reabilitação de estuques antigos

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UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA INSTITUTO SUPERIOR TÉCNICO REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS Hélder António Coelho Cotrim (Licenciado em Arquitectura) Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Construção Orientador: Co-Orientador: Doutora Maria do Rosário da Silva Veiga Doutor Jorge Manuel Caliço Lopes de Brito Presidente: Vogais: Doutor Jorge Manuel Caliço Lopes de Brito Doutora Maria do Rosário da Silva Veiga Doutor José Manuel Marques Amorim de Araújo Faria Doutor Francisco José Loforte Teixeira Ribeiro Doutor José Manuel Pinto Duarte Junho de 2004

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Page 1: Reabilitação de estuques antigos

UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA INSTITUTO SUPERIOR TÉCNICO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

Hélder António Coelho Cotrim (Licenciado em Arquitectura)

Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Construção

Orientador: Co-Orientador:

Doutora Maria do Rosário da Silva Veiga Doutor Jorge Manuel Caliço Lopes de Brito

Presidente: Vogais:

Doutor Jorge Manuel Caliço Lopes de Brito Doutora Maria do Rosário da Silva Veiga Doutor José Manuel Marques Amorim de Araújo Faria Doutor Francisco José Loforte Teixeira Ribeiro Doutor José Manuel Pinto Duarte

Junho de 2004

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Dedico esta investigação ao meu pai, pelo

trabalho de uma vida consagrada ao estuque

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REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS iii

Título: Reabilitação de Estuques Antigos

RESUMO

Muito património edificado tem sido perdido ao longo do tempo, em Portugal, por

falta de conhecimentos sobre a reabilitação de edifícios antigos. Com esse património, têm

desaparecido importantes exemplos de estuques antigos pelo que esta dissertação pretende

contribuir para a melhoria do conhecimento da reabilitação desta arte decorativa.

A investigação encontra-se organizada segundo duas vertentes: a primeira enquadra os

estuques portugueses no tempo e o seu estado de conservação actual, através da análise da

relação de causa e efeito das anomalias em edifícios antigos; a segunda sistematiza a

metodologia de intervenção e os processos de reabilitação, designadamente o levantamento

e inspecção das condições da patologia, o estudo do projecto de restauro e a sistematização

dos procedimentos e fases de actuação sobre os elementos degradados de estuque,

nomeadamente limpeza, consolidação, intervenção em tectos, reparação de fissuras,

reintegração de elementos decorativos e tratamentos superficiais. Nesta segunda parte,

analisam-se ainda alguns aspectos inerentes à instalação de novas infra-estruturas em

edifícios antigos com ornamentação de estuque.

Como síntese, apresenta-se um caso de estudo que exemplifica uma reabilitação

recente, bem executada, num edifício historicamente importante, localizado na cidade do

Porto, o setecentista Palácio do Freixo.

Palavras-chave: Estuques antigos; anomalias construtivas; reabilitação;

metodologia de intervenção; projecto de restauro.

Page 6: Reabilitação de estuques antigos

iv REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

Title: Ancient Gypsum Plasters Rehabilitation

ABSTRACT

In Portugal, many buildings from the past have been lost mainly due to insufficient

expertise in building conservation. This heritage loss causes the disappearance of many

important examples of old gypsum plaster decoration and therefore the present study aims

at contributing to a better knowledge of those elements’ rehabilitation.

The study organisation is based on two aspects: in the first place, it contextualises the

Portuguese gypsum plaster decoration in architecture history and its present situation,

through the analysis of the cause and effect relationship of the old buildings anomalies. In

second place, the study systematises the intervention methodology and the rehabilitation

procedures, namely the inspection of the pathology conditions, the restoration project

analysis and the degraded plaster elements intervention phases and procedures. These

repairs are cleaning, consolidation, ceiling repairs, treatment of cracks, reintegration of

decorative elements and surface treatments. In that context, it also refers to some aspects

related with the installation of new infrastructures in gypsum plaster ornamented buildings.

To conclude the thesis, a case study of a recently executed rehabilitation is analysed,

on an important Portuguese building, from the 18th century, the Freixo Palace, situated in

Oporto city.

Keywords: Ancient gypsum plaster; constructive anomalies; rehabilitation;

intervention methodology; restoration project.

Page 7: Reabilitação de estuques antigos

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS v

AGRADECIMENTOS

Durante a elaboração deste trabalho, houve o contributo de diversas pessoas, a seguir

indicadas que, sob diversas formas e em determinadas situações, deram o seu contributo

para a obtenção do resultado final e a quem se agradece:

⋅ aos orientadores científicos, Eng.ª Rosário Veiga, orientadora e Eng.º Jorge de Brito,

co-orientador, pela disponibilidade demonstrada em todas as situações;

⋅ ao Dr. Paulo Ludgero Castro, da firma A. Ludgero Castro, Lda., do Porto, por toda a

disponibilidade, possibilidade de apresentação do caso de estudo e pelas visitas

proporcionadas;

⋅ à Dr.ª Catarina Montoito, responsável pela biblioteca da Escola de Recuperação do

Património de Sintra, pelo importante contributo na recolha bibliográfica;

⋅ ao Dr. Álvaro de Matos, coordenador da Hemeroteca Municipal de Lisboa (instalada

no Palácio do Marquês de Tomar), pela receptividade à solicitação para analisar o

edifício;

⋅ à Dr.ª Graça Afonso, da Hemeroteca Municipal de Lisboa, pela receptividade,

disponibilidade e cedência de fotografias;

⋅ à Dr.ª Maria José Moinhos, Directora de Serviços de Conservação e Restauro, do

Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR), por ter proporcionado a

consulta de relatórios de trabalhos de reabilitação de estuques;

⋅ à Arq.ª Irene Frazão, do IPPAR pela disponibilidade, contributo científico e cedência

de fotografias;

⋅ ao Sr. Pedro Nuno Duarte, do Porto, pelo contributo bibliográfico;

⋅ à Dr.ª Teresa Freire, da firma Sival, pela possibilidade de observar o fabrico do gesso;

⋅ ao Arq. Rui Martins, de Viana do Castelo, pela disponibilidade para estabelecer o

contacto com as pessoas de Afife;

⋅ ao Sr. David Freitas, de Afife, pela disponibilidade e contributo bibliográfico;

⋅ ao Sr. Álvaro Meira, de Vila Praia de Âncora, pela disponibilidade e contributo;

⋅ ao mestre estucador, Sr. Domingos Fontaínha, de Afife, pela disponibilidade e

contributo;

Page 8: Reabilitação de estuques antigos

vi REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

⋅ ao mestre estucador, Sr. Luís Baganha, da firma Ludgero Castro, Lda., pela

disponibilidade para visitar a obra de reabilitação da Villa Morais, em Ponte de Lima, e

cedência de fotografias;

⋅ ao mestre estucador, Sr. Gomes, de Mem Martins, pelo contributo;

⋅ à Irmã Manuela Sousa, O.P., do convento dos Agostinhos em Estremoz, pela

disponibilidade para visitar a igreja do convento e cedência de fotografias;

⋅ à Helena Maria Monteiro, pela leitura dos textos e pelo incentivo;

⋅ aos meus colegas de atelier, Alexandra Alegre e Hugo Farias, pelo apoio e incentivo;

⋅ à Cláudia, por acreditar que esta investigação chegaria ao fim, pela leitura exaustiva

dos capítulos e pelo incentivo permanente.

Page 9: Reabilitação de estuques antigos

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS vii

ÍNDICE

1. INTRODUÇÃO ...............................................................................................................................1 1.1. Considerações preliminares ................................................................................................ 1 1.2. Objectivos da dissertação.................................................................................................... 4 1.3. Organização da dissertação................................................................................................. 5

2. ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E SOCIAL DOS ESTUQUES ............................................................7 2.1. Os revestimentos e decorações com gesso.......................................................................... 8 2.2. Os estuques em Portugal................................................................................................... 10

2.2.1. O primeiro foco de desenvolvimento no Renascimento ...................................... 15 2.2.2. O período áureo do Barroco................................................................................. 16 2.2.3. O alargamento a todo o território nacional .......................................................... 19 2.2.4. A arquitectura revivalista ..................................................................................... 20 2.2.5. O momento da decadência no período liberal...................................................... 22 2.2.6. O período final no início do século XX ............................................................... 25 2.2.7. A revalorização contemporânea........................................................................... 27 2.2.8. Considerações ...................................................................................................... 28

2.3. As técnicas e composições................................................................................................ 29 2.4. Os edifícios históricos e a reabilitação do património ...................................................... 35

2.4.1. A necessidade de valorização .............................................................................. 36 2.4.2. As convenções internacionais e o restauro de estuques ....................................... 38 2.4.3. Métodos de reabilitação ....................................................................................... 41

3. ANOMALIAS EM ESTUQUES ANTIGOS: CAUSAS E EFEITOS .........................................................45 3.1. Causas e agentes responsáveis pelas anomalias................................................................ 46 3.2. Causas de origem climática .............................................................................................. 49

3.2.1. Acção da água ...................................................................................................... 50 3.2.1.1. Os problemas higroscópicos: o caso das paredes ......................................... 53 3.2.1.2. Água e gravidade: o caso particular dos tectos ............................................ 54 3.2.1.3. Efeito dos sais .............................................................................................. 56 3.2.1.4. Efeito de partículas em suspensão no ar....................................................... 58

3.2.2. Variações térmicas ............................................................................................... 59 3.2.3. Ultravioletas......................................................................................................... 61

3.3. Acção da gravidade........................................................................................................... 61 3.4. Acção biológica ................................................................................................................ 63

3.4.1. Fungos, bolores, líquenes e algas......................................................................... 63

Page 10: Reabilitação de estuques antigos

viii REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

3.4.2. Insectos xilófagos................................................................................................. 64 3.5. Natureza dos materiais ...................................................................................................... 65 3.6. Causas acidentais e de acção humana ............................................................................... 66

3.6.1. Causas acidentais ................................................................................................. 66 3.6.1.1. Incêndios ...................................................................................................... 67 3.6.1.2. Sismos .......................................................................................................... 67

3.6.2. Acção humana...................................................................................................... 68 3.6.2.1. Conservações e restauros mal executados .................................................... 68 3.6.2.2. Pintura de manutenção com tintas contemporâneas ..................................... 69 3.6.2.3. Vibrações...................................................................................................... 70 3.6.2.4. Instalação inadequada de infra-estruturas de combate e prevenção de

incêndios....................................................................................................... 71 3.6.2.5. Abandono e vandalismo ............................................................................... 71

3.7. Síntese............................................................................................................................... 73

4. METODOLOGIA DE INTERVENÇÃO ............................................................................................ 75 4.1. Levantamento e inspecção das condições do edifício....................................................... 77

4.1.1. Levantamento....................................................................................................... 78 4.1.1.1. Levantamento histórico e recolha de documentos........................................ 78 4.1.1.2. Levantamento morfológico e compositivo................................................... 79 4.1.1.3. Registo dos dados......................................................................................... 81

4.1.2. Inspecção.............................................................................................................. 82 4.1.2.1. Particularidades dos estuques ....................................................................... 83 4.1.2.2. Fases da inspecção........................................................................................ 84

4.2. Análise da informação recolhida....................................................................................... 92

4.2.1. Resultados da inspecção....................................................................................... 92 4.3. Projecto de restauro........................................................................................................... 96

4.3.1. Composição do projecto de restauro .................................................................... 97 4.4. A decisão in loco............................................................................................................... 99

4.4.1. Avaliação da situação real.................................................................................. 100

5. CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO DE ESTUQUES..................................................................... 103 5.1. Definição de conceitos e natureza das intervenções ....................................................... 105 5.2. Durabilidade.................................................................................................................... 107 5.3. Faseamento ..................................................................................................................... 109 5.4. Acções de conservação e reabilitação............................................................................. 115

5.4.1. Limpeza.............................................................................................................. 116 5.4.1.1. Eliminação de sujidade............................................................................... 118 5.4.1.2. Eliminação de contaminações biológicas ................................................... 122 5.4.1.3. Remoção de cal e tintas contemporâneas ................................................... 124 5.4.1.4. Remoção de manchas de ferrugem............................................................. 126

Page 11: Reabilitação de estuques antigos

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS ix

5.4.2. Consolidação...................................................................................................... 127 5.4.2.1. Substâncias consolidantes .......................................................................... 129 5.4.2.2. Argamassas líquidas................................................................................... 133 5.4.2.3. Procedimentos e técnicas de execução....................................................... 135

5.4.3. Reparação de tectos............................................................................................ 138 5.4.3.1. Operações prévias à intervenção sobre o estuque ...................................... 140 5.4.3.2. Remoção, estabilização ou consolidação de estuques................................ 140 5.4.3.3. Reabilitação de suportes de madeira .......................................................... 146

5.4.4. Reparação de fissuras......................................................................................... 150 5.4.5. Reintegrações..................................................................................................... 151

5.4.5.1. Preenchimento de lacunas e substituição de superfícies ............................ 153 5.4.5.2. Reprodução de elementos decorativos ....................................................... 154

5.4.6. Endurecimento e conservação de superfícies..................................................... 158 5.5. A decoração estucada no contexto da reabilitação do edifício e a instalação de novas

infra-estruturas ................................................................................................................ 159

6. PALÁCIO DO FREIXO: ESTUDO DE CASO..................................................................................163 6.1. Caracterização do edifício .............................................................................................. 164 6.2. Estado de conservação dos estuques............................................................................... 166 6.3. Conservação e reabilitação do edifício ........................................................................... 170 6.4. Fichas para registo das anomalias e da reabilitação........................................................ 176

7. CONCLUSÕES ...........................................................................................................................179 7.1. Considerações finais ....................................................................................................... 179 7.2. Conclusões gerais ........................................................................................................... 181 7.3. Propostas de desenvolvimento futuro ............................................................................. 184

8. BIBLIOGRAFIA..........................................................................................................................187 ANEXOS. Fichas de caracterização e reabilitação de anomalias

Page 12: Reabilitação de estuques antigos

x REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 2.1. Localização dos mais importantes depósitos de gesso, em Espanha (Garaté, 1999). ....................................... 12 Figura 2.2. Palácio da Bolsa, Porto. ................................................................................................................................... 14 Figura 2.3. Estuque Art Deco. Casino Afifense. Afife. ...................................................................................................... 14 Figura 2.4. Cúpula da capela-mor da Igreja do Convento dos Agostinhos. Estremoz. ....................................................... 16 Figura 2.5. Pormenor da cúpula da capela-mor da Igreja do Convento dos Agostinhos. Estremoz.................................... 16 Figura 2.6. Pormenor decorativo em parede. Palácio do Marquês de Pombal, Lisboa....................................................... 19 Figura 2.7. Tecto com estuque policromo, enquadrando imagem central. Palácio do Marquês de Pombal,

Oeiras. ............................................................................................................................................................. 19 Figura 2.8. Estuque de influência Adam. Palácio dos Biscaínhos, Braga........................................................................... 20 Figura 2.9. Motivo decorativo de influência Adam, em parede. Capela da Igreja dos Grilos, Porto.................................. 20 Figura 2.10. Estuque de influência neo-gótica em moradia. Póvoa de Varzim. ................................................................. 21 Figura 2.11. Estuques do período revivalista. Palácio de Monserrate, Sintra. .................................................................... 21 Figura 2.12. Influência árabe na decoração das superfícies. Palácio de Monserrate, Sintra. .............................................. 21 Figura 2.13. Átrio de entrada de edifício de habitação. Rua do Salitre, Lisboa.................................................................. 26 Figura 2.14. Átrio de entrada de edifício de habitação. Rua do Salitre, Lisboa.................................................................. 26 Figura 2.15. Painel decorativo de estuque no edifício-sede da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa............................ 27 Figura 2.16. Sequência de execução de uma placa de estuque marmoreado (escaiola, port.), onde é possível

observar a mistura de pastas de diferentes cores.............................................................................................. 35 Figura 3.1. Manchas provocadas pela entrada de água. Palácio do Marquês de Tomar, Lisboa. ....................................... 51 Figura 3.2. Entrada de água pela cobertura, resultando no desprendimento e colapso do estuque. Palácio do

Marquês de Tomar, Lisboa. ............................................................................................................................. 51 Figura 3.3. Entrada de água pela cobertura (observa-se a oxidação dos pregos do fasquiado). Palácio do

Marquês de Tomar, Lisboa. ............................................................................................................................. 51 Figura 3.4. Entrada de água pela cobertura (observa-se trabalho de reparação sem corrigir a causa). Villa

Morais, Ponte de Lima..................................................................................................................................... 51 Figura 3.5. Degradação provocada pelo apodrecimento da estrutura de madeira. Villa Morais, Ponte de Lima................ 52 Figura 3.6. Apodrecimento de frechal encostado a parede exterior. Villa Morais, Ponte de Lima..................................... 52 Figura 3.7. Lacuna em tecto apenas na camada de acabamento e em faixa. Villa Morais, Ponte de Lima......................... 55 Figura 3.8. Lacuna em tecto com perda total das diversas camadas do estuque. Palácio do Marquês de Tomar,

Lisboa. ............................................................................................................................................................. 55 Figura 3.9. Incrustações salinas. Igreja de S. Quintino. S. Quintino, Torres Vedras. ......................................................... 57 Figura 3.10. Perda de coesão das camadas inferiores do estuque, devido a sais resultantes da subida de água

por capilaridade. Palácio do Freixo, Porto....................................................................................................... 57 Figura 3.11. Manchas provocadas pelo arrastamento de partículas pela água. Palácio do Marquês de Tomar,

Lisboa. ............................................................................................................................................................. 59 Figura 3.12. Manchas provocadas pelo arrastamento de partículas pela água. Palácio do Marquês de Tomar,

Lisboa. ............................................................................................................................................................. 59 Figura 3.13. Mancha de sujidade provocada por detector de incêndio. Palácio do Marquês de Tomar. Lisboa................. 59 Figura 3.14. Mancha de sujidade provocada por detector de incêndio. Palácio do Marquês de Tomar. Lisboa................. 59 Figura 3.15. Fissuras em ornatos. Palácio do Marquês de Tomar, Lisboa.......................................................................... 62

Page 13: Reabilitação de estuques antigos

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS xi

Figura 3.16. Fissuras em parede com estuque liso, pintado. Palácio do Marquês de Tomar, Lisboa. .................................62 Figura 3.17. Tecto policromo pintado com tinta plástica. Palácio do Marquês de Tomar, Lisboa. .....................................69 Figura 3.18. Ornato policromo pintado com tinta plástica. Palácio do Marquês de Tomar, Lisboa. ...................................69 Figura 3.19. Descamação de tinta plástica contemporânea. Palácio do Marquês de Tomar, Lisboa. ..................................70 Figura 3.20. Descamação de tinta plástica contemporânea em local afectado por água. Sociedade Recreativa

de Vila Praia de Âncora....................................................................................................................................70 Figura 3.21. Aspecto das plaster keys em obra de reabilitação. Villa Morais, Ponte de Lima. ...........................................71 Figura 3.22. Aspecto geral da Igreja de Nossa Senhora do Loreto, Juromenha. .................................................................73 Figura 3.23. Pendente e abóbada, revestidos por estuque policromo. Igreja de Nossa Senhora do Loreto,

Juromenha. .......................................................................................................................................................73 Figura 4.1. Diagramas de composição de tectos estucados. ................................................................................................80 Figura 4.2. Remoção de pinturas contemporâneas para inspeccionar policromias ocultas. Palácio do Marquês

de Pombal, Lisboa. ...........................................................................................................................................88 Figura 4.3. Diagrama com a sequência das acções no decurso de uma inspecção ..............................................................95 Figura 4.4. Alçados interiores de uma igreja, com um exemplo do registo das intervenções a efectuar em

diferentes áreas [adaptado para português a partir de Comin e Citter (1998)]..................................................99 Figura 4.5. Diagrama com as acções prévias à intervenção nos estuques .........................................................................101 Figura 5.1. Diagrama das fases e sequência das intervenções, numa operação de reabilitação de estuques .....................113 Figura 5.2. Tecto pintado com tinta contemporânea. Palácio do Marquês de Tomar, Lisboa. ..........................................124 Figura 5.3. Remoção de tinta contemporânea em curso. Palácio do Marquês de Pombal, Lisboa. ...................................124 Figura 5.4. Levantamento de repinturas em estuques policromos. Residenz Toskanatrakt. Salzburgo, Áustria. ..............125 Figura 5.5. Levantamento de repinturas e argamassas aplicadas em operações de restauro. Residenz

Toskanatrakt. Salzburgo, Áustria. ..................................................................................................................125 Figura 5.6. Friso parcialmente limpo. Residenz Toskanatrakt. Salzburgo, Áustria...........................................................125 Figura 5.7. Estuques de onde foi removida a cal (à esquerda, parcialmente). Charola do Convento de Cristo.

Tomar. ............................................................................................................................................................125 Figura 5.8. Superfícies estucadas após remoção de tintas contemporâneas. Palácio do Marquês de Tomar,

Lisboa.............................................................................................................................................................126 Figura 5.9. Superfícies da figura anterior antes da remoção de tintas contemporâneas.....................................................126 Figura 5.10. Aspiração do extradorso de tecto. Villa Morais, Ponte de Lima. ..................................................................140 Figura 5.11. Escoras de suporte do tecto durante as operações de reabilitação. Palácio do Freixo, Porto.........................142 Figura 5.12. Nova estrutura de suporte de uma parcela de tecto em ruína. Palácio do Freixo, Porto. ...............................142 Figura 5.13. Pasta de gesso armada com sisal. Villa Morais, Ponte de Lima....................................................................144 Figura 5.14. Linhadas de sisal preparadas para aplicação em operação de consolidação. Palácio do Marquês

de Pombal, Lisboa. .........................................................................................................................................144 Figura 5.15. Consolidação de desprendimentos em áreas localizadas [adaptado para português a partir de J. e

N. Ashurst (1988)]..........................................................................................................................................145 Figura 5.16. Consolidação de desprendimentos em grandes áreas contínuas [adaptado para português a partir

de J. e N. Ashurst (1988)]...............................................................................................................................146 Figura 5.17. Fase prévia de reabilitação de tecto estucado: substituição de estruturas e fasquiados de madeira.

Palácio do Freixo, Porto. ................................................................................................................................147 Figura 5.18. Extradorso de tectos estucados: estrutura original e novo suporte do telhado. Palácio do Marquês

de Pombal, Lisboa. .........................................................................................................................................147

Page 14: Reabilitação de estuques antigos

xii REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

Figura 5.19. Elementos estruturais de madeira de suporte a tecto estucado do séc. XVIII. Palácio do Marquês de Pombal, Lisboa. ........................................................................................................................................ 148

Figura 5.20. Elementos estruturais de madeira em parede, para reintegração do estuque. Palácio Marquês de Pombal. Lisboa. ............................................................................................................................................. 148

Figura 5.21. Reintegração da decoração em lacunas de grande dimensão num tecto. Palácio do Freixo, Porto............... 152 Figura 5.22. Reintegração de troço de faixa. Residenz Toskanatrakt. Salzburgo, Áustria. .............................................. 152 Figura 5.23. Moldura a ser corrida e respectivas guias, em nervuras de abóbada. Residenz Toskanatrakt.

Salzburgo, Áustria. ........................................................................................................................................ 155 Figura 5.24. Cópia de moldura efectuada in loco, com recurso a barro. Residenz Toskanatrakt. Salzburgo,

Áustria. .......................................................................................................................................................... 155 Figura 5.25. Reprodução de ornatos. Original, molde e cópia. Residenz Toskanatrakt. Salzburgo, Áustria. ................... 156 Figura 5.26. Modelos em argila e ornato reproduzido. Oficina de estucador. Afife......................................................... 156 Figura 5.27. Aplicação de silicone de dois componentes sobre ornato. Residenz Toskanatrakt. Salzburgo,

Áustria. .......................................................................................................................................................... 158 Figura 6.1. Palácio do Freixo. Vista a partir do rio, antes da intervenção. ....................................................................... 165 Figura 6.2. Palácio do Freixo. Uma das entradas laterais, antes da intervenção............................................................... 165 Figura 6.3. Palácio do Freixo. Vista da entrada principal, após a intervenção. ................................................................ 165 Figura 6.4. Palácio do Freixo. Aspecto da entrada principal, após a intervenção............................................................. 165 Figura 6.5. Apodrecimento da estrutura de suporte de tecto. Palácio do Freixo, Porto. ................................................... 167 Figura 6.6. Tecto e parede afectados pela presença da água. Palácio do Freixo, Porto. ................................................... 167 Figura 6.7. Perda de coesão em parede. Palácio do Freixo, Porto. ................................................................................... 168 Figura 6.8. Alterações cromáticas provocadas por sais e pela radiação ultravioleta. Palácio do Freixo, Porto. ............... 168

Referências fotográficas:

Figura 2.16: fotografias extraídas de Gárate (1999). Figuras 2.2; 2.8*; 2.9 e 2.10*: fotografias extraídas de Vasconcelos (1998) e *(1991). Figuras 2.4 e 2.5: fotografias cedidas por Irmã Manuela Sousa, O.P., Convento dos Agostinhos, Estremoz

(s/d). Figuras 2.7*; 2.11** e 2.12**: fotografias extraídas de Inventário do Património Arquitectónico (IPA).

Recuperado em 2004, Abril, 23 de http://www.monumentos.pt/. (*) N.º IPA 1110040002, Palácio Marquês de Pombal, Oeiras e (**) N.º IPA: 1111110034, Palácio de Monserrate, Sintra.

Figuras 3.10, 6.1 a 6.8 e 10 fotografias das fichas em anexo: imagens extraídas do documentário vídeo “Palácio do Freixo, Conservação e Restauro, 2000/2003”, produzido por Alfândega Filmes, Lda. para A. Ludgero Castro, Lda.. Maio de 2003.

Figuras 5.4 a 5.6, 5.22 a 5.25 e 5.27: fotografado por Arq.ª Irene Frazão (1989). Cedidas pela autora. Figura 5.7: fotografia extraída de Marcone et al. (2003). Figura 5.9: fotografado por Armando Calado (2000), Divisão de Comunicação e Imagem, C. M. Lisboa.

Cedida pela Hemeroteca Municipal. Figura 5.11: fotografia extraída de F. e J. B. Távora, (2003). Figuras 5.12, 5.17 e 5.21: fotografado por Luís Baganha (2002). Cedidas pelo autor. Fotografias restantes por Hélder Cotrim (2003, excepto 2.15: 2004).

Page 15: Reabilitação de estuques antigos

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS xiii

ÍNDICE DE QUADROS

Quadro 2.1. Fases importantes na história dos estuques .....................................................................................................14 Quadro 3.1. Coeficientes de expansão térmica dos materiais (Fonte: ICCROM, citado por Feilden,

1982/2003) .......................................................................................................................................................60 Quadro 3.2. Quadro síntese de causa / efeito entre os agentes causadores das anomalias e as respectivas

consequências...................................................................................................................................................74 Quadro 5.1. Quadro comparativo das fases de intervenção de alguns trabalhos estudados...............................................111 Quadro 5.2. Comparação entre diversos métodos de reparação (Fonte: J. e N. Ashurst, 1988). .......................................143

Page 16: Reabilitação de estuques antigos
Page 17: Reabilitação de estuques antigos

1. INTRODUÇÃO

1.1. Considerações preliminares

O estuque é um revestimento milenar, encontrando-se em toda a história da

Arquitectura como um elemento decorativo dotado de propriedades únicas, no que respeita

à durabilidade, características estéticas e possibilidades de manuseamento. Permite a

execução de complexas decorações com uma grande capacidade de enriquecimento dos

edifícios onde está aplicado.

Em Portugal, o estuque, enquanto elemento integrante da arquitectura, tem o seu auge

nos séculos XVIII e XIX. Nesse período, os revestimentos decorativos destacaram-se

como os elementos mais marcantes da arquitectura, embora o estuque nunca fosse

valorizado de forma análoga a outros revestimentos, como a talha e o azulejo.

Essa subalternização histórica sempre desvalorizou o estuque e, por certo, foi

responsável pelo reduzido número de estudos sobre esta matéria, não sendo, por isso, de

estranhar o estado de degradação em que se encontram alguns edifícios antigos com

decorações em estuque.

O investimento na reabilitação de edifícios antigos é reduzido e, em determinadas

situações, os interiores são completamente alterados. Num passado recente, foi comum

efectuarem-se obras de adaptação para escritórios, ocultando-se quaisquer vestígios de

estuques, como se fosse um estigma que espaços de serviços contemporâneos

apresentassem decorações antigas.

As intervenções com algum interesse ao nível da reabilitação, em número reduzido,

resultam, na maioria dos casos, da conjuntura do momento, devido a interesses políticos,

económicos ou motivados por uma qualquer situação específica. É disso exemplo a

reabilitação do Palácio do Freixo, no Porto, um edifício setecentista, classificado como

Monumento Nacional desde 1911, da autoria de Nicolau Nasoni, que se encontrava

totalmente degradado. Possui um conjunto de estuques que valem por si e cuja reabilitação

é objecto de estudo no presente trabalho.

Page 18: Reabilitação de estuques antigos

INTRODUÇÃO CAPÍTULO 1

2 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

O estado de degradação em que se encontra grande parte do património antigo requer

uma intervenção urgente, sob pena de se perderem importantes conjuntos decorativos

estucados.

No caso dos edifícios habitacionais, esta degradação é particularmente preocupante

devido à perda da memória colectiva. Contudo, mais grave é o estado de degradação de

estuques integrados em edifícios dos períodos Barroco, Rocócó, Neoclássico ou

Romântico, pelo seu contexto e valor em si mesmos, merecendo, por isso, uma atenção

particular no que respeita à reabilitação.

É, ainda, possível encontrar estuques degradados dos séculos XVI e XVII, embora

mais raros e tecnicamente menos evoluídos quanto à composição decorativa, mas

valorizados pela raridade e antiguidade.

À reabilitação de estuques antigos colocam-se, contudo, algumas dificuldades,

principalmente em resultado dos aspectos a seguir indicados:

⋅ o desconhecimento de grande parte das técnicas tradicionais, no contexto actual,

muito em resultado do egocentrismo de certos artistas do passado (principalmente

do final do século XIX e primeira metade do XX) e sua incapacidade de

transmissão de conhecimentos;

⋅ o desaparecimento de mão-de-obra habilitada;

⋅ o reduzido número de trabalhos de investigação em torno do estabelecimento de

procedimentos gerais para identificação das causas da patologia e definição de

metodologias de intervenção em estuques; e

⋅ a produção de soluções, pela indústria contemporânea, de resolução de problemas

de forma rápida e relativamente económica mas potencialmente incompatíveis

com as situações antigas (como, por exemplo, as soluções pré-doseadas e os

produtos derivados dos polímeros).

Essa falta de conhecimentos está na origem de intervenções incorrectas, pois o seu

sucesso é directamente proporcional ao nível de conhecimento e controlo de cada contexto.

O conhecimento contribui para evitar a adopção de soluções erradas e atrasos nos trabalhos

e possibilita um controlo de custos eficaz.

Page 19: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 3

A intervenção não pode efectuar-se sobre um estuque antigo isoladamente, por este ser

uma parte do edifício onde se integra. Neste sentido, é necessário estudar processos e

formas de eliminar as anomalias, no contexto global do edifício. Caso contrário, as

intervenções são pontuais e, embora pouco dispendiosas, produzem efeitos pouco mais do

que nulos, a médio prazo.

Sendo o estuque uma parte do edifício, a sua reabilitação está sujeita a um projecto

integrado no projecto geral de reabilitação, conforme estabelecido pelos princípios

orientadores da intervenção no património, assegurando, assim, a necessária atenção a esta

importante componente decorativa.

Em Portugal, não foi publicada recentemente qualquer documentação de carácter

técnico sobre a execução ou reabilitação de estuques antigos. Existem, porém, publicações

desta natureza em Espanha, Itália, Inglaterra, França, Áustria e Alemanha, apenas para

citar os países mais próximos, da autoria de investigadores contemporâneos.

Existe mesmo um fórum virtual na internet, denominado Plaster Architecture1,

financiado pela União Europeia, que se dedica à compilação de assuntos dedicados aos

revestimentos e ornamentações executados com pastas e argamassas, onde se incluem as

de gesso, comprovando assim a actualidade deste assunto.

Recentemente, começaram a surgir na imprensa especializada notícias dispersas sobre

edifícios que apresentam estuques degradados, em diversos locais do país, com particular

incidência nas cidades de Lisboa e Porto. São edifícios anónimos que, independentemente

da importância da sua utilização, têm a capacidade de alertar, agora, para a perda do

património estucado.

Nesses edifícios não se incluem, certamente, os de uso público ocupados por serviços

que necessitam deles como cartão-de-visita. São disso exemplo algumas sedes de

Municípios ou edifícios ocupados por serviços da Administração Central, onde a

preservação dos estuques tem tido a atenção devida, muito por força da importância e do

mediatismo dos serviços ali instalados.

1 http://www.plasterarc.net

Page 20: Reabilitação de estuques antigos

INTRODUÇÃO CAPÍTULO 1

4 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

1.2. Objectivos da dissertação

Esta investigação é a segunda de um conjunto que se pretende mais vasto, no qual se

insere um primeiro estudo sobre as características construtivas e a análise patológica dos

estuques antigos, elaborado por Ribeiro (2000). Com o presente estudo, pretende-se

aprofundar determinados aspectos de enquadramento geral do tema, bem como a

sistematização de métodos e processos adequados a uma reabilitação desta decoração. Em

síntese, os principais objectivos do presente trabalho são os seguintes:

⋅ um contributo para a revalorização estética e técnica desta forma de arte

decorativa;

⋅ a sistematização das principais etapas da evolução dos estuques em Portugal e o

respectivo enquadramento social;

⋅ o enquadramento dos processos iniciais dos trabalhos (levantamento e inspecção) e

o seu papel na elaboração do projecto de restauro; e

⋅ a investigação de métodos e técnicas que contribuam para a conservação e

reabilitação, com ênfase na execução de trabalhos específicos sobre elementos de

estuque com anomalias.

Este trabalho não é, contudo, um manual de reabilitação de estuques antigos. Pretende,

apenas, enquadrar diversos problemas da sua reabilitação, enquanto um processo integrado

de conhecimento de anomalias, de técnicas e de sistemas construtivos de edifícios

anteriores ao betão, bem como de métodos de conservação e restauro de revestimentos de

gesso.

Neste sentido, pretende-se a compreensão dos processos que enquadram a reabilitação

através da análise dos principais aspectos envolvidos em operações sobre estuques

executados antes do século XX, em edifícios novos ou antigos.

No que respeita à evolução dos estuques, pretende-se obter uma sistematização das

principais etapas do seu desenvolvimento, com início na época Manuelina e término na

revalorização contemporânea, passando por um complexo período, de mais de um século,

onde ocorreu uma acentuada desvalorização que é parcialmente responsável pela actual

situação de abandono de decorações estucadas e pela inexistência de investigação.

Page 21: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 5

Este estudo é, assim, mais um contributo para a melhoria do conhecimento do modo

como reabilitar estuques antigos. Aponta caminhos para o correcto estabelecimento de

metodologias de abordagem dos problemas e dos critérios de intervenção, embora, neste

contexto, abra novos rumos a seguir em futuras investigações sobre o tema.

1.3. Organização da dissertação

Este trabalho está organizado em sete capítulos: a introdução, no primeiro; os segundo

e terceiro capítulos, dedicados ao enquadramento geral do tema e à apresentação das

anomalias mais comuns; os capítulos quatro e cinco, que incidem nos problemas da

reabilitação, designadamente na metodologia de intervenção e na actuação directa sobre as

anomalias, respectivamente; o sexto capítulo, que apresenta um caso de estudo sobre a

reabilitação dos estuques do Palácio do Freixo; e, por último, o sétimo capítulo, que

contempla algumas conclusões sobre os assuntos estudados.

No presente capítulo, faz-se uma apresentação do tema estudado, apontam-se os

objectivos da investigação e resume-se o corpo do trabalho.

No segundo capítulo, enquadra-se histórica e socialmente a decoração estucada em

Portugal, bem como os princípios subjacentes à reabilitação do património antigo. O

capítulo é desenvolvido segundo três perspectivas: na primeira, apresenta-se a história

resumida do uso do gesso e do estímulo criativo por si propiciado; na segunda,

contextualizam-se os princípios actuais da conservação do património e enquadra-se a

reabilitação dos estuques nos princípios da Carta de Cracóvia (2000); na terceira, analisam-

se os dois princípios de realização de uma reabilitação: a conservação ou a restituição.

No terceiro capítulo, analisam-se as anomalias nos estuques segundo uma abordagem

da relação causa e efeito dos danos mais comuns, enquanto constituintes dum sistema

integrado do edifício, que podem ter origem nomeadamente em factores climáticos (água,

temperatura ou radiações ultravioleta), nas variações dimensionais dos edifícios, na acção

biológica, em materiais inadequados ou incompatíveis e, ainda, em causas acidentais

(sismos ou incêndios) ou resultantes da acção humana.

No quarto capítulo, apresenta-se uma proposta de metodologia para abordagem da

reabilitação de estuques. Referem-se, de forma sucinta, as diversas etapas necessárias a um

Page 22: Reabilitação de estuques antigos

INTRODUÇÃO CAPÍTULO 1

6 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

desenvolvimento faseado das operações, com início no levantamento e inspecção da

situação, até à pesquisa e confirmação de informações no decurso das obras, com

passagem pela elaboração do projecto de restauro.

No quinto capítulo, efectua-se uma análise dos processos de reparação sobre os

estuques degradados, segundo as fases de intervenção e os métodos de actuação, em

função da incidência das anomalias, desde a limpeza à actuação nos suportes de tectos

danificados. Este capítulo conclui-se com a análise de situações resultantes da necessidade

de instalação de novas infra-estruturas e respectivas dificuldades na remodelação de

edifícios antigos onde existam decorações de estuque, devido à necessidade de melhoria

das exigências funcionais.

No sexto capítulo, apresenta-se o caso de estudo da reabilitação do Palácio do Freixo,

com uma contextualização da história do edifício, do estado de conservação antes da

reabilitação e com uma breve análise dos processos de reabilitação. O capítulo é

acompanhado por fichas de análise das diferentes situações existentes, uma por tipo de

anomalia existente. Destinam-se estas a efectuar uma caracterização da anomalia, das

acções de levantamento e inspecção necessárias e das estratégias de reabilitação mais

adequadas. Pretendem, ainda, servir de modelo para realizar levantamentos da patologia de

outros edifícios com estuques antigos.

Por último, no sétimo capítulo, apresenta-se um conjunto de conclusões extraídas

deste estudo e indica-se uma série de linhas de investigação para desenvolver em trabalhos

futuros.

Page 23: Reabilitação de estuques antigos

2. ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E SOCIAL DOS ESTUQUES

Os revestimentos e decorações de gesso são uma arte decorativa por excelência, visto

não ser possível a sua existência física fora da Arquitectura. São também elementos que

funcionam como complemento dos espaços, e em determinadas épocas ajudaram a

caracterizá-los e hierarquizá-los no todo edificado.

Enquanto materiais de acabamento, desde sempre, os revestimentos e decorações de

gesso foram aplicados em edifícios de diversos níveis qualitativos, desde edifícios

religiosos a civis, pertença das mais elevadas classes sociais e, mais recentemente, em

modestas construções de rendimento destinadas à habitação.

O gesso, de acordo com Gárate (1999), é um material simples que, ao ser combinado

com outros materiais, como a cal, e sujeito a complexas técnicas de manipulação, se

converte num elemento chave da Arquitectura, esta considerada uma das grandes

manifestações da cultura humana. Neste sentido, afirma serem os revestimentos e

decorações de gesso uma grande parcela do património arquitectónico e, como tal, devendo

ser preservada.

O gesso está presente em diversas culturas, épocas e contextos, em alguns períodos

com uma presença muito vincada e sempre com grande variação ao nível das situações

construtivas onde tem sido utilizado, quando combinado com outros materiais.

Talvez isso se deva à sua versatilidade material e estética, simultaneamente como

solução de revestimento e de ornamentação, não sendo também alheia a capacidade dos

revestimentos de gesso transmitirem aos sentidos uma noção de pureza, semelhante ao

mais nobre dos materiais, a pedra.

As ornamentações de gesso são também importantes por reflectirem a evolução

arquitectónica, estilística e técnica dos edifícios onde estão aplicados, testemunhando as

crenças, valores e posturas políticas dos seus mentores, bem como o modo de habitar do

passado, fruto da sua localização e das suas características (Vasconcelos, 1997).

Page 24: Reabilitação de estuques antigos

ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E SOCIAL CAPÍTULO 2

8 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

As diferentes aplicações do gesso como ligante são conhecidas desde há alguns

milhares de anos, surgindo misturado com cal ou simples, aplicado em paredes, em tectos e

mesmo em pavimentos.

As designações das argamassas compostas com gesso são muito variáveis, inclusive

entre países vizinhos, como é o caso de Espanha e Portugal, sem considerar o caso italiano.

É possível encontrar em Itália designações associadas tanto às técnicas de execução, como

às composições ou ao tipo de ornamentação, isto porque ao longo da história das

construções as argamassas ou pastas de gesso são de uma versatilidade quase infinita,

quanto à composição e à aplicação.

No léxico português, os revestimentos e ornamentações com gesso na composição são

genericamente designados por estuque. Tal não acontece noutras línguas europeias, o que,

em certa medida, contribui para alguma ambiguidade nas designações, conforme será

referido mais adiante.

Por isso, para maior facilidade de leitura e compreensão e porque a tradição linguística

portuguesa não contempla outras denominações, adopta-se no presente estudo a designação

estuque, referida tanto aos revestimentos como às ornamentações executadas com gesso no

interior dos edifícios.

Neste capítulo não se pretende fazer uma história do estuque em Portugal, ainda que

esta se encontre por elaborar, de forma sistemática. Contudo, importa apresentar uma breve

cronologia da sua utilização, a nível mundial e no nosso país, de modo a entender o

estímulo criativo gerado pelas pastas e argamassas de gesso.

2.1. Os revestimentos e decorações com gesso

A utilização de revestimentos de gesso remonta ao Neolítico. Naquele período,

tiveram início os revestimentos com um material denominado pelos arqueólogos como

gesso (Gárate, 1999), que se destinavam a servir de suporte a policromias.

Foi posteriormente utilizado em Jericó, cerca de 7000 a.C., em pavimentos. Encontra-

se em seguida, em Creta, na cultura Minóica, como revestimento de paredes, misturado

numa argamassa de cal e pó de mármore, aplicado segundo as técnicas de execução de

Page 25: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 2 ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E SOCIAL

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 9

estuques lisos e como suporte de frescos. Estas técnicas acabariam por chegar à

Renascença Italiana, no século XV.

Supõe-se que a utilização do gesso semi-hidratado terá tido início no antigo Egipto,

facto que se deve, provavelmente, à riqueza da região naquele material. Os egípcios

consideravam este material de origem sobrenatural, daí o seu comportamento ser apenas

conhecido pelos sacerdotes. Comprova-se, assim, como o gesso ocupava um lugar especial

na hierarquia dos materiais construtivos.

Os edifícios egípcios utilizavam-no em profusão, desde o fecho de juntas de pedras,

até à aplicação como revestimento para execução de pinturas. Praticamente todos os

rebocos da época dos faraós estão executados à base de sulfato de cálcio, obtido a partir da

pedra de gesso.

Na Grécia, desde o século VIII a.C., os revestimentos de gesso são utilizados com o

objectivo de dissimular o aspecto irregular dos materiais constituintes das paredes,

servindo como base para a execução de frescos.

Em Roma, a situação é semelhante, como consequência natural da apropriação cultural

efectuada pelos romanos nos territórios gregos. Contudo, a importância de Roma é

determinante, pois é de lá que chega o primeiro documento escrito, De Architectura, de

Vitrúvio, onde, no Livro VII, existe uma descrição das técnicas de execução e das

composições das argamassas.

Apesar da importância dos revestimentos de gesso até ao Império Romano, desde o

seu fim e ao longo de toda a Idade Média praticamente não se encontram nas construções

executadas pelos povos europeus.

A partir do início do século VIII na Península Ibérica2, através da presença Árabe, a

Arquitectura ganha um esplendor até aí inexistente em matéria decorativa. As composições

ornamentais de gesso são abordadas segundo uma lógica nunca experimentada por

qualquer outra produção cultural do passado.

A decoração árabe apresenta complexas composições geométricas, elementos florais e

inúmeras caligrafias árabes com passagens do Corão, representada em baixo relevo.

2 A conquista do Sul de Espanha ocorre em 711, com o domínio da província da Andaluzia (Al Andaluz).

Page 26: Reabilitação de estuques antigos

ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E SOCIAL CAPÍTULO 2

10 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

Surgem também as policromias, em cores brilhantes, que mais tarde viriam a sublinhar as

composições decorativas estucadas e seriam uma presença constante em todos os estuques

do período barroco.

Gárate (1999) refere que os protagonistas da arquitectura árabe foram a cor e a

geometria, suportadas pelo gesso. Paradoxalmente, integram-se em construções

tecnicamente pobres, que usavam a terra como material construtivo predominante.

Segundo este autor, os tratadistas árabes em raras ocasiões se referem às outras artes,

descrevendo os trabalhos decorativos de gesso de forma exaustiva, ao nível da forma, da

grafia, das influências e derivações. A título de curiosidade, assinale-se que os árabes se

referem a qualquer trabalho com gesso através da simples designação de estuque, situação

paralela à que existe no léxico português.3

Os artesãos árabes controlavam na plenitude o fabrico do gesso, desde a selecção das

pedras à sua cozedura e, ainda, os aditivos necessários ao seu correcto manuseamento

durante a execução das ornamentações.

2.2. Os estuques em Portugal

Existe no nosso país uma grande quantidade de estuques, em edifícios construídos

maioritariamente entre os séculos XVIII a XX, carecendo de urgente reabilitação, sem

contudo existirem trabalhos científicos que permitam um enquadramento objectivo dos

diferentes aspectos envolvidos nessa acção.

Pouco tem sido escrito sobre a história artística, social e técnica dos estuques.

Encontram-se alguns documentos resultantes do estudo de Flórido de Vasconcelos (1991,

1997) e artigos dispersos em publicações de cariz regional ou em pequenos e dispersos

artigos de pessoas que vivem sentimentalmente a herança dos estuques, como é o caso dos

habitantes de Afife, Viana do Castelo.

Em Portugal, a tradição da utilização de gesso em revestimentos foi, ao que parece,

bastante diminuta, pelo que a chegada do estuque ao nosso país, no século XVI, acaba por

ser um acontecimento novo, como se nunca tivesse existido um contacto anterior. A

3 Na língua castelhana, existe uma palavra para designar as ornamentações em relevo (yesería) e outra para as superfícies lisas revestidas por argamassas de gesso, sob as mais variadas composições (estuco).

Page 27: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 2 ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E SOCIAL

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 11

relação com a decoração de estuque sempre decorreu um pouco à margem do que era

entendido como uma produção artística nacional.

Vários factores podem ter concorrido para esta situação. Em primeiro lugar, o

território português não é rico em gesso, ao contrário do resto da Península Ibérica ou de

França. Em segundo lugar, o estuque esteve quase sempre ligado a países estrangeiros,

quer pela mão de portugueses que visitaram locais além fronteiras, quer trazido por artistas

italianos, franceses, ingleses e outros, vindos da Europa Central.

No século XVI, Francisco de Holanda descreve a descoberta, na cidade de Roma, de

ruínas onde existem estuques, os grutescos. No século XVIII, os estuques do Porto tiveram

um grande desenvolvimento através do toscano Nasoni. Em Lisboa, a primeira aula de

execução de estuques surgiu em 1764, na Real Fábrica das Sedas, sob a direcção do

milanês João Grossi (Machado, 1823).

No século XIX, os trabalhos dos irmãos ingleses Adam e a Espanha Árabe

influenciaram inúmeros artistas nacionais. No século XX, as inovações formais e

estilísticas foram importadas da Arte Nova e da Art Deco; (Vasconcelos, 1991, 1997;

Ribeiro, 2000).

Os primeiros trabalhos estucados, com alguma expressão, surgem em Portugal apenas

no século XVI. Antes do Renascimento, porém, conhecem-se vestígios em ruínas de

construções do período romano, na estação arqueológica do Freixo, em Marco de

Canaveses. Do período árabe, apenas se conhece um único fragmento, na antiga mesquita

de Mértola, hoje igreja matriz, ao contrário da província da Andaluzia, no Sul de Espanha,

onde a situação apresenta o esplendor conhecido, com o maior exemplo na cidade árabe de

Alhambra, perto de Granada.

É uma situação que impressiona pela negativa e diversos factores podem ter

contribuído para isso: (a) por se terem perdido exemplos importantes; (b) por não existir

matéria prima em quantidade suficiente, como se comprova pelo mapa da figura 2.1 (c) por

os árabes nada terem encontrado neste lado ocidental da Península que os levasse a

interessar-se, ao contrário do Sul, onde existiam condições para um desenvolvimento

urbano potenciador da construção dos edifícios ali existentes.

Page 28: Reabilitação de estuques antigos

ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E SOCIAL CAPÍTULO 2

12 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

Não há certezas sobre a introdução das técnicas de execução de estuque, em Portugal,

a partir do século XVI. Julga-se, contudo, que a influência chegou via Itália.

Figura 2.1. Localização dos mais importantes depósitos de gesso, em Espanha (Garaté, 1999).

Desta época, os estuques conhecidos mais antigos encontram-se executados na

Charola da Igreja do Convento de Cristo, em Tomar, com influências manuelinas. De

execução posterior, existem diversas ornamentações em edifícios religiosos no Alentejo.

Os estuques desta primeira fase tanto apresentam policromias e dourados, como

superfícies totalmente brancas. As cores utilizadas eram, predominantemente, o azul e o

ocre, de origem mineral, ou o preto, de negro de fumo, devido à sua compatibilidade com a

cal.

O desenvolvimento dos estuques tem origem em três locais e contextos principais, a

partir dos quais ocorre a sua expansão. Na cidade de Évora, durante o século XVI, em

resultado da presença da Corte, após a subida ao trono de D. Afonso V, em 1438, até às

primeiras décadas do século XVI. Na cidade do Porto, em resultado da presença do toscano

Nicolau Nasoni, que chega àquela cidade em 1725 e ali morre em 1773. E na região de

Lisboa, em resultado do trabalho de outro italiano, o milanês João Grossi, em larga medida

como consequência da criação da aula de estuques, em 1764, na Real Fábrica das Sedas, no

Rato.

Pelos exemplos citados, constata-se como a influência italiana foi sempre

determinante. Em matéria de valorização da arte decorativa do estuque, são diversos os

Page 29: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 2 ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E SOCIAL

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 13

artistas italianos ou de formação italiana que, por uma razão ou outra, vêm surgindo no

nosso país. Não foram apenas Nasoni e Grossi mas também Ludovice, alemão de formação

italiana, que introduz na corte de D. João V a influência transalpina.

Com Grossi trabalharam outros italianos, já com um percurso que os tinha levado aos

países da Europa Central, onde se julga ter havido contacto com as produções artísticas

mais avançadas ali produzidas.

Por último, até ao final da primeira metade do século XIX, durante a descoberta

estilística da Antiguidade Clássica, Roma transforma-se em definitivo na capital mundial

da Arte, onde voltam a deslocar-se alguns portugueses, que sofrem uma nova vaga de

influências.

Sem uma inventariação rigorosa, parece que os trabalhos a partir do século XVIII

irradiam principalmente a partir dos contextos existentes nas cidades de Lisboa e Porto.

Em nota de homenagem importa referir o papel dos operários estucadores naturais do

concelho de Viana do Castelo, principalmente das freguesias de Afife, Carreço, Areosa e

Darque, na margem direita do rio Lima.

Ali, como em nenhum outro local do país, existem muitos profissionais com o nome

ligado à arte decorativa do estuque – ver a Monografia “Afife” (Meira, 1942). Este

documento é fundamental, pois permite iniciar um inventário dos estuques produzidos por

estucadores afifenses e é possível observar que participaram na decoração de muitos

edifícios artisticamente importantes como o Palácio da Bolsa, no Porto (figura 2.2), o

Palácio de Estói, em Tavira e os Palácios da Pena e Monserrate, em Sintra.

Não há certeza dos motivos que originaram tão grande número de estucadores naturais

daquela região, mas julga-se que a sua ligação nasça em meados do século XVIII (Freitas,

2002).

Não existem documentos comprovativos de algum deles ter frequentado a escola de

Grossi. No entanto, o trabalho de estucador teve em Afife um dos seus pólos de

desenvolvimento, por via de uma aprendizagem de desenho e modelação, talvez

autodidacta. Em Afife, o trabalho de estuque é, aliás, conhecido pela simples designação

de “A arte”.

Page 30: Reabilitação de estuques antigos

ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E SOCIAL CAPÍTULO 2

14 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

Tal é a sua importância que o símbolo heráldico da Freguesia de Afife ostenta uma

faixa com o desenho Art Deco existente no casino Afifense, como forma de homenagem a

uma arte que se mantém até à actualidade (figura 2.3).

Figura 2.2. Palácio da Bolsa, Porto.

Figura 2.3. Estuque Art Deco. Casino Afifense. Afife.

Nos subcapítulos seguintes, abordam-se os aspectos que contribuíram para o

desenvolvimento dos revestimentos e decorações com gesso, em determinados períodos e

contextos, de acordo com o enquadramento apresentado no quadro 2.1.

Séc. XVI Séc. XVII Séc. XVIII Séc. XIX Séc. XX

Corte está em Évora

Domínio Filipino Afirmação da independência

D. João V Pombal Final do Absolutismo

Liberalismo I Rep. Estado Novo II Rep.

Tomar (1508) Nasoni (1725) Expansão a todo o território e além fronteiras Alentejo Mafra (i. 1717) Aula de Estuque (1764) Decadência

Manuelino Renascimento e Maneirismo Barroco (1690 / 1780) Neoclassic. Arquitectura Revivalista Modernismo

Séc. XVI Séc. XVII Séc. XVIII Séc. XIX Séc. XX

Quadro 2.1. Fases importantes na história dos estuques

Page 31: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 2 ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E SOCIAL

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 15

2.2.1. O primeiro foco de desenvolvimento no Renascimento

No século XVI surgem no Alentejo os primeiros edifícios com decorações estucadas,

em quantidade apreciável. Contudo, o primeiro local onde se conhecem estuques é Tomar,

que parece ser um caso isolado no Ribatejo, por não existirem até agora mais registos de

edifícios com estuques manuelinos semelhantes aos da Charola, edificada no reinado de D.

Manuel.

O grande desenvolvimento dos estuques no Alentejo deve-se à presença da Corte

portuguesa, a residir em Évora desde a aclamação de D. Afonso V (reinou de 1438 até

1481), até às primeiras décadas do século XVI. Em consequência, construíram-se

importantes casas apalaçadas, capelas, igrejas e mosteiros.

Nesse contexto, foram chamados ou atraídos a Évora os melhores artífices do país, no

campo da arquitectura, da pintura e da escultura, não só portugueses, mas também

estrangeiros residentes (Vilela, 1992).

A vinda de artistas italianos à Península Ibérica e a ida de peninsulares a Itália

contribuiu para que, em meados desse século, as formas do Gótico e do Manuelino fossem

substituídas pela influência oriunda daquele país.

Uma figura de referência na influência da cultura italiana em Portugal é Francisco de

Holanda. A sua formação tinha ocorrido no seio de um importante desenvolvimento das

artes e letras, onde apura o interesse pelo antigo que o levará àquele país enviado pelo rei

D. João III. Os conhecimentos obtidos nessa viagem ficam registados na conhecida obra

Da Pintura Antigua, onde é feita referência aos estuques romanos.

Vasconcelos (1997, p. 45) destaca e descreve como um dos mais belos estuques desta

época a cúpula da capela-mor da Igreja do Convento de Nossa Senhora da Conceição, em

Estremoz, citando o inventário de Túlio Espanca. Curiosamente, aquela descrição

corresponde ao estuque existente no Convento dos Agostinhos, na mesma cidade (figuras

2.4 e 2.5) e não no Convento referido.

Assinala ainda outros edifícios onde é notória a influência do italiano Serlio, de que

são exemplo os estuques existentes na Sé de Portalegre, na igreja e no refeitório do

Convento do Espírito Santo, em Évora.

Page 32: Reabilitação de estuques antigos

ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E SOCIAL CAPÍTULO 2

16 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

Figura 2.4. Cúpula da capela-mor da Igreja do Convento dos Agostinhos. Estremoz.

Figura 2.5. Pormenor da cúpula da capela-mor da Igreja do Convento dos Agostinhos. Estremoz.

2.2.2. O período áureo do Barroco

Durante o período do domínio filipino e, posteriormente, no período da afirmação da

independência, não há muitos registos de edifícios estucados. Após 1640, a aplicação de

fundos na construção incidiu quase em exclusivo em edifícios militares, onde o estuque

decorativo não existia.

Foram fundadas escolas de influência militar, nomeadamente a Aula de Artilharia e

Esquadria, na Ribeira das Naus, no ano de 1641, e a Academia Militar, no Paço da Ribeira,

em 1647, ambas em Lisboa (Mateus, 2002), onde eram ensinadas matérias do âmbito das

Construções, Desenho e Arquitectura.

Ao longo do século XVIII, em Lisboa e no Porto, surgem novos locais de ensino

daquelas matérias, que permitiram um maior desenvolvimento das artes decorativas. No

entanto, continua a existir uma componente militar bem acentuada.

Apesar dessa conjuntura, Cirillo Machado (1822), nas suas Memórias, refere alguns

edifícios estucados em Lisboa anteriores ao sismo de 1755. Porém, não há a certeza se a

sua construção data dos séculos XVI ou XVII e não chegaram aos nossos dias quaisquer

exemplares desta época, devido à sua destruição pelo abalo sísmico.

Page 33: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 2 ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E SOCIAL

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 17

Nicolau Nasoni na cidade do Porto

Mais tarde, já no século XVIII, outro dos locais de desenvolvimento é a cidade do

Porto e o Vale do Douro, em grande medida devido ao trabalho do toscano Nicolau

Nasoni. Antes deste, já em 1718 chegara ao Porto o mestre de estuques António Pereira.

Nasoni chega àquela cidade cerca de 1725. A sua formação moldara-lhe um perfil

tendencialmente universalista (Pereira, 1992). Tinha trabalhado em construções efémeras e

como pintor, apurando o sentido cenográfico, importante nas suas obras posteriores,

nomeadamente no desenho e configuração dos estuques.

As suas primeiras obras de pintura mural datam de 1725, na Sé do Porto. Pinturas,

talhas e mármores tendiam para uma apropriação total do espaço, predominando sobre a

arquitectura medieval (Pereira, 1992).

É nesta apropriação que se desenvolvem os seus estuques, após a sua fama se ter

espalhado pelo Vale do Douro. Nasoni depressa se transforma em arquitecto mas,

conforme refere o mesmo autor, raramente ultrapassará a qualidade de arquitecto-

decorador, embora notável.

Os edifícios profusamente decorados, onde os estuques assumem um grande relevo,

são uma marca das suas produções arquitectónicas, destacando-se na arquitectura civil o

Palácio do Freixo, datado de 1750, a par doutras edificações na cidade do Porto, onde se

incluem diversas igrejas. Pereira considera que, no Freixo, Nasoni termina em apoteose a

sua carreira de arquitecto de casas de campo (caso de estudo apresentado no capítulo VI,

do presente trabalho).

O Convento de Mafra

Outro foco de desenvolvimento da arquitectura é a cidade de Lisboa, que acontece por

vontade régia. O expoente daquele desenvolvimento fica expresso, também no século

XVIII, no convento de Mafra, construído sob influência do fascínio de D. João V por

Roma, onde recolheu diversas informações e cujo projecto, elaborado por Ludovice

durante seis anos, foi desenvolvido com contributos oriundos daquela cidade (Pereira,

1992).

Page 34: Reabilitação de estuques antigos

ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E SOCIAL CAPÍTULO 2

18 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

O Convento de Mafra, construído a partir de 1717, é um gigantesco empreendimento

económico, com resultados ao nível do desenvolvimento de todas as áreas artísticas ligadas

à construção civil. Mafra foi uma escola de artes com natural repercussão pelo país.

Os estuques foram utilizados em situações pontuais, como na Sala do Capítulo,

comprovando-se, assim, que o estuque era considerado um elemento decorativo de elevado

estatuto.

A Aula de Estuques na Real Fábrica das Sedas

Na segunda metade do século XVIII, o estuque tinha atingido grande importância.

Neste contexto é fundada, em 1764, na Real Fábrica das Sedas, em Lisboa, por iniciativa

do Marquês de Pombal, a primeira Aula oficial de estuques, cuja direcção é entregue a

João Grossi.

O trabalho de Grossi e dos frequentadores da Aula de Estuques está bem descrito nas

memórias de Cirillo Machado (1822). Nesse livro, é possível encontrar referências a

diversas obras realizadas pelos alunos, todos identificados pelos seus nomes. Este

documento é dos mais importantes para proceder à inventariação dos estuques deste

período.

Julga-se que os estuques das casas pertencentes ao Marquês de Pombal são da autoria

de Grossi (Rua do Século e Rua das Janelas Verdes, em Lisboa e Palácio do Marquês, em

Oeiras) (figuras 2.6 e 2.7). Contudo, não é a sua obra que mais impulsiona o

desenvolvimento dos estuques portugueses do período Barroco, mas sim o contributo dado

na formação de estucadores portugueses.

Em nenhuma outra época viria o estuque a atingir um estatuto tão elevado. Apesar

disso, paradoxalmente, nunca mais deixa de ser utilizado na decoração arquitectónica e

chega até ao século XX como um dos materiais decorativos dotados de maior versatilidade

e capacidade de adaptação às formas da arte do seu tempo (Vasconcelos, 1966).

Page 35: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 2 ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E SOCIAL

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 19

Figura 2.6. Pormenor decorativo em parede. Palácio do Marquês de Pombal, Lisboa.

Figura 2.7. Tecto com estuque policromo, enquadrando imagem central. Palácio do Marquês de Pombal, Oeiras.

2.2.3. O alargamento a todo o território nacional

É a partir desta época, meados do século XVIII, que o estuque passa a ser utilizado em

larga escala em edifícios religiosos e em casas senhoriais da nobreza e de altos dignitários

da Igreja, num contexto de pleno desenvolvimento dos elementos decorativos.

As suas características formais e compositivas haviam de ter uma importância

determinante na caracterização da arquitectura Barroca, já no século XX.

Na região de Lisboa, são inúmeros os palácios construídos no final do século XVIII e

princípio do XIX, onde é possível observar o trabalho dos estucadores da Aula dos

Estuques.

No Sul de Portugal, nesta época, a presença do estuque não é tão forte,

comparativamente ao início do século XVI, conforme assinala Vasconcelos (1997), apesar

da existência de exemplos bem significativos, nomeadamente nos Paços do Concelho de

Borba, na igreja de Nossa Senhora de Aires, na Misericórdia de Pavia ou na sala do

Capítulo do Convento das Maltesas, em Estremoz.

Page 36: Reabilitação de estuques antigos

ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E SOCIAL CAPÍTULO 2

20 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

A Norte da Região de Lisboa também não se encontram muitos exemplos, pelo que

Vasconcelos apenas refere os tectos da antiga tesouraria da Universidade de Coimbra.

Neste período, salientam-se também as influências dos decoradores franceses e o

importante contributo dos arquitectos britânicos, os irmãos Robert e James Adam (figuras

2.8 e 2.9), que tiveram uma influência muito marcante nos estuques da cidade do Porto,

por via da comunidade ali residente.

Como o trabalho de inventariação não está efectuado, fica, novamente, lançado o

convite aos historiadores de arte para o realizarem, começando pelo estudo das fontes

ainda existentes.

Figura 2.8. Estuque de influência Adam. Palácio dos Biscaínhos, Braga.

Figura 2.9. Motivo decorativo de influência Adam, em parede. Capela da Igreja dos Grilos, Porto.

2.2.4. A arquitectura revivalista

O período revivalista português não tem fronteiras t94emporais bem definidas, uma

vez que coexistem algumas experiências já no final do século XVIII e estendem-se até ao

início do século XX. No entanto, o período mais consistente vai de meados do século XIX

até cerca de 1870, classificado por P. Pereira (1995) como o período da maturidade

romântica.

Page 37: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 2 ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E SOCIAL

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 21

Em quase toda a arquitectura revivalista, é possível observar estuques de elevada

complexidade compositiva e temática, como resposta às exigências decorativas de uma

arquitectura cenográfica e pitoresca, que ia buscar a inspiração às diferentes épocas e

culturas do passado.

São comuns as composições geométricas, motivos, temas e ornatos próprios de outras

épocas, que dão forma às diferentes denominações revivalistas do passado: o neo-gótico

(figura 2.10), o neo-manuelino e o neo-árabe.

Figura 2.10. Estuque de influência neo-gótica em moradia. Póvoa de Varzim.

Deste período, Vasconcelos (1997) destaca, num primeiro nível, o Palácio de Estói, no

Algarve, o Palácio da Pena, em Sintra e o chalet de Emídio Navarro, no Buçaco e, em

segundo, o Palácio da Bolsa, no Porto, e a Quinta de Monserrate, em Sintra (figuras 2.11 e

2.12).

Figura 2.11. Estuques do período revivalista. Palácio de Monserrate, Sintra.

Figura 2.12. Influência árabe na decoração das superfícies. Palácio de Monserrate, Sintra.

Page 38: Reabilitação de estuques antigos

ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E SOCIAL CAPÍTULO 2

22 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

Ainda desta época, são as decorações estucadas com uma temática ligada à expansão

portuguesa do século XVI, onde se encontram alegorias históricas e ornatos inspirados nos

locais por onde os portugueses viajaram, inspirados nas terras a Sul do Equador e num

imaginário ligado aos utensílios quinhentistas. É uma época ecléctica4, enquadrada por

uma imaginação ilimitada.

Meira (1942) narra na sua monografia “Afife” alguns aspectos da vida e obra de um

dos principais estucadores de Afife, Domingos Meira, o qual chegou a deslocar-se a

Granada com vista a inspirar-se na exuberância decorativa dos estuques árabes para a

reinterpretar, no Palácio da Pena, em Sintra.

Vasconcelos (1997) assinala também esta influência na região de Lisboa, com

destaque para duas das suas obras, os Paços do Concelho de Alenquer e o Palácio Burnay,

na Rua da Junqueira, em Lisboa.

O estuque encaixava na perfeição nas intensas pesquisas decorativas dos arquitectos,

por permitir realizar a decoração julgada mais adequada.

Foi uma época na qual este acabou por deslumbrar uma nova burguesia recém-

endinheirada, com muitos emigrantes regressados do Brasil, ali transformados em

milionários, a pretender mostrar na sua terra natal o que tinham conseguido além-

fronteiras. É o período de excelência das designadas “casas dos brasileiros”, tão

ridicularizadas à data da sua construção, de que é exemplo a Villa Morais, em Ponte de

Lima.

Essas construções nunca foram bem aceites pelos sectores intelectuais portugueses,

por nunca se terem relacionado bem com as expressões de novo-riquismo dos emigrantes

voltados ao país.

2.2.5. O momento da decadência no período liberal

Os estuques vão evoluindo no contexto citado, acompanhando os movimentos

artísticos. Porém, esta expressão artística inicia a sua natural decadência, a partir do século

XIX, por força de um conjunto de preconceitos dos intelectuais liberais republicanos.

4 O termo eclectismo é usado para categorizar a atitude de franca inclusão de todo o passado. A arquitectura ecléctica situa-se na segunda metade do século XIX.

Page 39: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 2 ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E SOCIAL

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 23

Sobre a decoração estucada, surgem, assim, em meados do século XIX, diferentes

opiniões acerca da sua utilização. A partir desta época, raramente foram valorizados e

deixou mesmo de existir qualquer consenso sobre a sua conservação, a não ser muito

recentemente.

Essa depreciação talvez se deva ao facto de o estuque nunca ter sido visto como uma

produção genuinamente nacional, à luz dos conceitos daquele século, ao contrário da talha

e do azulejo, ainda hoje referenciadas como artes decorativas de excelência do período

Barroco.

Por um lado, os árabes, estucadores de excelência, sempre foram vistos como infiéis e

como os eternos invasores expulsos, que o país devia esquecer. Por outro lado, o reinado

de D. João V ficou conotado com um país decadente. Portugal, porém, era glorioso desde a

fundação da nacionalidade até à Idade Média. A partir daí era visto como um país sem

glória, com as suas expressões artísticas a serem catalogadas por este pensamento.

Neste contexto adverso, não havia qualquer possibilidade de valorizar o estuque, pois

os mais importantes períodos da sua utilização encontravam-se significativamente mal

vistos.

Importa salientar, contudo, um aspecto contraditório com aquela situação, no século

XIX, durante a descoberta da arquitectura do passado, muito do gosto artístico de certos

círculos intelectuais ia buscar inspiração à arquitectura árabe.

Segundo J. F. Pereira (1992), na opinião de diversos historiadores e outros intelectuais

do século XIX, Garret, Herculano, Oliveira Martins e Antero de Quental, as expressões

artísticas do século XVIII transportavam consigo sinais de decadência. Era uma arte

ignóbil e as expressões posteriores apenas contribuíam para agravar a situação.

Apesar de o estuque surgir no século XVI, na época manuelina, desenvolve-se

precisamente associado àquele contexto histórico, o que decerto contribuiu para a

inexistência de qualquer preocupação com a reabilitação deste tipo de decoração e

expressão artística.

Este preconceito acabou por projectar-se no século XX, através dum pensamento que

pouco conseguia aceitar para além da produção artística até ao início do século XVI,

Page 40: Reabilitação de estuques antigos

ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E SOCIAL CAPÍTULO 2

24 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

coincidente com o Período Manuelino, época até à qual a arquitectura portuguesa estava

conotada com um passado glorioso.

No século XX, “a referência estética era medieval em continuação do gosto

oitocentista” (J. F. Pereira, 1992). O estudo do estuque continuou a ser muito afectado pelo

facto de o Estado Novo não simpatizar com o período histórico correspondente ao século

XVIII, devido ao absolutismo Joanino e, posteriormente, ao anti-clericalismo do Marquês

de Pombal.

Como consequência, alguns excelentes exemplos foram deixados ao abandono até

atingirem a ruína, se não irreversível, muito próximo disso, como é o caso do Palácio do

Freixo, no Porto.

O esquecimento a que o estuque foi votado é comprovado pelas diversas monografias

e trabalhos de levantamento e análise das características da talha e do azulejo, enquanto

que ao seu estudo se dedicam cerca de meia dezena de trabalhos válidos, dos quais se

destacam os artigos de Flórido de Vasconcelos, principalmente o trabalho publicado em

1997.

A situação paradigmática do ódio aos estuques dos responsáveis pelo património está,

aliás, muito bem exemplificada no discurso de Henrique Gomes da Silva, em 1935,

publicado no primeiro número do boletim da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos

Nacionais, precisamente o organismo do Estado responsável pela conservação dos

edifícios classificados.

O autor afirma, nesse texto, que as intervenções realizadas nos séculos XVII e XVIII,

nos edifícios medievais, eram atentados a eliminar. Estabelecia, desde logo, a remoção dos

estuques e talhas “sem valor” que recobriam o interior das Sés de Lisboa e Porto.

Afirmava que, ao remover a talha e picar o estuque, “ressurgia . . . intacta a unidade

arquitectural da primeira igreja”. Apesar da evolução do pensamento em torno do

património histórico, na segunda metade do século XX, em grande medida por força das

cartas internacionais já publicadas, este modo de olhar para os edifícios medievais não está

assim tão distante.

Continua a observar-se alguma tendência, por parte de sectores alheios à investigação

histórica e científica, para procurar a autenticidade de edifícios medievais e, em resultado

Page 41: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 2 ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E SOCIAL

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 25

dessa linha de pensamento, o estuque continua a ser um parente pobre em matéria de

investigação.

Outro factor nada favorecedor dos estuques tem as suas raízes no eclectismo

decorativo do fim do século XIX, que acabou por entrar numa situação tortuosa, revelando

falta de originalidade, acentuada pelo recente fabrico de moldes em série. É nesse contexto

que são decorados os salões e salinhas duma sociedade impiedosamente analisada pelos

principais escritores da época (Vasconcelos, 1961).

Este autor salienta o facto dessa decoração centenária ser feita com base nos modelos

produzidos em série, repetidos em formas comercializadas, como uma das razões para o

desdém com que os estuques muitas vezes são observados, ainda hoje.

A reforçar esta opinião, Macedo (1942) refere-se ao estuque como “lindas coisas que

caíram em desuso, que a moda assassinou”. É um claro exemplo da forma como os

estuques se tinham transformado numa moda, ao longo do século XX, segundo uma

apropriação algo infeliz.

Este autor refere, ainda, que no século XIX tinha havido uma industrialização do gosto

e os estuques tinham-se tornado farfalhudos, banais e fruto decadente da reprodução de

moldes mais ou menos estrangeiros.

Apesar de tudo, é nesse século que os estucadores atingem o estatuto mais elevado,

muito à custa de D. Fernando II e da influência exercida pelas tendências do Romantismo

sobre uma burguesia que pretendia afirmar-se socialmente com as suas casas. Veja-se, a

título de exemplo, os edifícios neo-árabes construídos na vila de Sintra, nomeadamente os

já referidos Palácios da Pena e o de Monserrate e muitos palacetes e villas construídos por

todo o país.

2.2.6. O período final no início do século XX

No princípio do século XX, os estucadores são seduzidos pelas formas vegetalistas

elaboradas e estilizadas da Arte Nova. Não são muito numerosos, mas os exemplos

existentes são bem exemplificativos do virtuosismo permitido pelos estuques.

O estuque acaba por encontrar o término da sua evolução estilística, antes do

aparecimento do modernismo, a par da arquitectura, nas formas e decorações da Art Deco.

Page 42: Reabilitação de estuques antigos

ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E SOCIAL CAPÍTULO 2

26 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

Estes exemplos decorativos são, no entanto, mais comuns nos estuques exteriores,

compostos com cimento, do que em interiores, apesar de ser possível encontrar alguns

exemplos em edifícios de rendimento das décadas de 20 e 30 (figuras 2.13 e 2.14).

Figura 2.13. Átrio de entrada de edifício de habitação. Rua do Salitre, Lisboa.

Figura 2.14. Átrio de entrada de edifício de habitação. Rua do Salitre, Lisboa.

O fim do papel decorativo do estuque está subliminarmente anunciado nos

documentos técnicos do princípio do século XX (Segurado, 191?). Neste documento,

Segurado transmite uma certa ingenuidade ao referir-se ao estuque como um elemento

decorativo destinado à habitação.

Constata-se como esses documentos, destinados à instrução profissional, estavam

essencialmente vocacionados para uma construção de rendimento, de pouca qualidade

arquitectónica e construtiva. Pela sua leitura, percebe-se como a utilização do estuque,

enquanto elemento decorativo, estava no fim.

O desconhecimento estava igualmente patente, visto o autor afirmar que o estuque

datava de meados do século XVIII, quando tal não era verdade.

Cada vez mais se notava um afastamento entre a construção de qualidade, pública ou

encomendada por instituições endinheiradas e aquilo que o estuque tinha para oferecer.

Estava posta em causa a necessária valorização deste género de arte decorativa,

mesmo a do passado. O desconhecimento potenciava a perda de importantes obras de

estuque, conforme veio a acontecer às decorações das Sés de Lisboa e Porto e a outras de

edifícios em declínio.

Page 43: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 2 ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E SOCIAL

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 27

A partir dos anos 30 do século passado, o aparecimento do modernismo em Portugal

faz o estuque perder definitivamente o seu papel decorativo, passando a ser, apenas, uma

solução de revestimento de planos lisos.

No resto da Europa, o aparecimento em larga escala de novas construções no pós-

guerra, influenciadas pelo pensamento modernista, faz surgir uma nova arquitectura que

termina por completo com qualquer vestígio decorativo, pelo menos nos termos em que

tinha existido em épocas anteriores, onde se verificava a sobreposição de ornamentação a

planos conformadores do espaço habitável (paredes e tectos).

Apesar de tudo, em virtude da sua excepcional versatilidade, o estuque continua a ser

utilizado em composições decorativas contemporâneas, conseguindo dar resposta a certas

necessidades decorativas da arquitectura recente. A título de exemplo refere-se o painel

decorativo no edifício-sede da Fundação Calouste Gulbenkian, datado de 1969 (figura

2.15).

Figura 2.15. Painel decorativo de estuque no edifício-sede da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa.

2.2.7. A revalorização contemporânea

Muita da necessária valorização resulta da descoberta tardia do Barroco, no século

XX, após a reavaliação das formas de arte do século XVIII, em parte como resultado do

trabalho de historiadores estrangeiros, como é exemplo o norte-americano Robert Smith.

A inexistência de estudos sobre o Barroco está perfeitamente descrita por J. F. Pereira

(1992), ao referir que o ensino da sua geração (meados do século XX) foi no sentido de

Page 44: Reabilitação de estuques antigos

ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E SOCIAL CAPÍTULO 2

28 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

ensinar a “amar os castelos medievais, as igrejinhas românicas implantadas em locais

verdejantes . . . a pureza exemplar de Alcobaça, o rendilhado Gótico da Batalha (como já

não se faz!) ou ainda a gloriosa e heróica exuberância manuelina . . . depois era

obviamente o declínio estéril, cujo símbolo era Mafra”.

Com a descoberta do Barroco e o abandono dos preconceitos históricos do Estado

Novo, também os estuques viam surgir a sua oportunidade de valorização. Até aos

primeiros artigos de Vasconcelos (1961, 1966), nunca a sua história tinha sido elaborada

de forma rigorosa. Disso mesmo o autor nos dá conta, no seu artigo na revista Museu, em

1961, ao constatar a existência de uma penúria documental e uma ausência quase total de

referências críticas sobre o estuque em Portugal.

Os últimos anos, apesar de tudo, têm vindo a revelar uma nova consciência e

actualmente já existem trabalhos de reabilitação de grande dimensão e elevado nível

técnico, como é exemplo a reabilitação dos estuques do Palácio do Freixo e do Paço

Episcopal, no Porto e do Palácio do Marquês de Pombal, em Lisboa, apenas para citar

alguns dos mais publicitados.

Para além destas obras, conhecem-se outras, menos divulgadas mas igualmente

dotadas de excelentes ornamentações, que comprovam como o respeito pelas artes

decorativas está a renascer, observando-se já uma certa preocupação por parte dos

responsáveis, mesmo com obras anónimas mas artisticamente válidas.

Fica por fazer a história e o inventário dos pouco ou nada estudados estuques das

terras de outros continentes onde os portugueses residiram. Sabe-se que existem diversos

locais com trabalhos realizados por estucadores nacionais, conforme refere Meira (1942),

na sua monografia, ao afirmar que alguns emigravam para o Brasil, Uruguai, América do

Norte e mesmo para Espanha.

2.2.8. Considerações

O facto de os estucadores do século XVIII terem contribuído para um certo tipo de

arquitectura, que acabou por ser classificada como Barroca, e que poucas vezes foi

analisada de modo suficientemente objectivo, não deve ser motivo para não se efectuarem

estudos exaustivos sobre esta forma de arte decorativa.

Page 45: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 2 ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E SOCIAL

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 29

É importante ter presente que as expressões artísticas das diferentes épocas foram

realizadas por artistas genuínos e convictos do trabalho executado.

O contexto económico e social de cada momento não pode ser projectado noutras

épocas. A sua avaliação deve ser feita à luz das teorias de então, sob pena de se injustiçar a

genuinidade criativa dos artistas.

Deve, pois, ser efectuada uma abordagem científica e sistemática, de modo a

inventariar os estuques antigos, até para permitir estabelecer uma hierarquia qualitativa dos

trabalhos ainda existentes.

Publicações como a monografia de Meira (1942), sobre Afife e as Memórias de Cirillo

Machado (1822) são dos poucos documentos que podem ser utilizados como ponto de

partida para os historiadores de arte efectuarem a necessária abordagem do estuque e,

assim, contribuir para a reabilitação de uma importante parcela das artes decorativas

portuguesas desenvolvidas desde o início do século XVI e até ao período anterior à

segunda guerra mundial.

2.3. As técnicas e composições

A primeira referência às técnicas e composições dos estuques, data da Roma Antiga.

Vitrúvio, no tratado De Architectura, menciona estuques de natureza diversa,

individualizando a designação de estuques de gesso.

Uma definição de estuques de gesso está também citada por Gárate (1999), extraída de

T. Turco, que o define como qualquer mistura “íntima de gesso, água e uma substância

especial, capaz de retardar o tempo de endurecimento do gesso e dotar a mistura de uma

trabalhabilidade e maleabilidade, quando fresco, e uma boa moldabilidade e plasticidade

antes do endurecimento”.

A individualização da designação de estuque de gesso comprova, naturalmente, a

existência de estuques de outra natureza. Este facto deve-se, em parte, à grande evolução

deste revestimento desde a Antiguidade, principalmente após o Renascimento, que assim

contribuiu para a existência de inúmeras designações dos acabamentos lisos realizados

com pastas e argamassas, acabando por dificultar a classificação das variantes deste

revestimento ou decoração.

Page 46: Reabilitação de estuques antigos

ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E SOCIAL CAPÍTULO 2

30 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

Esta diversidade de denominações, constante da literatura técnica dos séculos XVI a

XX, e divulgada por diferentes locais, foi apropriada pelos profissionais de forma indirecta

e depois subjectivamente transmitida, pelos mestres estucadores, de geração em geração.

Neste contexto, certamente as designações, composições e técnicas de execução

evoluíram regionalmente, desenvolvidas por mestres que lhes conferiam uma maior

excelência e particularidade próprias, com variantes ao nível dos aditivos utilizados, das

técnicas de coloração, de aplicação, de polimento e outras, ainda que sempre entendido

como estuque.

Deve, assim, ter-se o devido cuidado no estudo de técnicas antigas referidas em

documentos do passado, porque o risco de divergência com a situação construída é

elevado. Este aspecto agrava-se quando a descrição é feita por terceiros, pois nunca é

possível conhecer o nível de subjectividade que pode ter estado presente em cada

investigador, no momento da apropriação das descrições técnicas iniciais.

A título de exemplo, assinala-se que na língua portuguesa a designação estuque é

ambígua, comparativamente a outras línguas, pois tanto pode denominar uma argamassa

composta com gesso5, como as pastas utilizadas no acabamento liso de superfícies, que

podem conter gesso, areia fina ou pó de pedra.

Por seu lado, o léxico castelhano, herdeiro da tradição romana, designa por estuque

(estuco) o revestimento constituído por argamassa polida, com a aparência dos

revestimentos pétreos, à vista e ao toque, contendo ou não gesso na sua composição.

Em Portugal, a técnica de imitação de pedra, com recurso a pastas de gesso, designa-se

pelo vocábulo escaiola ou escariola. Em Itália, de onde é originária a palavra, a scagliola

refere-se a um trabalho de gessos embutidos, enquanto em Inglaterra, a mesma designação

nomeia outra variante, um trabalho misto de embutidos de pedra e gesso, que utiliza

pedaços de calcário ou mármore preenchidos por uma pasta de gesso colorida.

Este exemplo comprova a falta de uniformidade de denominações, de país para país,

que se repete em todo o universo dos estuques antigos. Como nota de alerta, saliente-se

que a análise dos problemas técnicos, sem a consciência desta variedade de técnicas e sem

5 RODRIGUES, Maria João Madeira; SOUSA, Pedro Fialho de; BONIFÁCIO, Horácio Manuel Pereira – Vocabulário técnico e crítico de Arquitectura

Page 47: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 2 ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E SOCIAL

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 31

o conhecimento do contexto histórico e construtivo do imóvel, certamente dificultará

qualquer aproximação à reabilitação de estuques.

A análise de um estuque para reabilitação não deve, assim, ser elaborada com base em

simples pressupostos actuais.

A execução de estuques no passado

Para obter informação, o mais pormenorizada possível, sobre as técnicas de execução

e os componentes das argamassas da época da construção do edifício em apreço, devem

conhecer-se os documentos onde conste essa informação.

No caso português, a literatura relativa às técnicas e composições de revestimentos e

acabamentos data do final do século XVIII, conforme assinala Mateus (2002). Porém, há já

algum tempo que os estuques à base de gesso constavam de obras de autores franceses,

italianos e espanhóis.

A primeira obra portuguesa citada por este autor, com referência à execução de

estuques, foi publicada em 1739, denominada Advertências aos modernos que aprendem

os ofícios de pedreiro e de carpinteiro, da autoria de Valério Martins de Oliveira. Outro

documento com indicação de traços e técnicas de execução de estuques é o Curso

elementar de construções, da autoria de Luiz Augusto Leitão, publicado em 1896.

No princípio do século XX, surgem os Manuais do Operário, incluídos num conjunto

mais vasto de publicações, sob a designação Biblioteca de Instrução Profissional, que

abordavam diversas matérias leccionadas nas escolas industriais e comerciais. No âmbito

do ofício de estucador, destacam-se três publicações, uma de carácter geral, da autoria de

João Emílio dos Santos Segurado, denominada Acabamentos das Construções, e duas

específicas, da autoria de Josef Fuller6, denominadas Elementos de Modelação de Ornato e

Figura e Manual do Formador e Estucador.

A informação, porém, não se resume a estes documentos, encontrando-se referências

mais ou menos directas, às pastas de gesso e argamassas antigas em publicações dos

6 O escultor Josef Fuller foi professor na Escola Industrial de Xabregas, na disciplina de Modelação e Ornato.

Page 48: Reabilitação de estuques antigos

ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E SOCIAL CAPÍTULO 2

32 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

séculos XVII a XX, não especificamente direccionadas a revestimentos e acabamentos,

algumas do âmbito da arquitectura militar7.

Sobre os estuques antigos, é possível conhecer, através dos documentos do passado,

traços, composições, aditivos utilizados, acabamento das superfícies, número de camadas e

outros. Contudo, as divergências entre essas informações, conforme descritas em inúmeros

documentos técnicos, dificultam significativamente o trabalho de análise desses estuques.

A propósito dessa diversidade de técnicas de execução, sempre se constataram

dificuldades de classificação dos estuques. Gárate (1999) assinala que diferentes tratadistas

propunham diferentes classificações e, neste sentido, apresenta aquela que considera ser,

actualmente, a mais aproximada à realidade, dividida em três grupos:

⋅ estuque normal: constituído por gesso fino diluído numa solução de cola;

⋅ estuque branco: constituído por gesso e cal apagada;

⋅ estuque lustro: com a mesma composição do branco com pó de mármore ou

alabastro, muito fino; pode também consistir numa mistura de cal aérea em pasta,

sem gesso, com o pó de pedra, aplicado sobre um esboço de gesso (adicionava-se

a este uma emulsão de cera que lhe conferia um aspecto translúcido, adequado à

imitação do mármore).

Uma característica que diferencia os rebocos dos estuques, de acordo com esses

documentos, consiste na espessura das camadas. No caso do estuque, as espessuras são em

média 5 a 7 mm inferiores aos rebocos de cal e areia, conforme assinala Mateus (2002).

Os traços e composições diferiam consoante os materiais utilizados, as características

do suporte e o fim a que se destinavam. As camadas do estuque, salvo algumas descrições

antigas, quase sempre são em número de três, com as designações: massas de esboçar,

junto ao suporte; massas de estender ou dobrar, no intermédio; e massas de brunir e polir,

como acabamento (Mateus, 2002).

Quando o gesso não existia em abundância, os estuques podiam ser constituídos por

pasta de cal misturada com pó de mármore, cré, ou branco de Espanha8, ou por gessos

7 Para um conhecimento pormenorizado desta matéria, ver a bibliografia do estudo de Mateus (2002), Técnicas tradicionais de construção de alvenarias. 8 Também designado por branco Meudon.

Page 49: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 2 ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E SOCIAL

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 33

alúmbricos, cimento inglês, cimento keene9, gessos especiais, etc.. Qualquer destas

composições, aplicadas na última camada, permitia a execução de superfícies

extremamente lisas, dotadas de um notável poder adesivo, dureza e resistência aos agentes

externos.

No caso português, uma característica comum aos estuques de interior é a quase

permanente utilização do gesso como material base, como se comprova através dos

referidos documentos técnicos. As argamassas compunham-se, basicamente, de gesso e

água de cola10 ou gesso e cal em pasta.

No exterior, por seu lado, são referidas misturas de cal e areia, podendo ser

adicionado, já no século XX, cimento branco, como acontece nos ornatos executados sem

recurso a moldes. Na Península Ibérica existem também algumas aplicações de rebocos de

gesso no exterior, caso de Albarracin, Teruel, em Espanha, e em ornamentação de

construções do período árabe, também naquele país.

O tipo de acabamento pretendido, desde o estuque branco aos marmoreados11, era

executado na camada de acabamento. Nesta última camada pretendia-

-se uma textura semelhante a pedra polida, igualmente obtida com polimento, com o

auxílio de pedra hematite, pedra pomes, grés fino e pó de jaspe12 (Mateus, 2002).

A redução da porosidade do gesso era uma operação também comum. Obtinha-se

através de pintura com aguarrás e cera branca ou com impregnação com estearina, cera,

sabão, petróleo e outros, de que é exemplo a encáustica13.

A coloração das superfícies obtinha-se com a utilização de determinados pigmentos,

que conferiam ao estuque um cromatismo semelhante a outros materiais (pedra, bronze,

etc.). Os pigmentos podiam ser adicionados à água de amassadura, misturados com as

9 Tipo de gesso, patenteado em 1838, feito a partir de gesso de primeira qualidade (J. e N. Ashurst, 1988). 10 Os produtos designados por cola destinavam-se a retardar a presa do gesso e a aumentar a adesividade da pasta ao suporte. Eram fabricados com produtos orgânicos, que tanto podiam ser de origem animal (peles, sangue ou ossos fervidos), como de origem vegetal. Actualmente é fabricada a cola de pele de coelho. 11 Designados apenas em Portugal como escaiolas ou escariolas, variando esta designação em função dos locais dos país. 12 Também designado por talco industrial. 13 Designa-se por encáustica o conjunto de técnicas complexas de pintura realizadas com cera de abelhas misturada com outro aglutinante (pez, sabão, goma arábica), na qual são diluídos os pigmentos e, após a secagem, sujeita a polimento. Destinava-se a proteger as pinturas e o estuque contra a humidade exterior e a proporcionar um acabamento acetinado às superfícies.

Page 50: Reabilitação de estuques antigos

ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E SOCIAL CAPÍTULO 2

34 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

pastas, aplicados em têmperas ou óleos (Fuller, 191?). Sobre estuques coloridos,

nomeadamente quanto a pigmentos, ligantes, aditivos, tipos de pintura (têmperas, óleos e

frescos), descrição de escaiolas e de fingidos por pintura, aconselha-se a consulta do estudo

de Ribeiro (2000).

Os aditivos utilizados, substâncias diversas de origem orgânica ou não, eram

adicionados às pastas de cal e gesso para controlar determinadas exigências requeridas a

essas pastas, tais como retardamento da presa, textura pretendida, cor, etc..

Voltando aos marmoreados, importa referi-los em pormenor porque concentram todas

as técnicas necessárias à execução de um estuque (figura 2.16). Estas, porém, são tão

complexas que, actualmente em Portugal, a sua reabilitação é uma tarefa quase impossível

devido à inexistência de profissionais capazes de executar este trabalho e ao facto de os

poucos que ainda conhecem a técnica não a executarem há muito.

Este revestimento que imita pedra é considerado como o estuque de execução mais

complexa desenvolvido até hoje (Gárate, 1999), por exigir o domínio da presa da pasta, da

aplicação nas superfícies, da conjugação dos pigmentos e dos tratamentos superficiais.

Consiste na mistura heterogénea de diferentes porções de argamassa14, com pigmentos

resistentes à luz e à cal, durante o próprio fabrico da pasta ou na aplicação sobre a

superfície15.

O ensino das técnicas do estuque limita-se, em Portugal, a dois locais onde são

ministrados cursos técnicos de reabilitação de estuques, a Escola de Recuperação do

Património de Sintra e o Centro de Recuperação de Artes Tradicionais, no Porto, e nestes

não é ensinada a execução de marmoreados ou escaiola, segundo designação portuguesa.

Existem, no entanto, cursos de técnicas de execução de estuques marmoreados na

vizinha Espanha, como é o caso do Centro de los Ofícios, na cidade de Leão, o mesmo se

passando no resto da Europa.

14 A heterogeneidade da mistura resulta da pedra que se pretende imitar. 15 A argamassa é aplicada no sentido do veio de mármores ou é espalhada conforme o desenho de brechas.

Page 51: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 2 ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E SOCIAL

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 35

Figura 2.16. Sequência de execução de uma placa de estuque marmoreado (escaiola, port.), onde é possível observar a mistura de pastas de diferentes cores.

2.4. Os edifícios históricos e a reabilitação do património

De acordo com Feilden (1982/2003), um edifício histórico é um símbolo de identidade

cultural que nos deslumbra e estimula a vontade de saber mais sobre as pessoas e a cultura

que o produziram. Assinala que, se um edifício resistiu à passagem de um século, tem uma

grande probabilidade de ser considerado histórico.

Page 52: Reabilitação de estuques antigos

ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E SOCIAL CAPÍTULO 2

36 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

Um edifício histórico é um objecto com valor arquitectónico, estético, histórico,

documental, arqueológico, económico, social e mesmo político e espiritual ou simbólico,

testemunho de uma complexidade de ideias e culturas que o rodeiam e nele se reflectem.

O estuque é parte integrante deste sistema, com a virtude de ser utilizado como

elemento decorativo valorizador, devido à dignidade conferida aos espaços onde se

localiza. Assim, a sua reabilitação é novamente um factor de enobrecimento desses locais,

sendo um dos principais elementos a contribuir para a valorização global e, como tal, deve

ser objecto de particular atenção.

Existem, porém, situações em que o edifício se encontra num tal estado de degradação

que atingiu o fim da sua vida útil, não havendo possibilidade de qualquer reabilitação,

devido aos custos envolvidos, às próprias condições físicas, ou porque o valor cultural

também não o justifica.

Nesses casos, o mesmo autor refere a necessidade de estabilizar a ruína,

transformando-a num objecto contemporâneo, de forma a assumir, assim, a sua relevância

histórica. Esta intervenção não só desencoraja o vandalismo, mas também evita a

decadência descontrolada do imóvel.

2.4.1. A necessidade de valorização

Uma intervenção de reabilitação num edifício histórico pode envolver custos tão

elevados que obrigam à sua rentabilização, sob pena de comprometer as acções de

manutenção destinadas à conservação do edifício e, em particular, dos estuques.

No final do século XX, tem-se observado uma tendência para que a reabilitação do

património e a consequente promoção transformem os edifícios históricos num bem de

consumo ou num objecto de exposição, integrado numa lógica de turismo cultural, com os

riscos que advêm do elevado número de visitantes.

A reabilitação do património efectua-se num cenário de valorização, podendo

apresentar diversas vertentes, conforme refere Choay (2000). Acrescenta, no entanto, que o

processo de reabilitação transporta hoje a noção de mais-valia, com as devidas conotações

económicas subjacentes.

Page 53: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 2 ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E SOCIAL

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 37

A reabilitação das artes decorativas, nomeadamente dos estuques, é também hoje uma

importante componente dessa noção de mais-valia, no contexto de reabilitação e

reutilização dos edifícios históricos. Neste sentido, qualquer nova função que ocupe os

antigos espaços deve, obrigatoriamente, potenciar a valorização dos estuques. Caso

contrário, o edifício, como um todo, pode não ver restaurada a sua dignidade.

Como princípio geral, a valorização de um edifício não deve ser dissimuladora, apesar

de se continuar a observar a destruição do património, inclusive sob esse pretexto: da

modernização e do restauro.

Uma reabilitação apenas faz sentido caso seja atribuída ao edifício uma utilização

compatível com as suas características. Porém, a futura utilização é determinante no modo

como os elementos reabilitados são apresentados. A necessidade de um estuque ser

mostrado de modo favorecido, quase como se fosse uma escultura, obriga ao

condicionamento da utilização dos espaços do edifício.

Neste sentido, é necessário, antes de qualquer intervenção, definir qual a utilização

destinada ao edifício, bem como a compatibilidade com o estatuto de edifício histórico,

visto ser um objecto vivo, um local habitado, com usos específicos. Um edifício nunca será

uma obra de arte exposta num museu, protegida por condições ambientais de excelência.

Os locais com ornamentação de estuque devem utilizar-se de forma condicionada,

porque essa decoração pode não comportar uma utilização intensiva, potencialmente

responsável pela sua degradação após a reabilitação.

Os principais factores com potencialidade para degradar um estuque antigo, em

consequência da utilização do edifício, são os seguintes:

⋅ ocupação e utilização inadequada dos locais;

⋅ conservação do edifício mal gerida;

⋅ instalação de equipamentos de climatização e iluminação de forma inadequada;

⋅ manutenção deficiente ou incorrecta.

Cada um destes factores deve, portanto, ser acautelado na definição do programa de

reabilitação e utilização do edifício, sob pena de ocorrerem situações potencialmente

penalizadoras para a reabilitação efectuada.

Page 54: Reabilitação de estuques antigos

ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E SOCIAL CAPÍTULO 2

38 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

2.4.2. As convenções internacionais e o restauro de estuques

A origem da conservação e restauro encontra-se no Renascimento, tendo sido objecto

de um grande desenvolvimento de carácter institucional, na Europa Central, durante o

século XIX, inicialmente apenas com incidência nos edifícios religiosos da Idade Média.

Os conceitos de conservação e restauro de edifícios antigos apresentam uma longa

tradição de conflito entre os diferentes princípios defendidos que oscilam entre as

reconstruções “no estilo original” e a manutenção das ruínas, conforme se encontravam nas

épocas em questão.

O resultado prático da aplicação desses conceitos é bastante diverso e, como resultado,

desde sempre suscitou exacerbadas manifestações por parte de diferentes sectores da

sociedade, favoráveis ou contrárias a cada um daqueles princípios.

No século XIX, os fundamentos teóricos da conservação e restauro eram objecto de

importantes lutas intelectuais. Todavia, a própria actividade não era vista como gratificante

pelos profissionais ligados à construção (Choay, 2000).

Com o devido confronto de ideias e experiências ao longo dos séculos XIX e primeira

metade do século XX (a primeira conferência internacional é realizada em Atenas, em

1931), a conservação de monumentos históricos desenvolve-se apenas na década de 60 do

século passado, com expressão através da publicação da Carta de Veneza, em 1964.

Na conferência de Veneza ficaram, pela primeira vez, estabelecidos os princípios

tendentes à harmonização de estratégias de intervenção no património. O princípio geral

consistia numa lógica de não-reconstrução, no suposto estilo original do edifício. Assim, as

novas intervenções passavam a expressar-se, inequivocamente, segundo a linguagem da

arquitectura actual, sem recurso à reconstrução de partes inteiras do edifício.

A Carta de Veneza resultou, porém, numa lógica demasiado fundamentalista,

confirmada pela Carta de Restauro Italiana, publicada em 1972 pelo Ministério da

Educação. Este documento foi ao limite de estabelecer fórmulas para intervenção no

património antigo, em nome da autenticidade das intervenções. O resultado construído de

alguns dos princípios ali expressos acabou por se materializar em soluções pouco coerentes

no seu todo.

Page 55: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 2 ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E SOCIAL

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 39

Seguindo a evolução natural, teve lugar em Cracóvia, no ano 2000, a última

conferência sobre a intervenção no património edificado. A iniciativa da União Europeia,

do International Council on Monuments and Sites (ICOMOS) e do International Centre

for the Study of the Preservation and Restoration of Cultural Property (ICCROM),

destinou-se a enquadrar os mais recentes avanços e discussões em torno da conservação do

património edificado (Neto, 2002).

O documento resultante, a Carta de Cracóvia, constitui-se como a mais contemporânea

expressão da evolução do pensamento e da acção sobre o património edificado,

enquadrando aspectos essenciais em matéria de reabilitação de estuques antigos.

A Carta de Veneza tinha estabelecido os conceitos contemporâneos da conservação.

Porém, a de Cracóvia, resultante da experiência da primeira, assume as diferentes

identidades culturais num contexto global, em consonância com o pensamento

contemporâneo.

A Carta de Cracóvia

A Carta de Cracóvia, derivada do espírito da Carta de Veneza, resulta da crescente

inadequação daquela ao pensamento contemporâneo e de mais de três décadas de

experiência de intervenção no património nos termos actuais, onde a indústria assumiu um

papel dominante face aos materiais e sistemas tradicionais, algumas vezes com resultados

de eficiência duvidosa.

Neste documento, encontra-se expressa uma série de conceitos a observar sob um

ponto de vista geral, sempre que se procede à reabilitação de um edifício antigo e, de modo

particular no âmbito deste estudo, quando se efectua uma reabilitação de estuques.

Os estuques enquadram-se, directamente, no capítulo dedicado à decoração

arquitectónica, entendida como parte integrante do património construído, à qual deve dar-

se particular atenção, nomeadamente através da elaboração de um projecto específico

vinculado ao projecto geral. Importa salientar que as intervenções em elementos parciais

do edifício não são recusadas, nem desaconselhadas.

Page 56: Reabilitação de estuques antigos

ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E SOCIAL CAPÍTULO 2

40 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

Nesta Carta, é mesmo assumido que podem reconstruir-se “partes muito limitadas com

significado arquitectónico . . . na condição de que se fundamente em documentação precisa

e irrefutável”.

Ainda em matéria de estuques, importa referir dois princípios gerais da Carta de

Cracóvia que devem estar presentes em qualquer das fases e actos da reabilitação do

património construído:

a) os instrumentos e métodos de intervenção devem adequar-se à situação actual de

mudança e sujeitos a evolução contínua;

b) o projecto de conservação deve ser resultado de uma série de decisões de escolha

crítica.

Em matéria de reabilitação de estuques, encontram-se ainda expressos na Carta de

Cracóvia princípios mais específicos a observar nas diversas fases do processo de

reabilitação, conforme indicado em seguida:

a) o levantamento e análise devem ser resultado de um trabalho pluridisciplinar;

b) a função original do edifício deve ser respeitada;

c) a compatibilidade material e estrutural das soluções deve ser garantida;

d) a compatibilidade com os valores arquitectónicos deve ser assegurada;

e) os ofícios e artesanato tradicionais do edifício devem ser respeitados;

f) os materiais tradicionais e as técnicas antigas devem ser conhecidos;

g) os novos materiais e tecnologias a utilizar já devem ter sido testados, comparados e

devem ser adequados à necessidade real da conservação;

h) a eventual reversibilidade das soluções deve ser garantida.

No campo dos princípios derivados dos conceitos actuais, que devem estar subjacentes

à conservação do património e em complemento dos acima referidos, cita-se Feilden

(1982/2003) que enumera os seguintes aspectos:

a) as condições do edifício devem ser registadas antes de qualquer intervenção;

b) as evidências históricas não devem ser destruídas, falsificadas ou removidas;

c) a intervenção deve ser a mínima necessária;

d) a intervenção deve ser orientada no respeito pela integridade estética, histórica e

física da propriedade cultural;

Page 57: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 2 ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E SOCIAL

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 41

e) todos os métodos e materiais usados durante a intervenção devem ser

exaustivamente documentados.

A propósito das condições de execução da reabilitação, este autor acrescenta ainda que

as intervenções devem obedecer aos seguintes princípios:

a) ser reversíveis ou repetíveis, caso seja tecnicamente possível;

b) ser harmoniosas ao nível da cor, textura, forma e escala, ainda que menos visíveis

que o material original e, simultaneamente, identificáveis;

c) ser executadas por profissionais com experiência ou, no caso contrário, sob

orientação de técnicos experientes.

d) permitir a manutenção do máximo de pré-existências;

e) não prejudicar uma intervenção futura, quando tal seja necessário;

f) não impedir a possibilidade de um posterior acesso a todas as evidências

incorporadas no objecto;

2.4.3. Métodos de reabilitação

A discussão sobre o procedimento de reabilitação de um estuque tem normalmente

duas vertentes de abordagem. Por um lado, restaurar o estuque exactamente como o

trabalho original, assumido na Carta de Cracóvia, na condição de que se fundamente em

documentação precisa e irrefutável e, por outro, conservar o que existe sem acrescentar

nada.

A reabilitação de estuques não tem registado o necessário desenvolvimento devido,

para além de outros factores, ao facto de os promotores ou técnicos envolvidos, pouco

informados nesta matéria, considerarem o seu custo demasiado elevado. Esta deficiente

avaliação conduz a que certos estuques, com possibilidade de serem reabilitados, sejam,

desde logo, destruídos e substituídos.

Um trabalho de reabilitação não tem, à partida, qualquer fórmula, nem um modo mais

correcto de ser abordado. Um edifício pode ter situações tão particulares que o seu estudo

se transforma num laboratório de ensaio quando se pretende realizar a sua reabilitação,

fundamentalmente em resultado das diferentes abordagens dos problemas, dos objectivos

Page 58: Reabilitação de estuques antigos

ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E SOCIAL CAPÍTULO 2

42 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

seguidos, da utilização de diferentes técnicas de intervenção e mesmo de diferentes

materiais (J. e N. Ashurst, 1988).

Conclui-se, então, que um estuque antigo, quer seja um tecto, uma parede ou um

elemento escultórico, pode ser objecto de diferentes lógicas de reconstrução ou

consolidação, segundo os critérios da técnica seguida. A reabilitação pode, assim, assumir

dois modos de abordagem e intervenção:

⋅ restauro de conservação;

⋅ restauro de restituição.

O restauro de conservação é realizado no sentido da consolidação do existente, sem

qualquer alteração nem reconstrução de elementos perdidos (J. e N. Ashurst, 1988).

O restauro de restituição baseia-se na ideia de que o equilíbrio da composição depende

do todo, não sendo uma junção de partes independentes. Este princípio promove a

reconstrução da unidade estilística da obra, com base na reprodução, tendo como referência

os elementos existentes (Spalla e Gandola, citados por Gárate, 1999), não sendo, por isso,

uma reconstituição conjectural.

A reforçar este conceito, está a lógica de um estuque ser parte integrante do imóvel,

enquanto elemento compositivo e parte de determinado contexto. Não tem o mesmo

carácter de uma escultura, da qual um fragmento pode ter a capacidade de demonstrar o

esplendor do todo.

A reintegração dos elementos perdidos é uma solução bastante divulgada quando se

pretende restabelecer a unidade estilística do elemento estucado. A manutenção das

fragmentações pode não contribuir para a valorização do espaço, principalmente quando a

leitura do todo pelo observador fica afectada pelas lacunas.

Neste capítulo, efectua-se uma abordagem dos aspectos relativos à utilização do gesso

enquanto um dos mais importantes materiais de revestimento, utilizado desde o início da

construção humana, nomeadamente na decoração.

Enquadra-se a decoração estucada na história das construções e na história da

arquitectura portuguesa, como forma de entender o seu desenvolvimento nas diferentes

épocas, desde o século XVI até aos nossos dias, sob os pontos de vista histórico e técnico.

Page 59: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 2 ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E SOCIAL

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 43

Finalmente, efectua-se um enquadramento dos princípios de reabilitação do

património, nomeadamente nos conceitos da Carta de Cracóvia (2000), e analisam-se os

diferentes métodos de reabilitação: a conservação e a restituição.

No próximo capítulo, analisar-se-ão as anomalias correntes em estuques antigos e a

sua origem, para que assim se compreendam as razões da sua existência, por forma a

adoptar o procedimento de reabilitação mais adequado.

Page 60: Reabilitação de estuques antigos
Page 61: Reabilitação de estuques antigos

3. ANOMALIAS EM ESTUQUES ANTIGOS: CAUSAS E EFEITOS

O presente capítulo estabelece uma relação directa entre as anomalias nos estuques e

as causas que estão na sua origem, enquanto constituintes dum sistema integrado.

Uma anomalia não ocorre isolada, resulta da acção combinada de diversos agentes

com diferentes resultados ao nível das acções que actuam sobre um edifício, provocando

alguns deles efeitos muito nefastos sobre o sistema estuque / suporte.

Uma abordagem de âmbito geral às diferentes causas e agentes responsáveis pelas

anomalias pode parecer demasiado vasta, por correr o risco de se afastar do cerne deste

trabalho. No entanto, um trabalho de reabilitação não pode ser feito apenas com base no

conhecimento dos sintomas, por muito minucioso que seja, se não houver um

conhecimento de todas as causas responsáveis pelos danos.

Neste sentido, ainda que não haja intenção ou capacidade de eliminar as causas,

devem adoptar-se soluções que atenuem os seus efeitos, cabendo ao arquitecto

coordenador a responsabilidade pelo seu enquadramento na reabilitação.

A par do conhecimento das causas das anomalias, também as alterações provocadas

pela melhoria das condições de uso dos espaços nos diversos componentes de um edifício

antigo devem ser conhecidas em pormenor, aquando da intervenção. Todo o sistema está

em equilíbrio, até ao momento em que se processe qualquer alteração nas condições

ambientais, principalmente nas higrotérmicas, como acontece após as operações de

reabilitação e reutilização dos espaços.

Nesses casos, os factores ambientais voltam a reequilibrar-se, em resultado das novas

condições de humidade, temperatura e ventilação, devido à eventual introdução de

sistemas de isolamento térmico e de climatização, entre outros, com impacte menos

visível.

Estas alterações decorrem, por um lado, de novas exigências do uso dos espaços e, por

outro, da adopção de novas soluções técnicas que promovem a melhoria das condições de

conforto dos utilizadores.

Page 62: Reabilitação de estuques antigos

ANOMALIAS: CAUSAS E EFEITOS CAPÍTULO 3

46 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

Justifica-se assim, pelas questões acima enunciadas, ser tão importante o

conhecimento global das causas que originam as anomalias como o conhecimento

exaustivo dos sintomas, por permitir estabelecer o modo mais correcto de actuar, conhecer

os riscos a que os estuques podem ficar expostos, a médio prazo, na fase pós-reabilitação e

controlar, eficazmente, o desenvolvimento de novas anomalias.

O conhecimento rigoroso das causas das anomalias permite ainda que, durante a

elaboração do projecto de restauro, se determinem as fases de intervenção e em que

elementos construtivos intervir, de modo a estabelecer desde o início uma actuação

objectiva, passível de correcção caso se alterem as condições iniciais, identificadas na fase

do levantamento do edifício.

O levantamento minucioso das causas é, assim, um factor essencial para a

determinação das estratégias de intervenção e das soluções a implementar, a par da

observação e eventual monitorização na fase pós-reabilitação, com vista ao

acompanhamento do comportamento das soluções.

Neste capítulo, enumeram-se as principais causas responsáveis pelas anomalias

encontradas nos estuques antigos, que se reflectem na organização dos subcapítulos

apresentados em seguida.

Não se descrevem exaustivamente os factores responsáveis pela degradação dos

edifícios, devido à complexa articulação da origem com os efeitos. Os assuntos são

abordados numa perspectiva geral, sem entrar em pormenores complexos, que podiam

afastar-se da clareza e objectividade necessárias à determinação da estratégia mais

adequada a cada situação.

A existência de inúmera literatura especializada em reabilitação, dedicada às

diferentes matérias, permite a obtenção de informação pormenorizada, nomeadamente no

que respeita à análise científica, com a caracterização dos diversos agentes e com o rigor

adequado a cada contexto de investigação.

3.1. Causas e agentes responsáveis pelas anomalias

As causas que estão na origem das anomalias nos estuques antigos encontram-se

referenciadas por diversos autores, permitindo estabelecer um quadro geral de deficiências

Page 63: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 3 ANOMALIAS: CAUSAS E EFEITOS

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 47

e as relações de causa e efeito, fundamentais no processo de diagnóstico e no

estabelecimento das estratégias de intervenção.

A análise do quadro patológico apresentado no trabalho de Ribeiro (2000) regista

como principais anomalias: (a) fissuração; (b) perda de aderência da base e entre camadas;

(c) empolamentos; (d) desnivelamentos em tectos e desaprumos em paredes; (e) manchas e

erosão superficial; (f) acção biológica; (g) orifícios e picaduras; e (h) um conjunto

particular de anomalias em ornatos e sancas.

A partir desse estudo, é possível sintetizar sete causas fundamentais responsáveis por

aquelas anomalias, que se indicam de forma decrescente de importância: (i) a presença da

água, que está na origem de quase todas; (ii) a natureza dos materiais, quer ao nível do

revestimento, quer dos componentes do suporte; (iii) a má execução dos estuques e dos

suportes; (iv) a acção da gravidade sobre os elementos da construção; (v) a acção

biológica; (vi) a temperatura ambiente; e (vii) as vibrações, provocadas pela utilização do

edifício ou por via indirecta.

Outros autores, como Prieto, citado por Gárate (1999), indica como causas, para além

da água e tal como Ribeiro (2000), a natureza dos materiais utilizados e as técnicas de

execução, aplicadas inicialmente ou durante anteriores acções de restauro, nomeadamente

quatro situações: (a) as conservações e restauros mal executados; (b) a humidade em

permanência; (c) a existência de materiais incompatíveis; e (d) a deficiente elaboração do

estuque.

Também Spalla e Gandola, citados por Gárate (1999), estabelecem num documento

sobre estuques embutidos16, quatro origens como responsáveis pelas anomalias: (a) as

deformações sofridas pelo edifício; (b) as retracções hidráulicas; (c) o aumento de volume

do estuque, devido ao excesso de água; e (d) as retracções térmicas, combinadas com

efeitos hidráulicos. A presença da água, tanto por via directa como indirecta, assume, para

estes autores, uma responsabilidade de topo, visto ser um elemento constante de três das

quatro causas apontadas.

16 Estuque de gesso designado, em Itália, por scagliola. Refere-se a um revestimento destinado a imitar rochas ornamentais, realizado com diversos estuques marmoreados, embutidos uns nos outros (ver capítulo 2).

Page 64: Reabilitação de estuques antigos

ANOMALIAS: CAUSAS E EFEITOS CAPÍTULO 3

48 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

Ainda a propósito da água, Feilden (1982/2003) refere que este agente, nos diferentes

estados, é o que promove mais acções químicas e uma gradual deterioração dos materiais.

A síntese da informação expressa pelos diferentes autores reforça a ideia que a maior

parte das anomalias resulta de causas com origem climática, com destaque para a água,

com diferentes origens.

Essas causas contribuem para a ocorrência de graves danos que facilmente conduzem

o estuque à ruína, nomeadamente a degradação física do estuque e do suporte, as fracturas,

a presença de sais e os ataques biológicos, cujo desenvolvimento é propiciado pela

presença da água.

Também de origem climática, salientam-se outros factores, como é o caso da

temperatura, cujo aumento é responsável pela expansão térmica dos materiais, da luz solar,

cuja radiação ultravioleta é responsável pela degradação das pinturas nos estuques

policromos e do vento, que promove a degradação estrutural dos imóveis.

No caso das situações climáticas excepcionais e fortuitas, assinalam-se os ventos

ciclónicos, as inundações e as trovoadas, cujas consequências podem ter efeitos muito

graves sobre os edifícios e indirectamente afectar os estuques.

Para além das causas climáticas, existem outras, também fortuitas, que podem causar

anomalias com alguma gravidade, designadamente sismos, incêndios e factores de origem

humana, negligentes ou não, de que são exemplo as vibrações. Também de origem

humana, salienta-se a má execução dos trabalhos iniciais ou efectuados em acções

posteriores de reabilitação ou de manutenção.

Num segundo nível de responsabilidade, refere-se a acção da gravidade,

principalmente sobre os elementos estruturais, responsável pela deformação do edifício e,

consequentemente, pelas anomalias ligadas às variações dimensionais daí decorrentes.

As anomalias apresentam dois graus de incidência, pois tanto podem danificar a

estrutura microscópica do estuque, como apenas os suportes. Contudo, é corrente os efeitos

incidirem no sistema estuque / suporte e raramente sobre um deles isoladamente, como

poderá supor-se numa análise mais superficial dos problemas.

Page 65: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 3 ANOMALIAS: CAUSAS E EFEITOS

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 49

Os estuques sofrem anomalias de origem física, química e biológica, algumas

resultantes de uma única vertente, outras de efeitos combinados, conforme será

apresentado ao longo deste capítulo.

No que respeita às anomalias de origem física, assinalam-se as variações dimensionais

dos suportes, em grande medida devido às deformações estruturais dos edifícios,

responsáveis pelo aparecimento de fissuração de diversa ordem, pela perda de aderência à

base e entre camadas, pelos desnivelamentos e desaprumos. Contudo, estas variações

podem também ter como origem a presença da água, devido ao apodrecimento das

estruturas de madeira que tendem a ceder.

As causas de origem química estão fundamentalmente associadas à presença da água,

que se manifesta pela ocorrência de eflorescências à superfície ou empolamentos, devidos

às criptoflorescências, conforme se encontra referido no estudo de Ribeiro (2000). As

manchas podem também ter origem química.

A acção biológica manifesta-se pela presença de fungos e bolores, também

responsáveis por manchas com diferentes colorações.

A análise de algumas das principais anomalias indicia a possibilidade de a sua origem

ser diversa, reforçando a necessidade de uma observação exaustiva de todos os elementos

construtivos e dos diversos agentes causadores das deficiências.

Em seguida descrevem-se, pormenorizadamente, as principais anomalias que ocorrem

nos estuques antigos, tendo como fontes as referências escritas, a observação directa e a

recolha da experiência de profissionais do sector.

3.2. Causas de origem climática

As variações climáticas estão na origem de alterações dimensionais dos edifícios,

provocando, nos casos mais graves, o desprendimento de parte dos elementos construtivos.

Pela análise do trabalho de Ribeiro (2000) comprova-se que, das diferentes causas

responsáveis pelas anomalias, cerca de um terço têm como origem o clima, com a água a

assumir papel de relevo.

Page 66: Reabilitação de estuques antigos

ANOMALIAS: CAUSAS E EFEITOS CAPÍTULO 3

50 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

3.2.1. Acção da água

O papel de relevo atribuído à presença da água, pelos diferentes autores analisados,

como principal causa das anomalias, justifica-se pelo desenvolvimento de agressões de três

naturezas (física, química e biológica) tanto nas argamassas que compõem os estuques

como nos respectivos suportes. Uma simples observação de edifícios degradados reforça

também esta ideia.

As anomalias de nível físico manifestam-se através da alteração da aderência

intercristalina do gesso, as de nível biológico, pelo desenvolvimento de fungos e bolores,

responsáveis pelo apodrecimento da madeira dos suportes e as de nível químico, pelo

desenvolvimento de formações cristalinas resultantes da presença de sais solúveis nos

suportes, que são arrastados pela água até à superfície, também com efeitos sobre as

policromias, provocando a degradação das cores.

A água promove a perda de aderência e a perda de coesão dos elementos estucados.

De acordo com Torraca, citado por Feilden (1982/2003), a sua presença tanto pode estar na

origem como acelerar a degradação da maior parte dos materiais, quer por excesso, quer

por defeito, principalmente na sua forma gasosa. A água pode surgir por via pluvial, em

resultado de infiltrações, deslocando-se devido à porosidade dos materiais ou ocorrer de

modo fortuito, entrando em qualquer local e percorrendo caminhos imprevistos.

A falta de aderência manifesta-se pelo destaque de pedaços de estuque, da base ou

entre camadas, ou pela formação de empolamentos, tanto em superfícies lisas como em

áreas ornamentadas, em paredes ou tectos. Esta anomalia pode resultar da existência de

sais ou, no caso dos tectos, pode ser uma consequência do apodrecimento das madeiras da

base e do suporte.

A falta de coesão manifesta-se pela perda de resistência mecânica dos materiais, que

se desagregam à mínima tentativa de manipulação durante as operações de reabilitação ou

mesmo de limpeza.

O potencial destrutivo da água deve-se à sua capacidade de entrar através da

microestrutura dos materiais (Feilden, 1982/2003; Gárate, 1999; J. e N. Ashurst, 1988;

Ribeiro, 2000). Devido a este facto, desde sempre se procuraram implementar tratamentos

superficiais com recurso a substâncias destinadas a preencher os poros do estuque, uma vez

Page 67: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 3 ANOMALIAS: CAUSAS E EFEITOS

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 51

que a elevada porosidade do material propicia a entrada de vapor de água em quantidade

elevada, com consequências potencialmente negativas na durabilidade das superfícies.

Neste sentido, verifica-se que as anomalias derivadas da acção da água têm diversas

origens: em locais elevados, a degradação é, normalmente, resultado da entrada de águas

pluviais através das coberturas podendo originar situações menos graves, como o

aparecimento de manchas (figura 3.1), ou a completa degradação, com eventual colapso

dos elementos (figuras 3.2 a 3.4).

Figura 3.1. Manchas provocadas pela entrada de água. Palácio do Marquês de Tomar, Lisboa.

Figura 3.2. Entrada de água pela cobertura, resultando no desprendimento e colapso do estuque. Palácio do Marquês de Tomar, Lisboa.

Figura 3.3. Entrada de água pela cobertura (observa-se a oxidação dos pregos do fasquiado). Palácio do Marquês de Tomar, Lisboa.

Figura 3.4. Entrada de água pela cobertura (observa-se trabalho de reparação sem corrigir a causa). Villa Morais, Ponte de Lima.

Apesar de as anomalias serem semelhantes quer o estuque se encontre em paredes

quer em tectos, as medidas de actuação sobre o suporte são naturalmente diferentes, por se

Page 68: Reabilitação de estuques antigos

ANOMALIAS: CAUSAS E EFEITOS CAPÍTULO 3

52 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

intervir em situações gravitacionais distintas, implicando, no caso dos tectos, a necessidade

de colocação de estruturas complementares de suporte. Assim, considera-se pertinente a

abordagem das duas situações, de modo diverso.

No caso das paredes, a degradação pode resultar das subidas da humidade existente no

solo, por capilaridade e, também, de elevada troca de vapor entre o ar e o estuque,

conforme apresentado adiante.

No caso da humidade com origem em água do solo, a intervenção é, normalmente,

mais complexa, mais dispendiosa e muitas vezes sem a garantia dos trabalhos resultarem

numa eficácia absoluta.

A presença de sais que originam eflorescências e criptoflorescências e provocam

destacamento das superfícies está igualmente associada à presença da humidade

ascendente por capilaridade (Henriques, 1994/2001).

Em determinadas situações, quando os efeitos destas anomalias são irreversíveis,

torna-se necessário remover integralmente as superfícies atacadas, situação que ocorre

frequentemente em elementos de madeira, conforme se observa em locais com elevados

índices de humidade (figuras 3.5 e 3.6).

Figura 3.5. Degradação provocada pelo apodrecimento da estrutura de madeira. Villa Morais, Ponte de Lima.

Figura 3.6. Apodrecimento de frechal encostado a parede exterior. Villa Morais, Ponte de Lima.

Em muitos casos, a água de origem pluvial atinge as superfícies estucadas devido à

falta de manutenção das coberturas, com efeitos nefastos sobre aquelas, que podem levar à

desagregação da sua microestrutura e ao apodrecimento das madeiras da estrutura e dos

Page 69: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 3 ANOMALIAS: CAUSAS E EFEITOS

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 53

fasquiados. A chuva batida pelo vento pode também entrar pelos vãos, alcançando

estuques na sua proximidade.

3.2.1.1. Os problemas higroscópicos: o caso das paredes

Na seguimento das causas das anomalias provocadas pela água, existem

particularidades ao nível das paredes que importa conhecer de modo a efectuar um

diagnóstico o mais rigoroso possível.

De acordo com o estudo de Henriques (1994), são identificadas seis origens distintas

para a ocorrência de humidade em paredes. Contudo, aquele estudo é geral, não

estabelecendo qualquer distinção entre edifícios novos e antigos, pelo que uma delas, a

humidade de construção, não se enquadra no contexto dos edifícios antigos.

Neste sentido, existem cinco causas potencialmente responsáveis pela ocorrência das

anomalias: (a) humidade do terreno; (b) de precipitação; (c) de condensação; (d) devida a

fenómenos de higroscopicidade; e (e) resultante de causas fortuitas. Contudo, das causas

assinaladas, a humidade do terreno e a de precipitação são as que maior incidência têm

sobre as paredes antigas estucadas.

A humidade do solo ascende pelos materiais, atingindo locais tanto mais altos quanto

menor for a dimensão dos poros dos materiais. Os ciclos de humedecimento e secagem de

sais arrastados pela água provocam microcontracções e distensões nos materiais, que

acabam por desagregá-los em sequência de vários ciclos, provocando o seu destaque e a

completa desagregação nas zonas de fronteira seco / húmido sujeitas à variação. Os limites

dessa zona assinalam os níveis máximos e mínimos que a água atinge (Henriques, 1994;

Torraca, citado por Feilden, 1982/2003).

A dimensão da área desagregada indica a presença de água em permanência ou com

afluxos periódicos (nível freático versus água pluvial), factor que deve ser considerado

durante o levantamento ou inspecção. Em resumo, nas zonas teoricamente secas mas que

estiveram húmidas, podem ocorrer as seguintes anomalias: eflorescências,

criptoflorescências, bolores e desagregação dos materiais.

Em locais ricos em matérias orgânicas, onde existem muitos sais solúveis em água

(sulfatos, carbonatos, cloretos, nitritos e nitratos), a sua dissolução e cristalização origina a

Page 70: Reabilitação de estuques antigos

ANOMALIAS: CAUSAS E EFEITOS CAPÍTULO 3

54 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

desagregação dos estuques nas referidas zonas de fronteira, em resultado do aumento de

volume após a secagem. Estas condições são também propiciadoras do desenvolvimento de

fungos e bolores.

O aumento do teor de humidade do ar, que ocorre na Primavera devido à subida da

temperatura exterior, tende, em edifícios com paredes muito espessas, portanto com

elevada inércia térmica, a provocar condensação sobre as superfícies ainda arrefecidas

pelas baixas temperaturas do período de Inverno, contribuindo, igualmente, para o

desenvolvimento de fungos, bolores e manchas.

3.2.1.2. Água e gravidade: o caso particular dos tectos

Os tectos constituem um testemunho importante das anomalias estruturais do edifício,

conforme referem J. e N. Ashurst (1988). Os danos estruturais provocam, assim,

deformações e fissuração que revelam a natureza e a localização da anomalia, devendo, por

isso, dar-se-lhes particular atenção.

A degradação dos tectos está associada, em grande medida, à entrada de água pelas

coberturas, responsável por uma série de anomalias, com efeitos variáveis em função da

duração da sua permanência nos elementos construtivos.

Neste caso, as anomalias podem ainda agravar-se pela acção da gravidade, sendo

comum a existência de uma série de lacunas resultantes do desprendimento de pedaços de

estuque, que caíram e se fragmentaram, perdendo-se definitivamente, conforme se observa

nas figuras 3.7 e 3.8.

Nas paredes, pelo contrário, os desprendimentos não resultam normalmente em queda

imediata, pois os pedaços de estuque mantém-se no local, podendo, assim, ser

consolidados ou removidos para posterior reparação, quando se procede às operações de

reabilitação.

A longa duração da presença da água provoca danos significativos nos suportes,

normalmente executados em madeira (estrutura e fasquiados) ou estafe, nos casos mais

recentes, porque deteriora tanto os ripados como o próprio estuque. Como consequência,

observa-se fissuração e descaimento do plano, também em resultado da corrosão de

Page 71: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 3 ANOMALIAS: CAUSAS E EFEITOS

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 55

elementos metálicos e da cristalização de sais entre camadas, ambos induzidos pela

humidade.

Figura 3.7. Lacuna em tecto apenas na camada de acabamento e em faixa. Villa Morais, Ponte de Lima.

Figura 3.8. Lacuna em tecto com perda total das diversas camadas do estuque. Palácio do Marquês de Tomar, Lisboa.

As principais anomalias que se registam nos tectos, bem como as causas responsáveis,

encontram-se sistematizadas por J e N. Ashurst (1988), conforme indicado em seguida:

⋅ descaimentos, devido à corrosão dos pregos que fixam o fasquiado ou à

degradação das madeiras, por acção de fungos, bolores e ataque de insectos;

⋅ fissuração contínua, devido a cedência do vigamento, com deslocação nas zonas de

apoio e nos entalhes, e à perda de fixação do estuque ao fasquiado, devido à má

execução inicial;

⋅ fissuração irregular, de configuração aleatória, devida às variações térmicas do

suporte; neste caso, desde que não existam desnivelamentos entre as duas

superfícies, a fissuração não é crítica para a estabilidade do tecto;

⋅ apodrecimento dos topos das vigas de madeira, inseridas nas paredes, por falta de

ventilação;

⋅ descoloração de áreas pintadas ou manchas, em resultado da humidade;

Page 72: Reabilitação de estuques antigos

ANOMALIAS: CAUSAS E EFEITOS CAPÍTULO 3

56 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

O quadro patológico apresentado comprova que, antes da realização de qualquer

intervenção, devem verificar-se exaustivamente todas as anomalias para avaliar a sua

extensão e as condições das zonas ocultas do tecto.

3.2.1.3. Efeito dos sais

O estuque é uma estrutura muito porosa e com elevada higroscopicidade. A

porosidade, resultante da evaporação da água durante a secagem inicial, tem como

consequência um processo de re-hidratação, pelo vapor de água existente no ar, que vai

decorrendo com o passar do tempo. Este processo está, em parte, na origem de dois

grandes grupos de anomalias nos estuques: a ocorrência de manchas e o aparecimento de

sais solúveis, à superfície.

A acumulação de sais nas paredes deve-se à presença de iões solúveis provenientes da

alteração das rochas, solos e outros materiais usados nas construções. Pode, ainda, ter

origem na atmosfera, mais ou menos contaminada, ou resultar do metabolismo orgânico de

seres vivos.

Estes iões têm condições para ser transportados em soluções aquosas diluídas, penetrar

no interior dos materiais, circulando ou percolando através dos poros, fissuras, etc. (Aires-

Barros, 2001).

As eflorescências apresentam formas muito diversificadas, podendo encontrar-se sob a

forma de um depósito branco e brando (eflorescências pulverulentas) como compacto

(pústulas e crostas). Nas zonas mais baixas dos edifícios encontram-se os sais menos

solúveis e higroscópicos (sulfatos e carbonatos) enquanto os restantes migram até níveis

mais elevados (cloretos e nitratos).

O arrastamento dos sais dissolvidos através da porosidade dos materiais forma

eflorescências, quando a água se evapora à superfície (figura 3.9), deixando para trás as

substâncias pesadas que cristalizam, ou criptoflorescências, quando os sais cristalizam

entre as camadas do estuque (figura 3.10).

A formação de sais entre camadas deve-se à oclusão dos poros, em resultado do

polimento das superfícies, da adição de óleos ou ceras que quase eliminam a porosidade

ou, ainda, da aplicação de tintas de formulação contemporânea que impedem o percurso

Page 73: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 3 ANOMALIAS: CAUSAS E EFEITOS

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 57

dos sais até à superfície, com a consequente delaminação dessas películas, conforme

referido adiante.

O processo de cristalização de sais é bastante danoso para o estuque por dois motivos:

o aumento de volume dos sais devido à cristalização, que provoca tensões internas na

estrutura do estuque, conduzindo à sua microdesagregação; e a formação de depósitos

salinos entre camadas, responsáveis pela perda de aderência, através da formação dos

conhecidos empolamentos.

Figura 3.9. Incrustações salinas. Igreja de S. Quintino. S. Quintino, Torres Vedras.

Figura 3.10. Perda de coesão das camadas inferiores do estuque, devido a sais resultantes da subida de água por capilaridade. Palácio do Freixo, Porto.

Os sais são ainda um dos agentes mais perigosos para a degradação das camadas

pictóricas de estuques policromos, principalmente os sulfatos de sódio, de potássio, de

magnésio e de cálcio, porque a sua cristalização causa sérios efeitos de desintegração da

camada onde estão aplicadas as tintas, sendo responsável pela pulverulência das pinturas.

A humidade com origem no terreno é a que arrasta a maior quantidade de sais, sendo

comum atingir cerca de 4 a 5 metros de altura ou mesmo, em situações excepcionais, 8 a

10 metros (Feilden, 1982/2003). Estas situações agravam-se com a passagem do tempo,

pois as deposições cíclicas de sais promovem ainda mais a subida da água, nunca atingindo

o equilíbrio.

Com alturas desta natureza, podem existir sais com origem no solo a toda a altura de

uma parede estucada e não apenas ao nível do piso térreo, principalmente nas paredes

exteriores. Neste caso, também as zonas periféricas dos tectos ficam vulneráveis à acção

dos sais, com efeitos negativos nos topos dos elementos estruturais de madeira.

Page 74: Reabilitação de estuques antigos

ANOMALIAS: CAUSAS E EFEITOS CAPÍTULO 3

58 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

3.2.1.4. Efeito de partículas em suspensão no ar

Algumas partículas que se encontram em suspensão no ar, principalmente os fumos e

o pó, alojam-se nos ornatos, retirando vivacidade às cores e tornando os estuques menos

nobres, devido à criação de uma certa opacidade. São partículas microscópicas, medidas

em mícrons (µm).

A sujidade resulta, em grande medida, da elevada deposição de pó e outras partículas,

em locais com deficiente isolamento térmico, que são arrastadas conjuntamente com o

vapor de água que se condensa sobre a superfície, entrando na microestrutura do material.

Manchas

A porosidade e higroscopicidade do estuque propiciam elevadas trocas de vapor de

água entre este e o ar. As poeiras, fumos e microorganismos diversos, ao se depositarem

sobre as superfícies, provocam o aparecimento de manchas de diferente coloração,

consoante a origem.

As manchas provocadas por microorganismos são as mais fáceis de remover, ao

contrário das que têm origem em substâncias arrastadas pela água, que, normalmente, são

mais difíceis de eliminar porque resultam numa coloração impregnada no estuque.

As manchas, em geral, devem-se ao facto de os microorganismos se alojarem na

porosidade do estuque Não é pois o estuque, enquanto material, que propicia o seu

desenvolvimento. As técnicas antigas, destinadas a tapar os poros do material, contribuíam

para evitar o desenvolvimento de manchas.

A porosidade do estuque permite, também, o alojamento de outras substâncias

estranhas, como acontece com as partículas provenientes das madeiras quando em contacto

com a água, que são arrastadas pelo efeito de lixiviação17, originando diversas colorações

nas superfícies estucadas (figuras 3.11 e 3.12), que impregnam toda a espessura de

estuque.

Algumas manchas podem também ter origem em fumos ou partículas de poeira

existentes no ar ou junto a equipamentos instalados recentemente, em resposta a novas

17 Separação de substâncias solúveis contidas em certas materiais, por meio de lavagem.

Page 75: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 3 ANOMALIAS: CAUSAS E EFEITOS

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 59

exigências de segurança, como por exemplo detectores de incêndio iónicos (figuras 3.13 e

3.14).

Quanto às manchas provocadas por fungos e bolores, deve ser consultado o

subcapítulo dedicado à acção biológica.

Figura 3.11. Manchas provocadas pelo arrastamento de partículas pela água. Palácio do Marquês de Tomar, Lisboa.

Figura 3.12. Manchas provocadas pelo arrastamento de partículas pela água. Palácio do Marquês de Tomar, Lisboa.

Figura 3.13. Mancha de sujidade provocada por detector de incêndio. Palácio do Marquês de Tomar. Lisboa.

Figura 3.14. Mancha de sujidade provocada por detector de incêndio. Palácio do Marquês de Tomar. Lisboa.

3.2.2. Variações térmicas

A expansão térmica provocada pelo aquecimento solar tem alguma importância no que

respeita às variações dimensionais diferenciais, porque ocorrem dilatações em três

situações: nas zonas directamente aquecidas pela radiação solar, nas superfícies localizadas

Page 76: Reabilitação de estuques antigos

ANOMALIAS: CAUSAS E EFEITOS CAPÍTULO 3

60 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

atrás de janelas, devido ao efeito de estufa; e nas zonas em sobra alcançadas pela

deslocação de ar quente (Feilden, 1982/2003).

Todas estas situações têm influência directa sobre o estuque, pois a sua capacidade de

absorção de energia térmica e consequente dilatação, são mais reduzidas do que nos

restantes constituintes dos suportes, nomeadamente madeiras e materiais pétreos. Assim, é

normalmente afectada a zona de ligação do estuque ao suporte, em virtude deste

revestimento ser menos susceptível às variações térmicas, podendo mesmo ocorrer a

separação entre as camadas inferiores.

No caso das superfícies que se mantêm parcialmente aquecidas, verifica-se uma

dilatação diferenciada, que, apesar de não ser significativa devido ao baixo coeficiente de

dilatação das argamassas de cal, pode provocar microfissuração, com a passagem do

tempo.

Sendo as variações térmicas diferenciadas, existe também um risco agravado de

desprendimento nas zonas de encosto entre diferentes materiais, conforme é possível

observar no quadro 3.1. Nele se conclui que a baixa expansibilidade térmica das

argamassas de cal pode desencadear o desprendimento dos suportes, em resultado da

expansibilidade mais elevada dos principais constituintes dos suportes que, no caso do

pinho, chega a ser quase sete vezes superior, no sentido das fibras.

Estuques e constituintes dos suportes Coeficientes de expansão térmica (m / mºC)

Argamassas de cal 0,8 x 10-6

Pinho 5,4 x 10-6 (ao longo das fibras) 34,1 x 10-6 (transversalmente às fibras)

Tijolo 5 x 10-6

Calcário 7 x 10-6

Granito 8 x 10-6

Quadro 3.1. Coeficientes de expansão térmica dos materiais (Fonte: ICCROM, citado por Feilden, 1982/2003)

Page 77: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 3 ANOMALIAS: CAUSAS E EFEITOS

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 61

3.2.3. Ultravioletas

Os ultravioletas que atravessam os envidraçados são responsáveis pela descoloração

de superfícies pintadas, principalmente das têmperas, que se revelam bastante sensíveis a

esta radiação.

Importa, por isso, que nas acções de inspecção seja efectuada uma análise das

condições das policromias por comparação com zonas menos expostas à luz.

3.3. Acção da gravidade

Os danos ocorridos na estrutura do edifício por acção de esforços que colocam em

causa o equilíbrio inicial dos elementos construtivos provocam uma série de problemas que

resultam normalmente no aparecimento de fissuração.

Estes esforços tanto podem ter origem nas fundações do edifício, como em excesso de

carga colocada sobre as paredes autoportantes, com valores muito acima dos previstos

inicialmente ou, ainda, surgirem em resultado de novos sistemas construtivos de maior

peso, colocados em acções de reabilitação posteriores.

Num caso extremo, em que as condições estruturais ficam em causa, tem início um

processo de rotura que levará à ruína do suporte e consequentemente do estuque, caso não

sejam desencadeadas acções urgentes de correcção que estabilizem aquela situação.

Decaimento estrutural

A acção da gravidade sobre as construções provoca a degradação das estruturas,

devido aos assentamentos diferenciais das fundações. No caso dos estuques, provoca a

deformação de diversos elementos portantes que lhes servem de suporte.

Em resultado destas anomalias, surgem por todo o edifício inúmeras variações

dimensionais, com reflexo sobre diversos elementos construtivos, provocando o

aparecimento de fracturas de vária ordem, sendo o estuque um testemunho daquelas

variações através da fissuração sobre elementos de extrema delicadeza ornamental (figuras

3.15 e 3.16).

Page 78: Reabilitação de estuques antigos

ANOMALIAS: CAUSAS E EFEITOS CAPÍTULO 3

62 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

Figura 3.15. Fissuras em ornatos. Palácio do Marquês de Tomar, Lisboa.

Figura 3.16. Fissuras em parede com estuque liso, pintado. Palácio do Marquês de Tomar, Lisboa.

Fissuração

A aderência dos estuques sobre os principais constituintes das paredes antigas

(materiais pétreos, cerâmicos e madeira) é muito boa. Todavia, nas situações onde os

suportes são mistos, combinando diferentes elementos na sua constituição, podem ocorrer

fissuras e desenvolver-se deformações combinadas, devido às suas descontinuidades.

Neste contexto, os principais factores responsáveis pela ocorrência de fissuração,

principalmente em tectos, são a falta de rigidez das estruturas de madeira, os

assentamentos das entregas, as deformações devidas à fluência, as vibrações, a

deterioração das madeiras, devida a ataques biológicos em fasquias e elementos estruturais,

e as variações dimensionais, por efeito térmico ou hídrico (Ribeiro, 2000).

O mesmo autor assinala que as fissuras com origem exclusivamente no revestimento

podem ter como causas prováveis uma deficiente preparação da base, a excessiva

espessura da camada de estuque, condições de aplicação desfavoráveis ou o facto de o

reboco sobrejacente ser mais forte, ou seja, possuir maior quantidade de ligante que a

camada inferior.

Page 79: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 3 ANOMALIAS: CAUSAS E EFEITOS

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 63

3.4. Acção biológica

A presença biológica é um aspecto com uma importância fundamental como causa de

degradação nos estuques, uma vez que provoca danos na microestrutura do material e nos

suportes, por via do apodrecimento das madeiras ou do ataque de insectos.

A origem das contaminações biológicas deve-se, por um lado, à existência de esporos

de vários tipos de microorganismos que se encontram no ar, no interior das edificações,

desenvolvendo-se com a humidade e formando manchas após deposição sobre as

superfícies (Henriques, 2001); por outro, podem resultar de fungos armazenados em velhos

suportes de madeira e de pedra, manifestando-se também com a humidade e surgindo no

estuque sob a forma de manchas negras, esverdeadas ou rosadas.

Nos estuques, como já foi referido, os fungos e bolores são responsáveis pela

ocorrência de manchas, que isoladamente podem não apresentar problemas de maior, para

além do impacte estético negativo.

O principal problema resultante das colonizações biológicas (fungos, bolores,

líquenes, algas e insectos xilófagos), deve-se à deterioração das madeiras dos suportes,

podendo atingir níveis tão elevados que as conduza ao colapso.

Neste subcapítulo, referem-se alguns aspectos relativos à presença biológica, com

efeitos negativos sobre o estado de conservação do sistema estuque / suporte,

nomeadamente fungos, bolores, líquenes, algas e insectos xilófagos.

3.4.1. Fungos, bolores, líquenes e algas

As infestações de fungos, bolores, líquenes e algas progridem com extrema rapidez em

ambientes com humidade relativa superior a 65% e não necessitam da luz solar para se

desenvolverem, com excepção das algas. Os restantes necessitam apenas de matéria

orgânica para obterem a sua energia.

A presença de fungos e bolores ocorre em zonas com aquelas condições, pela subida

da humidade relativa, principalmente nos locais de mais baixa temperatura da superfície,

combinada com fraca ventilação, como no caso de ângulos entre paredes, entre estas e

tectos e atrás de objectos (Henriques, 2001).

Page 80: Reabilitação de estuques antigos

ANOMALIAS: CAUSAS E EFEITOS CAPÍTULO 3

64 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

Nestes casos, apenas a anulação da fonte de humidade permite eliminar aquelas

contaminações (Feilden, 1982/2003). Importa ter em atenção as perdas de material, quase

invisíveis, que se verificam com a remoção destas contaminações.

Todavia, as estruturas de madeira degradam-se em presença da humidade, não por

causa desta, mas pelas condições ideais para o desenvolvimento daqueles agentes

biológicos. A degradação deve-se ao ácido produzido por fungos, bolores e líquenes, que

reagem quimicamente com as madeiras dos suportes (vigas e fasquiados), onde se alojam e

desenvolvem.

A madeira atacada por microorganismos fica com uma estrutura degradada, macia e

com a cor alterada (acastanhada ou esbranquiçada). A destruição dos seus constituintes, a

celulose e a lenhite, torna-a friável e, por conseguinte, sem resistência mecânica aos

esforços a que se encontra sujeita, situação crítica quando constitui o suporte de tectos

estucados, devido à acção da gravidade. O enfraquecimento da sua estrutura promove,

ainda, o subsequente ataque de insectos xilófagos.

A presença biológica é, normalmente, acompanhada por um intenso odor de madeira

bolorenta e apodrecida. Este aspecto deve ser considerado quando se acede a um local

onde se suspeite desta anomalia.

Verifica-se que os locais mais críticos para o apodrecimento dos suportes são as zonas

de encastramento nas paredes e os locais sem qualquer ventilação, encontrando-se, assim,

susceptíveis ao desenvolvimento de colonizações biológicas, devido à permanente

presença de humidade.

O apodrecimento dos fasquiados contribui para o desprendimento das ornamentações

estucadas da base, podendo levar à queda dos elementos decorativos.

3.4.2. Insectos xilófagos

Os insectos atacam a matéria orgânica para se alimentarem. Este facto enfraquece a

resistência da madeira, tendo efeitos mais nefastos do que os devidos a fungos e bactérias.

A sua erradicação processa-se apenas com recurso a tratamento químico.

Page 81: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 3 ANOMALIAS: CAUSAS E EFEITOS

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 65

A perda de resistência da madeira depressa resulta em descaimentos, podendo

conduzir à completa ruína do tecto, implicando uma substituição integral das peças, com as

dificuldades inerentes a trabalhos desta natureza.

Uma imunização, aplicada com pincel ou por vaporização, não destrói as infestações,

por não ser possível actuar sobre as larvas de algumas formas de caruncho. Este aspecto

deve ser objecto de extrema atenção, pois é muito elevada a probabilidade dos insectos se

manterem na madeira.

Feilden (1982/2003) refere que uma das formas correntes de caruncho, o xestobium

rutovillosum, conhecido pelo seu ataque às mobílias, preferencialmente de carvalho, pode

exigir 20 anos de constante observação.

Por essa razão, este autor recomenda que, sempre que existam ataques de insectos,

sejam recolhidos alguns exemplares de modo a determinar qual o tipo de caruncho em

presença, no sentido de definir a melhor actuação e o insecticida mais adequado para a sua

extinção.

3.5. Natureza dos materiais

Voltando ao trabalho de Ribeiro (2000), conclui-se que cerca de um quarto das causas

responsáveis pelas anomalias tem como origem aspectos relativos à natureza dos materiais,

quer por via da sua incompatibilidade, quer pelas variações dimensionais diferenciais.

Também Prieto, citado por Gárate (1999), refere que os materiais são uma das quatro

causas da origem das anomalias.

As que derivam da natureza dos materiais podem ocorrer em diferentes períodos da

vida do estuque, verificando-se incompatibilidades desde os trabalhos iniciais até às

situações ocorridas após trabalhos de conservação e restauro mal executados.

Muitas das anomalias estão naturalmente ligadas à aplicação inadequada de materiais,

cuja incompatibilidade, física ou química, com os estuques pode acelerar determinados

processos de degradação ou provocar situações potenciadoras do aparecimento de

anomalias, sendo, por isso, uma acção combinada entre incompatibilidade do material e da

acção humana.

Page 82: Reabilitação de estuques antigos

ANOMALIAS: CAUSAS E EFEITOS CAPÍTULO 3

66 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

Os principais materiais estranhos ao estuque, responsáveis por um grande número de

anomalias, são o cimento portland, quando utilizado em situações de reabilitação em zonas

anexas ao estuque, que provoca situações de incompatibilidade química mas também

física, e as tintas de formulação contemporânea, responsáveis pela impermeabilização das

superfícies estucadas e dando assim origem a incompatibilidade física.

Esta incompatibilidade material deve-se a actuações de manutenção ou reparação

incorrectas ou de natureza negligente. Este aspecto encontra-se, por isso, explicado com

mais pormenor no subcapítulo seguinte, na parte respeitante aos danos provocados por

acção humana.

3.6. Causas acidentais e de acção humana

Existem diversas causas de origem acidental, com uma elevada capacidade destrutiva,

capazes de provocarem danos consideráveis e, eventualmente, a ruína de todo ou de parte

de um edifício, como são exemplo as catástrofes naturais ou os incêndios.

Paralelamente àquelas, identificam-se algumas causas com origem em acções

humanas, voluntárias ou não, também com uma capacidade destrutiva muito elevada. Em

seguida, referem-se algumas destas causas, com incidência nos principais efeitos daí

resultantes.

3.6.1. Causas acidentais

Os principais agentes de origem acidental, que podem causar anomalias de grande

extensão e gravidade, são os incêndios, os sismos e as catástrofes naturais de origem

climática, nomeadamente inundações, ciclones e descargas eléctricas.

Neste subcapítulo, referem-se apenas com algum pormenor os efeitos devidos a

incêndios e sismos, dado que as catástrofes naturais não apresentam um conjunto de efeitos

homogéneos de modo que permitam uma sistematização das anomalias por si provocadas.

Page 83: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 3 ANOMALIAS: CAUSAS E EFEITOS

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 67

3.6.1.1. Incêndios

Quase sempre os incêndios degradam por completo uma estrutura edificada, com

consequências a diversos níveis. No decurso do incêndio, ocorrem danos devidos à

combustão dos suportes de madeira e à fragmentação dos materiais pétreos, por acção da

elevada expansão térmica.

A actuação para extinção do fogo contribui também para a degradação material dos

estuques, devido à utilização de água em elevada quantidade, conforme descrito no

subcapítulo relativo à acção da água.

O estuque pode assim ser afectado no seu suporte, devido ao fogo e à temperatura, e

na própria argamassa, devido à água que contribui para a perda de coesão.

Nas situações menos graves, quando não existe combustão das madeiras, mas há uma

elevada presença de fumo, ocorre uma deposição de negro de fumo sobre todas as

superfícies, obrigando à integral limpeza dos elementos afectados. As pinturas podem

também ser danificadas devido ao contacto directo com as chamas.

3.6.1.2. Sismos

Os edifícios afectados pela acção dos sismos podem sofrer danos que oscilam entre

pequenas fissuras e a ruína total. De acordo com a escala de Mercalli modificada, as

fissuras nos rebocos fracos, onde se incluem os estuques, ocorrem a partir do grau VI, para

sismos classificados como “fortes”. Esta escala mede a intensidade dos abalos e varia entre

os graus I e XII, ou seja, em termos gerais, um sismo de intensidade média tem a

capacidade de provocar danos nos estuques.

O conhecimento dos danos provocados pelos sismos é fundamental para o diagnóstico

das anomalias, uma vez que mostra o comportamento do suporte do estuque perante os

diversos sismos ocorridos até ao momento.

Este conhecimento permite saber como se comportou o edifício e, assim, delinear

estratégias de actuação objectivas, num quadro de certeza mais definido, perante uma

acção de reabilitação.

Page 84: Reabilitação de estuques antigos

ANOMALIAS: CAUSAS E EFEITOS CAPÍTULO 3

68 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

3.6.2. Acção humana

Os danos provocados por acções humanas são muito diversificados, podendo ter

diferentes origens, inconscientes, intencionais e de carácter negligente. Podem, contudo,

originar anomalias de incidência considerável.

Através do trabalho de Ribeiro (2000), verifica-se que, com esta origem, existem cerca

de um quarto de causas do total, com destaque para a má execução de trabalhos. Quanto à

negligência, considera-se o abandono e as acções de vandalismo, ambas com potencial

para provocar efeitos tão ou mais nefastos que algumas das causas naturais.

3.6.2.1. Conservações e restauros mal executados

As conservações e restauros mal executados são responsáveis por danos que, em

grande medida, resultam das alterações provocadas na porosidade do estuque e, no caso

das policromias, das alterações do estado de equilíbrio dos pigmentos aplicados.

Ao referir-se aos fingidos por pintura, Gárate (1999) assinala que o desconhecimento

das antigas técnicas históricas de execução, pela sua complexidade, pode reflectir-se numa

falta de rigor ou mesmo em erros de natureza técnica, ao nível da actuação restauratória.

Actualmente, de acordo com este autor, o conhecimento das técnicas antigas implica a

realização de investigação química, de modo experimental, com procedimentos difíceis e

dispendiosos, e que, por esse facto, raramente são implementados nos trabalhos de

reabilitação.

Desde sempre existiram maus trabalhos de restauro e foi comum, num passado

recente, a aplicação de vernizes sobre o estuque, apenas para proteger a superfície (Prieto,

citado por Gárate, 1999), acabando por provocar danos de natureza química, com alteração

da cor original de têmperas, e física, com a retenção de água e sais entre as camadas do

estuque, devido à menor permeabilidade conferida.

Outro factor responsável pela degradação dos estuques é a tentativa de limpeza das

superfícies que, em alguns casos devido à abrasão, pode retirar o brilho e cor originais ou

mesmo provocar danos superficiais.

Os actuais processos mecânicos de polimento de superfícies antigas, principalmente

no caso dos marmoreados, podem também ser responsáveis por acabamentos superficiais

Page 85: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 3 ANOMALIAS: CAUSAS E EFEITOS

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 69

diferenciados, devido às naturais variações de dureza existentes nos veios, inicialmente

executados com diferentes argamassas.

Outro aspecto negativo deve-se à introdução de excesso de peso sobre o suporte dos

tectos, que se reflecte na deformação da estrutura, sendo assim responsável pelo

aparecimento de fissuração e o desprendimento de camadas.

3.6.2.2. Pintura de manutenção com tintas contemporâneas

No caso português, uma operação de manutenção bastante comum sobre os estuques

consiste na aplicação de tintas de formulação contemporânea com base em polímeros18,

para ocultar manchas e descolorações das policromias.

Esta operação tem efeitos negativos a diversos níveis, por um lado, de natureza

química, devido à oclusão dos poros do estuque, provocando a acumulação de sais atrás

das películas de tinta e, por outro, pelos efeitos estéticos negativos, devido à cobertura de

policromias e ocultação de relevos, resultante da aplicação sucessiva de diversas camadas

de tinta (figuras 3.17 e 3.18).

Figura 3.17. Tecto policromo pintado com tinta plástica. Palácio do Marquês de Tomar, Lisboa.

Figura 3.18. Ornato policromo pintado com tinta plástica. Palácio do Marquês de Tomar, Lisboa.

Para além do impacte estético negativo, também se observa, na grande maioria das

tintas contemporâneas, uma tendência para a descamação das películas aplicadas sobre as

18 As tintas de silicatos não apresentam estes problemas.

Page 86: Reabilitação de estuques antigos

ANOMALIAS: CAUSAS E EFEITOS CAPÍTULO 3

70 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

superfícies, devido à incompatibilidade química entre a alcalinidade do estuque e a

natureza ácida da tinta, conforme se pode observar nas figuras 3.19 e 3.20.

Figura 3.19. Descamação de tinta plástica contemporânea. Palácio do Marquês de Tomar, Lisboa.

Figura 3.20. Descamação de tinta plástica contemporânea em local afectado por água. Sociedade Recreativa de Vila Praia de Âncora.

3.6.2.3. Vibrações

Feilden (1982/2003) refere-se às vibrações como uma causa com impacte significativo

na degradação dos tectos estucados, independentemente da sua origem. As anomalias

resultantes devem-se à quebra das plaster keys19, responsáveis pela fixação da argamassa

nos intervalos entre fasquias (figura 3.21).

Antes de sujeitar um edifício antigo a vibrações elevadas, como, por exemplo, as

provocadas pela utilização de um bate-estacas na sua proximidade, devem inspeccionar-

-se cuidadosamente as condições do fasquiado e do estuque.

Os estuques em paredes também são susceptíveis ao destacamento do suporte por

acção de vibrações elevadas, como é o caso de alguns frescos, em Roma, que se

destacaram devido a vibrações provocadas pelo tráfego intenso.

As vibrações podem ainda provocar fissuração, causar a fadiga dos materiais e

provocar assentamentos diferenciais, em resultado da compactação do solo.

19 Expressão inglesa sem equivalente na língua portuguesa. Designa a argamassa que ressuma pelas folgas entre as fasquias de suporte do emboço e é responsável pela fixação desta primeira camada ao fasquiado.

Page 87: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 3 ANOMALIAS: CAUSAS E EFEITOS

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 71

Figura 3.21. Aspecto das plaster keys em obra de reabilitação. Villa Morais, Ponte de Lima.

Apesar das vibrações pontuais muito intensas serem objecto de grande preocupação,

Feilden (1982/2003) refere também aquelas que são originadas pela circulação automóvel

como um dos principais problemas recentemente estudados, devido ao considerável

aumento de tráfego, nas últimas décadas do século XX, com tendência para aumentar.

3.6.2.4. Instalação inadequada de infra-estruturas de combate e prevenção de incêndios

A implementação das medidas de prevenção e combate a incêndios, conforme

estabelecido pela regulamentação de segurança contra incêndios do último quartel do

século XX, pode ter consequências negativas sobre os estuques, em resultado da falta de

adequação dessas redes e instalações técnicas aos edifícios antigos.

Sendo objectivo desta regulamentação a protecção da vida dos utilizadores, não existe

qualquer preocupação com a integração das redes e instalações nos edifícios históricos. Na

opinião de Feilden (1982/2003), os regulamentos de segurança contra incêndios não

respeitam os valores culturais e artísticos destes edifícios.

Em edifícios estucados é, por isso, necessário que estas novas instalações sejam

objecto de atenção e integração particulares, sob pena da descaracterização da decoração,

devido ao impacte estético negativo ou à sujidade provocada pelos detectores iónicos.

3.6.2.5. Abandono e vandalismo

O abandono a que muitos edifícios são votados origina uma combinação de efeitos

higrotérmicos, decaimento estrutural, colonizações biológicas e factores de origem

Page 88: Reabilitação de estuques antigos

ANOMALIAS: CAUSAS E EFEITOS CAPÍTULO 3

72 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

humana, nomeadamente a negligência e o vandalismo, com consequências muitas vezes

irreversíveis.

A consequência mais notória do abandono consiste na degradação da envolvente que,

no caso da cobertura, permite o acesso de água aos suportes de madeira, contribuindo para

acelerar a sua degradação. Este facto é particularmente gravoso para os tectos, pois

provoca o apodrecimento das madeiras e, por conseguinte, a deterioração do sistema

estuque / suporte em grandes áreas.

Paralelamente, o abandono fomenta o desenvolvimento de diversas colonizações

biológicas, tanto botânicas (trepadeiras, heras, etc.), como animais, caso dos ratos e

pombos, cuja acidez dos dejectos contribui para a degradação dos vários materiais, sendo

igualmente responsáveis pela acumulação de grande quantidade de lixo sobre o extradorso

dos tectos, acabando por reduzir a ventilação das madeiras e causando o desenvolvimento

de fungos, bolores, algas e líquenes.

O uso inadequado dos edifícios pode, também, fomentar estados de semi-abandono, de

que é exemplo o Palácio do Freixo, no Porto, dado que a sua utilização como armazém

conduziu a uma elevada negligência e acções de vandalismo.

As situações de abandono atingem os estuques segundo vários graus de incidência e

gravidade, desde anomalias ligeiras, como é o caso da alteração cromática de policromias,

até ao colapso de elementos estruturais e grandes lacunas, devidas à natural degradação dos

materiais, por acção da água.

O abandono dos edifícios propicia igualmente todo o tipo de actos de vandalismo, que

não escolhem o alvo a atingir. Estes acontecem indiscriminadamente sobre qualquer

elemento construtivo ou decorativo e os efeitos podem ser devastadores, conforme

acontece na igreja Matriz de Juromenha, Alandroal (figuras 3.22 e 3.23), onde é possível

observar que todos os revestimentos de estuque se encontram vandalizados.

Page 89: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 3 ANOMALIAS: CAUSAS E EFEITOS

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 73

Figura 3.22. Aspecto geral da Igreja de Nossa Senhora do Loreto, Juromenha.

Figura 3.23. Pendente e abóbada, revestidos por estuque policromo. Igreja de Nossa Senhora do Loreto, Juromenha.

3.7. Síntese

Apresenta-se no quadro 3.2 uma síntese das relações entre os principais agentes

causadores das anomalias e os respectivos efeitos.

Neste capítulo, efectua-se uma análise das anomalias mais comuns em estuques

antigos, segundo uma abordagem de relação causa e efeito, enquanto integrados num

sistema complexo que é um edifício antigo no seu todo.

No capítulo seguinte, analisa-se a actuação necessária para obter um resultado

favorável com a reabilitação de estuques, enquadrada numa metodologia de intervenção

objectiva e criteriosa, sujeita a fases sequenciais, desde as pesquisas iniciais até á

confirmação de dados no decurso da obra.

Page 90: Reabilitação de estuques antigos

ANOMALIAS: CAUSAS E EFEITOS CAPÍTULO 3

74 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

EFEITOS

AGENTES CAUSADORES Fi

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Água ○ ● ○ ○ ○ ○ ● ○ ○ ○ Variações térmicas ● ○ ○ ○ ○ ○ Ultravioletas ● ● Gravidade ● ○ ○ ○ Fungos e Bolores ● ● ○ ● Insectos xilófagos ○ ○ ○ ○ Materiais incompatíveis ○ ○ ○ ○ ○ Suporte inicial mal executado ● ● ● ○ Estuque inicial mal executado ○ ● ● ○ ● Restauros mal executados ○ ○ ● ● Pintura com tinta contemporânea ○ ○ ● ● Novos equipamentos eléctricos e de AVAC ○ ● ● Vibrações ○ ● ● Incêndios ● ● ● ● ● ● Sismos ● ● ● ●

Legenda ● - Efeito directo; ○ - Efeito indirecto Quadro 3.2. Quadro síntese de causa / efeito entre os agentes causadores das anomalias e as respectivas consequências.

Page 91: Reabilitação de estuques antigos

4. METODOLOGIA DE INTERVENÇÃO

No capítulo anterior, estabeleceu-se o panorama geral da origem das anomalias mais

comuns nos estuques, bem como os efeitos daí resultantes. O conhecimento dessas

anomalias e o contexto do desenvolvimento permitem estabelecer uma actuação objectiva

e rigorosa, conforme será desenvolvido ao longo deste capítulo.

O sucesso de um trabalho de reabilitação de estuques antigos depende do seu

enquadramento numa metodologia de intervenção rigorosa. Caso contrário, existem

elevadas probabilidades de se obter um mau resultado. Neste capítulo, analisam-se as fases

da reabilitação, de acordo com a sua sequência, ao nível da investigação e da própria

intervenção.

O incumprimento das fases não é, contudo, o único factor a contribuir para o insucesso

da reabilitação. É comum executarem-se trabalhos desta natureza, sem o completo

conhecimento do contexto das anomalias. Deste procedimento errado resultam acções

infrutíferas, pela permanência dos danos e pela ocorrência de outros.

Para além dos aspectos mencionados, sobre outros deve existir também um

conhecimento sólido, nomeadamente das técnicas tradicionais, da história do edifício e das

características dos materiais utilizados, ao nível da composição e compatibilidade com as

pré-existências.

Exige-se aos diversos intervenientes a consciência de que uma reabilitação difere da

execução de um novo trabalho porque, no decurso da intervenção, as acções são efectuadas

sob permanente análise da situação construtiva dos elementos.

Compreende-se, assim, como diversas tarefas devem ser realizadas segundo uma

abordagem experimental, com consciência das diferentes fases, e como, a cada momento,

pode ser necessário alterar o plano de intervenção previamente estabelecido.

A metodologia agora descrita é elaborada no pressuposto do conhecimento integral

dos factores económicos e sociais envolvidos. Presume-se, assim, a existência de resposta

a questões que podem dificultar a definição das soluções, nomeadamente como será gerida

Page 92: Reabilitação de estuques antigos

METODOLOGIA DE INTERVENÇÃO CAPÍTULO 4

76 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

a reabilitação e a posterior manutenção do edifício, quem a irá custear, qual será a

utilização dos espaços e a quem se destinam.

Pressupõe-se, também, que exista um projecto geral ao qual fica vinculado o projecto

de restauro dos estuques, conforme estabelecido pela Carta de Cracóvia (2000).

As matérias relativas às fases de intervenção de um trabalho de reabilitação podem

encontrar-se nos seguintes documentos:

⋅ estudos de J. e N. Ashurst (1988) e Gárate (1999), com incidência em estuques

antigos;

⋅ estudos de Feilden (1982/2003), relativo a edifícios históricos;

⋅ artigo sobre a reabilitação do Paço Episcopal do Porto, de P. A. Silva (2001); e

⋅ documentário da reabilitação do Palácio do Freixo (2003).

Noutros artigos de âmbito geral, é também possível encontrar informação pertinente,

nomeadamente nos seguintes artigos:

⋅ Mateus (1999), sobre o projecto e planeamento de intervenções;

⋅ Vadstrup (2001), sobre ornatos exteriores em fachadas; e

⋅ Faria (2002), sobre reabilitação de estruturas de madeira.

Em síntese, o método de intervenção adequado à reabilitação de estuques antigos,

descrito nas páginas seguintes, deve enquadrar-se em quatro vectores fundamentais,

segundo a sequência apresentada.

a) levantamento e inspecção das condições de conservação;

b) avaliação da informação recolhida;

c) elaboração do projecto de restauro;

d) decisão in loco.

Nos subcapítulos seguintes, apresentam-se os principais aspectos envolvidos em cada

uma destas fases, com vista à compreensão dos aspectos a ter em atenção desde o primeiro

contacto com o estuque antigo até à sua completa reabilitação.

Page 93: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 4 METODOLOGIA DE INTERVENÇÃO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 77

4.1. Levantamento e inspecção das condições do edifício

A primeira fase do processo de reabilitação de um edifício histórico é a observação.

Esta deve efectuar-se de forma exaustiva, minuciosa e criteriosa, com vista ao

conhecimento do objecto e dos mecanismos responsáveis pela sua degradação.

Neste subcapítulo, referem-se dois universos, levantamento e inspecção. Não é

possível estabelecer uma separação clara entre ambos, mas entende-se que, para cada um

daqueles conceitos, existem actuações e objectivos diferenciados.

O conceito de levantamento está associado a uma investigação de carácter

morfológico-construtivo, com recurso à observação directa. O conceito de inspecção está

associado às acções que permitem caracterizar o nível de degradação dos elementos e as

condições de estabilidade, em função das anomalias e do seu grau de incidência. Na

última, recorre-se, normalmente, à quantificação e comparação de parâmetros de avaliação

rigorosos.

Em edifícios onde a observação foi descurada, é comum surgirem, durante a obra,

situações até então desconhecidas, com graves implicações na solução de projecto,

conduzindo geralmente à sua alteração. As situações imponderáveis costumam provocar

um acréscimo de custos e o aumento do tempo da empreitada. De acordo com Cramer

(1986), apenas o conhecimento exaustivo da obra permite uma actuação com vista a evitar

tais surpresas.

Estas situações acontecem, fundamentalmente, por falta de vontade do promotor em

proceder a um levantamento e inspecção exaustivos, devido aos custos envolvidos e à

pretensão de efectuar as obras num prazo demasiado curto. Paradoxalmente, acabam por

ter o efeito contrário.

O levantamento e a inspecção possuem também a virtude de constituírem o primeiro

contacto dos arquitectos com os edifícios históricos, tornando-se numa excelente

oportunidade para conhecer a totalidade do edifício.

As acções a desenvolver devem incidir nos vectores com importância na análise da

situação geral do edifício, permitindo a sua caracterização construtiva. O levantamento e a

recolha de informação devem incidir nas quatro áreas seguintes:

⋅ histórica, com referência a intervenções posteriores à construção inicial;

Page 94: Reabilitação de estuques antigos

METODOLOGIA DE INTERVENÇÃO CAPÍTULO 4

78 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

⋅ morfológica e compositiva dos elementos construtivos e decorativos,

respectivamente;

⋅ estrutural;

⋅ construtiva.

Em seguida, apresentam-se vários aspectos relativos aos conceitos de levantamento e

inspecção, agrupados de acordo com a diferenciação mencionada atrás.

4.1.1. Levantamento

O levantamento de um edifício não deve limitar-se a uma descrição. Deve constituir-se

como um documento de carácter analítico, não havendo informação em excesso, desde que

isso contribua para completar o conhecimento do objecto em estudo.

Neste documento, para além do registo de técnicas e anomalias, devem anotar-se, nos

desenhos, as datas de elementos importantes (da construção inicial e de intervenções

posteriores), as transformações do edifício, a descrição do sistema construtivo, os materiais

de construção e quaisquer aspectos que o artífice executou por decisão própria (Cramer,

1984).

Um levantamento minucioso contribui para um controlo de custos efectivo. O

conhecimento do edifício permite adoptar soluções que minimizam os factores

imponderáveis, tantas vezes responsáveis por custos imprevistos, decorrentes de atrasos,

alteração de soluções ou paragens da execução da obra.

4.1.1.1. Levantamento histórico e recolha de documentos

É impossível reabilitar estuques sem olhar para um contexto arquitectónico específico.

Assim, a primeira acção de levantamento consiste no estudo da evolução do edifício.

É uma fase de recolha de informação relativa à evolução do edifício, nomeadamente

ampliações, remodelações, acidentes, mudanças de proprietários e outra, tendo em vista a

identificação de eventuais intervenções posteriores à obra inicial. Esta informação pode ser

determinante para identificar movimentos diferenciais do edifício ou detectar vestígios de

antigas intervenções ocultadas pela actual.

Page 95: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 4 METODOLOGIA DE INTERVENÇÃO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 79

O conhecimento de diferentes remodelações ajuda a reduzir os riscos dos trabalhos de

reabilitação, ao nível de danos no edifício, acidentes na obra, má execução dos trabalhos,

custos imprevistos, entre outros. Esta informação obtém-se através da pesquisa de

documentos antigos, escritos ou desenhados relativos ao imóvel, nomeadamente:

⋅ desenhos originais e recentes, incluindo gravuras;

⋅ especificações e registos dos trabalhos iniciais;

⋅ manutenções antigas;

⋅ inspecções anteriores;

⋅ registos de reparações e condições responsáveis por tal;

⋅ outros documentos escritos ou desenhados, de carácter geral.

A informação obtida é de extrema utilidade para efectuar as acções de inspecção,

nomeadamente no estabelecimento do plano de inspecção, na elaboração do projecto de

restauro e mesmo na execução da reabilitação.

Por último, sempre que for necessário datar os elementos construídos20, pode recorrer-

se a fontes escritas, à análise das técnicas de execução ou dos materiais utilizados, à

observação do registo da data no edifício, às características dos elementos decorativos ou

utilizar sistemas de datação mais complexos, caso da dendrocronologia21.

4.1.1.2. Levantamento morfológico e compositivo

O levantamento morfológico e compositivo é necessário para conhecer o desenho do

elemento estucado, ao nível da simetria, da repetição e da forma (figura 4.1), entre outros.

Este conhecimento é essencial nos processos de reintegração de lacunas, quando se torna

necessário recorrer à reprodução de elementos decorativos em falta.

Um levantamento desta natureza realiza-se com recurso aos métodos de levantamento

correntes e de mais fácil utilização, fotografia e desenho a escalas convencionais ou à mão

levantada, com indicação de dimensões, registo de características formais, estilísticas e

20 Em situações de datação, deve sempre referenciar-se a fonte de onde foi extraída a informação (Cramer, 1984). 21 Análise de peças de madeira, principalmente de carvalho, com vista à determinação de irregularidades nos anéis de crescimento, que comprovem a ocorrência de variações climáticas significativas, acerca das quais existe um conhecimento exacto da data em que aconteceram e, assim, conseguir determinar o número de anos que decorreram até ao corte dessa árvore (Cramer, 1986).

Page 96: Reabilitação de estuques antigos

METODOLOGIA DE INTERVENÇÃO CAPÍTULO 4

80 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

cromáticas (Cramer, 1986). Porém, sempre que se considere necessário, deve recorrer-se a

meios técnicos mais sofisticados.

Composições simétricas: diagramas 1, 3, 4 e 5.

Composições modulares: diagramas 6, 7 e 8.

Composição assimétrica e sem repetição de módulos: diagrama 2

Figura 4.1. Diagramas de composição de tectos estucados.

O levantamento das técnicas e materiais, por seu lado, pode resultar da observação

directa, por forma a confirmar a utilização de moldes ou recorrer à investigação

laboratorial, para analisar a composição das camadas, nomeadamente a granulometria das

1 2

3

5

7

6

4

8

REPETIÇÃO DE MÓDULOSCOMPOSIÇÃO SEM SIMETRIA E

Eixo de simetria

Módulo

Page 97: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 4 METODOLOGIA DE INTERVENÇÃO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 81

areias, a composição das argamassas, a existência de aditivos, o traço, a identificação de

contaminações por sais ou ataques biológicos, etc..

4.1.1.3. Registo dos dados

Os resultados do levantamento e a informação recolhida devem ser compilados num

documento que constitui o ponto de partida para as acções posteriores, nomeadamente a

inspecção e a elaboração do projecto de restauro.

Os aspectos sujeitos a levantamento organizam-se segundo quatro vectores distintos:

morfologia, materiais, anomalias correntes e efeitos de causas fortuitas. Para um

conhecimento mais aprofundado desta matéria, aconselha-se a leitura de alguns dos autores

já referidos, nomeadamente J. e N. Ashurst (1988), Gárate (1999), Mateus (1999),

Vadstrup (2001) e Ribeiro (2000).

Em primeiro lugar, no campo da morfologia, devem registar-se: (a) a geometria dos

elementos; (b) as lacunas elimináveis através da cópia de outros elementos; (c) as lacunas

em áreas em que a cópia é de reprodução difícil ou impossível; (d) a configuração do

sistema de suporte do estuque.

Em segundo lugar, relativamente aos materiais e características do estuque, devem

registar-se: (a) a composição; (b) o número de camadas; (c) a caracterização das pinturas

existentes, nomeadamente se são originais ou repinturas, estado de conservação, natureza,

cores e pigmentos usados.

Em terceiro lugar, no campo das anomalias, devem registar-se: (a) as áreas húmidas;

(b) os efeitos da humidade; (c) a existência de eflorescências e criptoflorescências e a

respectiva configuração dos sais; (d) as áreas apodrecidas ou pulverulentas; (e) as fissuras

(dimensão, localização e geometria); (f) as delaminações; (g) as lacunas; (h) a sujidade; (i)

as manchas de origem biológica ou química; e (j) as manchas com origem em elementos de

ferro.

Por último, devem registar-se os efeitos de causas fortuitas e acidentais,

nomeadamente: (a) intervenções inadequadas, devido ao uso de materiais incompatíveis ou

a correcções grosseiras; (b) repinturas incorrectas; (c) infiltrações de água ocasionais e (d)

efeitos resultantes de incêndios ou acções de vandalismo.

Page 98: Reabilitação de estuques antigos

METODOLOGIA DE INTERVENÇÃO CAPÍTULO 4

82 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

Esta informação é apresentada sob a forma escrita, desenhada e fotografada. O registo

desenhado é um dos mais importantes modos de efectuar uma abordagem científica do

edifício (Cramer, 1984), seja qual for a investigação a que se destina, histórica, construtiva

ou para realizar obras de reabilitação.

Nos elementos gráficos, assinalam-se as anomalias e o modo como foram detectadas,

por observação ou com a utilização de instrumentos, acompanhados de legenda explicativa

da informação desenhada. Para além de desenhos e fotografias, pode recorrer-se à

reprodução de ornatos, sempre que tal se mostre imprescindível (J. e N. Ashurst, 1988).

As peças escritas e desenhadas devem permitir uma leitura objectiva e esclarecedora

das situações, de modo a não ser necessário voltar ao edifício para esclarecer quaisquer

dúvidas sobre o seu estado de conservação. O rigor do registo dos elementos é

directamente proporcional ao correcto diagnóstico da situação.

4.1.2. Inspecção

Paralelamente ao levantamento, é essencial proceder a acções de inspecção, destinadas

a parametrizar o estado de degradação dos elementos construtivos e o grau de incidência

das anomalias. Numa inspecção, adoptam-se parâmetros que permitem a avaliação e

quantificação objectivas, por comparação com a situação do objecto em estudo.

As técnicas de inspecção utilizam-se na análise das propriedades dos materiais, na

detecção de aspectos ocultos da construção, na identificação de anomalias existentes a um

nível mais profundo, ou na avaliação do desempenho em uso dos elementos construtivos.

Permitem, também, obter informações sobre intervenções efectuadas em épocas

posteriores à construção inicial, que estejam ocultas sob os revestimentos de paredes e

tectos. Essa identificação permite entender determinadas anomalias activas, devido ao

comportamento diferenciado das partes construídas em diferentes épocas.

Antes de efectuar os trabalhos de inspecção, é necessário estabelecer um conjunto de

objectivos, enquadrados pelos motivos que determinam a análise das condições gerais ou

específicas do estuque (Gleeson, 2003), nomeadamente com as seguintes intenções:

⋅ reabilitar parte ou a totalidade do estuque;

⋅ preparar um plano de manutenção;

Page 99: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 4 METODOLOGIA DE INTERVENÇÃO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 83

⋅ avaliar a extensão de danos espontâneos;

⋅ orçamentar trabalhos diversos;

⋅ identificar as condições construtivas ou materiais;

⋅ desenhar, à escala, a ornamentação ou as características construtivas;

⋅ registar fotograficamente a situação.

No entanto, e segundo o mesmo autor, é comum as inspecções deverem-se a mais que

um daqueles tópicos.

O objectivo da inspecção e o estabelecimento do seu âmbito permitem, ainda,

determinar o nível de especialização dos profissionais e os equipamentos necessários à

realização das inspecções.

O sucesso da reabilitação, segundo Feilden (1982/2003), resulta, em grande medida,

da correcta selecção das técnicas adequadas a determinada investigação e da capacidade de

interpretação dos dados, de modo a garantir a máxima fiabilidade na capacidade de decisão

durante o processo de reabilitação.

4.1.2.1. Particularidades dos estuques

A avaliação das condições de um estuque não pode incidir apenas sobre este

revestimento e as suas propriedades intrínsecas. Tendo como função primária ocultar e

revestir os materiais constituintes de paredes e tectos, pode impedir uma completa

percepção dos danos nos suportes e a sua extensão.

Todavia, sendo o estuque um material frágil, com reduzida capacidade de deformação,

tem também, a capacidade de testemunhar de forma expressiva algumas anomalias,

nomeadamente as deformações estruturais que actuam sobre o edifício, através da

fissuração, a existência de entrada de água pela envolvente, através de manchas e

empolamentos ou a existência de desenvolvimentos biológicos, igualmente através de

manchas. No entanto, não permite revelar a origem dos danos.

O papel da inspecção contribui, assim, para identificar a natureza dos danos,

normalmente com origem em factores indirectos, como o decaimento estrutural, a entrada

de água pela envolvente em locais afastados do estuque, ou as más condições de

Page 100: Reabilitação de estuques antigos

METODOLOGIA DE INTERVENÇÃO CAPÍTULO 4

84 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

isolamento térmico e, neste sentido, permitir actuar sobre eles antes da reabilitação do

estuque.

Para efectuar uma inspecção objectiva, importa pois saber observar a parcela de danos

ocultos nos edifícios antigos, que o estuque ajuda a revelar. Contudo, existem situações

que exigem o uso de técnicas de elevada complexidade, que recorrem a equipamentos

dispendiosos e de utilização difícil, como os que utilizam formas de energia não-

convencionais (ultra-sons, radiações ionizantes e campos magnéticos).

4.1.2.2. Fases da inspecção

Uma inspecção obedece a uma série de procedimentos executados segundo uma

determinada sequência, cujo objectivo é conseguir uma máxima eficiência em cada uma

das fases de actuação.

Tem como ponto de partida as pesquisas e inspecções iniciais. No caso de ter sido

efectuado um levantamento nas condições devidas, grande parte da informação está já

recolhida, nomeadamente a informação escrita e desenhada sobre o edifício.

Posteriormente, é elaborado o plano da inspecção, onde se estabelecem as regras de

execução da própria inspecção, bem como os diversos métodos e técnicas a utilizar. Por

último, é elaborado o relatório da inspecção, descrito no subcapítulo dedicado à análise da

informação recolhida.

Em seguida, apresentam-se os principais aspectos a ter em atenção em cada uma das

fases agora identificadas.

A. Pesquisas e inspecções iniciais

Com o levantamento feito de acordo com o apresentado nos pontos anteriores, está já

reunida a informação necessária para permitir o avanço da inspecção. Caso contrário, é

necessário recolher a informação escrita e desenhada mencionada no levantamento

histórico.

Em seguida, devem verificar-se as condições reais de actuação no edifício, efectuando-

se, para tal, uma primeira visita que permita executar a inspecção de acordo com o

contexto real.

Page 101: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 4 METODOLOGIA DE INTERVENÇÃO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 85

A inspecção visual daquelas condições, na primeira visita, permite confirmar dúvidas

motivadas pela análise dos documentos existentes. Permite, ainda, uma primeira

aproximação às possíveis causas que originaram as anomalias e assim direccionar a

atenção em determinado sentido.

O conhecimento do contexto de intervenção pode também responder a dúvidas de

carácter metodológico e contribuir para evitar situações de difícil resolução durante a

inspecção, nomeadamente a existência de situações de risco para quem vai desempenhar as

tarefas (riscos de quedas em altura, riscos de electrocussão, necessidade de alcançar locais

em risco de ruína e outros).

Finalmente, permite determinar outros aspectos acessórios que necessitam de prévio

planeamento, como o acesso aos locais em altura, para os quais é necessário instalar

andaimes, o acesso a zonas ocultas, onde é necessário proceder à desmontagem de

elementos construtivos, o acesso a zonas em risco de ruína, onde é necessário instalar

sistemas complementares de suporte, e outros, de menor importância mas com

potencialidade para dificultar o desenvolvimento do trabalho.

B. Plano da inspecção

As informações recolhidas tornam assim possível a preparação do plano da inspecção.

Com este plano, que deve ser apresentado de forma resumida e concisa, estabelece-se uma

metodologia que permite maximizar a eficácia dos resultados e impedir o retorno ao local

para confirmação ou recolha de dados incompletos ou inexistentes.

O plano da inspecção é o documento prévio à realização desta, onde ficam expressas

todas as condicionantes à operação, nomeadamente as restrições impostas pelo local, os

equipamentos necessários, as estratégias de actuação, os tempos de execução, os

especialistas a envolver, os dados a recolher, as aprovações eventualmente necessárias e

qualquer outro trabalho complementar. Neste documento, deve igualmente existir uma

estimativa do custo da inspecção.

Page 102: Reabilitação de estuques antigos

METODOLOGIA DE INTERVENÇÃO CAPÍTULO 4

86 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

C. Inspecção das condições

Nesta fase dos trabalhos têm lugar as operações de exame físico das condições do

estuque, que podem variar entre uma simples observação e a utilização de equipamento

sofisticado de análise electrónica.

Desde o início da inspecção, é essencial conseguir interpretar as evidências expostas

nos estuques, nomeadamente manchas, provocadas por humidade, fungos ou bactérias e

descolorações. No caso dos suportes, vestígios de poeiras resultantes de insectos xilófagos,

odor de madeiras apodrecidas e a presença de fungos. Todos os sentidos devem, assim, ser

utilizados na procura de pistas (Feilden, 1982/2003).

Uma vez que os princípios de conservação se devem pautar por uma intervenção

mínima e pela adopção de soluções de reabilitação, dentro do possível, reversíveis,

também as inspecções devem atender a esta lógica, ou seja, a informação recolhida e as

técnicas utilizadas devem provocar o mínimo efeito sobre os elementos existentes.

Na análise de revestimentos desta natureza, podem adoptar-se diferentes níveis e

métodos de inspecção, nomeadamente inspecção visual, exame físico de impacte reduzido,

métodos não-destrutivos e exame físico de impacte elevado (Gleeson, 2003).

Os diferentes níveis de inspecção são descritos em seguida, com indicação das

principais acções a levar a cabo em cada um dos graus de inspecção.

Inspecção visual

A inspecção visual consiste na observação de evidências. Destina-se a identificar e

observar todos os defeitos visíveis, reveladores, na maior parte das situações, de anomalias

ocultas. Deste modo, pode confirmar-se a origem das anomalias apresentadas no capítulo

anterior.

No âmbito da inspecção visual, importa analisar as estruturas de suporte dos estuques,

principalmente ao nível dos tectos, para observar a relação entre os fasquiados e os

revestimentos acima (pavimentos ou coberturas) e observar as condições das madeiras.

No que respeita à relação entre o fasquiado e os revestimentos de piso ou cobertura, as

situações mais críticas são aquelas onde o revestimento da cobertura assenta directamente

Page 103: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 4 METODOLOGIA DE INTERVENÇÃO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 87

sobre os elementos estruturais de suporte do fasquiado, devido à dificuldade em proceder à

reabilitação de um sem afectar o outro.

Quanto às condições das madeiras, a situação mais crítica encontra-se nas zonas de

encosto ou encastramento nas paredes, por serem esses os locais mais susceptíveis à

degradação por acção da humidade. Nessas situações, deve dar-se atenção a quaisquer

vestígios de ciclos seco / molhado, responsáveis pela fadiga do material nas zonas em que

ocorrem.

Deve também efectuar-se uma inspecção cuidada das condições de algerozes, tubos de

queda e canalizações, por meio de observação directa ou pelos efeitos do seu transbordo,

normalmente responsável pela degradação dos elementos construtivos localizados na sua

proximidade.

No caso dos tectos, deve ainda inspeccionar-se a fixação de ornatos que, caso

apresentem um peso considerável, correm o risco de cair no solo, por acção da gravidade.

Quanto ao revestimento, importa, em primeiro lugar, analisar as fissuras ao nível da

configuração, disposição e ângulo, de modo a entender as deformações estruturais do

edifício. As suas características podem testemunhar a urgência de acções correctivas nos

elementos portantes do edifício.

Muitas das anomalias existentes nos acabamentos resultam da má execução inicial.

Neste sentido, importa registar as evidências de trabalhos mal executados, tanto iniciais

como em operações de reabilitação e, simultaneamente, registar os aspectos bem

executados, que assim contribuem para a definição da futura reabilitação (Feilden,

1982/2003).

Finalmente, ao nível das policromias, o estudo interessa não só sob o ponto de vista

artístico, histórico e arqueológico, mas também para efectuar os estudos necessários à sua

reabilitação, que envolve complexas acções de limpeza e restauro.

Sempre que as pinturas antigas se encontrem cobertas por camadas de tinta recentes é

necessário proceder à remoção criteriosa das camadas, de forma quase cirúrgica. Durante a

inspecção é, assim, necessário proceder à sua remoção em áreas delimitadas, designadas

por janelas, de dimensão adequada para a visualização da policromia ou das composições

decorativas (figura 4.2).

Page 104: Reabilitação de estuques antigos

METODOLOGIA DE INTERVENÇÃO CAPÍTULO 4

88 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

Figura 4.2. Remoção de pinturas contemporâneas para inspeccionar policromias ocultas. Palácio do Marquês de Pombal, Lisboa.

Exame físico de impacte reduzido

O exame físico de impacte reduzido, conforme o nome indica, consiste em acções que

não deixam qualquer vestígio ou não provocam qualquer efeito adverso nas superfícies ou

na ornamentação. Este exame constitui um complemento à inspecção visual.

Efectua-se por meio de acções simples, como a utilização de pancadas na superfície,

para determinação da aderência de pedaços aparentemente destacados do suporte ou em

delaminação22. Estas pancadas são efectuadas com a mão ou com um objecto macio, de

modo a não vincar a superfície do estuque.

No caso das madeiras, a análise pode efectuar-se levantando uma lasca de madeira

com uma faca ou uma sovela, de modo a determinar os troços onde a madeira se encontra

macia e, nesse caso, apodrecida23.

A utilização de uma inspecção manual permite, igualmente, determinar a consistência

da ornamentação ou a eventual desagregação de pigmentos, em decorações policromas.

Métodos não destrutivos

As inspecções em edifícios históricos revelam-se como uma tarefa de alguma

complexidade porque menos de 10 % do material do edifício pode ser analisado por meio

22 A um som claro e aberto, sem propagação, corresponde uma solidez das camadas e aderência ao suporte, enquanto que a um som oco e grave, que ecoa atrás das camadas, corresponde o desligamento do suporte. 23 A uma lasca comprida corresponde uma madeira sã, enquanto que a lascas pequenas e fracas corresponde uma madeira degradada.

Page 105: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 4 METODOLOGIA DE INTERVENÇÃO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 89

de observação directa (Feilden, 1982/2003). Por seu lado, no caso dos estuques, grande

parte dos danos visíveis resulta de causas com origem nos restantes 90 %.

Uma grande parte dos elementos construtivos do edifício encontra-se oculta, abaixo do

nível do solo, no interior dos elementos construtivos ou coberto por revestimentos e

decoração. Torna-se, assim, necessário efectuar investigações em locais ocultos e de muito

difícil acesso, a não ser no decurso da obra.

Segundo o autor atrás referido, é neste âmbito que devem seleccionar-se os ensaios

não destrutivos, de forma a não provocar alterações ou novos danos. Importa, no entanto,

ter em atenção que grande parte destas técnicas de inspecção é dispendiosa e algumas são

mesmo de difícil aplicação. Porém, a sua adopção tem-se revelado vantajosa e económica,

em virtude de impedir perturbações no ritmo das obras e o aumento de custos.

A determinação de danos em zonas ocultas é assim efectuada com recurso a

instrumentos de medição, de modo a identificar anomalias cuja eliminação necessita de

intervenção física com alguma complexidade, nomeadamente a estabilização de suportes.

Estas inspecções são complexas e podem envolver custos elevados. No entanto,

pressupõe-se que não provocam qualquer dano sobre os elementos existentes. De entre as

técnicas não destrutivas, referem-se as seguintes:

a) Radiografia: consiste na utilização de raios X e raios gama para observar o interior

de uma grande quantidade de materiais e elementos da construção; possuem a

capacidade de atravessar quaisquer rebocos e madeira.

Esta forma de energia tem como desvantagem a elevada perigosidade das

radiações ionizantes e, no nosso país, quase nunca é utilizada com este fim.

b) Termografia e fotografia de infravermelhos: baseia-se na circunstância de cada

material emitir uma radiação diferente, dependendo da sua temperatura em

determinado momento.

A utilização da termografia e da fotografia de infravermelhos permite observar e

registar os constituintes das paredes com comportamentos térmicos

significativamente diferentes.

Page 106: Reabilitação de estuques antigos

METODOLOGIA DE INTERVENÇÃO CAPÍTULO 4

90 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

Estas técnicas são de utilização corrente na detecção e quantificação de perdas

térmicas através da envolvente construtiva, mas também permitem identificar a

deterioração de elementos de madeira.

c) Testes de ultra-sons: consistem na emissão de sons de alta frequência dirigidos

para o interior dos materiais e estruturas e que conseguem detectar pormenores

ocultos, cavidades, defeitos, descontinuidades, degradação dos materiais,

inconsistências, dimensões de elementos construtivos, etc., através de diferenças

de propagação das ondas.

Os resultados obtidos com esta técnica são, porém, pouco conclusivos, resultando

numa utilização limitada.

d) Magnetometria: baseia-se no princípio das variações de um campo magnético e

utiliza-se para detectar elementos metálicos ocultos pelo estuque, nomeadamente

fixações dos suportes.

e) Sondas de fibra óptica / endoscopia: consiste na utilização de tubos flexíveis de

fibra óptica ligados a uma câmara, inseridos em pequenos orifícios, de modo a

observar as condições construtivas dos estuques e dos suportes.

Todos os equipamentos mencionados têm como desvantagem o facto de necessitarem

de ser utilizados por profissionais com elevada experiência e de os dados que fornecem

serem de difícil interpretação.

Estas técnicas não destrutivas são ferramentas utilizadas para responder a questões

específicas e pontuais. Deve, contudo, ter-se presente que não existem substitutos para a

experiência, nomeadamente a observação e a compreensão dos resultados obtidos em

inspecções efectuadas a muitos edifícios antigos.

Intervenção de elevado impacte físico

Recorre-se a intervenções de elevado impacte físico sempre que é necessário remover

pequenas amostras de elementos construtivos para análise laboratorial, como é exemplo a

extracção de carotes para verificação das condições construtivas e do estado das paredes.

Estas operações devem realizar-se em locais o menos expostos possível e numa extensão

estritamente necessária para efectuar a análise.

Page 107: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 4 METODOLOGIA DE INTERVENÇÃO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 91

Nas situações onde se verifiquem danos muito elevados, pode também ser necessário

remover a decoração deteriorada para posterior cópia ou recolocação.

Monitorização de anomalias

A multiplicidade de acções sobre um edifício histórico, responsável pela degradação

dos elementos construtivos ao longo do tempo, torna a monitorização do seu

envelhecimento numa inspecção de extrema importância, no que respeita ao controlo

eficaz da evolução das anomalias.

Neste contexto, a existência de relatórios anteriores permite avaliar a progressão das

anomalias e ajudar na tomada de decisão (Feilden 1982/2003). Todavia, a progressão de

certos danos apenas pode medir-se através de uma observação permanente, ao longo de

determinado período. Esta acção envolve, assim, uma medição absoluta ou relativa que

permita obter dados fiáveis, com capacidade de registar a progressão das variações

dimensionais.

Uma monitorização permanente da evolução das anomalias permite compreender,

mais eficazmente, as causas da decadência, facilitando o estabelecimento das formas de

actuação mais adequadas, segundo uma intervenção cingida ao essencial.

D. Registo da informação

À semelhança da informação recolhida nas acções de levantamento, também os dados

da inspecção devem registar-se em documentos desenhados (plantas, alçados, cortes e

desenhos de pormenorização) e escritos (memória descritiva do desenvolvimento da

inspecção e outros). Estes elementos servem, em grande medida, para a quantificação

rigorosa dos danos e da intervenção necessária.

Após a recolha e registo daquela informação, procede-se à sua avaliação, de modo a

estabelecer as estratégias de intervenção e uma estimativa dos custos envolvidos na

reabilitação.

Page 108: Reabilitação de estuques antigos

METODOLOGIA DE INTERVENÇÃO CAPÍTULO 4

92 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

4.2. Análise da informação recolhida

De acordo com diversos autores, com destaque para Feilden (1982/2003), a inspecção

é uma acção essencial para a definição das futuras acções de reabilitação.

No caso dos estuques, as anomalias testemunham os danos sofridos pelo edifício, ao

nível da envolvente e das condições estruturais. Importa, assim, efectuar uma avaliação

rigorosa dos dados recolhidos, para estabelecer os princípios da reabilitação de outros

elementos.

Essa avaliação permite estabelecer o enquadramento geral e os critérios tendentes à

elaboração do plano de intervenção, contribuindo para o estabelecimento de objectivos, a

definição de fases e para a rentabilização dos recursos financeiros disponíveis. Pode ainda

ser motivo suficiente para examinar a utilidade de métodos conhecidos e chamar a atenção

sobre novas técnicas (Cramer, 1984).

O principal objectivo da reabilitação de estuques é a restituição da sua estabilidade e

características estéticas. As conclusões extraídas dos resultados da inspecção devem

também permitir a anulação das anomalias existentes e prevenir a ocorrência de novas,

através da adopção de processos e materiais sobre os quais não subsistam dúvidas quanto à

compatibilidade com as condições pré-existentes, nomeadamente estruturais, químicas,

materiais ou estéticas.

Por último, a avaliação deixa na posse dos diferentes intervenientes (promotores,

projectistas e executantes) a informação necessária à correcta actuação, tendo em vista uma

eficácia máxima nas diferentes áreas.

4.2.1. Resultados da inspecção

Os dados obtidos na inspecção constituem o ponto de partida para informar a decisão e

estabelecer a lógica global de intervenção, sobre a necessidade de actuação, inclusive em

termos de urgência.

A inspecção é um mecanismo metodológico. Neste sentido, deve ser elaborado um

documento composto pela compilação e análise da informação, designado por relatório da

inspecção. Este é acompanhado de propostas de actuação ou recomendações de qualquer

Page 109: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 4 METODOLOGIA DE INTERVENÇÃO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 93

outra natureza e, segundo Feilden (1982/2003), deve organizar-se nos seis capítulos a

seguir indicados:

a) relatório inicial, capítulo que consiste no registo de todas as anomalias e sua

descrição, bem como na análise das condições construtivas do edifício; baseia-se

na inspecção visual;

b) plano de manutenção, capítulo onde se estabelecem as prioridades de intervenção,

em função do risco de degradação de determinados elementos;

c) pesquisa histórica, capítulo que procede à análise das características históricas do

edifício; efectua-se através de registo fotográfico e pesquisa bibliográfica;

d) registo do estado geral do edifício, capítulo que descreve as condições do solo, dos

níveis de humidade, etc.;

e) análise estrutural, capítulo que descreve as condições estruturais do edifício e

regista quaisquer estudos complementares que tenham sido realizados para o

efeito;

f) estimativa de custos das propostas de intervenção, capítulo destinado às entidades

responsáveis pela gestão do edifício, para a devida avaliação financeira.

Com o plano de manutenção, consegue-se seleccionar as estratégias de intervenção,

em função das particularidades das anomalias. Assim, comprova-se, novamente, a

importância dos estudo iniciais, com base no levantamento e na inspecção das condições

pré-existentes.

A propósito da potencial variedade de soluções, cita-se, a título de exemplo, o estudo

desenvolvido por Henriques (2001) sobre a humidade em paredes. Nesse estudo, são

classificadas diversas estratégias de intervenção, que oscilam entre simples intervenções de

carácter provisório até intervenções de fundo, com incidência no reforço das características

funcionais da envolvente, conforme apresentado em seguida:

a) eliminação das anomalias, com carácter provisório, sem tomada de medidas de

fundo;

b) substituição de elementos ou materiais afectados, em caso de situações de

reabilitação difícil ou inviável;

Page 110: Reabilitação de estuques antigos

METODOLOGIA DE INTERVENÇÃO CAPÍTULO 4

94 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

c) protecção contra agentes agressivos (por exemplo, os trabalhos da reabilitação da

igreja de Cowdray House, segundo J. e N. Ashurst (1988));

d) eliminação das causas das anomalias, a efectuar antes de qualquer operação sobre

os estuques; e

e) reforço das características funcionais dos elementos da construção, podendo

envolver intervenções sobre outros elementos, que não o estuque ou o suporte.

A importância do plano de manutenção

O plano de manutenção consiste num conjunto de recomendações destinadas a

hierarquizar as prioridades de actuação, desde os trabalhos de execução imediata, até à

indicação de situações com potencial para desencadear novos danos e que, por isso, devem

ser mantidos sob observação.

Determinados danos apresentam tal gravidade que são potencialmente perigosos para a

segurança estrutural do edifício ou dos seus utilizadores. Neste sentido, torna-se necessária

uma actuação imediata, devendo esta informação constar em destaque no relatório.

Para a situação particular dos estuques, o plano de manutenção não deve mencionar

apenas as acções destinadas a travar danos activos, mas também as que impeçam o

desenvolvimento de outros que a curto prazo comprometam a manutenção do estuque.

Quanto à estrutura do documento, Feilden (1982/2003) apresenta uma hierarquia de

acções, a considerar na elaboração do plano de manutenção. Este nível de actuação deve

estar subjacente à inspecção, desde os momentos iniciais. A ordem de prioridades é a

seguinte:

1. trabalhos imediatos: acções destinadas a garantir a segurança estrutural do edifício

ou a segurança dos utilizadores;

2. trabalhos urgentes: acções destinadas a prevenir a deterioração em curso, como é o

caso do ataque de insectos xilófagos, entradas de água ou queda iminente de

ornatos;

3. trabalhos necessários: acções destinadas a adequar o edifício ao uso actual ou

pretendido; deve conter matéria relativa à manutenção preventiva;

Page 111: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 4 METODOLOGIA DE INTERVENÇÃO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 95

4. trabalhos desejáveis: acções destinadas a enfatizar a aparência dos elementos e a

melhorar ou adaptar o uso do edifício; as acções desta natureza são de extrema

pertinência, no caso dos estuques;

5. aspectos a manter sob observação: identificação de aspectos passíveis de provocar

futuros danos, como é o caso de movimentos estruturais activos, das condições das

coberturas e das condições de redes e instalações técnicas, próximo do fim da vida

útil.

No diagrama da figura 4.3 apresenta-se uma síntese dos aspectos e fases mais

importantes numa acção de inspecção de estuques antigos, conforme referido

anteriormente.

Figura 4.3. Diagrama com a sequência das acções no decurso de uma inspecção

Plano de manutenção

Trabalhos imediatos

Trabalhos urgentes

Trabalhos necessários

Trabalhos desejáveis

Aspectos sob observação

Ficha para reparação com estab. de prazo máximo

Ficha para reparação imediata

Ficha para reparação com estab. de prazo máximo

Ficha para reparação com a alteração recomendada

Ficha com a indicação do fim da vida útil do elemento

Acções de inspecção

Plano da inspecção

Relatório da inspecção

INSPECÇÃO

Inspecção inicial do local

Pesquisa inicial de documentos

ACÇÕES PRÉVIAS

Page 112: Reabilitação de estuques antigos

METODOLOGIA DE INTERVENÇÃO CAPÍTULO 4

96 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

Terminada a fase de análise, compilação e estabelecimento das propostas de actuação,

o trabalho de reabilitação entra numa fase de consolidação de estratégias e de definição dos

elementos onde intervir. Inicia-se, então, a elaboração do projecto de restauro.

4.3. Projecto de restauro

O projecto de restauro é um documento fundamental, aconselhado pela Carta de

Cracóvia. Este documento materializa as decisões de escolha crítica e estabelece as regras

para intervenção sobre os estuques degradados.

O projecto baseia-se em opções técnicas apropriadas, resultantes do processo de

investigação e análise da informação e consequente conhecimento do imóvel, a diversos

níveis: estrutural, construtivo, gráfico, volumétrico, histórico, artístico e sociocultural.

Elaborado à semelhança do projecto de outras especialidades, no projecto de restauro

regista-se a informação necessária à execução dos trabalhos, nomeadamente o

levantamento da situação, as exigências a observar na execução, as quantificações e outras

informações essenciais à reabilitação.

A sua elaboração deve ser coordenada por um técnico da área da construção, com

conhecimentos de conservação e restauro e de execução e coordenação de projectos de

reabilitação, preferencialmente um arquitecto, pela necessidade de articulação com as

diferentes especialidades envolvidas na reabilitação.

Este projecto deve, também, identificar as anomalias que revelem a necessidade de

intervenção prévia noutros elementos, antes do tratamento dos estuques, devendo

contemplar os seguintes aspectos:

⋅ elementos construtivos degradados que indirectamente afectam os elementos

estucados;

⋅ sequência das intervenções, nos diversos elementos construtivos;

⋅ objectivos a alcançar em cada intervenção.

A ponderação de opções, quanto à escolha de materiais e soluções a adoptar, implica

que no projecto de restauro se registe aquela que se considera a solução adequada,

enquadrada nos princípios de conservação do património. Deve, contudo, prever-se a

possibilidade de elaboração de propostas variantes, que serão posteriormente apreciadas

Page 113: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 4 METODOLOGIA DE INTERVENÇÃO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 97

perante cada situação. Alguns aspectos da intervenção de conservação e reabilitação onde

podem ser consideradas alternativas, são os seguintes:

⋅ recorrer a materiais tradicionais (cal e gesso) ou resultantes da indústria química

contemporânea (resinas acrílicas ou epoxídicas) (Oliveira, 1983; J. e N. Ashurst,

1988), devendo, no último caso, existir cuidados adicionais com a compatibilidade,

reversibilidade, envelhecimento da reparação, etc.;

⋅ ter cuidado com as soluções responsáveis pelo aumento de peso sobre os tectos (J. e

N. Ashurst, 1988);

⋅ restituir elementos decorativos apenas quando for possível repor a leitura global da

composição ou do elemento danificado, sem especular sobre o preenchimento de

lacunas.

⋅ não encarar os trabalhos sob um ponto de vista experimental, ou seja, é

desaconselhável a utilização de novos materiais, devido ao risco de

incompatibilidade funcional, potencialmente responsável pelo desenvolvimento, a

curto prazo, de novas anomalias físicas ou químicas;

O coordenador do projecto de restauro deve, ainda, estar consciente da necessidade de

estabelecer prazos para as diferentes fases do trabalho, por forma a que estes não sejam

determinados aleatoriamente, segundo as necessidades do empreiteiro responsável pela

reabilitação.

O estabelecimento de prazos permite, também, a elaboração de orçamentos que

contemplem etapas essenciais à correcta realização dos trabalhos, principalmente pela

inclusão de tempos mínimos a observar entre operações.

4.3.1. Composição do projecto de restauro

O projecto de restauro deve ser constituído por um conjunto de peças escritas e

desenhadas, com a descrição rigorosa dos trabalhos a efectuar, cuja adaptação deve ser

efectuada a partir dos elementos que compõem um projecto, constante da Portaria (1972),

do Ministério das Obras Públicas, designadamente as peças que a seguir se indicam:

a) memória descritiva e justificativa das soluções e técnicas adoptadas; onde conste

informação sobre as situações com potencial para sofrer alterações de

Page 114: Reabilitação de estuques antigos

METODOLOGIA DE INTERVENÇÃO CAPÍTULO 4

98 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

comportamento, a médio prazo, nomeadamente fissuração em zonas de

transição, alterações cromáticas e outras;

b) levantamento da situação antes da intervenção, devendo assinalar-se eventuais

acções destinadas a estabilizar as condições estruturais ou materiais;

c) relatório inicial da inspecção e plano de manutenção;

d) desenhos da situação global (plantas, cortes e alçados, à escala 1:50 ou 1:100),

com as seguintes indicações:

⋅ áreas a intervir;

⋅ soluções a implementar, em função das anomalias (figura 4.4);

⋅ áreas onde não exista um conhecimento rigoroso da anomalia, sujeitas a

análise no decurso da obra;

⋅ situações específicas, pormenorizadas a escalas superiores;

⋅ registo escrito das soluções e materiais utilizados, nomeadamente as suas

características técnicas;

e) desenhos de pormenor, à escala 1:1 a 1:20, com a indicação rigorosa das

diversas soluções e com pormenorização dos aspectos de maior interesse para a

correcta execução da obra, nomeadamente as áreas de contacto entre o novo e o

existente;

f) mapa de intervenções, destinado a caracterizar as diferentes acções de

reabilitação;

g) mapa de quantidades de trabalhos, organizado segundo as diversas intervenções

para cada anomalia;

h) cláusulas técnicas com a descrição pormenorizada do modo de execução dos

trabalhos e com a caracterização dos diversos materiais empregues;

i) estimativa orçamental pormenorizada, elaborada com base no mapa de trabalhos

(deve prever-se um acréscimo de custo que contemple o eventual diagnóstico no

decurso da obra).

Por último, deve também constar deste projecto uma definição prévia da estratégia

para a conservação, a longo prazo, dos diversos elementos que foram objecto de

intervenção.

Page 115: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 4 METODOLOGIA DE INTERVENÇÃO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 99

Figura 4.4. Alçados interiores de uma igreja, com um exemplo do registo das intervenções a efectuar em diferentes áreas [adaptado para português a partir de Comin e Citter (1998)].

4.4. A decisão in loco

Por muito exaustivos que sejam o levantamento e os resultados obtidos na inspecção, a

par de um elevado nível de pormenor do projecto de restauro, as acções de reabilitação

devem iniciar-se com a confirmação de todos esses dados, sendo este um procedimento

indispensável.

Page 116: Reabilitação de estuques antigos

METODOLOGIA DE INTERVENÇÃO CAPÍTULO 4

100 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

Neste sentido, a decisão in loco é necessária em qualquer momento dos trabalhos de

reabilitação podendo, eventualmente, obrigar à adequação do plano de intervenção

estabelecido. Este aspecto é particularmente importante no caso de áreas ocultas, apenas

visíveis durante os trabalhos, onde a confirmação dos dados se processa no contexto real

de actuação.

Esta exigência assume uma maior pertinência nas situações que envolvam anomalias

nos suportes ou onde seja determinada a remoção ou a consolidação do estuque, antes da

realização de qualquer outro trabalho.

4.4.1. Avaliação da situação real

As acções de reabilitação efectuam-se num nível de certeza que, em princípio, não

permite alterações ao quadro de intervenção definido em projecto, excepto se a análise das

condições reais não confirmar os pressupostos e, assim, obrigue a nova lógica de

intervenção ou a novo faseamento dos trabalhos.

Neste contexto, confirma-se a execução de determinada intervenção, o

estabelecimento da sequência dos trabalhos e a definição dos materiais e soluções mais

adequados às propriedades físicas do estuque, mesmo que, para tal, haja necessidade de

proceder a aplicações experimentais da solução preconizada em projecto.

A importância deste diagnóstico está bem patente na reabilitação dos estuques da

Igreja de Cowdray House, onde J. e N. Ashurst (1988) descrevem diferentes opções apenas

decididas no contexto real de actuação. Mesmo conhecendo as anomalias e o modo de

correcção, as equipas de restauro executaram os trabalhos sem certeza das acções a

implementar.

Naquela reabilitação, operações como a introdução de argamassa em lacunas, a

aplicação de água de cal ou a fixação de delaminações, entre outras, foram efectuadas

experimentalmente, de modo a analisar o comportamento dos elementos pré-existentes.

A execução das operações foi objecto de análise à medida que o trabalho ia evoluindo

e após a identificação das condições reais dos elementos. A pertinência deste exemplo

deve-se ao facto de comprovar como a avaliação permanente dos resultados pode

condicionar os trabalhos de reabilitação, devido à identificação de novas anomalias, da

Page 117: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 4 METODOLOGIA DE INTERVENÇÃO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 101

extensão daquelas já identificadas ou do comportamento imprevisto no decurso dos

trabalhos.

A título de exemplo, refere-se o caso dos tectos que, em geral, são constituídos

exclusivamente por madeira e onde os danos encontrados têm origem, na maior parte dos

casos, na má conservação do suporte devido à entrada de água, aspecto apenas

identificável após a desmontagem dos revestimentos e antes da execução dos trabalhos de

reabilitação.

A situação mencionada corrobora a necessidade de uma inspecção exaustiva,

nomeadamente ao nível do sistema de vigamento de tectos, no sentido da determinação dos

elementos a substituir ou a tratar no local (Faria, 2002).

Por último, assinala-se que só após a conclusão dos trabalhos de análise, consolidação

e limpeza deve ser efectuado o tratamento das superfícies visíveis de tectos e paredes.

Preparação, observação e estabilização

Assinala-se, novamente, que os processos e técnicas estabelecidos no projecto de

restauro são o resultado de uma recolha e análise exaustiva de dados. Em síntese, constata-

-se que os trabalhos de reabilitação devem efectuar-se na sequência da implementação e

articulação de três operações prévias à intervenção: observação, preparação e estabilização,

conforme indicado na figura 4.5. Preparar

Reparação

Observar Estabilizar

Figura 4.5. Diagrama com as acções prévias à intervenção nos estuques

A conjugação destas operações confirma o modo de execução das acções de

reabilitação, previamente estabelecidas no projecto de restauro, segundo um determinado

contexto e perante condições reais de actuação.

Page 118: Reabilitação de estuques antigos

METODOLOGIA DE INTERVENÇÃO CAPÍTULO 4

102 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

O desconhecimento das condições de actuação contribui para um trabalho mal

efectuado. Qualquer tarefa deve, assim, realizar-se em plenas condições de segurança, com

o máximo de situações imprevistas já controladas e num quadro de intervenção objectivo.

A sequência da implementação daquelas operações não é única, nem pode ser

estabelecida previamente. É em função das características dos danos, da sua extensão e do

local atingido que os trabalhos de reabilitação podem ser precedidos de uma observação

rigorosa, necessitar da estabilização dos elementos, para efectuar acções subsequentes, ou

ser precedidos de uma preparação eficaz para desenvolver a solução estabelecida.

A observação de elementos sobre os quais não foi possível determinar em pleno as

suas condições de conservação, na fase de levantamento e inspecção, torna-se essencial.

A título de exemplo, insiste-se na necessidade de aceder ao extradorso dos tectos,

apenas para observar as condições ou para efectuar operações no suporte e no estuque. Esta

acção pode envolver a remoção de soalhos ou a desmontagem de telhados com a

consequente construção de protecções provisórias, consoante existam pisos acima ou

apenas a cobertura.

O acesso a zonas ocultas pode, também, revelar anomalias ou situações construtivas

não identificadas nas inspecções, inclusive más condições de estabilidade que envolvam,

por razões de segurança, a necessidade de instalação de estruturas provisórias para

circulação sobre o tecto.

Neste capítulo, refere-se a metodologia para a execução da reabilitação de estuques

antigos. Conclui-se que as acções prévias, destinadas a identificar e caracterizar

exaustivamente as anomalias, contribuem decisivamente para a execução de um trabalho

objectivo, que se enquadra num projecto de restauro capaz de controlar a quase totalidade

das situações, nomeadamente os custos.

No capítulo seguinte, analisam-se, pormenorizadamente, as operações de reabilitação

em função das anomalias, desde simples operações de limpeza a complexas acções de

substituição de suportes e reintegração de elementos decorativos.

Page 119: Reabilitação de estuques antigos

5. CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO DE ESTUQUES

No capítulo anterior, abordou-se a metodologia para a reabilitação de estuques antigos,

através da análise das diversas fases do processo. Iniciou-se o capítulo com a referência ao

levantamento morfológico do elemento estucado, seguido pela análise das anomalias,

elaboração do projecto de restauro e, por fim, pela confirmação das situações no decurso

da obra.

Neste capítulo, o objecto de estudo é, precisamente, a actuação em obra no âmbito da

conservação e reabilitação. Procede-se, assim, à análise do modo de execução dos

trabalhos, em função do contexto construtivo e das condições das anomalias, referindo-os

de forma sequencial e com incidência nas diferentes técnicas, quer com recurso a soluções

tradicionais, quer contemporâneas.

Não se pretende, contudo, elaborar um manual de restauro de estuques. Assim, não se

descrevem todos os trabalhos pormenorizadamente, salvo nos casos considerados

pertinentes.

As situações apresentadas resultam da análise de casos práticos descritos por

investigadores europeus e brasileiros, do estudo de obras realizadas e publicadas em

Portugal, da visita a trabalhos em curso e, por último, da consulta directa a profissionais

com prática em trabalhos de reabilitação de estuques ou similares.

Alguns exemplos de reabilitação constantes em fontes de investigação provenientes de

países europeus não têm aplicação directa em Portugal, porque as técnicas de execução e

as composições dos estuques são diferentes. Neste sentido, na análise de trabalhos fora do

contexto português, foi considerado esse facto, tendo-se efectuado a necessária adaptação

às situações presentes em cada caso.

A diversidade de técnicas, de intenções de reabilitação ou das características dos

estuques envolve aspectos pouco usuais na reabilitação em Portugal. No entanto, são

referidos neste contexto devido ao interesse no conhecimento de tais operações.

Em seguida, indicam-se os trabalhos utilizados na recolha de informação:

Page 120: Reabilitação de estuques antigos

CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO CAPÍTULO 5

104 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

⋅ a consolidação dos estuques em ruína na capela de Cowdray House, Midhurst, no

West Sussex, Sul de Inglaterra (J. e N. Ashurst,1988);

⋅ o restauro dos estuques da igreja de S. Pedro e S. Paulo de Vilnius, na Lituânia

(Telksniene, citado por Gárate, 1999);

⋅ o restauro dos estuques do Paço Episcopal do Porto (P. A. Silva et al, 2001);

⋅ o restauro dos estuques no palácio Rio Branco, em Salvador da Bahia (Oliveira,

1983);

⋅ o restauro dos estuques do Palácio do Freixo, no Porto (documento registado em

vídeo, 2001);

⋅ a recuperação do estuque da Sala Federação do Museu Casa de Rui Barbosa, no

Rio de Janeiro (Carvalho e Fiúza, 2002).

Refere-se novamente que os exemplos realizados fora de Portugal apresentam aspectos

sem aplicação directa nas situações nacionais, nomeadamente de natureza construtiva,

como no caso dos ornatos da igreja de S. Pedro e S. Paulo, de Vilnius, onde existem

armaduras de aço responsáveis pelo aparecimento de manchas de ferrugem.

Diferem, igualmente, as intenções da reabilitação no caso da capela de Cowdray

House, onde o objectivo foi a estabilização da ruína, sem recurso à restituição do

inexistente. Estes trabalhos, ao contrário de Portugal, são efectuados no Reino Unido com

alguma frequência (Feilden, 1982/2003), com os seguintes objectivos fundamentais: a

limpeza, a consolidação e a protecção contra a água da chuva.

Este capítulo inicia-se pela definição dos conceitos de conservação e reabilitação e

pela análise dos níveis de intervenção, prosseguindo com o estudo dos aspectos relativos à

durabilidade e ao faseamento das intervenções. Em seguida, analisa-se a realização dos

diferentes trabalhos (princípios subjacentes às intervenções, técnicas correntes e aplicação

perante o contexto real de actuação) e, por último, as questões inerentes à instalação de

novas infra-estruturas em compartimentos com estuques decorativos.

A abordagem das matérias não se limita à descrição das intervenções sobre as

superfícies e a ornamentação. Em muitos casos, é necessário proceder a trabalhos prévios

sobre os suportes, que somente podem ser realizados após a execução de acções de

Page 121: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 5 CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 105

protecção, como acontece nas intervenções de âmbito estrutural e naquelas que se destinam

a parar a entrada de água pela envolvente.

5.1. Definição de conceitos e natureza das intervenções

O conceito de conservação definido por Cabrita, Aguiar e Appleton (1992) “engloba

todo o conjunto de acções destinadas a prolongar o tempo de vida de uma dada edificação.

Implica desencadear um conjunto de medidas destinadas a salvaguardar e prevenir a

degradação, que incluem a realização das operações de manutenção necessárias ao correcto

funcionamento de todas as partes e elementos de um edifício”.

Segundo os mesmos autores, o conceito de reabilitação, por seu lado, designa “toda a

série de acções empreendidas tendo em vista a recuperação e a beneficiação de um

edifício, tornando-o apto para o seu uso actual. O seu objectivo fundamental consiste em

resolver as deficiências físicas e as anomalias construtivas, ambientais e funcionais,

acumuladas ao longo dos anos, procurando ao mesmo tempo uma modernização e uma

beneficiação geral do imóvel sobre o qual incide - actualizando as suas instalações,

equipamentos e a organização dos espaços existentes - melhorando o seu desempenho

funcional e tornando esses edifícios aptos para a sua completa e actualizada reutilização”.

Estes dois conceitos comprovam a existência de diversos factores que determinam os

objectivos das intervenções, nomeadamente os níveis de incidência, a natureza das acções,

em função das anomalias construtivas, ambientais e funcionais.

Se, por um lado, a reabilitação está ligada à melhoria das condições físicas das

construções, para a sua reutilização com o nível de exigências pretendido, mantendo ou

não a sua função inicial, já a conservação consiste na adopção de medidas preventivas,

com o objectivo de prolongar a vida útil dos edifícios, mantendo o uso actual.

A reabilitação tem por objectivo a melhoria das condições de utilização, no quadro dos

padrões exigenciais contemporâneos, desde os aspectos estruturais aos elementos

decorativos, passando pela renovação de instalações e equipamentos. Apesar de

independentes, a intervenção num destes aspectos implica obrigatoriamente a avaliação

dos seus efeitos sobre os restantes elementos do sistema.

Page 122: Reabilitação de estuques antigos

CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO CAPÍTULO 5

106 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

A conservação destina-se a prevenir a ocorrência dos danos, nomeadamente através de

acções de manutenção periódicas que impeçam as entradas de água, assegurem uma

ventilação adequada dos compartimentos e mantenham em funcionamento as instalações e

equipamentos.

Em síntese, a reabilitação é necessária quando o nível de degradação não permite a

utilização do edifício. A conservação destina-se a manter o nível de exigências a que o

edifício deve responder, durante a sua vida útil.

O estuque, à semelhança de outros revestimentos e acabamentos, tem um papel de

relevo na relação com os utilizadores. É, assim, um elemento determinante na avaliação

qualitativa do edifício, em virtude de despertar uma relação sensorial imediata.

Neste sentido, a reabilitação de um estuque tem um papel de valorização estética e, por

isso, quase sempre se pretende que as intervenções restabeleçam integralmente as

características originais, através da ocultação dos sistemas de estabilização e reforço e da

reintegração dos elementos decorativos.

A natureza das reabilitações é diversa e com incidência variável. Neste âmbito, Veiga

e Aguiar (2003) estabelecem quatro níveis de intervenção:

a) conservação e manutenção do revestimento;

b) consolidação das superfícies;

c) substituição parcial, com recurso a revestimentos semelhantes aos antigos;

d) remoção e substituição total do revestimento.

No primeiro nível, onde se inserem as intervenções mais ligeiras, caso da conservação

e da manutenção, efectuam-se operações essenciais ao prolongamento da vida útil dos

revestimentos. Tratam-se de simples acções como a limpeza, o tratamento das superfícies

com fungicidas, a eliminação de sais, a correcção de situações responsáveis pela entrada de

água e a colmatação de fissuras. Regra geral, são reparações localizadas destinadas a

corrigir danos potencialmente responsáveis, a curto prazo, pela ocorrência de outros de

maior dimensão.

No segundo nível de intervenção, surge a consolidação que, em situações simples,

pode ser considerada como uma acção de conservação. É uma operação bastante complexa,

Page 123: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 5 CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 107

apenas efectuada nas situações que implicam uma preservação efectiva das superfícies,

devido à existência de pintura mural ou pintura decorativa.

Esta operação é de difícil execução, dispendiosa e normalmente decorre num quadro

de compromissos complexo, obrigando ao conhecimento profundo de todos os factores

envolvidos, por parte dos técnicos e dos responsáveis. Em Portugal, a disponibilidade

limitada de mão-de-obra especializada também não contribui para a sua divulgação em

larga escala.

Nos terceiro e quarto níveis de intervenção, encontra-se a substituição, parcial ou total,

dos revestimentos ou da ornamentação. É um processo usual nas situações decorativas às

quais não é atribuída grande importância histórica ou artística, onde o nível de degradação

é elevado ou, de modo simplista, devido à inexperiência dos profissionais.

Soluções desta natureza devem ser equacionadas e assumidas como último recurso,

somente quando este caminho se perfile como único. Importa não esquecer que a

substituição dos revestimentos ou da decoração originais envolve conflitos com os

princípios da conservação, referidos no capítulo 2.

5.2. Durabilidade

Com uma intervenção de reabilitação, pretende-se obter resultados com um carácter o

mais definitivo possível, dentro de limites orçamentais razoáveis. No entanto, não existem

dados científicos que permitam determinar a vida útil da reabilitação, porque diversos

factores contribuem para o resultado final, nomeadamente a compatibilidade entre

materiais novos e existentes ou a eliminação eficaz das causas das anomalias.

O estabelecimento da vida útil apenas se consegue com um controlo efectivo daqueles

factores, cujo impacte sobre os estuques é conhecido, nomeadamente os agentes

causadores das anomalias, a adopção de soluções com comportamento conhecido e a

compatibilidade da nova solução com as pré-existências.

A durabilidade da intervenção depende do edifício ou da obra a reabilitar. No caso de

monumentos e edifícios antigos com valor histórico e artístico, o horizonte da reabilitação

deve ser o mais longo possível. Assim, as soluções a implementar têm que permitir um

controlo, o mais eficaz possível, das causas responsáveis pelas anomalias.

Page 124: Reabilitação de estuques antigos

CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO CAPÍTULO 5

108 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

É difícil projectar soluções para uma vida útil determinada. Mesmo existindo algum

conhecimento do comportamento de soluções já testadas, as quais podem fornecer dados

sobre o envelhecimento de trabalhos similares, não é possível controlar todos os seus

parâmetros, quando aplicadas em novos contextos, pois as condições ambientais ou de

aplicação podem não coincidir.

Encontra-se nesta situação o recente aumento de tráfego automóvel e das vibrações

produzidas ou o aumento da poluição atmosférica. Estes factores, de reduzida expressão há

50 anos, são eventualmente responsáveis por alterações de comportamento de soluções

bem sucedidas naquela época.

As novas soluções, por seu lado, devem adoptar-se apenas em situações de recurso,

principalmente porque, na maioria dos casos, não se conhece o modo como envelhecem

em conjunto com os materiais existentes.

Alguns autores (Marconi, 1996; Gárate, 1999) têm desaconselhado a utilização de

novos materiais devido à inexistência de tradição na aplicação, ao desconhecimento da

compatibilidade física ou química com as pré-existências e aos efeitos secundários que daí

resultam, nomeadamente o envelhecimento diferencial, a menor durabilidade e a falta de

autenticidade.

Marconi alerta para o facto de os sectores mais tecnocráticos e da mão-de-obra

disponível para a execução destes trabalhos, que perdeu o contacto com os métodos e

técnicas tradicionais, verem nos novos produtos a única solução de reabilitação, com os

efeitos perversos daí decorrentes.

Associado àqueles factores, verifica-se que alguns trabalhos de reabilitação são

pensados no imediato, sem uma consciência clara, por parte dos intervenientes, do seu

comportamento futuro. Este problema agrava-se com a disponibilidade de produtos

desenvolvidos pela indústria química do século XX, ao colocar ao alcance do sector da

conservação uma quantidade de soluções de fácil aplicação baseadas no uso de polímeros.

Em resultado da sua aplicação, e no caso da ocorrência de danos provocados por

incompatibilidade física ou química, torna-se necessária a realização de novas acções de

complexidade acrescida. Nos casos mais graves, pode mesmo acontecer uma degradação

irreversível das pré-existências.

Page 125: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 5 CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 109

Existem diversos testes de laboratório que permitem simular o envelhecimento natural

dos materiais. No entanto, as condições reais de aplicação apenas são confirmadas pela

passagem do tempo.

Sob o ponto de vista tecnológico e para o estudo da compatibilidade com os materiais

pré-existentes, é pertinente a recuperação das técnicas antigas de reabilitação de modo a

utilizá-las em processos actuais, ainda que seja para revelar incompatibilidades já

conhecidas e, assim, evitar a repetição de erros do passado em contextos contemporâneos.

O conhecimento do comportamento das soluções não é suficiente para obter um maior

controlo dos parâmetros responsáveis pelo aumento da vida útil da reabilitação. Devem

também ser implementadas soluções com capacidade de prevenir as causas das anomalias

iniciais, nomeadamente:

a) a protecção eficaz do acesso de água ao sistema estuque e suporte;

b) a ventilação das estruturas de madeira e do compartimento onde se localiza o

estuque, de modo a evitar condensações superficiais;

c) a protecção térmica das superfícies, também para reduzir as condensações;

d) o impedimento da deposição de poeira sobre o extradorso dos tectos;

e) a adopção de soluções com comportamento conhecido;

f) a utilização de materiais que alterem o menos possível as propriedades físicas das

pré-existências.

A título de exemplo, no caso dos tectos, J. e N. Ashurst (1988) sintetizam um conjunto

de acções prévias destinadas a proteger os estuques, tendo como primeiro passo a

intervenção ao nível das coberturas.

No subcapítulo seguinte, é abordado um aspecto de importância decisiva no

prolongamento da vida útil das reabilitações, o faseamento dos trabalhos.

5.3. Faseamento

Sendo a reabilitação de estuques antigos um processo de extrema complexidade, o

cumprimento de uma sequência lógica e objectiva das acções a realizar constitui um

contributo importante para a definição da vida útil de qualquer trabalho de reabilitação,

Page 126: Reabilitação de estuques antigos

CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO CAPÍTULO 5

110 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

permitindo estabelecer uma lógica de execução de acções subsequentes apenas quando as

precedentes estiverem concluídas.

Assim, o faseamento rigoroso das intervenções permite evitar resultados incorrectos

que podem assumir contornos de elevada gravidade. É também por isso que Prieto, citado

por Gárate (1999), assinala as conservações e restauros mal executados como uma das

causas fundamentais para a degradação dos estuques.

As situações de indefinição nos trabalhos de reabilitação são comuns, daí o

permanente apelo para a necessidade do estabelecimento da metodologia de intervenção,

pela importância que esta assume ao exigir uma observação cuidada das anomalias no

decurso da obra.

A sua definição é um procedimento imprescindível ao desenvolvimento da

reabilitação, inclusive para a interiorização da lógica sequencial dos trabalhos, pelos

intervenientes.

A título de exemplo de acções responsáveis por resultados pouco eficazes devido ao

incumprimento dum faseamento racional, referem-se as reparações em estuques

degradados pela acção da água sem estancar a sua entrada através da envolvente,

conduzindo, a muito curto prazo, à ocorrência da mesma anomalia.

Outras situações podiam, ainda, ser referidas como prova de que uma intervenção

mal planeada pode potenciar graves situações, degradar ainda mais um estuque em risco,

provocar a ocorrência de situações irreversíveis ou implicar futuras intervenções mais

dispendiosas.

A intervenção baseia-se, regra geral, num faseamento com início em acções de

âmbito global, destinadas a anular os efeitos mais graves sobre o edifício, terminando nos

trabalhos sobre elementos mais frágeis, que envolvem tarefas mais delicadas. A

intervenção nos estuques ocupa, normalmente, o último lugar.

Somente após a realização de trabalhos de âmbito geral, como a estabilização

estrutural do edifício, a eliminação das entradas de água e a estabilização dos suportes dos

revestimentos, ficam criadas as condições para proceder a uma reabilitação eficiente dos

estuques.

Page 127: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 5 CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 111

No que respeita a matérias relativas a trabalhos gerais, referem-se os estudos de Faria

(2002), Feilden (1982/2003), Mateus (1998) e o relato de trabalhos efectuados em Comin

e Citter (1998), nos quais é possível analisar a sequência de acções orientadoras das

intervenções.

Comprova-se, mais uma vez, a necessidade de completar os trabalhos críticos de fases

precedentes antes de passar às fases subsequentes. Caso contrário, a curto prazo, podem

ocorrer os mesmos ou novos danos.

A informação contida em alguns trabalhos estudados, ao nível do faseamento das

intervenções, foi sintetizada no quadro 5.1, onde se registam as fases e as respectivas

operações desenvolvidas, de modo a efectuar uma análise comparativa da sequência de

operações.

Fase Operação Ruínas de Cowdray House

Igreja de S. Paulo e S. Pedro

Paço Episcopal do Porto

Limpeza de superfícies ▬ 1.ª acção 1.ª acção

Tectos: Remoção de suportes degradados ▬ ▬ 2.ª acção

Tratamento anti-séptico 1.ª e 9.ª acções 2.ª acção ▬ ACÇ

ÕES

PR

EPAR

ATÓ

RIA

S

Eliminação de sais ▬ 3.ª acção ▬

Tectos: Aplicação de linhadas de gesso para consolidação ▬ ▬ (Quando possível)

Consolidação da estrutura do estuque 2.ª e 4.ª acções 4.ª acção ▬

Exterior: Fecho de bordos com argamassa 3.ª e 7.ª acções ▬ ▬

Desmonte de decoração ▬ 5.ª acção ▬

ACÇ

ÕES

CO

MPL

EMEN

TAR

ES

Remoção de intervenções incorrectas 5.ª acção ▬ ▬

Reparação de fissuras e preenchimento de lacunas 6.ª acção 6.ª acção 3.ª / 4.ª acções

Tectos: Reconstrução de ornatos e sancas em falta ▬ ▬ 5.ª acção

Aplicação de cópias e colagem de decoração descolada

▬ ▬ 6.ª acção

Protecção ou acabamento das superfícies ▬ 7.ª acção 7.ª acção AC

ABAM

ENTO

S

Exterior: Aplicação de protecção ambiental 8.ª acção ▬ ▬

Quadro 5.1. Quadro comparativo das fases de intervenção de alguns trabalhos estudados.

Page 128: Reabilitação de estuques antigos

CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO CAPÍTULO 5

112 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

Salvo algumas situações não directamente comparáveis, como os trabalhos em tectos e

paredes, consegue analisar-se a sequência das diferentes acções e estabelecer um padrão

comum que, conjuntamente com a identificação das anomalias mais comuns, assinaladas

no capítulo anterior, e a visita a trabalhos em curso, permitiram elaborar um diagrama com

a sistematização dos principais trabalhos e a respectiva sequência (figura 5.1).

O diagrama está organizado segundo uma sequência de operações que se desenvolvem

em dois níveis de intervenção e três fases de actuação. Os dois níveis de intervenção

contemplam a conservação e a reabilitação. As três fases de actuação, as acções

preparatórias, as complementares e os acabamentos.

Os níveis de intervenção, baseiam-se na classificação apresentada no subcapítulo 5.1,

considerando-se a conservação como o mais simples. Neste nível não se efectuam

substituições de elementos, procedendo-se apenas a operações de manutenção,

designadamente a limpeza, as consolidações, os tratamentos anti-sépticos, a reparação de

fissuras e o tratamento superficial de elementos decorativos (superfícies lisas e ornatos,

incluindo ou não policromias).

Num nível mais complexo, efectuam-se as operações de reabilitação, com incidência

em graus de degradação mais elevados. Estão envolvidas uma série de intervenções não

apenas no estuque, mas também no suporte, no qual residem bastantes causas responsáveis

pelas anomalias, principalmente ao nível dos tectos.

Neste nível de intervenção, estão presentes as tarefas dos trabalhos de conservação,

conjuntamente com intervenções de resolução de anomalias construtivas e funcionais.

Inclui-se a execução de moldes in situ ou o desmonte de ornatos, para cópia ou limpeza, a

introdução de sistemas complementares de fixação do estuque, a remoção de intervenções

incorrectas e a reparação e reintegração de lacunas em superfícies lisas ou ornamentação.

Acções preparatórias

A reabilitação inicia-se com um conjunto de acções designadas como preparatórias.

Começa pelos trabalhos de limpeza, efectuados após a eventual consolidação de

delaminações bem localizadas ou de estuques com falta de coesão, de modo a assegurar a

exequibilidade das operações que envolvem fricção ou pressão.

Page 129: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 5 CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 113

Figura 5.1. Diagrama das fases e sequência das intervenções, numa operação de reabilitação de estuques

LEGENDA

Acções de conservação a efectuar em todas as intervenções, independentemente das anomalias existentes

Acções a efectuar em função das anomalias existentes

Sequência dos trabalhos de conservação Sequência dos trabalhos de reabilitação

Evolução dos trabalhos segundo um único caminho

Possibilidade de evoluir por qualquer um dos caminhos ou por todos, simultaneamente ou em fases distintas, em função das anomalias

Reaplicação de ornatos

Limpeza de superfícies e suportes

Tratamento anti-séptico das superfícies

Protecção e acabamento de superfícies

Execução de moldes in situ ou desmonte de ornatos

Consolidação de grandes delaminações em paredes

Fixação de desprendimentos em tectos

Remoção de intervenções incorrectas

Preenchimento de lacunas ou reprodução de sancas

Reparação de fissuras

Reprodução de ornatos ou tratamento dos originais

Consolidação de estuques friáveis

Eliminação de sais

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Conservação Reabilitação

Remoção de pedaços em desagregação ou destaque

Consolidação de delaminações pontuais

Page 130: Reabilitação de estuques antigos

CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO CAPÍTULO 5

114 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

Removem-se, em seguida, os pedaços em desagregação, cuja localização e valor

histórico ou artístico não justifiquem a complexidade inerente à sua manutenção ou para os

quais não haja possibilidade de restauro, segundo os processos correntes de consolidação.

Efectua-se, posteriormente, o tratamento anti-séptico das superfícies, destinado a

eliminar qualquer contaminação biológica (fungos, bolores, etc.). Procede-se, finalmente, à

eliminação de sais, por meio de limpeza a seco ou através da aplicação de pastas

absorventes aplicadas na superfície do estuque.

Acções complementares

Designam-se por acções complementares aquelas que têm por objectivo a preparação

dos elementos para a execução dos acabamentos. Destinam-se a eliminar as causas de

anomalias que dificultem a execução de trabalhos finais em condições adequadas e a

garantir a não ocorrência de imprevistos com capacidade para originar novos danos durante

os trabalhos ou deixar anomalias latentes.

Estas acções implicam uma actuação sobre o sistema estuque e suporte e podem

envolver a realização de tarefas fora do local da obra, como no caso da execução de

ornatos. Envolvem, regra geral, a execução de trabalhos complexos, com necessidade da

confirmação de dados recolhidos no levantamento e na inspecção, principalmente, no caso

de elementos ocultos.

No que a estas acções diz respeito, o diagrama está organizado de modo não estanque,

ou seja, a sequência das acções não é única mas segundo um fluxo que resulta das

anomalias presentes em cada contexto.

Acabamentos

Os trabalhos de acabamento realizam-se na fase final, após a limpeza dos elementos de

estuque, isentos de contaminações biológicas ou de sais, o tratamento e estabilização dos

suportes e a reparação dos elementos decorativos.

Nesta fase, efectua-se a reabilitação física e estética daqueles elementos com

incidência nas texturas, formas e cores. As operações necessárias a esta reabilitação são,

porém, muito delicadas e de complexidade elevada, devendo ser efectuadas por mão-de-

Page 131: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 5 CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 115

obra especializada ao nível do conhecimento das técnicas tradicionais e dos recursos

(técnicas e materiais) mais recentes à disposição dos trabalhos de reabilitação.

Nesta fase, efectuam-se acções como a reintegração de elementos decorativos, a

reparação de fissuras, trabalhos de protecção e acabamento de superfícies, à semelhança

dos tratamentos originais (polimento dos estuques, limpeza e reabilitação de têmperas e

outras).

5.4. Acções de conservação e reabilitação

No presente subcapítulo, são abordados os trabalhos a efectuar na conservação e

reabilitação de estuques, realizados de acordo com o faseamento definido e enquadrados

pelos objectivos estabelecidos inicialmente.

Os trabalhos a seguir descritos apresentam-se segundo uma sequência de execução

corrente. Em primeiro lugar, analisam-se as operações de limpeza, nomeadamente as

acções necessárias à eliminação de sujidade, contaminações biológicas ou tintas

contemporâneas e à remoção de manchas de ferro.

Em segundo, analisam-se os trabalhos destinados a eliminar a falta de coesão ou de

aderência, designados por consolidações, tanto em paredes como em tectos. A sua

concretização é, porém, diferente quer se efectue em planos horizontais ou verticais,

apresentando-se os dois modos de actuação. No caso dos tectos, existem procedimentos

específicos que justificam a sua análise em subcapítulo próprio.

Em terceiro, descrevem-se os trabalhos de reparação de fissuras e as reintegrações de

lacunas, em superfícies ou ornatos, com incidência nos tratamentos prévios, nas

características das argamassas de substituição e nos procedimentos para copiar ornatos e

reproduzir sancas.

Em quarto, referem-se as acções destinadas a endurecer e conservar as superfícies, de

modo a obter uma textura semelhante à original.

Finalmente, aborda-se um tema indirectamente relacionado com a reabilitação de

estuques, mas com implicações ao nível estético dos elementos estucados, a instalação de

novas infra-estruturas eléctricas e de climatização, necessárias para dotar os edifícios de

adequadas condições de utilização, de acordo com as exigências contemporâneas.

Page 132: Reabilitação de estuques antigos

CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO CAPÍTULO 5

116 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

5.4.1. Limpeza

As acções de limpeza efectuam-se tanto em operações de manutenção e conservação,

como nas fases preparatórias dos trabalhos de reabilitação ou após a estabilização e

consolidação de elementos em ruína, num momento em que já não existe o risco de

danificar as superfícies ou o suporte.

Estas acções são necessárias para remover partículas depositadas sobre a superfície,

impregnações de substâncias ou remoção de camadas estranhas às condições iniciais do

estuque, com capacidade de alterar as características cromáticas originais de policromias

de diversa natureza: pinturas murais, marmoreados, fingidos por pintura ou mesmo

estuques brancos. As operações de limpeza destinam-se, assim, a remover os seguintes

elementos:

⋅ manchas provocadas pelo desenvolvimento de fungos e bolores;

⋅ manchas provocadas por partículas de poeira e fumo, em suspensão no ar, que se

depositam sobre as superfícies quando arrastadas por vapor de água;

⋅ manchas provocadas pela deposição de sais solúveis à superfície;

⋅ manchas de ferrugem, resultantes da oxidação de elementos de aço em contacto

com o estuque;

⋅ camadas de cal ou de tintas contemporâneas, aplicadas ao longo do tempo,

destinadas a ocultar a sujidade.

A obtenção de resultados positivos nas operações de limpeza depende do

conhecimento da situação. Assim, deve efectuar-se, na fase de levantamento e inspecção,

um registo fotográfico exaustivo, identificar o nível de sujidade, a origem e respectivos

efeitos, de modo a estabelecer a actuação necessária, que pode oscilar entre a limpeza e a

remoção completa de cal ou tintas contemporâneas ou mesmo a operação, pouco usual no

nosso país, de substituição da camada de estuque impregnada de manchas.

Para além das características cromáticas, deve conhecer-se a composição do

revestimento, o estado de conservação, o tipo de sujidade superficial, a existência de

eflorescências, as incrustações ou contaminações biológicas, as intervenções incorrectas e

Page 133: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 5 CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 117

os efeitos do método de limpeza a utilizar na eliminação das anomalias existentes (Tavares

et al., 2004).

Nas operações de limpeza, importa que se conheça a patina natural, resultante do

envelhecimento da superfície, pois essa é uma componente que contribui para a

caracterização cromática dos elementos decorativos e, por isso, não se constitui como

sujidade.

Neste contexto, apenas o conhecimento do passado permite evitar situações

semelhantes às que aconteceram em operações de restauro no século XIX, nomeadamente

no Alhambra, onde as policromias e a patina do tempo foram totalmente retiradas,

conforme assinala Gárate (1999), em resultado de equívocos relacionados com a nobreza

dos materiais. Este autor lamenta que ainda hoje aconteçam situações semelhantes.

As operações de limpeza podem efectuar-se de dois modos: por acção mecânica ou

química. O primeiro processo é usado na remoção de películas de cal, tintas

contemporâneas ou manchas impregnadas no estuque; o segundo, a acção química é

utilizada para dissolver camadas estranhas à composição inicial, mas que não afectem o

estuque inicial.

Quanto às técnicas de limpeza, Tavares et al. (2004) classificam-nas em cinco grupos

diferentes:

(a) limpeza com jacto de ar a baixa pressão;

(b) limpeza com água;

(c) limpeza mecânica (abrasão);

(d) limpeza com laser;

(e) limpeza química (dissolução).

Os produtos usados na limpeza de estuques tanto podem ser soluções tradicionais,

como novos produtos de origem sintética. Importa, no entanto, conhecer certas substâncias

e métodos utilizados no passado, de modo a adaptá-los às necessidades actuais, pois

também neste âmbito a indústria contemporânea fabrica produtos cujos efeitos, a médio

prazo, são ainda desconhecidos.

É quase sempre impossível determinar, antecipadamente, os métodos e técnicas de

limpeza adequados às situações. Assim, a experimentação de substâncias e de técnicas de

Page 134: Reabilitação de estuques antigos

CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO CAPÍTULO 5

118 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

execução, no contexto real de aplicação, assume-se como uma operação essencial para

reduzir o elevado risco de danificar os acabamentos originais e mesmo a patina do tempo.

Esta exigência está mesmo consagrada como obrigatória na legislação italiana, na Carta do

Restauro 1972.

As operações de limpeza mais críticas são as que recorrem à utilização de diluentes

sobre vernizes antigos ou tintas de formulação contemporânea sem se conhecer,

simultaneamente, a sua capacidade de dissolução e o efeito sobre a camada pictórica. É um

aspecto particularmente importante em operações sobre têmperas ou fingidos, pois a

variedade de aditivos utilizados no passado não assegura uma uniformidade de

comportamento na reacção com os diluentes contemporâneos.

Os casos e contextos acima assinalados são objecto de análise pormenorizada no

presente subcapítulo, no qual se abordam algum princípios e procedimentos necessários à

realização das operações de limpeza de sujidade de diversas origens, nomeadamente

manchas resultantes de contaminações biológicas e da oxidação de elementos ferrosos.

5.4.1.1. Eliminação de sujidade

A limpeza de superfícies antigas apresenta problemas de alguma complexidade, no

que respeita à definição das estratégias de intervenção e aos objectivos que se pretende

alcançar. Assim, na fase inicial do processo é necessário efectuar uma selecção criteriosa

da sujidade a remover e dos métodos a utilizar, de modo a preservar, dentro do possível, as

superfícies originais.

Podem encontrar-se nos estuques diversos tipos de sujidade, com diferentes origens,

cuja limpeza deve atender, em particular, à compatibilidade dos produtos e técnicas de

limpeza com a superfície a limpar (estuque e policromias). A utilização de uma solução

inadequada pode ter efeitos irreversíveis sobre os elementos.

Referem-se como objectivos a intenção de não destruir as policromias, conjugando as

características cromáticas iniciais com a patina do tempo, e a adopção de soluções que não

potenciem o desenvolvimento de novos efeitos mais nocivos que a sujidade. Assim, o

conhecimento das condições iniciais, ao nível das substâncias utilizadas e das técnicas de

execução, é decisivo para o sucesso da solução de limpeza a adoptar.

Page 135: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 5 CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 119

Os produtos de limpeza devem cumprir as seguintes exigências: serem o mais neutros

possível, de modo a não danificar a situação pré-existente; terem um comportamento

conhecido; serem eficazes na actuação necessária; e não serem tóxicos.

A operação mais simples de limpeza de estuques consiste na eliminação de sujidades

superficiais e depósitos de poeiras com recurso a trinchas macias e aspiração. A utilização

de água pode eventualmente ser prejudicial, por introduzir problemas de incompatibilidade

com as pastas de gesso ou, no caso das policromias, promover o arrastamento de

pigmentos.

Nos casos em que os pigmentos correm o risco de ser arrastados juntamente com

poeiras ou outra sujidade, devem fixar-se previamente recorrendo a um aglutinante que

substitua o original, de modo a garantir a compatibilidade de substâncias.

Na limpeza química, utilizam-se substâncias com capacidade de dissolver a sujidade

em causa, tornando-a mais fácil de eliminar. Devido à fragilidade dos estuques e eventuais

policromias, este processo é complexo, exigindo ensaios prévios de compatibilidade.

Em situações particulares, pode haver necessidade de recorrer a soluções ácidas ou

alcalinas. A sua utilização deve, todavia, ser encarada com extrema precaução, apenas em

situações graves e de forma rápida, devendo ser prontamente eliminada.

Actualmente, os produtos disponíveis no mercado derivam da indústria química

contemporânea, nomeadamente da destilação fraccionada do petróleo, como é o caso dos

diluentes, que são fabricados especificamente para utilização em acções de limpeza na

construção.

Segundo Tavares et al. (2004), os solventes aplicam-se sobre as superfícies por meio

de algodão ou em pastas absorventes, sendo removidos com algodão seco, água ou

mecanicamente, após o período considerado necessário,. Geralmente, os solventes são

aplicados em soluções diluídas, aumentando a sua concentração depois de se verificar que

a camada pictórica original não é afectada.

Page 136: Reabilitação de estuques antigos

CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO CAPÍTULO 5

120 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

A sua aplicação é todavia recente, não tendo ainda decorrido o tempo necessário para

que exista um conhecimento seguro do seu comportamento ao longo do tempo. Um dos

produtos químicos mais utilizados é um solvente orgânico, designado por white spirit24.

Por esse motivo, importa reutilizar soluções antigas adequadas, por estar comprovada

a sua compatibilidade com os estuques e as pinturas. Encontram-se na literatura

especializada descrições de soluções tradicionais, simples e pouco dispendiosas, como a

utilização de amido para limpar estuques, descrita por Turco, citado por Gárate (1999).

Esta técnica consiste na aplicação sobre o estuque de uma pasta de amido densa

(também designada por barbotina), de consistência semelhante à argila com água, obtida a

partir da dissolução do amido, em grão ou em pó, numa solução de sal em água simples e

fria ou mesmo em água oxigenada. A pasta é aplicada com pincel ou espátula até cobrir

completamente a sujidade, eliminando-se a capa de amido pulverulento, após a secagem,

novamente por pincelagem ou com espátula.

O mesmo autor assinala, ainda, outras duas soluções: a aplicação de uma solução a

5%, de amoníaco diluído em água, seguida de uma rápida lavagem e secagem e a fricção

com uma mistura pastosa, constituída por talco, gesso e cré25 (também designada por

branco de Espanha ou branco Meudon).

No fim de qualquer uma das operações, refere o autor que o estuque deve ser lavado

com água. Contudo, esta lavagem deve ser feita com o máximo cuidado, porque o excesso

de água provoca os efeitos negativos já conhecidos, devido à limitada resistência do gesso

à sua acção.

No fim das operações de limpeza e após a completa secagem do estuque, deve

efectuar-se o seu polimento, de modo a obter uma textura semelhante à original.

As particularidades da limpeza de têmperas e óleos

As têmperas são pinturas realizadas com substâncias de origem orgânica como a gema

de ovo, colas de origem animal ou vegetal e mel. A têmpera, constituída pela dispersão de

24 Hidrocarboneto alifático usado no fabrico de emulsões asfálticas, diluentes, resinas sintéticas, tintas, vernizes, lacas e como agente de limpeza. 25 Carbonato de cálcio (CaCO3).

Page 137: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 5 CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 121

pigmentos naquelas substâncias, é susceptível de ser envernizada com produtos oleosos.

Estas pinturas, quando envernizadas, resistem muito bem à passagem do tempo, em

resultado da solidez dos componentes e da técnica de fixação do óleo.

Para se efectuarem operações de limpeza em superfícies pintadas com esta técnica, é

necessário conhecer o tipo de têmpera aplicada. Este aspecto é determinante e tem reflexo

no modo de intervenção e, principalmente, no diagnóstico da sujidade presente e suas

causas.

De acordo com Piva, citado por Gárate (1999), existem três tipos de têmperas que se

classificam da seguinte forma: (a) as têmperas envernizadas imediatamente após a

conclusão da pintura; (b) as têmperas envernizadas em épocas antigas, mas muito tempo

depois do edifício estar em uso, realizadas sobre a pintura já envelhecida; e (c) as têmperas

não envernizadas.

No caso das têmperas envernizadas imediatamente após a execução das pinturas,

foram normalmente utilizados vernizes duros. No caso das têmperas envernizadas

posteriormente, verifica-se que as aplicações se efectuaram sobre películas de pintura já

deterioradas e sujas, sendo utilizadas resinas semiduras, dissolvidas a frio num óleo de

origem vegetal.

Sendo os dois contextos substancialmente diferentes, implicam também tratamentos

diferentes. A limpeza das primeiras é mais fácil, pois basta suavizar e eliminar a sujidade

sobreposta sobre o verniz, através de lavagem.

Antes de se efectuarem limpezas em áreas pintadas (têmperas ou óleos) que se

encontrem em desagregação, é necessário proceder à fixação dos pigmentos, sob pena de

destruir integralmente a camada pictórica.

Aquela fixação é promovida através da aplicação de uma substância adesiva com

características semelhantes ao aglutinante inicial. Caso se utilize um aglutinante orgânico,

é necessário adoptar uma solução com fungicida, de modo a evitar o desenvolvimento de

novos fungos e bolores.

No caso dos óleos, a fixação da película de pintura pode efectuar-se com resinas

sintéticas, pois a reversibilidade daquela acção, não é, em princípio, um objectivo futuro.

Page 138: Reabilitação de estuques antigos

CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO CAPÍTULO 5

122 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

Um trabalho desta natureza foi efectuado no tecto da nave da Igreja de S.to Agostinho

de Marvila, em Lisboa (K4, 1999). As técnicas pictóricas deste tecto são de dois tipos:

pintura a têmpera, nos motivos ornamentais (trompe l'oeil), e pintura a óleo na zona central

do tecto.

Os pigmentos da têmpera foram fixados com um adesivo aquoso natural (gelatina

diluída em água destilada), ao qual foi adicionado um fungicida para evitar ataques

biológicos. Esta solução permitiu efectuar a limpeza das superfícies e a fixação dos

pigmentos, em simultâneo.

A gelatina é um material tradicional e tem a vantagem de se conhecer o seu

comportamento. A sua aplicação caracteriza-se pela reversibilidade e pela possibilidade de

ser repetida, funcionando como um aglutinante e não como uma substância fixativa que

inviabilizaria a sua futura remoção.

A pintura a óleo, na zona central do tecto, apresentava destacamentos na película. À

semelhança das têmperas, realizou-se a sua fixação antes da limpeza que, neste caso, foi

efectuada com uma solução de água destilada com amónia26, numa proporção de 9 para 1,

respectivamente.

5.4.1.2. Eliminação de contaminações biológicas

As contaminações biológicas resultam do excesso de humidade. Uma ventilação eficaz

contribui para o seu desaparecimento, efectuando-se posteriormente a escovagem da

superfície. O seu reaparecimento pode prevenir-se com a aplicação de produtos anti-

sépticos.

A eliminação das colónias de fungos e bolores pode ser completa, caso se proceda à

sua destruição, simultaneamente com a limpeza das manchas.

A sua destruição efectua-se com a aplicação de substâncias de natureza esterilizante,

como os produtos utilizados em duas das situações analisadas:

26 Amoníaco (composto gasoso de fórmula NH3 à temperatura ambiente) dissolvido em água (em inglês ammonia water)

Page 139: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 5 CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 123

a) no caso da igreja de S. Paulo e S. Pedro (Telksniene, citado por Gárate, 1999), foi

utilizado álcool etílico e uma solução anti-séptica alcoólica com 10% de

pentaclorofenol27, que permitiu a limpeza e eliminação das contaminações;

b) no caso da capela de Cowdray House (J. e N. Ashurst, 1998), foi utilizado um

composto de amónio quaternário28 diluído em água.

As superfícies podem também desinfectar-se com uma solução de água oxigenada e

água (A. Pereira, 2003).

A eliminação das manchas necessita da utilização de acções mecânicas, como a

escovagem. Todavia, importa assinalar que acções desta natureza não podem realizar-se

sobre estuques friáveis ou pulverulentos sem se efectuarem operações prévias de

consolidação, sob pena de se provocarem danos na superfície do estuque.

As substâncias fungicidas são também utilizadas para eliminar os fungos e bolores,

podendo ser aplicadas com pulverizador manual ou através de pincelagem. Em áreas

frágeis, é aconselhável a pulverização, para evitar o contacto directo com a superfície. Nas

áreas consolidadas, e após a realização de ensaios em zonas menos expostas que permitam

avaliar as respectivas condições de conservação, podem utilizar-se escovas com cerdas de

dureza compatível com as superfícies.

Antes da aplicação de fungicidas, as superfícies devem ser molhadas, para que a sua

distribuição seja homogénea, facilitando a eliminação das colonizações biológicas, pois

uma superfície seca apresenta uma elevada capacidade de absorção.

Na Capela de Cowdray House, para além de fungos e bolores, existiam líquenes.

Nesse caso, foram utilizadas, em conjunto, ferramentas para escovagem e raspagem,

nomeadamente espátulas, escovas e pincéis de nylon e metálicos, não ferrosos, de cerda

muito fina (J. e N Ashurst, 1988).

27 Composto com acção antimicrobiana, antifungicida, insecticida e herbicida, utilizado na protecção da madeira e outros materiais de construção. 28 Composto básico derivado do hidróxido de amónio (NH4OH).

Page 140: Reabilitação de estuques antigos

CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO CAPÍTULO 5

124 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

5.4.1.3. Remoção de cal e tintas contemporâneas

Em Portugal, é comum encontrarem-se estuques policromos, marmoreados e fingidos

por pintura cobertos por camadas de cal ou por tintas contemporâneas, aplicadas com a

intenção de ocultar a sujidade ou manchas, de origem biológica ou provocadas por sais.

As camadas de cal resultam de aplicações efectuadas ao longo do tempo. As

aplicações de tintas plásticas e esmaltes, comuns em tectos ornamentados (figura 5.2),

datam maioritariamente da segunda metade do século XX. Neste contexto, é frequente que

parte das acções de reabilitação dos estuques envolva a remoção daquelas camadas.

A remoção de camadas exige uma escolha criteriosa do método a utilizar, para que as

superfícies ou pinturas originais não sejam danificadas. Devido à fragilidade dos estuques,

estas operações são muito delicadas e lentas (figura 5.3), podendo ser realizadas segundo

dois modos diferentes, por via mecânica ou química.

Figura 5.2. Tecto pintado com tinta contemporânea. Palácio do Marquês de Tomar, Lisboa.

Figura 5.3. Remoção de tinta contemporânea em curso. Palácio do Marquês de Pombal, Lisboa.

Qualquer operação de remoção de cal ou tinta deve ser testada, previamente, em zona

não visível, de modo a analisar tanto a eficácia do método sobre a camada a retirar, como a

resistência dos elementos que se tenciona salvaguardar.

A eliminação de camadas de cal processa-se, normalmente, por meio de remoção

mecânica, com recurso a bisturi ou berbequim com ponta de aço ou latão (figuras 5.4, 5.5 e

5.6). No entanto, nas situações onde tal processo de revele pouco eficaz, como na Residenz

Toskanatrakt, em Salzburgo, Áustria (Frazão, 1989), é necessário recorrer-se à aplicação

Page 141: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 5 CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 125

de compressas de ácido, diluído numa percentagem nunca superior a 25 %. Este método

permite eliminar a cal e a sujidade carbonatada com esta.

Também na Charola do Convento de Cristo, em Tomar, era possível observar

inúmeras camadas de cal aplicadas sobre os estuques, de tal forma que o relevo das

ornamentações estava bastante ocultado. Neste caso, os técnicos recorreram apenas à

remoção mecânica, operação extremamente delicada e lenta, devido à fragilidade do

estuque original e à semelhança entre este e as camadas de cal (figura 5.7).

Figura 5.4. Levantamento de repinturas em estuques policromos. Residenz Toskanatrakt. Salzburgo, Áustria.

Figura 5.5. Levantamento de repinturas e argamassas aplicadas em operações de restauro. Residenz Toskanatrakt. Salzburgo, Áustria.

Figura 5.6. Friso parcialmente limpo. Residenz Toskanatrakt. Salzburgo, Áustria.

Figura 5.7. Estuques de onde foi removida a cal (à esquerda, parcialmente). Charola do Convento de Cristo. Tomar.

Nos casos onde se pretende remover tinta plástica, pode, igualmente, recorrer-se a

bisturi ou a substâncias dissolventes. Uma operação desta natureza foi realizada na

reabilitação da entrada do Palácio do Marquês de Tomar, em Lisboa, onde foi utilizado de

Page 142: Reabilitação de estuques antigos

CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO CAPÍTULO 5

126 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

um diluente orgânico para retirar as camadas de tinta que ocultavam os estuques

marmoreados (figuras 5.8 e 5.9).

Figura 5.8. Superfícies estucadas após remoção de tintas contemporâneas. Palácio do Marquês de Tomar, Lisboa.

Figura 5.9. Superfícies da figura anterior antes da remoção de tintas contemporâneas.

5.4.1.4. Remoção de manchas de ferrugem

É conhecida a incompatibilidade entre o ferro e o gesso. Contudo, era comum

recorrer-se à execução de ornatos estruturados com arame, responsável, a médio prazo,

pela ocorrência de manchas de ferrugem. A reabilitação de estuques com esta anomalia é

bastante complexa, pois implica a substituição integral das áreas manchadas, assim como a

remoção das estruturas de arame.

Apesar de não ser uma solução corrente no nosso país, encontra-se, pontualmente, em

certos estuques, devido à presença de elementos ferrosos com outra finalidade que não a de

elemento estrutural, nomeadamente pregos usados nas estruturas de suporte. Este facto

determinou a pertinência da abordagem desta matéria, no presente estudo, e das acções a

realizar para eliminar esta anomalia.

Sobre a remoção e tratamento das manchas derivadas da oxidação das estruturas de

suporte dos ornatos, encontra-se o relato dos procedimentos a realizar, descrito por

Page 143: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 5 CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 127

Telksniene, citado por Gárate (1999), conforme efectuado na igreja de S. Pedro e S. Paulo,

de Vilnius.

Em primeiro lugar, procede-se à desmontagem da decoração afectada (ver neste

capítulo o ponto dedicado à remoção de ornatos), depois removem-se as armaduras

oxidadas, pela parte posterior dos ornatos, em seguida removem-se as áreas de estuque

manchadas através de picagem e raspagem com bisturi e, finalmente, colocam-se novas

armaduras de latão ou de bronze.

A reparação das lacunas, resultantes da remoção do estuque afectado, far-se-á, apenas,

depois das operações descritas.

5.4.2. Consolidação

Neste subcapítulo, efectua-se o estudo das consolidações ao nível dos materiais e

técnicas utilizadas. O subcapítulo inicia-se pelo enquadramento do tema, em seguida,

analisam-se os diferentes materiais consolidantes e as argamassas líquidas e, por último,

abordam-se as técnicas de consolidação.

As situações relatadas foram extraídas dos exemplos citados no início deste capítulo e

de artigos específicos, como é o caso do estudo de Aguiar et al (2001), dos artigos de

Marconi (1996), da obra de Gárate (1999) e do estudo de Aires-Barros (2001) sobre a

consolidação de rochas ornamentais de origem sedimentar.

Designa-se por consolidação a operação destinada a reforçar, fortalecer e estabilizar os

estuques, de modo a eliminar as anomalias responsáveis pelo seu enfraquecimento e que, a

curto ou médio prazo, podem conduzir à sua perda, inviabilizando quaisquer acções de

reabilitação.

Dependendo da sua incidência e objectivo, as operações de consolidações tanto podem

efectuar-se em processos de conservação (acção preventiva), como em trabalhos de

reabilitação (acção de recurso). Neste último caso, destina-se a salvaguardar elementos em

risco de ruína, como acontece na reabilitação de superfícies pintadas (pintura mural ou

ornamentação pintada), onde a consolidação se revela como o único processo viável,

devido à impossibilidade de remover as superfícies.

Page 144: Reabilitação de estuques antigos

CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO CAPÍTULO 5

128 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

Existem várias formas de executar as consolidações e diversos materiais

consolidantes. Contudo, não há soluções de excelência, já que cada trabalho de

consolidação possui as suas técnicas específicas e cada solução apresenta pontos fortes e

fracos.

Esta é uma área com inúmeros aspectos a investigar e em constante evolução, tanto ao

nível dos materiais, como das técnicas de intervenção. Como exemplo, referem-se as

recentes investigações em torno do uso de bactérias em processos designados por

biomineralização, conforme referido por Aguiar et al (2001), destinados a consolidar

materiais com origem calcária.

Os trabalhos de consolidação têm plena aplicação no caso de revestimentos com

argamassas tradicionais, em edifícios antigos, em particular ao nível dos estuques.

Destinam-se à correcção de anomalias que se manifestam, por um lado, na falta de

aderência entre o estuque e o suporte ou entre camadas e, por outro, na falta de coesão da

microestrutura dos materiais, resultando na friabilidade do estuque ou no amolecimento

devido à humidade (Aguiar et al, 2001).

As operações de consolidação processam-se segundo um conjunto de operações

bastante complexas que resultam, principalmente, da fragilidade do estuque quando fica

pulverulento e amolecido ou em risco de se soltar da base.

Estas operações são necessárias em diferentes momentos da execução da reabilitação.

Podem ser provisórias, para estabilizar áreas onde os trabalhos a empreender necessitem de

solidez para a sua execução, ou definitivas, para fortalecer e solidificar os elementos.

As consolidações provisórias são necessárias antes da realização de operações que

envolvam pressão, fricção e escovagem, regra geral, potencialmente comprometedoras da

integridade estrutural das camadas ou da própria estrutura do material.

Como exemplo, referem-se os trabalhos de limpeza na capela de Cowdray House,

descrito por J. e N. Ashurst (1988), onde foi necessário proceder à consolidação das

camadas e da estrutura do material, antes da remoção de fungos e bolores e da aplicação de

fungicidas, devido à necessidade de friccionar as superfícies. Também os ornatos,

removidos para recolocação ou cópia, foram manuseados após a realização de

consolidações prévias.

Page 145: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 5 CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 129

Um dos problemas das operações de consolidação prende-se com a escassez de mão-

de-obra especializada, pois é fundamental que tanto a coordenação dos trabalhos, como as

tarefas menos especializadas, sejam efectuadas por profissionais com plena consciência

dos trabalhos envolvidos e da sua dificuldade.

Qualquer profissional deve, por isso, conhecer as acções a realizar e dispor de elevada

capacidade de observação e de reacção à necessidade de improviso, em qualquer momento

e situação.

Em seguida, abordam-se os aspectos a ter em atenção na selecção das diferentes

substâncias consolidantes.

5.4.2.1. Substâncias consolidantes

Um consolidante é uma substância de consistência líquida ou pastosa, com capacidade

de penetrar na microestrutura de um material de estrutura friável, com destaques internos

ou microfissurações, para lhe restituir uma coesão semelhante à que existia no material

original, através de um processo de presa, endurecimento ou colagem entre as partículas

(Aguiar et al, 2001).

As substâncias consolidantes utilizam-se para preservar diversos materiais que têm

cálcio na sua composição, como é o caso das argamassas de cal e das rochas ornamentais

de origem sedimentar29. A título de exemplo, salienta-se que se processa há já alguns

séculos a consolidação de calcários com água de cal.

A sua natureza é diversa, apresentando alguns uma certa tradição de utilização, com

períodos mais ou menos longos de aplicação, enquanto outros são produtos recentes da

indústria química, apresentando ambos vantagens e desvantagens (Aguiar et al, 2001).

As características físicas e químicas dos consolidantes são o principal factor a ter em

atenção, devendo assegurar-se os aspectos seguintes, essenciais à eficácia da solução:

a) permeabilidade do estuque, para permitir as trocas de vapor de água;

b) isenção de sais solúveis, para evitar o desenvolvimento de eflorescências,

eventualmente responsáveis por destacamentos nas zonas tratadas;

29 A propósito desta matéria, ver Aires-Barros, (2001) onde são identificadas diversas substâncias utilizadas na consolidação de calcários, podendo o seu uso ser alargado aos estuques e rebocos.

Page 146: Reabilitação de estuques antigos

CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO CAPÍTULO 5

130 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

c) estabilidade à luz, para garantir a solidez da cor (certas resinas sintéticas

amarelecem durante o envelhecimento);

d) compatibilidade química com o material original, para evitar a ocorrência de

reacções químicas responsáveis pela destruição das moléculas de carbonato de

cálcio.

A compatibilidade com as pré-existências deve ser testada in situ e em laboratório

(Aguiar et al, 2001), com vista a conhecer o comportamento da solução a adoptar. No

mesmo sentido, Gárate (1996) aconselha o ensaio de quaisquer consolidantes

contemporâneos antes de serem aplicados e Peterson, citado por Gárate (1999), questiona

mesmo a utilização de modernos consolidantes sintéticos sobre pinturas murais, devido ao

desconhecimento do seu comportamento.

Neste sentido, deve efectuar-se uma avaliação da compatibilidade com os materiais

originais, ao nível da permeabilidade ao vapor de água, capilaridade, estabilidade

cromática aos ultravioletas, coeficiente de dilatação térmica e envelhecimento.

Devem avaliar-se, ainda, as condições de aplicação, nomeadamente a capacidade de

penetração, a fluidez e a viscosidade, a tensão superficial e o tempo de presa.

Finalmente, devem efectuar-se testes para avaliar a eficácia da solução, nomeadamente

a capacidade de eliminação da anomalia (capacidade para devolver a coesão ou a

aderência), a reversibilidade e a reparabilidade da técnica utilizada.

O resultado mais adequado ao desempenho do consolidante, em função do caso

específico, é o factor que determina a solução a adoptar no processo de reabilitação. No

entanto, devem ser adoptados produtos já utilizados há algum tempo e de comportamento

conhecido, evitando-se a utilização de novas soluções sobre as quais não exista aquela

informação.

Em seguida, indicam-se os consolidantes mais comuns e descrevem-se os princípios

base dos processos de consolidação. A escolha destas substâncias deve-se ao facto de se

encontrarem aplicadas nos trabalhos analisados, por haver conhecimento da sua aplicação e

porque estão disponíveis no mercado.

A abordagem é feita segundo três grupos principais: as substâncias tradicionais, os

compostos químicos recentes e, por último, os produtos fabricados a partir de polímeros,

Page 147: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 5 CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 131

resultantes da destilação fraccionada do petróleo. No caso dos consolidantes tradicionais e

dos compostos químicos, existem substâncias inorgânicas e orgânicas30.

Consolidantes tradicionais

A água de cal31 é o mais simples dos consolidantes tradicionais e a sua utilização é

referida por diversos autores (J. e N. Ashurst, 1988; Gárate, 1999). É rica em iões Ca+ e

OH- e, por isso, o seu princípio de consolidação baseia-se na formação duma nova

estrutura de carbonato de cálcio na estrutura microscópica de estuques pulverulentos e

macios, processando-se uma nova carbonatação.

Esta água tem a vantagem de não adicionar qualquer substância estranha à composição

original. A sua utilização é, assim, uma solução sem paralelo, por apresentar uma

compatibilidade material total com os elementos pré-existentes, um dos principais factores

a ter em consideração na escolha das soluções.

Tem ainda a virtude de se poder utilizar em todos os tipos de revestimentos executados

com argamassas de cal, que apresentem falta de coesão, pulverulência e sintomas de

delaminação, como são os casos das bases de pintura a fresco, de todo o tipo de estuques,

de rebocos e de esgrafitos.

A aplicação de água de cal conduziu à utilização de soluções de água com pasta de cal

dissolvida, designada por “leitada ou leite de cal”, devido ao seu aspecto leitoso, diferindo

da primeira apenas ao nível da concentração em cal.

Consolidantes químicos

Um material usado correntemente, fora de Portugal, como consolidante inorgânico é o

hidróxido de bário [Ba(OH)2] ou barita, conforme designação em desuso. Utiliza-se desde

os anos 60 do século XX e foi desenvolvido, essencialmente, para consolidar rebocos que

servem de suporte a frescos, podendo igualmente utilizar-se como pré-consolidante.

30 Apresentam o carbono na composição 31 Após a completa extinção da cal, efectua-se a sua mistura com 5 partes de água para 1 de cal, armazenando-a por um período de 24 horas. Após esse período, a cal assenta, sedimentando com uma camada de água por cima. É esta água, de cor levemente azulada, saturada em hidróxido de cálcio (Ca(OH)2) que se designa por água de cal. (Vadstrup, 2001).

Page 148: Reabilitação de estuques antigos

CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO CAPÍTULO 5

132 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

A sua aplicação é difícil devido ao risco de destruição das policromias necessitando,

por isso, da realização de rigorosos testes de compatibilidade.

O princípio de actuação consiste numa conversão química, com actuação ao nível

químico-estrutural, que não afecta os pigmentos, não altera a permeabilidade das

argamassas, não cria película superficial, tem uma elevada capacidade de penetração na

microestrutura dos materiais e não se altera com o tempo. Apresenta como desvantagens a

sua toxicidade e o facto de não ser reversível.

Este composto tem a capacidade de consolidar estuques de natureza friável e,

simultaneamente, eliminar sais, através de um processo de solubilização na matéria do

estuque. Telksniene, citado por Gárate (1999), refere essa dupla função no restauro dos

estuques da igreja de S. Pedro e S. Paulo, de Vilnius. Este processo será abordado

pormenorizadamente no subcapítulo dedicado às técnicas de execução.

O principal consolidante orgânico é o silicato de etilo32 [Si(OC2H5)4]. É um composto

à base de silício, sujeito a uma hidrólise durante o processo de aplicação, acabando por se

converter num material inorgânico. É aplicado por injecção ou pincelagem.

Consolidantes poliméricos

Nos últimos anos, tem vindo a observar-se uma tendência crescente na utilização de

resinas acrílicas. São produtos que têm por base polímeros, derivados da destilação

fraccionada do petróleo (resinas acrílicas, silicones, etc.). Aplicam-se por injecção, à

semelhança das argamassas líquidas apresentadas a seguir.

Têm como grande desvantagem o facto de não serem reversíveis, bem como a

incompatibilidade com os estuques. Quanto à sua aplicação, deve dar-se particular atenção

ao risco de formação de películas superficiais.

A utilização de resinas sintéticas e silicones tem sido contestada por alguns

especialistas, como é o caso de Marconi, citado por Gárate (1999), que descreve, em

determinadas intervenções, reacções tão agressivas que provocaram a destruição das

patinas e das características cromáticas originais.

32 É um líquido incolor com um suave odor doce, semelhante ao álcool. É irritante para a pele.

Page 149: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 5 CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 133

Outra desvantagem apontada pelo autor prende-se com o desconhecimento sobre o

processo de envelhecimento das resinas sintéticas, por não ter decorrido um período

suficientemente alargado que permita avaliar o seu desempenho.

5.4.2.2. Argamassas líquidas

As argamassas líquidas foram desenvolvidas com o objectivo de manter os rebocos

que não possam ser removidos e substituídos. Têm propriedades hidráulicas e apresentam

uma retracção muito baixa, eventualmente com alguma capacidade de expansão (Aguiar et

al, 2001). Aplicam-se nas paredes, nos espaços ocos, atrás das camadas de reboco, por

meio de operações de injecção

Foi nas operações de conservação de pintura mural que mais se desenvolveu a

utilização de argamassas líquidas, por permitirem manter integralmente os rebocos que

contêm a camada pictórica, mesmo em superfícies com níveis de degradação elevados.

Esta técnica acabou por ser aplicada noutras superfícies, sempre que não era possível

recorrer à sua remoção e posterior reintegração. Deste grupo, fazem parte todas as

superfícies estucadas, nomeadamente os estuques marmoreados, os fingidos por pintura e

as superfícies ornamentadas, com ornatos de pequena ou média dimensão, onde se observa

o destacamento integral da superfície e não dos ornatos isolados.

A composição destas argamassas é variável. Tanto podem ser compostas por uma

mistura de materiais tradicionais, produzida em obra, de que é exemplo a pasta de cal e

gesso, como por produtos industriais pré-doseados e, ainda, por composições mistas

(produtos tradicionais misturados com polímeros).

Dos exemplos estudados, o mais simples encontra-se nos trabalhos de consolidação

realizados na igreja de S. Pedro e S. Paulo, de Vilnius, onde Telksniene, citado por Gárate

(1999), procedeu à injecção de uma pasta de cal e gesso, ao traço 1:0,5, nas delaminações.

A aplicação desta solução deve-se ao facto de o autor defender a utilização de materiais

que alterem o menos possível as propriedades físicas dos estuques, inclusive na sua

consolidação.

Na composição das argamassas líquidas são utilizados vários materiais com

capacidade de lhes conferir propriedades aéreas ou hidráulicas como: cal aérea, cal

Page 150: Reabilitação de estuques antigos

CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO CAPÍTULO 5

134 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

hidráulica, cimentos de baixa retracção, pozolanas, pó de tijolo refractário e outros

aditivos, como as resinas acrílicas. Os produtos comerciais têm igualmente na sua

composição aquelas substâncias, nomeadamente a cal hidráulica.

Um exemplo do modo de execução de uma consolidação com argamassa líquida está

descrito por J. e N. Ashurst (1988), na consolidação dos estuques da igreja de Cowdray

House, onde foi aplicada uma argamassa líquida composta por cal hidráulica e pó de tijolo

refractário, este último para reforçar as propriedades hidráulicas da argamassa.

A composição dessa argamassa e as proporções dos componentes foram as seguintes:

1 parte de cal hidráulica e ¼ de pó de tijolo refractário (ambos com 300 µ33 de

granulometria); 3 partes de água; 1/10 de emulsão acrílica e; 1/10034 de solução de

gluconato de sódio.

Em primeiro lugar, foi produzido o pó de tijolo, através de esmagamento, moagem e

passagem por um peneiro (malha de 0,5 mm); em seguida, peneirou-se a cal hidráulica;

posteriormente, foram misturados, a seco, a cal e o pó de tijolo, ao traço 4:1,

respectivamente; seguiu-se a adição lenta da água, da emulsão acrílica e, por último, da

solução de gluconato de sódio.

A capacidade de injecção da argamassa revelou-se muito variável, oscilando entre uma

pequena quantidade, inserida rapidamente, até uma única seringa, colocada durante vários

minutos, mantendo a agulha permanentemente limpa.

Durante a operação de injecção, foi dada particular atenção à eventual formação de

bolsas ou fissuração, testemunhadas pelo destacamento das superfícies. Sempre que

ocorreram derrames, a superfície foi imediatamente lavada com água limpa ou água de cal.

Esta argamassa teve um processo de cura de cerca de 16 horas.

Outro exemplo de argamassa líquida, de composição muito diferente da utilizada na

capela de Cowdray House, é citado por Gárate (1999) e compõe-se de acetato de polivinilo

(PVA) emulsionável com caseínato de cálcio35.

33 Mícron (µ): unidade de medida, que corresponde à milésima parte do milímetro. 34 Esta proporção é aumentada em 100 % nos locais onde é necessária extra-mobilidade. 35 O caseínato de cálcio é composto por cal apagada, caseína e água, na proporção 1:1:10, respectivamente.

Page 151: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 5 CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 135

5.4.2.3. Procedimentos e técnicas de execução

As técnicas para a aplicação de consolidantes podem variar em função das

características dos materiais e do fim a que se destinam (provisórias ou definitivas, das

características do estuque a consolidar, da localização, etc.).

Referem-se, em seguida, alguns procedimentos a observar em operações desta

natureza, com o objectivo de melhor compreender as técnicas associadas à consolidação de

estuques e, ainda, melhorar o conhecimento dos fenómenos físico-químicos e mecânicos

relacionados com os materiais.

Aplicação de água de cal e água com cal

A utilização da água de cal tem, a par da compatibilidade com o estuque, a vantagem

de se aplicar facilmente por aspersão. Desse modo, não existe qualquer contacto com a

superfície fragilizada e é uma solução de baixo custo, limitada ao preço da água e à mão-

de-obra.

Para uma carbonatação eficaz, deve assegurar-se uma elevada penetração da água em

toda a estrutura do estuque evitando, assim, uma inadequada consolidação superficial.

Neste sentido, a permeabilidade do estuque deve ser testada, para extrair conclusões

quanto à exequibilidade desta consolidação. No caso do estuque apresentar uma baixa

permeabilidade, devem adoptar-se soluções alternativas com capacidade de alcançar as

camadas mais profundas.

As aspersões devem apenas efectuar-se depois de uma eficaz limpeza a seco, para

remoção de poeiras e restos de sujidade. No caso de ser necessária uma limpeza húmida, a

superfície do estuque pode ser vaporizada com uma solução cáustica de água com cal,

seguida de saturação com água destilada, de modo a reduzir a tensão superficial dos poros,

que contribui para uma entrada mais profunda dos iões Ca+ e OH-.

Após a adequada preparação da superfície, aplica-se a água de cal por aspersão com

recurso a vaporizador manual, em cerca de 20 a 30 aspersões, segundo Ashurst citado por

Gárate (1999). A saturação do estuque ocorre quando aquela aparecer à superfície, o que

pode acontecer apenas ao fim de 40 ou mais aspersões.

Page 152: Reabilitação de estuques antigos

CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO CAPÍTULO 5

136 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

No fim dessa operação, deve garantir-se que não existem resíduos de água de cal sobre

a superfície, devido ao risco de formação de uma crosta de carbonato de cálcio. Para o

evitar, lava-se o excesso com água limpa.

Segundo Gárate (1999), as aspersões de água de cal sobre estuques policromos devem

efectuar-se após ter sido assegurada a inexistência de pigmentos que reajam com o

hidróxido de cálcio, sob pena de degradação das policromias.

Em determinadas situações, é necessário utilizar-se, provisoriamente, argamassa de cal

para fixação de pequenos destacamentos, sendo posteriormente removida quando ocorrer a

consolidação definitiva das superfícies (J. e N. Ashurst, 1988).

Aplicação de compostos químicos

À semelhança de outros trabalhos, a aplicação de hidróxido de bário apenas se efectua

após a realização de exaustivos testes de compatibilidade com a superfície em presença.

Este composto é aplicado segundo a técnica da difusão, com recurso à aplicação de

compressas sobre as superfícies durante 3 a 4 horas, numa camada de cerca de 4 a 5 mm.

Estas compressas são constituídas por polpa de celulose embebida numa solução aquosa

daquele composto.

A utilização do hidróxido de bário é relatada por Telksniene, citado por Gárate (1999),

na consolidação dos estuques da igreja de S. Pedro e S. Paulo, em Vilnius, onde é

comprovada a sua dupla função: a capacidade de eliminar sais e a já referida consolidação

do estuque.

A eliminação dos sais é um trabalho realizado em duas etapas: na primeira, os sais

cristalizados são eliminados a seco e na segunda, a reacção com o hidróxido de bário

transforma-os em sais insolúveis ou pouco solúveis, neutralizando-os.

O processo de neutralização dos sais deve-se ao facto de o hidróxido de bário

contribuir para a união dos iões SO4-- com os iões Ba++, segundo a reacção química

apresentada:

SO4-- + Ba++ BaSO4

A transformação em sulfato de bário (BaSO4) contribui para acabar com a formação

de sais, por se tratar de uma substância pouco solúvel em água.

Page 153: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 5 CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 137

A consolidação da estrutura do estuque processa-se com a aplicação de uma solução

aquosa de cal a 80%, com hidróxido de bário, segundo a reacção química apresentada:

Ba(OH)2 + CO2 BaCO3 + H2O

Injecções de argamassas líquidas e resinas acrílicas

As argamassas líquidas e as resinas acrílicas são normalmente aplicadas por injecção.

A realização destas operações é complexa, porque necessita de uma série de acções

prévias, designadamente limpeza, estabilização e determinação dos locais adequados para

efectuar as injecções.

No caso das resinas acrílicas, são necessários cuidados especiais na aplicação, para

que não ocorram derrames susceptíveis de provocar o aparecimento de películas

superficiais indesejáveis (Aguiar et al, 2001).

No trabalho de consolidação dos estuques da capela de Cowdray House, J. e N.

Ashurst (1988) descrevem com pormenor os procedimentos seguidos. Na génese desses

procedimentos, estiveram as seguintes fontes: (a) as experiências realizadas pelo

ICCROM, na Casa del Menandro, em Pompéia, em 1983; (b) o trabalho desenvolvido por

Ferragai, Forti, Malliet, Mora, Teutonico e Torraca (1984); e (c) o trabalho de P. e L. Mora

e Phillipot (1984). As acções desenvolvidas foram as seguintes:

a) localização dos destacamentos por meio de pancadas ligeiras (som oco) ou

simples observação;

b) execução de furos perpendiculares ou oblíquos, ao plano do estuque, com cerca de

2 / 3 mm de diâmetro, com berbequim manual;

c) remoção de pedaços soltos com recurso a pinça ou sopro;

d) injecção de uma mistura de água e álcool, com seringas de 15 cm3 e agulha de 1

mm, de modo a drenar e remover o pó das bolsas provocadas pelos destaques;

e) injecção de água para molhar as superfícies de contacto com a argamassa líquida

(a água e algumas partículas soltas são eliminadas através de aberturas realizadas

no fundo das bolsas, que se fecham após hidratação, com argila ou argamassa, de

modo a impedir a fuga da argamassa);

Page 154: Reabilitação de estuques antigos

CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO CAPÍTULO 5

138 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

f) execução de suportes de argila ou pasta de cal (simples ou misturada com pó de

mármore) nas áreas susceptíveis de se desprenderem com a pressão das injecções

de argamassa;

g) injecção de uma solução adicional composta por mistura de água e uma emulsão

acrílica, após a lavagem e antes da injecção da argamassa líquida, destinada a

impermeabilizar as paredes das bolsas, prevenindo eventuais perdas de água por

parte da argamassa líquida (qualquer derrame é estancado de imediato, conforme

descrito na alínea anterior, e a superfície lavada com água);

h) injecção da argamassa líquida (durante esta operação, foram permanentemente

asseguradas a homogeneidade da argamassa e as condições de pleno

funcionamento das seringas).

Neste subcapítulo, apresentou-se o panorama geral das operações de consolidação nas

superfícies verticais, com referência aos materiais utilizados e às técnicas de execução.

Em seguida, analisam-se os aspectos envolvidos na reabilitação das superfícies

horizontais (tectos), nas quais se verificam diferenças de natureza construtiva

comparativamente às paredes, devido à constituição das bases. Nesta situação, existe um

acréscimo de dificuldade devido ao facto de os trabalhos serem efectuados em oposição à

gravidade.

5.4.3. Reparação de tectos

As anomalias em tectos envolvem uma intervenção conjugada sobre o sistema de

suporte e o estuque. Assim, apenas a análise rigorosa do sistema permite determinar quais

as acções a efectuar, bem como o faseamento adequado, dado que o seu desenvolvimento é

variável de acordo com a situação.

Neste subcapítulo, abordam-se as diferentes fases de intervenção nos processos de

reabilitação de tectos, referindo as acções complementares e as intervenções de reabilitação

subsequentes, estas últimas efectuadas de acordo com a sequência seguinte:

a) desmontagem de revestimentos e limpeza do extradorso do tecto;

b) remoção, estabilização ou consolidação de elementos de estuque em risco de

queda;

Page 155: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 5 CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 139

c) reabilitação dos suportes de madeira.

Para além destas três fases, o processo conclui-se com os trabalhos de acabamento,

que consistem na reabilitação dos elementos decorativos (ornatos e superfícies),

nomeadamente a sua reintegração ou reaplicação, a reparação de fissuras, o preenchimento

de lacunas e o tratamento de superfícies. Estes acabamentos são, todavia, objecto de

análise nos subcapítulos seguintes.

As operações prévias envolvidas na intervenção sobre tectos têm como objectivo a

salvaguarda da decoração em risco de desprendimento ou em desagregação e que pode

danificar-se no decurso dos trabalhos.

São acções que incidem sobre as duas componentes principais do tecto: a decoração e

o sistema de suporte. Nestas acções, estão envolvidas tarefas complexas, designadamente a

observação que assume um papel importante na qualidade do resultado final, sendo, por

isso, essencial assegurar o acesso ao extradorso dos tectos de modo a efectuar os trabalhos

de reparação, substituição ou inspecção.

As operações de remoção ou estabilização iniciam-se após a análise dos dados

recolhidos no levantamento. Deste modo, consegue-se uma visão global da situação,

nomeadamente do tipo de deformações, das parcelas a remover, a fixar ou a consolidar,

dos ornatos com falta de coesão, sujeitos a remoção ou em boas condições de conservação,

das superfícies que necessitam de apoios ou fixações complementares e dos pedaços a

substituir, bem como as zonas onde podem colocar-se as escoras e as suspensões.

Quase todos os suportes dos estuques são constituídos por madeira (Ribeiro, 2000)36.

Sendo assim, é comum necessitar-se de intervir sobre os diversos elementos de madeira

(estruturas de suporte e fasquiados), razão que justifica uma abordagem sucinta neste

subcapítulo, no âmbito das intervenções em tectos.

36 Ver, a este propósito, o capítulo “Caracterização construtiva de elementos estucados”, em Ribeiro (2000), no qual é possível observar que, na construção tradicional, todos os elementos de suporte dos estuques são constituídos por madeira, nomeadamente os frontais, tabiques e tectos. Em todos, a primeira camada do estuque, o pardo, é aplicada sobre réguas de madeira estreitas, de secção trapezoidal, denominadas fasquias.

Page 156: Reabilitação de estuques antigos

CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO CAPÍTULO 5

140 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

5.4.3.1. Operações prévias à intervenção sobre o estuque

Na intervenção em tectos, estão envolvidos três procedimentos preparatórios, sem os

quais não é possível efectuar uma reabilitação eficaz, devido à dificuldade de acesso ao

extradorso dos tectos e à quantidade de sujidade ali acumulada. São eles a desmontagem de

pisos ou coberturas, a limpeza do extradorso do tecto e a verificação das condições de

fixação entre o estuque ao suporte.

Segundo J. e N. Ashurst (1988), a primeira acção consiste na desmontagem dos

elementos que ocultam o extradorso. Posteriormente, efectuam-se as operações de limpeza

e, finalmente, inspeccionam-se pormenorizadamente todos os elementos construtivos.

A limpeza efectua-se, em geral, por meio de aspiração mecânica da poeira e outros

detritos depositados sobre os fasquiados (figura 5.10).

Figura 5.10. Aspiração do extradorso de tecto. Villa Morais, Ponte de Lima.

Após a limpeza, devem inspeccionar-se minuciosamente as condições do fasquiado, de

modo a identificar quaisquer fasquias degradadas ou demasiado próximas. Tanto umas

como outras devem ser cortadas e retiradas, pretendendo-se com esta remoção criar uma

maior superfície de colagem entre o existente e a nova pasta de gesso a adicionar.

5.4.3.2. Remoção, estabilização ou consolidação de estuques

As operações de remoção, estabilização ou consolidação executam-se como forma de

protecção dos elementos decorativos em queda iminente ou em desagregação.

Page 157: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 5 CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 141

A remoção de ornatos destina-se, em geral, à execução de cópias. No entanto, pode ter

também como objectivo a reconstrução de ornatos fragmentados.

As anomalias que exigem estabilização são de natureza diversa. O objectivo desta

acção é a salvaguarda de áreas em risco de ruína e, por isso, tanto pode efectuar-se no

início dos trabalhos como durante os mesmos, sempre que se verifiquem situações de

instabilidade estrutural. Para efectuar esta operação, é normalmente necessário recorrer a

estruturas e sistemas complementares de suporte.

Remoção de ornatos

A remoção de ornatos é uma operação que tanto pode efectuar-se no início das

operações como após a estabilização e a eventual consolidação dos elementos decorativos,

que se revele necessária para evitar qualquer dano em áreas de estuque instáveis.

A remoção do local permite que ornatos fragmentados sejam tratados em oficina, onde

é possível efectuar um trabalho de reabilitação mais minucioso do que o possível no seu

contexto decorativo.

A operação de remoção envolve algum trabalho complementar, para instalação de

estruturas provisórias de suspensão ou apoio, de modo a evitar desprendimentos bruscos de

peças de estuque, e assim provocar um dano ainda mais grave, comparativamente às

condições de conservação iniciais.

As estruturas provisórias de suporte são amarradas ao ornato e à estrutura, devendo ser

realizadas com um material macio e flexível, de modo a não vincar o estuque (corda, PVC,

nylon, etc.). Nos casos em que os ornatos sejam muito pesados, o trabalho deve ser

realizado por mais que um operário.

Estabilização de estuques

A estabilização dos estuques processa-se com a introdução de estruturas

complementares de suporte, para correcção de deformações críticas, como sejam flechas,

descaimentos ou desnivelamento de zonas contíguas. Estas estruturas têm como objectivo

o restabelecimento da posição inicial ou o simples apoio, de modo a realizarem-se os

trabalhos subsequentes em condições de estabilidade adequadas.

Page 158: Reabilitação de estuques antigos

CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO CAPÍTULO 5

142 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

Os sistemas de estabilização diferem, naturalmente, em função das condições e

características morfológicas do tecto e da necessidade de assegurar a utilização do

compartimento. Esta operação deve ser realizada com o cuidado necessário para não

danificar nenhum elemento, podendo ser necessário remover alguns ornatos.

Caso a decoração seja bastante complexa, pode justificar-se a realização de um plano

de escoramento e suspensão, de modo a conjugar a localização dos apoios e suspensões

com o desenho do tecto e com as deformações e, assim, executar as operações com total

conhecimento da situação contextual.

A estabilização pode efectuar-se através de escoramento com prumos metálicos

ajustáveis, ou de madeira, que suportam painéis de contraplacado ou aglomerado de

madeira e estes, por sua vez, as superfícies lisas do tecto não danificadas (figura 5.11). Este

é o processo mais adequado para apoio de tectos lisos.

Entre a superfície do estuque e os painéis é interposto um material macio (serapilheira,

cartão canelado, espumas sintéticas, feltro geotêxtil, etc.) destinado a protegê-la (J. e N.

Ashurst, 1988). No Palácio do Rio Branco, em Salvador da Bahía (Oliveira, 1983), foi este

o sistema adoptado, sendo a protecção do estuque efectuada com cartão canelado.

A estabilização pode também realizar-se por suspensão, com recurso a tirantes

amarrados às zonas sãs da estrutura ou a elementos provisórios (figura 5.12). Ao contrário

do sistema de escoramento, a suspensão adequa-se mais às situações de grande

ornamentação ou pintura, porque obriga à selecção de locais de fixação estrategicamente

colocados, evitando o contacto dos prumos com os elementos decorativos.

Figura 5.11. Escoras de suporte do tecto durante as operações de reabilitação. Palácio do Freixo, Porto.

Figura 5.12. Nova estrutura de suporte de uma parcela de tecto em ruína. Palácio do Freixo, Porto.

Page 159: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 5 CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 143

Em seguida, analisam-se os procedimentos a observar durante os trabalhos de

reparação do estuque, conforme assinalado por J. e N. Ashurst (1988). A reabilitação dos

estuques exige uma série de acções que variam em função do contexto específico de cada

anomalia.

Como exemplo, assinalam-se os tectos descolados do suporte, pois a sua fixação pode

efectuar-se por aparafusamento, pela introdução de novo estuque no extradorso,

combinado ou não com uma estrutura complementar de suporte, ou com recurso a resinas

sintéticas.

A desvantagem dos sistemas que introduzem novo estuque sobre os fasquiados reside

no aumento de peso. Aqueles autores consideram assim que, no caso das estruturas de

fragilidade elevada ou próximo do limite de carga admissível, podem ocorrer deformações

elevadas com capacidade de colocar em risco a estabilidade da estrutura estucada.

Apresenta-se no quadro 5.2 uma comparação entre o acréscimo de peso, em

percentagem, para as diferentes soluções e materiais e o grau de aderência assegurado por

cada uma. Salienta-se que os consolidantes contemporâneos (resinas), apesar de não

introduzirem peso sobre o suporte e apresentarem uma boa aderência aos materiais

originais, têm a desvantagem do comportamento ainda desconhecido, a longo prazo,

conforme assinalado no ponto 5.4.2.1, dedicado às substâncias consolidantes.

Aumento de peso Secagem Aderência

Estuque + armadura (rede, linhadas, etc.) 18 % 8,5 dias Baixa / média

Reparação de fissuras no extradorso 9,1 % 8 dias Boa

Resina acrílica e fibra de vidro 4 % 15 dias Muito boa

Resina epoxy e fibra de vidro 4 % 15 dias Muito boa mas

irreversível

Quadro 5.2. Comparação entre diversos métodos de reparação (Fonte: J. e N. Ashurst, 1988).

A reparação propriamente dita inicia-se com a fixação das áreas desligadas do

fasquiado. Em Portugal, a maior parte dos trabalhos de consolidação de tectos consiste em

aplicar linhadas de gesso37 sobre os fasquiados (figuras 5.13 e 5.14), que não podem estar

37 Pasta de gesso, armada com sisal.

Page 160: Reabilitação de estuques antigos

CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO CAPÍTULO 5

144 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

degradados de modo a inviabilizar essa operação. Este é um método adequado para suporte

de superfícies lisas e, por conseguinte, leves.

Figura 5.13. Pasta de gesso armada com sisal. Villa Morais, Ponte de Lima.

Figura 5.14. Linhadas de sisal preparadas para aplicação em operação de consolidação. Palácio do Marquês de Pombal, Lisboa.

Um trabalho de consolidação eficiente, destinado a colar pequenas áreas desligadas do

fasquiado, segundo J. e N. Ashurst (1988), executa-se com recurso a pontes de novo

estuque (figura 5.15).

As pontes são constituídas por arames de latão ou cobre, colocados entre vigas e

amarrados a parafusos, também de latão, fixados às faces laterais das vigas. A zona em

redor dos arames é preenchida por pasta de gesso adicionada com retardador de presa (cola

animal ou grude), na quantidade necessária ao seu envolvimento. Este sistema é disposto

perpendicularmente às vigas e, por conseguinte, paralelo ao fasquiado.

Antes do preenchimento, os elementos pré-existentes (estuque antigo e fasquias)

devem ser limpos com uma solução de goma laca, a 10 %, dissolvida em álcool

desnaturado ou PVA38, de modo a reduzir a sua porosidade e a consequente absorção da

água contida no novo estuque.

38 Poliacetato de vinilo. Substância de cor branca, solúvel em água, que ao secar fica transparente. É conhecida correntemente por cola de marceneiro.

Page 161: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 5 CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 145

Figura 5.15. Consolidação de desprendimentos em áreas localizadas [adaptado para português a partir de J. e N. Ashurst (1988)].

Por seu lado, nas zonas onde existem grandes áreas desprendidas, em contínuo, é

necessário um tratamento mais profundo. Procede-se, assim, ao tratamento do extradorso

como descrito anteriormente, sendo o suporte reforçado, neste caso, com uma rede de

cobre ou latão, com malha de 6 mm (figura 5.16).

A rede é estendida sobre o estuque pré-existente, com dobras de encontro às vigas, às

quais é fixada por meio de ripas. Após a colocação da rede, aplica-se a primeira camada de

pasta de gesso com retardante, assegurando a completa imersão no gesso. A segunda

camada é aplicada antes da primeira formar presa, devendo obter-se uma espessura total

com cerca de 12 a 18 mm, por forma a embeber a rede por completo.

Finalmente, são realizados os acabamentos nas superfícies e nos ornatos, somente após

a execução daquelas operações de consolidação. No caso de ser necessário reforçar ou

estabilizar os ornatos de maior dimensão, devem então executar-se novas amarrações à

estrutura do tecto.

Page 162: Reabilitação de estuques antigos

CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO CAPÍTULO 5

146 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

Figura 5.16. Consolidação de desprendimentos em grandes áreas contínuas [adaptado para português a partir de J. e N. Ashurst (1988)].

5.4.3.3. Reabilitação de suportes de madeira

A maioria dos trabalhos de reabilitação de tectos estucados envolve a recuperação de

estruturas de madeira, em virtude de quase todos serem constituídos por fasquias pregadas

a vigamentos de madeira.

Conforme já referido, os suportes do estuque são, em geral, constituídos por peças

estreitas de madeira, dispostas paralelamente (fasquiados). São elementos muito

susceptíveis às variações estruturais dos edifícios e ao apodrecimento, devido à entrada de

água.

A acumulação de poeiras e outros detritos, para além de aumentar o peso dos tectos,

provoca a redução da ventilação das fasquias e aumenta o nível de humidade devido à

capacidade higroscópica da poeira, potenciando assim a degradação dos elementos de

suporte.

Page 163: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 5 CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 147

As fasquias podem encontrar-se directamente pregadas às estruturas de suporte, tanto

dos telhados como do pavimento do piso superior39, ou a estruturas secundárias, por sua

vez fixadas às primeiras. As situações mais complexas, em termos de reabilitação, são

aquelas onde as estruturas de suporte fixam, simultaneamente, o revestimento do tecto e o

pavimento ou o ripado da cobertura.

A madeira sofre uma série de acções de degradação provocadas pelo ataque de

insectos e pela humidade, que propiciam o desenvolvimento de agentes biológicos e

provocam variação dimensional (ver capítulo 3). Importa, por isso, conhecer

exaustivamente, desde a fase de levantamento, as condições em que se encontram as

estruturas de madeira.

A reabilitação daquelas estruturas pretende melhorar as condições existentes, através

do restabelecimento de aspectos funcionais do sistema estuque e suporte, o que implica a

execução de trabalhos de extrema complexidade (figuras 5.17 e 5.18).

Figura 5.17. Fase prévia de reabilitação de tecto estucado: substituição de estruturas e fasquiados de madeira. Palácio do Freixo, Porto.

Figura 5.18. Extradorso de tectos estucados: estrutura original e novo suporte do telhado. Palácio do Marquês de Pombal, Lisboa.

39 Sempre que os elementos estruturais de madeira servem, simultaneamente, de suporte ao fasquiado e aos pavimentos, designam-se por sistemas solidários, constituindo a solução mais económica e de mais fácil execução (Ribeiro, 2000).

Page 164: Reabilitação de estuques antigos

CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO CAPÍTULO 5

148 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

O restauro de elementos de madeira obriga a manter as estruturas, o mais possível,

acessíveis e ventiladas. Não é aconselhável, por isso, ocultar os elementos estruturais, para

que seja possível efectuar observações e acções de manutenção periódicas (Faria, 2002).

Nos tectos, esta situação é agravada pelo facto de o próprio estuque se destinar a

ocultar as estruturas de suporte. A necessidade de observação dos suportes é, assim, uma

situação algo paradoxal, pelo que importa resolvê-la desde a fase de projecto.

Os elementos de madeira em boas condições não devem ser desmontados (Faria,

2002) (figuras 5.19 e 5.20). No caso das superfícies estucadas, este princípio assume uma

maior pertinência porque, muitas vezes, é impossível desmontar todo o suporte ou tal

operação acarreta custos demasiado elevados.

Figura 5.19. Elementos estruturais de madeira de suporte a tecto estucado do séc. XVIII. Palácio do Marquês de Pombal, Lisboa.

Figura 5.20. Elementos estruturais de madeira em parede, para reintegração do estuque. Palácio Marquês de Pombal. Lisboa.

Apenas devem remover-se os elementos de madeira que apresentem sintomas de

apodrecimento, quer no todo quer em parte. No caso dos fasquiados, conforme foi referido,

isso envolve a sua remoção, a eventual substituição das partes degradadas e a aplicação de

um imunizador40.

Neste sentido, deve observar-se, nas acções de reabilitação de madeiras, um conjunto

de princípios gerais, enquadrados nos princípios da reabilitação do património, conforme

indicado em seguida (Faria, 2002):

40 Um imunizador é uma substância fungicida, com capacidade de proteger a madeira contra os ataques biológicos, nomeadamente insectos xilófagos, fungos e bolores.

Page 165: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 5 CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 149

a) respeitar as intervenções de outras épocas, desde que não ponham em causa os

valores arquitectónicos ou os aspectos de desempenho estrutural;

b) adoptar soluções reversíveis, dentro de limites razoáveis, permitidas pelas

necessidades de reabilitação das estruturas;

c) reduzir ao mínimo o sacrifício dos materiais originais;

d) eliminar todas as causas de degradação, nomeadamente o contacto da madeira com

a água, a progressão dos ataques por fungos e insectos através de tratamento

fungicida e promover a ventilação;

e) manter os elementos de madeira no nível de esforço adequado, evitando o aumento

das cargas;

f) substituir apenas os elementos, ou parte destes, que comprovadamente não possam

ser mantidos;

g) aliviar do esforço os elementos que não estejam em condições de o suportar,

através da transferência das cargas para novos elementos estruturais;

h) evitar alterações no equilíbrio de esforços dos elementos, nomeadamente em

resultado da colocação de novos apoios, que podem alterar o diagrama de esforços

e provocar danos imprevistos;

i) assegurar a compatibilidade material e construtiva, na introdução de elementos de

outra natureza, de acordo com os valores arquitectónicos do imóvel;

j) identificar claramente a intervenção.

Na sequência dos princípios enunciados, qualquer acção sobre as estruturas de madeira

deve processar-se de acordo com o quadro de objectivos a seguir indicado:

a) permitir inspecções periódicas às estruturas;

b) melhorar as condições de serviço das peças;

c) assegurar a ventilação adequada dos elementos;

d) prestar extrema atenção aos apoios, de modo a garantir uma ventilação adequada,

impedindo a retenção de humidade nas zonas de encosto das peças;

e) evitar a ocultação total dos elementos estruturais, sob pena de se desenvolverem

processos de degradação não detectáveis;

Page 166: Reabilitação de estuques antigos

CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO CAPÍTULO 5

150 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

f) dar prioridade ao restauro dos elementos estruturalmente mais importantes ou mais

degradados.

5.4.4. Reparação de fissuras

As fissuras são provocadas por deslocamentos diferenciais dos suportes. Assim, a

reparação de fissuras deve ser das últimas correcções de anomalias a efectuar, somente

quando se verificar a completa estabilização do suporte. Todavia, esta operação pode ser

efectuada em simples acções de conservação, quando se conhece a origem da anomalia e

se constata a referida estabilização, como acontece na sequência de situações acidentais,

onde não ocorre a evolução dos danos.

As soluções para a reparação das fissuras variam em função da sua dimensão,

encontrando-se diferentes métodos e composições de pastas e argamassas, em função

daquela. J. e N. Ashurst (1988) classificam as fissuras em microfissuração e fissuração

larga, sem, contudo, estabelecerem qualquer dimensão a partir da qual podem ser

classificadas as últimas.

As duas soluções indicadas por aqueles autores para os tectos são as seguintes: (a) para

a microfissuração, aconselham o uso de uma pasta pré-doseada; (b) para fissuras largas,

aconselham a utilização de uma pasta de cal ou de vermiculite.

As pastas pré-doseadas, compostas por aditivos específicos para um determinado fim,

têm a vantagem de apresentarem uma plasticidade, deformabilidade e estabilidade

dimensional adequadas a cada situação.

As composições de pastas e argamassas destinadas a este fim são também referidas

por Telksniene, citado por Gárate (1999). Este, para o caso de fissuras pequenas, aconselha

a utilização de uma argamassa composta de pasta de cal, areia fina e pó de mármore, ao

traço 1:1:1/3 (areia de granulometria entre 0,3 e 1,0 mm).

No caso de fissuras de maior dimensão, onde é necessário assegurar a colagem dos

bordos, o mesmo autor recorre a uma argamassa com os mesmos componentes, mas com

um traço 1:2:1 e areia de granulometria maior (dimensão de grão entre 0,3 e 2,5 mm e o pó

de mármore com granulometria entre 0,15 e 0,50 mm).

Page 167: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 5 CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 151

Os procedimentos necessários à correcta reparação de fissuras são especificados por J.

e N. Ashurst (1988). Em primeiro lugar, executa-se o corte dos bordos da fissura, com uma

faca ou outro objecto cortante afiado, para formar um entalhe destinado a prender a

argamassa. Deve, porém, efectuar-se com o cuidado necessário de modo a não atingir o

emboço, devido ao risco de alcançar o fasquiado, caso exista.

Em segundo lugar, procede-se à remoção das poeiras, de modo a não inviabilizar a

colagem do material de colmatação. Neste sentido, aqueles autores aconselham a aplicação

de água simples ou misturada com álcool, com recurso a pulverizador manual, para que

toda a poeira seja eliminada.

Por último, aplica-se a argamassa com uma espátula, pressionando-a com o cuidado

necessário para que se efectue o preenchimento da fissura, procedendo-se, no fim, à

limpeza do excesso depositado à superfície, com um pano húmido.

5.4.5. Reintegrações

A reparação do estuque pode ser realizada segundo os dois métodos abordados no

capítulo 2 (de conservação ou de restituição). Contudo, na maioria dos trabalhos

efectuados em Portugal, constata-se que os estuques são objecto de restituição, como é

exemplo o Palácio do Freixo, por ter sido entendido que as salas necessitavam da reposição

da leitura do programa decorativo original (figura 5.21).

Assim, é comum substituírem-se parcialmente os revestimentos e a ornamentação nas

zonas com lacunas (figura 5.22). Esta substituição tanto pode resultar dos danos naturais da

degradação como devido a imposições dos trabalhos de reabilitação, de que é exemplo a

instalação de novas infra-estruturas ou a eliminação de intervenções incorrectas ou

inadequadas.

Importa, contudo, não esquecer que a reprodução de parcelas inexistentes pode entrar

em conflito com os princípios da conservação, conforme foi abordado no capítulo 2.

As lacunas na ornamentação são particularmente críticas, sempre que não haja

possibilidade de reprodução através da análise da restante composição ou documentos

(fotografias ou desenhos originais) que informem sobre a composição inicial.

Page 168: Reabilitação de estuques antigos

CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO CAPÍTULO 5

152 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

Figura 5.21. Reintegração da decoração em lacunas de grande dimensão num tecto. Palácio do Freixo, Porto.

Figura 5.22. Reintegração de troço de faixa. Residenz Toskanatrakt. Salzburgo, Áustria.

Das diversas dificuldades que o preenchimento de lacunas envolve, Feilden

(1982/2003) destaca as situações onde é necessário recuperar elementos decorativos que

possuam uma patina do tempo, pois é impossível a sua reprodução e porque as novas

intervenções, nomeadamente os processos de limpeza contemporâneos, têm potencial para

a destruir.

São tratadas neste contexto, as situações que envolvem o preenchimento de lacunas,

quer em superfícies lisas, sem ornamentação, quer através da reprodução de elementos

decorativos, nomeadamente sancas e ornatos. A informação sobre estas operações e o

estudo dos procedimentos seguidos foram conseguidos nos trabalhos visitados e resultaram

da análise de Fuller (191?) e Ribeiro (2000).

Page 169: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 5 CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 153

5.4.5.1. Preenchimento de lacunas e substituição de superfícies

O preenchimento de lacunas necessita do estabelecimento prévio da estratégia de

intervenção, para que os responsáveis pela reabilitação possam decidir, em cada caso, a

forma de efectuar o seu preenchimento, tendo em consideração todo o contexto,

nomeadamente a forma, a cor e a textura dos elementos.

Estas operações devem ser estabelecidas de modo objectivo e dentro do quadro de

intervenção geral, conforme refere Feilden (1982/2003), seguindo os princípios

estabelecidos para todo o edifício.

Os revestimentos utilizados no preenchimento das lacunas, à semelhança dos de

substituição, devem observar um conjunto de exigências que, segundo Veiga e Aguiar

(2003), passam pela compatibilização com os estuques antigos, a nível funcional e estético,

de modo a evitar fenómenos de envelhecimento diferencial entre o novo e o antigo, bem

como as diferenças de aspecto, cor ou textura.

Estes revestimentos devem, também, ser compatíveis física e quimicamente com os

revestimentos adjacentes, designadamente possuir características mecânicas e de aderência

similares ao existente e não propiciar o aparecimento de halos ou alteração de cor nos

revestimentos existentes.

Nas situações em que se opte por não efectuar o preenchimento das lacunas, segundo

uma cópia das pré-existências, mas apenas nivelando as superfícies e harmonizando o

aspecto, à semelhança da Igreja de Cowdray House, deve aplicar-se uma argamassa

compatível com os materiais envolventes, para que não aconteçam envelhecimentos

diferenciais nem comportamentos mecânicos divergentes, susceptíveis de provocar o

aparecimento de fissuras na zona de fronteira entre o novo e o antigo.

Alguns autores, no entanto, levantam dúvidas sobre o desempenho necessário às

argamassas de substituição (Aguiar et al., 2001), pois o resultado de operações de

preenchimento de lacunas pode, a médio prazo, revelar-se como uma surpresa, em virtude

dos efeitos negativos assinalados.

O preenchimento de lacunas, de dimensão limitada ou de grande extensão, obriga a

um trabalho de investigação para conhecimento da natureza do estuque pré-existente, de

modo a garantir a compatibilidade entre este e o que será aplicado, designadamente ao

Page 170: Reabilitação de estuques antigos

CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO CAPÍTULO 5

154 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

nível da composição (mesmo tipo de cal, de gesso e igual granulometria dos agregados),

das técnicas de preparação e aplicação (Veiga e Aguiar, 2003) e do acabamento das

superfícies.

No caso de se proceder à remoção integral do estuque e camadas de base até ao

suporte, os procedimentos a adoptar implicam que, depois da sua remoção integral, se

execute a lavagem das paredes, com jacto de água à pressão, de modo a remover a poeira e

resíduos de rebocos antigos (Comin e Citter, 1998).

Posteriormente, as superfícies devem ser lavadas com água e sabão, para eliminar

eventuais resíduos de gordura, podendo efectuar-se, finalmente, a impregnação do suporte

com uma solução hidrófuga à base de resinas e silicone, de modo a evitar uma perda súbita

da água da argamassa, contribuindo assim para uma correcta formação da presa.

5.4.5.2. Reprodução de elementos decorativos

A prática corrente da realização dos trabalhos de restauro de estuques, em Portugal,

tem consistido na remoção e cópia de ornatos minimamente danificados. Este facto está

expresso na opinião de mestre Gomes (comunicação pessoal recolhida em 8 de Fevereiro

de 2003), estucador com cerca de 75 anos, que sempre teve esta profissão e, actualmente,

continua a dedicar-se à cópia de ornatos, ao referir que o método mais adequado para

intervir sobre ornatos degradados é a remoção e posterior cópia.

Este procedimento, não é, todavia, adequado, pois os elementos restaurados acabam

por se constituir como um conjunto de cópias, com a consequente perda de valor artístico e

histórico da obra original que muitas vezes tinha sido modelada in situ. A situação agrava-

se no caso de estuques policromos, em virtude da impossibilidade de reprodução das cores

originais e da patina do tempo, à semelhança dos restantes elementos decorativos.

Devido a este aspecto, os responsáveis pela reabilitação devem estudar, desde o início

do processo, as soluções que permitam manter o máximo possível de elementos

decorativos.

A reprodução de um troço de moldura, porém, não coloca problemas de maior, uma

vez que se procede à simples reintegração de uma lacuna, num local onde se conhecem as

características dos elementos ausentes.

Page 171: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 5 CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 155

Reprodução de molduras e faixas

A reintegração de troços inexistentes de sancas e faixas é uma operação corrente,

executada em quase todos os trabalhos de reabilitação de estuques. Estes elementos

ocupam, normalmente, toda a extensão de uma parede ou no encontro desta com o tecto,

com um determinado perfil de secção constante.

A sua reintegração é uma forma legítima de restabelecer a unidade decorativa do

elemento, porque a reconstrução de um troço de moldura não está, de modo algum, a

falsear a obra original, mas sim a restabelecer a unidade perdida do elemento decorativo.

A execução dos troços em falta efectua-se com um molde, especificamente desenhado

para esse fim (figura 5.23), cujo perfil da moldura se obteve a partir da reprodução da

original (Ribeiro, 2000). O desenho do perfil pode efectuar-se através de cópia directa

sobre a moldura ou a partir de um troço retirado do local. Após elaboração do desenho do

perfil, transfere-se para uma chapa de zinco ou aço zincado, denominada cortante, do

molde (Ribeiro, 2000).

A cópia no local obtém-se com argila ou pasta de gesso, aplicada sobre o perfil (figura

5.24), após aplicação de um óleo desmoldante, obtendo-se assim um contramolde; por

outro lado, o desenho a partir de um pedaço removido do local limita-se à cópia do perfil,

para posterior transferência para o cortante do molde.

Figura 5.23. Moldura a ser corrida e respectivas guias, em nervuras de abóbada. Residenz Toskanatrakt. Salzburgo, Áustria.

Figura 5.24. Cópia de moldura efectuada in loco, com recurso a barro. Residenz Toskanatrakt. Salzburgo, Áustria.

Page 172: Reabilitação de estuques antigos

CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO CAPÍTULO 5

156 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

Reprodução de ornatos

A reprodução de ornatos é um método corrente, utilizado em diversas situações, apesar

de consistir numa solução apenas de recurso, caso não seja possível aproveitar os

elementos decorativos existentes (figuras 5.25 e 5.26).

Diversos factores provocam esta situação, nomeadamente o nível de degradação

existente em determinados elementos decorativos, resultante de múltiplas fracturas,

friabilidade ou lacunas.

Figura 5.25. Reprodução de ornatos. Original, molde e cópia. Residenz Toskanatrakt. Salzburgo, Áustria.

Figura 5.26. Modelos em argila e ornato reproduzido. Oficina de estucador. Afife.

Estas operações não são de fácil execução e, por isso, é necessário adoptar uma série

de procedimentos rigorosos, de modo a salvar todos os elementos ou pedaços. Caso

contrário, poder-se-á perder um ornato e, assim, comprometer o desenvolvimento dos

trabalhos.

A primeira acção consiste na verificação dos danos existentes nos elementos

decorativos, os quais podem estar afectados por diferentes anomalias, nomeadamente

inconsistência e amolecimento, em resultado da presença de água, fissuração por acção de

movimentos diferenciais dos suportes e falta de fragmentos, sobre os quais não existe

informação.

Para que seja possível realizar cópias de ornatos, podem adoptar-se dois métodos

diferentes: por um lado, o elemento danificado pode ser previamente consolidado in situ,

efectuando-se em seguida uma cópia, sem o retirar do local; por outro, a operação pode

Page 173: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 5 CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 157

iniciar-se pela sua remoção, efectuando-se a reprodução em oficina, segundo os métodos

correntes.

Estes métodos continuam a ser semelhantes aos que foram utilizados desde o início da

fundição de elementos de estuque, com recurso a moldes de peça única ou a tasselos41

(Ribeiro, 2000).

Contudo, os materiais usados na execução das formas são diferentes.

Tradicionalmente, utilizava-se a gelatina enquanto que, actualmente, o material mais

adequado é o silicone de dois componentes, devido às propriedades deste material,

nomeadamente a facilidade de aplicação, o elevado grau de fidelidade da cópia (devido à

reduzida contracção e ao elevado poder penetrante) e a facilidade de desmoldagem

(Quinteiro, 2002).

Com o silicone de dois componentes conseguem extrair-se moldes de peças de grande

complexidade ornamental e permite, ainda, a reprodução de peças in situ, uma operação

que se revelava impossível, até há bem pouco tempo, devido à inexistência de um material

que pudesse ser aplicado em oposição à gravidade e, simultaneamente, apresentasse uma

dureza e flexibilidade suficientes para extrair os pormenores mais complexos dos ornatos.

Este material pode ser aplicado com pincel, trincha ou espátula sobre os ornatos,

previamente untados com um óleo desmoldante, formando uma primeira capa que, após

secagem, é novamente coberta por mais uma ou duas demãos, de modo a conferir-lhe

consistência (figura 5.27).

Após a secagem do silicone, aplica-se um contramolde de gesso, composto por

linhadas de gesso, numa espessura de cerca de 3 a 4 cm, cuja função é estabilizar a forma

do molde de silicone, que é flexível.

O silicone de dois componentes é também adequado à reprodução de ornatos que

apresentam elementos tridimensionais de relevo muito acentuado, onde se verificam

prisões. Com os métodos tradicionais, a sua reprodução era bastante complexa, recorrendo-

se à técnica da execução de tasselos.

41 Partes de um molde destinados à fusão de peças tridimensionais. Permitem a desmoldagem da peça por troços.

Page 174: Reabilitação de estuques antigos

CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO CAPÍTULO 5

158 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

Figura 5.27. Aplicação de silicone de dois componentes sobre ornato. Residenz Toskanatrakt. Salzburgo, Áustria.

No caso de peças que se encontrem fragmentadas ou mesmo com pedaços em falta, é

necessário proceder à sua remoção e ao tratamento prévio. Para tal, efectua-se a

consolidação dos pedaços, a reconstrução do puzzle, a reposição das lacunas, a limpeza e,

finalmente, o tratamento superficial, de modo a retirar qualquer fragmento estranho,

nomeadamente pedaços de tinta, sujidade, etc.. No fim destas operações, poder-se-á retirar

o molde.

Muitas vezes, os ornatos e outros elementos decorativos, encontram-se de tal forma

danificados que, mesmo após a reparação da peça original, as fissuras ou outros danos

continuam aparentes.

Nesses casos, é necessário executar um molde a partir da reconstrução inicial,

destinando-se apenas à fusão de um novo elemento. É este que, por sua vez, será objecto

de um tratamento de superfície, através de lixagem e polimento destinados a remover todas

as imperfeições que subsistam da peça original, executando-se, finalmente, o molde

definitivo.

5.4.6. Endurecimento e conservação de superfícies

O tratamento das superfícies é um trabalho necessário na fase final das operações de

reabilitação de estuques. Era uma operação comum num passado recente, e destinava-se a

conferir ao estuque um aspecto e uma textura semelhantes à pedra polida, em resultado do

preenchimento da sua porosidade.

Page 175: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 5 CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 159

Em resultado do preenchimento dos poros do material, esta operação contribuía

também para que não houvesse um desenvolvimento de fungos e bolores, permitindo,

contudo, as necessárias trocas de vapor de água.

A análise de documentação do passado permite encontrar uma série de técnicas

destinadas a melhorar o acabamento das superfícies estucadas, nomeadamente a alvaiade

(carbonato de chumbo), que também contribuía para o seu endurecimento. Em França

conhecem-se registos desta técnica, embora com recurso à aplicação de uma solução de

óleo de linhaça com alvaiade e litargírio (óxido de chumbo, PbO).

Contudo, devido à toxicidade dos compostos de chumbo, a utilização das substâncias

tradicionais não é mais possível, pois aqueles compostos estão proibidos em todas as

utilizações na construção.

Existe uma série de tratamentos que pode efectuar-se com vista à restituição de uma

aparência semelhante àquela que era obtida através dos tratamentos tradicionais. Em

Portugal, e em resultado de conversas com profissionais do sector, nomeadamente com

mestre Gomes (comunicação pessoal recolhida em 8 de Fevereiro de 2003), obteve-se a

informação de que, ainda no século XX o trabalho de estuque se concluía com uma fricção

de pó de jaspe, também denominado talco industrial, depositado num pano.

5.5. A decoração estucada no contexto da reabilitação do edifício e a instalação de

novas infra-estruturas

As actuais exigências dos utilizadores dos espaços construídos são muito diferentes

das que se verificavam à data da construção dos estuques abrangidos pelo presente estudo,

antes das primeiras décadas do século XX.

Ao centrar a atenção numa simples análise dos locais de trabalho, sem considerar a

habitação, onde apesar de tudo as alterações não são tão profundas, verifica-se uma rápida

evolução devida a novas conquistas sociais, conceitos sociológicos e avanços tecnológicos

de suporte ao trabalho.

Neste contexto, desde a segunda metade do século XX, tem-se verificado uma

acelerada evolução tecnológica das redes e instalações técnicas, destinadas a dotar os

locais de trabalho e as construções em geral de condições de conforto desconhecidas no

Page 176: Reabilitação de estuques antigos

CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO CAPÍTULO 5

160 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

passado, nomeadamente a iluminação, as instalações eléctricas, a climatização e, mais

recentemente, as telecomunicações.

Um edifício antigo não é uma peça de museu. Não sobrevive apenas com visitas de

natureza museológica, exceptuando determinadas obras de características únicas. Neste

sentido, a completa valorização de um edifício que apresente estuques antigos importantes

necessita de uma ocupação racional dos seus espaços, ou seja, o edifício tem que voltar a

ser habitado e utilizado com uma finalidade não necessariamente igual à inicial.

Actualmente, a ocupação de edifícios antigos tem vindo a assumir-se como um

símbolo de status para as entidades que tomam essa opção, principalmente nos meios

urbanos. No entanto, na continuação do que foi referido acima, é necessária uma melhoria

das exigências funcionais dos espaços do edifício, senão idênticas às contemporâneas, pelo

menos muito próximas disso.

É comum que, após a reabilitação de edifícios antigos, aconteça uma utilização muito

mais intensiva, comparativamente à situação do passado. Normalmente, são funções que

implicam uma presença quase permanente de utilizadores, no exercício de actividades

laborais ou no acesso de visitantes.

Para que aconteça uma protecção eficaz dos elementos decorativos e uma adequação

às novas exigências (funcionais e legais), é necessária a instalação de novos sistemas de

climatização, de iluminação, de segurança contra incêndios, de telecomunicações e outras.

A nova vida do edifício exige, assim, a colocação de instalações técnicas em espaços que

foram concebidos sem a sua existência, entrando em conflito com certos princípios da

conservação, conforme refere Feilden (1982/2003).

Esses conflitos, com algum significado, resultam da difícil articulação entre os

problemas técnicos e artísticos envolvidos, nomeadamente devido ao risco de alteração do

equilíbrio das condições ambientais interiores e à necessidade de aceder às instalações,

com vista à realização de operações de conservação e manutenção.

A instalação de nova iluminação e climatização provoca alterações nas antigas

condições ambientais (lumínicas e higrotérmicas) e isso pode ter reflexos negativos sobre o

estuque e as respectivas policromias, até aí em equilíbrio.

Page 177: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 5 CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 161

Não só estes factos, mas outros com especificidades próprias de cada instalação,

introduzem uma série de problemas de resolução complexa em todo o processo de

reabilitação, com implicações nas diferentes fases de intervenção, em particular durante a

elaboração do projecto.

Um compartimento inteiramente decorado não comporta instalações técnicas visíveis.

Assim, à semelhança dos tectos falsos de edifícios contemporâneos, o extradorso dos tectos

estucados assume-se como preferencial para a localização das infra-estruturas de

climatização e das instalações eléctricas.

Contudo, determinados equipamentos necessitam de ficar aparentes (grelhas difusoras,

armaduras de iluminação, detectores de incêndio, etc.) podendo entrar em conflito com a

decoração existente. Assim, durante a elaboração do projecto de restauro, é fundamental:

a) um estudo exaustivo das soluções disponíveis no mercado;

b) uma coordenação eficaz dos projectos das especialidades;

c) uma pormenorização rigorosa da compatibilização com a decoração existente.

Verifica-se a necessidade de tomar decisões que podem afectar partes do estuque

existente. Neste sentido, o coordenador do projecto assume um papel fundamental, ao nível

da articulação de todo o contexto e é necessário que detenha um conhecimento alargado

das diferentes redes e instalações técnicas. Apenas uma coordenação eficaz permite

minimizar os danos ou o impacte estético sobre um estuque.

A descrição exaustiva da complexidade inerente a cada uma das instalações é quase

impossível sem um contexto real de actuação. Sabe-se contudo que, independentemente da

localização, das diferenças de temperatura introduzidas, do nível de iluminação e outras,

deve observar-se um conjunto de princípios gerais, independentemente da rede técnica e

respectivos equipamentos, conforme indicado:

a) não instalar redes técnicas sobre as estruturas pré-existentes, para evitar a

introdução de cargas sobre os elementos até aí em equilíbrio; devem, por isso, criar-

se novos apoios, por meio de estruturas complementares de suporte, as quais não

devem confundir-se com as antigas (Faria, 2003);

b) respeitar a morfologia dos tectos;

Page 178: Reabilitação de estuques antigos

CONSERVAÇÃO E REABILITAÇÃO CAPÍTULO 5

162 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

c) instalar novos equipamentos de modo a evitar conflitos físicos ou formais com a

decoração do tecto;

d) instalar as redes técnicas em locais onde seja possível aceder-lhes, para fins de

manutenção e reparação;

e) não instalar equipamentos que interfiram volumétrica e visualmente com o espaço

no seu todo, afectando o seu equilíbrio e autenticidade, conforme estava no

passado;

f) instalar novos equipamentos técnicos de forma coerente e adequada ao uso previsto

para esse local, sem desequilibrar ou impor-se ao estuque existente.

Com esta análise, encerra-se o capítulo dedicado ao estudo das intervenções sobre os

elementos construtivos que constituem um sistema estucado. As operações foram

abordadas segundo as suas características específicas, em função do contexto e das

condições das anomalias.

Foram estudados aspectos relativos ao faseamento das intervenções, aos materiais e

técnicas seguidas para cada anomalia e ao modo adequado de efectuar determinadas

operações de reabilitação.

No capítulo seguinte faz-se um estudo de caso que serve para completar a informação

agora exposta, uma vez que as matérias aqui abordadas foram analisadas sob um ponto de

vista teórico e com base apenas em recolha bibliográfica.

Page 179: Reabilitação de estuques antigos

6. PALÁCIO DO FREIXO: ESTUDO DE CASO

No capítulo anterior, efectuou-se uma abordagem geral de diversos trabalhos de

reabilitação de estuques em função das anomalias específicas. Nele se inclui o estudo da

abordagem dos problemas, do desenvolvimento das actividades, dos produtos mais

adequados às diferentes funções e do momento adequado a cada acção, durante os

processos de reabilitação.

As informações ali contidas resultam, essencialmente, da investigação de obras

publicadas não directamente relacionadas com um contexto específico. Em grande medida,

a referência à eliminação das anomalias efectua-se sob o ponto de vista teórico.

Com este novo capítulo, pretende-se completar a informação anterior, através da

análise e descrição do trabalho de reabilitação dos estuques do Palácio do Freixo, no Porto,

efectuado pela empresa A. Ludgero Castro, Lda., entre 2001 e 2003, integrado num

projecto de reabilitação global do edifício da autoria do arquitecto Fernando Távora (F. e J.

B. Távora, 2003).

A escolha deste edifício resulta dos factores a seguir enunciados:

⋅ por constituir um trabalho de elevada complexidade, devido ao avançado estado de

degradação do imóvel;

⋅ por ser um dos mais importantes edifícios construídos na cidade do Porto durante o

séc. XVIII, da autoria do toscano Nicolau Nasoni (J. F. Pereira, 1992), na

continuidade do que foi referido no capítulo dedicado ao enquadramento histórico;

⋅ por este trabalho de reabilitação ter sido objecto de um documentário vídeo, onde

as actividades são descritas minuciosamente.

O capítulo inicia-se pela descrição resumida da história do edifício, com referência aos

diversos proprietários, usos e consequências daí resultantes. Efectua-se, em seguida, uma

descrição do seu estado de conservação, relatam-se as acções de conservação e de

reabilitação realizadas e, por último, descreve-se um modelo de ficha com a síntese do

contexto das anomalias, exemplificadas através de um conjunto de fichas preenchidas,

reunidas no Anexo I, cuja informação consta dos capítulos 2 a 5.

Page 180: Reabilitação de estuques antigos

PALÁCIO DO FREIXO: ESTUDO DE CASO CAPÍTULO 6

164 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

6.1. Caracterização do edifício

O Palácio do Freixo localiza-se na zona oriental da cidade do Porto, numa quinta em

declive sobre o rio Douro. Possui um excelente enquadramento paisagístico, ainda hoje

existente, apesar da existência de uma instalação industrial junto ao edifício.

O seu estilo é caracterizado pela influência do barroco italiano, transfigurado pelo

lirismo nasoniano, nas palavras de J. F. Pereira (1992). A planta é quadrangular,

enquadrada por quatro torreões salientes de cobertura piramidal, localizados nos cantos

(figuras 6.1 a 6.4).

Foi construído em meados do séc. XVIII por iniciativa do Deão da Sé do Porto, D.

Jerónimo de Távora e Noronha, responsável pela vinda de Nasoni para aquela cidade e seu

protector permanente (J. F. Pereira).

A proximidade do arquitecto / cenógrafo com os meios eclesiásticos da cidade deveu-

-se sempre a essa influência, motivo que lhe permitiu ser o autor de uma série de igrejas,

com destaque para o actual símbolo da cidade, pertencente à irmandade presidida por D.

Jerónimo: os Clérigos.

No que respeita ao Palácio do Freixo, J. F. Pereira assinala o facto deste representar o

final apoteótico da carreira de Nasoni, enquanto arquitecto de casas de campo. A par deste

Palácio, também a Igreja da Misericórdia e a Torre dos Clérigos constituem marcos da sua

obra notável.

Após a morte do proprietário, o Palácio iniciou a sua atribulada história. Passado um

século, em 1850, encontrava-se abandonado e foi comprado por um negociante pelo valor

de 15 contos de réis, que acabou por gastar cerca do triplo daquele valor em obras de

recuperação.

As obras realizadas foram significativas e acabaram por alterar e destruir parte das

características formais e artísticas da arquitectura barroca do Palácio e diversos elementos

arquitectónicos, nomeadamente na fachada Norte, à qual foram acrescentados elementos

neoclássicos.

Em 1870, o Palácio foi objecto de nova intervenção, tendo as coberturas sido

revestidas com soletos de ardósia.

Page 181: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 6 PALÁCIO DO FREIXO: ESTUDO DE CASO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 165

Figura 6.1. Palácio do Freixo. Vista a partir do rio, antes da intervenção.

Figura 6.2. Palácio do Freixo. Uma das entradas laterais, antes da intervenção.

Figura 6.3. Palácio do Freixo. Vista da entrada principal, após a intervenção.

Figura 6.4. Palácio do Freixo. Aspecto da entrada principal, após a intervenção.

Com o aparecimento da indústria, os terrenos do Palácio passaram a ter interesse para

esse fim e, em consequência, são construídas na área envolvente ao Palácio uma fábrica de

sabão, uma destilaria de cereais e uma fábrica de moagem.

Todos estes usos tiveram um efeito negativo sobre o edifício, em parte devido ao

abandono a que ficou sujeito. Aquelas indústrias tiveram igualmente um impacte negativo

sobre a envolvente e o enquadramento paisagístico deste imóvel.

Desde o fim do século XIX até ao final do século XX, o edifício foi utilizado como

armazém e nem mesmo a classificação como Monumento Nacional pelo Decreto de

Page 182: Reabilitação de estuques antigos

PALÁCIO DO FREIXO: ESTUDO DE CASO CAPÍTULO 6

166 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

16/06/1910 contribuiu para a sua reabilitação enquanto importante peça da arquitectura

setecentista da cidade do Porto.

Apenas no início do século XXI, o Palácio do Freixo volta a ter a importância que teve

durante o século XVIII, resultado da complexa operação de reabilitação de que foi alvo

após a sua aquisição pelo Estado.

6.2. Estado de conservação dos estuques

O Palácio do Freixo apresentava uma elevada degradação da envolvente, com

particular incidência nos elementos de madeira da cobertura e dos vãos. Este facto foi

responsável pela entrada de água e pelo apodrecimento das madeiras, contribuindo para a

deterioração de áreas localizadas das superfícies estucadas e em determinados locais de

todo o sistema estuque / suporte.

A degradação da envolvente deveu-se, principalmente, ao uso inadequado do edifício

e ao abandono a que esteve sujeito durante o século XX. A sua utilização como armazém

fomentou o estado de semi-abandono que se verificava antes de ter sido decidida a sua

reabilitação. Foi devido àquela situação que acabaram por acontecer algumas acções de

destruição por vandalismo assim como a sua ocupação por animais, principalmente por

pombos.

Naquele contexto, o nível de degradação dos estuques atingiu vários graus de

incidência, desde anomalias ligeiras, com incidência sobre as condições materiais, caso da

alteração de cor das policromias, até às mais graves, com resultados ao nível da falta de

elementos estruturais e grandes lacunas.

Os tectos foram o elemento que mais sofreu os efeitos do abandono e algumas

situações indiciavam ruína iminente, a curto prazo, caso não fossem tomadas medidas

urgentes para impedir a evolução dos danos.

Esse estado de degradação resultou, assim, da combinação de efeitos higrotérmicos,

decaimento estrutural e factores de origem humana, conforme apresentado em seguida.

Page 183: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 6 PALÁCIO DO FREIXO: ESTUDO DE CASO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 167

Presença da água

A existência de grande quantidade de lacunas nos tectos, provocada pela presença de

água, principalmente nas zonas periféricas, constituía a anomalia com maior visibilidade.

Em muitos locais, verificou-se também a perda de parte dos elementos de suporte, devido

ao apodrecimento das madeiras (figura 6.5).

No caso das paredes, as anomalias resultaram da existência de sais, quer à superfície,

quer na estrutura interna das argamassas, provocando a perda de coesão dos revestimentos

nas zonas inferiores das paredes e em locais onde água pluvial acedia. Estes danos foram

devidos à acção conjunta da água proveniente do terreno, que ascendeu por capilaridade, e

da pluvial, que entrou pelas coberturas degradadas (figura 6.6).

Figura 6.5. Apodrecimento da estrutura de suporte de tecto. Palácio do Freixo, Porto.

Figura 6.6. Tecto e parede afectados pela presença da água. Palácio do Freixo, Porto.

Colonizações biológicas

A água contribuiu, ainda, para o desenvolvimento de colonizações biológicas de

natureza diversa, nomeadamente algas, líquenes e fungos que se alojaram tanto no estuque

como nos suportes, responsáveis directa ou indirectamente por:

⋅ desagregação e destacamento dos revestimentos e subtracção de material;

⋅ alteração cromática de pinturas.

Outras colonizações biológicas, com importância na degradação das estruturas de

madeira, nomeadamente insectos xilófagos, foram igualmente responsáveis pela

Page 184: Reabilitação de estuques antigos

PALÁCIO DO FREIXO: ESTUDO DE CASO CAPÍTULO 6

168 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

degradação de diversos elementos estruturais. O desenvolvimento daquelas colonizações

originou o desaparecimento dos elementos estruturais e consequentemente de toda a

decoração estucada suportados por aqueles.

Existência de sais

A existência de sais em diversos locais, conforme já referido, esteve na origem da

perda de coesão das argamassas das camadas inferiores (emboço e esboço) ou mesmo da

camada de acabamento, provocando a separação entre camadas, principalmente ao nível

das paredes (figura 6.7).

Alterações cromáticas

A perda de cor de diversas policromias dos tectos e de pinturas figurativas em painéis

de parede, foi outra das anomalias verificadas. Em grande parte dos casos, as pinturas

apresentavam-se de tal modo degradadas que esse estado quase inviabilizou a sua

reabilitação.

Esta anomalia resultou da conjugação do desenvolvimento de sais, da presença de

fungos e da exposição à luz solar (figura 6.8).

Figura 6.7. Perda de coesão em parede. Palácio do Freixo, Porto.

Figura 6.8. Alterações cromáticas provocadas por sais e pela radiação ultravioleta. Palácio do Freixo, Porto.

Page 185: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 6 PALÁCIO DO FREIXO: ESTUDO DE CASO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 169

Vandalismo e abandono

O abandono do edifício durante o século XX fomentou a ocupação indevida e acções

de vandalismo que sempre acontecem em situações semelhantes. Certos elementos

decorativos apresentavam efeitos daquelas acções, como era exemplo a mutilação de uma

estátua de anjo existente na capela.

Outro efeito do abandono foi a elevada presença de pombos, que acederam ao desvão

da cobertura e ao extradorso dos tectos, provocando grande acumulação de detritos sobre

os fasquiados que potenciou a retenção de humidade, devido à ausência de ventilação dos

elementos de madeira.

Fissuras

As fissuras existentes nos tectos e nas paredes resultaram da acção combinada de

diversas tensões que durante décadas actuaram sobre o edifício. As principais foram o

decaimento estrutural, resultante da acção gravítica, a degradação dos suportes por acção

da água e as vibrações provocadas pela circulação de veículos na proximidade do edifício.

Foi a conjugação destes factores que provocou a ocorrência das diversas fissuras. Os

trabalhos de reparação destas foram realizados apenas depois da estabilização estrutural

dos elementos portantes deformados, da completa reparação da envolvente e da

substituição dos suportes do estuque degradados, momento em que ficaram reunidas as

condições para reparar aquela anomalia.

Restauros incorrectos

Conforme referido, o Palácio foi objecto de profundas obras de reparação e alteração

em meados do século XIX. Estas obras e posteriores tentativas de conservação, de carácter

pontual, foram responsáveis pela introdução de argamassas incompatíveis com os materiais

existentes.

Em algumas situações, foram utilizadas argamassas de cimento, responsáveis pela

degradação da zona de fronteira entre o antigo e o novo, devido à maior impermeabilidade,

comparativamente às argamassas de cal. Este factor foi responsável pela acumulação de

sais nas áreas de fronteira com as argamassas aéreas, que após diversos ciclos de

Page 186: Reabilitação de estuques antigos

PALÁCIO DO FREIXO: ESTUDO DE CASO CAPÍTULO 6

170 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

humedecimento e secagem, acabaram por agravar as delaminações e provocar a perda de

coesão das diversas camadas do estuque.

6.3. Conservação e reabilitação do edifício

A reabilitação dos estuques foi efectuada de acordo com os princípios da conservação

do património e, segundo os responsáveis pela reabilitação, o resultado obtido e a sua

adequação aos objectivos dependeu de três vectores fundamentais:

⋅ faseamento rigoroso dos trabalhos;

⋅ utilização de materiais adequados;

⋅ gestão eficiente dos procedimentos.

A reabilitação teve em atenção a preservação das duas épocas coexistentes no edifício,

a construção inicial, do século XVIII, e a remodelação, efectuada no século XIX,

apresentando cada uma características formais e artísticas da sua época. As operações de

reabilitação e as estratégias de intervenção foram condicionadas por essas duas realidades,

designadamente pela manutenção da autenticidade histórica e do carácter do edifício,

conforme se apresenta actualmente.

O faseamento das intervenções seguiu uma sequência que se iniciou pela paragem da

evolução de danos responsáveis pela perda de elementos decorativos, caso da degradação

dos suportes, que necessitou da reparação prévia das coberturas e da eliminação de águas

nas paredes, com origem nas subidas por capilaridade.

Foram empregues, na conservação e reabilitação do edifício, os métodos, técnicas e

produtos compatíveis com as situações pré-existentes, com carácter reversível e

comportamento e envelhecimento conhecidos42. A sua selecção efectuou-se após a

realização de ensaios de comportamento, prévios à intervenção e durante as operações,

tendo em conta que se pretendiam soluções que permitissem futuras acções de

manutenção.

42 Salienta-se o facto de não se conhecerem, por completo, todos os parâmetros de comportamento da resina acrílica usada nas operações de consolidação, nomeadamente o seu envelhecimento (ver ponto 5.4.2: consolidação)

Page 187: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 6 PALÁCIO DO FREIXO: ESTUDO DE CASO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 171

Ao nível da gestão do processo, foi designada uma administração específica para esta

obra, no sentido de obter uma gestão eficiente dos procedimentos e assim obter um bom

resultado final. Desse modo, evitou-se a dispersão da coordenação dos trabalhos, ao nível

da gestão da obra, da calendarização e da articulação com outras especialidades.

As acções globais de conservação e reabilitação foram no sentido de preservar todos

os elementos existentes, mesmo aqueles que, estando em péssimo estado de conservação,

pareciam irrecuperáveis.

Nas zonas que apresentavam lacunas, em grande quantidade e extensão, efectuaram-se

reintegrações dos elementos em falta, sempre que o contexto inicial era conhecido, como

no caso das situações de simetria, permitindo assim restabelecer a unidade inicial do

conjunto, como no caso dos tectos e de algumas paredes. No caso dos elementos ausentes e

sem referências para a restituição, efectuaram-se reintegrações de áreas lisas, assumindo-as

como áreas neutras43.

Em determinadas situações, não foi possível efectuar a conservação dos elementos,

por não ser possível assegurar a sua estabilização. Nesses casos, aqueles elementos foram

removidos e foi efectuado o preenchimento das lacunas de forma neutra, também com

superfícies lisas.

As operações de reabilitação nos revestimentos e decoração do edifício, com

incidência não apenas nos estuques mas também em rebocos e materiais pétreos, tiveram

uma duração de dois anos, envolvendo uma equipa de 25 técnicos especializados,

designadamente engenheiros, técnicos superiores de conservação e restauro, mestres e

técnicos auxiliares, correspondendo a 200 000 horas de mão-de-obra.

Operações prévias

A intervenção nos estuques processou-se apenas depois de o edifício se encontrar

estanque à entrada de água e estruturalmente estável, de modo a impedir qualquer variação

dimensional ao nível das paredes.

43 Este procedimento segue os princípios da conservação, ao observar o ponto 4 dos Objectivos e Métodos, expressos na Carta de Cracóvia (2000), porque sobre esses locais não existia documentação precisa e irrefutável que permitisse a restituição. A observação deste princípio dá nota de uma preocupação tantas vezes ausente dos trabalhos de reabilitação de edifícios históricos, em Portugal, dando provas de se estar a seguir o caminho correcto nesta matéria.

Page 188: Reabilitação de estuques antigos

PALÁCIO DO FREIXO: ESTUDO DE CASO CAPÍTULO 6

172 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

A paragem do acesso de água ficou assegurada, por um lado, pela reparação das

coberturas e dos vãos e, por outro, pela execução de um sistema de drenagem das águas

subterrâneas, de modo a travar as migrações ascendentes, por capilaridade.

No início dos trabalhos, realizaram-se minuciosas acções de diagnóstico, a todos os

locais sujeitos a intervenção, no sentido de obter dados sobre as condições materiais.

Foram igualmente desencadeadas as intervenções urgentes, destinadas a salvaguardar os

elementos em estado crítico de conservação, eventualmente em risco de ruína, de modo a

efectuar as operações de reabilitação sem riscos para as situações pré-existentes.

Depois de asseguradas as condições descritas, tiveram início as operações de

conservação e reabilitação, de acordo com a seguinte sequência:

⋅ eliminação de contaminações biológicas;

⋅ consolidação de superfícies e estabilização de suportes dos tectos;

⋅ remoção de argamassas incompatíveis;

⋅ reintegração de elementos decorativos;

⋅ limpeza de superfícies; e

⋅ reabilitação de pinturas.

Indicam-se, em seguida, os principais aspectos observados nas diversas operações,

sem se proceder a uma descrição exaustiva dessas acções.

Eliminação de contaminações biológicas

A eliminação das contaminações biológicas foi, neste caso, uma das primeiras

operações a ser desenvolvida (abordada no capítulo 5 como uma operação de limpeza). A

par desta operação, foram também efectuadas acções de limpeza que se repetiram após a

conclusão dos trabalhos de conservação e reabilitação dos elementos estucados, diferindo

das primeiras no âmbito de aplicação e objectivos.

Consolidação

O nível de degradação da maioria das superfícies obrigou à execução de operações de

consolidação complexas. Estas foram efectuadas nos locais que apresentavam falta de

Page 189: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 6 PALÁCIO DO FREIXO: ESTUDO DE CASO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 173

coesão, tanto na camada de acabamento como nas camadas inferiores (emboço e esboço),

ou em superfícies que se encontravam desligadas do suporte.

A consolidação das superfícies foi efectuada de acordo com os dois modos indicados

no capítulo 5, sobre a consolidação:

⋅ por injecção de consolidantes acrílicos44; e

⋅ por aplicação de ligante de baixa viscosidade, introduzido atrás das camadas por

escoamento gravítico.

Simultaneamente às operações de consolidação das superfícies, procedeu-se ao

tratamento dos suportes, de modo a assegurar a sua estabilização e a efectuar, em

condições adequadas, as acções de conservação posteriores.

Por fim, foram efectuadas as reintegrações, de acordo com os princípios indicados na

introdução deste subcapítulo.

Estabilização e consolidação de tectos

As operações de estabilização e consolidação dos elementos decorativos dos tectos,

urgentes neste caso, realizaram-se antes de qualquer outro trabalho. O objectivo foi

salvaguardar toda a situação existente, enquadrando-a na lógica global da intervenção.

Neste sentido, foram substituídos os elementos de madeira apodrecidos,

nomeadamente com função estrutural e fasquiados. Posteriormente, foi executado o

preenchimento das lacunas no revestimento e na ornamentação, com recurso a cópias dos

ornatos existentes.

Os elementos decorativos que se apresentavam instáveis foram objecto de duas

operações: em suportes de madeira não apodrecidos, procedeu-se à sua fixação com

linhadas de gesso, solução totalmente compatível com as situações pré-existentes; em

suportes apodrecidos, foram removidos e reaplicados, após a sua substituição.

Após as necessárias operações de estabilização de ornatos, procedeu-se, por meio de

aspiração, à limpeza do extradorso do tecto e à desinfestação dos suportes.

Page 190: Reabilitação de estuques antigos

PALÁCIO DO FREIXO: ESTUDO DE CASO CAPÍTULO 6

174 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

Remoção de argamassas incompatíveis

Em determinados locais, observava-se a existência de argamassas incompatíveis,

aplicadas em operações de reabilitação datadas do século XX, compostas de ligante

hidráulico que, como foi referido, foram responsáveis pela perda de coesão nas zonas de

estuque adjacentes a essas argamassas.

A sua remoção foi limitada ao estritamente necessário, por forma a não provocar

danos nas áreas adjacentes. As lacunas resultantes foram preenchidas com argamassas de

composição idêntica às pré-existentes.

Reintegração de elementos decorativos

A reintegração dos elementos decorativos dos tectos processou-se após a sua

estabilização, execução dos fasquiados e consolidação das paredes. Apenas com estas

condições asseguradas, foi possível iniciar as fases de acabamento, com vista à reposição

da globalidade decorativa dos estuques.

Nestas fases, está envolvido um conjunto de tarefas tendo em vista a reprodução de

elementos decorativos existentes, para reaplicação e preenchimento das lacunas,

nomeadamente sancas, frisos e ornatos.

Esta reprodução efectuou-se apenas nas situações que permitiam um conhecimento

global do conjunto, sem entrar em conjecturas sobre as características de determinado

elemento, na falta de informação sobre o mesmo.

Assim, todas as lacunas reintegradas se encontravam inseridas em composições

simétricas ou modulares, permitindo a reposição da composição decorativa.

As operações de reintegração de elementos, no caso dos ornatos, efectuaram-se por

meio de cópias dos existentes, segundo o processo de fusão; o perfil das sancas foi

reproduzido em moldes, a partir de troços existentes, enquanto que as lacunas em

superfícies lisas foram preenchidas com pasta de estuque.

44 Apenas a médio prazo poderá ser constatável se a opção por um consolidante desta natureza foi a correcta, ao nível da compatibilidade com os materiais tradicionais existentes, principalmente no que respeita ao comportamento perante o vapor de água e como se processa o envelhecimento. No primeiro caso, existe o risco de surgirem anomalias associadas à diferente impermeabilidade das zonas tratadas, no segundo, podem surgir colorações diferenciadas entre o local de aplicação da resina e o restante.

Page 191: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 6 PALÁCIO DO FREIXO: ESTUDO DE CASO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 175

As argamassas utilizadas nas reintegrações eram de composição idêntica às

tradicionais, assegurando assim a compatibilidade com as pré-existências.

Limpeza de superfícies

As operações de limpeza das superfícies consistiram na remoção de diversos tipos de

sujidade devida à presença de sais depositados pela água e à acumulação de poeira. Estas

operações foram efectuadas por processos mecânicos delicados e por via química,

designadamente com recurso a solventes. Todos os materiais aplicados e respectivas

técnicas foram sujeitos a testes de compatibilidade com as pré-existências, antes de se

proceder à aplicação definitiva.

Reabilitação de pinturas

A reabilitação de pinturas foi a última operação realizada, somente quando estavam

criadas as condições necessárias. Em cada intervenção, procedeu-se à análise das

condições das camadas pictóricas.

A inspecção foi efectuada com recurso à abertura de janelas nas camadas de pintura,

de modo a observar as condições iniciais, nomeadamente o tipo de pigmentos utilizados, as

condições de fixação e o tipo de operações de reabilitação a efectuar.

Considerações

A concretização do conjunto das intervenções de reabilitação no Palácio do Freixo,

observou os princípios da intervenção em edifícios históricos, estabelecidos

internacionalmente na Carta de Cracóvia, e foram observados os parâmetros técnicos e

científicos constantes da literatura ocidental.

No entanto, os resultados de algumas intervenções, nomeadamente aquelas que

recorreram a resinas acrílicas, apenas podem ser avaliados com rigor, a médio prazo,

devido à diferente impermeabilidade e ao risco de envelhecimento diferenciado entre a

zona intervencionada e a restante. Este aspecto, porém, é comum à grande maioria dos

trabalhos de reabilitação que têm sido efectuados na Europa, onde os materiais poliméricos

são adoptados com frequência, como se já existisse um pleno conhecimento do seu

comportamento.

Page 192: Reabilitação de estuques antigos

PALÁCIO DO FREIXO: ESTUDO DE CASO CAPÍTULO 6

176 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

6.4. Fichas para registo das anomalias e da reabilitação

Com o objectivo de permitir o registo e a sistematização da informação descrita neste

capítulo foi preparado um modelo de ficha, que se encontra organizado em três secções,

cada uma com função determinada, conforme indicado:

a) caracterização da anomalia;

b) levantamento e inspecção;

c) reabilitação.

A primeira secção destina-se a caracterizar a anomalia. A segunda incide no

levantamento e nas acções de inspecção a efectuar para obter um conhecimento exaustivo

das suas condições reais e destina-se a assinalar o conjunto de princípios a observar. A

terceira secção destina-se a caracterizar o modo de actuação nas acções de reabilitação.

Na primeira secção, registam-se as informações relativas ao estado geral de

conservação de todos os elementos do sistema; nela se descreve, de modo sucinto, a

anomalia em análise, com referência aos dados mais importantes. Essa informação deve

permitir a definição objectiva da estratégia de inspecção e, posteriormente, de reabilitação.

O primeiro contacto visual com a ficha efectua-se através de uma fotografia (canto

superior esquerdo), na continuação da lógica referida no capítulo 4, sobre o levantamento e

análise das anomalias, onde se referiu que o processo deve iniciar-se pelo registo

fotográfico exaustivo da situação.

Nesta secção, devem registar-se todos os factores que caracterizam a natureza da

anomalia, os seus efeitos, os elementos afectados, a sua posição, as causas e, ainda, uma

previsão do potencial desenvolvimento dos danos.

Na segunda secção, registam-se os aspectos a considerar nas operações de

levantamento e inspecção, designadamente os principais elementos e características a

inspeccionar e os factores que devem ser sujeitos a observação e análise rigorosas, como

sejam a localização e extensão das áreas em destaque ou fissuradas, os locais onde existam

sais e colonizações biológicas, bem como as condições das pinturas. No caso dos tectos,

devem mencionar-se sempre as condições do fasquiado, das plaster keys e dos elementos

de suporte.

Page 193: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 6 PALÁCIO DO FREIXO: ESTUDO DE CASO

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 177

No que respeita ao desenho e composição dos elementos decorativos, deve

caracterizar-se a sua geometria (parede ou tecto), de modo a determinar a lógica

compositiva e a existência de elementos repetidos, com possibilidade de serem copiados.

Nesta secção, deve ainda assinalar-se a existência de quaisquer áreas ou aspectos

ocultos, apenas com possibilidade de serem inspeccionados durante a execução das obras,

por envolverem a remoção de determinados elementos construtivos.

Na terceira secção, assinalam-se as acções de reabilitação, nomeadamente aquelas que

se destinam a efectuar a protecção imediata da situação e o modo de actuação mais

adequado à correcção da anomalia, segundo a prioridade das diversas acções.

Com este capítulo, apresentou-se um caso de estudo, no qual se efectuou uma síntese

de parte da informação constante nos diversos capítulos desta investigação,

designadamente o contexto histórico, a descrição das anomalias e a análise dos processos

de reabilitação.

Como informação complementar, apresentam-se em anexo 10 fichas de caracterização

e reabilitação de 10 anomalias existentes no edifício, que registam as acções de

levantamento e inspecção, adequadas a cada situação e as estratégias de reabilitação

recomendadas. Pretende-se, com estas fichas, sintetizar informação genérica constante dos

capítulos 3, 4 e 5, aplicada a um caso concreto.

Page 194: Reabilitação de estuques antigos
Page 195: Reabilitação de estuques antigos

7. CONCLUSÕES

7.1. Considerações finais

A história do estuque decorativo nos edifícios portugueses apresenta uma situação

paradoxal. Foi utilizado como decoração de excelência, por determinados sectores da

sociedade e foi, por outros, classificado como uma decoração decadente e alheia aos

valores da cultura portuguesa.

Os detractores “venceram” o confronto e essa posição originou o desinteresse por esta

decoração, contribuindo, em parte, para a degradação e perda de estuques de elevado valor

artístico, principalmente, em edifícios datados dos séculos XVIII e XIX, inclusive em

edifícios públicos.

Este contexto originou a ausência de estudos de investigação sobre os estuques,

fomentou o desinteresse dos responsáveis pela gestão do património e, desde essa data,

contribuiu para a existência de avaliações subjectivas, independentes do valor artístico das

decorações.

Devido àquele facto, a recente reabilitação de estuques antigos, em Portugal, tem-se

processado de forma conjuntural, sem o enquadramento de princípios orientadores bem

definidos e sem preocupações objectivas sobre o desenvolvimento dos trabalhos, salvo

nalgumas excepções, como é o caso da reabilitação do Palácio do Freixo e de outras

intervenções menos divulgadas.

Neste estudo, identificaram-se os aspectos que contribuem para colmatar algumas

lacunas do conhecimento, com importância na reabilitação de estuques antigos, permitindo

aprofundar o conhecimento aos seguintes níveis:

⋅ enquadramento histórico;

⋅ causas responsáveis pela degradação;

⋅ metodologia de intervenção; e

⋅ técnicas de intervenção, desde a limpeza à intervenção em tectos.

Page 196: Reabilitação de estuques antigos

CONCLUSÕES CAPÍTULO 7

180 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

No que respeita às anomalias, conclui-se terem origem em diversos factores mas,

principalmente, na presença da água. Esta é tanto mais potenciada quanto mais expressivo

for o abandono dos edifícios, com a consequente destruição de coberturas, vãos e outros

elementos da envolvente.

O estudo dos trabalhos de reabilitação permite concluir que é fundamental o

estabelecimento prévio de uma rigorosa metodologia de intervenção, estruturada num

conjunto de acções sequenciais de cumprimento obrigatório, sob pena de se perder o

controlo sobre as acções a desenvolver e respectivos custos.

Em Portugal, em obras de reabilitação correntes, verifica-se, contudo, uma alarmante

falta de investimento nesta fase inicial. Esta situação deve-se, por um lado, ao

desconhecimento técnico e, por outro, à necessidade ou vontade de executar os trabalhos

de forma rápida e com um custo inicial mais baixo. É, assim, necessário que os

profissionais da gestão do património contrariem esta tendência, informando os decisores

sobre a forma de executar correctamente os trabalhos de reabilitação.

No caso da reabilitação de obras públicas e de edifícios classificados, talvez seja

necessário criar mecanismos de âmbito legal que exijam o cumprimento de fases de

intervenção específicas. Neste cenário, o levantamento e inspecção constituir-se-iam como

uma fase de cumprimento obrigatório, com recursos financeiros exclusivamente destinados

a esse fim.

Um aspecto importante, no âmbito da inspecção, consiste na necessidade de elaborar

um plano de manutenção que determine as acções a efectuar, perante as situações

identificadas, independentemente do prazo de execução dos trabalhos de reabilitação.

Outro documento essencial é o projecto de restauro, no qual, em teoria, todos os

factores estão controlados e parametrizados. Todavia, os estudos efectuados em torno da

reabilitação de edifícios antigos comprovam que uma intervenção desta natureza é, sempre,

um trabalho experimental, sujeito a confirmação em cada momento da execução.

O estudo das técnicas de intervenção permite concluir que a complexidade dos

trabalhos exige uma coordenação altamente especializada, com necessidade de um

conhecimento para além das técnicas de recuperação do estuque e reprodução de elementos

decorativos.

Page 197: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 7 CONCLUSÕES

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 181

Essa coordenação deve ser exercida por profissionais com conhecimento de técnicas

antigas de execução, de princípios de química, com capacidade de observação das

situações e de actualização sobre novas técnicas e produtos. Quanto à execução das

operações, é necessária mão-de-obra experiente ou que trabalhe sob a supervisão de

profissionais experientes.

7.2. Conclusões gerais

A reabilitação de estuques justifica-se apenas quando conjugada com a reabilitação de

edifícios antigos, no seu todo. Assim, é necessário um aprofundamento de conhecimentos

em três áreas distintas, indissociáveis, mas com um papel específico na sua revalorização.

Em primeiro lugar, ao nível histórico-artístico; em segundo, sobre os métodos e técnicas de

reabilitação, enquadradas pelas anomalias correntes; e, em terceiro, no âmbito da economia

da construção, especificamente sobre os custos da reabilitação.

A presente investigação cumpre, assim, os objectivos definidos inicialmente,

designadamente a contribuição para a revalorização do estuque, para o conhecimento da

sua evolução e da sua reabilitação, enquadrada, por um lado, pela actuação nas fases

prévias e, por outro, pelas técnicas de intervenção. No entanto, é em torno destes dois

aspectos, do âmbito da reabilitação, que se situa o objectivo principal.

Em futuros desenvolvimentos, considera-se que devem ser estudados os custos da

reabilitação, nomeadamente para comprovar a rentabilidade deste investimento, quando

comparado com a execução de novas soluções e para avaliar as possibilidades de

optimização de custos através de um planeamento correcto.

Contributo para a revalorização estética e técnica

O contributo para a revalorização do estuque antigo obtém-se através da sensibilização

das pessoas, para que olhem para este revestimento e ornamentação, de forma diferente.

Segundo Feilden, (1982/2003), um edifício que resistiu à passagem de um século, tem

uma grande probabilidade de ser considerado histórico. Os edifícios dos séculos XVI a

XIX estão já nessa condição, contribuindo este estatuto, para que as novas gerações tentem

conhecer o contexto cultural que os produziu.

Page 198: Reabilitação de estuques antigos

CONCLUSÕES CAPÍTULO 7

182 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

Nesta matéria, a presente dissertação permite a sistematização de diversos aspectos

relativos ao papel do estuque nas construções. No entanto, é apenas um contributo e não

uma investigação centrada na área histórico-artística, sendo ainda necessária a

inventariação dos estuques existentes.

Essa inventariação permitirá a classificação por correntes artísticas, épocas,

influências, temas, etc., contribuindo para acabar com uma certa indefinição da

importância deste património.

A redescoberta do estuque desempenha um papel importante na salvaguarda de uma

grande quantidade de exemplos, sem a qual podem ser irremediavelmente perdidos. Esses

estuques localizam-se, predominantemente, nas cidades de Lisboa e Porto, embora existam

em menor quantidade dispersos pelo território português e, ainda, em locais de emigração

portuguesa, estes quase desconhecidos.

A valorização ocorre, também, através do conhecimento das técnicas de execução

tradicionais, nomeadamente daquelas que são pouco conhecidas, caso das escaiolas ou

marmoreados, das técnicas de execução sem recurso a moldes, das técnicas de aplicação de

policromias e outras, devendo estas matérias ser objecto de estudos posteriores.

Evolução do estuque em Portugal

A sistematização da evolução do estuque em Portugal, tanto ao nível histórico como

técnico, é um dos objectivos deste trabalho. Investigou-se a evolução dos estuques

portugueses, referindo as etapas que contribuíram para o seu desenvolvimento e declínio.

O estuque decorativo foi enquadrado em diferentes períodos e contextos sociais, por

ordem cronológica, analisando-se sucintamente algumas técnicas antigas. Pôde, assim,

concluir-se que, em determinadas situações, houve mesmo um retrocesso a nível técnico,

exceptuando a recente pesquisa de novas composições e aditivos usados em estuques

industriais.

Compreenderam-se as razões do declínio, durante a segunda metade do século XIX e

início do XX, devido aos sectores intelectuais que, por motivos sócio-políticos,

nomeadamente a reacção ao absolutismo setecentista e a oposição ao gosto da burguesia

Page 199: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 7 CONCLUSÕES

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 183

recém-deslumbrada com a decoração, iniciaram um processo de recusa do estuque

decorativo.

Procedimentos iniciais e técnicas de reabilitação

No âmbito da conservação e reabilitação dos estuques, os principais objectivos desta

investigação consistiam na análise dos processos iniciais e na investigação dos métodos e

técnicas de reabilitação.

Da análise dos procedimentos prévios aos trabalhos de reabilitação, conclui-se que o

levantamento e inspecção do edifício são fundamentais, porque informam os diversos

intervenientes sobre o contexto geral, condicionantes e anomalias existentes. É ainda

necessária a avaliação das causas das anomalias, antes do estabelecimento de quaisquer

estratégias de intervenção.

O projecto de restauro é uma peça essencial, enquanto documento regulador e

prescritor, no controlo das fases e processos de intervenção na reabilitação, devendo

sistematizar aquelas estratégias. É um documento enquadrado pelos resultados da

inspecção, devendo registar todas as opções da reabilitação, nomeadamente as zonas de

intervenção, as soluções implementadas, o modo de execução dos trabalhos, a sua

quantificação e os custos.

Sobre a conservação e reabilitação de estuques, conclui-se que devem ser efectuadas

de acordo com um faseamento pré-estabelecido, recorrendo a técnicas e materiais de

comportamento conhecido, ao nível da compatibilidade com as pré-existências. Assim,

pode evitar-se a ocorrência de erros de execução devidos, por um lado, à adopção de

soluções inadequadas e, por outro, ao conhecimento limitado das antigas técnicas de

execução.

Neste sentido, conclui-se que o estudo das técnicas do passado e a sua catalogação é

essencial para transmissão às novas gerações de estucadores e restauradores, devendo as

escolas de reabilitação do património assumir o papel da formação e divulgação.

Finalmente, sobre a instalação de novas infra-estruturas, conclui-se que o estudo da

sua instalação em espaços ornamentados por estuques antigos é um aspecto pertinente em

matéria de reabilitação. No entanto, a adaptação aos espaços e decorações existentes é

Page 200: Reabilitação de estuques antigos

CONCLUSÕES CAPÍTULO 7

184 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

quase sempre esquecida, por presidirem à sua instalação apenas factores de carácter

tecnológico, esquecendo, em absoluto, princípios essenciais da conservação do património

e o próprio valor artístico desses locais.

7.3. Propostas de desenvolvimento futuro

Espera-se que este estudo seja um contributo para o desenvolvimento de estudos

subsequentes, ao nível dos aspectos histórico-artísticos, das anomalias em elementos

estucados e em edifícios antigos, do desenvolvimento de estratégias para elaboração de

projectos de restauro e, também, do aprofundamento dos próprios processos de

conservação e reabilitação.

A escassa informação sobre estuques antigos e, em particular, sobre a sua reabilitação,

é responsável pelo esquecimento a que têm sido votados. Assim, é necessário, por um lado,

prosseguir com estudos destinados a colmatar essas lacunas e, por outro, estudar

exaustivamente a situação portuguesa ao nível das influências, assinalando-se, em seguida,

os possíveis projectos de desenvolvimento futuro:

⋅ investigação histórico-artística e respectiva classificação;

⋅ processos de inspecção de anomalias em estuques antigos;

⋅ normas para elaboração do projecto de restauro;

⋅ aplicação de técnicas tradicionais ou contemporâneas, à reabilitação de estuques

antigos; e

⋅ estudo de âmbito económico para determinação e optimização de custos da

reabilitação.

No que respeita à investigação histórico-artística, devido ao número reduzido de

estudos desta natureza existentes em Portugal, donde se destacam os artigos de

Vasconcelos (1961, 1966, 1991, 1998), deve a investigação incidir em aspectos

morfológico-decorativos e nas técnicas de execução dos estuques antigos.

Neste âmbito, é necessário conhecer as principais obras em cada época, bem como a

respectiva derivação de cada contexto social. Paralelamente, deve efectuar-se o estudo do

papel dos diferentes profissionais, enquadrando a sua actividade ao longo das diferentes

Page 201: Reabilitação de estuques antigos

CAPÍTULO 7 CONCLUSÕES

REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS 185

épocas, referindo a influência de outros contextos para além do trabalho de estuque na

actividade do estucador.

Outra das possibilidades de investigação sobre o mesmo tema, mas no campo das

técnicas, é a realização de um estudo comparativo da literatura técnica de vários países

europeus, publicada até à actualidade, ainda que com o objectivo de traduzir para a língua

portuguesa documentos essenciais.

No âmbito da investigação em torno dos processos de inspecção de edifícios antigos e

análise de situações já realizadas, é necessário aprofundar o conhecimento sobre:

estratégias de inspecção, aspectos críticos a observar, equipamentos a utilizar e

determinação de custos das acções de inspecção.

No que respeita ao projecto de restauro, o seu estudo deve incidir, em primeiro lugar,

no modo de elaboração, em função do conteúdo do relatório da inspecção; em segundo, na

informação que deve constar nas peças desenhadas, definindo inclusivamente o modo de

organização e apresentação da informação; e, em terceiro, na descrição, identificação e

quantificação dos trabalhos, tanto nas cláusulas técnicas especiais, como nos mapas de

quantidades, respectivamente.

No âmbito da experimentação das técnicas de reabilitação, quer com recurso a

soluções tradicionais, quer a novos materiais, devem efectuar-se ensaios de comportamento

com vista à quantificação de parâmetros físicos e químicos de alteração das condições

iniciais, bem como a avaliação da compatibilidade entre materiais existentes e novos, por

forma a evitar intervenções danosas para os estuques existentes.

Finalmente, no âmbito da economia da construção, é necessário estudar o modo mais

adequado para determinar os custos da reabilitação de estuques, enquadrando-o numa

perspectiva mais alargada dos edifícios antigos. Deve analisar-se, particularmente, o modo

de quantificação de aspectos não totalmente previstos e a aplicação de coeficientes de

majoração a situações imprevistas, frequentes nos trabalhos de reabilitação.

Page 202: Reabilitação de estuques antigos
Page 203: Reabilitação de estuques antigos

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(45) PORTARIA de 7 de Fevereiro de 1972, publicada no Suplemento ao Diário do Governo, n.º 35, 2.ª série, de 11 de Fevereiro de 1972.

(46) QUINTEIRO ALONSO, José Antonio – Obtención de réplicas por medio de moldes flexibiles: silicona bicomponente. Restauracion & Rehabilitacion. Madrid. ISSN 1174-4571. 64 (Mai. 2002) 68-73.

(47) RIBEIRO, Paulo Alexandre Pereira Malta da Silveira - Estuques antigos: caracterização construtiva e análise patológica. Lisboa: [s.n.], 2000. 177 p. Dissertação do 8.º Mestrado em Construção, apresentado no Instituto Superior Técnico da Universidade Técnica de Lisboa.

(48) RODRIGUES, Jorge – A DGEMN e o restauro dos monumentos medievais durante o Estado Novo. In Caminhos do Património. Lisboa: DGEMN; Livros Horizonte, 1999. ISBN 972-97638-2-8. p. 69-83.

(49) RODRIGUES, Maria João Madeira; SOUSA, Pedro Fialho de; BONIFÁCIO, Horácio Manuel Pereira – Vocabulário técnico e crítico de Arquitectura. 3.ª ed. [S.l.]. Quimera Editores, 2002 (imp. G.C – Gráfica de Coimbra, Lda.). 291 p. ISBN 972-589-072-8.

Page 207: Reabilitação de estuques antigos

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(58) VASCONCELOS, Flórido de – Estuques decorativos do Norte de Portugal. Porto: Centro Regional de Artes Tradicionais, 1991. 70 p. Catálogo da exposição de fotografias.

(59) VASCONCELOS, Flórido de – O estuque, decoração privilegiada do Barroco. In Actas do I Congresso Internacional do Barroco, 1, Porto, 1991. Porto: Reitoria da Universidade e Governo Civil, 1991.

(60) VASCONCELOS, Flórido de – Os estuques do Porto. Porto. Câmara Municipal do Porto, 1997. Colecção Porto Património. ISSN 0873-9110.

(61) VASCONCELOS, Flórido de - Três estuques anteriores ao Barroco. Museu. 2.ª Série. Porto. 3 (Dez. 1961) 37-44.

(62) VEIGA, Maria do Rosário; AGUIAR, José – Definição de estratégias de intervenção em revestimentos de edifícios antigos. Proceedings do 1.º Encontro Nacional sobre Patologia e Reabilitação de edifícios. Porto: Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, 2003.

Page 208: Reabilitação de estuques antigos

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192 REABILITAÇÃO DE ESTUQUES ANTIGOS

(63) VEIGA, Maria do Rosário; CARVALHO Fernanda – Argamassas de reboco para paredes de edifícios antigos: requisitos e características a respeitar. In Revestimentos de paredes em edifícios antigos. Lisboa: Laboratório Nacional de Engenharia Civil, 2002. Cadernos edifícios; n.º 2. ISBN 972-49-1929-3. p. 39-55.

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Page 209: Reabilitação de estuques antigos

ANEXOS

FICHAS DE CARACTERIZAÇÃO E REABILITAÇÃO DE ANOMALIAS

Page 210: Reabilitação de estuques antigos
Page 211: Reabilitação de estuques antigos

ANEXOS

ANOMALIA E REABILITAÇÃO: FICHA DE CARACTERIZAÇÃO 1 1. CARACTERIZAÇÃO DA ANOMALIA 2. LEVANTAMENTO E INSPECÇÃO

2.1. LEVANTAMENTO ⋅ Identificação de eixos de simetria para reintegração do

tecto e análise de elementos decorativos repetidos. ⋅ Existência de ornatos reprodutíveis. ⋅ Desenho de sancas para preenchimento de lacunas.

2.2. INSPECÇÃO ELEMENTOS VISÍVEIS ⋅ Locais de entrada de água. ⋅ Condições de fixação do estuque ao suporte (som oco)

em todo o tecto. ⋅ Coesão das diferentes camadas do estuque. ⋅ Condições de fixação das pinturas. ⋅ Ensaio in loco do comportamento da pintura aos agentes

de limpeza. ELEMENTOS OCULTOS ⋅ Verificação das condições de fixação do emboço ao

fasquiado (estado das plaster keys). ⋅ Verificação dos elementos estruturais de madeira.

1.1. ELEMENTO AFECTADO Tecto 2.3. CARACTERÍSTICAS FORMAIS DO ELEMENTO ⋅ Tecto de planta rectangular, de composição simétrica

segundo dois eixos principais – transversal e longitudinal – que se cruzam no centro.

⋅ Superfície plana na zona central, com transição curva para as paredes.

Planta Corte 3. REABILITAÇÃO 3.1. ACTUAÇÃO URGENTE 1. Paragem do acesso de água – reparação da cobertura. 2. Fixação de elementos decorativos instáveis a suportes

em boas condições e remoção dos que indiciam queda iminente.

3. Desinfestação dos suportes e limpeza do extradorso do tecto.

3.2. REABILITAÇÃO DO SISTEMA ESTUQUE / SUPORTE

1.2. DESCRIÇÃO Lacunas de grande dimensão, junto às paredes, verificando-se o estado de ruína muito avançado, com perda total do suporte.

1.3. COMPONENTES DO SISTEMA AFECTADOS ⋅ Suporte: Estrutura e fasquiado – apodrecimento de

todos os elementos de madeira. ⋅ Estuque: separação entre camadas e entre o fasquiado e

o estuque. ⋅ Decoração: perda de ornatos, sancas e superfícies. ⋅ Pinturas: alteração das policromias nas superfícies

ainda existentes.

1.4. CAUSAS PROVÁVEIS ⋅ Causa principal: Entrada de água através da cobertura

durante um longo período. ⋅ Origem: degradação dos elementos de revestimento da

cobertura em resultado do abandono a que o edifício esteve sujeito.

1.5. CONSEQUÊNCIAS ⋅ Separação entre o estuque e a base com início nos

locais onde ocorreu uma maior acumulação de água, devido ao apodrecimento das madeiras e da perda de coesão das camadas do estuque.

⋅ Apodrecimento dos elementos de madeira, devido ao desenvolvimento de fungos e bolores.

⋅ Desprendimento dos estuques por acção da gravidade. ⋅ Degradação das policromias, devido ao

desenvolvimento de fungos, à presença de sais e de outras substâncias arrastadas até à superfície.

4. Substituição dos elementos estruturais apodrecidos; 5. Substituição dos fasquiados apodrecidos e execução

das parcelas em falta; 6. Estabilização da ligação do estuque ao fasquiado com

recurso a linhadas de gesso; 7. Reprodução de ornatos e dos perfis das sancas; 8. Execução de sancas; 9. Execução do estuque nas lacunas; 10. Aplicação de ornatos; 11. Execução das pinturas.

Page 212: Reabilitação de estuques antigos

ANEXOS

ANOMALIA E REABILITAÇÃO: FICHA DE CARACTERIZAÇÃO 2 1. CARACTERIZAÇÃO DA ANOMALIA 2. LEVANTAMENTO E INSPECÇÃO

2.1. LEVANTAMENTO ⋅ Identificação de eixos de simetria para reintegração do

tecto e análise de elementos decorativos repetidos. ⋅ Existência de ornatos reprodutíveis. ⋅ Desenho de sancas para reprodução em lacunas. ⋅ Análise dos motivos e composições pintados.

2.2. INSPECÇÃO ELEMENTOS VISÍVEIS ⋅ Locais de entrada de água. ⋅ Condições de fixação do estuque ao suporte (som oco)

em todo o tecto. ⋅ Coesão das diferentes camadas do estuque. ⋅ Condições de fixação das pinturas. ⋅ Ensaio in loco do comportamento da pintura aos agentes

de limpeza. ELEMENTOS OCULTOS ⋅ Verificação das condições de fixação do emboço ao

fasquiado (estado das plaster keys), nas zonas restantes. ⋅ Verificação dos elementos estruturais de madeira.

1.1. ELEMENTO AFECTADO Tecto 2.3. CARACTERÍSTICAS FORMAIS DO ELEMENTO ⋅ Tecto de planta longitudinal com topos semi-circulares,

de composição simétrica segundo dois eixos principais – transversal e longitudinal – que se cruzam no centro.

⋅ Superfície abobadada em todo o tecto, intersectando-se com laternim.

Planta Corte 3. REABILITAÇÃO 3.1. ACTUAÇÃO URGENTE 1. Paragem do acesso de água – reparação da cobertura. 2. Fixação de elementos decorativos instáveis a suportes

em boas condições e remoção dos que indiciam queda iminente.

3. Desinfestação dos suportes e limpeza do extradorso do tecto.

3.2. REABILITAÇÃO DO SISTEMA ESTUQUE / SUPORTE

1.2. DESCRIÇÃO Lacunas em grandes áreas do tecto, junto a lanternim, existindo apenas os elementos estruturais que configuram o tecto.

1.3. COMPONENTES DO SISTEMA AFECTADOS ⋅ Suporte: estrutura e fasquiado – inexistência de

fasquiados e provável apodrecimento dos elementos estruturais de madeira.

⋅ Estuque: existe apenas onde o fasquiado se manteve, permitindo observar as policromias e as pinturas.

⋅ Decoração: perda de ornatos, faixas, sancas e superfícies pintadas.

⋅ Pinturas: alteração das policromias nas poucas superfícies ainda existentes.

1.4. CAUSAS PROVÁVEIS ⋅ Causa principal: entrada de água através do lanternim,

durante um longo período. ⋅ Origem: destruição do lanternim e degradação dos

elementos de revestimento da cobertura em resultado do abandono a que o edifício esteve sujeito.

1.5. CONSEQUÊNCIAS ⋅ Perda total de grandes áreas do tecto (fasquiados

inexistentes), principalmente em torno do lanternim, devido ao apodrecimento dos elementos de madeira, em resultado do desenvolvimento de fungos e bolores.

⋅ Desprendimento do tecto (fasquiados e estuque) estuques por acção da gravidade.

⋅ Degradação das policromias, devido ao desenvolvimento de fungos, à presença de sais e de outras substâncias arrastadas até à superfície.

4. Substituição dos elementos estruturais apodrecidos; 5. Substituição dos fasquiados apodrecidos e execução

das parcelas em falta; 6. Estabilização da ligação do estuque ao fasquiado com

recurso a linhadas de gesso; 7. Reprodução de ornatos e dos perfis das sancas; 8. Execução de sancas; 9. Execução do estuque nas lacunas; 10. Aplicação de ornatos; 11. Execução das pinturas.

Page 213: Reabilitação de estuques antigos

ANEXOS

ANOMALIA E REABILITAÇÃO: FICHA DE CARACTERIZAÇÃO 3 1. CARACTERIZAÇÃO DA ANOMALIA 2. LEVANTAMENTO E INSPECÇÃO

2.1. LEVANTAMENTO

⋅ Desenho de faixas para preenchimento de lacunas.

2.2. INSPECÇÃO ELEMENTOS VISÍVEIS ⋅ Identificação dos locais de entrada de água. ⋅ Condições de fixação do estuque ao suporte (som oco)

em toda a parede. ⋅ Coesão das diferentes camadas. ELEMENTOS OCULTOS ⋅ Análise do grau de humidade das argamassas (de

preferência no Verão e no Inverno).

1.1. ELEMENTO AFECTADO Parede 2.3. CARACTERÍSTICAS FORMAIS DO ELEMENTO ⋅ Superfícies lisas em local de intersecção de abóbada de

nervuras, junto a vãos de janela.

Planta Corte

3. REABILITAÇÃO 3.1. ACTUAÇÃO URGENTE 1. Paragem do acesso de água – reparação da cobertura

ou actuação ao nível das fundações – trabalho de intervenção global;

3.2. REABILITAÇÃO DO SISTEMA ESTUQUE / SUPORTE

1.2. DESCRIÇÃO Delaminação do estuque em zonas elevadas do compartimento por falta de coesão das camadas inferiores.

1.3. COMPONENTES DO SISTEMA AFECTADOS ⋅ Suporte: existência de sais. ⋅ Estuque: perda de coesão das camadas inferiores e

delaminação das camadas. Observa-se a reparação anterior na área junto à nervura da abóbada e no local da actual lacuna.

1.4. CAUSAS PROVÁVEIS ⋅ Causa principal: cristalização de sais entre as camadas

do estuque em resultado da evaporação de água. ⋅ Origem: entrada de água pela cobertura.

1.5. CONSEQUÊNCIAS ⋅ Separação entre o estuque e a base e entre camadas. ⋅ Colapso de grandes extensões da camada de

acabamento.

2. Consolidação das superfícies através de injecção de resinas (desconhecimento do comportamento a médio prazo – ver ponto 5.4.2: consolidação);

3. Desinfestação e limpeza das superfícies; 4. Remoção das superfícies lisas; 5. Execução do estuque nas lacunas; 6. Execução das pinturas.

Page 214: Reabilitação de estuques antigos

ANEXOS

ANOMALIA E REABILITAÇÃO: FICHA DE CARACTERIZAÇÃO 4 1. CARACTERIZAÇÃO DA ANOMALIA 2. LEVANTAMENTO E INSPECÇÃO

2.1. LEVANTAMENTO

⋅ Desenho de faixa para preenchimento de lacunas.

2.2. INSPECÇÃO ELEMENTOS VISÍVEIS ⋅ Identificação dos locais de entrada de água. ⋅ Análise das zonas de transição seco / molhado. ⋅ Condições de fixação do estuque ao suporte (som oco)

em toda a parede. ⋅ Coesão das diferentes camadas. ELEMENTOS OCULTOS ⋅ Análise do grau de humidade das argamassas (de

preferência no Verão e no Inverno).

1.1. ELEMENTO AFECTADO Parede 2.3. CARACTERÍSTICAS FORMAIS DO ELEMENTO ⋅ Superfície lisa, envolvida por moldura.

3. REABILITAÇÃO 3.1. ACTUAÇÃO URGENTE 1. Paragem do acesso de água – reparação da cobertura

ou actuação ao nível das fundações – trabalho de intervenção global;

3.2. REABILITAÇÃO DO SISTEMA ESTUQUE / SUPORTE

1.2. DESCRIÇÃO Delaminação dos revestimentos junto a base de parede e falta de coesão das camadas inferiores.

1.3. COMPONENTES DO SISTEMA AFECTADOS ⋅ Suporte: existência de sais. ⋅ Estuque: perda de coesão das camadas inferiores e

delaminação da camada de acabamento.

1.4. CAUSAS PROVÁVEIS ⋅ Causa principal: cristalização de sais entre as camadas

do estuque em resultado da evaporação de água. ⋅ Origem: subida de água por capilaridade.

1.5. CONSEQUÊNCIAS ⋅ Separação entre o estuque e a base e entre camadas. ⋅ Colapso da camada de acabamento.

2. Consolidação das superfícies através de injecção de resinas (desconhecimento do comportamento a médio prazo – ver ponto 5.4.2: consolidação);

3. Desinfestação e limpeza das superfícies; 4. Execução do estuque nas lacunas; 5. Execução das pinturas.

Page 215: Reabilitação de estuques antigos

ANEXOS

ANOMALIA E REABILITAÇÃO: FICHA DE CARACTERIZAÇÃO 5 1. CARACTERIZAÇÃO DA ANOMALIA 2. LEVANTAMENTO E INSPECÇÃO

2.1. LEVANTAMENTO

⋅ Desenho da faixa envolvente. ⋅ Identificação de danos nos ornatos.

2.2. INSPECÇÃO ELEMENTOS VISÍVEIS ⋅ Identificação dos locais de entrada de água. ⋅ Análise das zonas de transição seco / molhado. ⋅ Condições de fixação do estuque ao suporte (som oco)

em toda a parede. ⋅ Coesão das diferentes camadas. ELEMENTOS OCULTOS ⋅ Análise do grau de humidade das argamassas (de

preferência no Verão e no Inverno).

1.1. ELEMENTO AFECTADO Parede 2.3. CARACTERÍSTICAS FORMAIS DO ELEMENTO ⋅ Painel rectangular com ornato central, envolvido por

faixa composta por ornatos modulares e filetes lisos.

3. REABILITAÇÃO 3.1. ACTUAÇÃO URGENTE 1. Paragem do acesso de água – reparação da cobertura

ou actuação ao nível das fundações – trabalho de intervenção global;

2. Remoção da argamassa de cimento. 3.2. REABILITAÇÃO DO SISTEMA ESTUQUE / SUPORTE

1.2. DESCRIÇÃO Restauro incorrecto: utilização de argamassa de cimento responsável por lacunas.

1.3. COMPONENTES DO SISTEMA AFECTADOS ⋅ Suporte: separação entre camadas. ⋅ Estuque: delaminação em toda a envolvente da

argamassa de cimento.

1.4. CAUSAS PROVÁVEIS ⋅ Causa principal: incompatibilidade com restauro

recente. ⋅ Origem: argamassa de hidraulicidade superior.

1.5. CONSEQUÊNCIAS ⋅ Separação da camada de estuque da argamassa de

cimento. ⋅ Degradação do estuque na zona de fronteira entre a

argamassa de cimento e a de cal, propiciando o acesso de água e sais às zonas até aí não afectadas.

3. Limpeza das superfícies; 4. Reprodução de ornatos e do perfil da faixa; 5. Execução da faixa e reparação dos ornatos; 6. Execução do estuque nas lacunas; 7. Execução das pinturas.

Page 216: Reabilitação de estuques antigos

ANEXOS

ANOMALIA E REABILITAÇÃO: FICHA DE CARACTERIZAÇÃO 6 1. CARACTERIZAÇÃO DA ANOMALIA 2. LEVANTAMENTO E INSPECÇÃO

2.1. LEVANTAMENTO

⋅ Determinação do diâmetro da secção do colunelo.

2.2. INSPECÇÃO ELEMENTOS VISÍVEIS ⋅ Caracterização da fissura – comprimento, largura,

profundidade; ⋅ Condições de fixação do estuque ao suporte (som oco)

em todo o colunelo.

ELEMENTOS OCULTOS ⋅ Caracterização construtiva do elemento fissurado.

1.1. ELEMENTO AFECTADO Parede / elemento decorativo 2.3. CARACTERÍSTICAS FORMAIS DO ELEMENTO ⋅ Colunelo de fuste cilíndrico aplicado sobre a parede –

eixo do cilindro fora do plano da parede, formando reentrância no tardoz.

3. REABILITAÇÃO 3.1. ACTUAÇÃO URGENTE

1. Estabilização dos elementos construtivos - trabalho de intervenção global.

3.2. REABILITAÇÃO DO SISTEMA ESTUQUE / SUPORTE

1.2. DESCRIÇÃO Fissuração vertical em fuste de colunelo.

1.3. COMPONENTES DO SISTEMA AFECTADOS ⋅ Suporte: fissura nos elementos construtivos de suporte

às camadas. ⋅ Estuque: fissuração das diversas camadas.

1.4. CAUSAS PROVÁVEIS ⋅ Causa principal: movimentos diferenciais dos

elementos construtivos. ⋅ Origem: assentamento diferencial

1.5. CONSEQUÊNCIAS ⋅ Aparecimento de fissuração.

2. Desinfestação e limpeza das superfícies; 3. Fecho da fissura; 4. Execução das pinturas.

Page 217: Reabilitação de estuques antigos

ANEXOS

ANOMALIA E REABILITAÇÃO: FICHA DE CARACTERIZAÇÃO 7 1. CARACTERIZAÇÃO DA ANOMALIA 2. LEVANTAMENTO E INSPECÇÃO

2.1. LEVANTAMENTO

⋅ Desenho dos elementos ⋅ Registo fotográfico

2.2. INSPECÇÃO ELEMENTOS VISÍVEIS ⋅ Identificação de eventuais entradas de água. ⋅ Condições de fixação do estuque e o suporte (som oco). ⋅ Coesão das camadas do estuque. ⋅ Inspecção da existência de eventuais policromias. ⋅ Condições das pinturas. ⋅ Ensaio in loco do comportamento do estuque aos agentes

de limpeza.

1.1. ELEMENTO AFECTADO Parede 2.3. CARACTERÍSTICAS FORMAIS DO ELEMENTO ⋅ Tecto de planta rectangular, de composição simétrica

segundo dois eixos principais – transversal e longitudinal – que se cruzam no centro.

⋅ Superfície plana na zona central, com transição curva para as paredes.

Planta Corte 3. REABILITAÇÃO 3.1. ACTUAÇÃO URGENTE 1. Paragem do acesso de água – reparação da cobertura;

3.2. REABILITAÇÃO DO SISTEMA ESTUQUE / SUPORTE

1.2. DESCRIÇÃO Existência de algas sobre elementos decorativos.

1.3. COMPONENTES DO SISTEMA AFECTADOS ⋅ Pinturas: alteração acentuada das policromias na

superfície. ⋅ Estuque: superfícies e porosidade do estuque afectada

pela existência das algas; eventual falta de coesão da camada de acabamento.

1.4. CAUSAS PROVÁVEIS ⋅ Causa principal: presença de água em permanência,

em ambiente bem iluminado. ⋅ Origem: degradação dos elementos de revestimento da

cobertura em resultado do abandono a que o edifício esteve sujeito.

1.5. CONSEQUÊNCIAS ⋅ Desenvolvimento de algas sobre as superfícies. ⋅ Degradação da cor das pinturas, possivelmente devido

à presença das algas, de sais e de ultravioletas. 2. Consolidação das superfícies; 3. Aplicação de substância fungicida; 4. Limpeza das superfícies; 5. Reparação de danos superficiais; 6. Polimento; 7. Execução das pinturas.

Page 218: Reabilitação de estuques antigos

ANEXOS

ANOMALIA E REABILITAÇÃO: FICHA DE CARACTERIZAÇÃO 8 1. CARACTERIZAÇÃO DA ANOMALIA 2. LEVANTAMENTO E INSPECÇÃO

2.1. LEVANTAMENTO ⋅ Identificação de eixos de simetria para reintegração do

tecto e análise de elementos decorativos repetidos. ⋅ Existência de ornatos reprodutíveis. ⋅ Desenho de sancas para preenchimento de lacunas.

2.2. INSPECÇÃO ELEMENTOS VISÍVEIS ⋅ Identificação dos locais de entrada de água. ⋅ Condições de fixação do estuque e o suporte (som oco). ⋅ Coesão das diferentes camadas do estuque e elementos

ornamentais. ⋅ Ensaio in loco do comportamento da pintura aos agentes

de limpeza.

1.1. ELEMENTO AFECTADO Parede 2.3. CARACTERÍSTICAS FORMAIS DO ELEMENTO ⋅ Painel rectangular com paisagem pintada envolvido por

faixa composta por ornatos modulares e filetes lisos.

3. REABILITAÇÃO 3.1. ACTUAÇÃO URGENTE 1. Paragem do acesso de água – reparação da cobertura;

3.2. REABILITAÇÃO DO SISTEMA ESTUQUE / SUPORTE

1.2. DESCRIÇÃO Lacunas em painel com imagem pintada. Delaminação de base pintada e perda de parte de faixa. Perda de coesão das camadas.

1.3. COMPONENTES DO SISTEMA AFECTADOS ⋅ Suporte: existência de sais. ⋅ Estuque: separação entre camadas e entre estas e o

suporte. ⋅ Decoração: perda de troços de faixa. ⋅ Pinturas: alteração das policromias na superfície.

1.4. CAUSAS PROVÁVEIS ⋅ Causa principal: Entrada de água através da cobertura

durante um longo período. ⋅ Origem: degradação dos elementos de revestimento da

cobertura em resultado do abandono a que o edifício esteve sujeito.

1.5. CONSEQUÊNCIAS ⋅ Separação entre as camadas de estuque e entre este e a

base, com início nos locais onde ocorreu uma maior acumulação de água – junto ao canto.

⋅ Perda de coesão das diversas camadas do estuque. ⋅ Degradação da cor das pinturas, possivelmente devido

à presença de sais e de outras substâncias, arrastadas até à superfície.

2. Consolidação das superfícies através de injecção de resinas (desconhecimento do comportamento a médio prazo – ver subcapítulo 5.4.2: Consolidação).

3. Desinfestação e limpeza das superfícies; 4. Reprodução de ornatos e dos perfis das faixas lisas; 5. Execução dos elementos lisos da faixa; 6. Execução do estuque nas lacunas; 7. Aplicação dos ornatos modulares; 8. Execução das pinturas.

Page 219: Reabilitação de estuques antigos

ANEXOS

ANOMALIA E REABILITAÇÃO: FICHA DE CARACTERIZAÇÃO 9 1. CARACTERIZAÇÃO DA ANOMALIA 2. LEVANTAMENTO E INSPECÇÃO

2.1. LEVANTAMENTO

⋅ Configuração e desenho da faixa envolvente.

2.2. INSPECÇÃO ELEMENTOS VISÍVEIS ⋅ Identificação de eventuais entradas de água. ⋅ Condições de fixação do estuque e o suporte (som oco). ⋅ Coesão das camadas do estuque. ⋅ Condições das pinturas. ⋅ Ensaio in loco do comportamento da pintura aos agentes

de limpeza.

1.1. ELEMENTO AFECTADO Parede 2.3. CARACTERÍSTICAS FORMAIS DO ELEMENTO ⋅ Painel com paisagem pintada sobre o estuque, envolvido

por faixa composta por ornatos modulares e filetes lisos. ⋅ Limite superior e inferior intersectado por circunferência

que repete a composição da moldura.

3. REABILITAÇÃO 3.1. ACTUAÇÃO URGENTE 1. Paragem do acesso de água – reparação da cobertura;

3.2. REABILITAÇÃO DO SISTEMA ESTUQUE / SUPORTE

1.2. DESCRIÇÃO Alteração cromática de pintura sobre estuque, apresentando descoloração.

1.3. COMPONENTES DO SISTEMA AFECTADOS ⋅ Pinturas: alteração das policromias na superfície.

1.4. CAUSAS PROVÁVEIS ⋅ Causa principal: deposição de sujidade e eventual

acção da radiação solar. ⋅ Origem: degradação dos elementos de revestimento da

cobertura em resultado do abandono a que o edifício esteve sujeito.

1.5. CONSEQUÊNCIAS ⋅ Degradação da cor das pinturas, possivelmente devido

à presença de sais e de outras substâncias, arrastadas até à superfície.

2. Consolidação das superfícies através de injecção de resinas (desconhecimento do comportamento a médio prazo – ver ponto 5.4.2: consolidação);

3. Desinfestação e limpeza das superfícies; 4. Execução das pinturas.

Page 220: Reabilitação de estuques antigos

ANEXOS

ANOMALIA E REABILITAÇÃO: FICHA DE CARACTERIZAÇÃO 10 1. CARACTERIZAÇÃO DA ANOMALIA 2. LEVANTAMENTO E INSPECÇÃO

2.1. LEVANTAMENTO

⋅ Pesquisa de documentação que contenha fotografias ou desenhos do elemento original.

2.2. INSPECÇÃO

⋅ Coesão das camadas do estuque. ⋅ Condições das pinturas. ⋅ Ensaio in loco do comportamento da pintura aos agentes

de limpeza.

1.1. ELEMENTO AFECTADO Figura 2.3. CARACTERÍSTICAS FORMAIS DO ELEMENTO

(Não aplicável por se tratar de uma escultura)

3. REABILITAÇÃO 3.1. ACTUAÇÃO URGENTE

(Não aplicável)

3.2. REABILITAÇÃO DO SISTEMA ESTUQUE / SUPORTE

1.2. DESCRIÇÃO Danos em elemento decorativo: mutilação de estátua.

1.3. COMPONENTES DO SISTEMA AFECTADOS ⋅ Decoração: perda irreversível de elementos.

1.4. CAUSAS PROVÁVEIS ⋅ Causa principal: vandalismo. ⋅ Origem: abandono do edifício.

1.5. CONSEQUÊNCIAS ⋅ Impossibilidade de reconstrução dos elementos em

falta, por não ser possível conhecer a peça no seu todo. 1. Caso seja possível conhecer os desenhos originais,

pode recorrer-se à reintegração do elemento; 2. Desinfestação e limpeza das superfícies; 3. Execução das pinturas.