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RECICLA ILHA: UMA PROPOSTA DE GESTÃO PARA OS RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS EM ILHA GRANDE/RJ ALEXANDER JOSEF SÁ TOBIAS DA COSTA 1 CLARICE SILVA LIMA 2 Resumo: O presente trabalho teve o objetivo de buscar caminhos a uma possível gestão territorial, visando reduzir os impactos sucedidos pelos resíduos sólidos urbanos e seu descarte inadequado; tendo a área insular de Ilha Grande, pertencente ao município de Angra dos Reis (RJ), como local de estudo. A princípio foi observado não haver, nessa localidade, qualquer referência a um sistema público (efetivamente implantado) de manejo e gestão do lixo ali produzido, principalmente, no que se refere aos recicláveis. Assim, por meio de levantamento e análise de dados, na cidade de Angra dos Reis e em Ilha Grande, realizou-se uma intervenção-ação participante, em Ilha Grande, com uso de cartilhas socioeducativas sobre os resíduos e com a implementação do Projeto Recicla Ilha; estando o Projeto voltado para o recebimento dos materiais recicláveis gerados na Ilha, tanto por moradores quanto por pousadas. Palavras-chave: resíduos sólidos urbanos; gestão territorial; pesquisa-ação participante. Abstract: The present work had the objective of finding ways to a possible territorial management, aiming to reduce the impacts of solid urban waste and its inadequate disposal; having the island area of Ilha Grande, belonging to the municipality of Angra dos Reis (RJ), as a place of study. At first, it was observed that there was no reference to a public (effectively implemented) system of management and management of the waste produced there, especially with regard to recyclables. Thus, through a survey and data analysis, in the city of Angra dos Reis and Ilha Grande, a participatory action intervention was carried out in Ilha Grande, with the use of socio-educational leaflets on the residues and with the implementation of the Recicla Project Island; and the Project is aimed at receiving recyclable materials generated on the Island, both by residents and inns. Key-words: urban solid waste; territorial management; participatory action research. 1 Introdução Sabe-se que com o estímulo à sociedade do consumo, implantada pelo sistema capitalista, há um aumento desenfreado da aquisição e do descarte de resíduos sólidos urbanos (RSU), resíduos que normalmente possuem utilidades e que são desperdiçados, acarretando o desaproveitamento de recursos naturais finitos e, principalmente, impacto ao meio ambiente com a sua disposição inadequada. 1 Docente do programa de pós-graduação em Geografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. E-mail de contato: [email protected] 2 Acadêmico do programa de pós-graduação em Geografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. E-mail de contato: [email protected]

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RECICLA ILHA: UMA PROPOSTA DE GESTÃO PARA OS RESÍDUOS

SÓLIDOS URBANOS EM ILHA GRANDE/RJ

ALEXANDER JOSEF SÁ TOBIAS DA COSTA1

CLARICE SILVA LIMA2

Resumo: O presente trabalho teve o objetivo de buscar caminhos a uma possível gestão territorial, visando reduzir os impactos sucedidos pelos resíduos sólidos urbanos e seu descarte inadequado; tendo a área insular de Ilha Grande, pertencente ao município de Angra dos Reis (RJ), como local de estudo. A princípio foi observado não haver, nessa localidade, qualquer referência a um sistema público (efetivamente implantado) de manejo e gestão do lixo ali produzido, principalmente, no que se refere aos recicláveis. Assim, por meio de levantamento e análise de dados, na cidade de Angra dos Reis e em Ilha Grande, realizou-se uma intervenção-ação participante, em Ilha Grande, com uso de cartilhas socioeducativas sobre os resíduos e com a implementação do Projeto Recicla Ilha; estando o Projeto voltado para o recebimento dos materiais recicláveis gerados na Ilha, tanto por moradores quanto por pousadas. Palavras-chave: resíduos sólidos urbanos; gestão territorial; pesquisa-ação participante.

Abstract: The present work had the objective of finding ways to a possible territorial management, aiming to reduce the impacts of solid urban waste and its inadequate disposal; having the island area of Ilha Grande, belonging to the municipality of Angra dos Reis (RJ), as a place of study. At first, it was observed that there was no reference to a public (effectively implemented) system of management and management of the waste produced there, especially with regard to recyclables. Thus, through a survey and data analysis, in the city of Angra dos Reis and Ilha Grande, a participatory action intervention was carried out in Ilha Grande, with the use of socio-educational leaflets on the residues and with the implementation of the Recicla Project Island; and the Project is aimed at receiving recyclable materials generated on the Island, both by residents and inns. Key-words: urban solid waste; territorial management; participatory action research.

1 – Introdução

Sabe-se que com o estímulo à sociedade do consumo, implantada pelo sistema

capitalista, há um aumento desenfreado da aquisição e do descarte de resíduos

sólidos urbanos (RSU), resíduos que normalmente possuem utilidades e que são

desperdiçados, acarretando o desaproveitamento de recursos naturais finitos e,

principalmente, impacto ao meio ambiente com a sua disposição inadequada.

1 Docente do programa de pós-graduação em Geografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. E-mail de contato: [email protected] 2 Acadêmico do programa de pós-graduação em Geografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. E-mail de contato: [email protected]

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Lima (2015, p.13), expõe sobre a consequência desse impacto, causado pelos

resíduos, ao meio ambiente:

“O impacto ambiental, causado pela disposição inadequada de

resíduos no meio ambiente, resulta em fatores negativos e restritivos para o desenvolvimento de uma área, pois reduz a qualidade de vida e tem efeitos sobre a saúde, a economia e o meio natural. O gerenciamento de resíduos urbanos, com o emprego da coleta seletiva, torna-se uma poderosa ferramenta para a preservação ambiental sustentável, pois engloba técnicas de redução, reciclagem e reutilização desses resíduos e medidas adequadas, desde o acondicionamento até sua disposição final”.

Nessa perspectiva, esta pesquisa objetiva trazer contribuições à área insular

de Ilha Grande, referente ao problema encontrado hoje na localidade, decorrente da

ausência de uma gestão adequada aos RSU e, também, uma possível contribuição

ao Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), já que a área se encontra

inserida em quatro diferentes unidades de conservação (UC).

2 – Caracterização da área de estudo

A Ilha Grande, localizada no litoral sul fluminense na Região da Costa Verde

(Figura 1), circunda o município de Angra dos Reis e de Paraty, apresentando um

relevo coberto por Mata Atlântica e vegetação de afloramento rochoso, sendo

banhada pela Baía da Ilha Grande e pelo Oceano Atlântico (SANTIAGO, 2010).

Figura 1 – Mapa de localização de Ilha Grande. Fonte: O autor, com base Google Earth,

2016.

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Segundo o Instituto Estadual do Ambiente (INEA, 2011), o marco da

colonização é datado a partir do ano de 1502, quando foi enviada pela coroa

portuguesa a primeira expedição exploradora ao Brasil, travando uma luta de

resistência com os Tupinambás contra a colonização portuguesa. A resistência

indígena retardou o processo de colonização por mais de meio século, assim,

somente após o extermínio desse povo da ilha, provavelmente ao final do século XVI,

é que se iniciou o processo de colonização.

Do século XVIII ao século XIX, na ilha, se destacou a presença de inúmeras

fazendas com produção de cana-de-açúcar, cacau e o café. Período marcado por

intensa exploração dos recursos florestais, ocasionando naturalmente na destruição

de grandes áreas verdes. Com o intercâmbio de mercados exteriores, acrescentou-se

a importação de escravos e bens diversos, sobrecarregando ainda mais o solo com a

produção de mercadorias para a exportação, levando a um ciclo erosivo intenso

(OLIVEIRA; NETTO, 2004).

Durante o final do século XIX, as fazendas de café entraram em decadência

devido à diminuição da fertilidade do solo, somando-se a este evento, também, o fim

do tráfego negreiro de forma que, já na metade do século XX, a nova atividade

econômica passa ser a pesca, aliada à presença de três novos tipos de

estabelecimentos: um Lazareto; fábricas de processamento de sardinha; e dois

presídios (OLIVEIRA; NETTO, 2004).

O Lazareto, construído entre 1884 e 1886, tinha como função amparar os

viajantes e imigrantes que se apresentavam em quarentena, por virem de localidades

que estavam sofrendo surtos de cólera-morbo. Funcionou de 1885 a 1913,

contribuindo com a purificação de 3.367 embarcações (MELLO, 1987).

As duas penitenciárias federais, alojadas na Ilha Grande, foram: a Colônia

Agrícola do Distrito Federal, que teve início em 1894, com sede na Vila de Dois Rios,

ficando ativa até 1994, quando foi implodida; e a Colônia Penal Cândido Mendes,

iniciada em 1942 (com a transferência dos presos de Fernando de Noronha), próximo

de Vila do Abraão, demolida em 1963. A penitenciária Cândido Mendes ocupou as

antigas instalações pertencentes ao Lazareto (INEA, 2011).

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Consequentemente, durante o período de desativação do último presídio,

começaram as motivações para a criação do Parque Estadual da Ilha Grande (PEIG),

principalmente devido a construção da estrada BR-101, juntamente com o Projeto

TurisRio, facilitando o acesso à região, estabelecendo normas de ocupação do solo,

desenvolvendo infraestrutura hoteleira e dando suporte ao turismo (INEA, 2011), o

que contribuiu para a criação de inúmeras comunidades e intensificação do turismo.

Hoje, na Ilha Grande, a população se encontra distribuída em vinte e cinco

comunidades (Figura 2), sendo elas: Vila do Abraão, Enseada de Palmas, Pouso,

Ponta de Castelhanos, Vila de Dois Rios, Parnaioca, Vila do Aventureiro, Japariz,

Guaxuma, Provetá, Praia Vermelha, Araçatiba, Longa, Enseada do Sítio Forte, Passa-

Terra, Maguariquessaba, Tapera, Matariz, Bananal, Freguesia de Santana, Enseada

das Estrelas, Saco do Céu, Praia de Fora, Praia da Feiticeira e Praia Preta.

Figura 2 – Localização das principais comunidades. Fonte: O autor, com base Google Earth, 2017.

Segundo o Censo Demográfico de 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE), a ilha abriga uma população fixa de, aproximadamente, 5.000

habitantes, tendo como principais concentrações populacionais: Vila de Abraão, com

cerca de 2.000 habitantes; e Provetá, com aproximadamente 1.000 habitantes.

De acordo com informações cedidas pela subprefeitura de Ilha Grande, no ano

de 2016, algumas dessas comunidades quase dobraram os seus núcleos

populacionais, desde o último censo do IBGE, como é o caso de Vila de Abraão, que

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já conta com cerca de 3.500 moradores; sendo que esse número duplica em épocas

de alta temporada.

Com área de 194 km², a Ilha Grande está inserida em duas Unidades de

Conservação de Uso Sustentável: a Área de Preservação Ambiental dos Tamoios (Rio

de Janeiro, 1986) e a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Aventureiro (Rio

de Janeiro, 2014); e em duas Unidades de Proteção Integral: o Parque Estadual da

Ilha Grande (Rio de Janeiro, 1971, 1978, 2007) e a Reserva Biológica da Praia do Sul

(Rio de Janeiro, 1981).

3 – Realidade dos Resíduos Sólidos urbanos na Ilha Grande

O início da intensificação da produção de resíduos sólidos na Ilha Grande

ocorreu na década de 1990, com a desativação do presídio e a implantação dos

serviços de barcas, ocasionando a instalação de sua população e das atividades

turísticas (SANTIAGO et al., 2009).

No que tange à produção de lixo, em informações também disponibilizadas pela

Prefeitura de Angra dos Reis, segundo as rotas de recolhimento, há uma produção

semanal de 75 toneladas na baixa temporada e 122,5 toneladas no período de alta

temporada.

As comunidades que não possuem seus respectivos nomes nas rotas de

recolhimento, devido à baixa geração de lixo e a proximidade com alguma das

comunidades em que passa o barco coletor, têm que conduzir seus resíduos até a

rota mais aproximada.

Aventureiro, uma das comunidades, por não apresentar dia fixo, devido às

instabilidades do tempo, independentemente da quantidade de lixo produzido, o

Serviço Público de Angra dos Reis informou que são realizadas coletas quinzenais na

baixa temporada e semanais na alta temporada.

Nas quartas-feiras e aos sábados, o barco Capitão Bria realiza em Abraão a

retirada de sucatas. Porém, em outras localidades da Ilha Grande, é possível verificar

a dificuldade da retirada desses materiais de grande porte (geladeiras, máquinas de

lavar roupas, bicicletas, fogões, televisão etc.).

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A empresa encarregada da limpeza e da retirada do lixo em Ilha Grande é a

Vital Engenharia Ambiental, que com o auxílio de barcos faz a coleta nas

comunidades. O material recolhido é encaminhado até o Cais do Carmo, em Angra

dos Reis, sendo transferido para um caminhão que tem por destino o Aterro

Controlado de Ariró, também no município de Angra, sem a adoção de mecanismos

para minimização de impactos ambientais e recuperação de suas frações.

Cada embarcação de coleta deve conter como equipamentos: 50 tambores

metálicos, todos com capacidade de 100 litros; 100 sacos plásticos de 100 litros; 1

rampa ou prancha com borda de 30 cm ou solução alternativa, para evitar a queda de

resíduos durante as operações de embarque e desembarque; e 1 puçá de cabo longo,

para o resgate de resíduos caídos na água.

Todavia, nos trabalhos de campo realizados na Ilha Grande, verificou-se que

os materiais que caem na água, ao ser transferido o lixo para a embarcação, nela

permanece. Observou, ainda, o péssimo estado de grande parte das sacolas que, ao

serem guinchadas durante o processo de transferência para a embarcação, derramam

chorume e/ou rompem-se, deixando o lixo cair no corpo hídrico.

As atividades de limpeza e retirada do lixo da área insular acontecem

normalmente das 7h às 15h, desempenhando-se como funções a coleta, o transporte

a pontos de acúmulo, a varrição das ruas, a capina e roçada de trilhas e caminhos e

o embarque do lixo.

Os moradores e os turistas já vêm demostrando também insatisfação com o

serviço de limpeza e recolhimento do lixo, principalmente em épocas de alta

temporada, como relatado no O Eco – Jornal da Ilha Grande (2016); pelo presidente

do Comitê de Defesa da Ilha Grande, Alexandre Oliveira:

Não raro, há pilhas de lixo nas esquinas do Abraão. Mesmo sem chuva, a coleta tem sido de baixíssimo rendimento. Alexandre lembra que toda essa situação inaceitável ocorre 14 anos após a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) da Ilha Grande, até hoje descumprido. Se as multas aplicáveis ao descumprimento do TAC fossem cobradas, ele observa, chegariam a cerca de R$ 123 milhões (só a prefeitura de Angra ficaria com o encargo de R$ 74 milhões, sendo que pelo plano de resíduos sólidos, chegaria à bagatela de R$ 25 milhões).

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Diante do exposto, uma medida que poderia frear esta realidade insustentável

e degradante seria a adoção de práticas de planejamento e de gestão ambiental

adequadas para a atividade, com políticas públicas em conformidade.

Um planejamento ambiental para os RSU na localidade estudada poderá ajudar

no levantamento de dados sobre a realidade dos resíduos na Ilha Grande, na

percepção de determinadas emergências e no apontamento de novos caminhos

possíveis para uma reestruturação territorial.

No caso do planejamento para os resíduos sólidos, há a necessidade de

conciliação com as ações relacionadas ao processo de educação ambiental,

promovendo o incentivo, a conscientização e a colaboração da população envolvida.

4 – Resultados e discussões

Após o levantamento da situação dos resíduos sólidos na Ilha Grande, através

de trabalhos de campo e pesquisa em materiais arquivados, iniciou-se a pesquisa-

ação participante (PAP). A PAP compreende a vivência no meio estudado, difusão da

educação dos adultos, pesquisa científica e ação política (FALS BORDA, 1977),

trazendo uma abordagem crítica e mais ampla da realidade, interpretando os fatos

obtidos por meio das influências econômicas, políticas e culturais, com o objetivo de

alcançar resultados qualitativos (GIL e NOVAES, 2009).

No final do ano de 2017, começou a intervenção na área insular com a

realização de uma roda de conversa, na comunidade Vila do Abraão, que tive o intuito

de dialogar com a população sobre questão do lixo na localidade. O acontecimento

da roda foi divulgado em diferentes meios (físico e virtual), com a ajuda de panfleto

impresso (Figura 3).

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Figura 3 – Panfleto de divulgação da Roda de conversa Fonte: A autora, 2017.

Figura 4 – Infográfico da intervenção. Fonte: A autora, 2017.

Após a realização da roda de conversa foi divulgado no jornal da Ilha, O Eco –

Jornal da Ilha Grande, o infográfico do projeto (Figura 4) que explica os processos da

ação.

Tanto a roda de conversa quanto o infográfico serviram para a divulgação do

Projeto que viria ser implementado na Ilha, onde foi necessário, também, a elaboração

do Eco Galpão (Figura 5), para armazenar durante a semana os recicláveis recebidos,

e do móvel itinerante (Figura 6), para auxiliar o transporte dos recicláveis recebidos

no ponto até o Eco Galpão.

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Figura 5 – Eco Galpão. Fonte: A Autora, 2017. Figura 6 – Móvel Itinerante.Fonte: A autora, 2018.

Em abril, do ano de 2018, iniciou-se a entrega das cartilhas socioeducativas

(Figura 7), porta a porta, com a explicação aos moradores de como funcionaria o

projeto, quais dias e horários, quais os recicláveis que seriam aceitos no ponto e como

higienizá-los para entregar.

Figura 7 – Cartilha socioeducativa. Fonte: A Autora, 2018.

Ao finalizar a distribuição das cartilhas se inaugurou o ponto de recebimento

dos recicláveis, onde a população teve, desde o início, a opção de doar ou pesar (por

uma balança de precisão) os seus resíduos, os que optam por pesar são agraciados

financeiramente de acordo com o resíduo cedido (pet, lata, sucata, papelão etc.) e a

tabela de preços pré-definida, pois pode oscilar conforme o mercado de compra e

venda, estipulado pela associação de catadores que tem parceria com o projeto.

A associação de catadores é encarregada de retribuir à população pelos seus

resíduos cedidos, em que, a partir do recebimento dos materiais recicláveis no

continente (que se dá todas as quintas feiras), são necessários quinze dias para que

os ilhéus possam trocar os vales recebidos pelos materiais entregues e pesados no

Recicla Ilha por dinheiro. O prazo de quinze dias é necessário, segundo a associação,

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para que se possa comercializar essa mercadoria recebida e ter condições de

repassar parte do lucro obtido à população.

Depois de recebidos no ponto, os materiais são acondicionados em bags por

tipo de material. Quando cheias suas bocas são costuradas (Figura 8) e, em seguida,

marcadas com as letras inicias do Projeto “RI” para serem identificadas pela

associação de catadores ao chegarem no continente.

Figura 8 – Bags prontas, fechadas e marcadas, para irem para o contimente.

Fonte: A autora, 2019.

As bags finalizadas ficam na espera do caminhão de limpeza passar para retirá-

las e levá-las até o cais do Abrãao, onde são transferidas para o barco que irá

transportá-las até o cais de Angra dos Reis, que se trata do mesmo barco que leva o

lixo. Em Angra estas são recebidas pela empresa JN Reciclagem, que está vinculado

ao projeto.

O Projeto faz parte de uma pesquisa de doutorado, tendo sido inserido, desde

junho de 2018, na ONG Brigada Mirim Ecológica da Ilha Grande. Nos seus 1 ano e 1

mês de atuação na Ilha promove a geração de emprego e renda para a cooperativa

de catadores que recebe esse material no continente; já foram recuperadas quase 9

toneladas de recicláveis do lixo que ia parar no aterro controlado de Ariró, em Angra

dos Reis; e houve um retorno financeiro de aproximadamente R$10.700,00 para

população (Gráfico 1).

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Gráfico 1 – Levantamento dos benefícios gerados. Fonte: A autora, 2019.

Todo os resíduos e os rejeito gerados na Ilha eram levados misturados para o

continente, além, da população, por não ter na localidade uma outra forma de

destinação para os recicláveis, não estava habituada a separar os seus resíduos e

perceber que este material presente no lixo doméstico tem um valor.

Assim já podemos notar os benefícios gerados na localidade pelo Projeto e

uma significativa mudança nos hábitos dos cidadãos que vem contribuindo

diariamente com esse, inclusive na motivação de grupos que vem se unindo para

destinar mais resíduos ao Recicla Ilha, com o intuito de gerar benefícios aos

habitantes da Ilha que carecem de auxílio, como é o caso dos frequentadores do

centro espírita Casa de Tiago que convertem o dinheiro recebido no Recicla Ilha em

cestas básicas para serem doadas.

Outro exemplo são os professores da Escola Municipal Brigadeiro Nóbrega,

estes vêm orientando suas turmas do ensino infantil, juntamente com seus pais, em

separar os recicláveis para serem entregues no projeto, assim todo dinheiro adquirido

pelos recicláveis dos alunos é transformado em materiais que são necessários para

as atividades do dia-dia, como cartolinas, giz de cera, lápis de cor, cola, etc.

Um outro avanço percebido com o Projeto é a tomada de iniciativa por

moradores de outras comunidades em que o mesmo ainda não alcançou, como é o

caso da comunidade de Palmas, onde o presidente da associação de moradores

0

500

1000

1500

2000

Relação dos benefícios alcançados: peso x valor/mês

Peso (KG) Valor (R$)

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procurou a Brigada Mirim para saber como desenvolver o projeto na sua localidade,

estando hoje enviando seus recicláveis para continente por conta própria.

5 – Conclusão

Em resumo, o que foi realizado até o momento é essencial para os próximos

passos do Projeto, pois, além das comunidades que já participam do mesmo (Vila do

Abraão, Vila Dois Rios, Longa, Parnaoica e Pouso), espera-se abarcar as outras duas

comunidades que a Brigada Mirim possui atuação (Bananal e Matariz).

Com a prática de separação e de entrega dos resíduos no Recicla Ilha, gerada

inicialmente por anseio a uma recompensa, espera-se que essa atitude se torne um

hábito em seguida, fazendo com que a ação de separar aconteça automaticamente

como tantas outras tarefas realizadas ao longo do dia.

É esperado que o processo seja lento e que necessite de empenho, porém,

com os contatos interpessoais realizados e as parcerias fechadas, tem-se a convicção

que este está no caminho certo.

Referências bibliográficas FALS BORBA, O. Por la praxis: cómo intervenir en la realidad para transformarla. In: Crítica y Política en Ciencias Sociales. Simposio Mundial de Cartagena. Bogotá: Punta de Lanza, 1977. GIL, A. C.; NOVAES, M. B. C. A pesquisa-ação participante como estratégia metodológica para o estudo do empreendimento social em administração de empresas. Revista de Administração Mackenzie, v.10, n.1, p. 134-160, 2009. IBGE. Características da população e dos domicílios: resultado do universo. Brasil, 2010. Disponível em: < http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/caracteristicas_da_populacao/caracteristicas_da_populacao_tab_municipios_zip_xls.shtm >. Acesso em: 14 mar. 2017. INEA. Plano de Manejo do Parque Estadual da Ilha Grande. Rio de Janeiro, 2011. LIMA, C. S. Olhares recicláveis: percepções ambientais sobre políticas púbicas de resíduos sólidos urbanos. Um estudo de caso sobre coleta seletiva nas cidades do Rio de Janeiro (RJ e Curitiba (PR). 2015. 125 f. Dissertação (Mestrado em Geografia)

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– Instituto de Geografia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015. MELLO, C. E. H. V. Apontamentos para Servir à História Fluminense (Ilha Grande) Angra dos Reis. Angra dos Reis: Conselho Municipal de Cultura, 1987. OLIVEIRA, R. R.; NETTO, A. L. C. O rastro do homem na floresta: a construção da paisagem Reserva Biológica da Praia do Sul (Ilha Grande, Rio de Janeiro) a partir de intervenções antrópicas. In: PRADO, R. M. (ed.). Ilha Grande: do Sambaqui ao turismo. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2004. RIO DE JANEIRO. Decreto n.º 15.273, de 28 de junho de 1971. Cria o Parque Estadual da Ilha Grande. Diário Oficial do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1971. _______________. Decreto n.º 2.061, de 25 de agosto de 1978. Dispõe sobre o Parque Estadual da Ilha Grande. Diário Oficial do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1978. _______________. Decreto n° 4.972, de 02 de dezembro de 1981. Cria a Reserva Biológica Estadual da Praia do Sul, na Ilha Grande. Diário Oficial do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1981. _______________. Decreto n° 9.452, de 05 de dezembro de 1986. Dispõe sobre a criação da Área de Proteção Ambiental de Tamoios (APA-TAMOIOS), no Município de Angra dos Reis. Diário Oficial do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1986. _______________. Decreto n° 40.602 de 12 de fevereiro de 2007. Amplia o Parque Estadual da Ilha Grande. Diário Oficial do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007. _______________. Lei nº 6.793, de 28 de maio de 2014. Criação da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Aventureiro na Ilha Grande. Boletim Oficial de Angra dos Reis, 2014. SANTIAGO, A. M. de A. et al. História da Ilha Grande e patrimônio cultural material e imaterial. In: BASTOS, B. e CALLADO, C. H. (org.), O ambiente da ilha. Rio de Janeiro: UERJ/CEADS, 2009, p. 299-370. SANTIAGO, A. M. de A. De “caldeirão do diabo” a “paraíso ecológico”: a conversão da Ilha Grande. Tese (Doutorado em Meio Ambiente) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010. 264 f.