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paginas.ufrgs.br/revistabemlegal REVISTA BEM LEGAL • Porto Alegre • v. 2 • nº 1 • 2012 3 (Re) Significando a aprendizagem da leitura na escola Como alfabetizar crianças que não estavam alfabetizadas numa turma de 3º ano do 1º ciclo do Ensino Fundamental? Este foi meu desafio no ano de 2010. E este texto pretende compartilhar algumas das reflexões sobre o trabalho desenvolvido. A turma A32 foi formada com alunos que ainda não estavam lendo ao final do 2º ano. Os alunos vieram de diferentes turmas, estavam em diferentes níveis e possuíam as mais diversas características. A turma foi nomeada como ‘diferenciada’, isto é, apesar de terem sido promovidos para uma turma de 3º ano, fariam um trabalho específico de alfabetização. Num mapeamento inicial pude constatar que eram crianças com muita energia, falantes, mas desinteressadas pelo universo escolar, que escondiam suas fragilidades (não leitura) através da negação a fazer as atividades, da agressividade, da morosidade na cópia e da ausência de vínculos com as aprendizagens formais. Além disso, ainda havia a presença de alunos com sérias dificuldades de aprendizagem. A primeira pergunta foi: como alfabetizar crianças que já estavam na escola há dois, três ou quatro anos sem terem conseguido avançar em suas construções de leitura e de escrita formal? Crianças que conheciam muito bem o fracasso escolar e que, em alguns momentos, diziam: “eu não sei ler, não sei como passei de ano”? Estava claro para mim que não resolveria dar “mais do mesmo” a elas. Insistir nas atividades formais de escola não faria com que elas aprendessem, mas então o que fazer? Parece-me que nós, professores, temos que trabalhar com alguns conceitos importantes: o desejo, a potência, a resiliência e o letramento. Descobrir como provocar o desejo pela aprendizagem da leitura e da escrita, pela aprendizagem formal/escolar; descobrir quais são as coisas que os alunos sabem que fazem bem, para potencializar as demais áreas, tirar um pouco o olhar sobre o que falta, sobre a carência, e fortalecer o que eles têm a oferecer. Tentar construir o ambiente da sala de aula como um outro lugar, um lugar onde, apesar da vida dura que enfrentam em seu

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paginas.ufrgs.br/revistabemlegal REVISTA BEM LEGAL • Porto Alegre • v. 2 • nº 1 • 2012 3

(Re) Significando a aprendizagem da leitura na escola

Como alfabetizar crianças que não estavam alfabetizadas numa turma de 3º

ano do 1º ciclo do Ensino Fundamental? Este foi meu desafio no ano de 2010. E este

texto pretende compartilhar algumas das reflexões sobre o trabalho desenvolvido.

A turma A32 foi formada com alunos que ainda não estavam lendo ao final

do 2º ano. Os alunos vieram de diferentes turmas, estavam em diferentes níveis e

possuíam as mais diversas características. A turma foi nomeada como ‘diferenciada’,

isto é, apesar de terem sido promovidos para uma turma de 3º ano, fariam um

trabalho específico de alfabetização. Num mapeamento inicial pude constatar que

eram crianças com muita energia, falantes, mas desinteressadas pelo universo escolar,

que escondiam suas fragilidades (não leitura) através da negação a fazer as atividades,

da agressividade, da morosidade na cópia e da ausência de vínculos com as

aprendizagens formais. Além disso, ainda havia a presença de alunos com sérias

dificuldades de aprendizagem.

A primeira pergunta foi: como alfabetizar crianças que já estavam na escola

há dois, três ou quatro anos sem terem conseguido avançar em suas construções de

leitura e de escrita formal? Crianças que conheciam muito bem o fracasso escolar e

que, em alguns momentos, diziam: “eu não sei ler, não sei como passei de ano”?

Estava claro para mim que não resolveria dar “mais do mesmo” a elas.

Insistir nas atividades formais de escola não faria com que elas aprendessem, mas

então o que fazer?

Parece-me que nós, professores, temos que trabalhar com alguns

conceitos importantes: o desejo, a potência, a resiliência e o letramento. Descobrir

como provocar o desejo pela aprendizagem da leitura e da escrita, pela aprendizagem

formal/escolar; descobrir quais são as coisas que os alunos sabem que fazem bem,

para potencializar as demais áreas, tirar um pouco o olhar sobre o que falta, sobre a

carência, e fortalecer o que eles têm a oferecer. Tentar construir o ambiente da sala de

aula como um outro lugar, um lugar onde, apesar da vida dura que enfrentam em seu

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dia a dia, os alunos podem ousar sonhar com um mundo melhor, em ser pessoas

melhores. É preciso tentar estabelecer práticas sociais reais em que a leitura e a escrita

se façam necessárias, em que a aprendizagem da leitura e da escrita se dê em

contextos reais e significativos; que não se ensine a ler e a escrever na perspectiva da

decodificação apenas e que o lúdico seja um ingrediente constitutivo da prática

escolar.

Elegi, então, algumas metas e tracei estratégias:

Metas Estratégias

Acolher os alunos vindos

de diferentes turmas com

diferentes características,

criando uma identidade

de grupo.

Uso de brincadeiras de socialização

→ Criação de um espaço do brinquedo livre (quebra-

cabeças, carrinhos, bonecas, jogos de trilhas, livros,

varetas, canetas para escreverem no quadro, etc) e da

pracinha.1

→ Construção de regras de convivência (retomando-

as sempre)

→ Criação de um ambiente em que todos pudessem

expor o que sabiam e o que não sabiam, o que pensavam,

como pensavam... Que soubessem que todos estavam ali

para aprender e seriam respeitados.

→ Atividades usando o nome deles, valorizando o

que cada um tem de bom, o que sabe fazer (ênfase na

potência e não na falta).

1 Instituindo momentos fixos para isso. Não o brincar se der tempo, mas incluir na rotina da sala de aula,

o tempo de brincar, alternando os jogos pedagógicos com o objetivo de ensinar os conteúdos do ano ciclo com os dos jogos e brinquedos livres para que construam outras aprendizagens igualmente importantes: aprender a brincar junto, a lidar com a perda, a autonomia, desenvolver o pensamento lógico-matemático e a linguagem oral, simbolizar suas vivências, etc.

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Desenvolver o desejo pela

leitura e pela escrita.

Desenvolver o vínculo

com

a aprendizagem formal,

pelas atividades escolares.

Criação de um ambiente rico em letramento – em

estímulos de leitura e escrita significativa

Construção de painéis com materiais produzidos pelos

alunos

Ler para os alunos e convocá-los à leitura em todas as

oportunidades que surgirem (leitura de bilhetes,

reportagens de jornais, cartazes na escola, etc)

Ida à biblioteca para leitura e empréstimo de livros

Elaboração de roteiros de leitura

Montagem do livro Alfabetário

Uso de jogos

Uso de diferentes recursos: retroprojetor, datashow,

figuras, rádio, microfone, fotos, blog...

Qualificar a leitura e a

escrita dos alunos.

→ Mapeamento dos conhecimentos construídos

pelos alunos (para poder fazer as intervenções corretas e

planejar ações concretas de leitura e escrita para eles)

→ Trabalho com letras, sílabas, frases e textos de

diferentes formas, sempre em contextos significativos de

aprendizagem.

→ Trabalho com as Parlendas

Optei por privilegiar, num primeiro momento, a leitura por tentar um caminho

diferente do que vinham fazendo até então com eles. A maior parte dos professores

enfatiza a escrita e meus alunos não tinham lembranças positivas com relação a isso.

A escrita esteve sempre presente, mas a ênfase foi dada à leitura. E, ao

final do ano, me encantavam suas leituras, suas atitudes perante todos os textos

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escritos que os rodeavam. Eles se colocavam como leitores ativos – nada passava

impune, e mesmo os que ainda não liam fluentemente, demonstravam a mesma

postura – a postura de quem se inquieta perante o texto escrito, que quer desvendar o

que está ali. Tornaram-se mais calmos e envolvidos nas atividades formais. Queriam

aprender o que lhes faltava.

Falando mais especificamente de algumas atividades

Destaco algumas práticas realizadas com a turma como elementos

importantes nessa construção e alcance das metas estabelecidas:

1. Roteiros de leitura: Aproveitar a literatura infantil como fonte

de material para as reflexões da construção da leitura e da

escrita é pensar previamente (planejar) as atividades que

podem ser feitas sem eliminar a

riqueza que toda história literária

traz em si.

É preciso, primeiro, respeitar o caráter formativo,

lúdico e simbólico do livro. Assim, o primeiro passo é escolher um bom livro de

literatura infantil – que seja adequado à faixa etária, que seja rico em

linguagem e significados/sentidos. Em seguida, devemos pensar como

será a contação da história – como iremos compartilhar esse momento

único que é a leitura do texto com as

crianças. Depois, pensar nas atividades

que explorem a linguagem e os

significados do texto, as emoções e pensamentos

evocados com a história trabalhada.

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Finalmente, elaborar atividades que sejam desencadeadas a partir da

leitura, que nos levem para onde a leitura nos despertou, nos incomodou, nos

implicou... depois disso tudo, podemos explorar tanto o portador do texto (para

mostrar uma das funções da escrita) como elementos apresentados na história para

destacarmos e trabalharmos em aula, em forma de jogo ou atividade de reflexão,

sobre a construção da escrita e da leitura. Assim, os roteiros elaborados tinham quatro

elementos: motivação, leitura, exploração e extrapolação.

Obs.: imagens do roteiro de leitura elaborado a partir do livro: A menina que tinha o

céu na boca.

2. Montagem do ALFABETÁRIO: O livro do alfabetário

surgiu da ideia de produzir um momento em que as

crianças pudessem pensar a escrita das palavras. Em anos

anteriores eu já havia produzido o alfabetário com escrita

de figuras, em outro ano com os textos do Batalhão das

letras do Mario Quintana. Dessa vez, escolhi os poemas do

José de Nicola (Alfabetário – Editora Moderna) para aliar a

escrita de palavras à leitura. Assim, todo dia, no início da

aula, os alunos recebiam uma poesia com uma letra do alfabeto. Deixava que eles a

lessem livremente. Eu ia passando de mesa em mesa, escutando a leitura, ajudando a

ler. No início, os alunos restringiam-se a pintar a letra do alfabeto que tinha no poema.

Com o passar do tempo, foram se dando conta que podiam tentar ler o que estava ali.

Após esse primeiro momento de contato com o texto, eu lia para eles o poema e

realizava uma leitura coletiva – eu ia lendo verso a verso e eles iam repetindo. Depois,

eu perguntava se alguém gostaria de ler para os demais o poema (pouco a pouco

foram se oferecendo mais e mais alunos). Em seguida, colávamos o poema em nosso

livro (um caderninho montado com folhas de ofício e uma capa em papel cartaz que foi

decorada pelos alunos com letras de revista). Então, os alunos iam sugerindo palavras

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iniciadas por aquela letra do alfabeto –

as desenhávamos e as escrevíamos (eu

ia perguntando como escrever, que letra

usar, ia fazendo o som, etc).

Após uma ida à biblioteca,

ao ouvir os alunos falando entre eles

que ‘era uma pena os livros terem as

letras que eles não liam’ me dei conta

que devia fazer um trabalho mais

efetivo com a letra script minúscula (até

então eu estava priorizando a letra bastão). Não bastava eu incentivar a leitura de

livros levando-os à biblioteca, lendo para eles, incentivando o contato com o livro se

eles não tinham a chave de decifração daquelas letras. Então, passei a trabalhar no

Alfabetário a escrita em letra script minúscula após a escrita da palavra com letra

bastão.

O trabalho com o alfabetário tornou-se interessante porque conseguia

agregar todos os alunos, por mais diferentes níveis de escrita e de leitura em que

estivessem, tinham atividades de escrita de palavras para quem precisava pensar a

construção da escrita e poemas para ler, para quem já estava lendo. Todos tinham sua

vez de contribuir com seus saberes, de compartilhar o que já sabiam e de desafiarem-

se em atividades. Não precisava ficar pedindo a determinados alunos que não falassem

para os que não sabem terem vez de falar. Todos tinham sua vez e seu desafio.

O momento em que perguntava se alguém

gostaria de ler a poesia trabalhada foi ficando

complicado, pois mais alunos iam se oferecendo, e

os demais não tinham paciência em escutá-los.

Então, passei a levar o microfone e a caixa de som

para a sala. Fazíamos um momento inicial livre, em

que os alunos podiam brincar de serem repórteres, entrevistadores, usando

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microfone, depois os alunos que quisessem ler podiam ir à frente (ou permanecer

sentados em seus lugares), ler um poema escolhido por eles do livro. Podiam ler

sozinhos ou em duplas, trios... Passei a pedir que treinassem em casa, lendo de

memória (aos que ainda não liam e, cada dia, convidava alguém que ainda não tinha

lido para a turma. Foi muito interessante. Os alunos passaram a escutar os colegas e,

encantados pelo microfone, os que não liam tiveram desejo em ler, passando a treinar

os poemas em casa. Muitos pais relataram o

envolvimento de seus filhos com a leitura dos

poemas do livro.

3. Livro de Parlendas: Em junho, os alunos

receberam da editora Paulus uma mochila

contendo seis livros de literatura infantil. Foi

uma festa! Foi muito bom ver as crianças vibrando por

ganharem livros. Eles se encantaram com a própria mochila. Desfilaram pela sala e

pela escola no recreio; vibraram com os livros também. Tive de parar tudo e deixá-los

lendo e explorando a nova aquisição.

Aproveitando esse material que receberam, decidi trabalhar um dos livros –

Brincando com parlendas, organizado por Jackson de Alencar. Convidei os alunos a

trazerem o livro pra aula para que pudéssemos ler. Fiz fichas com as parlendas do livro

também.

Passamos, então, todo início de aula a ler as parlendas. Eu colocava as fichas

sobre uma mesa, os alunos escolhiam livremente, liam quantas quisessem. Nesse

momento, eu circulava pelas mesas, escutava leituras, auxiliava quem tinha dificuldade

ainda na leitura e selecionava uma parlenda para ler também. Depois, fazíamos uma

grande roda no fundo da sala e um a um, os alunos iam lendo suas parlendas. Fomos

inventando diferentes formas para a escolha de quem leria: utilizando alguma

parlenda (uni-du-ni-te, entre outras), fazendo alguma roda cantada.

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Comecei a utilizar as parlendas como texto de apoio para as escritas e análises

de palavras e frases. Por serem textos conhecidos, possibilitaram um trabalho bem

interessante de reflexão sobre a escrita.

Os objetivos do trabalho com as parlendas foram os de melhorar a oralidade,

fornecer um repertório de poemas memorizados, desenvolver a fluência na leitura,

qualificar a escrita.

4. Quinta-feira Maluca: Para quebrar a estrutura proposta na formação das turmas de

A30 daquele ano, propus um agrupamento diferente nas quintas-feiras. (naquele ano

formamos essa minha turma diferenciada e tínhamos também, uma turma de

progressão2). As outras professoras de A30 aceitaram e, juntas, criamos o projeto da

Quinta-feira maluca: os alunos se direcionavam a oficinas de trabalho propostas por

nós: Tangran, Contação de Histórias, Produção Textual, Informática e Gincana. Cada

oficina reunia um grupo de alunos de cada uma das turmas – naquele momento eles

eram os alunos da A30 e só. Não havia marcas de fracasso, de não aprendizagem. E,

tivemos o cuidado de oferecer propostas de trabalho em que todos pudessem

aprender juntos, ensinar uns aos outros, fortalecendo a auto-estima deles.

“Profe é hoje que tem aquela coisa de doido?” - era assim que nossas quintas-

feiras se tornaram mais coloridas e significativas aos alunos. Eles, imediatamente

compraram a ideia, mostrando o quanto podemos ousar novas formas de ser escola,

além de ser possível acreditar na organização dos alunos – que se organizavam

sozinhos para irem às salas das oficinas (pois estávamos nas salas) sem causar

transtorno algum à escola.

5. Copa do mundo: Deixar a vida entrar na escola é outro desafio que precisamos

abraçar. Ao invés de fecharmos nossos olhos para o que acontece no mundo em nome

2 As turmas de progressão do 1º ciclo são formadas com alunos que não completaram seu processo de

alfabetização e possuem idade avançada.

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do ensino de conteúdos científicos é interessante que procuremos contextualizar o

conhecimento. Sendo assim, como não falar em Copa do Mundo num ano de Copa do

Mundo?

O projeto envolvendo a temática da Copa foi sendo desenvolvido na medida em

que os jogos aconteciam e os alunos iam trazendo informações e materiais.

Algumas atividades propostas:

- Montagem de um livro da Copa, em formato de bola, contendo informações

importantes sobre a história das Copas, as figurinhas dos jogadores e propostas de

leitura e escrita relacionadas à temática;

- Produção de uma apresentação em Power Point com

informações sobre a África – procurando retratar

aspectos da cultura, geografia, etc.

- Montagem de painéis com material trazido pelos

alunos: recortes de revistas, jornais, material publicitário,

etc.

- Organização dos países participantes em ordem alfabética, montando um

painel.

- Construção de gráficos com os jogadores da seleção que mais gostavam, com

os países que julgavam serem os finalistas, etc. Leitura de gráficos com dados da

Copa...

- Acompanhamento dos jogos ao vivo e discussão do desempenho da Seleção

Brasileira – desenvolvendo o elemento de argumentação.

- Oferecimento de jogos com a temática da Copa.

6. Jogos: O uso de jogos foi uma importante ferramenta na construção de vínculos

com a aprendizagem pelos alunos. Foram propostos jogos livres e tradicionais; jogos

no pátio e em sala de aula e ida à pracinha, propiciando jogos e brincadeiras coletivas.

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Também foram propostos jogos que contribuíssem para a

construção da leitura e da escrita.

Dentre os jogos utilizados, destaco:

a. Lince de palavras: um papel cartaz contendo palavras

recortadas de revistas e uma caixa com as palavras do

cartaz (digitadas). Os alunos foram divididos em 3 equipes.

Um aluno, representante de cada equipe, ia ao quadro

(onde estava fixado o cartaz contendo as palavras). A

professora sorteava uma ficha contendo uma palavra. Os alunos deveriam encontrá-la

no cartaz. Quem fizesse isso primeiro, marcava um ponto para sua equipe e a

registravam no quadro para todos copiarem. Após, os alunos criavam frases e histórias

com as palavras do jogo (ver anexo 09).

As crianças gostaram muito desse jogo, fazendo com que eu o fixasse numa parede

para que eles o jogassem livremente. Os alunos, na hora do jogo livre, costumavam se

organizar sozinhos e jogá-lo.

b. PICTUREKA - Jogo de cartas (vendido comercialmente)

contendo cartas com imagens e cartas com missões (que

solicita que encontrem algo nas cartas com imagens).

Inicialmente, os alunos foram divididos em quatro

equipes, e o jogo foi jogado com seus representantes;

após os alunos terem aprendido como jogá-lo, o baralho foi colocado à disposição dos

alunos no momento do jogo livre e era muito requisitado.

Juntamente com o jogo, os alunos foram convidados a responderem perguntas e

escreverem histórias utilizando as cartas do jogo (em folhas produzidas para tal).

No final, os alunos inventaram suas próprias cartas e missões e criamos um novo

baralho Pictureka da turma que foi colocado à disposição dos alunos para jogarem.

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c. Soletrando: jogo formado por uma seleção de palavras

divididas por dificuldade (em fichas numeradas 2, 3, 4 e 5) e

uma ficha contendo o nome dos alunos para anotação da

pontuação obtida. Os alunos podiam escolher o grau de

dificuldade que quisessem tentar soletrar – devendo criar

estratégias de escolha e ousar arriscarem. Este foi um jogo que despertou muito

interesse dos alunos e promoveu uma melhora na escrita das palavras dos alunos.

Jogamos durante meses.

7. Outros espaços, outras atividades, outros recursos utilizados:

1. Laboratório de Informática: Construção de blog com acesso a jogos de alfabetização e

de divertimento. Com a postagem das fotos e trabalhos realizados para valorização dos

mesmos pelos alunos e pais e fortalecimento da autoestima: fotos para se verem e

serem vistos. Ida semanal. Endereço do blog: www.turmaa322010.blogspot.com

2. Uso de mapas e globo terrestre – junto aos livros de histórias, uso desses recursos

para que os alunos pesquisem, façam leituras, localizem lugares, explorando outros

portadores de texto.

3. Ida à biblioteca semanalmente com todos os alunos. No início, os alunos iam

contrariados, acreditavam que não havia nada interessante por lá. Eu levava alguns

jogos para eles jogarem dentro do espaço da biblioteca. Não os obrigava a retirarem

livros. Aos poucos, as bibliotecárias foram seduzindo os alunos e eles foram

descobrindo uma imensidão de livros e outros materiais. Eu também retirava livros

junto com eles – livros para eu ler; livros pra ler para eles (para servir de modelo de

leitora).

4. Ida à pracinha – brinquedo livre. Levava também bola, corda e uma caixa com livros.

Momento de brincar e conviver. Aproveitava para fazer leituras também. Chamava um

a um os alunos para testar a leitura ou a escrita. Um dia, uma aluna conversando com

outra – aluna nova que chegara na turma disse: “ hoje é sexta-feira, a gente vai na

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pracinha, a professora leva livros a gente pode ler lá e ela também chama a gente pra

ler. É bem legal. Você vai gostar.”

5. Uso do retroprojetor para a contação de histórias. Registro da história em folha. Usava

também do projetor multimídia – projeção com o computador.

6. Uso livre do microfone – crianças brincando de entrevistar, cantar, etc.

desenvolvimento da linguagem oral, desinibição.

Amarrando algumas ideias

O trabalho aqui relatado procurou mostrar um pouco do que foi feito com a

turma A32 no ano de 2010. Mais do que um projeto ou atividades relatadas, apresenta

uma proposta de trabalho ampla e complexa para dar conta da desconstrução do

sentimento de incapacidade ou de não pertencimento ao mundo escolar e da

promoção da construção da leitura e da escrita. Permeia esse trabalho a concepção de

um sujeito ativo reflexivo, o uso do lúdico, da literatura, de práticas significativas de

leitura e escrita, da exploração de todos os espaços da escola e da desconstrução da

ideia de turma e rotinas fixas.

Ao final de cada trimestre, os alunos foram instigados a pensarem sobre suas

aprendizagens e novas propostas de trabalho; os pais foram convidados a participar

desse processo, avaliando o trabalho da professora e o crescimento dos alunos. E eu

fazia a avaliação do crescimento coletivo e individual dos alunos. O material elaborado

era discutido nos conselhos de classe e serviam de norte para o planejamento futuro

dos alunos. Assim, o momento de avaliação também era um momento rico de

aprendizagem.

No final do ano, os alunos haviam construído importantes alicerces: tinham

desejo pelas aprendizagens formais da escola, queriam aprender o que ainda não

sabiam, liam com autonomia e estavam prontos para um trabalho mais direcionado à

escrita. Uma escrita significativa, não uma escrita apenas como ferramenta de

codificação. Uma escrita que seja elemento constitutivo da vida – escrever para

comunicar, para se expressar, para registrar, para informar, etc.

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Foram todos aprovados, ainda que com 03 dos 20 alunos com menor

crescimento comparativamente aos demais. Esses 03 alunos, contudo, apresentaram

um bom crescimento em relação a si mesmos e foram seguindo com

acompanhamento da SIR. No ano de 2011, os alunos foram misturados com outros de

melhor desempenho escolar, para que pudessem ter outros parâmetros, para ser

desfeito o agrupamento momentâneo de 2010, que foi necessário para que pudessem

resgatar importantes conhecimentos que lhes faltavam, mas que, agora, tinham outros

desafios. O relato inicial da professora do ano seguinte foi promissor. Ela afirmou que

eles tinham desejo em aprender os conteúdos formais da escola, demonstrando

interesse e envolvimento em todas as propostas oferecidas.

Sílvia N. Gonçalves - Bacharel (UFRGS) e licenciada (FEVALE)

em letras. Especialista em linguagem e letramento (FAPA).

Professora da rede municipal de Porto Alegre e do Curso de

Pedagogia da CNEC Osório.