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RECOMENDAÇÕES DE SUSTENTABILIDADE PARA HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: REFERENCIAL TEÓRICO, QUESTIONÁRIO E AVALIAÇÃO DO RESIDENCIAL BARREIROS, VITÓRIA (ES, BRASIL) Márcia Bissoli (1); João L. Calmon (2); Karla Caser (3) (1) Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil – Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil – e-mail: [email protected] (2) Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil – Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil – e-mail: [email protected] (3) Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo, Brasil – e-mail: [email protected]/ [email protected] RESUMO Proposta: Esse trabalho contempla a identificação, análise, categorização e proposição de critérios para a avaliação de sustentabilidade de edificações de interesse social. A metodologia teve como base a pesquisa bibliográfica, abordando diferentes pesquisadores do Brasil e alguns critérios do LEED’s. Com esse referencial teórico, foi montado um questionário, aqui apresentado juntamente com os resultados alcançados na sua aplicação no Parque Residencial Barreiros, Vitória (ES, Brasil). Em consonância com o questionário, os resultados obtidos nas entrevistas são apresentados de acordo com os agrupamentos temáticos. Nesse artigo são apresentados os aspectos da moradia, destacando algumas verbalizações dos entrevistados. Os resultados fundamentam uma “lista” de recomendações para contribuir com a implementação de ações de avaliação da sustentabilidade de edificações, em especial, projetos residenciais de interesse social. Palavras-chave: habitação social, diretrizes de sustentabilidade, arquitetura sustentável. ABSTRACT Proposal: This research involves the identification, analysis, categorization and proposal of a set of criteria to evaluate the sustainability of buildings. The methodology involved a literature review to identify LEED´s criteria and others developed by Brazilian researchers. This review informed the development of questionnaire, which was applied in the Residential Barreiros in Vitória (ES, Brazil). The results of the interviews are presented according to the questionnaire’s themes. In this paper, the theme related to the building aspects is presented, including some of the residents’ verbalizations. The results inform the development of a list of recommendations, which aims to help the implementation of actions to evaluate the sustainability of buildings, especially social housing projects. Keywords: Social housing, sustainability guidelines, sustainable architecture 1 INTRODUÇÃO A relação entre a construção e a natureza em regiões de Terceiro Mundo, principalmente em áreas que apresentam frágeis ecossistemas, proporcionam efeitos negativos na paisagem imediata, como no solo, na vegetação, no microclima, no sistema de drenagem natural, no modo de vida, na qualidade do ar, entre outros. Além disso, esses efeitos também se mostram nas exigências biológicas dos ocupantes - acústica, luminosidade, temperatura, água, energia, etc (CURIEL-CARIAS, 2005). - 422 -

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RECOMENDAÇÕES DE SUSTENTABILIDADE PARA HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: REFERENCIAL TEÓRICO,

QUESTIONÁRIO E AVALIAÇÃO DO RESIDENCIAL BARREIROS, VITÓRIA (ES, BRASIL)

Márcia Bissoli (1); João L. Calmon (2); Karla Caser (3)

(1) Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil – Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil – e-mail: [email protected]

(2) Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil – Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil – e-mail: [email protected]

(3) Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo, Brasil – e-mail: [email protected]/ [email protected]

RESUMO

Proposta: Esse trabalho contempla a identificação, análise, categorização e proposição de critérios para a avaliação de sustentabilidade de edificações de interesse social. A metodologia teve como base a pesquisa bibliográfica, abordando diferentes pesquisadores do Brasil e alguns critérios do LEED’s. Com esse referencial teórico, foi montado um questionário, aqui apresentado juntamente com os resultados alcançados na sua aplicação no Parque Residencial Barreiros, Vitória (ES, Brasil). Em consonância com o questionário, os resultados obtidos nas entrevistas são apresentados de acordo com os agrupamentos temáticos. Nesse artigo são apresentados os aspectos da moradia, destacando algumas verbalizações dos entrevistados. Os resultados fundamentam uma “lista” de recomendações para contribuir com a implementação de ações de avaliação da sustentabilidade de edificações, em especial, projetos residenciais de interesse social.

Palavras-chave: habitação social, diretrizes de sustentabilidade, arquitetura sustentável.

ABSTRACT

Proposal: This research involves the identification, analysis, categorization and proposal of a set of criteria to evaluate the sustainability of buildings. The methodology involved a literature review to identify LEED´s criteria and others developed by Brazilian researchers. This review informed the development of questionnaire, which was applied in the Residential Barreiros in Vitória (ES, Brazil). The results of the interviews are presented according to the questionnaire’s themes. In this paper, the theme related to the building aspects is presented, including some of the residents’ verbalizations. The results inform the development of a list of recommendations, which aims to help the implementation of actions to evaluate the sustainability of buildings, especially social housing projects.

Keywords: Social housing, sustainability guidelines, sustainable architecture

1 INTRODUÇÃO

A relação entre a construção e a natureza em regiões de Terceiro Mundo, principalmente em áreas que apresentam frágeis ecossistemas, proporcionam efeitos negativos na paisagem imediata, como no solo, na vegetação, no microclima, no sistema de drenagem natural, no modo de vida, na qualidade do ar, entre outros. Além disso, esses efeitos também se mostram nas exigências biológicas dos ocupantes - acústica, luminosidade, temperatura, água, energia, etc (CURIEL-CARIAS, 2005).

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No âmbito de uma sociedade caracterizada pela adoção de um modelo econômico e ambiental insustentável, a indústria da construção civil é uma das maiores responsáveis pelos impactos ambientais. O capital ambiental investido em todo o mundo, para erguer seus edifícios absorve 50% dos recursos mundiais (EDWARDS, 2004). A otimização do ambiente construído com o emprego de volumes inferiores de recursos naturais é hoje, o maior desafio da construção civil. Esse desafio torna-se mais complexo nos países não desenvolvidos, onde o déficit habitacional e o volume de bens a serem construídos são maiores que nos países de economia avançada.

A construção civil começa a adotar uma postura comprometida com a qualidade de vida e com a dedicação à questão ambiental, entendida mais amplamente como desenvolvimento sustentável. Sachs (1993) entende que o desenvolvimento sustentável da sociedade deva acatar cinco dimensões: social, econômica, ecológica, espacial e cultural. Basear-se em tais dimensões para projetos de habitações, sempre considerando um padrão sustentável, deve, segundo Sattler (2002), apreciar não somente a moradia - como unidade -, mas o conjunto onde tal unidade se insere, além das relações estabelecidas entre essa unidade e o meio ambiente.

Para Bill Dunster, é necessário assegurar que os recursos sejam produzidos localmente, que o uso de veículos particulares seja minimizado, e, sobretudo, que se aprenda a dividir as coisas, contribuindo, com isso, para a redução da poluição do ar, melhoria da saúde, diminuição da miséria social, congestionamentos e conseqüente promoção da qualidade de vida (apud GURFINKEL, 2006). De acordo com John (2000), a opção por materiais reciclados, a especificação de equipamentos que viabilizem o uso racional da água e da energia, bem como a adoção de soluções arquitetônicas que otimizem o aproveitamento da iluminação e ventilação naturais são algumas das alternativas que contribuirão para a viabilidade da construção civil do futuro.

2 ASPECTOS RELEVANTES À MORADIA SUSTENTÁVEL

Em relação à construção civil, o modelo de desenvolvimento “tem promovido a transformação das cidades em verdadeiras selvas de pedra e metal, que são construídas para dar lugar aos aparatos tecnológicos criados pelo progresso, mais do que aos seres humanos e ao seu convívio” (COLOMBO, 2006, p. 3583). Cada vez mais, fatores como migrações, comunicação entre as sociedades, ampliação do mercado tecnológico e descobertas de novos materiais têm contribuído para que, o ato de construir se distancie do ambiente natural (DUMKE, 2002). Para Yeang (1999), nenhuma parte da terra pode ser considerada totalmente natural. Para o autor, em todas as partes se tem produzido alguma modificação humana do meio ambiente, como, por exemplo, a contaminação do ar devido à precipitação química. Para buscar outros rumos, frente à realidade destacada, os caminhos da sustentabilidade vêm destacando-se.

A idéia da sustentabilidade “vem, em parte, da conscientização humana da finitude dos recursos oferecidos pela natureza (mineral, vegetal e animal) ao longo do tempo” (COLOMBO, 2006, p. 3585). Para o autor, não tem o significado de não tocar na natureza, mas de usar os recursos naturais sem destruí-los, não ultrapassando sua capacidade de recuperação (o que chama de resiliência), sem também, excluir as possibilidades de seu uso pelas gerações futuras.

Quanto aos aspectos ambientais do desenvolvimento de um sistema construtivo, Krüger aponta para a necessidade de se observar que, “o ato de construir constitui basicamente uma intervenção no meio ambiente, na qual não apenas o local onde se constrói é irreparavelmente modificado, como também um grande número de recursos naturais é despendido para este fim” (KRÜGER, 2003, p. 2). Para Freitas (2001) o ato de construir, geralmente, provoca modificações no terreno, na paisagem local, além de causar alterações no ambiente e na região do entorno. Além disso, requer o uso de diversos materiais e componentes construtivos, consome energia, gera poeira, gera resíduo (em especial, entulhos) e ruídos durante as obras. Na fase de ocupação, passa a gerar novos e constantes resíduos (como, por exemplo, esgoto e lixo). Além disso, utiliza água tratada e energia elétrica para os mais diversos fins, como por exemplo, na iluminação artificial, no uso de eletro-eletrônicos, incluindo-se aí alguns voltados a suprir deficiências da própria habitação no que diz respeito a seu desempenho

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térmico, como os condicionadores de ar. Assim, uma habitação sustentável “implica na melhoria da qualidade de vida dos residentes através do uso adequado dos recursos naturais e uma abordagem de projeto que respeite as características contextuais e as necessidades humanas” (REIS, 2002, p. 1105).

Para Yeang, as decisões de projeto devem se basear nos critérios relacionados às questões ambientais. As “decisões de projeto e planejamento que se adotam no momento presente não só têm um efeito imediato sobre a sociedade, como também podem influenciar na qualidade ambiental que se deseja para as gerações futuras” (YEANG, 1999, p.2, tradução nossa). Para a construção de moradias para a população de baixa renda, “além dos aspectos de custo, ou seja, de ordem econômica, devem ser considerados aspectos de ordem ambiental e social” (KRÜGER, 2003, p. 2).

3 OBJETIVO

O objetivo deste artigo é apresentar recomendações relacionadas à moradia, com ênfase para a habitação de interesse social, que direciona a uma melhor qualidade de vida voltada à preservação e valorização constante dos recursos naturais, atribuindo a ela valores ambientais, com ênfase à sustentabilidade.

4 METODOLOGIA

Através da pesquisa bibliográfica, foi feita uma revisão de critérios para a avaliação de sustentabilidade de edificações, que contribuiu para a elaboração do questionário usado na coleta de dados e ainda auxiliou na interpretação dos resultados. A coleta de dados foi aqui empregada através de uma entrevista estruturada, aplicada em 80% das unidades habitacionais, tendo como ferramenta um questionário, com 84 perguntas. Para a escolha dos entrevistados, primeiramente, foi realizado um sorteio e no momento da entrevista era escolhido o morador que recebia o entrevistador e que tivesse idade superior a 17 anos. A participação do morador foi fundamental para obter suas percepções da realidade. As verbalizações foram transcritas tais como a fala do entrevistado, em sua linguagem coloquial, mesmo com erros ortográficos e gramaticais. Os dados coletados foram analisados quantitativa e qualitativamente, caracterizando-se, assim, como uma abordagem mista. A primeira se justifica pela necessidade em traduzir em números, opiniões e informações que foram levantadas para que pudessem facilitar as análises. Não foram usados cálculos estatísticos, somente a contagem dos resultados. A segunda contribuiu para o registro das verbalizações de fonte direta, complementando, assim, a primeira.

5 DESCRIÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO

Para entender a realidade ambiental de uma cidade, é preciso recorrer às suas origens. Vitória, a capital do Espírito Santo, é a terceira mais antiga capital do País, fundada em 08 de setembro de 1551. Está situada à latitude Sul 20º 19' 10'' e longitude Oeste de Greenwich 40° 20' 16''. A sede do município está localizada em uma ilha de 88,77 km2. Com uma ocupação iniciada há mais de 450 anos, chegou a meados do século XX apresentando raros locais apropriados para assentamentos. Os aterros realizados para ampliar a faixa territorial beneficiaram quase que exclusivamente, uma fatia da população que podia pagar o preço da benfeitoria. Aos moradores carentes, que migraram para a capital, restaram os manguezais e encostas próximas às regiões urbanas já consolidadas.

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(a) (b) (c)

Figura 1 – Esquema gráfico de localização do município de Vitória (c), em relação ao Brasil (a) e ao Estado do Espírito Santo (b). Fonte: MARTINUZZO, 2002, p. 18.

Com a intensificação dos fluxos migratórios nas décadas de 1960 e 1970, começaram a surgir problemas relacionados com a demanda pela habitação e os projetos e processos construtivos não acompanharam o crescimento e a ocupação irregular (MARTINUZZO, 2002). Em 1996, a Prefeitura Municipal de Vitória (PMV) lança o Programa Integrado de Desenvolvimento Social, Urbano e de Preservação Ambiental em Áreas Ocupadas por População de Baixa Renda, conhecido como “Projeto Terra”. Esse tem como intuito incluir as regiões de pobreza no cenário da cidade, dentro de um cotidiano de direitos, cidadania e conquistas das demais partes do município.

As regiões a receberem melhorias para transformação social, econômica, urbanística, cultural e ambiental foram mapeadas, originando 15 áreas denominadas poligonais. Na área de manguezal da Poligonal 11, região onde se localiza o Parque Residencial Barreiros – objeto de estudo – a invasão foi iniciada em meados da década de 1960, o que resultou em um aglomerado de moradias em condições precárias ao longo do canal, como mostra a figura 2 (VITÓRIA, 1997). Em 1999 iniciou-se o cadastramento das famílias a serem reassentadas, etapa da pré-urbanização, onde foram priorizadas famílias com renda mensal de 0 a 3 salários mínimos.

(a) (b) (c)

Figura 2 – Moradias originais no mangue, antes do processo de intervenção proposto pelo Projeto Terra. Imagens: MARTINUZZO, 2002, p. 25.

No terreno de 7.440,30 m², destinado ao loteamento das famílias, foram construídas 70 unidades habitacionais, em lotes de área aproximada de 49,5 m². As novas habitações (figura 3) ficaram distantes aproximadamente 600 metros da área de remoção, enquadrando-se dentro dos principais objetivos do Programa Habitar – Brasil/BID1, que é promover a qualidade de vida das famílias, fixando-as dentro da região de intervenção. No início de 2002, todas as famílias já estavam assentadas na nova área urbanizada, guiados por ações educativas de relocação e inserção na nova realidade,

1 O Programa Habitar – Brasil/ BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento - tem como órgão gestor o Ministério das Cidades. Objetiva incentivar a geração de renda e o desenvolvimento em assentamentos de risco ou favelas, promovendo melhorias nas condições habitacionais, construindo novas moradias, implantando infra-estrutura urbana, saneamento básico e recuperando áreas ambientalmente degradadas. Destina recursos para o fortalecimento institucional dos municípios e para a execução de obras e serviços de infra-estrutura urbana e de ações de intervenção social e ambiental, criando parcerias com municipalidades e órgãos gestores (CIDADES, 2006).

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através do acompanhamento social. A comunidade também vem sendo acompanhada com ações sanitário-ambientais, incentivo à participação comunitária, à geração de renda, orientação de utilização de equipamentos, sendo denominada como a etapa da pós-urbanização.

(a) (b) (c)

Figura 3 – Habitações no Residencial Barreiros.

6 REFERENCIAL TEÓRICO PARA A PESQUISA DE CAMPO

Nos referenciais teóricos aqui usados, foram destacados os principais enfoques e temas abordados por vários trabalhos, correlatos às áreas de conhecimento como habitação de interesse social, arquitetura sustentável e desenvolvimento sustentável.

Para Alvarez (2002, p. 121), o conforto está associado “ao bem-estar nos aspectos térmico, acústico, ergonômico, tátil, psicológico e paisagístico”. Em seus trabalhos enfoca as temáticas: qualidade da habitação, ventilação, conforto térmico, racionalização dos recursos naturais, materiais e escala urbana. Sattler (2002) adota soluções para construções sustentáveis alinhadas com propostas que priorizam o uso de fontes sustentáveis de energia, a gestão de resíduos sólidos e líquidos, o uso de materiais de construção de baixo impacto ambiental, a produção local de alimentos, o uso de paisagismo produtivo, assim como, se volta para as questões sociais e educacionais. De acordo com Corbella e Yannas (2003), a arquitetura sustentável apresenta correlações com o conforto ambiental, buscando bons níveis de conforto térmico, acústico e visual.

Outro referencial adotado foi o método LEED - Leadership in Energy and Environmental Design (USGBC, 2006). O método enfatiza estratégias para o desenvolvimento sustentável local, a economia da água, a eficiência energética, a seleção dos materiais e a qualidade ambiental do ar interno, além de avaliar o edifício (Green Building) através de uma certificação. É um sistema sofisticado para essa pesquisa que envolve habitação de interesse social. Contudo, seus critérios sustentáveis contribuíram para o embasamento teórico. Outro método, também analisado, foi o SAASHA - Sistema de Análise e Avaliação Sócio Humano-Ambiental (SBAZO et al., 2005). Criado por pesquisadores da Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo, baseou-se em sistemas de análise como o L.E.E.D., o H.Q.E. 2 e o B.R.E.E.A.M 3. Além de buscar difundir a prática da arquitetura sustentável, estabelece regras para a construção de edifícios sustentáveis em países em desenvolvimento e de clima tropical, com ênfase ao Brasil, em especial à cidade de São Paulo. Engloba cinco aspectos fundamentais na arquitetura sustentável: ambiental, social, econômico, humano e cultural.

A partir dos agrupamentos referenciais, foi possível criar uma lista de perguntas, as quais foram agrupadas em um questionário, de acordo com conteúdo semelhante, derivando daí, 5 grupos temáticos: 1. Identificação; 2. Relações com a moradia; 3. Conservação e proteção dos recursos naturais; 4. Entorno de uma moradia sustentável; 5. Questões sócio-econômicas e culturais. O enfoque desse artigo dá-se no grupo 2, relações com a moradia. Aqui foram analisados os resultados referentes

2 Haute qualité environnementale 3 Building Research Establishment Environmental Assessment Method

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à participação no processo construtivo, o conforto térmico, lumínico e acústico, além da capacidade funcional da habitação.

7 ANÁLISE DE RESULTADOS

Ao analisar a participação dos entrevistados no processo construtivo, observou-se que, na fase de projeto, as famílias não tiveram envolvimento significativo. Somente 20% dos entrevistados consideraram-se envolvidos de alguma forma. Um exemplo disso foi a realização de algumas alterações projetuais a partir da solicitação dos moradores. De acordo com o entrevistado E-30, “foi

feito um abaixo assinado da laje dos quarto pra tê dois quarto. Só depois de muita briga a gente

conseguiu”. Por outro lado, a grande maioria (80%), afirmou não ter contribuído, de alguma forma, na construção: “Num tinha jeito de mudar isso aqui não, a nossa opinião num ia adiantá, a prefeitura

feiz do jeito deis, e pronto” (E-56). Outro testemunho expõe o anseio em estar contribuindo: “Eles

num perguntaram a opinião da gente não, porque eu tinha um monte de coisa pra pedi, talveis era até

bom né, pra ajuda eis tamém” (E-35).

Já na etapa da construção, todos podiam visitar a obra, mas não podiam participar. Como a casa foi entregue sem piso e sem reboco, estando somente pintada e com piso cimentado, o morador que quisesse poderia executar melhorias, mas somente após a entrega das chaves. O entrevistado E-05, por exemplo, que trabalha com construção civil fez melhorias, antes mesmo de mudar-se. Um fato curioso é que 50% dos entrevistados disseram já ter trabalhado auxiliando na construção de casas de amigos ou parentes, inclusive mulheres, e 66% dos entrevistados, afirmaram que conseguiriam trabalhar com os materiais ali usados. Ressalta-se, nesse item, que, além da vontade em participar, percebeu-se o conhecimento, por parte dos moradores, das técnicas usadas e um possível uso e captação dessa mão-de-obra, cuja qual sobrevive, na sua grande maioria, de pequenos serviços – biscates.

Quanto ao conforto térmico, a maioria das respostas indica que as casas têm uma ventilação regular (43%) e boa (43%). Nos comentários, chamou a atenção, a ênfase dada aos principais locais de ventilação: “Corre mais vento lá nos quarto. Aqui embaixo num corre muito não” (E-26). Devido à configuração das casas, por serem de dois pavimentos, o pavimento superior, onde estão os dois quartos, são os mais ventilados. Quanto à temperatura, por outro lado, os índices se invertem, pois 43% disseram que a casa é quente e 25% afirmaram ser um pouco quente: “a casa é bem fresquinha

aqui em baixo. Eu só subo pra durmi mesmo, porque nu tempo quenti lá em cima é quenti mesmu” (E-25). Como as casas, na sua maior parte, não possuem forro, – somente alguns o executaram –, a temperatura no pavimento superior é mais elevada. No pavimento inferior a laje contribui para um melhor conforto térmico (figura 4).

(a) (b) (c)

Figura 4 – Tetos das casas do Residencial: casa sem forro (a) e casa com forro de PVC (b). Laje pré-moldada, teto do pavimento térreo (c).

Em relação ao conforto lumínico, 75% dos entrevistados afirmaram ter uma boa iluminação natural, não sendo necessário, por exemplo, ter que acender lâmpadas durante o dia. De acordo com o entrevistado E-15: “Embaixo o teto e as parede pintada de branco clarearam mais. Em cima não

clareia tanto, acho que a telha marrom dá uma escapada da iluminação”. Verifica-se aqui, uma

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observação relacionada a um melhor conforto visual, no que diz respeito ao uso de cores claras no ambiente. Também foi feito outro tipo de observação: “agora que a prefeitura colocou o telhado na

área de serviço, o banheiro ficou mais iscuro. A cozinha também ficou, mais ainda dá pra trabalhá,

senão si acendê lâmpada de dia, a conta vem cara” (E-46). A figura 5 mostra a cobertura de 1.50m de largura instalada para proteger a área de serviços. O uso de telhas translúcidas mescladas às de barro, poderia contribuir para um melhor nível de iluminação natural aos ambientes vinculados ao serviço (cozinha e banheiro) durante o dia. Vale destacar que este tipo de intervenção poderia comprometer o conforto térmico. Para tanto, torna-se necessário realizar testes de avaliação com o intuito de medir os possíveis resultados relacionados a esse conforto, para que se possa encontrar a quantidade ideal de telhas translúcidas, visto que estas poderiam favorecer o conforto lumínico. Outra medida seria aumentar o tamanho das janelas da cozinha e do banheiro.

(a) (b)

Figura 5 – Cobertura área de serviços.

A satisfação com o conforto acústico apresenta os seguintes resultados: foram apontados como principais incômodos barulhos oriundos do vizinho (36 entrevistados) e de bares instalados irregularmente no conjunto (15 entrevistados). Dentre os respondentes, 52% afirmaram que, mesmo estando com janelas e portas fechadas, o barulho continua a incomodar. De acordo com o entrevistado E-02, “o problema é parede-meia com a outra casa”. Apontam o fato das casas geminadas serem o maior problema pela propagação do som. Observou-se, no entanto, que no projeto original constavam paredes duplas, que não foram efetivamente construídas. Como as paredes não têm reboco e a habitação não tem forro, isso também contribui para a propagação do ruído. O entrevistado E-01 relatou que conseguiu melhoras significativas em relação à acústica, ao rebocar as paredes internas (figura 6). Já o entrevistado E-36 afirma que tem pouca privacidade dentro da própria casa e que no pavimento térreo, tem mais de liberdade para conversar, por exemplo. Observa-se, novamente, que a laje do pavimento inferior (teto), contribui com um melhor conforto acústico. Ao serem questionados sobre possíveis melhorias, dentre os anseios de colocar piso, grade, aumentar o tamanho da casa, destaca-se o desejo por rebocar as paredes e forrar o telhado, ambos relacionados a uma melhoria desse item analisado.

Por fim, analisando a capacidade funcional da habitação, foi verificada a percepção do morador em relação às dimensões da moradia. Por exemplo, ao analisar os espaços de circulação, 21% dos respondentes consideram ruins e 30% regulares. Em geral, o maior problema percebido foi em relação à dimensão da cozinha e do banheiro. Para 49% dos entrevistados os espaços são bons. Foi observado que, muitos entrevistados promoveram melhorias na sua moradia, sempre visando uma melhor funcionalidade e conforto para suas famílias, através de obras como pavimentação de áreas externas, construção do muro frontal, execução do reboco, colocação de piso e azulejo, etc. Verificou-se que, alguns moradores aproveitaram restos de materiais de construção para o acabamento das suas casas. Exemplo disso é o entrevistado E-17 que aproveitou restos de cerâmica da empresa de construção civil em que trabalhou (figura 6). Percebe-se a necessidade de aprimorar os esforços e investimentos nos aspectos referentes à educação ambiental, visto, por exemplo, que o incentivo ao aproveitamento de materiais descartados pela construção civil pode significar economia para o

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morador, contribuição para a redução de áreas de deposição, economia de energia, redução da dispersão de CO2, sendo também um importante indicador de sustentabilidade. No entanto, esse mesmo morador pavimentou toda a área externa, provavelmente por desconhecimento de que a falta de áreas permeáveis pode contribuir para futuros problemas em relação à drenagem natural do solo. Em outras moradias também foi usado esse tipo de material.

(a) (b)

Figura 6 – Intervenções na moradia: paredes e teto rebocados e pintados (a); Aproveitamento de restos de materiais (b).

Em relação ao conhecimento do termo sustentabilidade, 25% dos entrevistados afirmaram já ter ouvido falar. Percebeu-se que, as propagandas sobre o assunto que percorrem a mídia, contribuem para a divulgação do termo. Contudo, não compreendem o que significa, como colocado pelo entrevistado E-39:”ouvi fala sim, mais ainda num intendi direito o que que é”. Constata-se que, já é um primeiro passo para a inserção desse novo conceito no cotidiano das pessoas.

Em geral, nas habitações analisadas, foram identificadas pequenas iniciativas relacionadas às práticas sustentáveis. Ao fazerem uso de restos de materiais de construção, por exemplo, contribuem para a redução das áreas de deposição desse tipo de material e promovem a divulgação de uma prática simples, barata e ambientalmente correta. Outras iniciativas apontadas mostram a preocupação do morador com a melhoria do conforto térmico e acústico de sua moradia (como reboco nas paredes, execução de forro no pavimento superior), sempre visando uma melhor qualidade de vida. Os agentes públicos têm mostrado envolvimento através de palestras e orientações, mas ainda de uma forma discreta e não estão direcionados por iniciativas sustentáveis.

Acredita-se que, para que transformações ocorram, é preciso divulgar as técnicas, os materiais, as práticas e as ações sustentáveis, pertinentes a uma arquitetura considerada ambientalmente correta. É também plausível o ato de reforçar e destacar a importância de iniciativas já praticadas pelos moradores. Sendo ações promovidas conscientemente, podem gerar o conhecimento e a divulgação de práticas voltadas a uma arquitetura sustentável. As mudanças de comportamento dos usuários frente a esse novo conceito podem contribuir para decisões corretas e que agridam, cada vez menos, o meio ambiente.

8 COMENTÁRIOS FINAIS

Este trabalho é uma coletânea de referências voltadas à sustentabilidade de uma habitação sustentável, juntamente com uma pesquisa de campo. Os resultados obtidos permitem concluir e sustentam a idéia de que se faz necessário, cada vez mais, a participação de agentes públicos e, principalmente, o envolvimento da sociedade em geral, em ações e políticas para implementar a construção sustentável.

Faz-se necessário, ainda, transpor para a realidade local ações que estejam voltadas à sustentabilidade, de modo a melhorar, ainda mais, a qualidade de vida local, não esquecendo dos fatores ambientais. São apresentadas algumas recomendações, que se voltam à melhoria

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da qualidade de vida dos moradores, relacionado a uma moradia voltada aos princípios da sustentabilidade.

� Envolver, cada vez mais, os moradores na tomada de decisões locais;

� Treinar e capacitar os moradores para desenvolver melhorias e realizar manutenção nas residências e áreas adjacentes inserindo-os aos conhecimentos de técnicas sustentáveis;

� Incentivar, por meio de parcerias com empresas e construtoras, a colocação de forro para melhoria do conforto térmico e acústico;

� Incentivar, por meio de parcerias com empresas e construtoras, a execução do reboco nas paredes para melhoria do conforto acústico;

� Orientar aos moradores sobre a necessidade de garantir permeabilidade no terreno, proibindo a pavimentação em 100% das áreas internas do lote;

� Incentivar o uso de materiais recicláveis e reaproveitáveis nos acabamentos a serem executados.

Percebeu-se, de uma maneira geral, que a vida dos residentes melhorou após a mudança para Barreiros. Faz-se necessário, ainda, transpor para a realidade local ações que estejam voltadas à sustentabilidade, de modo a melhorar a qualidade de vida local, não esquecendo dos fatores ambientais. Para tanto, o desenvolvimento dessa pesquisa tem como intuito fornecer subsídio para tais transformações, onde o resultado final apresenta uma lista de recomendações para ações pertinentes à realidade local, enfocando não só a moradia, como todo seu entorno.

9 REFERÊNCIAS

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10 AGRADECIMENTOS:

À Facitec/PMV (Fundo de Apoio à Ciência e Tecnologia do Município de Vitória) pelo auxílio na forma de bolsa de mestrado, ao PPGEC (Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil), ao CEFETES (Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo) e, em especial, aos moradores do Parque Residencial Barreiros.

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