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RECANTO DO PARAÍSO

Recanto do Paraíso foi o título que me veio à mente quando comecei a procurar um pedaço de

terra para plantar. Eu queria meio terreno, mas como recebia um salário mínimo, seria difícil pagar

as parcelas.

Porém, minha filha, teve a seguinte ideia: procurar a PROHAB e me inscrever para o sorteio de

uma casa própria. Fui e me inscrevi como deficiente mental, uma vez que faço tratamento no CAPS.

Nos dois primeiros sorteios eu nada consegui, mas, no terceiro, que ocorreu no Ginásio

Milton Olaio Filho, foi diferente. Eu estava no ginásio e uma amiga me telefonou. Ela disse o

seguinte:

- Neide, você tem uma moedinha de cinco centavos:

Eu respondi que sim e ela completou:

- Então você vai ganhar.

Eu agradeci o apoio e fiquei segurando a moedinha. Quando começou o sorteio pedi silêncio

às pessoas que estavam ao meu redor. E, após chamarem várias pessoas, ouvi:

- Neide Aparecida Cristianini!

Eu pulei do banco e fui correndo gritando, sem largar a moedinha de cinco centavos:

- Eu ganhei! Eu ganhei!

Ao voltar para o meu lugar, vi uma mãe com uma criança no colo e o marido rezando pra

ganhar.

Page 3: RECANTO DO PARAÍSO€¦ · RECANTO DO PARAÍSO Recanto do Paraíso foi o título que me veio à mente quando comecei a procurar um pedaço de terra para plantar. Eu queria meio terreno,

Fiquei emocionada com a cena e perguntei se queriam aquela moedinha. Ao responderem

que sim, joguei-a e o homem a pegou.

E não é que também conseguiram e, para minha surpresa, a família veio me agradecer antes

de ir pegar os documentos. E o curioso é que uma festa começou ao nosso redor. E a moedinha

passou a circular por ali e várias pessoas foram sorteadas. A alegria contagiou aquela parte do

ginásio.

Ao término do sorteio, quando já estava na rua e ia ligar para minhas filhas, um casal de meia

idade se aproximou de mim e a mulher disse:

- Muito obrigada, nós também ganhamos uma casa com a sua moedinha!

Fiquei muito feliz por todos que ganharam. Foi um dia com muita emoção.

***

A entrega das chaves da casa foi num campo vazio, no próprio lugar que iríamos morar, no

Residencial Eduardo Abdelnur, em Abril de 2016. No mesmo dia fui conhecer a minha casa. Além

de ser uma casa grande para mim, ainda tinha terra na frente e atrás.

Agradeci muito a Deus por conseguir uma casa, pagando um valor acessível por mês e ter a

terra que eu tanto queria. E esse pedacinho de chão é o meu Recanto do Paraíso.

E quando minhas irmãs vieram conhecer, junto com meu cunhado e sobrinho, uma disse:

- Nossa Neide, que gostosa que é sua casa! Sinto uma paz aqui!

Eu fiquei até sem jeito e não sabia o que responder.

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Em dois anos na casa, consegui fechar o corredor e cimentei a frente. Murei, fechei a casa com

porta de correr e já cultivo várias espécies de plantas. Comecei com uma muda de limão-cravo que

ganhei do pai das minhas filhas. E, em setembro de 2018, minha filha com minha neta estavam

molhando o pé de limão e não é que a menina viu um pequeno limão? Eu ficava o dia todo

procurando algo e não encontrava. Só via algumas florzinhas. Mas ela, com seus olhos infantis, foi

quem encontrou o primeiro limão.

E como eu gosto de mexer com a terra, já colhi algumas raízes de mandioca e enfeitei meu

jardim com várias mudas de roseira, uma flor pela qual sou apaixonada. Também tenho várias

plantas em vasos. Neles eu planto as sementes e depois faço o replantio na terra.

Em setembro de 2018 a construtora RPS agendou a troca dos pisos que ficaram soltos e

trocaram os azulejos da cozinha.

***

Todos os dias eu almoço em um restaurante popular cujo valor do prato é somente um real. Lá

eu fiz e faço muitas amizades. É a minha segunda família. Não vejo a hora do almoço chegar para

encontrar a minha turma.

E ao lado do restaurante trabalham minhas amigas cabeleireiras e manicures. Todos os dias eu

passo algumas horas com elas e também com uma família que tem uma quitanda. Se eu não

passar para dar um oi e comprar algo o dia não foi perfeito.

Tem sido uma experiência tão boa descer todos os dias para a cidade, almoçar, fazer o que

preciso e voltar para curtir a minha casa, cuidando da terra, da casa e fazendo alguns trabalhos

manuais. Essa rotina me faz sentir leve, tranquila e em paz. Coisas que não sentia antes.

E, à noite, ainda encontro tempo para distrair a mente com alguns joguinhos na internet.

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***

Sinto muito orgulho dos meus belos netos. O Lucas, com seus 15 anos, é um menino maduro,

inteligente, quieto e até me dá conselhos. Com ele troco muitas ideias.

A Lara, sua irmã, tem 3 anos e também é muito inteligente, muito fofa e criativa. Dá nome a

todas as bonecas e inventa brincadeiras novas de repente. E sua prima Sara, outra neta fofa, com

seus 2 anos fala poucas palavras corretas, mas, em compensação, presta muita atenção em tudo

que estamos conversando. No dia 15 de setembro de 2018 foi quando fez seu primeiro cocô no

peniquinho. Eu amo muito essas crianças.

E tem também o meu sobrinho muito especial, o Daniel. Ele, com seus vinte e poucos anos,

sempre me surpreende. Nossas conversas e diálogos parecem acontecer sob encomenda.

Minha família é muito importante para mim. Todos complementam e dão sentido à minha

vida. Apesar de ter sido muito rebelde com os meus pais, hoje tenho que agradecer a Deus por ser

privilegiada e ter essa família maravilhosa.

Eu tenho duas fillhas (a Vanessa e a Tatiana) e três netos (o Lucas, a Lara e a Sara). Também

tenho dois genros excelentes (o Lauriberto Junior e o Weverton) e um sobrinho (o Daniel ), duas

irmãs (a Marlene e a Isabel Cristina) e um cunhado (o Vanderley) .

***

Eu fui desobediente demais e tive muitos problemas e desafios ao longo da minha vida. Na

adolescência eu era muito agressiva com a minha mãe e discutia muito com ela. No meu íntimo,

eu queria dialogar com ela, mas como ela não respondia nada eu gritava. Isso me deixava muito

mal e sei que ela também. Assim, eu passei a ir chorar e aprontar na rua. Eu jogava pedras na

criançada e corria para dentro. E lá ia minha mãe me defender.

Ela me amava do jeito dela, mas, na época, eu não percebia esse amor. Dentro de mim fazia

tanto barulho que eu não conseguia perceber o silêncio da minha mãe.

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Talvez, por isso, eu tinha tanta vontade de ter a minha mãe conversando comigo. Mas ela não

conversava. Quando muito, ela me pedia para conversar com o meu pai. Era para eu falar para ele

mudar de comportamento e ficar mais em casa.

Com o passar dos anos, eu fui ficando mais rude e mais dura com ela. Eu não me conformava

com ela me responsabilizando em corrigir meu pai.

Mas ele era quieto, muito quieto e fazia tudo o que minha mãe pedia. Eu não me conformava

a vendo dando ordens e ele obedecendo. Isso pra mim doía muito.

***

O tempo foi passando e, quando me vi, estava namorando e casei. E mesmo casada, e tendo a

minha casa, eu continuava tendo conflitos com a minha mãe. Ela nunca me elogiava; mas sempre

elogiava o Nivaldo, meu marido e pai das minhas filhas.

Quando nasceu a primeira filha, a Vanessa, eu tive depressão pós-parto, diagnosticada pelo

médico. E tive a minha primeira internação.

Mas não parou por ai. Foram várias crises, uma pior que a outra. Uma foi tão agressiva que

avancei sobre a minha mãe e meu pai teve que socorrer. E elas eram diferentes dentro de mim, só

que eu perguntava à família como tinha sido e eles diziam que eram sempre do mesmo jeito.

E as crises foram se agravando e meu marido se divorciou de mim. E minhas amigas diziam:

- Nossa! Agora ele te abandonou?

E quando fui falar com a minha mãe sobre a necessidade de pedir pensão a ele para criar

minhas filhas, tive uma decepção. Ela me disse:

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- De jeito nenhum você vai pedir pensão.

Com a intensificação das crises cada uma das filhas ia morar com uma avó. Só ao sair da crise,

quando eu parecia estar bêbada, não me lembrando de nada, que eu voltava para nossa casa com

as filhas e pedindo desculpas para todo mundo.

Mas eu não tinha nenhum tipo de salário e me virava fazendo a unha e fazendo cortes simples

de cabelo. E todas as noites, assim que minhas filhas dormiam, eu, como eu era muito católica,

segurava o terço de Nossa Senhora e chorava e pedia para ter o que dar de comer a elas no dia

seguinte. E, de repente, tocava a campainha ou o telefone para eu atender alguém. Eu ficava feliz

com a oportunidade e agradecia tanto, lembrando sempre da oração do Pai Nosso.

E como eu não gostava de passar roupas, eu colocava cinco feijões sobre a mesa

representando o Pai Nosso e outros dez representando a Ave-Maria. Eu ia rezando enquanto

passava a roupa. Nessa época, eu também rezava o Terço com algumas amigas e duas delas me

perguntaram se eu podia passar a roupa delas. Eu contei como eu fazia para conseguir passar

roupa e uma me disse:

- Pois é! Nossa Senhora já estava cuidando para você começar a gostar de passar roupa.

Elas me pagavam com um pouco de alimento cru e algum dinheiro. Eu estava muito feliz até

que veio mais uma crise. Uma que me marcou muito. Eu fiquei tão agressiva que minha família

precisou chamar o médico em casa.

Eu me assustava, porque dentro de mim eu via todos apavorados e assustados comigo, mas,

por fora, eu não conseguia fazer nada. Eu fui levada para o quarto e quando me vi, só consegui

pensar no seguinte: eles vão me prender! Mas eu não conseguia falar nada, apesar de ver tudo o

que se passava. E quando chegou o médico, ele me aplicou uma injeção na veia, o famoso “sossega

leão”.

Enquanto ele aplicava, eu sentia meu corpo amolecendo, mas o cérebro não desligava. Fiquei

muito mais acesa. Foi uma sensação horrível. Em seguida, dei outro escândalo e minha família

começou a rezar o terço para ver se eu melhorava.

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Naquele dia foi preciso chamar o SAMU. Aí vieram dois homens tão fortes e mesmo assim não

conseguiram me segurar. Foi preciso me amarrar. E a internação também foi horrível. Além de me

deixarem amarrada, nas pernas e nos braços, quando me desamarravam para eu tomar banho,

alguém roubava o que eu tinha no bornal que eles me davam. E quando eu ia dormir, tinha que

colocar o chinelo em baixo do travesseiro, senão sumia!

Outra experiência que me marcou foi ser presa em uma sala isolada, com somente uma

janelinha bem pequena na porta para passar a comida. A privada era só um buraco no chão para

as necessidades fisiológicas.

Quando eu melhorava da crise, eu pedia para ligar para a família me buscar. Mesmo assim,

passava sempre mais de um mês internada. E foram várias internações.

***

Quando eu ainda morava na casa de meus pais, eu costumava sair para chorar. Como eu não

queria falar com a minha mãe, eu ia pra casa das minhas amigas ou ficava escrevendo meus

desabafos, porque eu não cabia dentro do meu corpo. Eu escrevia, rasgava e chorava, e ninguém

sabia que isso me aliviava muito.

Numa dessas saídas, vi que perto da nossa casa tinha um sobrado que oferecia várias terapias.

Como o portão estava aberto, entrei pra ver como funcionava. Foi demais! Foi amor à primeira

vista. Passei a frequentar aquele local diariamente.

O trabalho começava às 8 horas com um lanche, um copo de leite. Em seguida, fazia as

terapias com dois psicólogos, uma terapeuta ocupacional e dois psiquiatras. Na hora do almoço,

serviam marmitex e continuava com mais terapias, tanto individual como em grupo. À tarde

recebíamos mais um lanche com um copo de suco e encerrávamos as atividades.

Depois soube que esse local se chamava CAPS - Centro de Atenção Psicossocial. Lá eu me

encontrei e ia diariamente por livre e espontânea vontade. O grupo tinha cerca de nove pessoas.

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Éramos chamados de usuários. Ali se encontravam pessoas com problemas psíquicos e que

usavam álcool e drogas.

Eu gostava de escrever sobre os meus amigos com problemas mais graves e ficava

sensibilizada. Depois eu comecei a escrever sobre a minha vida. Eram tantas as tristezas, mágoas e

emoções que não acabavam mais. E os profissionais vinham falar comigo pra eu parar de escrever

e fazer alguma terapia. Por mim, eu não parava jamais. Eram tantos os assuntos que tinha dentro

de mim que parecia que eu ia explodir. Muitas vezes, ao invés de escrever eu ficava riscando o

papel.

***

Outra crise veio com a minha participação na Igreja Católica. Eu queria tanto fazer a vontade

de Deus que eu participava de seminários de três dias nos fins de semana. E quando a Bíblia era

lida, eu penetrava tanto no assunto que não conseguia voltar a si. O resultado: mais uma

internação.

Eu sempre fiz questão de participar de cabeça e corpo inteiro em tudo o que fazia. Mas,

felizmente, o atendimento no CAPS ajudou a diminuir e acabar com as crises. Participei durante

aproximadamente 12 anos. Passava lá o dia e voltava no fim da tarde para casa.

Como eu me realizava quando vinham alunos de faculdades fazer estágio. Quando não era de

enfermagem era de psicologia ou de terapia ocupacional. Eu ficava fascinada e dava entrevistas e

ainda perguntava sobre os cursos que faziam. Os alunos estudavam o nosso problema e davam, no

final, o retorno de suas pesquisas.

Uma vez por semana se reuniam com as nossas famílias. A reunião servia para informar

como estava nossa situação e perguntar também sobre como nos comportávamos em casa. Mas

eu ficava triste porque minha mãe e minha irmã sempre estavam doentes e não podiam ir às

reuniões.

E nós participávamos também de assembleias semanais para avaliar o CAPS. E como eu

sempre tinha alguma queixa para fazer, se eu não falasse, a responsável ficava olhando para mim

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até eu falar. Porém, se era alguma queixa que poderia prejudicar alguém, eu esperava terminar a

reunião e ia até a sala dela. Eu gostava muito daquele lugar. Como lá me fez muito bem, eu queria

que melhorasse cada vez mais.

O momento mais difícil era quando ia chegando o fim do dia. O CAPS era o meu refúgio e o

apelidei de o “nosso segundo lar”. E como tinha casos bem piores que o meu! Eu ficava

sensibilizada e sentia uma dor na alma por me sentir impotente e não conseguir ajudar meus

amigos. Eu só conseguia desabafar com a diretora, para contar o que ouvia, ou com a minha

terapeuta, um anjo que me ajudou muito com sua delicadeza e meiguice. A diretora sempre me

ouvia com carinho, mas certos casos ela me explicava que não tinha como ajudar. Religião, por

exemplo, era algo que a própria família devia resolver.

Lá eu tive um grande amigo, o meu psicólogo. Ele sempre me escutava com muita sabedoria e

me ensinou muito nas terapias de pinturas e de horta. E uma vez a professora de enfermagem me

convidou junto com um amigo para dar nossos testemunhos na sala de aula, para os seus alunos

do último ano. Ela também foi muito carinhosa comigo. Ela me deu duas panelas bem resistentes,

vindas da cidade dela. Eu as tenho até hoje.

***

Nas rodas de conversa surgiam tantos assuntos tristes. Um pior que o outro. E certa vez eu

disse:

- gente, já é tão doloroso cada caso, que tal “brincarmos de viver” para ficar mais leve nossos

dias?

Até hoje eu faço esse jogo comigo.

Mas era difícil ver aqueles usuários que viviam se dopando de remédios ou que queriam se

suicidar. Era duro para eu aceitar porque eu era muito apegada a cada um. Eu tinha muito afeto

por eles.

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Eu tinha tantas histórias para contar que muitas pessoas me diziam: “por que você não

escreve um livro?”. E eu ficava entusiasmada, pegava um caderno e começava a escrever. Mas

quando acabava o assunto vinha um sentimento de frustração e eu parava.

Mas um dia fomos assistir a uma palestra com o autor de um livro, que agora não lembro o

nome. Conversei com ele sobre minha vontade de escrever um livro sobre a minha vida e como

sobrevivi a tantos sofrimentos de transtorno bipolar afetivo. Eu queria passar esperança para as

pessoas que se achavam no fim do túnel.

Durante uma hora ele me explicou todos os obstáculos que eu teria que enfrentar, mas o

principal seria o dinheiro para editar o livro. Fiquei decepcionada. Mas, assim que fui melhorando,

a pessoa que era responsável pela gente no CAPS me estimulou a entrar no EJA, que era à noite e

perto de casa.

No início do CAPS havia dois seguranças: um chamado Hélio e outro chamado Sebastião. Era

muito divertido conversar com eles. E o Hélio vivia brincando comigo, dizendo:

- Quando você escrever seu livro, eu vou ser seu segurança com muita honra, já tenho até o

turno guardado.

Era um negão que, de longe, quando a gente se via e ele sorria, dava para ver os dentes

brancos brilhando. Os dois eram negões e permitiam que eu os chamasse assim.

E o psiquiatra quando passava perto de mim e eu estava com os meus amigos, falava

brincando:

- Olha que vou mandar aplicar um sossega leão, hein!

A amizade com o psicólogo era tanta que eu dizia para ele: “Ei, você está com a cara suja!”,

quando ele não tinha feito a barba. Que excelente psicólogo e amigo! Eu acabei até conhecendo a

família dele. E o seu filho vinha uma vez por semana nos dar aula de música. Divertíamos muito.

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Também foi um grande amigo o fonoaudiólogo. Ele nos orientava nos desenhos. Certa vez foi

viajar pra conhecer a obra de arte de Van Gogh e me trouxe um chaveiro da Torre Eiffel.

Mas teve uma psicóloga que me assustou muito. Estávamos em grupo de terapia e quando

comecei a desabafar ela me perguntou se era ódio que eu sentia daquela situação. Eu fiquei tão

mal porque ela insistia que eu dissesse que era ódio e eu dizia “nunca senti isso”. Mas eu comecei

a passar mal e travei, não conseguia falar mais nada. E só quando ela me chamou pelo nome eu

voltei a mim mesma.

E eu gostava também de ficar na horta. No CAPS tinha um médico que sempre esperava que

lhe déssemos algo que plantamos para ele levar pra casa. Ele morava em outra cidade.

As atendentes também eram sempre agradáveis e as enfermeiras muito dedicadas.

E uma coisa muito boa que nos aconteceu no CAPS foi quando nos deram uma carteirinha

especial pra andar de graça nos ônibus, E também tinha o restaurante onde comíamos de graça

com essa carteirinha. Então eu passei a almoçar todo dia nele. Mas como era longe, não dava para

ir jantar.

***

E durante o dia passei também a frequentar a UATI. Eu tinha uns quarenta anos, mais ou

menos. Foi então que eu percebi como eu era uma pessoa fechada e chata. Foi muito bom para

mim, pois comecei a me soltar e participava de tudo que me convidavam.

Eu participei da oficina de literatura na qual os alunos (inclusive eu) escreviam alguns textos

que se transformaram em livros. Eu me identifiquei muito nessa aula.

Outra aula que gostei muito foi a de música. Até ganhei de presente um teclado que tanto

sonhava em ter.

E também gostava das outras aulas, das que nos vestíamos de palhaço para fazer

apresentação e as aulas de bordado, pintura, etc.

Page 13: RECANTO DO PARAÍSO€¦ · RECANTO DO PARAÍSO Recanto do Paraíso foi o título que me veio à mente quando comecei a procurar um pedaço de terra para plantar. Eu queria meio terreno,

Mas nem minha mãe e nem meu ex-marido valorizavam a minha vontade de ser uma pessoa

melhor. Ela não me entendia e eu chorava, pedindo a Deus ajuda para que a minha mãe

percebesse a minha melhora. E ele me desprezava, até nos dias em que ia buscar nossas filhas. Ele

nem olhava para o meu rosto.

De alguma forma, eles foram os meus inspiradores. Por mais dificuldades, nunca quis acabar

com a minha vida e nem me revoltei contra eles, e muito menos contra Deus. Ao contrário:

compreendia minhas falhar e me esforçava para melhorar, de um jeito ou de outro.

***

Contarei agora o quanto minha mãe sofria comigo.

Quando eu participava dos encontros religiosos da igreja católica, não gostava de vários

assuntos, então a quem recorria? A minha mãe.

Eu pedia a opinião dela, mas ela dizia: “se você não quer esse grupo, mude para outro”. E eu ia

lá e mudava. E fiz isso por muitas vezes, passando por vários sem nunca me adaptar.

Um vez, do nada, conversando com a minha mãe, eu gritei:

- Eu tenho sede de justiça, de Deus!.

Enquanto isso, minha mãe fazia a comida e nem me olhava, com medo de mim. Ela devia me

ver como um monstro.

E atrás de nossa casa tinha uma igreja evangélica. Fui até lá e conversei com o responsável. Na

hora ele me colocou no coral porque eu havia dito que gostava de cantar. Ele também me deu uma

bíblia (muito linda por sinal), cor-de-rosa.

Fui a vários cultos até me dar conta que não era aquilo que eu queria.

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Participei também dos congressos dos Testemunhas de Jeová. Eram lindos. Organizados em

estádios. Passávamos todo o dia nestes eventos.

E como minha família era bem católica e eu sabia que não acreditavam no espiritismo, eu ia

em segredo em um centro perto de casa para ouvir palestras. Mas depois de algumas semanas não

quis ir mais.

Gradativamente fui me desinteressando das religiões, mas aprendi uma lição: não critico

nenhuma. E se por acaso falarem comigo sobre qualquer uma, eu ouço com muito respeito.

Depois de muito tempo e eu longe de todas elas, um professor espiritualista da universidade

da terceira idade falou: “porque você não experimenta ir no reiki?”. Ele me deu o endereço e

comecei a frequentar uma vez por semana.

Era um pessoal muito simples e humilde. De tão bons que eram, estranhei achando que não

era verdade.

Participei por alguns meses e depois também não quis ir mais. Mas também parei numa boa,

porque lá me fez muito bem.

Inclusive, esse era o único trabalho espiritualista que eu comentava com a minha mãe. E ela

ficava feliz por mim.

E uma situação muito delicada e séria eu vivenciei quando eu morava sozinha com minhas

filhas. Um dia apareceu um senhor para conversar comigo. Ele soube que eu rezava o terço. Entrou

em minha casa e disse:

- Eu vim de longe, mas quando coloquei os pés em São Carlos, minhas dores nas pernas

desapareceram.

Eu ficava entusiasmada com suas histórias e que ele rezava o rosário (que eram 3 terços). E eu

passei a levá-lo nas casas de minhas amigas pra ele puxar o terço. Mas tinha um porém: Eu ainda

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tomava meus remédios pra depressão. E ele dizia que eu seria curada pelas orações. Eu acreditava

e parava com os remédios. E quando eu ficava muito mal, ele sumia.

E novamente sobrava para minha família, principalmente para as minhas filhas, cuidar de

minha recuperação. E era só eu melhorar que ele voltava. E lá íamos novamente para a pregação.

Minha casa havia sido alugada pela minha família e eu peguei o dinheiro e com esse senhor

alugamos uma casa para rezar com as pessoas. Eu estava cega, encantada por ele. E conseguimos

um imóvel, mas minha família não doou nenhum móvel porque não concordava com o que eu

estava fazendo.

Nos primeiros meses eu dormia no chão, em um papelão. Depois alguns vizinhos arrumaram

uma cama para mim. Mas tive outra crise e voltei com o rabinho entre as pernas para minha

família, que me acolheu com muito amor. E, como sempre, o senhor sumiu.

E um dia eu sonhei com esse senhor. E antes mesmo de contar para minha família sobre o

sonho, ela chegou para mim, na hora do almoço e disse:

- Mãe! A vó e a Marle estão assustadas. Aquele senhor esteve lá e perguntou da senhora.

Eu comecei a rir e expliquei o porquê: “Filha! Fique sossegada! Essa noite eu sonhei com ele e

já sei o que vou dizer”.

No dia seguinte a campainha tocou e meu coração acelerou. Pensei: “é ele!”. Eu fui atender e

estava certa. E ao vê-lo eu disse: “Não abro o portão. O senhor fez minha família sofrer muito. Não

quero saber de nada”.

Ele percebeu que não tinha jeito. Apertou a minha mão e se despediu dizendo: “nos veremos

na eternidade”.

Eu continuei com outra mulher rezando o terço. E ela escrevia mensagens de Nossa Senhora.

Eu gostava muito de acompanhá-la, mesmo não vendo nada.

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Um dia ela foi rezar em minha casa com suas crianças. Eu, muito toda feliz, convidei toda a

família e amigos do terço. Eu me compenetrei tanto na oração que dei um grito tão forte que

todos se assustaram e saíram correndo. E novamente sobrou para os meus familiares ter que

cuidar de mim.

E os gastos com remédios? Quando as internações foram diminuindo, minha mãe me disse:

“vamos num médico psiquiatra?”. E eu pensei: “Nossa! Virei bicho”.

Eu me virei para ela e disse:

- eu não sou louca!

Mas os meus pais já tinham levado minhas duas irmãs. Elas também tinham um problema

parecido com o meu, porém, menos grave.

Eu concordei, mas disse:

- Mas diga ao médico para mudar o remédio caso não der certo, porque não quero ficar

dopada!

Eu sempre fui muito elétrica e não sei se foi sorte ou azar, mas falaram para o médico sobre o

minha proposta e ele concordou.

Mas foi aí que começaram os gastos com remédio. Eu tomava um dia e já sentia os efeitos

colaterais. E eu mesma ligava pra falar.

Meu pai ia buscar a receita e então minha mãe dizia: “olha quanto dinheiro com remédio nós

estamos gastando e você não se ajeita com nenhum”.

Demorou muito para acertar, mas, em compensação, agora eu pego no posto de saúde e não

preciso comprar. Eu tomo depakene 500 mg, carbolitium 300, clorazepan gotas, quetiapina 25 e

mirtazapina 20. E isso todas as noites.

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Falando de meu pai, fomos muito amigos. Por eu ser a filha mais velha e ele não ter tido

nenhum menino, ele me levava em todos os lugares que ia. Ao jogo de futebol, na piscina e

também no jogo de bocha. E nas férias ele fazia papagaio que íamos soltar no campinho.

Ele não tinha estudo, mas quando eu estava fazendo a lição da escola ele sentava perto de

mim e apontava o lápis.

Quando comecei a trabalhar, ele descascava laranja para eu não ficar cheirando e também me

ensinou a andar de bicicleta. E quando eu ficava doente, ele ia buscar o padre para me trazer a

comunhão. Com ele tive boas recordações. Para mim, ele foi o máximo.

Quando eu estava melhorando das crises, meu pai adoeceu e veio a falecer. Mas eu ainda não

estava bem e gritei com a minha mãe: “Era para ser a mãe, e não o pai que é meu amigo”.

Mas depois da morte dele, começamos a ficar amigas. Brincávamos que eu tossia igual meu

pai, e nós duas falávamos brincando quando eu tossia: “sobe, Jader!”

E alguns anos depois foi ela que começou a adoecer. Foi ficando acamada e sendo cuidada por

minha irmã Marlene, que morava com ela.

Minha irmã foi uma heroína: trocava fralda, fazia e dava comida, dava os remédios e

chamava o médico. Mas quando minha mãe piorou, minha irmã Cristina também foi ajudar. E

junto com ela meu cunhado Vanderley e minha filha Vanessa. Eu também ajudava.

Mas quando ficou mais grave seu problema, foi precisou interná-la e nos revezávamos para

acompanhar no hospital.

Pouco tempo depois, minha mãe já não conversava mais, só olhava pra nós. E minhas irmãs

ficaram apavoradas ao ver nossa mãe entubada. Eu não entendia como, mas parecia que ela

estava adormecida.

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Quando eu ficava no hospital com a minha mãe, eu conversava assim mesmo com ela. Eu

sempre dizia: “mãe, tá tudo bem viu?” E contava o que cada um tinha feito, principalmente o neto.

Eu via o semblante dela ficando sereno.

Antes dela adoecer, eu ia vê-la todo dia. Ela sempre me acompanhava até o portão e eu dizia:

“Que bom que a senhora não morreu para eu poder dizer que te amo!”.

No velório dela eu não chorei, e ainda comprei um botão de rosa branco pra ir com ela.

***

Eu sempre fui assim: com uma enorme necessidade de cuidar do físico e do espírito. E muito

tempo se passou, das primeiras consultas com o psiquiatra, feitas à contragosto, pois eu não

queria ir, até agora, quando vou com orgulho. Ele sempre me elogia e brinca comigo. Hoje é muito

diferente. É só alegria, mesmo tendo que continuar tomando os remédios porque, segundo o

médico, meu problema é como se fosse uma pressão alta que precisa controlar.

E uma coisa eu constatei. Quando eu morava na edícula de minhas filhas e mudava alguma

coisa de lugar, é porque eu tinha mudado interiormente.

Eu também costumava acordar de madrugada e ficava refletindo. Eu ficava feliz porque todos

iam trabalhar, os genros moravam com as minhas filhas e me orientavam sobre o que queriam

para o almoço, compravam tudo e eu nem precisava lavar a louça porque tinha uma máquina.

***

Eu me lembro de ver minhas filhas crescendo e se casando. Que satisfação pra mim. Mesmo

eu ficando só porque não arranjei outro companheiro.

Vivi com elas muitas emoções. A minha primeira filha, a Vanessa, teve um belo bebê chamado

Lucas. Como foi bonito vê-lo crescer. Quando começou a ir na escolinha, eu ia junto com a minha

filha, levar e buscar.

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Também ia quase todos os dias o assistir na aula de natação. E quando ficou maiorzinho, quis

praticar skate. Então lá fomos nós, junto com ele e o skate. Mas como ele estudava de manhã e o

local da prática era longe, ele acabava dormindo no ônibus até chegar lá.

Também tinha treino de futebol que também precisávamos ir de ônibus.

Ele teve um cachorro grande, bem preto. Meu neto até montava nele e segurando na grade do

portão andava sobre o cachorro. Além deste, tinha outro menor, mas bem peludo e um pássaro,

uma calopsita.

Eu também me divertia quando meu neto e meu sobrinho brincavam com o cachorro. Eu

participava das brincadeiras.

Na hora da pausa para o lanche, também havia brincadeira. Se eles queriam fazer um bolinho

de chuva, eu ia colocando os ingredientes e meu neto mexia com a colher. Quase todos os dias

tinha bolinho de chuva.

Teve um dia que minha filha me pediu a receita porque meu neto queria comer. Eu já fui

explicando que tinha que estar quente o óleo pra poder ficar o creminho dentro.

Minha filha e o neto Lucas gostavam também que eu fizesse pão, mas era sempre a mesma

coisa. Eles participavam mexendo os ingredientes e, no final lambiam a massa com a colher e

quando já estava mais grossa pegavam com a mão.

Eu que ficava responsável por amassar e fazer os pães. Depois de prontos, e ainda quente, eu

os chamava para comer com manteiga. Minha outra filha, a Tatiana, às vezes pedia para fazer com

recheio.

Na hora de comer, era só alegria. Como vivi experiências agradáveis nesta edícula. Guardo até

hoje na memória.

***

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Vou contar um pouco sobre as minha neta. Primeiro, a Lara, que vira e mexe passo a tarde

com ela, só que em outra casa.

Minha filha me pega no caminho depois de buscar a Lara na escolinha. Assim que me vê a

minha neta fala: “Vó Neide, hoje não tem roupa pra passar. Você vai brincar comigo?”.

E sempre respondo: “Que legal!”.

E durante o trajeto ela vai me contando o que aconteceu na escolinha. Ela sabe o nome de

todos e é muito criativa.

Ela também está indo na aula de natação. Minha filha a leva e me manda fotos dela na água.

Eu fico muito feliz quando estou com minha neta Lara. Quando estou passando roupa para minha

família, fico observando como ela conversa com as bonecas. Ela é muito criativa e canta as músicas

que escuta. Mas quando eu não entendo que ela fala, me chama de doida e eu fico babando.

Já gravamos um vídeo com ela contando sobre o coelho que passou pelo quarto dela e que,

até hoje, ela sente medo. Outro vídeo que fizemos foi dela cantando no carro “você partiu meu

coração, não tem problema meu amor”.

Vou escrever um pouco agora sobre a outra neta, a Sara, que é da outra filha, a Tatiana. Ela

também vai à escolinha e teve um dia que a mãe foi convidada para ir contar ou ler uma historinha

na sala de aula.

Como minha filha não tinha tempo, perguntou se eu iria. “Claro que sim!”, respondi.

Minha neta não sabia que eu iria. Mas quando me viu ficou muito feliz. Veio no meu colo toda

contente, com seus dois aninhos e toda carinhosa.

Na escola, comecei a ler e percebi que as criancinhas estavam atentas na leitura. E quando eu

estava chegando na última página, as professoras olharam pra mim e fizeram gestos que já estava

correndo lágrimas dos olhinhos dela.

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A professora ficou com ela no colo e a levou para beber água enquanto outra me levou até a

saída. Eu fiquei muito emocionada também.

Ela demorou a andar, mas quando começou, por volta dos dois anos de idade, só vive

correndo. Ela também fala as palavras meio erradas, mas presta muita atenção quando ensinamos

algo a ela.

E quando quer por uma sandália! Senta no chão, e fica no vira o pé, vira a sandália. E aí de

quem quiser ajudar. Olha sério para nós e empurra nossa mão. Fica lá sozinha sofrendo até

conseguir colocar.

No crocks, quando enfia o pezinho errado, espera a gente falar para trocar o pé.

Nossa amiga Carla fez um vídeo da Sara na casa da Tati (mãe da Sara). No vídeo, ela aparece

sentadinha e bem tranquila na cadeira, que fica ao ar livre, enquanto bate a mãozinha na boneca e

canta “nana nenê”. É o máximo.

***

Eu também morei em um apartamento que era da tia de meu genro. Eu pagava aluguel para

ela. O apartamento era no térreo. Eu tinha algumas plantas, mas o mais legal foi a amizade com o

síndico que permitiu que eu plantasse na frente.

Como eu comprava pimenta dedo de moça pra fazer molho, jogava muitas sementes. E

também as sementes de tomate. Foi uma experiência marcante. Os tomatinhos até tombavam o

pé de tanto que carregava. E sempre passavam por lá crianças pra colhê-los.

Eu acompanhava da janela. Na primeira vez que me viram, as crianças se assustaram. Mas

expliquei que podiam apanhar, porém, com cuidado para não quebrar o pé.

A experiência e as amizades que fiz lá foram sensacionais. E como fico feliz e agradecida a

Deus por ter hoje a minha casa e cuidar dela do meu jeito. Eu posso mudar os móveis quando

enjoo, replantar no quintal quando quero e o que quero. Essa liberdade é demais.

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Todos os dias eu almoço no restaurante popular, mas quando volto para casa sempre invento

alguma coisa gostosa pra mim, doce ou salgada.

Nos finais de semana minha filha Tatiana costuma fazer algo especial pra todos nós. Então ela

me convida pra eu dormir em sua casa no sábado. No domingo à tarde a Vanessa ou outra pessoa

me traz para casa.

Hoje me sinto orgulhosa e importante porque eles todos pensam em mim e me convidam

sempre para participar dos eventos que realizam. Hoje eu posso dizer que vivo de uma maneira

diferente, com mais sossego, gostando mais de ficar em casa. Mas não significa que me isolei

totalmente. Vou ao centro, almoço e volto. Tenho meus amigos e minha família que amo.