, seus atos intelectuais

eram fortes e independentes, e não necessitava do reforço de outros, seu ego

possuía poucos vínculos libidinais, ele não amava ninguém, a não ser a si próprio,

ou a outras pessoas, na medida em que atendiam às suas necessidades. Aos

objetos, seu ego não dava mais que o estritamente necessário.

O líder do grupo ainda é o temido pai primevo; o grupo ainda deseja ser

governado pela força irrestrita e possui uma paixão extrema pela autoridade. O

pai primevo é o ideal do grupo , que dirige o ego no lugar do ideal do eu.

Em muitos indivíduos, a separação entre o ego e o ideal do eu não se acha muito

avançada e os dois ainda coincidem facilmente; o ego amiúde preservou sua

primitiva autocomplacência narcisista. A seleção do líder é muitíssimo facilitada

por essa circunstância.

Freud (1921) coloca que o controle da massa (entendida como grupo) por uma

minoria e a coerção no trabalho da civilização é condição básica para a

manutenção do processo civilizatório. Só através de um processo de influência de

indivíduos que possam fornecer exemplo e que sejam reconhecidos como líderes,

Page 55: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

54

a massa poderá ser induzida a efetuar o trabalho e a suportar as renúncias de

que a existência depende.

Freud (1921) não intenta dissociar cultura e civilização, sendo ambas inerentes ao

ser humano e o que o diferencia da condição animal. A partir do século XVI, o

conceito de cultura passa a articular-se, ora positiva ora negativamente, com o

conceito de civilização, pois, inicialmente, o conceito de civilização referia-se, de

um lado, ao civil, correspondente ao homem educado e polido, e do outro lado, à

ordem social. Com o tempo, civilização passou a designar um estágio ou etapa do

desenvolvimento histórico ocidental ligado ao progresso. Desde então, ao

aproximar-se do conceito de civilização, a cultura passou a exprimir os aspectos

do desenvolvimento material da sociedade moderna que via como civilizado o

homem moderno.

Para os alemães Kultur (cultura) é um conceito com maior expressão, pois

determinam os aspectos intelectuais, artísticos, religiosos, técnicos, morais,

sociais e acima de tudo a realização no próprio Ser. Para eles, o conceito de

cultura não tem o mesmo significado do conceito de civilização, estabelecido

pelos ingleses e franceses, pelo fato desse conceito estar relacionado à produção

humana como no caso, de obras filosóficas, obras de arte, obras literárias, ou

seja, a particularidade desse povo.

Distinguem-se duas tendências da civilização: o conhecimento e a capacidade de

controlar as forças da natureza e extrair suas riquezas para atender suas

necessidades e a outra são os regulamentos de ajuste das relações entre os

homens e sua distribuição de riquezas. Freud considera ambas interdependentes,

1º) pela satisfação pulsional que a riqueza traz; 2º) que o homem pode ser

traduzido como riqueza para outro homem, na medida em que é utilizada sua

capacidade de trabalho ou como escolha de objeto sexual e 3º) todo “indivíduo” é

virtualmente inimigo da civilização. E assim a civilização deve ser defendida

contra o “indivíduo” e para tanto existe sua regulamentação. E da mesma forma

que as produções humanas são erguidas para sua regulação, podem também ser

facilmente destruídas.

Page 56: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

55

Falar sobre remoção de fontes de insatisfação, só é possível através da renúncia

à repressão das pulsões, que parece ser incompatível com o processo civilizatório,

na medida em que todos os homens têm tendências destrutivas, anti-sociais e

anticulturais. Sabemos disso, pois algumas pessoas se determinam fortemente

por este comportamento na sociedade.

Assim, vimos deslocar as questões materiais de apropriação de riquezas para

questões mentais, deixando para nós uma questão decisiva: se é possível

diminuir o ônus dos sacrifícios instintuais, reconciliá-los com os sacrifícios que

devem permanecer e fornecer uma compensação.

Em “O Mal-Estar da Civilização”, Freud (1930) diz que o propósito da vida, é a

busca por intensos sentimentos de prazer e ausência de sofrimento (princípio do

prazer). Segundo ele, a infelicidade é muito mais fácil de ser experimentada:

através de nosso próprio corpo, do mundo externo e do relacionamento com

outras pessoas. Muitas vezes a felicidade é entendida meramente como ausência

de sofrimento, dada a dificuldade de experimentá-la.

Existem alguns métodos para fuga do sofrimento: o isolamento, o controle das

pulsões, as substâncias tóxicas, o deslocamento de libido, etc.. A religião também

é uma fuga do sofrimento, apresentando para a felicidade e deformando a visão

de mundo real. A infelicidade causada pelos relacionamentos entre humanos

(relações sociais) pode nos remeter à idéia de que a grande responsável por

nossa desgraça seria a civilização, supondo equivocadamente que um retorno às

condições primitivas nos proporcionaria maior felicidade. O aumento do controle

da humanidade sobre o espaço e o tempo não aumentou a quantidade de

satisfação prazerosa nem nos tornou mais felizes, o que nos permite concluir que

esse poder sobre a natureza não é a única precondição de felicidade humana.

Esperamos da civilização uma valorização da beleza, da limpeza e da ordem,

contrariamente à tendência do homem para o descuido, irregularidade e

irresponsabilidade. O passo decisivo de uma civilização é a substituição do poder

individual pelo poder da comunidade (direito), atendendo a primeira exigência da

Page 57: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

56

civilização: a justiça. A civilização é construída sobre uma renúncia às pulsões,

provocando uma frustração cultural, que domina o grande campo dos

relacionamentos sociais.

Na busca pela felicidade, através do amor, muitos se protegem contra a perda de

objetivo voltando seu amor para todos os homens, evitando as incertezas e

decepção do amor genital. Para Freud (1930) um amor assim tem uma

desvalorização, pois faz injustiça ao objeto.

Freud repudia algumas exortações religiosas, tais como “Amarás a teu próximo

como a ti mesmo” e “Ama os teus inimigos”, que vão fortemente contra a natureza

original do homem. Para ele, uma exortação mais correta poderia ser: “Amarás a

teu próximo como este te ama”. Segundo ele, os homens não são criaturas gentis

que desejam ser amadas, mas são, pelo contrário, criaturas em cujos dotes

pulsionais devem-se considerar poderosa cota de agressividade, que é o maior

impedimento à civilização e que é internalizada pelo supereu - agente de punição

e herdeiro do Complexo de Édipo. O processo civilizatório só ocorre através da

renúncia pulsional e a neurose é uma resposta às exigências culturais e essa

resposta é declarada através do sintoma.

Uma das produções civilizatórias é o trabalho, que tem uma ação coercitiva sobre

a pulsão. É sabido ainda que a palavra “trabalhar” vem do latim vulgar tripaliare,

que significa torturar, e é derivado do latim clássico tripalium, antigo instrumento

de tortura. Ora, temos assim uma produção que trás em si o próprio significado da

coerção pulsional, ou seja a tortura.

A importância e o significado que o trabalho tem sobre o sujeito, pode variar

dentro de culturas diferentes, posições hierárquicas, condições sociais e

econômicas, pois muitos de nós somos identificados a partir do trabalho e de

suas identificações com ele. O trabalho nomeia o sujeito, por vezes, mais do que

sua singularidade, qualificando-o inclusive subjetivamente. Sendo assim podemos

supor que o trabalho traz para o sujeito uma submissão a exigência do Outro.

Page 58: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

57

Como agravantes, já anteriormente citados, na nossa imersão pela sociologia,

existem relações líquidas e deslocadas do ambiente grupal, sendo os laços

definidos de forma fluida e superficial, especialmente as relações dentro dos

ambientes virtuais, com o tempo fora do ciclo circadiano e a inserção de um

universo de atuação não mais local e sim global.

No livro “O Artífice”, o autor, Richard Sennett (2009), menciona que na época

anterior a Revolução Industrial, o artesão e o produto do seu trabalho eram um.

Aquilo que era produzido levava a marca de seu autor. Após a Revolução

Industrial cada vez mais o homem se distanciou do produto final do seu trabalho,

sendo que muitas vezes desconhece o impacto de suas ações no produto final.

Assim também a marca pessoal que advém de nosso desejo e de nossa

singularidade ficou perdida, fragmentada em processos, hierarquias de

responsabilidade e distanciamento do outro. Assim o sujeito vira um espectro

daquilo que é, assujeitado às relações da cadeia produtiva do trabalho e suas

formas de intra e inter-relação.

4.1. Psicanálise e RH – interlocuções possíveis

Pensamos assim, em possibilidades de escuta do trabalhador dentro da atuação

do profissional de Recursos Humanos, como forma de propor ações que reduzam

os impactos da renúncia pulsional, mas ainda a serviço dos interesses da

empresa.

Uma ferramenta de RH utilizada na escuta e direcionamento da demanda

profissional é o Coaching.

O Coaching é uma ferramenta de orientação de empregados com o objetivo de

aumentar o seu desempenho profissional. Seu instrumento principal é a palavra,

ou seja, o Coach (treinador ou facilitador) e Coachee (treinando) se submetem a

reuniões de orientação sobre as atividades executadas e tratam de assuntos que

podem de alguma forma dificultar o processo produtivo como relacionamento com

Page 59: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

58

os seus pares no trabalho, suporte de treinamento ou dificuldades com a chefia

imediata. O discurso é livre, mas voltado para questões profissionais, o Coachee

se coloca em sua singularidade, sendo um convite sutil para o sujeito

comparecer.

Existem algumas formas de atuação do Coaching. Consideraremos aqui somente

duas: o realizado por profissional interno à empresa e será nomeado em

situações específicas, principalmente aquelas em que o empregado precisa de

um profissional mais maduro para guiá-lo a novos desafios profissionais; e o

realizado por profissional certificado para orientar profissionais em suas carreiras

e é nesta atividade que, através de perguntas abertas, o Coachee pode se

colocar mais livremente para falar de si e de suas escolhas profissionais. Neste

momento, através da palavra, pode-se pensar numa possibilidade de emergência

do sujeito, mas não é seguro que isso ocorra visto que o local constituído para tal,

assim como o local de trabalho, está impregnado de significantes do trabalho que

ainda poderão enrijecem o discurso do Coachee.

O que podemos supor, com esta ferramenta, é que se há um discurso, mesmo

que fomentado para atuar em uma questão específica do sujeito, esse discurso

poderá trazer informações que, para um ouvinte preparado, aqui me refiro ao

profissional que fez sua formação em psicanálise, é possível inferir hipóteses que

estabeleçam novas significações não só ao objeto do Coaching, mas também a

outras questões relativas a vida do Coachee.

Como sabemos, a psicanálise tem como alguns de seus recursos para a

investigação do sujeito os lapsos, os atos falhos, os chistes, os comportamentos

repetitivos e por vezes o próprio silêncio que se instala.

Assim, não há pretensão de se realizar no trabalho de Coaching um tratamento

psicanalítico, mas sim escutar algo se singular que se produz neste discurso para

além do objeto de intervenção proposto.

Page 60: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

59

Mas vamos aprofundar a questão da escuta em psicanálise de forma a entender

os seus benefícios no ambiente organizacional.

A escuta tem um espaço medular na psicanálise. Não importa se as palavras vêm

maquiadas de mentiras ou silêncios, e sim que são portas que se abrem para

uma possibilidade de interpretação e levantamento de hipóteses a cerca do

sujeito. Desta forma, entendemos que também na empresa podemos tecer

hipóteses sobre o discurso do trabalhador, desde que haja um interlocutor atento

e preparado para tal.

Acreditamos que a utilização apropriada das ferramentas existentes na atuação

da área de Recursos Humanos, como em Recrutamento e Seleção, Treinamento,

Avaliação de Desempenho ou na Entrevista de Desligamento, propiciam ao

trabalhador um espaço de posicionamento diante das variáveis em que este está

submetido e, sendo assim, há uma possibilidade de dar uma direção às hipóteses

levantadas a partir deste posicionamento (fala do trabalhador).

Caminhar no sentido de desvelar a fala do trabalhador na empresa é um percurso

árduo, que precisa de algumas arestas, visto que aquilo que temos nesta

condição de ouvintes dentro das empresas são apenas pistas que por vezes

podem ser enganadoras ou encobridoras de outras questões, principalmente

porque nos parece que há mais a ser dito, mas o espaço que se permite a fala é

restritivo a uma exposição maior do trabalhador.

Mas algo é dito e quanto a isso não há como negar. Temos uma causa e um

efeito sendo apresentado constantemente, seja pela via da observação direta do

trabalhador na sua relação com sua função, seja pela fala junto ao seu

supervisor, seja pela sua possibilidade de colocação pela via do RH. Em algum

momento sabemos que o sujeito e seu desejo irão comparecer e que, para

sermos efetivos em nossa ação de escuta e direcionamento de demanda,

devemos estar atentos.

Remetemo-nos, assim, ao texto de Silvia Alonso (2007), “A escuta psicanalítica”:

Page 61: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

60

“Nisto se baseia o conceito de inconsciente, onde Freud coloca a fala em

outro lugar. Neste falar, em certos momentos, a lógica consciente se rompe,

se desvanece, e algo diferente se torna presente, manifestando uma outra

lógica.”

Através dos lapsos, chistes, esquecimentos, das frases contraditórias, do duplo

sentido, se revelam o sentido que aparentemente seria um sem sentido no discurso

do trabalhador. Como quando um trabalhador ao falar de seu chefe o chama de

“paitrão” e ri pela palavra que formou. Logo após quando questionado sobre este

neologismo, responde que o chefe tem comportamentos com ele que o faz lembrar

seu pai e isso o incomoda, trazendo problemas de relacionamento com seu chefe e

consequentemente em seu desempenho.

Não podemos propor nas empresas a associação livre, regra fundamental para a

situação analítica, mas podemos aproveitar espaços da fala do trabalhador e

esperar que algo compareça em algum momento. Mais do que isso, estar

disponível para ouvi-lo quando este momento acontecer.

“Diria então que, do lugar do analista, se escuta tudo, para poder escutar

alguma coisa. Coisa essa que é o inconsciente, que no seio da repetição

insiste para ser escutado, que na trama dos movimentos imaginários se

disfarça, se fantasia e, no entanto, vai tecendo o fantasma.” (ALONSO,

2007).

Porém, existem riscos nesta conduta de escuta nas empresas. Para ilustrar

relatamos o caso de alguns trabalhadores em uma fábrica que reclamaram de

uma psicóloga que parecia “investigar” os seus pensamentos, fazendo perguntas

sem sentido para eles, longe do contexto do trabalho. Questionada sobre sua

conduta a psicóloga relatou que estava buscando informações importantes para

entender o baixo desempenho dos mesmos, mas o que aconteceu foi exatamente

o contrário, a resistência se instalou não só nestes trabalhadores como também

nos demais que acabaram sabendo do ocorrido. O que queremos considerar com

este exemplo é que podemos ter as mesmas respostas sem que precisemos ser

Page 62: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

61

invasivos, criando um ambiente favorável para que o trabalhador possa se

colocar, o que precisamos saber, para a entendermos a dinâmica de um grupo ou

de um trabalhador em função de sua atuação, comparece na sua fala.

Remetemo-nos neste momento ao famoso caso Emmy que pede, certa vez, que

não a tocasse, não a olhasse e nada falasse; queria apenas ser escutada.

Outro risco é fazer hipóteses de forma precoce, sem que as mesmas sejam

minimamente aprofundadas com outras variáveis, visto que time is money nas

empresas e sendo assim o tempo que utilizamos para este fim é reduzido, sem

que possamos seguir de perto as repetições derivadas da insistência da pulsão.

Aqui temos um grande paradoxo, posicionar o ser humano em um complexo

sistema de valores científicos, previsíveis e controlados, tendo como grande

protagonista deste sistema um ser relativo, complexo e instável. Além disso, um

ser em relação, histórico, em eterno (enquanto dure) devir.

Um conceito importante dentro do campo da fala e da escuta é o da transferência,

onde o analisando endereça ao analista seu desejo, de forma a não reconhecer a

falta. Mas o analista só permite este endereçamento para que na sua

presença/ausência o desejo possa deslizar entre os significantes e assim

possibilitar simbolizações estruturantes.

Isso só é possível por conta da renúncia narcísica do analista, que concede a ele

um lugar de angústia que o remete a sua própria análise, visto que por vezes o

discurso do paciente fomenta os pontos cegos do analista. Assim, para que o

analista possa “sobreviver” a este lugar é fundamental que tenha passado por sua

análise pessoal, pois só assim ele poderá sustentar a transferência sem que sua

história seja confundida com a história do paciente e consequentemente sua

escuta fique implicada.

Pensamos assim como este processo transferencial pode ocorrer na empresa

visto que aquele que escuta também está submetido às mesmas variáveis que

aquele que fala e assim comprometido com a história do outro semelhante. Mais

Page 63: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

62

do que isso, aquele que escuta não está protegido pelo espaço analítico ou pelo

tempo lógico que ele impõe. E, para finalizar, não tem a formação ou a análise

pessoal que possa fazê-lo se distanciar no momento da escuta para poder

levantar hipóteses mais isentas a partir da fala do trabalhador.

Essas são questões que não vamos desenvolver com profundidade, mas ficam

como pontos de atenção e de estudo para outra oportunidade. Mas mesmo não

avançando de forma devida, é fato que Freud privilegia a palavra como porta de

acesso ao desconhecido e, assim sendo, a escuta se instaura como o

decodificador para este desconhecido que se apresenta e se ausenta, a partir da

fala, cuja produção é singular a cada ser humano.

Eugène Enriquez (1997), em seu livro, “A Organização em Análise”, fala da

importância da psicanálise para a análise organizacional, principalmente quando

tratamos de aspectos inconscientes da conduta social, porém coloca que a lógica

da psicanálise é outra e não pode ser confundida com aspectos sociais,

afirmando que:

“[...]… porquanto Freud mantém, apesar das ligações existentes, uma

distância entre a realidade psíquica e realidade histórica. Essas duas

realidades que estão naturalmente em interações, como já salientei antes,

procedem de universos diferentes, conhecem sua própria lógica, suas

próprias leis de funcionamento e não podem se reduzir uma a outra.”

(ENRIQUEZ, 1997, p. 28).

Enriquez trás uma contribuição relevante ao nosso tema quando revela que a

organização como um sistema simultaneamente cultural, simbólico e imaginário.

Como sistema cultural, define a possibilidade da organização oferecer uma

estrutura de valores e normas, auxiliando na constituição de uma determinada

cultura. Com isso são constituídas expectativas de papéis, condutas e hábitos de

pensamento e de ação. Além disso, apresenta um processo de formação e de

socialização que permite que novos atores possam se inserir nesse sistema,

estabelecendo bons comportamentos e boas condutas.

Page 64: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

63

Como sistema simbólico, apresenta a possibilidade de criação de uma narrativa

onde os atores dão sentido aos seus atos e legitimam suas condutas e práticas.

Apesar do sistema simbólico não estar completamente fechado, as organizações

procuram, consciente ou inconscientemente, criá-lo para que os indivíduos não se

sintam inseguros quanto ao sistema.

Um sistema imaginário também será produzido para sustentar o sistema cultural e

simbólico, de forma que a organização consiga capturar “os indivíduos nas

armadilhas de seus próprios desejos de afirmação narcisista” (ENRIQUEZ, 1997,

p. 35). Assim, imaginário, a organização busca a substituição do imaginário dos

indivíduos pelo dela. Neste processo de sedução, aparecendo simultaneamente

como muito poderosa e possuindo extrema fragilidade, o que se propõe é ocupar

a totalidade psíquica do indivíduo. Além disso, o imaginário reflete a ilusão de que

a organização permite a criatividade para que os indivíduos não se sintam

reprimidos com as regras organizacionais.

Para melhor análise das organizações, Enriquez propõe sete instâncias (ou

níveis) baseando-se no pensamento de Freud: a instância mítica, a instância

sócio-histórica, a instância institucional, a instância organizacional, a instância

grupal, a instância individual e a instância pulsional.

A instância mítica se refere às narrativas que contam uma história sobre um

tempo sem data, que possibilita que os atores, situados no tempo histórico, dêem

sentido aos seus atos. Nas organizações há uma valorização do passado, da

história sempre gloriosa, entre dificuldades e triunfos, e que afirma sua existência

e perenidade. Há diferentes formas de mitos, mas ele é conservador por

excelência, já que une pensamento e comportamentos, clamando por ações

coerentes com a narrativa que ele conta.

“Assim, o mito trata de congregar a comunidade em torno da narrativa,

provocando nela uma identificação com os protagonistas do drama; cada

um sendo colhido nesse processo afetivo poderá identificar-se com os

outros membros e contribuir com a construção comunitária. Nessa ótica o

Page 65: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

64

mito é criador na sideração e no amor... o mito permite elevar o comum

dos mortais à altura dos Seres de que ele fala.” (ENRIQUEZ, 1997, P.42)

O mito aponta para a ideologia como forma de revestir a trama social com maior

coesão. Essa é a instância social-histórica, ou seja, o modo de acontecer no

tempo e espaço e a forma de ser da organização, segundo as nuances do mito

construído. A ideologia, segundo Enriquez, pretende simultaneamente: 1)

expressar a realidade, porque caso não estivesse fundamentada em algum nível

de verdade, não faria nenhum sentido e 2) mascará-la porque pretende ocultar os

conflitos, assimetrias e relações de dominação existentes em qualquer sociedade

com classes.

É na instância institucional que se encontram os verdadeiros fenômenos de poder

que advêm da instância sócio-histórica. É nela que encontramos a expressão do

poder, onde tudo é controlado e direcionado. Aqui a palavra instituição é utilizada

para dar visibilidade e poder ao que não é visível: “a instituição é assim, aceite”,

impondo limites a subjetividade, visando manter um estado de coisas, estabelece

uma repetição de comportamentos, assegurando a transmissão de normas,

regras, valores e comportamentos aceitáveis.

“O que desejo salientar no estudo da instância institucional... é a

capacidade da instituição de se defender contra toda a interrogação, a

promulgar suas leis e decretos sem se indagar se são justos ou

pertinentes.” (ENRIQUEZ, 1997, P.80).

A instância organizacional é o que torna concreta a instituição e busca servir

como porta-voz legítimo dessa. Podemos ter várias organizações sob a égide de

uma mesma instituição. Verificamos claramente a representação desta instância

na fala de um gestor em uma entrevista de diagnóstico gerencial: “Se fosse eu

não seria assim, mas como represento a empresa, tenho que fazer.” Aqui vemos

como somos embotados em nossos desejos e valores, sendo destituídos de

nossa subjetividade em prol da organização. A organização traduz as assimetrias

de poder em divisão do trabalho e em sistemas de autoridade. Se a instituição é o

Page 66: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

65

lugar das disputas políticas, a organização é o lugar onde se dão as relações de

força, as lutas explícitas e implícitas e as estratégias dos atores.

Além do trabalho, da produção e do lucro, dentro das organizações existem

grupos que estabelecem relações afetivas e interesses comuns, por vezes com

identificações fora do contexto do trabalho. Sendo assim, a instância grupal é

fundamental para a compreensão dos fenômenos coletivos. Um grupo se

estabelece em torno de uma causa seja instituída em um primeiro momento, ou

proposta a posteriori. É nos grupos que se expressa a solidariedade entre os

trabalhadores, onde as pessoas se agrupam para resolver seus problemas no

trabalho e simultaneamente onde surgem as estratégias de resistência e luta. Na

essência de um grupo está a noção de comunidade. Por comunidade entende-se:

“[...] uma associação voluntária de pessoas que experimentam em comum a

necessidade de trabalharem juntos em conjunto ou de viverem juntas de maneira

intensa, a fim de realizarem um ou diversos projetos que assinalam sua razão de

existir.” (ENRIQUEZ, 1997, p. 103)

A instância individual preocupa-se com as condutas normais e patológicas do

indivíduo na construção social. Enriquez não nega que o indivíduo nasce em uma

sociedade já com uma cultura e que essa cultura vai estruturar a conduta do

indivíduo. No entanto, o indivíduo possui certa autonomia na construção do social

e para o autor, retirar o indivíduo do estudo é não entender que ele é agente

passivo e ativo da construção social.

A última instância é a pulsional. Trieb (Pulsão) significa uma força germinativa;

um impulso, impulsão, propulsão. É a forma originária do querer. Freud (1916)

define pulsão como sendo um conceito situado na fronteira entre o mental e o

somático, como o representante psíquico dos estímulos que se originam no corpo

- dentro do organismo - e alcança a mente, como uma medida da exigência feita à

mente no sentido de trabalhar em conseqüência de sua ligação com o corpo.

A instância pulsional, é apreendida pelos seus efeitos e representantes psíquicos,

sendo constituída pela pulsão de vida e pela pulsão de morte, entendendo pulsão

Page 67: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

66

como “um processo dinâmico consistindo num impulso que faz o organismo

tender para um objetivo” (ENRIQUEZ, 1997, p. 123). A pulsão de vida favorece o

amor e a amizade entre os seres, pois representa as exigências da libido, mas é

canalizada ou sublimada para o fortalecimento dos elos sociais. Nas

organizações essa pulsão se dá com busca de eficiência, dinamismo, mudança e

criatividade e põe em funcionamento o processo de ligação favorecendo a coesão

e harmonia. A pulsão de morte é uma compulsão a repetição e a tendência à

redução das tensões ao estado zero. Essa pulsão manifesta-se nas organizações

como uma força que tende à homogeneização do trabalho, à recusa da

criatividade, à repetição e a própria burocratização.

4.2. France Télécom – um caso

Compreendendo os diversos impasses do sujeito, diante das múltiplas

representações do trabalho: o trabalho como base de valoração do homem, como

sofrimento, como definição do que se é perante a sociedade e analisando o

contexto das relações de trabalho e as instâncias sugeridas por Enriquez (1997),

trazemos uma evidência indiscutível sobre as conseqüências do mundo do

trabalho sobre o trabalhador.

A France Télécom foi considerada a principal empresa francesa de

telecomunicações e a 71ª empresa mundial no ano de 2010. Emprega quase

187.000 pessoas, cerca de 100.000 na França, e atende cerca de 174 milhões de

clientes no mundo.

Para responder a uma diretiva européia de colocação em concorrência dos

serviços públicos nacionais, a Direction Générale des Télécommunications (DGT)

torna-se a France Télécom em 1º de Janeiro de 1988.

Em julho de 1990, a partir da lei instituída para fins de mudança de administração,

transforma a France Télécom em uma empresa de direito público, onde é dotada

de uma personalidade moral distinta do Estado e adquire autonomia financeira.

Page 68: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

67

Em setembro de 2004, o Estado francês vende uma parte das suas ações, para

reduzir seu nível abaixo dos 50%, transformando A France Télécom

definitivamente em uma empresa privada.

Após essa transição de capital e administração, precisamos entender que sua

história não se reduz a uma mudança de modelo administrativo-financeiro. Temos

uma instituição pública com códigos de conduta, valores, vínculos de trabalho e

relações humanas próprias que regem este tipo de instituição e ocorre uma

mudança para uma instituição privada, com novas regras, valores, vínculos e uma

mudança estratégica drástica do posicionamento da gestão de seus empregados.

Foram utilizadas técnicas para obrigar os empregados a deixarem a companhia,

como transferências forçadas para outras regiões e mudanças nas atividades e

cargos dos funcionários. O programa "É hora de se mover" obrigou os gestores a

mudar de profissão ou área geográfica, a cada três anos.

Seus empregados foram compelidos a se filiar a outra instituição, mesmo sendo

aparentemente a mesma, sem que tenham feito uma escolha por ela, tendo que

se submeter a códigos de competitividade e rotatividade que desconheciam.

Essas, entre outras modificações no modelo de gestão dessa empresa, foram

reconhecidas como as causas de depressões em seus empregados, entre outros

problemas psicológicos, e estariam ligadas também ao grande número de

suicídios entre 2008 e 2010.

Neste período ocorreram mais de 30 suicídios e mais de 20 tentativas. A

empresa admitiu que as mudanças organizacionais necessárias durante a

transição de uma companhia estatal para uma multinacional competitiva poderiam

ser consideradas estressantes e como conseqüência ter motivado os suicídios e

demais estados psicológicos alterados.

Page 69: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

68

Segundo o sindicato SUD-Solidaires, um dos empregados que se suicidou tinha

sido transferido recentemente e não se sentia bem no seu novo serviço, “do qual

se libertou”, segundo sua carta de despedida.

Patrice Diochet, de um dos sindicatos ligados a France Télécom , reagiu à notícia

dizendo: "É aterrorizante. Ele trabalhava numa seção conhecida há muito tempo

por ser insuportável, havia uma verdadeira indiferença, nenhum calor humano,

não se falava senão de números. Os empregados eram carne para canhão”.

Outra empregada se jogou do quarto andar do prédio da empresa, depois de uma

reunião de trabalho em que lhe foi comunicado que mudaria de função. O marido

da vítima, um executivo sênior, escreveu uma carta acusando a empresa de ser

responsável pelo gesto de sua esposa.

“Suicido-me devido ao meu trabalho na France Télécom. É a única causa.” O

autor desta frase desesperada, um empregado de 51 anos, pôs termo aos seus

dias em seu domicílio, em Marselha. Na carta deixada à sua família, cujo

conteúdo foi comunicado, de acordo com a sua vontade, aos seus colegas e aos

delegados dos trabalhadores (representantes sindicais na empresa), evoca

nomeadamente “a urgência permanente”, “a sobrecarga de trabalho”, “a ausência

de formação”, “a desorganização total da empresa” e “a gestão do terror”.

Outro empregado escreve: “Aquilo desorganizou-me totalmente e perturbou-me.

Tornei-me um barco naufragado, é melhor terminar.”

A Direção da empresa confirmou os suicídios, mas não teceu comentários sobre

o conteúdo das cartas, relatando somente a importância de se tentar

compreender o que se passou, recordando que as causas de um suicídio podem

ser sempre múltiplas. A empresa afirmou ainda que alguns dias antes de alguns

dos suicídios, os colegas dos empregados e os seus responsáveis observaram

sinais de depressão.

Page 70: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

69

Um dos delegados dos trabalhadores tinha alertado sobre o mal estar no trabalho

de um dos empregados suicidas e a empresa tentou diminuir o volume de seu

trabalho, conforme informado pelo delegado dos trabalhadores Denis Capdevielle,

do Comitê de Higiene, Segurança e Condição de Trabalho (CHSCT) da unidade

onde trabalhava. “Mas o seu mal estar devia ser profundo”, acrescentou.

Os sindicatos denunciaram durante vários anos o estresse na France Télécom e

as pressões sobre o pessoal, principalmente, pressionando-os à demissão

voluntária, para atender um plano de reestruturação que se traduziu em mais de

22.000 “partidas voluntárias” entre 2005 e 2008.

Fabienne Viala, representante de um dos sindicatos, denunciou sobrecargas de

trabalho ligadas à baixa de efetivos e às responsabilidades cada vez mais

pesadas, principalmente para as chefias, como era um dos empregados falecidos.

Diante deste quadro, a Direção da France Télécom instaurou um dispositivo de

escuta para os colegas envolvidos nas perdas. No entanto, nos perguntamos se

este dispositivo não deveria ter surgido no momento em que houve a decisão da

privatização.

Nos perguntamos ainda se a área de Recursos Humanos da France Télécom

instaurou algum dispositivo para identificar os impactos que essa mudança

poderia gerar, e efetivamente acabou gerando, em seus trabalhadores.

Questionamos ainda se a área de Recursos Humanos pode ter voz para agir

estrategicamente neste processo e minimizar os impactos que seriam facilmente

identificados, se pudesse atuar neste processo.

Os seis sindicatos envolvidos com a empresa tiveram uma esperança ao serem

atendidos em uma reunião com o Diretor de Recursos Humanos, Olivier Barberot,

um deles saindo da reunião dizendo: “Começa a haver uma escuta na France

Télécom …”. Na véspera deste encontro, a direção tentava minimizar o sentido a

dar a estes suicídios, mas a pressão e os alertas foram finalmente entendidos.

Page 71: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

70

Todos saíram da reunião com vários compromissos de multiplicação das

iniciativas. Como a “Comissão Estresse” criada no CHSCT; a formação dos seus

gerentes para a detecção dos sinais de fragilidade em seus empregados - índices

que levam a suspeita que um empregado encontra-se em dificuldade; além dos

espaços de escuta e de acompanhamento.

Mas apesar de todos os esforços, após algum tempo, o acompanhamento dessas

ações acordadas foram criticadas pelos sindicalistas que denunciaram a falta de

reuniões da comissão para redução do estresse, assim como a inoperância da

escuta realizada pelos gestores, visto que os empregados se sentiam intimidados

em relatar seus problemas frente aos seus superiores hierárquicos.

A empresa insistiu no acompanhamento dos empregados através de seus 70

médicos do trabalho e seus 40 assistentes sociais. Porém reconheceram que não

eram bastante numerosos.

É aqui que a atuação do profissional de Recursos Humanos é crucial, de forma

estratégica, estruturada e antecipatória na sua escuta da organização e de seus

trabalhadores, tornando-se parte importante na forma de organização do trabalho,

nos processos de mudança e outras ações que envolvem pessoas, de modo a

apoiar e direcionar as demandas dos trabalhadores às instâncias passíveis de

ação.

Sabendo que a essência do homem o conflito e certo grau de insatisfação, o que

nos resta é escutar em que bases foram estabelecidas as identificações para

formação dos grupos e o quanto o trabalho, através de seus códigos, proibições e

exigências amarram o trabalhador de forma a que a única saída para dar conta

desta renúncia seja agressão contra si mesmo ou contra o outro.

Entendemos, por fim, que é a partir da escuta que podemos apontar para

uma possibilidade de ações que mantenham minimamente esses investimentos

libidinais sustentando esse lugar seguro da realidade.

Page 72: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

71

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nossa afinidade com a teoria psicanalítica, e nossa atuação como profissional de

RH, muitas vezes, escutando o trabalhador para além do que seria nossa função,

nos impulsionou a mergulhar nas contribuições possíveis da psicanálise para o

entendimento das questões do trabalhador frente às relações de trabalho.

Nos propusemos ainda a discorrer sobre a questão da escuta analítica nos

subsistemas de recursos humanos, acreditando que poderemos nos apropriar de

alguns referenciais da psicanálise para instrumentalizar os profissionais de RH a

serem melhores ouvintes, atuando fora do contexto de instrumentalização da

subjetividade,

Para nos amparar neste desafio, discorremos sobre a atual dinâmica do trabalho,

onde tempo e espaço são fluidos, e as relações humanas estabelecidas são

intermediadas pelo mundo virtual, não havendo mais certezas. Giddens nos diz

que estamos em um mundo cada vez mais fantasmagórico. O que conhecemos

hoje poder ser refutado amanhã, trazendo para nós o campo da angústia.

Acrescentamos a visão de Bauman sobre a modernidade, como produtora de

uma profunda mudança na condição humana e em seus conceitos básicos de:

individualidade, relação tempo/espaço, vínculos de trabalho e a participação em

comunidade.

Consideramos, ainda, Sennet como o autor que caracteriza as empresas pela

"força dos laços fracos", pela falta de vínculos mais estáveis e da falta de uma

perspectiva de compromisso duradouro com a empresa, levando os trabalhadores

a terem uma relação menos fiel do que aquela existente no passado.

Sennet acrescenta que diante da destruição da esperança e do desejo, a

preservação de nossa voz ativa é a única maneira de tornar o sofrimento

suportável, tentando uma espécie de saída através da palavra. Neste ponto nos

Page 73: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

72

apoiamos no autor em nossa crença de que, ao ouvir o trabalhador, talvez haja

uma possibilidade de redução da insatisfação na relação com o seu trabalho.

Falamos dos impactos deste novo modelo de trabalho, que exige dinamismo e

enfrentamento de incertezas. O que poderia ser um catalisador para um retorno

aos vínculos mais densos, se traduz na evitação desses vínculos, onde os grupos

tendem a manter-se juntos na superfície das coisas.

Além disso, há a perda da identificação entre o ato e o ator do trabalho. A

alienação e a indiferença, no que se refere ao produto do trabalho, se instauram e

o trabalhador não tem mais o domínio, mesmo que parcial, do seu processo

produtivo, desconhecendo o seu valor dentro dele.

Podemos exemplificar esta perda, com a fala de uma psicóloga, em um posto de

saúde, que precisa alcançar as metas estabelecidas pela gestão, atendendo certo

número de pacientes por dia. Questionamos onde está o seu ofício original

durante o processo de alcance de metas e onde está o operador deste ofício

impregnado por elas.

Após visitarmos o contexto social consideramos importante, e necessário,

discorrer sobre os principais movimentos da administração do trabalho, para que

a posteriori pudéssemos articular os laços sociais estabelecidos na atualidade

dentro das empresas e assim posicionar a atuação do profissional de recursos

humanos.

Vários foram os movimentos da administração, alguns com foco nas tarefas,

outros na estrutura, nas pessoas, nos ambientes e por último na tecnologia.

Porém circunscrevemos somente alguns dos movimentos da administração, a fim

de pontuar suas reminiscências nos dias de hoje dentro das empresas.

O Taylorismo, ou a chamada Administração Científica, constituído basicamente

de um modelo de desenvolvimento dos empregados e seus resultados, através

Page 74: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

73

de instruções e procedimentos, para que pudessem fazê-los produzir mais e com

qualidade melhor.

O Fordismo que revolucionou a indústria automobilística a partir de 1914, quando

introduziu a automatização da linha de montagem de seus carros, utilizando os

princípios de padronização e simplificação de Taylor. Seu grande objetivo era

popularizar o automóvel através da redução dos custos da produção.

Em 1970, a General Motors flexibiliza sua gestão e sua produção, cria diversos

modelos de carro com cores variadas e adota um sistema de gestão

profissionalizado, assim ultrapassando a Ford como maior montadora do mundo.

Neste mesmo período com a crise do petróleo e a entrada de competidores

japoneses neste mercado, um novo modelo de produção se inicia baseado no

Toyotismo e em 2007, a Toyota se torna a maior montadora de veículos do

mundo colocando fim ao Fordismo.

Apesar das maravilhas e novidades que o Toyotismo trouxe através da tecnologia

nos modos de produção atual, esse mesmo modo desencadeou um elevado

aumento das disparidades socioeconômicas e uma necessidade desenfreada de

aperfeiçoamento tecnológico para se manter no mercado.

Em setembro de 2008, vivemos uma nova crise econômica mundial e Richard

Sennett coloca que ela representa uma profunda ruptura com a visão de trabalho

predominante no século XX.

Esta ruptura vinha se processando com a emergência das novas tecnologias da

era digital que, por si, já modificaram a natureza do trabalho contemporâneo. No

ambiente de crise, essas mudanças derivadas da técnica, criam um quadro

potencialmente explosivo em curto prazo.

Os vínculos que se estabelecem com as empresas já não são mais fantasiosos,

cumprindo uma promessa de convivência eterna e de plena satisfação. A relação

de uso entre as coisas e as pessoas, muito bem colocado por Bauman, é também

Page 75: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

74

vivenciada nas relações de trabalho que estabelecem vínculos frágeis e sem

envolvimento subjetivo.

Diferentemente de se pensar em uma nova forma de subjetividade que estaria

surgindo a partir de todas as mudanças no mundo do trabalho, pensamos em

uma forma de subjetividade reativa a uma sociedade que trás para cada sujeito a

necessidade de sobreviver em meio à fluidez de ideais, vínculos frágeis,

descrenças nas autoridades e tantas outras inconstâncias advindas do Outro.

Freud afirma ainda, no texto, Psicologia das Massas e Análise do Eu (1921), que

somente através da identificação mútua entre os membros da massa e do

controle da expansão narcísica pode haver possibilidade de coesão social,

indicando a importância dos vínculos libidinais para a limitação do narcisismo e os

compromissos primordiais para a existência de um grupo.

Porém, no ambiente de trabalho, essa esperança de estabelecimento de vínculos

está capturada pelas organizações capitalistas, amarrando o trabalhador no

ideário narcisista, tendo em vista que, quanto mais fluidas são as relações, muito

bem descrito por Bauman, mais submetido às regras como ponto de apoio para

sua sobrevivência e mais submetido aos seus próprios interesses em detrimento

do todo, gerando uma competitividade por vezes doentia e que adoece o

trabalhador.

Sennet coloca que a corrosão do caráter acontece para fazer frente a esta

constante desconstrução do que se é diante de um vínculo de trabalho. Se o

trabalhador não pode mais criar laços com a empresa, pois não há mais garantias

de longo prazo, se não pode criar laços com seus colegas de trabalho, pois existe

uma competição acontecendo por melhores resultados, se o ideário da empresa

pode mudar a qualquer momento devido a fusões, compra, venda ou

internacionalização de outras culturas, o que resta é a sustentação de um mínimo

de narcisismo para a proteção do ego.

Page 76: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

75

Quanto menos vínculos existirem, quanto mais autônomo e auto-suficiente o

trabalhador for, maior a possibilidade de sobreviver tanto no atual mundo do

trabalho quanto emocionalmente, visto que a insistência das organizações

capitalistas é a redução ou coisificação da subjetividade do trabalhador.

Exemplificamos as conseqüências deste fato com o caso da France Telecom,

principal empresa francesa de telecomunicações que para responder a uma

diretiva européia transforma-se em 2004 em uma empresa privada.

Assim, temos uma instituição pública com códigos de conduta, valores, vínculos

de trabalho e relações humanas próprias, que regem este tipo de instituição. Há

então uma mudança radical da instituição de pública para privada, com novas

regras, valores, vínculos e uma mudança estratégica drástica do posicionamento

de seus Recursos Humanos.

Entendemos que trabalhadores foram forçados a se filiar a outra instituição

submetidos a códigos de competitividade e rotatividade que desconheciam.

As conseqüências desta mudança foi o grande número de suicídios nessa

empresa e o reconhecimento de sua relação com as modificações no modelo de

gestão dessa empresa.

Entre 2008 e 2010, ocorreram mais de 30 suicídios e mais 20 tentativas. Em

alguns de seus pronunciamentos, a empresa admite que as mudanças

organizacionais necessárias durante a transição de uma companhia estatal para

uma multinacional competitiva poderiam ser consideradas estressantes e como

conseqüência ter motivado os suicídios.

Foram utilizados artifícios para obrigar os empregados a deixarem a companhia,

como transferências forçadas para outras regiões ou mudanças nas atividades e

cargos dos funcionários.

Page 77: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

76

Mesmo que tardiamente, a direção da France Telecom se rende a necessidade

de ao menos apoiar os colegas daqueles que se suicidaram, instaurando “um

dispositivo de escuta”.

No entanto, nos perguntamos se este dispositivo não deveria ter surgido no

momento em que houve a decisão da privatização, quando no processo de

mudança, muitos desses trabalhadores poderiam ser ouvidos em suas

inseguranças.

Questionamos ainda se a área de Recursos Humanos da France Télécom

instaurou algum dispositivo antecipatório para identificar os impactos que essa

mudança poderia gerar em seus trabalhadores e se pode ter voz para agir

estrategicamente neste processo e minimizar os impactos que seriam facilmente

identificados se pudesse atuar neste processo.

Diante deste caso e da realidade encontrada dentro das empresas, utilizamos os

textos culturais de Freud. Observamos as similaridades entre os totens e tabus

nas tribos primitivas, com os totens e os tabus nas empresas, numa tentativa de

realizar uma analogia deste traço primário da existência humana com os

complexos grupos que se formam dentro das organizações.

Discorremos sobre os fenômenos do indivíduo em grupo, indagando o porquê,

sob certa condição grupal, um indivíduo age de maneira inteiramente diferente

daquela que seria esperada e qual seria a natureza desta força que produz este

tipo alteração mental.

Le Bon tenta responder a este questionamento dizendo que os indivíduos em

grupo tomam posse de uma mente coletiva que os fazem agir de forma diferente

de quando isolados. Ele trata este fenômeno como grupo psicológico que é um

ser provisório com características diversas daquelas dos indivíduos que o compõe.

Para a psicanálise, porém, diz-se que o indivíduo é colocado sob condições que

permitem o surgimento das repressões dos impulsos instintuais inconscientes, as

Page 78: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

77

características que aparentemente são novas, na realidade são as manifestações

desse inconsciente e que quando se reúnem em certo número, se colocam

instintivamente sob a influência de um chefe, pois possui tal anseio de obediência,

que se submete instintivamente a qualquer um que se indique a si próprio como

chefe.

No filme infantil “Onde moram os monstros?”, baseado no livro de Maurice

Sendak, é retratado um mergulho na mente de Max, um menino de

aproximadamente 8 anos que, depois de ser mandado para a cama sem jantar,

"cria" uma enorme floresta em seu quarto. A floresta torna-se um mundo, que

Max explora com um barquinho a vela. Ao chegar à terra firme, ele conhece

monstros assustadores, dos quais se torna rei, simplesmente nomeando-se como

tal. Mas embora tornar-se rei não tenha sido tão difícil, pois os monstros que

moravam na ilha ansiavam por liderança, manter-se como tal foi um desafio. Este

filme é uma alegoria de questões como liderança, trabalho em equipe, e a

necessidade natural de liderança, retratadas com profundidade no texto de Freud,

Psicologia das Massas e Análise do Eu (1923).

Podemos observar, ainda neste filme, logo em seu início, a resistência e o

desapontamento dos monstros na tentativa de se submeter às demandas

impostas pelo líder, em especial o retorno dos relacionamentos entre os monstros.

Esta passagem nos remeteu ao texto de Freud, O Mal estar na Cultura, onde

coloca que a infelicidade causada pelos relacionamentos sociais pode nos

remeter à idéia de que a grande responsável por nossa desgraça seria a

civilização, supondo equivocadamente que um retorno às condições primitivas

nos proporcionaria maior felicidade.

Freud coloca ainda que o controle da massa (entendida como grupo) por uma

minoria e a coerção no trabalho da civilização é condição básica para a

manutenção do processo civilizatório. Só através de um processo de influência de

indivíduos que possam fornecer exemplo, e que sejam reconhecidos como líderes,

o grupo poderá ser induzido a efetuar o trabalho e a suportar as renúncias de que

a existência depende.

Page 79: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

78

O mal estar então resultaria da renúncia pulsional que a civilização exige, a

substituição do poder do indivíduo pelo poder do grupo instaurado pelo líder.

Na tentativa de reduzir a insatisfação diante da força da civilização, a humanidade

luta pelo controle sobre o espaço e o tempo, porém os resultados dessa luta não

aumentaram a quantidade de satisfação prazerosa nem nos tornou mais felizes, o

que nos permite concluir que esse poder sobre a natureza não é a única

precondição de felicidade humana.

FREUD, em O Futuro de uma Ilusão, relata que:

"Nenhuma outra técnica para a conduta da vida prende o indivíduo tão

firmemente à realidade quanto à ênfase concedida ao trabalho, pois este,

pelo menos, fornece-lhe um lugar seguro numa parte da realidade, na

comunidade humana. A possibilidade que essa técnica oferece de deslocar

uma grande quantidade de componentes libidinais, sejam eles narcísicos,

agressivos ou mesmo eróticos, para o trabalho profissional, e para os

relacionamentos humanos a ele vinculados, empresta-lhe um valor que de

maneira alguma está em segundo plano quanto ao de que goza algo

indispensável à preservação e justificação da existência em sociedade. A

atividade profissional constitui fonte de satisfação especial, se for

livremente escolhida, isto é, se, por meio de sublimação, tornar possível o

uso de inclinações existentes, de impulsos instintivos persistentes ou

constitucionalmente reforçados." (Freud, 1930, p.99 nota 1)

Pensando neste recorte podemos inferir então que o trabalho profissional tem

uma função importante para a sociedade e, se também constitui uma fonte de

satisfação, nos arriscamos então a pensar que a atuação do profissional de RH

pode estar, mesmo que indiretamente, vinculada ao entendimento do

direcionamento satisfatório dos componentes libidinais.

Mas analisadas, mesmo que superficialmente, as atividades de RH, verificamos

que embora sua configuração de conceitos e práticas apontem para uma

Page 80: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

79

possibilidade de incremento da performance do trabalhador e do aumento de

satisfação no trabalho, o que pudemos perceber, ao longo do nosso percurso

profissional, acompanhando trabalhadores dentro da empresas, é um

distanciamento entre os resultados esperados dessas ações e o que se traduz em

realidade.

Em muitas entrevistas individuais e dinâmicas de grupo, por nós realizadas,

pudemos registrar algumas falas de candidatos, como: “existe vida após o

trabalho”; “é importante separar a vida profissional da pessoal”; “precisamos ter

um tempo depois do trabalho para se fazer aquilo que se gosta”.

Pensando nestas falas extraídas do contexto de avaliação e exposição

profissional do trabalhador sobre suas expectativas pessoais e profissionais, nos

questionamos, sobre as conseqüências da não escuta de seus significantes em

relação ao trabalho.

Encontramos, em algumas empresas, situações onde os trabalhadores não são

consultados quanto aos treinamentos que irão realizar e quando o são, (através

de formulários ou em raros momentos em entrevistas) percebe-se que a visão da

empresa sobre a capacitação e desenvolvimento daquele trabalhador está,

muitas vezes, dissonante com a sua necessidade ou desejo.

Foi ouvindo as empresas, na figura de seus gestores, e ouvindo os trabalhadores;

que consideramos uma pergunta recorrente: que relevância há neste ouvir que

nos impele a contribuir para a melhoria das relações entre a organização e o

trabalhador.

Ao escutar os trabalhadores sobre suas questões profissionais e também aquelas

de cunho mais pessoal, percebe-se que a função de escuta, nos processos de

seleção, avaliação de desempenho, treinamento e outros subsistemas que nos

confrontam com a fala do trabalhador, fica à deriva, não havendo porto seguro

que a acolha dentro das organizações, no sentido de uma prática habitual dos

Page 81: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

80

profissionais que se dizem agentes da melhoria das relações humanas no

trabalho.

Nas possibilidades que se apresentam, dentro dos subsistemas de RH, temos

atuado nesta função faltosa apoiando-nos na escuta dos trabalhadores para além

dos dados quantitativos esperados, traduzindo essas falas em ações concretas

de melhoria de processos e relações de trabalho.

Uma dessas ações já praticadas em nosso trabalho é o treinamento de

consultores em avaliações de RH, sejam entrevistas, dinâmicas, análise de

desempenho, levantamento de clima e cultura, tendo como base o arcabouço da

psicanálise, para que utilizem a palavra do trabalhador para além da informação,

ou seja, para que se aprofundem, dentro dos objetivos da atividade executada,

nas questões subjetivas do trabalhador.

É importante afirmar que o profissional de RH não atua na posição de analista,

onde o sujeito fala na busca de um sentido. Mas fala em um espaço de

elaboração de hipóteses e sugestões de ações, que podem ser direcionadas ao

próprio trabalhador, ao gestor ou para a empresa como visão global de sua

organização, tendo como norte a ética e a confidencialidade.

O que propomos é escutar em que bases foram estabelecidas as identificações

para formação dos grupos, através de seus códigos, proibições e exigências

amarram o trabalhador de forma que possamos ver outras saídas para dar conta

desta renúncia, e não tão somente a agressão contra si mesmo ou contra o outro.

Diante do exposto, entendemos que o profissional de RH não pode ser um agente

mudo da organização, só o será se for surdo àqueles que falam.

Entendemos ainda que na formação do psicólogo, que irá atuar nos processos de

RH, não é considerado o saber da Psicanálise como uma possibilidade de

articulação com sua prática, por isso nos propomos a atuar na formação dos

profissionais que se interessam pela prática organizacional e pela psicanálise a

Page 82: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

81

fim de instrumentalizá-los com premissas significativas para a escuta da cultura

organizacional através da voz do trabalhador.

Nesta proposta de formação, entendemos que devemos apontar os movimentos e

teorias da administração e suas reminiscências nas estruturas organizacionais

atuais; percorrer o contexto social do trabalho; discutir os textos culturais de

Freud realizando analogias com o cotidiano no trabalho e, por fim, enfatizar a

importância da apropriação da escuta analítica para que o profissional de RH

possa potencializar sua função dentro das organizações, se apropriando de outro

saber que saia do modelo de instrumentalização do trabalhador.

Por fim, não podemos deixar de nos remeter a Lacan, no texto Função e campo

da fala e da linguagem, que se tornou fundamental para esta dissertação:

“Quer se pretenda agente de cura, de formação ou de sondagem, a

psicanálise dispõe de apenas um meio: a fala do paciente. A evidência

desse fato não justifica que se o negligencie. Ora, toda a fala pede uma

resposta. Mostraremos que não há fala sem resposta, mesmo que depare

apenas com o silêncio, desde que ela tenha um ouvinte, e que é esse o

cerne de sua função em análise.” (Lacan, 1953, p.248)

Page 83: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

82

6. REFERÊNCIAS AGUIAR, Maria Aparecida Ferreira de. Psicologia aplicada à Administração –

uma abordagem interdisciplinar. São Paulo: Saraiva, 2006.

ALONSO, Silvia Leonor. A escuta psicanalítica. Disponível em:

http://www2.uol.com.br/percurso/main/pcs35/35Alonso1.htm . 27/06/2010. Acesso

em: 27 de junho de 2010.

ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do Trabalho: Ensaio sobre a afirmação e a

negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2007.

________. Adeus ao trabalho?: ensaio sobre as metamorfoses e a

centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez, 1995.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

________. O Mal estar da Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

BIRMAN, Joel. Mal-estar na Atualidade: a psicanálise e as novas formas de

subjetivação. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.

________. Estilo e Modernidade em Psicanálise. São Paulo: Editora 34, 1997.

________. Psicanálise Ciência e Cultura. Rio de Janeiro: Zahar, 1994.

BORGES, Luiz Henrique. Taylorismo e Fordismo (2008). Disponível em:

http://www.slideshare.net/joaomaria/taylorismo-e-fordismo. Acesso em 24 de

setembro de 2009.

BREUER, J. & FREUD, S. – Estudos sobre histeria, Edição Standart Brasileira

das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud , Vol. II (1893-1895), Rio

de Janeiro, Imago, 1995, p. 82-133.

DAVEL, Eduardo, VASCONCELOS, João (Orgs.). “Recursos” humanos e

subjetividade. Petrópolis: Vozes, 1996.

Page 84: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

83

ELIAS, Norbert. Sociogênese da diferença entre "Kultur" e "zivilisation" no

emprego alemão. IN_: O Processo Civilizador Uma história dos costumes. Rio de

Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994.

FORRESTER, Viviane. O horror econômico. São Paulo: Editora da

Universidade Estadual Paulista, 1997.

FREUD, Sigmund. Totem e Tabu (1913). Obras Completas Volume XIII. Rio de

Janeiro: Imago Editora, 1974.

________. Sobre o narcisismo: uma introdução (1914). Volume XIV. Rio de

Janeiro: Imago, 1974.

________. Psicologia das Massas e Análise do Eu (1921). Volume XVIII. Rio

de Janeiro: Imago Editora, 1974.

________. O Futuro de Uma Ilusão (1927). Volume XXI. Rio de Janeiro: Imago

Editora, 1974.

________. O Mal Estar da Civilização (1930). Volume XXI. Rio de Janeiro:

Imago Editora, 1974.

GARRIC, Audrey. Cinq nouveaux suicides à France Telecom. Disponível em:

http://www.lemonde.fr/societe/article/2010/09/10/cinq-nouveaux-suicides-en-

quinze-jours-le-malaise-perdure-chez-france-telecom_1409659_3224.html.

Acesso em: 18 de agosto de 2010

GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. São Paulo: Editora

UNESP, 1991.

HENRIQUEZ, Eugene et al. A instituição e as instituições. São Paulo: Casa do

Psicólogo, 1989.

________. Da horda ao Estado. Rio de Janeiro: Zahar, 1990.

________. A organização em análise. Petrópolis: Vozes, 1997.

Page 85: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

84

JERUSALINSKY, Alfredo e Outros. O Valor simbólico do trabalho e o sujeito contemporâneo / APPOA (Associação Psicanalítica de Porto Alegre) – Porto

Alegre: Artes e Ofícios, 2000.

KEHL, Maria Rita. As máquinas falantes (2003). Disponível em:

http://www.mariaritakehl.psc.br. Acesso em: 01 de setembro de 2009.

LACAN, Jacques (1953). Função e campo da fala e da linguagem em

psicanálise. In. Escritos. Pags. 238-324. Jorge Zahar Editor. Rio de Janeiro,

1998.

LASCH, C. A cultura do narcisismo: a vida americana numa era de

esperanças em declínio. Tradução de Ernani Pavareli; direção de Jayme

Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1983. (Série Logoteca)

MARCUSE, Herbert. Eros e Civilização: uma interpretação filosófica do

pensamento de Freud. Rio de Janeiro: Zahar, 1966.

MORGAN, Gareth. Imagens da organização. São Paulo: Atlas, 1996.

MOTA, P.C.F. & FREITAS, M.E.. Vida psíquica nas organizações. Rio de

Janeiro: Editora FGV, 2000.

PINTO, Geraldo Augusto. A organização do trabalho no século XX: taylorismo,

fordismo e toyotismo. São Paulo: Expressão Popular, 2007.

SCHIRATO, Maria Aparecida. O feitiço das organizações: sistemas

imaginários. São Paulo: Atlas, 2000.

SENNETT, Richard. O Artífice. Rio de Janeiro: Record, 2009.

________. A Corrosão do Caráter - conseqüências pessoais do trabalho no

novo capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 1999.

Page 86: Recursos Humanos à Luz da Psicanálise - Uma Reflexão Possível

85

SEVERIANO, Maria de Fátima Vieira. Sociedade de Consumo e

Psicopatologias Contemporâneas: uma reflexão sobre a formação de ideais

numa cultura narcísica. Disponível em:

http://www.fundamentalpsychopathology.org/anais2006/5.56.1.htm. Acesso em:

02 de fevereiro de 2011.