reconfiguraÇÃo dos currÍculos de cursos de … · âmbito dos cursos de licenciatura o processo...
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RECONFIGURAÇÃO DOS CURRÍCULOS DE CURSOS DE LICENCIATURA:
MOVIMENTOS PENDULARES ENTRE DIFERENTES CAMPOS DO
CONHECIMENTO
Esse painel tem como eixo central a reflexão acerca dos Cursos de Licenciatura
balizando o campo da Didática e do Currículo, no sentido da multidimensionalidade da
prática pedagógica nos diferentes campos de conhecimento. A compreensão da
formação de professores pressupõe apreender que o conjunto de atividades que
envolvem essa profissão ocorre em contextos diversos relacionados às questões
epistêmicas, éticas, políticas, econômicas, culturais e institucionais, bem como em
condições singulares tendo em vista sua natureza formativa. O primeiro texto analisa, no
âmbito dos Cursos de Licenciatura o processo de construção do currículo de sete Cursos
da área de Ciências Exatas e da Terra, a partir do estudo do Programa de Formação de
Professores da USP (PFPUSP). O desafio que se coloca reside no tensionamento entre
os interesses da universidade no contexto de complexidade das demandas
contemporâneas e a realidade da escola pública brasileira. O segundo apresenta um
recorte da pesquisa interinstitucional, anteriormente citada, no qual procura-se
identificar o lugar da Didática, enquanto campo disciplinar, nos Cursos de Pedagogia do
Estado de São Paulo, a partir das perspectivas e tensões conceituais no campo do ensino
em suas múltiplas determinações. O terceiro analisa a construção de um programa de
disciplina de didática específica voltada para o Ensino de Ciências no curso de
Pedagogia. Entende que se trata de uma interface em questões próprias do campo da
didática e do currículo, com foco no entendimento da aprendizagem e formação de
professores que ocorre no curso de licenciatura em Pedagogia. Assim, as três pesquisas
trazem como ponto central a formação de professores para a educação básica, situando-
a num quadro de contradições e reconfigurações. O diálogo entre a política de formação
de professores, a didática e as didáticas específicas possibilita uma análise
multirreferencial para a compreensão do fenômeno educativo.
Palavras-Chave: Educação Superior, Formação Docente, Ensino
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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INTEGRAÇÃO CURRICULAR E DESAFIOS PARA CONSTRUÇÃO
PROGRAMA DA DIDÁTICA DO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA
Natalina Aparecida Laguna Sicca
Centro Universitário Moura Lacerda. Mestrado em Educação.
e-mail: [email protected]
Pedro Wagner Gonçalves
Universidade Estadual de Campinas. Pós-graduação em Ensino e História de Ciências
da Terra.
e-mail: [email protected]
RESUMO
Este trabalho analisa a construção de um programa de disciplina de didática específica
voltada para o Ensino de Ciências no curso de Pedagogia. Entende que se trata de uma
interface em questões próprias do campo da didática e do currículo. A pesquisa se insere
nos estudos que examinam a formação docente nas licenciaturas e sugerem modos para
melhorar a qualidade de ensino por meio da interação ensino e pesquisa. O foco é o
entendimento da aprendizagem e formação de professores que ocorre no curso de
licenciatura em Pedagogia. O curso de Pedagogia possui muitas atribuições em sua
configuração atual, isso traz dificuldades para dar conta da formação docente. Estudos
anteriores revelam que a expectativa de muitos alunos é a profissionalização para
docência. O estudo realizado reconhece que reflexões e pesquisas conduzidas por um
grupo de pesquisa colaborativa universidade e escola vinculado à formação continuada
de professores para Ciências da Terra interfere nas orientações de disciplinas de
metodologia de ensino de Ciências. Este grupo de pesquisa conduziu a integração
curricular do ensino médio por meio dos seguintes eixos: tempo geológico, lugar e
cidade e ciclos de materiais terrestres. A abordagem educativa perseguida foi
investigativa e apoiada no trabalho de campo (atividades escolares extra muros). Os
mesmos eixos curriculares foram adotados para a formação inicial de professores
polivalentes. A abordagem metodológica da pesquisa foi indutiva e buscou o
significado de documentos gerados por professores e alunos, faz parte do campo de
pesquisa qualitativa. Os alunos da Pedagogia perceberam as noções de universalidade
da transformação e de escalas de tempo, ampliaram sua concepção de ambiente e
perceberam que há fluxos e intercâmbios entre esferas terrestres.
Palavras-chave: Docência Universitária; Didática; Currículo.
Introdução
Este trabalho analisa a construção de um programa de disciplina de didática
específica voltada para o Ensino de Ciências no curso de Pedagogia. Entende que se
trata de uma interface em questões próprias do campo da didática e do currículo. Tal
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Programa tem sido desenvolvido a partir de 2008, combina questões voltadas para o
conhecimento do conteúdo e o conhecimento pedagógico de conteúdo, questões de
contexto e epistemológicas das ciências naturais. Analisa as contribuições de grupo de
pesquisa colaborativa no processo de diferenciação curricular. É parte de uma pesquisa
qualitativa cujos dados foram obtidos por meio da análise de documentos produzidos
por alunos do curso de Pedagogia e publicações do grupo de pesquisa. Procedeu-se a
análise temática, tendo como recorte neste trabalho os seguintes temas: o estudo das
transformações; o trabalho de campo.
O objetivo central desta pesquisa foi identificar a intervenção gerada por um
grupo de pesquisa colaborativa no currículo da licenciatura em Pedagogia. O processo
de formação de professores de longa duração (iniciada em 2003) foi conduzindo
professores a assumirem clareza e responsabilidade sobre o currículo do ensino básico,
bem como, preocupações com a formação de professores.
Dessa forma, esse estudo pretende reconhecer que eixos curriculares de
disciplinas de metodologia de ensino de Ciências foram definidos a partir de avanços e
inovações alcançados por professores do ensino médio.
A formação de professores para os anos iniciais da Educação Básica ou Contexto
curricular do Curso de Pedagogia
Os alunos da licenciatura em Pedagogia têm ideia limitada dos conteúdos de
Ciências naturais e limitada experiência de ensino. A diferença entre professores
iniciantes e experimentes reside nos modos de abordar o ensino. Professores
polivalentes novatos ao ensinar Ciências tendem a usar modos de ensino mais
transmissivos, aulas são baseadas na visão pessoal e cuidadosa do conhecimento de
conteúdo e exploram exemplos de matemáticos para assegurar a aprendizagem do
conceito. Ficam surpresos quando os alunos não compreendem aspectos específicos,
p.ex. porque as massas atômicas são frações. De outro lado, professores experientes
usam o conteúdo como ferramenta para ajudar os alunos a construir suas próprias
compreensões de forma gradual. Suas estratégias de ensino visam conduzir estudantes a
compreender conceitos chaves, princípios, ideias matemáticas. Tentamos interpretar
esses traços profissionais a luz da história da formação inicial de professores.
A formação de professores para os anos iniciais da educação básica
compreendida atualmente pela educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental
tem se dado prioritariamente no curso de Pedagogia. Vários pesquisadores têm
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analisado o curso de Pedagogia, a partir das Diretrizes Curriculares de 2006, que
atribuíram a diferentes funções a tal curso.
Saviani (2014), ao analisar a formulação das referidas Diretrizes indica que a
partir da mobilização liderada pela ANFOPE emergiram duas idéias: o entendimento de
que a docência deve ser ―o eixo sobre o qual se apoia a formação do educador, qualquer
que seja a direção que essa formação venha a tomar‖ e a construção de uma base
comum nacional para o curso de Pedagogia, com a participação do movimento de
educadores e de diferentes associações. Neste sentido, o curso de Pedagogia foi
organizado visando à formação de professores para o magistério de nível médio e a
formação de professores para os anos iniciais da educação básica, embora não tenha
havido consenso entre os pesquisadores. Entretanto o autor afirma que a ideia da
construção da base comum nacional ainda hoje permanece pouco clara.
Barretto (2015, 688) ao analisar as políticas voltadas para a formação de
professores da educação básica afirma que a despeito das diferentes reformas
educacionais por que passaram as licenciaturas, o curso de Pedagogia mantém uma
formação ―excessivamente genérica‖ agravada pelo fato de ter um currículo organizado
visando diferentes finalidades. Referindo-se a cursos de Pedagogia bem avaliados indica
que esses ―têm contribuído para a produção de conhecimentos relevantes sobre o
funcionamento dos sistemas escolares e sobre a função social da escola contemplando
aspectos histórico-específicos do contexto educacional brasileiro‖. Mas a autora adverte
que o preparo do professor para a profissão exige ―ir além do equacionamento racional-
instrumental emprestado aos objetos de investigação da academia, com vistas a
enfrentar problemas derivados de outra ordem de demandas e submetidos a outros
constrangimentos, como aqueles que acontecem na escola‖. Neste sentido, sugere a
criação de espaços híbridos de formação, indicando que esses ―propiciem a integração
de componentes acadêmicos, teóricos, pedagógicos e de saberes construídos no exer-
cício da profissão, a despeito da ênfase que lhe tem sido conferida nos documentos
normativos dos currículos e nas políticas oficiais‖.
Como nos indica Saviani (2009, p.149), há dois modelos de formação de
professores configurados historicamente, o modelo dos conteúdos culturais-cognitivo e
o modelo pedagógico- didático. O primeiro predominou historicamente nas
Licenciaturas, ―esgota na cultura geral e no domínio dos conteúdos da área de
conhecimento correspondente a disciplina que irá lecionar‖. Assim, os cursos de
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formação de professores para o ensino secundário assumiram com diferentes nuances tal
modelo que enfatiza o conhecimento específico na formação inicial de professores.
O segundo modelo, pedagógico-didático, considera como essencial na formação
do professor o preparo didático-pedagógico, que segundo o autor, prevaleceu
historicamente na formação dos professores para os anos iniciais da escolaridade,
principalmente a partir dos anos de 1960, pela consolidação das escolas Normais. A
análise do autor ainda se faz importante para nosso trabalho ao indicar que está
instalado, entre vários dilemas na formação de professores, um dilema derivado dos
dois modelos apresentados, e assim se expressa: ―admite-se que os dois aspectos – os
conteúdos de conhecimento e os procedimentos didático-pedagógicos devam integrar a
formação de professores‖(p.151). Como articulá-los adequadamente?
Gatti et al. (2010); Gatti; Barretto (2009); Libâneo (2010) analisaram as matrizes
curriculares do curso de Pedagogia após a promulgação das Diretrizes Curriculares de
2006, e entre as categorias utilizadas consta ―conhecimentos relativos à formação
profissional específica‖, ou seja, os que fornecem instrumental para a atuação do
professor como, conteúdos do currículo da educação básica, didáticas específicas,
metodologias e práticas de ensino, saberes ligados a tecnologias.
Tanto em nível nacional como apresenta a análise de Gatti et al. (2010) e Gatti;
Barretto (2009), como a análise referente ao estado de Goiás como apresenta Libâneo
(2010), a parte voltada para os ―conhecimentos relativos à formação profissional
específica‖ é restrita nas matrizes curriculares dos cursos de Pedagogia analisados.
Gatti e Barretto (2009, p. 121) indicam que as ementas voltadas a
profissionalização específica, ―frequentemente expressam preocupação com as
justificativas, com o porquê ensinar‖, mas ―só de modo incipiente apresentam o quê e
como ensinar‖.
Da análise de Libâneo (2010, p.572) sobre as ementas das disciplinas da
profissionalização específica, nos curso de Pedagogia de Goiás, destacamos os
resultados voltados para as disciplinas de fundamento e metodologias de ciências. Ou
seja, pelo menos 10 das 25 ementas analisadas apresentam perspectivas da pesquisa
pedagógica no ensino de ciências, área com tradição em pesquisa, porém apresentadas
de modo genérico e acrescenta que ―foram encontradas ementas que acenam para uma
perspectiva epistemológica e para a inclusão de conteúdos específicos‖. O autor
complementa sua análise indicando que entre as disciplinas voltadas para o conteúdo,
encontrou algumas denominações diferentes no que se refere ao ensino de ciências,
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porém, nenhuma delas introduziu conteúdos específicos dos anos iniciais do ensino
fundamental a serem ensinados às crianças.
Fundamentação teórica
Libâneo (2015) apresenta os fundamentos das disciplinas de didática e didáticas
específicas, afirmando que tais disciplinas, tem como especificidade epistemológica o
―estudo da atividade de ensino-aprendizagem na relação com o saber, em situações
pedagógicas contextualizadas, visando o desenvolvimento humano dos alunos‖. Para o
autor, ―a didática articula a lógica dos saberes a ensinar (dimensão epistemológica), a
lógica dos modos de aprender (dimensão psico-pedagógica) e a lógica das relações entre
práticas sócio-culturais e ensino (dimensão sociocultural e institucional)‖.
Pimenta (2015, p.84) acrescenta, que a didática tem como seu objeto de
investigação o ensino, mas, ao considerá-lo como prática educacional historicamente
situada, ―significa examiná-lo nos contextos sociais, nos quais se efetiva‖, ou seja, nas
aulas, no ensino das diferentes áreas do conhecimento,‖ nos sistemas de ensino, nas
culturas, nas sociedades – estabelecendo-se os nexos entre eles‖.
Desde que Shulman (1987) explicitou os conceitos que caracterizam o
entendimento profissional do professor e explorou a diferença entre o conhecimento
acadêmico e o conhecimento do professor, suas categorias de conhecimento básico são
alvo de redefinição, identificação de relações e dinâmicas. Naquela ocasião, as
categorias definidas foram: conhecimento do conteúdo, CC; conhecimento pedagógico
geral, CPG; conhecimento do currículo com ênfase em materiais e programas, CCurr;
conhecimento pedagógico de conteúdo, CPC; conhecimento dos alunos, CA;
conhecimento do contexto à política educacional, CCPE; conhecimento dos fins,
propostas e valores educacionais, CPFV.
Na área do Ensino de Ciências, o conhecimento pedagógico de conteúdo vem
merecendo mais atenção. Nilsson; Vikström (2015) enfatizam que o CPC é, ao mesmo
tempo, estático e dinâmico. É estático porque é alguma coisa que o professor sabe sobre
o ensino e sobre como promover o entendimento dos estudantes, mas, de outro lado, é
um conhecimento dinâmico porque é uma habilidade que o professor usa na sala de
aula.
Nilsson (2014) havia chamado atenção para os vínculos do CPC e a qualidade de
ensino. As pesquisas nas quais professores se engajam junto com pesquisadores da
universidade para descreverem as dificuldades de aprendizagem de seus alunos e, em
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seguida, avaliam e julgam a efetividade das estratégias de ensino conduzem a identificar
as condições mais fáceis e mais difíceis dos alunos aprenderem um conteúdo específico.
Este discernimento dos professores é importante porque o CPC diz respeito à
aprendizagem de um conteúdo específico. Adicionalmente, como afirma Nilsson (2014)
esse é um método de pesquisa e um modelo de aprendizagem do professor.
Magnusson; Krajcik; Borko (1999) fizeram um esforço sistemático de aproximar
as ideias de Shulman (1987) do Ensino de Ciências. O CPC é o resultado de uma
transformação do conhecimento de um domínio para outro. Representa um de modelo
de relações do domínio do conhecimento do professor. Isso é transformado em outro
tipo de conhecimento: o CPC se liga ao conhecimento para ensinar. Da transformação
resulta o conhecimento do objeto de estudo, pedagogia, contexto mas seu conhecimento
resultante pode estimular o desenvolvimento de um domínio do conhecimento de base.
Esses autores indicam que o CPC possui quatro componentes para o Ensino de
Ciências: Orientações do Ensino de Ciências; Conhecimento e crenças sobre currículo
de Ciências; Conhecimento e crenças sobre o entendimento dos estudantes sobre tópicos
específicos de Ciências; Conhecimento e crenças sobre avaliação de Ciências;
Conhecimento e crenças sobre estratégias para ensinar Ciências.
Magnusson; Krajcik; Borko (1999) argumentam que a maior contribuição das
pesquisas conduzidas por Lee Shulman sobre o conhecimento do professor foi
reconhecer a importância do objeto de estudo específico do conhecimento para garantir
o ensino efetivo. Uma característica revolucionária deste trabalho foi identificar o tipo
de conhecimento que foi visto como único para a profissão do professor: o
conhecimento pedagógico de conteúdo. Inclui o conhecimento de como um objeto de
estudo particular, seus tópicos, problemas e questões podem ser organizados,
representados e adaptados a diversos interesses e habilidades dos aprendizes e então ser
apresentados em aulas. Arguimos que o CPC é integrado para efetivar o ensino. Além
disso, o entendimento do domínio de conhecimento e sua influência sobre a prática dos
professores é necessário para promover a melhoria do ensino e da formação de
professores de Ciências.
Smith (1999) defende que há um CPC substantivo, ou seja, é um conhecimento
diretamente vinculado a conceitos, princípios, leis e modelos sobre objetos de estudo
particulares das áreas das Ciências. P.ex., conhecimento de partículas ou modelo de
ondas para luz seriam conhecimentos substantivos sobre o comportamento da luz. A
autora revela que ao ensinar ―luz e sombra‖ (ótica) a crianças, usou o CPC para planejar
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e descrever o Ensino de Ciências e, dessa forma, melhorar sua efetividade. O relato é
especialmente rico ao mostrar a combinação do lado artesanal e teórico do CPC e, ao
mesmo tempo, revelar o papel do conhecimento de conteúdo.
Kind (2016) mostra que Magnusson; Krajcik; Borko (1999) introduziram um
problema e uma dificuldade para refletir sobre o conhecimento particular dos
professores. Se, de um lado, mostram como se constituem as tendências e orientações
que compõem um processo dinâmico de formação do professor de Ciências, de outro,
aproximam essas orientações educacionais das crenças dos professores.
Isso sugere que as orientações pedagógicas que os professores adotam se apoiam
em muitos elementos. Isso inclui o domínio que esses professores tenham do
conhecimento de conteúdo.
Kind (2014) assinala que a teoria formulada por Lee Shulman traz um ponto
decisivo sobre o conhecimento do conteúdo: é uma noção que indaga pelo porquê este é
tão importante para o professor quanto o que. Conduziu sua pesquisa para examinar o
CC de alguns conceitos químicos de professores novatos: natureza corpuscular da
matéria, mudança de estado, conservação de massa durante reações químicas. Os
professores novatos precisaram explicar o comportamento das substâncias usando
fenômenos observáveis e macroscópicos mais do que propriedades microscópicas de
partículas.
O artigo de Kind (2014) chama atenção para a necessidade de delimitar certo
conjunto de conceitos como aqueles que são mais chaves para os alunos de licenciatura
em Pedagogia poderem conduzir aulas de Ciências com as crianças.
Quais são os conceitos centrais para formar um pensamento sobre transformações
naturais?
O conceito de universalidade da transformação é central na construção do
pensamento o que ocorre no mundo e o que envolve as mudanças empíricas dos estudos
da natureza. Se, de um lado, é um conceito central, de outro, possui inúmeras
dimensões, abrangência, alcance e uma multiplicidade de limites e problemas de
aprendizagem. De fato, ele precisa ser derivado em conceitos menores capazes de
explicar fenômenos do ambiente que se encontram a nossa volta.
A transformação é um assunto largamente explorado nas Ciências da Terra e nas
demais ciências empíricas (Astronomia, Biologia, Física, Química). Mas a opção feita
por estudar o ambiente a partir do eixo curricular o local e a cidade e ampliar a
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dimensão temporal (da duração da vida humana à história humana e, em seguida,
história da natureza) criou condições propícias para integrar os campos científicos da
Biologia, Geologia, Geografia e Química. Foi isso que conduziu ao ensino
investigativo, apoiado no trabalho de campo e que trata dos fluxos e balanços de matéria
e energia.
Muitos autores dão apoio a essa orientação do Ensino de Ciências, sobretudo
quando voltado para atender as necessidades das crianças dos níveis infantil e
fundamental de escolaridade (ver: Orion, 2009; Lacreu, 2009; King, 2008; Cervato e
Frodeman, 2014; Trend, 2000, etc.).
Mas isso implica valorizar e realizar trabalhos de campo e conduzir os alunos a
refletir sobre escalas de tempo além daquelas usados no cotidiano. Foram realizadas
visitas a parques da cidade nos quais pode-se observar feições naturais e muitas ações
antrópicas.
Além da referência teórica, esse eixo curricular da disciplina de metodologia de
Ciências para Pedagogia, essas orientações microcurriculares para formar professores
são resultado de pesquisas e reflexões feitas no âmbito de um grupo de pesquisa
colaborativa universidade escola. Os professores da rede pública deste grupo
influenciaram e se envolveram diretamente na disciplina do curso de Pedagogia.
Trouxeram os resultados de seu trabalho para construir relações mais horizontais
associadas à formação inicial de professores polivalentes.
Orientações de Ensino de Ciências para licenciatura em Pedagogia
As disciplinas de metodologias específicas de Ciências, Natureza e Sociedade na
Educação infantil e Conteúdo e Metodologia do ensino de ciências são oferecidas em
um curso de Pedagogia. Atingem 100 horas aulas em dois semestres consecutivos. O
curso é oferecido nos períodos diurno e noturno. A professora das disciplinas
mencionadas é membro do grupo de pesquisa colaborativa. Como as duas disciplinas
são novas e não possuem tradição curricular, esta professora pediu ajuda ao grupo para
se envolverem diretamente nas atividades de ensino, para indicarem locais da cidade e
ajudarem a formular a ideia dos locais da cidade como objeto de ensino.
Duas turmas do período diurno e duas do noturno cursaram as disciplinas nos
anos de 2014 e 15.
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Procedimentos de pesquisa
Os dados foram coletados em atividades interativas envolvendo as turmas do
curso de Pedagogia (aulas, debates, trabalho de campo) e de documentos gerados pelos
alunos e pela pesquisa (relatórios, resumos e avaliações feitas pelos alunos da
Pedagogia; caderno de campo do professor da disciplina). Fontes orais foram transcritas
seguindo as orientações de Gibbs (2008). Os documentos produzidos (arquivos de
texto) foram separados e identificados para tornar claro o que cada participante afirmou
ao longo do processo, dessa forma foram separados estratos dos alunos, professor da
disciplina e membros do grupo de pesquisa colaborativa.
Os estratos foram analisados e interpretados pelos autores do presente texto.
Cada autor fez sua interpretação independente do outro. Ao final, houve a comparação
das análises dos autores.
A interpretação procurou identificar o significado dos extratos, guiada pelas
orientações e eixos curriculares adotados pelas disciplinas de metodologia de Ciências.
Em termos amplos, a abordagem é indutiva e segue pressupostos básicos das pesquisas
qualitativas conforme recomendado por Bogdan; Biklen (1982).
Resultados
Relatórios dos trabalhos de campo permitem identificar os aspectos que mais
chamaram atenção dos alunos, bem como as referências que fizeram das intervenções
dos membros do grupo de pesquisa. Alunos percebem que os professores que
conduziram o trabalho de campo se esforçaram para mostrar transformações e
intercâmbios entre as esferas terrestres.
Participantes do grupo de pesquisa puderam explorar concepções animistas
comuns para desenvolver a ideia de transformação e de tempo. A partir de afloramento
de rochas alteradas e solo, o professor M (biólogo) explica:
Menino, você sabia que as pedras nascem? E nascem mesmo, mas não
de dentro para fora, e sim, ao contrário, pois o que é velho e antigo é a
parte de dentro da rocha. Fechamos neste momento o velho ditado: na
natureza nada se perde, tudo se renova. [Professor M]
A conservação da massa é um conceito chave associado à transformação, ou
seja, ao fluxo de matéria e energia dos materiais terrestres. Isso facilita a surpresa dos
alunos:
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Como podemos observar, a natureza está em constante transformação
e é impossível controla-la. [Aluna 4]
Ou:
Temos vários problemas da ação humana, os fenômenos da natureza,
chuva, vento, tempestade. Não foi só a ação humana, todos os
fenômenos da natureza contribuíram para as modificações existentes.
[Aluna 2]
Admitir que a natureza se transforma independente das ações antrópicas ajuda a
alargar a ideia de tempo: a rocha dura não pode se transformar em solo em poucos
meses:
A força das raízes consegue quebrar as rochas durante o processo de
acomodação, o que nos remete novamente ao processo de formação
do solo e nos faz entender que como nada é por acaso. Tudo faz parte
de uma cadeia, um ciclo sem fim. [Aluna 4]
O alargamento do tempo e a ideia de que a natureza se transforma não elimina
certa visão teleológica amplamente difundida na sociedade e que pode ser considerada
uma concepção de natureza em conflito com o conhecimento científico aceito. Isso não
diminui os avanços obtidos pela distinção de atividades naturais e antrópicas observadas
diretamente:
Observa-se que o Parque tem um grande paredão de rochas que
cercam o buraco e tal buraco foi feito também pelo homem, não
descartando a hipótese da movimentação das rochas, pois tudo está em
movimento. [Aluna 6]
A visita aos parques propicia observar plantas, água, rochas, solo, etc. e
identificar interações entre materiais observados. Algo que chama muito a atenção dos
alunos são as dinâmicas de parasitismo entre seres vivos, bem como perceber que há
relações acidentais entre seres vivos que não caracterizam parasitismo embora a
concepção não científica conduza a essa conclusão.
Além dos aspectos voltados para o conhecimento das áreas de estudo da
natureza, os alunos são despertados para examinar o mundo de outro modo e para
refletir sobre a fonte de conhecimento do currículo:
Estive neste local [no Parque] muito antes mas não com o olhar
voltado para enxergar o que o presente nos mostra para entender o
passado.
Após a visita com a turma do curso de Pedagogia, estou certa que
todas as vezes que voltar ao Parque lembrarei dessa visita, ou melhor,
dessa aula sobre o ensino de Ciências fora da sala de aula, no campo
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de pesquisa com uma atividade interdisciplinar abrangendo conceitos
de Química, Biologia, Geografia dentro da disciplina Natureza e
Sociedade na Educação Infantil. [Aluna 13]
Isso sugere que o eixo curricular investigativo é percebido por alguns alunos da
Pedagogia.
O curso de Pedagogia enfrenta dilemas e contradições difíceis de ser enfrentados
para formar professores. O curso possui um conjunto muito vasto de habilitações que
reduz consideravelmente o tempo de aprendizagem voltado para o ensino do currículo
prescrito para educação infantil e ensino fundamental.
Essa contradição atinge as disciplinas de metodologia de ensino de Ciências pois
é um campo no qual há muitos problemas de conteúdo e não há tempo suficiente da
disciplina, para envolver estágios práticos de modo que os alunos pudessem melhorar
sua qualificação.
De outro lado, o esforço de convergência do grupo de pesquisa colaborativa
universidade e escola conduziu os alunos da Pedagogia a adquirir uma percepção sobre
a abordagem investigativa e integrada de explorar assuntos com as crianças.
Alunos da Pedagogia percebem noções chaves de entendimento da natureza e do
ensino apoiado na busca de fluxos, intercâmbios e balanços como aspectos importantes
da abordagem integrada de estudo do ambiente. Compreendem, ainda, que há espaços
curriculares pouco aproveitados nas escolas (trabalho de campo) mas de potencial para a
integração curricular.
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PROGRAMA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA USP: TRAMAS E
NEXOS NOS CURSOS DE LICENCIATURA (EXATAS)
Glaucia Maria da Silva
Universidade de São Paulo/FFCLRP/Depto de Química
e-mail: [email protected]
RESUMO
O presente trabalho analisa o processo de construção do currículo de sete Cursos de
Licenciatura da área de Ciências Exatas e da Terra a partir do estudo do Programa de
Formação de Professores da USP (PFPUSP), como parte do projeto de pesquisa ―Os
cursos de licenciatura da Universidade de São Paulo no contexto do Programa de
Formação de Professores: entre o instituído e o instituinte‖, iniciado em 2015. Os
Cursos analisados atendem aos princípios fundamentais do PFPUSP no sentido de que a
formação do professor ocorre ao longo de todo o processo formativo, sendo a
organização curricular construída de modo flexível e plural, preservando os princípios e
os objetivos do referido Programa. Os currículos redimensionados, na ótica do PFPUSP,
trazem avanços na medida em que superam o modelo ―3+1‖ e a racionalidade técnica,
incorporando em sua proposta pedagógica as dimensões continuum, flexibilidade e
pluralidade. Assim considerado, a implantação do Programa de Formação de
Professores e a institucionalização da Comissão Interunidades de Licenciatura na
Universidade de São Paulo tem representado espaços significativos de estudos e
propostas de formação de professores e pesquisadores para esse nível de escolarização.
O desafio que se coloca reside no tensionamento entre os interesses da universidade no
contexto de complexidade das demandas contemporâneas e a realidade da escola
pública brasileira. Portanto, o documento prescrito e a vontade de seus idealizadores não
são suficientes para o arrojado compromisso da Instituição com a qualidade da
formação de seus futuros professores, tendo em vista a profissionalidade e a construção
da identidade do professor da Educação Básica.
Palavras-chave: Programa de Formação de Professores da USP; Cursos de
Licenciatura; Currículo.
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PROGRAMA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA USP: TRAMAS E
NEXOS NOS CURSOS DE LICENCIATURA (EXATAS)
Glaucia Maria da Silva
Universidade de São Paulo/FFCLRP/Depto de Química – [email protected]
Introdução
A complexidade da educação e, em especial, da educação escolar, a concepção
sobre conhecimento e ensino são basilares para um projeto da educação nacional que
contemple a melhoria e democratização da gestão e do ensino. Essa democratização
pressupõe princípios como ―a igualdade de condições para o acesso e a permanência na
escola; a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a
arte e o saber; o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; o respeito à
liberdade e o apreço à tolerância; a valorização do profissional da educação; a gestão
democrática do ensino público; a garantia de um padrão de qualidade; a valorização da
experiência extraescolar; a vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas
sociais; o respeito e a valorização da diversidade étnico-racial‖ (BRASIL, 2015).
A formação inicial de nível superior de professores para a educação básica,
consubstanciada nos cursos de licenciatura, é influenciada, entre outros fatores, pelas
políticas públicas que induzem ao delineamento de percursos formativos desses
profissionais pelas instituições formadoras, públicas e privadas.
Historicamente, os Cursos de Licenciatura têm ocupado o menor espaço na
hierarquia científica da Universidade, o que tem comprometido sua identidade. Estes
têm sido construídos com superposição de dois conjuntos de conhecimentos, em que o
aprendizado do conhecimento disciplinar, com carga horária majoritária, antecede o do
conhecimento pedagógico, apesar dos movimentos de valorização da formação docente.
Conforme apontam Pimenta e Almeida (2009, p. 128) a ―questão da formação de
professores é mais complexa do que o conjunto de dificuldades apontadas e vem sendo
objeto de discussão em diferentes âmbitos‖.
As políticas de educação constituem-se, geralmente, em ―complexos processos
de decisão, dependentes de territorialidades diferentes e interligadas com o objectivo de
responder afirmativamente às amplas mudanças socioeconómicas‖ (PACHECO, 2009,
p. 106). O estudo dos processos geradores de mudanças nos Cursos de Licenciatura tem
contribuído para a localização de pontos críticos das propostas vigentes, para a
ressignificação da concepção de professor que atua na educação básica e do papel da
Universidade quanto à construção de uma formação comprometida com um projeto
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3896ISSN 2177-336X
social justo e, com isto, intervindo de forma mais expressiva na melhoria da educação
brasileira.
Esta lógica estruturada de decisão política nos permite situar o presente trabalho
no contexto da formação de professores para a Educação Básica, a partir do Programa
de Formação de Professores da Universidade de São Paulo (PFPUSP), implantado em
2004. Deste modo, o presente trabalho analisa o processo de construção do currículo
dos Cursos de Licenciatura da área de Ciências Exatas e da Terra a partir do estudo do
PFPUSP, como parte do projeto de pesquisa ―Os cursos de licenciatura da Universidade
de São Paulo no contexto do Programa de Formação de Professores: entre o instituído e
o instituinte‖, iniciado em 2015. Num primeiro momento aborda-se os embates entre os
saberes científicos e pedagógicos nos cursos de licenciatura. A seguir, discute-se a
construção do PFPUSP e sua influência na reconfiguração dos Cursos de Licenciatura
da área de Ciências Exatas e da Terra. Por fim, apontam-se impasses e desafios
decorrentes deste Programa.
Os percursos formativos dos Cursos de Licenciatura: embates entre saberes
científicos e saberes pedagógicos
Em termos de legitimação, os cursos de graduação na modalidade bacharelado
têm sido hegemônicos, pois contemplam ―os saberes científicos‖, enquanto os cursos de
licenciatura, por contemplarem em seu currículo os denominados ―saberes
pedagógicos‖, têm ficado relegados ao segundo plano, pois estes saberes não são
considerados científicos. Buscamos em Bourdieu (1997, p. 124) a explicação para esse
conflito:
―é o campo científico, enquanto lugar de luta política pela dominação
científica, que designa a cada pesquisador, em função da posição que
ele ocupa, seus problemas, indissociavelmente políticos e científicos,
e seus métodos, estratégias científicas que, pelo fato de se definirem
expressa ou objetivamente, pela referência ao sistema de posições
políticas e científicas constitutivas do campo científico, são ao mesmo
tempo estratégias políticas.‖
Para o autor, os conflitos epistemológicos são essencialmente políticos, fato que
nos remete à reflexão sobre os percursos da formação de professores para a Educação
Básica no Brasil, representados pelos Cursos de Licenciatura.
De forma geral, os estudos e pesquisas a respeito da formação de professores em
nível superior, para a Educação Básica (ANDRÉ, 2010; GATTI; BARRETTO;
ANDRÉ, 2011; BROILO; FOSTER, 2011; PIMENTA; ALMEIDA, 2009; DINIZ-
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PEREIRA, 2013; PIPITONE; ZUFFI; RIVAS, 2010; SCHEIBE; BAZZO, 2013),
apontam que a crise dos cursos de Licenciatura advêm, dentre inúmeros fatores, da
ausência histórica de uma política global de formação dos profissionais da educação,
que se expressa na ausência de quadros profissionais do magistério e na evasão
decorrente dos baixos salários e das adversas condições das redes públicas de ensino.
Do ponto de vista do currículo, as dimensões teórico-metodológicas precisam ser
revistas e materializadas em relação à vinculação entre conteúdos científicos e
pedagógicos, à forma construtiva de produção do conhecimento e à articulação teoria e
prática.
Neste trabalho, o currículo é tomado como uma categoria histórica e fundante a
partir da perspectiva de Gimeno Sacristán (1998) segundo a qual o campo do currículo
não é somente um corpo de conhecimentos, mas é um objeto que se constrói no
processo de (re)configuração, concretização e expressão de determinadas práticas
pedagógicas. Os níveis nos quais se decide e configura o currículo não guardam
dependências estritas entre si mas são instâncias que atuam convergentemente na
definição da prática pedagógica com poder distinto e por meio de mecanismos
peculiares que exigem um tipo de intervenção ativa, discutida explicitamente em
processo de deliberação aberto por parte dos envolvidos. Analisar as relações, conexões
e espaços de autonomia que se estabelecem no ambiente acadêmico é condição sine qua
non para entender a realidade e poder estabelecer um campo de política curricular para a
instituição universitária.
Os embates decorrentes da discussão sobre o conhecimento no campo da
formação e do currículo nos levam a refletir sobre os significados teóricos e práticos
destes cursos, as demandas da formação de professores em nível superior, ambientes,
meios e recursos, além daqueles já utilizados em sala de aula, que visem a enriquecer a
formação específica para a docência, numa tentativa de dar respostas às questões
relativas ao ensino-aprendizagem e ao desenvolvimento autônomo do professor
(CONTRERAS, 2002). Nesse contexto, o presente trabalho se orienta pela seguinte
questão problematizadora: É possível identificar uma matriz epistemológica na
organização do currículo dos Cursos de Licenciatura da área de Ciências Exatas e da
Terra decorrente do Programa de Formação de Professores da USP (PFPUSP)? A
seguir, explicitamos os principais itens do PFPUSP, por constituir eixo central de nossa
investigação.
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3
A construção do Programa de Formação de Professores da USP
A Universidade de São Paulo instituiu, em 2004, o Programa de Formação de
Professores da USP (PFPUSP), estabelecendo os princípios, as bases e os fundamentos
curriculares da formação inicial de professores para a educação básica. Criou-se a
Comissão Interunidades de Licenciatura (CIL), composta por representantes de todos os
cursos de licenciatura da Instituição, para acompanhar a implantação do referido
programa. O PFPUSP está estruturado da seguinte forma:
a) Princípios e Objetivos Orientadores: Entre os princípios torna-se evidente a
constatação de que a licenciatura deixa de ser entendida como complementação ao
bacharelado, no qual o aprendizado do saber disciplinar específico antecede o saber
pedagógico. Este Programa prevê uma integração entre as áreas de formação,
privilegiando a docência, a vida escolar e as instituições educativas como objetos a
serem enfatizados em qualquer projeto que vise à preparação para o exercício
profissional na escola contemporânea. A indissociabilidade entre ensino, pesquisa e
extensão é considerada nos cursos de licenciatura, bem como na formação continuada
dos professores egressos destes cursos. (USP, 2004).
Os objetivos do PFPUSP estão pautados na compreensão do contexto da realidade
social da escola brasileira, na escolha e decisão profissional baseada por princípios
éticos, na compreensão dos processos de ensino e de aprendizagem e reelaboração dos
saberes. Para efetivar tais objetivos, tão somente uma reforma curricular não é
suficiente.
b) Organização e Articulação das Licenciaturas: A Comissão Permanente de
Licenciatura, atualmente CIL, foi criada em 2002 com a responsabilidade de propor
diretrizes gerais da política de formação de professores na USP, além de normas e
procedimentos de funcionamento dos cursos de licenciatura. Este documento norteou a
política dos Cursos de Licenciatura na USP, no que diz respeito ao processo de
implantação, avaliação e constante reformulação.
c) Estrutura Mínima Comum às Licenciaturas: Para a elaboração do currículo, a CIL
propôs uma estrutura mínima comum a todos os cursos de licenciaturas no que diz
respeito à formação integrada e que atendesse às resoluções legais vigentes, tanto no
âmbito do Conselho Nacional de Educação como no do Conselho Estadual de Educação
de São Paulo. Esta estrutura curricular mínima está organizada em quatro blocos de
disciplinas e atividades que correspondem a diferentes dimensões da formação dos
licenciandos: Bloco I – Formação Específica: disciplinas e atividades diretamente
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relacionadas aos conhecimentos da área específica; Bloco II – Iniciação à Licenciatura:
disciplinas e atividades introdutórias à formação do professor da educação básica; Bloco
III – Fundamentos Teóricos e Práticos da Educação: disciplinas e atividades
relacionadas à formação pedagógica em geral e Bloco IV – Fundamentos
Metodológicos do Ensino: disciplinas e atividades relacionadas ao ensino das áreas
específicas (PFPUSP, 2004).
Metodologia
Este trabalho, de enfoque qualitativo, foi desenvolvido no âmbito do grupo
GEPEFOR (Grupo de Estudos e Pesquisas em Formação de Professores e Currículo) da
FFCLRP/USP como parte do projeto de pesquisa ―Os cursos de licenciatura da
Universidade de São Paulo no contexto do Programa de Formação de Professores: entre
o instituído e o instituinte‖, iniciado em 2015.
Analisaram-se os currículos de todos os cursos de licenciatura, presenciais, da
área de Ciências Exatas e da Terra oferecidos pela USP em seus distintos campi. Esses
cursos, num total de sete, correspondem às Licenciaturas em: i) Ciências Exatas, com
habilitação em Física, Matemática e Química (período noturno, campus de São Carlos),
ii) Física (período diurno e noturno, campus de São Paulo); iii) Geociências e Educação
Ambiental (período diurno, campus de São Paulo); iv) Matemática (período diurno,
campus de São Carlos); v) Matemática (período diurno e noturno, campus de São
Paulo); vi) Química (período noturno, campus de Ribeirão Preto); vii) Química (período
diurno e noturno, campus de São Paulo).
As matrizes curriculares de cada curso foram obtidas no Sistema Júpiter Web
(https://uspdigital.usp.br/ jupiterweb/). O currículo atual dos referidos cursos de
licenciatura foi analisado a partir dos Blocos (I, II, III e IV) previstos no PFPUSP.
No intuito de complementar a compreensão acerca das determinações e
proposições do PFPUSP no que concerne à proposta curricular desses cursos, também
foram analisados seus Projetos Político-Pedagógicos, na perspectiva da análise
documental (CELLARD, 2008).
Os Cursos de Licenciatura da área de Ciências Exatas e da Terra e o PFPUSP
Os Projetos Político Pedagógicos dos cursos de licenciatura analisados retratam
uma formação integrada, buscando uma ruptura com o modelo tradicional desses cursos
que priorizava os conteúdos das áreas específicas frente aos conteúdos pedagógicos
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(modelo ―3+1‖), atendendo, assim, aos dispositivos legais vigentes do Conselho
Nacional de Educação do Brasil (BRASIL, 2015), do Conselho Estadual de Educação
de São Paulo (SÃO PAULO, 2014) e do PFPUSP. Percebe-se, ainda, uma preocupação
em corresponsabilizar as disciplinas, ditas específicas, pela formação docente do futuro
professor.
Em consequência dessa nova visão, o Bloco I, de Formação Específica, foi
reestruturado procurando romper com o ensino seccionado e restrito a um conjunto
isolado de disciplinas, estando presente nos diversos momentos formativos e
incentivando a reflexão sistemática sobre os compromissos da universidade com a
educação básica.
No Bloco II, de Iniciação à Licenciatura, todos os cursos analisados possuem
duas ou mais disciplinas introdutórias que, geralmente, são oferecidas pela área da
Educação e pelas unidades de origem, como pode ser observado na Tabela 1. Este
conjunto de disciplinas, de acordo com o PFPUSP, tem o papel de sensibilizar e
introduzir o estudante no estudo sistemático de questões do campo da Educação,
presentes na sociedade, relacionando-as com sua área de conhecimento e com o
universo do conhecimento humano, seja ele histórico, social ou cultural.
Tabela 1. Disciplinas de Iniciação à Licenciatura (Bloco II) nos cursos de Formação de Professores
da USP, na área de Ciências Exatas e da Terra.
Fonte: Elaborada pela autora a partir da página do Sistema Júpiter Web, 2015.
Siglas utilizadas: RP: Ribeirão Preto; SC: São Carlos; SP: São Paulo.
Curso de
Licenciatura/campus
Disciplinas/Unidade responsável Carga
horária
Ciências Exatas/SC Introdução aos Estudos da Educação I/IFSC 90h
Introdução aos Estudos da Educação II/IFSC 90h
Física/SP
Introdução aos Estudos da Educação
(Enfoque Filosófico, Histórico ou Sociológico)/FE
60h
Tópicos de História da Física Clássica ou
Evolução dos Conceitos da Física/IF
30h
Tópicos de História da Física Moderna ou
Filosofia da Física/IF
30h
Geociências e Ed.
Ambiental/SP
Introdução aos Estudos da Educação
(Enfoque Filosófico, Histórico ou Sociológico)/FE
60h
Introdução à Educação Ambiental Ênfase Geociências/IGc 90h
Matemática/SC Introdução aos Estudos da Educação/IFSC 120h
Fundamentos para a Matemática do Ensino Superior/ICMC 120h
Matemática/SP Introdução aos Estudos da Educação
(Enfoque Filosófico, Histórico ou Sociológico) /FE
60h
Matemática na educação básica/IME 30h
Química/RP Introdução aos Estudos sobre Educação/DEDIC 30h
Introdução aos Estudos da Educação em Ciências/DQ 60h
Química/SP Introdução aos Estudos da Educação
(Enfoque Filosófico, Histórico ou Sociológico)/ FE
60h
Introdução ao Ensino de Química/IQ 90h
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3901ISSN 2177-336X
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O Bloco III, de Fundamentos Teóricos e Práticos da Educação, de acordo com a
Tabela 2, é formado por disciplinas que devem propiciar o aprofundamento e a
ampliação do conhecimento do licenciando referente à Filosofia, Sociologia, Psicologia,
História da Educação, Didática, Política e Gestão da Educação Brasileira, além da
Língua Brasileira de Sinais. Essas disciplinas são de responsabilidade da Faculdade de
Educação no campus de São Paulo e do Departamento de Educação, Informação e
Comunicação no campus de Ribeirão Preto. No entanto, no campus de São Carlos não
há um Departamento específico de Educação, ficando essas disciplinas sob a
responsabilidade de docentes contratados para ministrar as disciplinas do Bloco IV.
Tabela 2. Disciplinas relacionadas aos Fundamentos Teóricos e Práticos da Educação (Bloco III)
nos cursos de Licenciatura da USP na área de Ciências Exatas e da Terra.
Fonte: Elaborada pela autora a partir da página do Sistema Júpiter Web, 2015.
Siglas utilizadas: SC: São Carlos; SP: São Paulo; RP: Ribeirão Preto.
Historicamente, esse Bloco integrava a maior parte dos currículos dos cursos de
licenciatura e tratava da formação pedagógica geral numa perspectiva de justaposição e
desarticulação entre si, sendo representado pelas disciplinas de Didática, Política
Curso de
Licenciatura/campus
Disciplinas Carga
horária
total
Carga
horária
estágio
Ciências Exatas/SC Política e Organização da Educação Brasileira 90h -
Psicologia da Educação I 120h -
Psicologia da Educação II 60h -
Didática 120h -
Língua Brasileira de Sinais para Licenciatura 60h -
Física/SP
Política e Organização da Educação Básica no
Brasil
90h 60h
Psicologia da Educação ou
Psicologia Histórico-Cultural e Educação ou
Teorias do desenvolvimento, Práticas Escolares e
Processos de Subjetivação
90h 30h
Didática 90h 30h
Educação Especial, Educação de Surdos, Língua
Brasileira de Sinais
60h
Geociências e Ed.
Ambiental/SP
Idênticas às do curso de Licenciatura em Física
Matemática/SC Estrutura e Funcionamento do Ensino
Fundamental e Médio
120h
Psicologia da Educação 120h
Didática 120h
Língua Brasileira de Sinais para Licenciatura 60h
Matemática/SP Idênticas às do curso de Licenciatura em Física
Química/RP Política e Gestão Educacional no Brasil 90h 30h
Psicologia Educacional 120h 60h
Didática Geral I 120h 60h
Introdução à Língua Brasileira de Sinais 30h
Química/SP Idênticas às do curso de Licenciatura em Física
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Educacional e Psicologia da Educação. Essas disciplinas foram ressignificadas do ponto
de vista da compreensão de seus fundamentos teóricos e de suas práticas sociais e na
articulação dos estágios supervisionados com suas perspectivas teóricas, tendo como
base a formação de professores e a instituição escolar. Em consequência dessa
articulação, a maioria das disciplinas possui horas de estágio associadas à sua carga
horária, com exceção das oferecidas nos cursos de licenciatura do campus da USP de
São Carlos.
O Bloco IV, de Fundamentos Metodológicos do Ensino, especificado na Tabela
3 e nos Projetos Político Pedagógicos dos cursos investigados, englobam disciplinas que
procuram articular os conteúdos científicos específicos da área de conhecimento das
Ciências Exatas e da Terra aos saberes pedagógicos, buscando superar a
instrumentalidade técnica na formação docente.
Tabela 3. Disciplinas relacionadas aos Fundamentos Metodológicos do Ensino (Bloco IV) nos cursos
de Licenciatura da USP na área de na área de Ciências Exatas e da Terra.
Curso de
Licenciatura/campus
Disciplinas Carga
horária
total
Carga
horária
estágio
Ciências Exatas/SC Diretrizes Curriculares para o Ensino de Ciências e
Matemática
90h
Instrumentação para o Ensino I 30h
Instrumentação para o Ensino II 30h
História da Ciência I 30h
História da Ciência II 30h
Introdução à Computação e suas aplicações na Educação 90h
Estágio Supervisionado em Ensino de Ciências I 150h 100h
Estágio Supervisionado em Ensino de Ciências II 150h 100h
Estágio Supervisionado em Ensino de Física I – HF 180h 100h
Estágio Supervisionado em Ensino de Física II - HF 180h 100h
Física do Cotidiano: Teoria e Experimento - HF 30h
Estágio Supervisionado Ensino de Matemática I - HM 180h 100h
Estágio Supervisionado Ensino de Matemática II - HM 180h 100h
Química, Sociedade e Cotidiano - HQ 60h
Estágio Supervisionado em Ensino de Química I – HQ 180h 100h
Estágio Supervisionado em Ensino de Química II - HQ 180h 100h
Física/SP Metodologia do Ensino em Física I 120h 90h
Metodologia do Ensino em Física II 120h 90h
Elementos e Estratégia para o Ensino de Física 60h
Práticas em Ensino de Física 120h 100h
Propostas e Projetos para o Ensino de Física 60h
O computador e o vídeo no Ensino de Física ou
Produção de Material Didático
60h
Geociências e
Educação
Ambiental/SP
Metodologia Ensino em Geociências e Ed.Ambiental I 120h 90h
Metodologia Ensino em Geociências e Ed.Ambiental II 120h 90h
História das Ciências 60h
História da Terra e Evolução Biológica 60h
Recursos Didáticos em Geociências 60h 50h
Práticas Ed. Ambiental com Ênfase em Geociências 75h 50h
Geociências e Meio Ambiente 90h
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Fonte: Elaborada pela autora a partir da página do Sistema Júpiter Web, 2015.
Siglas utilizadas: SC: São Carlos; SP: São Paulo; RP: Ribeirão Preto, HF: Habilitação em Física,
HM: Habilitação em Matemática, HQ: Habilitação em Química.
A ampliação desse Bloco, em relação às estruturas curriculares anteriores,
oportunizou diversificação no âmbito do currículo, consubstanciada na criação de novas
disciplinas cujo enfoque abrange aspectos da realidade escolar para além das questões
metodológicas e do saber fazer relacionado às práticas de ensino. Essas disciplinas
contemplam uma nova concepção do trabalho educacional, potencializadora da relação
entre universidade e escola básica (estágio curricular supervisionado e formação
continuada).
Matemática/SC Metodologia do Ensino de Matemática I 60h
Metodologia do Ensino de Matemática II 60h
História da Educação e das Orientações Curriculares de
Matemática Brasileiras
120h
Análise Crítica de Livros Didáticos 120h
Ensino de Matemática Por Múltiplas Mídias 45h
Estágio Supervisionado em Ensino de Geometria e
Desenho Geométrico
120h 120h
Estágio Supervisionado em Ensino de Matemática I 150h 150h
Estágio Supervisionado em Ensino de Matemática II 150h 150h
Matemática/SP Metodologia do Ensino de Matemática I 120h 60h
Metodologia do Ensino de Matemática II 120h 60h
História da Matemática I 60h
Seminário de resolução de problemas ou
Análise de textos didáticos ou
Noções de ensino de Matemática usando o computador
ou Estatística no ensino básico
90h
90h
90h
90h
Projeto de Ensino de Matemática 120h
Experimentação e modelagem ou
Metodologia do Ensino de Física I
Estágio de vivência em investigação em gestão escolar e
políticas públicas ou
Metodologia do ensino de Física II (2 disciplinas)
75h
120h
75h
120h
60h
90h
60h
90h
Projetos de Estágio 120h 100h
Química/RP Metodologia do Ensino em Química I 60h 30h
Metodologia do Ensino em Química II 60h 30h
Didática das Ciências 60h 30h
Atividades Integradas de Estágio 90h 60h
História da Química 60h
Química para o Ensino Médio I 90h 40h
Química para o Ensino Médio II 90h 60h
Atividades científico-culturais 90h
Química/SP Experimentação e Modelagem 75h 60h
Metodologia do Ensino de Química I 120h 60h
Metodologia do Ensino de Química II 120h 60h
Instrumentação para o Ensino de Química I 90h
Instrumentação para o Ensino de Química II 120h
Instrumentação para o Ensino de Química III 90h
História das Ciências (D)/ Tópicos Hist. da Química (N) 60h
Estágio de vivência e investigação em gestão escolar e
políticas públicas
75 60h
Estágio Supervisionado no Ensino de Química 150h 100h
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A maior parte dessas disciplinas, geralmente oferecidas pelas unidades de
origem, proporciona reflexão sobre as questões de ensino e aprendizagem relacionadas
às diferentes áreas do conhecimento e o estabelecimento de vínculos dos professores
formadores e dos licenciandos com as instituições públicas de ensino e demais
instituições, como Centros e Museus de Ciência.
Além disso, entre os sete cursos analisados, apenas os de Licenciatura em
Ciências Exatas e em Matemática de São Carlos e o de Licenciatura em Química de São
Paulo possuem disciplinas específicas de ―Estágio Supervisionado em Ensino de …‖.
Nos demais cursos de Licenciatura, as horas de estágio são associadas às disciplinas dos
Blocos III e IV.
Para maior visibilidade da carga horária dos cursos de licenciatura, apresenta-se,
na Tabela 4, a carga horária total de cada curso e a distribuição da carga horária pelos
Blocos II, III e IV, anteriormente discutidos.
Tabela 4. Distribuição da carga horária total e da carga horária pelos blocos previstos no Programa
de Formação de Professores da USP, nos cursos de Licenciatura
da USP na área de Ciências Exatas e da Terra.
Fonte: Elaborada pela autora a partir da página do Sistema Júpiter Web, 2015.
Siglas utilizadas: RP: Ribeirão Preto; SC: São Carlos; SP: São Paulo.
Dos sete cursos analisados, apenas um não supera a carga horária mínima
definida pelas atuais Diretrizes Curriculares Nacionais de Formação de Professores, que
é de 3200 horas (BRASIL, 2015). Apesar disso, a porcentagem correspondente à carga
horária dos Blocos II, III e IV, que representam a formação pedagógica nos cursos de
licenciatura, ainda é inferior à destinada aos conhecimentos disciplinares. No entanto,
houve um aumento considerável desse percentual, o que parece indicar uma diminuição
Curso de Licenciatura Carga
Horária
Total
Carga Horária
Bloco II Bloco III Bloco IV Total (II+III+IV)
horas %
Ciências Exatas/SC
Habilitação Física
Habilitação Matemática
Habilitação Química
3660h
180h
450h
990h
1620h
44%
3660h 180h 450h 960h 1590h 43%
3750h 180h 450h 1020h 1650h 44%
Física/SP 3330h 120h 330h 510h 960h 30%
Geociências e Educação
Ambiental/SP
3915h 150h 330h 585h 1065h 27%
Matemática/SC 3000h 240h 420h 825h 1485h 50%
Matemática/SP 3030h 90h 330h 825h 1245h 41%
Química/RP 3270h 90h 360h 600h 1050h 32%
Química/SP 3780h 150h 330h 900h 1380h 37%
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
3905ISSN 2177-336X
10
da supremacia dos conhecimentos disciplinares e um caminhar rumo à formação
docente crítica- reflexiva.
Considerações finais
Os Cursos de Licenciatura da área de Ciências Exatas e da Terra atendem aos
princípios fundamentais do Programa de Formação de Professores na USP no sentido de
que a formação do professor ocorre ao longo de todo o processo formativo, sendo a
organização curricular construída de modo flexível e plural, preservando os princípios e
os objetivos do PFPUSP.
Cursos de Licenciatura devem ser entendidos como espaços em nível superior
para se proceder à formação professores com a qualidade desejada, inserida no mundo
social do trabalho, pautada na construção da identidade docente e saberes que a
identificam e, portanto, não se reduz à sala de aula, mas inclui a gestão das políticas e
dos espaços de ensino e aprendizagem, sejam eles escolares ou não.
Os currículos redimensionados, na ótica do PFPUSP, trazem avanços na medida
em que superam o modelo ―3+1‖ e a racionalidade técnica, incorporando em sua
proposta pedagógica as dimensões continuum, flexibilidade e pluralidade. Assim
considerado, a implantação do Programa de Formação de Professores e a
institucionalização da CIL na Universidade de São Paulo tem representado espaços
significativos de estudos e propostas de formação de professores e pesquisadores para
esse nível de escolarização. O desafio que se coloca reside no tensionamento entre os
interesses da universidade no contexto de complexidade das demandas contemporâneas
e a realidade da escola pública brasileira. Portanto, o documento prescrito e a vontade
de seus idealizadores não são suficientes para o arrojado compromisso da Instituição
com a qualidade da formação de seus futuros professores, tendo em vista a
profissionalidade e a construção da identidade do professor da Educação Básica.
Referências Bibliográficas
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Educação, v. 33, p. 6-18, 2010.
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XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
3907ISSN 2177-336X
12
O LUGAR DA DIDÁTICA NOS CURSOS DE PEDAGOGIA NO ESTADO DE
SÃO PAULO
Noeli Prestes Padilha Rivas
Universidade de São Paulo/FFCLRP/DEDIC – GEPEFOR/USP, Brasil
Cristina Cinto Araujo Pedroso
Universidade de São Paulo/FFCLRP/DEDIC – GEPEFE/USP, Brasil
Karina de Mello Conte Claretiano Centro Universitário e GEPEFE/USP, Brasil
RESUMO
O presente artigo decorre da pesquisa interinstitucional ―A formação de professores
para a Educação Infantil e para os anos iniciais do Ensino Fundamental: análise do
currículo dos cursos de Pedagogia de instituições públicas e privadas do Estado de São
Paulo‖, envolvendo dezessete pesquisadores de universidades brasileiras, na análise de
144 matrizes curriculares dos cursos de Pedagogia oferecidos por instituições públicas e
privadas do Estado de São Paulo, cadastrados no sítio do Inep/MEC em 2012. Teve
como objetivo analisar os currículos dos cursos de Pedagogia no que se refere à
organização e ao tratamento dado aos conhecimentos relacionados à formação do
professor para atuar na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental. A
precariedade desses cursos, com relação à sua organização curricular (baixa priorização
de conhecimentos específicos da Educação Infantil e das séries iniciais do Ensino
Fundamental na formação inicial de seus futuros professores), aliado à baixa qualidade
do ensino brasileiro, publicamente reconhecida, e que envolve questões
epistemológicas, metodológicas, sociais, econômicas e políticas, balizaram o problema
para a realização desta pesquisa. As questões evidenciadas pela análise das matrizes
curriculares dos cursos de Pedagogia corroboram com resultados de pesquisas na área,
no que se refere à indefinição do campo pedagógico, à dispersão do objeto da pedagogia
e a redução de seu campo à docência, na medida em que há um alargamento deste
conceito. A estas constatações adicionamos a diversidade e nomenclatura de disciplinas,
muitas sem aderência e conexão com a docência polivalente dos anos iniciais da
educação básica refletindo a dispersão, o campo amplo e impreciso do perfil do egresso
definido pelas DCN dos cursos de Pedagogia. A diversidade de nomenclatura das
disciplinas relacionadas à Didática apontam para a necessidade e relevância de novos
estudos e pesquisas, considerando-se o lugar da Didática nos Cursos de Pedagogia.
Palavras-chave: Pedagogia; Didática; Currículo.
Introdução
A Pedagogia, como articuladora das diferentes contribuições das ciências da
educação, tem papel fundamental na discussão dos rumos da educação brasileira,
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
3908ISSN 2177-336X
13
particularmente a partir da implantação da nova LDB e das Diretrizes Curriculares
Nacionais, instituídas pela Resolução CNE/CP nº 1/2006 (BRASIL, 2006), e,
recentemente, pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível
superior, de acordo com a Resolução CNE/CP 2/2015 (BRASIL, 2015), as quais
indicam fragilidades dos cursos de Licenciatura, dentre os quais a Pedagogia. (GATTI
et al., 2009; PIMENTA et all., 2013, 2015; PINTO, 2011; LIBÂNEO, 2010; FRANCO;
PIMENTA 2010; SAVIANI, 2008). De acordo com as Diretrizes Curriculares
Nacionais (BRASIL, 2006, p. 2), aos cursos de Pedagogia compete a:
―[...] formação inicial para o exercício da docência na Educação
Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de
Ensino Médio, na modalidade Normal, e em cursos de Educação
Profissional na área de serviços e apoio escolar, bem como em outras
áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos‖
No mesmo documento, de forma complementar, são elencadas as atividades
docentes que compreendem a participação na organização e gestão de sistemas e
instituições de ensino, englobando: I- planejamento, execução, coordenação,
acompanhamento e avaliação de tarefas próprias do setor da Educação; II–
planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de projetos e
experiências educativas não-escolares; III– produção e difusão do conhecimento
científico-tecnológico do campo educacional, em contextos escolares e não-escolares
(BRASIL, 2006). As citações, acima apontadas, evidenciam fragilidades e controvérsias
no campo da legislação e na proposição de políticas públicas para a área da Pedagogia,
explicitando um complexo e ambíguo perfil profissional do pedagogo. Por outro lado,
as mudanças ocorridas na vida social e produtiva têm trazido para o campo da
Pedagogia novas possibilidades de atuação dos profissionais da educação (docentes e
não docentes), no trabalho, nas organizações não governamentais, nos meios de
comunicação, nos sindicatos e nos vários espaços que têm sido abertos no setor de
serviços para atender às demandas sociais. Com o reconhecimento da especificidade do
campo de atuação do pedagogo, os cursos começaram a construir percursos
interdisciplinares, articulando os saberes relativos ao trabalho pedagógico aos campos
de outras ciências, de modo a formar profissionais de educação com novos perfis,
capazes, por exemplo, de atuar com as tecnologias, com diferentes mídias e linguagens,
com a participação social, com o lazer, com programas de inclusão e com outras
inúmeras possibilidades formativas demandadas pela sociedade contemporânea
(LIBÂNEO, 2006). Essa complexidade e diversidade da formação e do campo de
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
3909ISSN 2177-336X
14
atuação destaca a articulação entre formação inicial, formação continuada e espaço
laboral.
O presente artigo decorre da pesquisa interinstitucional ―A formação de
professores para a Educação Infantil e para os anos iniciais do Ensino Fundamental:
análise do currículo dos cursos de Pedagogia de instituições públicas e privadas do
Estado de São Paulo‖, envolvendo dezessete pesquisadores de universidades brasileiras,
na análise de 144 matrizes curriculares dos cursos de Pedagogia oferecidos por
instituições públicas e privadas do Estado de São Paulo, cadastrados no sítio do
Inep/MEC em 2012. Teve como objetivo analisar os currículos dos cursos de pedagogia
no que se refere à organização e ao tratamento dado aos conhecimentos relacionados à
formação do professor para atuar na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino
Fundamental (PIMENTA; FUSARI, 2014).
A precariedade dos cursos de licenciatura em Pedagogia, com relação à sua
organização curricular (baixa priorização de conhecimentos específicos da Educação
Infantil e das séries iniciais do Ensino Fundamental na formação inicial de seus futuros
professores), aliado à baixa qualidade do ensino brasileiro, publicamente reconhecida, e
que envolve questões epistemológicas, metodológicas, sociais, econômicas e políticas,
balizaram o problema para a realização desta pesquisa, no sentido de estudar como tal
fenômeno ocorre em todos os cursos de Pedagogia do Estado de São Paulo.
Este texto apresenta um recorte da pesquisa interinstitucional, anteriormente
citada, no qual procura-se identificar o lugar da Didática, enquanto campo disciplinar,
nos Cursos de Pedagogia do Estado de São Paulo, a partir das perspectivas e tensões
conceituais no campo do ensino em suas múltiplas determinações. Nesse intuito, é feita
uma reflexão da Didática enquanto campo epistemológico nos cursos de pedagogia. A
seguir, discute-se o que os dados coletados revelam e problematiza-se tais resultados à
luz dos referenciais teóricos adotados.
A Didática no curso de Pedagogia
A didática trata do ensino em suas múltiplas determinações. Nesse sentido, a
cada momento histórico, as formas de concretização do processo de ensino são
recriadas, ressignificadas e se transformam no tempo e no espaço, em um processo de
configuração. Como campo de estudos e pesquisas está voltado para a tarefa de
fundamentar o processo de ensinar e aprender como uma prática social de incorporação
e de emancipação política, sempre em busca de articulações cada vez mais produtivas
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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15
entre as demandas do momento e as possibilidades que a prática evidencia. (PIMENTA,
2014).
Nesse trabalho entendemos o campo da Didática na perspectiva crítica e
multidimensional a partir dos estudos de Candau (2009), Pimenta et al (2013, 2015).
Para Candau (2009) o objeto da didática consubstancia-se como o estudo dos processos
de ensino-aprendizagem referentes ao ensino de conteúdos específicos, em situações
sociais concretas. Nessa direção propõe o conceito de Didática Fundamental, que
contempla a multidimensionalidade do processo ensino-aprendizagem, articulando as
três dimensões: humanista, técnica e político-social. A autora ressalta que a Didática
deve superar a dimensão meramente instrumental, na qual se configura como ―[...] um
apêndice de orientações mecânicas e tecnológicas [...]‖ (CANDAU, 2009, p. 30).
A Didática em uma perspectiva de multidimensionalidade considera a
convergência dos fundamentos pedagógicos que subsidiam a proposta multirreferencial.
Assim, segundo Pimenta et al (2014, p.8) a ―multirreferencialidade permite a
compreensão das totalidades no todo e a multidimensionalidade do todo às totalidades‖.
A multirreferencialidade compreende a educação em sua complexidade e a
multidimensionalidade abrange o ensino, na perspectiva da totalidade, ou seja, com
possibilidades de compreensão e questionamento do conhecimento, dos saberes.
Pimenta (2010) afirma que a didática se constitui como área de estudos da
pedagogia e deste modo, estuda o fenômeno ensino. Para a autora:
o ensino é transformado pela ação e relação entre sujeitos (professores
e estudantes) situados em contextos diversos: institucionais, culturais,
espaciais, temporais, sociais. Por sua vez, dialeticamente transforma
os sujeitos envolvidos nesse processo. (...) Considerá-lo uma prática
educacional em situações historicamente situadas significa examiná-lo
nos contextos sociais nos quais se efetiva – nas aulas e demais
situações de ensino das diferentes áreas do conhecimento, nas escolas,
nos sistemas de ensino, nas culturas, nas sociedades - estabelecendo-
se os nexos entre eles. As novas possibilidades da didática estão
emergindo das investigações sobre o ensino como prática social viva.
(PIMENTA, 2010, p.17).
A Didática, pensada, como campo de estudos e pesquisas em construção
pressupõe considerar o ensino, como objeto nucleador, cujas formas de concretização se
situam nos contextos sociais, culturais e demais situações em que se efetivam. Analisar
o ensino, como prática social, requer balizá-lo como ―fenômeno complexo que requer
uma abordagem dialética e multirreferencial‖. (PIMENTA et al , 2013, p.144), que vai
se transformando em seus contextos e sendo transformado por eles. Á medida que os
processos de prática educativa se ampliam e se tornam mais complexos, os métodos de
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
3911ISSN 2177-336X
16
investigação desse fenômeno precisam ser reconfigurados. Assim, a consideração do
ensino como uma atividade complexa reconhece uma série de dimensões que envolvem
conhecimentos, emoções, valores, situações diversas, culturas, contradições políticas,
éticas, sociais, bem como a mediação docente.
Outra questão que se coloca diz respeito à temática formação de professores,
pois segundo Pimenta et al (2013), a didática não pode deixar de levar em consideração
a preocupação com as condições de formação dos docentes e com as condições de
trabalho desses profissionais, especialmente no âmbito da instituição escolar.
Percursos Metodológicos
Este trabalho faz parte da pesquisa ―A formação de professores para a Educação
Infantil e para os anos iniciais do Ensino Fundamental: análise do currículo dos cursos
de Pedagogia de instituições públicas e privadas do Estado de São Paulo‖, realizada na
Faculdade de Educação (FE-USP) da Universidade de São Paulo, por 17 pesquisadores
do GEPEFE, junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação.
Trata-se de uma pesquisa exploratório-descritiva, na qual se busca a descrição e
análise dos dados de forma articulada (LUDKE e ANDRÉ, 1986). Para tanto foi
utilizado como objeto de estudo as matrizes curriculares dos cursos de Pedagogia
oferecidos por instituições públicas e privadas do Estado de São Paulo.
Na etapa de coleta de dados junto ao sítio do INEP/MEC foram identificados
253 cursos de Pedagogia no Estado de São Paulo. No entanto, foi possível acessar as
matrizes curriculares de apenas 144 cursos, das quais 137 com relação de disciplinas e
respectivas cargas horárias e outras 7 somente com a relação de disciplinas. Essas
matrizes foram analisadas segundo os preceitos da análise documental (LUDKE e
ANDRÉ, 1986 e CELLARD, 2008).
Para análise das matrizes curriculares foi elaborado um instrumento de coleta de
dados constituído de duas partes, uma com os dados gerais da instituição e do curso e a
outra com as categorias de análise das matrizes curriculares. As categorias de análise
foram construídas e ampliadas tendo por base as elaboradas por Gatti e Barreto (2009) e
Libâneo (2011): 1- Conhecimentos relativos aos Fundamentos Teóricos da Educação, 2-
Conhecimentos relativos aos sistemas educacionais, 3 – Conhecimentos relativos à
formação profissional docente, 4- Conhecimentos relativos à Gestão Educacional, 5-
Conhecimentos relativos ao estágio supervisionado, 6- Conhecimentos sobre ações de
pesquisa e Trabalho de Conclusão de Curso/Monografia; 7- Conhecimentos relativos às
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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modalidades de ensino, às diferenças, à diversidade e às minorias linguísticas e
culturais; 8- Conhecimentos integradores e 9- Outros disciplinas.
A categoria 3 se constitui de 7 subcategorias, a saber: 3.1 Conhecimentos
relativos às áreas disciplinares sem especificação do nível de ensino; 3.2 conhecimentos
relativos à Educação Infantil (3.2.1 Currículo/Linguagens na Educação Infantil e 3.2.2
Outros conhecimentos da Educação Infantil), 3.3 Conhecimentos relativos aos anos
iniciais do ensino fundamental (3.3.1 Currículo no Ensino Fundamental, 3.3.2 Outros
conhecimentos do Ensino Fundamental), 3.4 Conhecimentos relativos à educação
infantil e ensino fundamental e 3.5 Conhecimentos relativos à Didática. Neste trabalho,
utilizou-se como objeto de análise e discussão a subcategoria 3.5 - Conhecimentos
relativos à Didática.
O que os dados revelam
É importante salientar que, dos 144 cursos analisados, 125 (86,80 %) cursos são
ofertados por instituições privadas e somente 19 (13,20%) por públicas. Desses, 8
cursos são ofertados por instituições estaduais, 2 por federais e 9 por municipais. No
que se refere à organização acadêmica, identificou-se que 99 dos cursos estão instalados
em Faculdades, 19 em Centros Universitários e 26 em Universidades. Esses dados
corroboram com estudos realizados por Gatti; Barreto (2009) e Libâneo (2011) ou seja,
que a ―formação do Pedagogo no país ocorre, predominantemente, em instituições
privadas, em sua maioria Faculdades e Centros Universitários, com duração menor do
que 4 anos (ou 8 semestres) ‖. (PIMENTA; FUSARI, 2014, p.14)
A Pedagogia não deve ser entendida em seu sentido estreito, ou seja, apenas no
ato de ministrar aulas, ela deve ter o sentido ampliado, uma vez que, se articula ao
trabalho pedagógico, a ser desenvolvido tanto em espaços escolares como não escolares.
Nessa perspectiva toma-se o trabalho docente e a docência em um contexto mais amplo,
tanto nos processos pedagógicos como nos espaços educativos em que se desenvolvem,
exigindo a capacidade de maior reflexão crítica da realidade em que se situam.
(LIBÂNEO, 2006). Para Saviani (2008) a pedagogia refere-se à ciência da educação e
―se desenvolveu em íntima relação com a prática educativa, constituindo-se como a
teoria ou ciência dessa prática sendo, em determinados contextos, identificada com o
próprio modo intencional de realizar a educação‖. (SAVIANI,2007, p.100).
Inicialmente, para uma visão mais ampla do lugar ocupado pela disciplina
Didática nos cursos de Pedagogia explicita-se na Tabela 1 as categorias e subcategorias
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18
utilizadas para análise das matrizes curriculares, o percentual da carga horária e número
de disciplinas, em relação aos totais gerais do conjunto dos cursos. Em relação à
categoria 3-“Conhecimentos relativos à formação profissional docente‖ cabe destacar
que a mesma agrupa um número significativo de disciplinas extraídas das matrizes
curriculares dos 144 cursos investigados. Do total geral 7203 disciplinas, esta categoria
contempla 2659, ou seja, 36,91% de disciplinas. No que se refere à subcategoria 3.5-
―Conhecimentos relativos à Didática‖ observa-se que esta subcategoria representa
apenas 6,64% em relação à totalidade de carga horária e 6,19% ao número de
disciplinas dos Cursos de Pedagogia.
Tabela 1. Distribuição percentual da carga horária e do número de disciplinas, em cada uma
das Categorias, em relação aos totais gerais do conjunto dos cursos.
Categorias carga horária nº de
disciplinas
1. Conhecimentos relativos aos fundamentos teóricos da
educação 16,41% 15,58%
2. Conhecimentos relativos aos sistemas educacionais 5,64% 5,34%
3. Conhecimentos relativos à formação profissional
docente 38,12% 36,92
3.1 Conhecimentos relativos às áreas disciplinares sem
especificação do nível de ensino 23,77% 23,42%
3.2 Conhecimentos relativos à Educação Infantil 4,63 4,43
3.2.1 Áreas disciplinares /Linguagens na
Educação Infantil 2,41% 2,36%
3.2.2 Outros conhecimentos da Educação Infantil 2,22% 2,07%
3.3 Conhecimentos relativos aos anos iniciais do
ensino fundamental 1,65% 1,68
3.3.1 Áreas disciplinares no Ensino Fundamental 1,20% 1,24%
3.3.2 Outros conhecimentos do Ensino
fundamental 0,45% 0,44%
3.4 Conhecimentos relativos à educação infantil e
ensino fundamental 1,43% 1,19%
3.5 Conhecimentos relativos à Didática 6,64% 6,19%
4. Conhecimentos relativos à Gestão Educacional 6,73% 6,35%
4.1 Relativos à escola 6,37% 6,03%
4.2 Relativos aos espaços não escolares 0,36% 0,32%
5. Conhecimentos relativos ao estágio supervisionado e às
práticas de ensino 4,57% 4,87%
5.1 Sem especificação do nível de ensino 3,13% 3,53%
5.2 Com especificação do nível de ensino 1,44% 1,31
5.2.1 Conhecimentos relativos ao estágio e às
práticas de ensino na Educação Infantil 0,53% 0,42%
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5.2.2 Conhecimentos relativos ao estágio e às
práticas de ensino no Ensino Fundamental 0,54% 0,47%
5.2.3 Conhecimentos relativos ao estágio na
Gestão Educacional 0,37% 0,42%
6. Conhecimentos sobre ações de pesquisa e Trabalho de
Conclusão de Curso/Monografia 6,78% 7,47%
7. Conhecimentos relativos às modalidades de ensino, às
diferenças, à diversidade e às minorias linguísticas e
culturais
8,10% 8,51%
8. Conhecimentos integradores 2,61% 2,33%
9. Outros conhecimentos 11,05% 12,68%
Total 100,00% 100,00%
Fonte: Elaborado pelas autoras.
Outra questão a ser observada na subcategoria 3.5- ―Conhecimentos
relativos à Didática‖ diz respeito ao número de disciplinas que compõe esta área, ou
seja, ela abrange 446 disciplinas, o que representa 16,77% em relação ao número de
disciplinas dos Cursos de Pedagogia, especificados na categoria 3-“Conhecimentos
relativos à formação profissional docente‖ Se considerarmos as disciplinas das 6
subcategorias (3.1, 3.2, 3.3, 3.4) na categoria 3, tem-se aproximadamente 83% das
disciplinas, o que demonstra no universo da subcategoria 3.5 quase ausência da
disciplina Didática nos cursos de Pedagogia. (Ver Tabela 2).
Tabela 2. Número de disciplinas em cada subcategoria pertencente à categoria 3 (Conhecimentos
relativos à formação profissional docente).
Fonte: Elaborado pelas autoras.
Os dados evidenciados acima indicam que em relação à formação profissional
docente, o campo da Didática tem ocupado um espaço menor em relação aos conteúdos
específicos e às metodologias de ensino. Esse dado pode indicar também que o campo
da Didática está possivelmente sendo ocupado por temas emergentes os quais têm
tensionado o currículo dos cursos de Pedagogia e ―que possivelmente mostram maior
relação com as demandas do mercado e com o amplo campo de atuação profissional do
pedagogo, impossibilitado pelas DCNs‖ (PIMENTA et al., 2014, p.30).
Categoria 3: Conhecimentos relativos à formação profissional
docente
Número de
disciplinas
Percentagem
3.1 Conhecimentos relativos às áreas disciplinares sem especificação
do nível de ensino 1687 63,45%
3.2 Conhecimentos relativos à Educação Infantil 319 12,00%
3.3 Conhecimentos relativos aos anos iniciais do Ensino Fundamental 121 4,55%
3.4 Conhecimentos relativos à educação infantil e ensino fundamental 86 3,23%
3.5 Conhecimentos relativos à Didática 446 16,77%
Total 2659 100%
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Em relação à denominação das disciplinas cabe considerar a grande diversidade
de nomenclatura encontrados para configurar um mesmo campo. Sobre esse aspecto é
possível considerar que essa diversidade pode decorrer de tentativa de especificar os
conteúdos das disciplinas buscando atender aos temas emergentes e ou aos diferentes
níveis e modalidades de ensino. São exemplos desses aspectos os seguintes nomes de
disciplinas: Didática da Educação Infantil; Didática do Ensino Fundamental; Didática
da Alfabetização; Didática, Estratégias e Recursos da Educação de Pessoas com
Necessidades Educacionais Especiais; Didática para o Ensino a Distância; Planejamento
Da Prática Pedagógica e Interdisciplinaridade; Planejamento e Currículo; Pedagogia de
Projetos; Laboratório de Recursos Didáticos, dentro outros. O Gráfico I retrata a
distribuição das disciplinas da subcategoria 3.5 quanto à grandes áreas da Didática,
tendo em vista que foi possível identificar a palavra Didática como denominação em 98
disciplinas, de um universo de 446 disciplinas. A denominação Didática acoplada a uma
área, nível de ensino, etc., como especificada nos exemplos acima, aparece em 183
disciplinas. Outras denominações aparecem no campo da Didática, tais como: Formação
de Professores (4 disciplinas), Avaliação e Práticas Avaliativas (67 disciplinas),
Planejamento (49 disciplinas), Projeto Político-Pedagógico (25 disciplinas) e Recursos
Didáticos (6 disciplinas).
Esta diversidade nas disciplinas de didática aponta também para uma questão
que tem perpassado o campo da Didática e sua relação com as Didáticas Específicas.
Nos cursos de Pedagogia as ―Metodologias do Ensino de...‖ tem disputado o espaço da
Didática Geral, pois as metodologias estão voltadas à estruturação da parte do ensino
que organiza os conteúdos de diferentes disciplinas‖ (PIMENTA et al.,2014, p.42). Ao
incluir na nomenclatura da disciplina Didática, uma denominação, como por exemplo
―Didática: Teorias e Metodologias de Ensino‖ observa-se o equívoco de condicionar os
aspectos metodológicos ao campo epistemológico da Didática, não considerando o
ensino, como ação complexa, que requer articulação constante entre os princípios
educativos, a intencionalidade do ato pedagógico e as condições de efetivação do
processo de ensino.
Gráfico 1. Distribuição das disciplinas da subcategoria 3.5 pelas temáticas.
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Fonte: Elaborado pelas autoras.
Conclusão: Alguns apontamentos
O estudo em pauta aponta que os conhecimentos relacionados à Didática, à
docência (formação profissional específica) disputam lugar no âmbito do currículo dos
cursos de Pedagogia com outros blocos de conhecimentos por meio dos quais se
pretende supostamente garantir também a formação do Pedagogo generalista, ou seja,
daquele que poderá atuar como professor, gestor e pesquisador e nas outras áreas nas
quais sejam necessários conhecimentos pedagógicos, como por exemplo, nos contextos
não-escolares. Essa realidade limita, por um lado, o potencial do curso de Pedagogia
como um espaço de aquisição dos saberes específicos da docência e de constituição da
identidade do professor e, por outro, compromete a formação do pedagogo escolar,
realizada atualmente de maneira aligeirada e superficial nos cursos de Pedagogia, por
meio de um restrito conjunto de disciplinas.
As questões evidenciadas pela análise das matrizes curriculares dos cursos de
Pedagogia corroboram com resultados de pesquisas na área, principalmente no que se
refere à indefinição do campo pedagógico, a dispersão do objeto da pedagogia e a
redução do campo da pedagogia à docência, na medida em que há um alargamento do
conceito de Didática. Consequentemente, os cursos de Pedagogia, em sua maioria, não
estão formando, de maneira satisfatória, o pedagogo e nem tampouco o professor para a
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educação infantil e os anos iniciais da educação básica (PIMENTA; FUSARI, 2014). A
estas constatações adicionamos a diversidade e nomenclatura de disciplinas e
especificadas nas matrizes curriculares, muitas ―sem aderência e conexão com a
docência polivalente dos anos iniciais da educação básica refletindo a dispersão, o
campo amplo e impreciso do perfil do egresso definido pelas DCN dos cursos de
Pedagogia‖ (GOMES; LIMA, 2015, p. 13224).
A diversidade de nomenclatura das disciplinas relacionadas à Didática,
explicitadas nas matrizes curriculares analisadas, apontam para a necessidade e
relevância de novos estudos e pesquisas, considerando-se o lugar (ou não) da Didática
nos Cursos de Pedagogia.
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Nota: Esta pesquisa coletiva foi coordenada pela Profa. Dra Selma G. Pimenta e pelo
Prof. Dr. José C Fusari - financiada pelo CNPq, Processo 401675/2011-4, Edital nº
7/2011, com a participação dos pesquisadores, integrantes do Grupo de Estudos e
Pesquisas sobre a Formação de Educadores (GEPEFE/FE-USP): Isaneide Domingues,
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Lenilda R Albuquerque, Ligia P Couto, Marineide O Gomes, Noeli P P Rivas, Simone
R Batista, Valéria C F Belletati, Vanda M M Lima, Yoshie U F Leite, e Cristina C A
Pedroso e Umberto A Pinto como coordenadores executivos da pesquisa. Na coleta de
dados tivemos a colaboração de Idevaldo da S Bodião, Karina de M. Conte, Maria
Marina D. Cavalcante e Naldeli Fontes.
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