reaproveitamento de resÍduos sÓlidos urbanos: a ... · desde a revolução industrial, ......

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III ENECS - ENCONTRO NACIONAL SOBRE EDIFICAÇÕES E COMUNIDADES SUSTENTÁVEIS REAPROVEITAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS: A ARQUITETURA TRANSFORMANDO O RESÍDUO EM RECURSO Priscilla Silva Loureiro ([email protected] ) Aluna de Graduação em Arquitetura e Urbanismo/ Centro de Artes/ Departamento de Arquitetura e Urbanismo/ UFES. Augusto Alvarenga ([email protected] ) Professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFES/ Mestre do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil/ Centro Tecnológico/ UFES. RESUMO Consciente da irresponsabilidade social quanto aos resíduos sólidos urbanos e de seu impacto ambiental no futuro, este trabalho tem como objetivo propor um equipamento que contribua para minimizar o problema do resíduo nas cidades, não apenas sugerindo alternativas para contorná-lo, mas ainda fomentando a educação ambiental e disseminando a visão do resíduo como recurso. Apoiado no princípio dos 3Rs – Reduzir, Reutilizar e Reciclar – definido na Agenda 21 global, propõe-se o Complexo de Reaproveitamento de Materiais, cujo programa envolve um espaço para atividades comunitárias relacionadas à re-inserção de resíduos, loja de departamentos para venda de produtos reciclados e artesanais e uma central de triagem e beneficiamento de resíduos inorgânicos para venda a indústrias recicladoras. A arquitetura segue preceitos sustentáveis do “green design” (ou projeto verde) e promove a representatividade positiva do reaproveitamento do resíduo para a sociedade, transformando-o em referencial de futuro, tecnologia e beleza. Este projeto é uma das propostas que fazem parte da pesquisa para bairro sustentável no Município da Serra – ES. Palavras-chave: resíduo, sustentabilidade, reaproveitamento, arquitetura REUTILIZATION OF URBAN SOLID WASTES: ARCHITECTURE TRANSFORMING WASTE INTO RESOURCE ABSTRACT Conscious of the social irresponsibility about the urban solid waste and its environmental impact in the future, this work has the objective to propose an equipment which contributes to minimize the waste problem in the cities, not only suggesting alternative to go around it, but still fomenting the environmental education and spreading the view of the waste as a resource. The Material Reutilization Complex is proposed by the support of the principle 3Rs - Reduce, Re-use and Recycle - defined in global Agenda 21, whose program involves an area for communitarian activities related to the re-insertion of wastes, department store to sell recycled and hand- crafting products and a central of selection and improvement of inorganic wastes to be sold to recycle industries. The architecture follows sustainable rules of green design and promotes the positive representation of the reutilization of the waste for the society, becoming a reference of future, technology and beauty. This project is one of the proposals of the research for sustainable district in the City of Serra - ES. Keywords: waste, sustainability, reutilization, architecture

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III ENECS - ENCONTRO NACIONAL SOBRE EDIFICAÇÕES E COMUNIDADES SUSTENTÁVEIS

REAPROVEITAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS: A ARQUITETURA TRANSFORMANDO O RESÍDUO EM RECURSO

Priscilla Silva Loureiro ([email protected]) Aluna de Graduação em Arquitetura e Urbanismo/ Centro de Artes/ Departamento de Arquitetura e Urbanismo/ UFES. Augusto Alvarenga ([email protected]) Professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFES/ Mestre do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil/ Centro Tecnológico/ UFES. RESUMO Consciente da irresponsabilidade social quanto aos resíduos sólidos urbanos e de seu impacto ambiental no futuro, este trabalho tem como objetivo propor um equipamento que contribua para minimizar o problema do resíduo nas cidades, não apenas sugerindo alternativas para contorná-lo, mas ainda fomentando a educação ambiental e disseminando a visão do resíduo como recurso. Apoiado no princípio dos 3Rs – Reduzir, Reutilizar e Reciclar – definido na Agenda 21 global, propõe-se o Complexo de Reaproveitamento de Materiais, cujo programa envolve um espaço para atividades comunitárias relacionadas à re-inserção de resíduos, loja de departamentos para venda de produtos reciclados e artesanais e uma central de triagem e beneficiamento de resíduos inorgânicos para venda a indústrias recicladoras. A arquitetura segue preceitos sustentáveis do “green design” (ou projeto verde) e promove a representatividade positiva do reaproveitamento do resíduo para a sociedade, transformando-o em referencial de futuro, tecnologia e beleza. Este projeto é uma das propostas que fazem parte da pesquisa para bairro sustentável no Município da Serra – ES. Palavras-chave: resíduo, sustentabilidade, reaproveitamento, arquitetura

REUTILIZATION OF URBAN SOLID WASTES: ARCHITECTURE TRANSFORMING WASTE INTO RESOURCE

ABSTRACT Conscious of the social irresponsibility about the urban solid waste and its environmental impact in the future, this work has the objective to propose an equipment which contributes to minimize the waste problem in the cities, not only suggesting alternative to go around it, but still fomenting the environmental education and spreading the view of the waste as a resource. The Material Reutilization Complex is proposed by the support of the principle 3Rs - Reduce, Re-use and Recycle - defined in global Agenda 21, whose program involves an area for communitarian activities related to the re-insertion of wastes, department store to sell recycled and hand-crafting products and a central of selection and improvement of inorganic wastes to be sold to recycle industries. The architecture follows sustainable rules of green design and promotes the positive representation of the reutilization of the waste for the society, becoming a reference of future, technology and beauty. This project is one of the proposals of the research for sustainable district in the City of Serra - ES. Keywords: waste, sustainability, reutilization, architecture

1. INTRODUÇÃO Denomina-se resíduo sólido urbano o lixo de origem domiciliar, comercial e de limpeza pública urbana, resultante das atividades cotidianas desenvolvidas pelo homem (LAIGNIER, 2001). É composto por uma fração orgânica, conhecida como lixo úmido, e uma fração reciclável, ou lixo seco, constituída de papéis, plásticos, metais e vidros. Os problemas relacionados ao lixo existem desde o surgimento das cidades, ou ainda, desde o dia em que os homens passaram a viver em grupo, fixando-se em áreas delimitadas (PRODAM, 1999). Com o crescimento das comunidades os problemas relacionados ao lixo urbano tomavam dimensões cada vez maiores. Desde a Revolução Industrial, com a produção e consumo de produtos em larga escala, o homem passou a viver a era dos descartáveis, em que a maior parte dos produtos é inutilizada e jogada fora com enorme rapidez (RODRIGUES & GRAVINATTO, 2002). O lixo sempre existirá, porém a preocupação real é que não exista em quantidades exageradas. Para amenizar os impactos deste quadro faz-se necessária uma mudança de atitude da população quanto à geração de resíduos. Daí a relevância em fomentar a participação da comunidade, estimulando a redução do volume de resíduos e oferecendo novas alternativas para o material que seria descartado. O trabalho tem como objetivo geral propor um equipamento urbano de beneficiamento do lixo que envolva a comunidade, limitando-se ao resíduo sólido urbano seco, que é a fração reutilizável e reciclável. Trabalhar apenas com o lixo inorgânico possibilita garantir a integração do complexo à malha urbana sem causar maiores impactos à vizinhança, como o odor, a atração de insetos e roedores, entre outros. Desta forma, a intervenção traz para perto das pessoas apenas o lixo “limpo”, aquele que não está ligado ao estigma de insalubridade, para que o ambiente criado seja atrativo e aceito pela população. A metodologia do processo de investigação e desenvolvimento do trabalho baseia-se a princípio no levantamento de noções gerais do tema resíduos sólidos, passa por uma descrição sobre sustentabilidade relacionada ao tema e à arquitetura e culmina no desenvolvimento do projeto e considerações finais. 2. O QUE TEM SIDO FEITO PELOS RESÍDUOS Para uma análise mais fiel do contexto do local de intervenção, no Município de Serra no estado do Espírito Santo, fez-se uma breve análise do que ocorre hoje no município vizinho, o de Vitória, onde se situa a capital. Atualmente, o lixo urbano do Município de Vitória proveniente da coleta regular é destinado à Usina de Lixo de Vitória (ULV), onde são desenvolvidas as atividades de triagem (separação) do material e compostagem (ver Figura 1). Os resíduos sólidos provenientes de coleta seletiva, ainda incipiente, são poucos. Hoje, aproximadamente 90% do peso de todo o lixo urbano que chega à ULV é transbordado ao aterro sanitário, localizado no município de Serra. Mesmo triando aproximadamente 65% da quantidade total de lixo recebido, a redução, em peso, do lixo na ULV atinge no máximo 10%, de acordo com a Secretaria Municipal de Serviços da Prefeitura Municipal de Vitória - PMV/SEMURB.

Pode-se dizer que efetivamente o que ocorre nas usinas de lixo de todo o país é a aplicação de uma metodologia obsoleta, cara e sem retorno financeiro para o município. A porcentagem média dos materiais potencialmente recuperáveis que chegava à usina de Vitória em 1993 era de 32,63% no lixo bruto, e pós-triagem este número reduzia para 19,52%, por ocorrência de mistura com substâncias contaminantes (BAPTISTA, 2001). Os materiais separados na usina chegam a valer 50% menos, segundo LAIGNIER (2001), no mercado de recicláveis que aqueles coletados seletivamente.

Figura 1 – Ciclo operacional da Usina de Lixo de Vitória – ES

Fonte: Folder da Companhia de desenvolvimento de Vitória (1997) Para GRIMBERG e BLAUTH (1998) não há nenhuma usina brasileira que seja, sequer, auto-sustentável. A receita da usina de Vitória cobria apenas 30% de suas próprias despesas em 1998. Sua operação tem custo alto, exigindo troca periódica de peças do maquinário e um tempo de pausa para manutenção. Mais grave, porém, que todos estes aspectos operacionais, concluem os especialistas, é o fato de que a instalação de uma "usina de lixo" numa cidade não contribui para uma reflexão em torno do desperdício e da geração de resíduos (GRIMBERG & BLAUTH, 1998). 3. OS 3Rs E OS RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS Os equipamentos urbanos como as usinas de lixo e os sistemas de tratamento de resíduos sólidos e são incapazes de absorver, por si só, todos malefícios gerados pelo grande volume de lixo urbano. Assim, na Agenda 21, resultante da ECO 92, surgiram programas de recuperação de resíduos e de prevenção e redução na fonte geradora, que se baseavam no princípio dos 3Rs: Reduzir - Minimizar a quantidade de resíduos produzidos, consumindo e descartando menos. Reutilizar - Dar novo uso a materiais já usados, ou restaurá-los para a reutilização. Reciclar - Recuperar os materiais constituintes dos resíduos para reintegrá-los a seu novo

ciclo de produção. No Brasil, Reduzir, Reutilizar e Reciclar os resíduos sólidos urbanos constitui atualmente no principal elemento para a redução do passivo ambiental, podendo eliminar 20 a 30% do peso dos resíduos gerados, por um programa 3Rs bem executado (REPAMAR et al, 1999). 4. SUSTENTABILIDADE O termo “desenvolvimento sustentável” é definido por Pontes & Bezerra como “uma nova consciência que nos permita progredir em todas as dimensões ecológicas (humana, social, econômica e ambiental), apoiando, conservando e restaurando todos os recursos que o planeta coloca à nossa disposição para as futuras gerações (BEZERRA & PONTES, 2002)”. Em suma, significa adaptar o crescimento econômico às condições naturais, envolvendo a sociedade (população e empresas) e promovendo mudanças no uso e hábitos dos indivíduos. Relacionado ao resíduo sólido urbano, a nova ordem econômica nos moldes do desenvolvimento sustentável enfatiza principalmente a redução ao mínimo dos resíduos e aumento ao máximo da reutilização e da reciclagem ambientalmente saudáveis. O conceito de desenvolvimento sustentável aplicado à arquitetura gerou o termo "arquitetura sustentável", que descreve uma forma de projetar a arquitetura minimizando os recursos necessários para sua subsistência ou consumo, prolongando a disponibilidade de recursos naturais. O objetivo desta arquitetura é promover conforto e saúde ao usuário, aliada ao respeito à natureza, isto é, ordenar os recursos naturais e artificiais (poupando energia e materiais e na redução de desperdícios e de poluição) para melhor servir as pessoas. 5. OS 3Rs E A ARQUITETURA SUSTENTÁVEL Este projeto deverá ser um exemplo de aplicação do princípio dos 3Rs na construção, pretendendo-se, desta forma, despertar a consciência ambiental através da arquitetura. 5.1. Reduzir “Reduzir” na arquitetura sustentável está relacionado à economia de energia, água e materiais. A redução do desperdício promove maior conservação destes recursos naturais e, conseqüentemente, do meio ambiente. O consumo energético para aquecer, resfriar, iluminar e operar uma edificação gera provavelmente o maior impacto ambiental de uma construção. Portanto, projetar para reduzir o desperdício de energia é uma das prioridades. O gasto com a energia consumida pode ser minimizado através de um projeto que favoreça captação de iluminação e ventilação naturais. Desta forma, ao projetar deve-se considerar: a orientação e conformação do edifício; uso de elementos de proteção da incidência solar direta no edifício; execução de um bom projeto bioclimático, dispensando ao máximo o ar condicionado; posicionamento de janelas; materiais de baixa energia incorporada. É indicado também a utilização de fontes alternativas renováveis de energia (solar e eólica, por exemplo). Quanto à água na construção, seu tratamento consome energia, por isto o desperdício significa, além da perda do recurso natural, um gasto energético. Neste sentido, torna-se

importante poupar água nas edificações, o que pode ser alcançado através de equipamentos adequados, como caixas de descarga com capacidade limitada, por exemplo. A mesma preocupação ocorre com o emprego de materiais, enfatizando principalmente evitar o desperdício e a extração de matéria-prima. Para reduzir o desperdício de materiais, as principais ações são: adequar as dimensões arquitetônicas às tecnologias para otimização dos materiais e redução de corte e perdas; simplificar a geometria espacial para melhor adequação dos materiais e economia de energia; reduzir os níveis de toxinas no ambiente através de materiais não-tóxicos; uso de tecnologias de baixo desperdício de materiais. Os benefícios econômicos com a redução são aparentes. Poupa-se em não comprar materiais em excesso e com a administração reduzida do entulho. A melhor forma de reduzir no projeto é estimar corretamente a quantidade de materiais, não mais do que necessário. 5.2. Reutilizar A água pode ser reutilizada em uma edificação. A água pluvial, dos ralos dos chuveiros, de pias e máquinas de lavar roupa pode ser captada, tratada e novamente usada em atividades operacionais do edifício como jardinagem, limpeza, entre outras. No processo de renovação, contudo, reutilizar materiais tornou-se particularmente relevante. Cabe ao projetista optar por materiais de baixa energia incorporada (a energia usada para extração, manufatura e transporte), materiais produzidos na região, que não geram muita poluição e demais danos ao ambiente nos processos de extração e produção. É igualmente importante o aproveitamento de materiais reutilizáveis (que possam ser reaproveitados após demolição) e reutilizados (recuperados de outros usos). Materiais de diversos usos podem muitas vezes ser adaptados para a construção civil. É o caso da escória, rejeito resultante da fabricação do aço que vem sendo utilizada para pavimentações e confecções de blocos para alvenaria e cimento (ROSSI, 2002). Reutilizar na arquitetura inclui ainda projetar uma edificação flexível, para que no futuro possa ser facilmente adaptada a outros usos, e na demolição agir cuidadosamente para proporcionar o máximo de reaproveitamento de material. 5.3. Reciclar Reciclar na arquitetura refere-se principalmente aos cuidados no emprego de materiais. Deve-se priorizar o uso de materiais reciclados, os que já passaram por algum processo de reciclagem, e recicláveis, que possam ser reciclados no futuro (como metais por exemplo). O uso de materiais reciclados na edificação reduz problemas de desperdício de resíduos, gastos energéticos e de produção. Estes materiais possuem menor energia incorporada, além de pouparem extração de recursos naturais. A seleção de materiais é uma das estratégias mais visíveis e representativas do green building (edifício verde). Sua aplicação é a principal responsável pela imagem pública da arquitetura sustentável. Daí a importância em especificar e compor com materiais interessantes, além de eco-eficientes. Reciclar refere-se ainda a decisões de projeto. Deve-se projetar pensando em beneficiar as

gerações futuras com o aproveitamento do espaço arquitetônico construído e, se possível, sempre restaurar estruturas existentes. 6. O PROJETO DE UM COMPLEXO DE REAPROVEITAMENTO DE MATERIAIS O complexo de reaproveitamento de materiais inorgânicos urbanos, batizado como Complexo 3Rs, deverá possuir: administração; galpão para triagem dos materiais pré-selecionados (discriminação dos materiais para reciclagem, beneficiamento, prensagem e enfardamento) e armazenagem dos produtos prontos para a venda para as usinas de reciclagem; refeitório e vestiários para os trabalhadores (catadores das mesas de triagem); auditório para palestras e treinamento; oficinas de restauro e artesanato para materiais descartados, incluindo atividades de encadernação, marcenaria, costura e recuperação de eletrodomésticos; sala de aula para ensinar reaproveitamento à comunidade; loja de venda dos produtos artesanais, restaurados e alguns reciclados advindos de processos industriais; museu do lixo, local para expor materiais e objetos interessantes encontrados no lixo, como antiguidades, livros e outras curiosidades; bar/lanchonete e restaurante; espaço aberto para feiras, bazares, exposições e outras atividades comunitárias. São diretrizes para o projeto: desenvolver atividades atrativas para o cidadão, como comércio e lazer; possibilitar o contato do visitante ou usuário do espaço com as atividades desenvolvidas no local (o processo de beneficiamento do lixo inorgânico e os trabalhos nas oficinas); abrir o espaço arquitetônico para a cidade, possibilitando livre acesso do cidadão na maioria dos setores e estimulando as atividades comunitárias, como feiras, bazares e outras; projetar para o ambiente, observando os 3Rs da arquitetura sustentável; tirar partido dos traços contemporâneos e utilizar a tecnologia do aço, combinada com elementos e revestimentos reaproveitados ou reciclados do lixo urbano, de forma a valorizar os produtos reciclados e reutilizados, valendo-se da representatividade da arquitetura na comunidade. 6.1. A Implantação e plantas baixas A forma foi definida para maximizar o aproveitamento do vento dominante, no sentido Nordeste, de forma que se definisse um volume de arco que se fecha para esta orientação e um volume retilíneo quase perpendicular ao sentido do vento. Criaram-se três volumes, compostos de formas geométricas simples para melhor adequação de materiais e simplificação do processo construtivo (figura 2). Os volumes definem ainda os usos. O primeiro volume, em forma de arco, delimita a área de triagem e beneficiamento do lixo, definida como setor 1. Esta forma permitiu a otimização da produção por proporcionar um fluxo linear de entrada e saída dos materiais, fazendo uma ponte entre a via por onde entra o material coletado e a via de saída do material para as indústrias recicladoras, para onde será vendido. O segundo volume, conformado por uma forma trapezoidal segmentada, transpassa o primeiro e define dois setores: o setor 2- de uso comercial (térreo) e das oficinas (2º pavimento); e o setor 3- administrativo e apoio à produção (térreo) e bar e restaurante (2º pavimento). A interação dos dois volumes gera o espaço da praça. Um terceiro volume é constituído pela circulação, ao longo da qual se faz a exposição do museu do lixo, com objetos interessantes e curiosos que são descartados pelos proprietários.

AVENIDA PRIN

CIPAL

AVENIDA SEGUE AO SETOR INDUSTRIAL

VENTO PREDOMINANTE

setor 3

circulação

N

SOL MANHÃ

SOL TARDE

ENTRADALIXO

SAÍDA MATERIALPARA RECICLAGEM

ACESSO SERVIÇO

LEGENDAVOLUME 1VOLUME 2VOLUME 3

- Setor 1- triagem e beneficiamento do resíduos sólido urbano inorgânico.- Setor 2 - loja de reciclados e materiais recuperados (térreo) e oficinas (2º pav.).- Setor 3 - administração, apoio ao setor 1(térreo) e restaurante aberto ao público.- Praças - espaços abertos

setor 1

setor 2praçapraça

praça

Figura 2 – Esquema de implantação do Complexo

A implantação foi articulada de maneira que os volumes se adequassem ao lote, marcando sua linha diagonal. Esta disposição valorizou a esquina e as visuais para o terreno das três vias que definem o terreno.

CICLOVIA

CICLOVIA

CICLOVIA

PONTO DE ÔNIBUS

POSTES COMPAINEIS DE DIVULGAÇÃODE FEIRAS E EVENTOS

BANH.

BANH.

A A

B

B

NICHOS AO LONGO DO CORREDORCOM EXPOSIÇÃODO MUSEU DO LIXO

PAVIMENTO TÉRREO

SEGUNDO PAVIMENTO

LEGENDA

1- LOJA (570m²)2- AUDITÓRIO 140 LUGARES (156m²)3- CANTINA/BAR4- BANHEIROS5- ESPAÇO PARA EVENTOS (FEIRAS DO VERDE, BAZARES, ETC)6- CONTROLE DA ENTRADA E PESAGEM DO LIXO (157m²)7- BAIAS DE DESCARGA8- ÁREA DE PRODUÇÃO (TRIAGEM, ENFARDAGEM E PRENSA)9- BAIAS DE ARMAZENAGEM DO LIXO BENEFICIADO10- ADMINISTRAÇÃO (118m²)11- COZINHA (71m²)12- REFEITÓRIO (141,5m²)13- ESTACIONAMENTO (50 VAGAS DE CARRO E 3 DE ÔNIBUS)14- PLAY GROUND 15- ÁREA DE RESERVA16- JARDIM DE HORTALIÇAS ADUBADO COM O RESTO ORGÂNICO DAS COZINHAS17- PÁTIO DE ESTACIONAMENTO DOS VEÍCULOS DE COLETA18- SALA DE AULA (97m²)19- OFICINAS20- ESTOQUE (150m²)21- CIRCULAÇÃO22- RESTAURANTE PANORÂMICO (293m²)

5 1

2

3

4

4

13

14

15

16

1712

10

67

8 94

22

4

1819

20

19191919

21

N

Figura 3 – Plantas baixas do Complexo

6.2. O Espaço Aberto Dentre os espaços projetados, a praça é o mais vinculado ao urbano, à rua, e, portanto, à comunidade. Nela deverão ocorrer feiras e eventos temporários relacionados ao lixo urbano e ao meio ambiente em geral, bazares semanais ou mensais com alguns produtos recuperados no complexo, e outras atividades comunitárias. Estas características fazem com que requeira tratamento especial, uma vez que o objetivo geral deste trabalho é justamente atingir a comunidade e fazê-la sentir-se parte ativa no processo de re-inserção do lixo no ciclo produtivo. Este ciclo é representado na praça por meios de elementos circulares e arcos, configurados pelos volumes, pelo desenho no piso, pela angulação da esquina, pela vegetação, postes, entre outros (figura 4). O círculo como a forma ideal de representação do infinito, do processo produtivo sem fim, também está relacionado à reciclagem, que nada mais é que a re-inserção de um produto, no caso o que se tornaria lixo, a um novo ciclo de produção.

Figura 4 – O espaço aberto: marcação dos semi-círculos do traçado em vermelho.

Ao projetar o espaço aberto, uma das intenções foi obter diversidade espacial. Buscou-se então criar ambientes de permanência, como áreas verdes sombreadas, para cantina e lazer das crianças, e um local próprio para atividades cívicas, livre de qualquer obstáculo construído. A diversidade é um dos aspectos que garante maior freqüência ao local, trazendo vida e movimento mesmo quando não estiverem sendo realizadas atividades comunitárias

específicas. Outra tática para atrair os passantes foi a transferência da ciclovia deste trecho para dentro da praça. 6.3. As Coberturas

Figura 5 – Vista aérea do Complexo

As coberturas do complexo são elementos de importância plástica e funcional. A cobertura do volume 2 têm a função de sombrear o edifício, sobretudo as vitrines e grandes janelas, além de captar ventos, fundamental para garantir o conforto do usuário no clima quente e úmido do local. A escolha de se trabalhar com lonas na cobertura deste volume está ligado ao transcendente uso da lona em tendas de comércio, nos bazares, feiras, etc. Como as atividades que ali se desenvolvem estão diretamente ligadas às atividades da praça, a tipologia da cobertura também está relacionada com as tipologias do comércio informal, de barracas e tendas. A cobertura do volume 1 se destaca menos na composição. Nela estão dispostos os sistemas alternativos de captação de água pluvial e de captação de energia solar. A captação de água pluvial se dá pelo recolhimento da água das calhas para uma cisterna, onde será filtrada, depurada e decantada, seguindo posteriormente para um reservatório próprio para o abastecimento de água de irrigação e limpeza. Este sistema não dispensa o abastecimento de água potável da rede pública, mas reduz consideravelmente os gastos. Já o sistema de captação de energia solar deve tornar o complexo auto-suficiente em energia elétrica. Para isto, serão posicionadas placas fotovoltaicas no telhado voltado para o Norte, face que recebe mais incidência dos raios solares durante o dia em todas as estações. Não é esperada grande demanda energética para manter o complexo em condições confortáveis de uso, uma vez que as aberturas proporcionam ventilação e iluminação natural fartas, dispensando por grande parte do tempo os mecanismos artificiais.

6.4. A Estrutura e vedações Optou-se pelo aço para a estrutura do complexo, embora se saiba que o uso deste material em edificações sustentáveis sempre gera discussões. A grande crítica contra o aço refere-se ao impacto negativo na extração do minério, na fabricação e transporte, etapas que fazem deste um dos materiais de construção de grande energia incorporada. Entretanto, algumas de suas propriedades e características o tornam ambientalmente desejável. Segundo ALVARENGA (2002), o aço: tem ótimo desempenho estrutural e é mais leve que estruturas de madeira e concreto; minimiza o prejuízo com fôrmas e escoramentos temporários que geram entulho; é um material durável e de fácil manutenção; não é atrativo a insetos e dispensa a aplicação de preservativos tóxicos que prejudicam a qualidade do ar no interior da edificação (é um material inerte); grande parte do aço novo é proveniente da reciclagem da sucata e demolição; tem pouco impacto na vizinhança devido à agilidade na montagem e proporciona canteiros de obra silenciosos e limpos. As práticas de mineração têm melhorado e o uso de energia e poluição na fabricação estão caindo. É interessante ainda ressaltar que não há desperdício do aço na fabricação e os materiais usados (principalmente minério e coque) são abundantes na natureza. Como o aço mantém 100% de suas propriedades na reciclagem só há necessidade de extração com o aumento do consumo. Além disto este material exerce o papel estético de conferir à obra um aspecto de modernidade e tecnologia avançada, que é almejado neste projeto. Em alguns momentos a estrutura do complexo se solta da construção, fazendo com que a presença do metal seja percebida. A Figura 6 mostra a estrutura do galpão de triagem (volume 1), em que os pilares metálicos são amarrados, por um lado, pela treliça da cobertura, e em outro sentido pelas próprias calhas captadoras de água pluvial. A cobertura de duas águas é apoiada sobre as treliças, que exigiriam ainda uma amarração às terças.

Figura 6 – Esquema estrutural volume 1 A Figura 7 é um esboço da estrutura do volume da loja e oficinas (volume 2), cujos pilares da fachada sudeste inclinam-se e ultrapassam o volume do edifício, criando um plano virtual que traspassa o volume curvo e faz um contraponto com a horizontalidade do edifício.

Figura 7 – Esquema estrutural volume 2 Nas vedações são utilizadas estruturas em aço leve, conhecidas com dry wall. O peso de tais estruturas em vedações chega a ser 1/6 do peso da vedação equivalente em concreto e tijolo, o que reduz custo nas escavações e fundações, que não precisam ter grandes dimensões (ALVARENGA, 2002). Esta estrutura para vedações gera desperdício mínimo, principalmente se comparada aos procedimentos convencionais em que levanta-se a alvenaria para depois quebrá-la para passagem das instalações. Este sistema já vem sido utilizado no Brasil e foi comprovado que os ambientes internos proporcionam o mesmo conforto térmico que as construções convencionais. Na maioria dos casos as estruturas em aço leve são revestidas por painéis pré-fabricados industrializados instalados em ambos os lados (vedação sanduíche), que podem receber argamassa armada, pintura ou deixados aparentes. Os painéis de vedação do dry wall neste caso são de material reciclado, resultado do processamento de embalagens longa vida. As placas deste ecoproduto, apresentado pelo IDHEA (2002) como Ecoplac Tetra, possuem dimensões de 2,20m X 1,10m, são 100% recicladas e recicláveis, impermeáveis (absorção de água < que 4% se imerso), não propagam chamas, não são afetadas por ataques de fungos, brocas e cupins, são isolantes térmico e acústico, resistem à umidade e agentes químicos em geral e seu processo de transformação não gera nenhum tipo de efluente ou poluente atmosférico.

Figura 8 – Textura do painel Ecoplac Tetra

Fonte: IDHEA (2003) O material em seu estado natural tem um aspecto interessante, sendo assim optou-se por deixa-lo aparente no interior do volume 2, e aplicando-lhe externamente uma camada de tinta produzida a partir da resina feita da reciclagem de garrafas PET, já encontrada nas marcas Suvinil e Glasurit (GAZETA, 2003).

Para revestir o galpão de triagem (volume 1) propôs-se a reutilização de embalagens longa vida em um esquema parecido com um sistema tradicionalmente utilizado na Europa e na América do Norte. Este sistema, conhecido como shingles, é formado pela sobreposição de camadas de tabuinhas que são colocadas de baixo para cima, de forma que se torna difícil infiltração de água entre elas.

Figura 9 – Sistema shingles

Fonte: ALVARENGA (2002)

Como as embalagens são muito maleáveis e leves, podem ser simplesmente grampeadas diretamente sobre o painel Ecoplac Tubo.

Figura 10 – Protótipo de revestimento de embalagens longa vida Fonte: Laboratório de Projetos, UFES

Segundo Otto Faber Schmutzler (ALVARENGA, 2002), a embalagem longa vida é um material de construção pronto para o uso, possuindo propriedades de isolamento térmico e acústico. Já é utilizada colada sob telhados ou forros, sendo comprovadamente eficiente quanto ao conforto dos ambientes. A composição das caixas justifica este comportamento: uma camada de papelão onde se faz a impressão protegida por uma camada externa e outra interna de polietileno, uma camada de alumínio e 2 camadas de polietileno que separam o leite do alumínio. Além disto o efeito estético é bem interessante. 6.5. As Aberturas O posicionamento das aberturas foi definido já na implantação, em função do sentido do vento dominante e do sol da manhã, pois são condicionantes fundamentais para proporcionar o conforto ambiental do interior edificado. Para que o vento circule no interior dos ambientes é necessário que existam aberturas opostas, que permitam a ventilação cruzada. Estas características foram fortemente observadas no desenvolvimento do projeto, pois tais cuidados permitem uma significativa economia de energia com o condicionamento térmico. Foi também visando redução de gastos energéticos que se priorizou o aproveitamento da luz natural para a iluminação dos ambientes. Porém, para evitar a elevação da temperatura, as aberturas principais do volume trapezoidal (volume 2) voltam-se para o sol da manhã (mais ameno), e as do volume curvo (volume 1) abrem-se para o sul- fachada onde a incidência direta é mínima durante todo o ano- ou são zenitais com telhas de fibra de vidro para uniformizar a luz no ambiente. A passarela que cruza o volume curvo está posicionada também para proteção da fachada do sol da tarde, sombreando a vitrine.

LONA SOMBREA OEDIFÍCIO

PERMITIR ENTRADASOL DA MANHÃ

PASSARELA PROTEGE SOL DA TARDE. COM AVEDAÇÃO EM BRISES,PERMITE A CIRCULAÇÃODO VENTO VENTO

CORTE A (VOLUME 2) CORTE B (VOLUME 1)

TELHAS FABRICADAS APARTIR DA RECICLAGEMDE EMBALAGENS LONGA VIDA

ILUMINAÇÃO ZENITALATRAVÉS DE ALGUMAS TELHASTRANSLÚCIDAS

PILARES DE AÇO

VENTO

VENTO

Figura 11 – Esquema de circulação de ar

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS É proposta deste trabalho mostrar ao cidadão comum sua relação e responsabilidade com a preservação do meio ambiente, pois a geração indiscriminada de resíduos negligencia os princípios de sustentabilidade ambiental, comprometendo a qualidade de vida do próprio ser humano e ecossistema que o rodeia. A atitude preventiva ainda é a melhor receita para o gerenciamento de resíduos sólidos. Procedimentos como minimização na geração, reutilização máxima de produtos, reciclagem

de materiais descartados e correta disposição final dos resíduos sólidos são atitudes que devem ganhar espaço e tornar-se parte da vida da sociedade. Embora o projeto busque conciliar estética, padrões sustentáveis e funcionalidade, é provável que em alguns momentos verifique-se a impossibilidade de atender simultaneamente dois ou mais quesitos igualmente importantes. Mas, uma vez que projetar é uma classificação de sacrifícios, o resultado obtido conseguiu atingir seus principais objetivos. A proposta do Complexo 3Rs agrega valores sociais a um equipamento urbano que ainda não é facilmente aceito pela comunidade. Esta é a importante contribuição deste trabalho.

Figura 12 – Vista da praça de eventos comunitários

Figura 13 – Vista da praça cívica mostrando a interferência topográfica

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