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E D I T O R I A L

Abner Ceniceros AviñaAlex Prud’HommeCaio Hamburguer

Ellen K. PikitchFlávio José Rocha da Silva

Gloria De Las Fuentes LacavexHaidé Maria Hupfer

Helio CarneiroJames A. Estes

José Eli da VeigaLester BrownLucia Graves

Newton FigueiredoRicardo Abramovay

Roberto NaimeSidney Graggan(NSF)

Editada e impressa no Brasil.

A Revista Cidadania & Meio Ambiente nãose responsabiliza pelos conceitos e opiniõesemitidos em matérias e artigos assinados.

A revista Cidadania & Meio Ambienteé uma publicação da Câmara de Cultura

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cidadania e meio ambiente, de formatransversal e analítica.

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Diretora

Editor

Subeditor

Projeto Gráfico

Regina [email protected]

Hélio [email protected]

Henrique [email protected]

Lucia H. [email protected]

Caros Amigos,

Não bastassem as alterações climáticas naturais responsáveis por seguidasextinções em massa, a partir do momento em que o homem passou acaçar foi iniciado um irreversível processo de degradação ambiental viadesequilíbrio da cadeia alimentar planetária, fato que agora atinge seu pa-roxismo. O estudo Redução Trófica no Planeta Terra, publicado na revistaScience, explica como ocorreu o processo e como os grandes animais,consumidores de ponta da cadeia alimentar, influenciam de forma decisi-va a estrutura, a função e a biodiversidade dos ecossistemas naturais.

A pesquisa do clima terrestre há 35 milhões de anos também se tornaferramenta balizadora do que o futuro imediato nos reserva, no plano dasmudanças climáticas, se persistirmos no modelo de desenvolvimento emis-sor de gases de efeito estufa. No cenário climático remoto, os altos índicesatmosféricos de CO2 aqueciam os trópicos em mais 5 a 10oC do que asmédias atuais, enquanto as regiões polares eram 15 a 20oC mais quentes.Segundo os climatologistas que assinam o estudo Perspectives , a continuar oaquecimento global, a espécie humana e os ecossistemas globais correm orisco de enfrentar um sufocante quadro climático nunca antes vivenciado.

As repercussões mais alarmantes das atuais mudanças climáticas já são sen-tidas nos processos de desertificação e de escassez de água, e na geopolíti-ca alimentar. O resultado pode ser constatado na miséria, na fome e nasmigrações em massa de milhões de habitantes no Chifre da África (Somá-lia, Sudão, Etiópia). É definitivamente chegada a hora de redefinir comopensamos, consumimos e valorizamos a água. E não apenas a água doce,já que o ecossistema marinho também está em perigo: a Grande Manchade Lixo Plástico do Pacífico prova a necessidade de despertarmos para oconsumo consciente. O que só acontece quando se aprende a identificarprodutos e comportamentos ecologicamente responsáveis, como sinalizanesta edição o artigo Produtos verdes: mais transparência para o consumidor.

A economia de baixo carbono que se busca implantar deve ser sustentadano conhecimento, não na destruição da natureza. Para tanto, temos debuscar aconselhamento nos melhores conhecedores do meio ambiente –os povos indígenas. Por coexistir milhares de anos em contato direto coma natureza e nela praticarem de forma intuitiva e espontânea o conceito dedesenvolvimento sustentável, os indígenas têm muito a ensinar sobre o usodos recursos naturais.

Encerramos esta edição com um alerta sobre o glifosato, a substância químicacentral do herbicida Roundup, o mais usado na agricultura mundial. Segundorelatório divulgado pela organização Earth Open Source, a partir de evidênciasfornecidas por fontes independentes, o herbicida precisa passar por urgente revi-são das normas regulatórias referentes a seu uso, pois é acusado de ser danoso aomeio ambiente e causar anomalias em fetos de animais e de humanos.

Hélio CarneiroEditor

ISSN217-630X

034977217763007

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Nº 34 – 2011– ANO VICapa: Planeta seco por GADL

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Lixo plástico: o terror dos oceanosUm redemoinho de sacos, garrafas, redes de pesca e outros detritos plásticos envenenao ecossistema marinho: flora e fauna são vítimas do impacto do atual consumismo inconsciente.Descubra a dimensão e a gravidade desse problema ambiental. Por Hélio Carneiro

Princípio Responsabilidade e Consumo ConscienteO consumo consciente levanta hipóteses de uma nova fase civilizatória, onde o cidadãoesclarecido e engajado pratica uma seleção natural de agentes culturais através do seu gestoconsciente de consumo. Por Roberto Naime e Haide Maria Hupfer

Escassez & Fome: a nova geopolítica alimentarVive-se hoje um quadro geopolítico extremamente perigoso e potencialmente explosivo, já quea oferta mundial de alimentos não deve acompanhar as exigências alimentares coletivamentecrescentes, fato que prenuncia um século 21 de “guerras por comida”. Por Lester Brown

Produtos verdes: mais transparência para o consumidorPara surfar na onda verde e promover uma imagem ecologicamente responsável de produtose serviços, muitas organizações se valem do greenwashing, que muitas vezes não passade maquiagem verde. Confira aqui como triar o joio do trigo. Por Newton Figueiredo

Terra – o passado tórrido prenuncia o clima futuro?Novas modelagens matemáticas permitem estudar os primeiros tempos climáticos da Terrae ajudam a compreender o que a humanidade poderá enfentar brevemente se a emissãode gases de efeito estufa continuar a aumentar. Por Sidney Graggan(NSF)

Povos indígenas & proteção ambientalOs povos indígenas têm longa experiência na gestão dos recursos ambientais por coexistiremdiretamente com a natureza e praticarem espontaneamente o conceito de desenvolvimentosustentável. Por Gloria Aurora De Las Fuentes Lacavex e Abner Ceniceros Aviña

Economia de baixo carbono: o desafio brasileiroO Brasil pode continuar desempenhando papel de destaque na oferta de commoditiesao mesmo tempo em que transita para uma economia de baixo carbono baseadano conhecimento, não na destruição da natureza. Por Ricardo Abramovay

O Xingu do século 21ameaçadoNo Xingu, homens e mulheres não são arrogantes donos do mundo. São parte da cadeiainterligada e interdependente da vida planetária. Para o índio, homem e natureza evoluemjuntos, percepção que pode nos ensinar uma nova dimensão existencial. Por Caio Hamburguer

Triplo desafio à Economia VerdeNum manifesto ecopragmático, o ecólogo americano Stewart Brand postula a renovação dapolítica através de uma corrente que encaminhe soluções práticas aos grandes desafios atuais:população, clima e biodiversidade. Por José Eli da Veiga

Prevendo um planeta mais secoNa esteira das alterações ambientais, os climatologistas anunciam um flagelo em andamento –a seca. Para prevenir essa progressão galopante, o autor alerta que precisamos redefinir comopensamos, valorizamos e consumimos a água. Por Alex Prud’Homme

Grandes predadores: vitais para o ecossistemaA diminuição dos grandes predadores vem provocando, desde tempos imemoriais, mudançasdramáticas na cadeia alimentar dos ecossistemas terrestres, com reflexos na degradação dosolo, da água, da vegetação e da atmosfera. Por Drs. Ellen K. Pikitch e James A. Estes

Roundup causa anomalia em fetosA substância química central do herbicida mais usado na agricultura mundial volta ao bancodos réus após a liberação, pela Earth Open Source, de relatório que aponta os graves riscos doglifosato ao ser humano. Por Lucia Graves

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LIXO PLÁSTICO

o terror dos oceanos

por Helio Carneiro

m redemoinho de sacos, garra-fas, redes de pesca e outros de-tritos plásticos envenena o ecos-

Não apenas em Midway, mas em to-dos os oceanos e mares, as espéciesque vivem no e do habitat marinho es-tão morrendo em número surpreendente,vítimas do impacto do atual consumis-mo inconsciente. As dolorosas imagensde Jordan alertam para uma crise eco-lógica em grande parte invisível e in-compreensível, mas implacável.

Confira a devastadora dimensão do“maior lixão do planeta”, e saibaporque ele ganha volume a cadanovo dia, como se forma, sua com-posição e gravidade, e o que pode-mos fazer para estancar o crescimentodeste desastre ambiental.

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Usistema marinho do oceano PacíficoNorte. Para documentar os efeitos ne-fastos da Grande Mancha de Lixo do Pa-cífico, o fotógrafo Chris Jordan visitou oatol Midway, no coração da Grande Man-cha, e de lá trouxe imagens de filhotes dealbatroz mortos em consequência dos de-tritos plásticos ingeridos.

Nada foi encenado: as imagens retra-tam fielmente o conteúdo do estômagodos corpos em decomposição encontra-dos nas praias. Sequer uma única peçade plástico em qualquer das imagenscolhidas foi rearranjada, aplicada, ma-nipulada, organizada ou alterada.

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A GRANDE MANCHA DE LIXO DO PACÍFICO

Nem todo lixo termina em vazadouro ou éreciclado. Grande parte acaba nos rios, lago-as, praias e, infelizmente, nos oceanos, paraconstituir a Grande Mancha de Lixo do Pací-fico – hoje o maior aterro sanitário da Terra.

Ela se estende por centenas de milhares dekilômetros do Pacífico Norte, formando umlixão nebuloso e flutuante em alto-mar. Ésímbolo do maior problema mundial: o plás-tico, que começa em mãos humanas acabadentro dos oceanos, muitas vezes nos es-tômagos ou ao redor dos corpos das espé-cies que vivem no e do habitat marinho.

Muitos dizem que a mancha é uma “ilha delixo”, um grande equívoco no dizer de HollyBamford, diretora do Programa de DetritosMarinhos do The National Oceanic andAtmospheric Administration (NOAA),agência federal norte-americana que estu-da os oceanos e a atmosfera (www.nooa.gov). “Se fosse apenas uma grande massa,nosso trabalho seria muito mais fácil”,deplora Bamford.

Ao invés de “ilha flutuante”, a GrandeMancha é uma espécie de “galáxia de lixo”povoada por bilhões de pequenas ilhas delixo subaquáticas dissimuladas ou espalha-das por muitos quilômetros. E isso tornadifícil dizer com total precisão a dimensãoreal da mancha, apesar da muito citada afir-mação de que ela é tão grande quanto oestado americano do Texas.

“Se é mesmo do tamanho do estado do Te-xas, como dizem, então é do tamanho daFrança, embora possa vir a ser até mesmodo tamanho de um continente. O mais gra-ve é que a mancha não é uma massa uni-forme, mas muitas massas dispersas. E mes-mo não podendo precisar sua real dimen-são, sabemos que seu principal componen-te é o plástico. E é aí que começam os pro-blemas”, informa Holly.

PLÁSTICO: UM DESASTRE ECOLÓGICO

Contrariamente a outros lixos, o plástico nãoé biodegradável, ou seja, os microorganis-mo que digerem outras substâncias não re-conhecem o plástico como comida, deixan-do-o flutuar para sempre. E o que ocorre?A luz solar realiza a “fotodegração” dos po-límeros plásticos, reduzindo o material a pe-quenos pedaços, fato que só piora as coi-sas. Desse jeito, o plástico nunca desapa-rece: torna-se microscópico e acaba entran-

do na cadeia alimentar de todos os organis-mos marinhos e, por extensão, na cadeiaalimentar humana.

O plástico constitui 90% de todo o lixo quebóia nos oceanos do mundo. O ProgramaAmbiental das Nações Unidas (PNUMA) es-timou, em 2006, que cada milha quadrada dooceano abriga 46.000 pedaços de plástico flu-tuante. Em algumas áreas, a quantidade depolímeros supera a de plâncton por uma rela-ção de seis para um. Dos mais de 100 bilhõesde quilogramas de plástico que o mundo pro-duz por ano, cerca de 10% acabam no ocea-no, e 70% se depositam no fundo do oceano.O resto flutua, e boa parte termina nos rede-moinhos e nas manchas de lixo maciças.

Cerca de 80% dos detritos da Grande Man-cha de Lixo do Pacífico são oriundos dos con-tinentes, boa parte de sacos, garrafas e ou-tros produtos de plástico. Redes de pescaperdidas nos oceanos constituem outros 10%de todo o lixo marinho – nada menos que705.000 toneladas, segundo as estimativas. Olixo restante provém de embarcações de lazer,plataformas de petróleo offshore e grandesnavios de carga que despejam no mar, a cadaano, o conteúdo de 10.000 containers rechea-dos de luvas de jardinagem, computadores,resinas de polímeros, brinquedos... Mas, ape-sar dessa diversidade – e da abundância devidro, metal e borracha no lixão oceânico flu-tuante – a maior parte do material ainda é plás-tico, uma vez que tudo mais afunda ou biode-grada antes de chegar à mancha.

A Grande Mancha de Lixo do Pacíficoé formada por fragmentos de plásticoe de outros materiais deitados ao marnos quatro cantos do mundo e aglo-

merados numa “galáxia de lixo” pelascorrentes marinhas no Redemoinho

Subtropical do Pacífico Norte.

Mas o Pacífico não é o único a sofrer estetipo de poluição. No excelente relatório Plas-tic Debris in the World’s Oceans (publica-do pela organização Greenpeace, em 2/11/2006, e que pode ser baixado em www.-greenpeace.org/international), informa queo fenômeno verificado no Pacífico ocorrecom características semelhantes em todosos mares. O Mediterrâneo, por exemplo,agora tem parte do seu leito forrado de plás-tico. Todas as águas salgadas são vítimasda insustentável cultura do desperdício eda não reciclagem.

COMO SE FORMA A MANCHA DE LIXO?A Terra tem cinco a seis grandes redemoi-nhos oceânicos – enormes espirais de águasalina –, que se formam pela colisão de cor-rentes. O maior de todos é o RedemoinhoSubtropical do Pacífico Norte, que preen-che quase todo o espaço entre o Japão e aCalifórnia. Na parte superior deste redemo-inho, a algumas centenas de quilômetrosao norte do Havaí, as águas quentes doPacífico Sul colidem com as águas mais fri-as do norte. Conhecida como Zona de Con-vergência Subtropical do Pacífico Norte, éali que o lixo se deposita.

Para os estudiosos da questão, esta zona deconvergência assemelha-se a uma “megaro-dovia de lixo” (cerca de 13.000 peças por km2,segundo o Programa das Nações Unidas parao Meio Ambiente (Pnuma), que estende os re-síduos de plástico num alongado corredorunindo de leste a oeste dois redemoinhos co-nhecidos como a Mancha de Lixo Oriental e aOcidental. São esses dois sistemas que dãovida à Grande Mancha de Lixo do Pacífico.

Dependendo de sua origem, pode levar vári-os anos para os detritos chegarem a estaárea. O plástico pode ser levado do interiordos continentes ao mar através de esgotos,córregos e rios, ou simplesmente despejadono litoral. Não importa a maneira, mas ao cabode uma viagem de seis a sete anos, o plásti-co passa a girar entre os redemoinhos, tam-bém alimentado pelas redes de pesca e ou-tros resíduos. Um dos mais conhecidos des-pejos de detritos ocorreu em 1992, quando28.000 patinhos de plástico foram jogadosàs águas do Oceano Pacífico. Até hoje osbrinquedinhos continuam a ser desovadosnas praias de todo o mundo.

POR QUE PLÁSTICO É UM GRAVE PROBLEMA?O lixo marinho ameaça a saúde ambientalde várias maneiras, a saber:

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Andréa Maschietto/MercuryNews

Fonte:NOAA

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Este “redemoinho” concentra 2,4 milhões de peças de plástico, volumeequivalente ao total de quilos de poluentes plásticos que adentram os

oceanos a cada hora. Todas as peças de plástico que compõem esta fotoforam coletadas por Chris Jordan na Grande Massa de Lixo do Pacífico.

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O Capitão Charles Moore, “descobridor”da Grande Mancha, numa praia do Pacíficocoalhada de detritos plásticos despejadospelo redemoinho de lixo em suspensão.

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❚ Armadilhas. O crescente número de redes depesca de plástico perdidas ou abandonadas éum dos detritos marinhos mais perigosos. Asredes envolvem focas, tartarugas e outros ani-mais, causando “afogamento”. Esse quadro éconhecido como “pesca fantasma”. Com oaumento de pescadores que usam essas redes– de alta durabilidade e baixo custo – nos paí-ses desenvolvimento, mais redes são perdidasou abandonadas nas águas... e muitas conti-nuam a “pescar por conta própria” duranteanos. As mais perigosas são as redes com bói-as ancoradas no fundo do mar e que com cen-tenas de metros de profundidade.

Qualquer espécie marinha pode ser amea-çada pelo plástico, mas as tartarugas pare-cem ser as mais suscetíveis. Além de seremcapturadas por redes de pesca fantasmas,elas frequentemente engolem sacos plásti-cos ao confundi-los com medusas (água-viva), sua principal presa. E já se registroucasos de tartarugas que tiveram seus cor-pos deformados ao crescerem enforcadospor anéis plásticos.

❚ Restos superficiais diminutos. Grânulos deresina plástica constituem outro componentecomum do lixo marinho. Em todo o mundo, osgrânulos de uso industrial são transportados,derretidos e moldados em objetos deplástico. Sendo pequenos e abundantes, elespodem facilmente se perder ao longo da ca-deia produtiva, acabando no mar. Eles ten-dem a flutuar e fotodegradar, ação que levamuitos anos. Nesse meio tempo, os grânuloscausam estragos, especialmente nas avesmarinhas, como o albatroz de cauda curta.

Nas ilhas do Pacífico, os albatrozes dei-xam suas crias em terra quando saem paravasculhar a superfície do oceano em bus-ca de alimento rico em proteínas – espe-cialmente ovas –, pequenos pontos aboiar logo abaixo da superfície e, infeliz-mente, muito semelhantes a grânulos deresina. Os bem-intencionados albatrozescolhem as pelotas – junto com isqueirose outros detritos flutuantes – e voltam àterra para alimentar com plástico indiges-to seus filhotes, que morrem de fome oucom os órgãos rompidos. Encontrar filho-tes de albatroz em decomposição com osestômagos recheados de pedaços de plás-tico deixou de ser fato raro.

❚ Fotodegradação. Como a luz solar que-bra os detritos flutuantes, a água de su-perfície engrossa com pedaços de plásti-

co em suspensão. E isso é ruim por umasérie de razões. Primeiro, pela “toxicida-de inerente”. O plástico muitas vezescontém substâncias químicas como obisfenol-A e corantes – comprovadamen-te tóxicos para o meio ambiente e a saúde–, toxinas que vazam para a água domar. Já foi demonstrado que o plásticoabsorve da água do mar poluentes orgâ-nicos pré-existentes, como os PCB, BPAe outras toxinas, que podem entrar na ca-deia alimentar se ingeridos acidentalmen-te por espécies marinhas. Ao todo já secontabilizaram cerca de 267 espécies in-toxicadas por plástico.

O QUE PODEMOS FAZER?O descobridor da Grande Mancha de Lixodo Pacífico, o capitão Charles Moore, certavez afirmou que o esforço para limpar o oce-ano “levaria à falência qualquer país econtinuaria liquidando a vida marinhanas redes fantasmas”. Com isso, ele quisdizer que a tarefa é extremamente difícil.

Entre as iniciativas globais, nacionais e in-ternacionais que visam proteger os ocea-nos dos detritos marinhos, a de maior al-

cance é a Convenção Internacional para aPrevenção da Poluição por Navios(MARPOL). Em 1988, este acordo recebeuum Anexo vetando o despejo no mar de lixoe de materiais plásticos provenientes denavios; 122 países o ratificaram. Mesmocom o cumprimento total do MARPOL, oproblema pesisitira, já que cerca de 80% dolixo que envenena o mar provêm de fontesterrestres. Outras ações incluem protoco-

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Há mais de uma década eu assinava uma revista científica que vinha embalada como tal plástico. Ele foi imediatamente para a composteira, o melhor lugar do mundopara biodegradação, com água, microorganismos e nutrientes à vontade. Seis mesesdepois me cansei. Tirei, lavei (estava intacto, como novo!) e o mandei para reciclagem.

Quando os supermercados começaram a usar o saquinho oxibiodegradável, denovo peguei uma amostra, escrevi a data e coloquei na composteira. Tudo igual.

Agora fui mais longe: minha esposa grávida tirou uma foto com o saquinho enosso filho fará o mesmo, ano após ano. Este menino vai concluir o cursosuperior e o saquinho oxibiodegradável estará igual.

Minha visão pessoal foi confirmada no artigo científico Polietileno degradável,fantasia ou realidade, assinado por Roy et al – gente que entende muito mais dequímica do que eu –, na Environmental Science & Technology, em abril de 2011.

Na verdade tudo que estes saquinhos fazem é que eles se despedaçam na presençade calor, luz e oxigênio, mas em níveis muito superiores aos normais. Ainda pior, ointerior de lixões/aterros sanitários tem os três fatores muito baixos. De qualquer jeito,você preferiria limpar um terreno baldio com 10 saquinhos ou 1000 pedacinhos?

A única função do saquinho oxibiodegradável é aplacar a consciência daquelesque não conseguem organizar-se para usar uma sacola de compras igual a davovó-ir-à-feira, que resolve não só a poluição, mas também o problema decarregar várias sacolinhas que machucam a mão e complicam a vida.

Em entrevista recente, James Lovelock (1) disse que preocupar-se com saquinhos écomo preocupar-se em arrumar as cadeiras do Titanic enquanto ele afunda. Eleestá certo que o saquinho é uma parte pequena do gasto de combustíveis fósseis(de fato importa muito mais como você vai às compras do que como as carrega),mas está errado na escolha da metáfora. O saquinho está mais para a orques-tra do Titanic, que continuou tocando enquanto o barco afundava. Concreta-mente não fez diferença, mas ajudou melhorando o espírito geral. Estranhomuito Lovelock criticar a luta contra os saquinhos, porque ele mesmo criou umaimportante metáfora ambiental – Gaia –, que mesmo não fazendo sentido al-gum, fez muita gente pensar e agir melhor.

As pessoas começam preferindo o saquinho oxibiodegradável, passam para asacola de compras, daí vão às compras de bicicleta, para terminar se perguntan-do se precisam mesmo ir às compras.

Efraim Rodrigues – Doutor pela Universidade de Harvard, Professor Associado deRecursos Naturais da Universidade Estadual de Londrina, consultor do programaFODEPAL da FAO-ONU, autor dos livros Biologia da Conservação e HistóriasImpublicáveis sobre trabalhos acadêmicos e seus autores.Também ajuda escolas do Valedo Paraíba-SP, Brasília-DF, Curitiba e Londrina-PR a transformar lixo de cozinha emadubo orgânico e a coletar água da chuva. E-mail: (efraim{at}efraim.com.br Texto publi-cado em www.ecodebate.com.br (17/05/2011).

Nota do Editor:(1) James Lovelock, criador da teoria de Gaia e inventor do detector de captura de elétrons (ECD), que tornou possívela detecção de gases CFC (clorofluorocarboneto e de outros nanopoluentes atmosféricos). Os artigos científicos deLovelock estão disponíveis em www.jameslovelock.org/page0.html

A METÁFORA DO SAQUINHO DE SUPERMERCADO

Hélio Carneiro – Editor de Cidadania & MeioAmbiente. Fontes consultadas: PNUMA (Pro-grama das Nações Unidas para o Meio Ambi-ente); Captain Charles Moore (Out in the Paci-fic Plastic is Geting Drastic – www.alguita.com);David DeFranza (Message from the Gire –www.thetreehug.com); Russell McLendonWede Jacob Silverman (www.howstuffworks.com);David Martin Garcia (www.ecoportal.net);Greenpeace (www.greenpeace.com); www.greatgarbagepatch.org; David Friedlande (ChrisJordan Takes Shots at the Trash Patch); GregBoustead (Appetite for Destruction); http://plasticpollutioncoalition.org

los operacionais de limpeza da linha costei-ra e do fundo do mar, bem como programasde educação ambiental ministrados desdeo ingresso da criança na escola.

Alguns países já restringiram o uso de saco-las plásticas nos supermercados: ao invésde dados, eles são cobrados. Essa estraté-gia ajuda a conscientizar, mas no quadro geralda questão não passa de paliativo. Aumen-tar a conscientização para o não uso de sa-cos e recipientes de plástico através de cam-panhas, estimular o consumo de produtosembalados em vidro, reduzir ao máximo osprodutos à base de petróleo e reabilitar avelha sacola de pano são algumas suges-tões a serem adotadas pelos que são sensí-veis ao problema do lixo plástico.

Embora todas as ações sejam importan-tes, a solução definitiva está na implemen-tação de uma estratégia de resíduo res-ponsável, ou seja, o conceito “Lixo Zero”.Tal estratégia engloba cadeia a resíduo,redução, reutilização, reciclagem, res-ponsabilidade de quem produz eecodesign. Só assim reduziríamos o usomaciço de plásticos/sintéticos, usando-osapenas quando absolutamente necessário.A adoção de “plástico biodegradável”poderá ser uma alternativa ambientalmen-te segura quando esse material se degra-dar rapidamente em substâncias não pe-rigosas ou tóxicas para o meio ambiente.

Por ora, a solução mais efetiva é “fechar astorneiras” na fonte. É imperioso o descarteadequado do plástico via multiplicação dasinstalações de reciclagem e das facilidadesde coleta nas coletividades. Além disso, asociedade como um todo tem de aprender aexercer opções de compra não danosas aoambiente, a melhor reutilizar o que pode serreciclado, e a praticar o consumo conscien-te e sustentável. ■

“Faz muitos anos que venho percebendo que os chamados plásticosbiodegradáveis não entregam o que vendem.” Efraim Rodrigues

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Acivilização é um caminho sem volta para ahumanidade. Poderia se discutir longamente

a caminhada da humanidade desde o início daepopéia civilizatória até os contratualistas quecomeçam com o exemplo mais evidenciado deThomas Hobbes no seu “Leviatã” e praticamen-te não mais terminam.

A sociedade moderna está sempre discutindoaprimoramentos contratualísticos e ninguém emsã consciência pensa em alterar esta fase do ciclocivilizatório, senão se pensa apenas em aperfei-çoar os mecanismos da civilização.

Hans Jonas abre uma discussão ética sobre arelação do homem com a natureza. Ao se depa-rar com a exacerbação do antropocentrismo ecom a vulnerabilidade da natureza se dá conta deque para evoluir é necessário trabalhar com umanova dimensão de responsabilidade. Assim, anatureza como responsabilidade humana é semdúvida um novum apresentado por Hans Jonassobre uma nova teoria ética muito além do inte-resse na manutenção da natureza.

O saber previdente torna-se um dever prioritário.Para Hans Jonas, nenhuma ética anterior viu-seobrigada a considerar a condição global da nature-za, da vida humana e das questões intergeracionais.Esse novo agir humano exige ir além doantropocentrismo e dos interesses de uma gera-ção. O princípio responsabilidade se estende paramais além. Devemos ouvir a natureza e reconhe-cer sua exigência como obrigatória, para além dadoutrina do agir, ou seja, da ética, até a doutrinado existir das presentes e futuras gerações.

Os direitos ambientais e difusos são incluídos porNorberto Bobbio e aceitos por todos como direitosfundamentais de terceira geração. Não cabe aqui fi-car discutindo a natureza jurídica das afirmações epara isto existem pessoas de muito mais habilitadaformação e informação, capazes de desenvolver atemática com pleno domínio e inegável brilhantismo.

Para nós, que trabalhamos profissionalmente comquestões ambientais e que de uma maneira ou outra

somos sujeitos de alguma forma de ambientalismoideológico, o consumo consciente levanta hipótesesde uma nova fase civilizatória, de um novo tipo decontratualismo onde o cidadão esclarecido e engajadopratica uma seleção natural de agentes civilizatóriosatravés do seu gesto consciente de consumo.

Quando os consumidores ultrapassam os crité-rios de preço e fazem do seu gesto de consumouma atitude que consideram ou percebem comoengajada, escolhendo comprar de uma empresaque possui mais práticas sustentáveis, ou quan-do levam em conta a cadeia produtiva de tudoque consomem, considerando os impactos am-bientais identificados nas diversas fases do pro-cesso, estes consumidores estão exercendo umcontratualismo informal que vai manter no mer-cado a todos os agentes percebidos como res-ponsáveis e que favorecem a vida e vai excluir domesmo mercado todos os agentes que consideranocivos e que não favorecem a vida.

Estes consumidores que estão atentos a práticasmais sustentáveis são os consumidores do futu-ro. Este exército desarmado, esta polícia nãocoercitiva não é constituída por poucos oníricosou lunáticos. Este exército tem crescido cada vezmais, e representa o número de pessoas preocu-padas com a qualidade de vida. Em um mundoglobalizado, um mundo cada vez mais complexoe veloz, onde as redes sociais tem um papel cadavez mais destacados, tanto as organizações comoas pessoas só evoluem com práticas inspiradasno que se convenciona denominar sustentabili-dade. O que há em comum nestas práticas podeser resumida em três conceitos trabalhados porHans Jonas: totalidade, continuidade e futuro.

Será cada vez menos provável, desenhar cenárioseconômicos que ignorem as questões socioambien-tais. Assim as culturas empresariais estão cada vezmais ecléticas e abrangentes, observando o mundoem uma visão holística que determina o estabeleci-mento de concessões que antes eram inimagináveis.

Os mercados estão revendo suas lógicas de re-torno sobre investimento, assumindo os custos

Haide Maria Hupffer é Doutora em Direito, inte-grante do corpo docente do Mestrado em Qualida-de Ambiental e do Curso de Direito da UniversidadeFeevale, e autora de Ensino Jurídico: Um novo ca-minho a partir da Hermenêutica. Roberto Naime éDoutor em Geologia Ambiental, integrante do cor-po docente do mestrado e doutorado em QualidadeAmbiental da Universidade Feevale, e colunista doportal www.ecodebate.com.br.

dos serviços da natureza em suas operações. Eos governos estão sendo cada vez mais cobradosa regular a atividade empresarial em contornosde contratualismo civilizatório, antes só imagi-nado em termos de direitos civis e políticos. Esteé o cenário que vem se desenhando.

E neste contexto, a força dos indivíduos que exer-cem uma ação contratualística informal, masmuito eficiente, eliminando os agentes que per-cebem como nocivos e estimulando os agentesidentificados como socioambientalmente respon-sáveis, com inestimável auxílio das redes soci-ais, representa uma realidade jamais antes imagi-nada. Esse contratualismo pode ser percebidono Princípio Responsabilidade defendido porHans Jonas. É a responsabilidade perante o de-ver de existir. E a primeira de todas as responsa-bilidades é garantir a possibilidade de que hajaresponsabilidade.

No cotidiano atual, a maioria das corporações estáciente de que, além de oferecer produtos e serviçosde qualidade deve contribuir para o desenvolvi-mento sustentável, pois esta é uma concepção fun-damental até mesmo para garantir sua sobrevivên-cia e seu espaço no mercado de hoje e do futuro,como se fosse um acordo constitucional não redigi-do, mas muito eficaz e respeitado por todos.

Hans Jonas não traz uma receita para o Princí-pio Responsabilidade. Ele mostra que a nature-za do agir humano transformou-se. O consumoconsciente comporta um conteúdo inteiramentenovo cuja dimensão de significado ainda está longede ser a ideal, exigindo um fazer político e, con-sequentemente, uma nova ética ambiental. ■

PRINCÍPIO RESPONSABILIDADEE CONSUMO CONSCIENTE

por Roberto Naime e Haide Maria Hupfer

O consumo consciente levanta hipóteses de uma nova fase civilizatória, deum novo tipo de contratualismo onde o cidadão esclarecido e engajadopratica uma seleção natural de agentes civilizatórios através do seu gestoconsciente de consumo.

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por Lester Brown

À medida que terra e água se tornam mais escassas, a temperatura daTerra aumenta e a segurança alimentar se deteriora, cria-se um qua-dro geopolítico extremamente perigoso e potencialmente explosivo, jáque a oferta mundial de alimentos não deve acompanhar o crescenteconsumo à mesa. O século 21 prenuncia “guerras por comida”.

Nos EUA, quando os preços mundiais do trigo sobem 75%, como noano passado, isso significa a dife-

rença entre um pão de US$2 e um de, talvez,US$2,10. Contudo, para quem vive em NovaDélhi, Índia, essa exorbitante alta de preçosé crucial: a duplicação do preço mundial sig-nifica que o trigo custa duas vezes mais.

Bem-vindos à nova economia alimentar de2011: os preços estão subindo, mas o impac-to não será sentido de maneira equitativa.Para os americanos, que gastam menos de

a nova geopolítica alimentar

um décimo da sua renda no supermercado, aalta do preço dos alimentos é apenas um in-cômodo, não uma calamidade. Mas para os2 bilhões de pessoas mais pobres do plane-ta, que gastam de 50% a 70% de sua rendaem alimento, essa disparada dos preços podesignificar apenas uma – não duas – refei-ções ao dia. E os que mal conseguem se se-gurar nos degraus mais baixos da escadaeconômica global correm o risco de despen-car de vez. Isso pode contribuir – e tem con-tribuído – para revoluções e insurgências.Com a quebra de safra prevista para este

ano, com governos do Oriente Médio e daÁfrica cambaleando em função das altasde preços, e com mercados nervosos en-frentando um choque após outro, os ali-mentos rapidamente se tornaram um con-dutor oculto da política mundial. E crisescomo esta vão se tornar cada vez mais co-muns. A nova geopolítica dos alimentosparece muito mais vulnerável do que era.A escassez é a nova norma.

Até pouco tempo, as súbitas altas de pre-ços não tinham tanta importância, pois ra-

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pidamente os preços dos alimentos volta-vam aos níveis mais baixos, fato que aju-dou a moldar a estabilidade do final do sé-culo 20 em boa parte do planeta. Agora, po-rém, tanto as causas como as consequênci-as são sinistramente diferentes. Lamenta-velmente, as atuais altas de preços são cau-sadas por tendências que estão contribu-indo tanto para o aumento da demanda comodificultando o aumento da produção – en-tre elas, a rápida expansão da populaçãomundial, os aumentos de temperatura queressecam plantações e o esgotamento depoços de irrigação.

Mais alarmante ainda, o mundo está per-dendo sua capacidade de mitigar o efeitoda escassez. É por isso que a crise dos ali-mentos de 2011 é genuína, e por isso elapoderá trazer consigo novas combinaçõesde revoltas do pão e revoluções políticas. Ese as sublevações que saudaram os dita-dores Zine al-Abidine Ben Ali, na Tunísia;Hosni Mubarak, no Egito; e Muamar Kada-fi, na Líbia, não forem o fim da história, masseu começo? Preparem-se, agricultores echanceleres, para uma nova era em que aescassez mundial de alimentos vai moldarcada vez mais a política global.

DEMANDA E PRODUÇÃO

A duplicação dos preços mundiais dosgrãos desde o início de 2007 foi impelidaprincipalmente por dois fatores: o cresci-mento acelerado da demanda e a dificul-dade crescente de expandir rapidamentea produção. O resultado é um mundo queparece chocantemente distinto da genero-sa economia mundial de grãos do séculopassado. Como será a geopolítica dos ali-mentos numa nova era dominada pela es-cassez? Mesmo neste estágio inicial, pode-mos ver ao menos os contornos gerais daeconomia alimentar emergente.

No lado da demanda, os agricultores agoraenfrentam claras fontes de crescente pressão.A primeira é o crescimento populacional. Acada ano, os agricultores do mundo precisamalimentar 80 milhões de pessoas adicionais,quase todas em países em desenvolvimento.

A população mundial quase dobrou desde1970 e está a caminho de 9 bilhões em mea-dos do século. Ao mesmo tempo, os EUA,que um dia conseguiram atuar como umamortecedor global contra safras ruins, ago-ra estão convertendo quantidades imensasde grãos em combustível para veículos, em-

bora o consumo mundial de grãos c quegira em torno de 2,2 bilhões de toneladasmétricas por ano – esteja crescendo em ve-locidade acelerada. Mas a taxa em que osEUA estão convertendo grãos em etanoltem crescido ainda mais rapidamente.

Essa capacidade massiva de convertergrãos em combustível significa que o preçodos grãos está agora atrelado ao preço dopetróleo. Assim, se o petróleo sobe paraUS$ 150 o barril ou mais, o preço dos grãosacompanhará a alta, já que se torna maislucrativo converter grãos em substitutos dopetróleo. E esse não é um fenômeno ape-nas americano: o Brasil, que destila etanolde cana-de-açúcar, é o segundo maior pro-dutor depois dos EUA, enquanto a UniãoEuropeia, que pretende obter 10% de suaenergia de transporte de energias renová-veis, em sua maioria biocombustíveis até2020, também está desviando terras de cul-turas alimentares para fins energéticos.

ESCASSEZ DE ÁGUA

Essa não é apenas uma história sobre a de-manda crescente por alimentos. Do esgota-mento de lençóis freáticos à erosão de so-los e às consequências do aquecimentoglobal, tudo significa que a oferta mundialde alimentos provavelmente não acompa-nhará nossos apetites coletivamente cres-centes. Tome-se o caso da mudança climá-tica: a regra prática entre ecologistas daprodução vegetal é que, para cada 1oC de

aumento da temperatura acima do ótimo paraa estação de crescimento, os agricultorespodem esperar uma quebra de 10% no ren-dimento dos grãos. Essa relação foi confir-mada dramaticamente durante a onda decalor de 2010, na Rússia, que reduziu a sa-fra de grãos do país em quase 40%.

Com a elevação das temperaturas, os lençóisfreáticos estão diminuindo na medida em queos agricultores bombeiam em excesso parairrigação. Isso infla artificialmente a produçãode alimentos no curto prazo, criando uma bo-lha alimentar que estoura quando os aquífe-ros são esgotados e o bombeamento é neces-sariamente reduzido à taxa de recarga.

No conjunto, mais da metade da populaçãomundial vive em países onde os lençóis fre-áticos estão diminuindo. O Oriente Médioárabe politicamente convulsionado é a pri-meira região geográfica onde a produção degrãos atingiu o pico e começou a declinarpor escassez de água, apesar de as popula-ções continuarem a crescer. A produção degrãos já está diminuindo na Síria e no Iraquee, em breve, poderá declinar no Iêmen. Masas maiores bolhas alimentares estão na Índiae na China. Como esses países enfrentarão aescassez inevitável quando os aquíferos fo-rem esgotados? Ao mesmo tempo em queestamos secando nossos poços, tambémmaltratamos nossos solos, criando novosdesertos. A erosão do solo decorrente doexcesso de cultivo e do manejo indevido daterra está solapando a produtividade de umterço das terras cultiváveis do mundo.

Qual a gravidade disso? Imagens de satéli-te mostram duas novas e imensas baciasde areia: uma se estendendo pelo norte e ooeste da China e oeste da Mongólia, a ou-tra cruzando a África Central. A civilizaçãopode sobreviver à perda de suas reservasde petróleo, mas não pode sobreviver àperda de suas reservas de solo.

Nesta era de retração dos suprimentos ali-mentícios mundiais, a capacidade de culti-var alimentos está rapidamente se tornan-do uma nova forma de alavancagem geo-política, e os países estão tratando de ga-rantir seus próprios interesses paroquiaisàs custas do bem comum.

TERRAS ESTRANGEIRAS

Temendo não ser capaz de comprar os grãosnecessários no mercado, alguns países maisricos, liderados pela Arábia Saudita, Coreia

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Lester R. Brown é presidente do Earth PolicyInstitute (www.earth-policy.org). O artigo The NewGeopolitics of Food foi publicado originalmentena revista Foreign Policy (www.foreignpolicy.com)edição de maio/junho 2011.

do Sul e China, tomaram, em 2008, a medidaincomum de comprar ou arrendar terras emoutros países para cultivar grãos para si pró-prios. A maioria dessas compras de terras éna África, onde alguns governos arrendamterras cultiváveis por menos de US$ 2,5 porhectare/ano. Entre os principais destinosestão Etiópia e Sudão, países onde milhõesde pessoas estão sendo sustentadas peloPrograma Mundial de Alimentos da ONU.

Muitos dos acordos de terras foram feitos se-cretamente e, na maioria dos casos, a terra en-volvida já estava em uso por aldeões quandofoi vendida ou arrendada. Com frequência, osque já estavam cultivando a terra não foramconsultados nem sequer informados dos no-vos acordos. A hostilidade local a essas apro-priações de terra é a regra, não a exceção.

Em 2007, quando os preços dos alimentoscomeçaram a subir, o governo chinês assi-nou um acordo com as Filipinas para arren-dar 1 milhão de hectares de terras destina-das a cultivar alimentos que seriam embar-cados para a China. Quando a notícia va-zou, o clamor público obrigou Manila a sus-pender o acordo. Um clamor parecido aba-lou Madagascar, onde uma empresa sul-coreana, a Daewoo Logistics, havia tenta-do obter direitos sobre mais de 1,2 milhãode hectares. Notícias sobre o acordo ajuda-ram a criar um furor político que derrubou ogoverno e obrigou o cancelamento do tra-to. Aliás, poucas coisas são mais propen-sas a alimentar insurgências do que privarpessoas de suas terras. Equipamentos agrí-colas são facilmente sabotados. Os cam-pos de grãos maduros queimam rapidamen-te quando se lhes ateia fogo.

Essas aquisições representam um investi-mento potencial de estimados US$50 bilhõesem agricultura nos países em desenvolvi-mento. Então, perguntamos: no que issoampliará a produção mundial de alimentos?Não sabemos, mas a análise do Banco Mun-dial indica que somente 37% dos projetosserão dedicados a culturas alimentares. Amaior parte da terra adquirida até agora seráusada para produzir biocombustíveis e ou-tras culturas de interesse industrial.

Mesmo que alguns desses projetos acabempor aumentar a produtividade da terra, quemse beneficiará? Se virtualmente todos os insu-mos – equipamentos agrícolas, fertilizantes,pesticidas, sementes – são comprados do ex-terior e se toda a produção é enviada para fora

do país, a contribuição para a economia dopaís hospedeiro será mínima. Por enquanto, asapropriações de terras contribuíram maispara provocar agitação social do que paraaumentar a produção de alimentos.

DISPUTA

Ninguém sabe onde chegará essa crescentecompetição por suprimentos alimentares,mas o mundo parece estar se afastando dacooperação internacional que evoluiu pordécadas, depois da 2ª Guerra, para a filo-sofia de cada país por si. O nacionalismoalimentar poderá ajudar a garantir supri-mentos aos países ricos, mas pouco farápara melhorar a segurança alimentar doplaneta. Aliás, os países de baixa renda quehospedam terras arrendadas ou importamgrãos provavelmente sofrerão uma deteri-oração de sua situação alimentar.

Depois da carnificina de duas guerras mun-diais e dos descaminhos econômicos quelevaram à Grande Depressão, os países seuniram, em 1945, para criar a ONU, ao final-mente perceber que no mundo moderno nãopodemos viver em isolamento por mais ten-tador que isso possa parecer. O Fundo Mo-netário Internacional foi criado para ajudar agerir o sistema monetário e promover a esta-bilidade econômica e o progresso. As agên-cias especializadas da ONU, da OrganizaçãoMundial de Saúde (OMS), da Organizaçãopara Agricultura e Alimentação (FAO) têmimportantes papéis no mundo de hoje. Tudoisso promoveu a cooperação internacional.

Mas embora a FAO colete e analise dadosagrícolas globais e forneça assistência téc-nica, não há nenhum esforço organizadopara garantir uma adequação dos suprimen-tos mundiais de alimentos.

O presidente francês Nicolas Sarkozy estápropondo lidarmos com a alta dos preçosdos alimentos via redução da especulaçãonos mercados de commodities. Por útil queisso possa ser, trata apenas os sintomas dainsegurança alimentar crescente, não as cau-sas, como o crescimento populacional e asmudanças climáticas. O mundo precisa seconcentrar hoje não só na política agrícola,mas numa estrutura que a integre a políticasenergética, demográfica e hídrica, que afe-tam diretamente a segurança alimentar.

PERIGO

Isso, porém, não está ocorrendo. Em vez dis-so, à medida que terra e água se tornam maisescassas, que a temperatura da Terra sobe ea segurança alimentar mundial se deteriora,instala-se uma geopolítica perigosa de es-cassez de alimentos. A apropriação de terra,de água e a compra de grãos diretamente deprodutores em países exportadores são hojeparte integrante de uma luta global de poderpor segurança alimentar.

Com estoques de grãos baixos e a volatilida-de climática aumentando, os riscos crescem.Hoje estamos à beira da ruptura do sistemaalimentar, que poderá se manifestar a qual-quer momento. Talvez não tenhamos sorte parasempre. O que hoje está em questão é se omundo conseguirá ir além de se concentrarnos sintomas da deterioração da situação ali-mentar e atacar suas causas subjacentes.

Se não conseguirmos aumentar o rendimentoagrícola com menos água e conservar os solosférteis, muitas áreas agrícolas deixarão de serviáveis. E isso vai muito além dos agricultores.Se não conseguirmos agir de forma rápida eemergencial para estabilizar o clima, talvez nãosejamos capazes de evitar uma disparada dospreços dos alimentos. Se não conseguirmosacelerar o declínio demográfico e estabilizar apopulação mundial, as filas de famintos conti-nuarão a aumentar. A hora de agir é agora –antes que a crise dos alimentos de 2011 se tor-ne a nova normalidade. ■

A erosão do solodecorrente do excessode cultivo e do manejo

indevido da terraestá solapando

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cultiváveis do mundo.”

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Produtos “verdes”:

por Newton Figueiredo

Para surfar na ondaverde e promoveruma imagem eco-logicamente res-ponsável de produ-tos e serviços, mui-tas organizações sevalem do green-washing. No entan-to, declarar-se eco-friendly ou ambien-talmente sustentá-vel muitas vezesnão passa de ma-quiagem verde.Confira aqui comotriar o joio do trigo.

Diversas pesquisas realizadas no Brasile no mundo continuam confirmando

que nós, brasileiros, somos a nação maispreocupada com as consequências das mu-danças climáticas, e que uma boa parcelada população está disposta até a pagar maispor produtos que possam ajudar a cons-truir uma sociedade mais justa e com me-lhor qualidade de vida.

Várias empresas têm identificado uma novaforma de melhorar a rentabilidade ao ofere-cer produtos que atenderiam essa nova de-manda por parte dos consumidores. Já ou-tras pesquisas indicam que o consumidorestá cada vez mais informado e espera queo varejo seja um filtro de ética e de respon-sabilidade socioambiental na seleção deprodutos que lhe são oferecidos.

Seja por desconhecimento, por acreditar napalavra do fornecedor ou mesmo por faltade ética, os consumidores são bombardea-dos por propagandas enganosas do tipo“amigável ao meio ambiente”.

Contudo, temos que destacar três esforços,realizados nos últimos dois anos, no sentidode ajudar as empresas a desenvolverem umacomunicação ética com o consumidor. A pri-meira foi o lançamento, pioneiro no Brasil, doGuia SustentaX de Comunicação Responsá-vel com o Consumidor (1), em 2009. Em 2010, oConselho Empresarial Brasileiro para o Desen-volvimento Sustentável (CBDES) lançou o Guiade Comunicação e Sustentabilidade (2).

Apesar dessas iniciativas, inúmeras propa-gandas e publicidades continuaram a vei-

cular na mídia impressa e digital produtosditos “ecologicamente corretos”, “amigá-veis ao meio ambiente” e coisas dessa na-tureza, muitos afrontando a inteligência depessoas medianamente informadas. Assim,em boa hora, sai o terceiro esforço, agoraregulador: a nova regulamentação do Con-selho de Autorregulamentação Publicitária(CONAR) para a promoção de produtoscom apelos de sustentabilidade (3).

As pessoas estão ávidas para contribuirpara um mundo melhor e ter mais qualidadede vida. E, muitas vezes, imaginando esta-rem na direção correta, ao comprar algo quelhe foi apresentado como “verde” ou “maisecológico” ou “mais sustentável’, acabamcontribuindo para negócios que não res-peitam a sociedade, seja do ponto de vista

mais transparência para o consumidor

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REFERÊNCIAS DISPONÍVEIS EM:(1)http://www.selosustentax.com.br/pdf/guia_sustentax.pdf. (2)http://www.cebds.org.br/cebds/manualdesustentabilidade.pdf(3) http://www.conar.org.br/html/noticias/070611.html

FOTOS ABERTURA: Toban Black / Ecolabs / RainforestAction Network / Shira Golding / Spike55151

Newton Figueiredo é fundador e presidente doGrupo SustentaX, que desenvolve de forma inte-grada o conceito de sustentabilidade para corpo-rações. Mais informações: www.Grupo-SustentaX.com.br Artigo publicado emEcoDebate (13/7/2011); colaboração de JanaínaS. e Silva. Para saber mais sobre greenwashing,recomendamos a leitura do dossiê Greenwashingno Brasil, disponível em www.ideiasustentavel.com.br/2010/10/greenwashing-no-brasil/2/

social ou ambiental. São os chamados pro-dutos verdes irresponsáveis, promovidospor desconhecimento, omissão ou ainda por“picaretas verdes”. As situações mais co-mumente encontradas são:

1. FALTA DE COMPROVAÇÃO DE RESPONSABILI-DADE SOCIAL DO FABRICANTE – Por exemplo,objetos de decoração feitos na Índia, no Vi-etnam, em Bangladesh e em outros pobrespaíses asiáticos, vendidos com frequênciaem lojas e em sites. Ao comprar um objetodesses, normalmente de baixa tecnologia in-trínseca, que poderiam muito bem ser pro-duzidos no Brasil, inclusive em comunida-des carentes, o consumidor contribui para aimportação de miséria e mais violência emnossas cidades. Nessa direção também sãoimportadas, por incrível que possa parecer,“ecobags” de países como o Camboja! Mui-tas vezes esquecemos que o impacto podelevar à desindustrialização e ao aumento dodesemprego. Outro segmento importante éo da confecção. Afinal, de nada adianta aroupa ser feita de algodão orgânico certifi-cado se a sua produção se dá de forma irres-ponsável para com os trabalhadores da con-fecção. De quem é a responsabilidade nes-ses casos? Do varejista, pois é ele que dis-ponibiliza o produto em sua prateleira e, por-tanto, tem a responsabilidade de selecionaro que irá vender. Essa é a verdadeira posturade uma empresa sustentável ou, como ou-tras gostam de se expressar, “eco-friendly”.

2. FALTA DE COMPROVAÇÃO DE RESPONSABILI-DADE AMBIENTAL DO FABRICANTE – Aqui, apreocupação é do mesmo diapasão da res-ponsabilidade social. De nada adianta o al-godão ser orgânico se sua produção ouconfecção que o utilizou contaminaram omeio ambiente pela não destinação corretados resíduos da produção. Essa preocupa-ção toma uma dimensão importante quan-do o produto é importado de países quenão dispõe de uma legislação ambiental àaltura das necessidades atuais de proteçãoda biodiversidade planetária. Hoje, o Brasiltem, por força do valor de sua moeda, im-portado de tudo, em especial de países asi-áticos que, em sua maioria, têm legislaçõesmenos rigorosas que a brasileira. Assim, aoimportar sem verificar a responsabilidadesocioambiental do fabricante estrangeiro,o importador-varejista está, no mínimo, co-metendo um procedimento não ético ao pro-mover seu produto como “verde” para umconsumidor que, naturalmente, esperariaque esse controle fosse feito.

3. FALTA DE COMPROVAÇÃO DA NÃO TOXIDADE

DO PRODUTO – Muitas empresas que se pro-põem a atuar no oferecimento de produto“verde”, “eco-friendy” ou “sustentável” porvezes se esquecem de analisar adequada-mente esse atributo essencial da sustentabi-lidade: a toxidade à saúde humana e à bio-diversidade. Outras, por ignorância ou ir-responsabilidade, confundem o público aochamar a atenção para as características daembalagem (reciclada, por exemplo) ou paraoutros atributos, deixando de lado o que ver-dadeiramente importa: o não comprometi-mento da saúde do consumidor. Nesse caso,os melhores exemplos estão na área de pro-dutos de limpeza altamente tóxicos (desin-fetantes, água sanitária…), propalados como“mais sustentáveis” apenas porque suasembalagens são de material reciclado! Ou-tros chamam a atenção para o fato de serem“biodegradáveis”, sem nada informaremsobre os prejuízos à biodiversidade naturalnem sobre a toxidade em humanos. Ocorrên-cias semelhantes são encontradas na áreade cosméticos, a começar pelos sabonetes exampus. De quem é a responsabilidade poresses erros? Normalmente, das equipes decompras (que não exigem comprovações) ede algumas equipes de marketing, que que-rem se aproveitar da onda verde.

4. FALTA DE COMPROVAÇÃO DE QUALIDADE –Embora mais raro, esse problema ainda exis-te, especialmente, na área de brindes. Conti-nua em alguns segmentos do comércio umentendimento, totalmente errôneo, de quepara se ter a imagem ligada às questões de

sustentabilidade é preciso vinculá-la à eco-logia, rusticidade, primitivismo e aspectosprimários. A consequência é que passa aocorrer uma mistura desses conceitos com ade baixa qualidade de produtos. É muito co-mum irmos a eventos onde são distribuídashorrorosas canetas feitas de bambu ou deplástico reciclado. Consequência: desperdí-cio! Vale a pena também, além dos aspectosde design agradável, estar atento às ques-tões relativas à durabilidade e ao desempe-nho, especialmente de produtos importados,pelas dificuldades de solução de problemase de recuperação de imagem em pós-venda.

A tendência do mercado de produtos susten-táveis é de grande crescimento nos próximosanos. A expansão de lojas físicas e virtuaismostra que esse é um caminho lucrativo esem volta. Entretanto, é sempre bom ter emmente que a reputação da marca será cons-truída com ética e respeito junto ao consumi-dor. Já passou a época do consumidor malinformado. Hoje tudo está disponível on-line,especialmente os comentários sobre a serie-dade com que a empresa trata seus clientes.

Selecionar fornecedores responsáveis e ofe-recer informações transparentes, verdadeiras,seguras e consistentes para que o consumi-dor possa tomar sua própria decisão de com-pra será um dos caminhos para a diferencia-ção competitiva, a fidelização de clientes e osucesso da marca. Uma das formas de encur-tar o caminho será o de oferecer produtos jáavaliados no que se refere à sua sustentabili-dade. Nesse caso, selos emitidos por tercei-ras partes, como Conpet, Cerflor, Ecocert,Procel e Sustentax são uma forte indicaçãopara o consumidor final da consistência dasafirmações de atributos de sustentabilidade euma forma de mitigar os riscos para a imageme os negócios do lojista. ■

Os consumidoressão bombardeadospor propagandasenganosas do tipo‘amigável ao meio

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Novo estudo realizado por JeffreyKiehl, do Centro Nacional paraPesquisa Atmosférica (NCAR),

examina a relação entre a temperatura globale os altos níveis de dióxido de carbono (CO2)na atmosfera há dezenas de milhões de anos.A análise conclui que a magnitude das mu-danças climáticas no passado remoto da Terrasugere que as temperaturas futuras podemeventualmente subir muito mais do que oprevisto, se a sociedade continuar seu ritmode emissão de gases de efeito estufa (GEE).

Segundo Kiehl, se as emissões de CO2 con-tinuarem no ritmo de emissão atual até ofinal deste século 21, as concentrações at-mosféricas de GEE atingirão os mesmos ní-veis verificados há cerca de 30 a 100 mi-lhões de anos atrás – quando a média datemperatura global era 16oC acima dos ní-veis pré-industriais. Kiehl informa que astemperaturas globais podem levar séculosou milênios para ajustar-se totalmente emresposta aos níveis mais elevados de CO2.

Segundo o estudo e com base em recentesmodelagens computadorizadas de proces-sos geoquímicos, os níveis elevados deCO2 podem permanecer na atmosfera pordezenas de milhares de anos.

As primeiros eras climáticas de nosso pla-neta ajudam a compreender e anteciparo que poderemos enfentar brevemente.

O estudo também indica que o sistema cli-mático do planeta, em longos lapsos de tem-po, pode se tornar pelo menos duas vezesmais sensível ao CO2 – como prevêem asmodelagens – do que geralmente indicam astendências sobre o aquecimento de curtoprazo. Isso porque até mesmo os sofistica-dos modelos computadorizados ainda nãoforam capazes de incorporar, em seus ban-cos dados, processos críticos como a perdadas camadas de gelo, que ocorre ao longode séculos ou milênios, e amplificar os efei-tos precursores de aquecimento do CO2.“Se não começarmos a trabalhar seria-mente para reduzir as emissões de carbo-no, vamos colocar o planeta numa trajetó-ria nunca antes experimentada pela espé-cie humana. Estaremos condenando a ci-vilização a viver em um mundo totalmentediferente e por várias gerações”, diz Kiehl.

O artigo Perspectives, publicado na revistaScience, reúne estudos recentes que exami-nam vários aspectos do sistema climáticoaos quais Khiel aplicou modelagem mate-mática por ele estruturada para estimar astemperaturas médias globais no passadodistante. Sua análise da resposta do siste-ma climático a níveis elevados de CO2 éapoiada por estudos anteriores.

“Esta pesquisa mostra que o espelhamentodas evidências de mudanças ambientais emregistros geológicos com modelos matemá-ticos do clima futuro é crucial. Talvez as pa-lavras de Shakespeare ‘o passado é o prólo-go’ também se apliquem ao clima”, lançaDavid Verardo, Diretor do Paleoclimate Pro-gram do National Science Foundation (NSF).

Kiehl focou sua análise numa questão funda-mental: qual foi a última vez que a atmosferada Terra conteve tanto dióxido de carbonoquanto no final do século passado e agora?Se a sociedade continuar aumentando a quei-ma de combustíveis fósseis no ritmo atual, osníveis atmosféricos de dióxido de carbonodevem chegar a 900 a 1.000 partes por milhãoaté o final deste século – valores muito acimados atuais 390 partes por milhão e 280 partespor milhão dos tempos pré-industriais.

Uma vez que o CO2 é um gás de efeito estu-fa que retém o calor na atmosfera da Terra,ele é fundamental para regular o clima doplaneta. Sem o dióxido de carbono, o plane-ta congelaria. Mas quando o nível atmosfé-rico de CO2 aumenta, como por vezes acon-teceu no passado geológico remoto, as tem-peraturas globais aumentam dramaticamen-te e gases de efeito estufa adicionais, tais

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O texto original Earth’s Hot Past: Prologue toFuture Climate? foi publicado em www.eoearth.org (14/01/2011). Tradução e adaptaçãoC&MA. O texto do estudo de Kiehl, com o títu-lo Perspectives, pode ser encontrado na ediçãode junho 2011 jornal Science.

como vapor d’água e metano, alcançam aatmosfera através de processos relaciona-dos à evaporação e ao descongelamento.O que leva a um aquecimento adicional.

As evidencias coletadas por Kiehl tambémestão lastreadas na análise das estruturasmoleculares de materiais orgânicosfossilizados que revelam terem os níveis dedióxido de carbono chegado a 900-1.000 par-tes por milhão há cerca de 35 milhões deanos. Naquela época, as temperaturas emtodo o planeta foram substancialmente maisquente do que atualmente, especialmentenas regiões polares – mesmo com o Solemitindo energia ligeiramente mais fraca.Então, os altos níveis de CO2 na atmosferaaqueciam os trópicos em mais 5 a 10oC doque as médias hoje verificadas. E as regi-ões polares chegavam a ter 15 a 20 oC acimadas temperaturas atuais.

Os modelos matemáticos ensaidos por Kiehlestabeleceram que a temperatura média anu-al da Terra, há 30-40 milhões de anos, era decerca de 31 oC – substancialmente maior doque a temperatura média pré-industrial, decerca de 15oC. O estudo também descobriuque o CO2 pode ter duas vezes ou mais efei-to sobre a temperatura global do que o atu-

almente previsto pelos modelos climáticoscomputadorizados.

As mais destacadas modelagens computa-dorizadas do mundo projetam que a dupli-cação da atual taxa de CO2 atmosféricoimpactaria um aquecimento na faixa de 0,5 a1,0oC/watts/m2. (Esta unidade é a medidada sensibilidade climática da Terra a mu-danças por GEE.) No entanto, os dados pu-blicados por Khiel mostram que o impactocomparável de CO2 há 35 milhões de anosfoi de cerca de 2oC/watts/m2.

As modelagens computadorizadas conseguemcaptar os efeitos de curto prazo do aumento deCO2 na atmosfera. Mas o registro do passadogeológico da Terra abarca efeitos a longo pra-zo, o que explica a discrepância nos resulta-dos. O eventual derretimento das camadas degelo, por exemplo, leva a aquecimento adicio-nal, pois as superfícies escuras expostas naterra ou na água absorvem mais calor do queas camadas de gelo. “Esta análise indica queem escalas de tempo mais longas, nosso pla-neta pode ser muito mais sensíveis a gases deefeito estufa do que pensávamos”, alerta Kiehl.Por essa razão, para implementar a acuracidadede suas pesquisas, os climatologistas estãoadicionando a suas modelagens representa-

ções mais sofisticadas das camadas de gelo,além de outros fatores.

Como estes avanços estão on-line, Kiehlacredita que as modelagens computacionaise os registros paleoclimáticos estão próximosde um acordo, fato que evidenciará serem osimpactos do CO2sobre o clima ao longo dotempo provavelmente muito mais substanci-ais do que apontam os atuais dados. Pelofato de o CO2 estar sendo lançado à atmosfe-ra a taxas nunca antes experimentadas, Kiehlnão pode estimar o tempo que o planeta leva-ria para se aquecer plenamente.

No entanto, Kiehl – e pares – sabem que mes-mo um sensível aquecimento tornará especial-mente difícil a adaptação das sociedades e dosecossistemas às novas temperaturas. Se asemissões continuarem em sua trajetória atual,“a espécie humana e os ecossistemas globaisserão colocados em um quadro climático nun-ca antes vivenciado na história humana”,vaticina com propriedade o estudo. ■

por Sidney Graggan/National Science Foundation

?o clima futuro

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Um dos fatores a serem considera-dos na conservação do meio ambi-ente é a preservação da diversi-

dade cultural ou antropodiversidade, ten-do em conta que autonomia das comunida-des indígenas e desenvolvimento susten-tável constituem binômio indissolúvel queprecisa ser preservado não só para o bemdo índio como o da humanidade como umtodo. Por essa razão, as agências internaci-onais têm recomendado a manutenção daspopulações rurais em seus sítios de origempor constituírem ferramenta de apoio ao pla-nejamento ordenado do território em cujodesenho elas se incorporam como atoressociais. Sem exceção, os grupos étnicos dasdiferentes latitudes do mundo estão direta-mente ligados à gestão adequada dos re-cursos naturais. Por isso, os povos indíge-nas foram incluídos na Estratégia de Con-servação Mundial da União Internacionalpara a Conservação da Natureza e dos Re-cursos Naturais.

Em geral, os grupos étnicos têm longa ex-periência na gestão dos recursos naturais,uma vez que vivem desde tempos imemori-ais em contato direto com a natureza, delaobtendo os serviços para satisfazer suasnecessidades. Mesmo que não tenham de-finido o conceito de desenvolvimento sus-tentável, tais povos o vem praticando des-

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Povos indígenas & proteção ambientalpor Gloria Aurora De Las Fuentes Lacavex e Abner Ceniceros Aviña

Povos autóctonestêm longa experiên-cia na gestão dosrecursos ambientaispor coexistirem di-retamente com anatureza e pratica-rem espontanea-mente o conceito dedesenvolvimentosustentável.

de sempre. De acordo com dados arqueo-lógicos obtidos por Michael D. Coe, em1962, no México, por 14 mil anos o homemvem gestando experiência no uso dos re-cursos naturais. Esta experiência inclui o de-senvolvimento em diferentes fases: caça,coleta e agricultura primitiva.

Ao se estabelecerem as primeiras áreas na-turais protegidas, a fim de impedir que a in-dustrialização, as novas agrotecnologias e aexpansão demográfica prejudicassem sítiosque pareciam virgens da presença destruti-va do homem, verificou-se que, em muitoscasos, tais espaços não careciam de habi-tantes, pelo contrário, tais territórios alber-gavam sociedades humanas autóctones.

A alegação de que para melhor preservarestes locais é necessário remover os habi-tantes originais ou estabelecer regulamen-tos de proteção ambiental não leva em con-ta que a relação entre tais comunidades e omeio ambiente tem sido um dos principaisfatores de manutenção e preservação dosnichos ecobiológicos lá existentes. Afinal,foram os conhecimentos transmitidos de ge-ração a geração que permitiram às ativida-des das ditas sociedades serem economi-camente sustentáveis ao estimular a contí-nua renovação dos recursos naturais nasáreas sob sua administração.

Os povos indígenas são os habitantes origi-nais de muitas áreas hoje protegidas e/ou res-tritas a atividades substancialmente nocivasao meio ambiente natural. Essas populaçõescontam com um conhecimento minucioso esofisticado do meio ambiente onde vivem,saberes que a investigação científica atuallevaria anos para decifrar. Tais conhecimen-tos são utilizados pelas comunidades para ide-alizar a implementação de estratégias de de-senvolvimento e de uso da natureza em seusespaços de vida, ao mesmo tempo que pre-servam o meio ambiente – não pela simplesidéia de conservação – mas por terem plenoconhecimento e consciência de que a sobre-exploração dos recursos impacta não apenasa natureza, o ambiente e a paisagem, mas, emúltima instância, compromete o sustento e opróprio futuro de sua comunidade.

Os membros de uma cultura indígena estãocientes do delicado equilíbrio entre os dife-rentes seres. Isso pode ser percebido naideologia de muitos desses povos, basea-da no princípio de que existe uma afinidadeentre os seres humanos e todos os outrosseres vivos na Terra.

Neste contexto podemos afirmar que as cul-turas indígenas têm participado ativamenteda conservação ambiental em geral e da bio-diversidade em particular. Por isso, é vital que

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Gloria Aurora De Las Fuentes Lacavex e AbnerCeniceros Aviña – Professores da Facultade deCiencias Administrativas y Sociales na UniversidadAutónoma de Baja California, México. Texto origi-nal publicado em www.ecoportal.net

REFERÊNCIA:(1) Villoro, Luis. “En torno al derecho de autonomía de lospueblos indígenas”, en Cultura y Derechos de los PueblosIndígenas de México. p.167

tais comunidades permaneçam em seus sítiosde origem, para que suas práticas de obten-ção de matérias-primas da natureza possamapoiar os programas governamentais de pro-teção ou restauração de áreas protegidas.

POVOS INDÍGENAS: O DIREITO À AUTONOMIA

O direito à autodeterminação dos povos foiestabelecido ao final da Segunda Guerra Mun-dial, pela Carta das Nações Unidas, que prevê,nos artigos 1º e 55º o direito de todos os povosà autodeterminação. Este conceito tem sidoreafirmado, como na Convenção das NaçõesAfricanas, em Nairóbi, em 1981. Desde então,o direito internacional denuncia um problemarecorrente e ainda não resolvido adequadamen-te: a relação entre direitos individuais, que re-metem ao indivíduo, e direitos dos povos,que remetem ao sujeito coletivo.

Os povos sujeitos ao Direito de Autodeter-minação devem preencher certas caracte-rísticas, em conformidade ao espírito da Car-ta das Nações Unidas. Em primeiro lugar, acomunidade deve constitutir uma culturadistinta que se manifesta, entre outros fa-tores, através de linguagem, de costumestradicionalmente aceitos, de estilos de vida,de instituições sociais e de regras derelacionamento. Em segundo, que os mem-bros da comunidade tenham plena consci-ência de pertencer a um povo vinculado aum território geográfico natural.

RESERVAS: A SOLUÇÃO AMERICANA

Nos Estados Unidos, as reservas indíge-nas são a forma de reconhecimento do di-reito à autodeterminação dos povos, ou seja,o reconhecimento da autoridade tribal. Emmuitas ocasiões, este sistema foi conside-rado uma forma de apartheid, embora astribos não sejam obrigadas necessariamen-te a residir em uma reserva, que vem a seruma extensão de terra gerida por tribos na-tivas, sob a égide do Bureau de AssuntosIndígenas, do Departamento do Interior dosEUA (United States Department of the In-terior’s Bureau of Indian Affair).

Há cerca de 300 reservas indígenas nos EUA,o que significa que muitas das mais de 500tribos reconhecidas não têm uma reserva,embora algumas tenham mais de uma.

No exercício do poder investido pela Cons-tituição, uma das primeiras leis aprovadaspelo Congresso dos Estados Unidos foi aLei de Comércio e de Intercâmbio com osÍndios, de 1790. Ela especifica que apenas

o governo federal pode fazer acordoscom as tribos, colocando todos os aspec-tos do intercâmbio entre índios e não-índi-os sob controle federal.

Entre 1823 e 1831, três casos julgados pelaSuprema Corte Federal definiu os eixos dalegislação e da política indígena america-nas, a saber:❚ As tribos gozam de certo grau de sobera-nia em virtude do seu estatuto político eterritorial original.❚ Esta soberania pode estar sujeita à redu-ção ou supressão pelo governo federal dosEUA, mas não por governos estaduais.❚ A soberania limitada das tribos e sua de-pendência dos EUA impõem ao governofederal a obrigação moral de cuidar das tri-bos, devendo assumir a responsabilidadepela saúde e bem-estar das comunidades.

Em razão da venda de terras, algumas reser-vas foram seriamente fragmentadas. Cadaparcela de terra pertencente a grupos étni-cos nativos da América do Norte é um en-clave independente, e a mistura de proprie-dades imobiliárias públicas e privadas aca-bou criando graves problemas administrati-vos. A unidade de governo com jurisdiçãosobre reservas indígenas é o conselho tri-bal, não as instâncias federal, estadual oumunicipal. E as reservas indígenas muitasvezes contam com seus próprios sistemasde governaça, que podem ou não reproduziras formas encontradas fora da reserva.

A assinatura do tratado com os índios Dela-ware, em 1787, marcou o início de um períodode quase um século em que o governo federalfirmou mais de 650 acordos, 370 delesconfirmados. Os tratados geralmente contêmcláusulas relativas à manutenção da paz, dacaça, da pesca e dos direitos dos índios, e oreconhecimento, por parte das tribos, da au-toridade do governo federal ou sua proteção.

A partir da década de 1820, os tratados passa-ram a concentrar-se na transferência de terrastribais e na criação de reservas, fato que serefletiu na política de remoção e transferên-cia dos índios para as terras do oeste, a fim defacilitar a expansão territorial do país. A remo-ção forçada das Cinco Tribus Civilizadas dosudeste do Oklahoma, por exemplo, foi trági-ca: a comunidade foi forçada a caminhar maisde 2.800 milhas, no que ficou conhecido como“Trail of Tears” (trilha das lágrimas).

No início da demarcação das reservas, as tri-bos foram impedidas de praticar a caça como ofaziam ancestralmente, fato que levou seusmembros a ter de aprender e se adaptar àspráticas da agricultura de subsistência nasnovas terras, muitas nada ideais e outras total-mente impróprias ao cultivo, o que trouxe afome a muitas etnías que haviam firmado tra-tado com o governo federal. Por vezes, osmesmos tratados incluíram acordos de con-cessão de bens anuais a algumas tribos. Masa implementação desta política foi errática, enão raro os bens nunca foram entregues.

Quando os EUA adquiriram do México osterritórios que hoje compreendem os esta-dos do sudoeste do país, o governo federalcontinuou a fazer acordos com as tribos da-quela região. Esses tratados levaram à cria-ção de um vasto sistema de reservas nos osíndios podem exercer os seus direitos à au-todeterminação. De qualquer modo, a políti-ca de criação de reservas foi controversadesde o início, uma vez que estabelecidas deforma compulsória e, em muitos casos, coma oposição dos colonos brancos à dimen-são das reservas demarcadas. ■

Os povos indígenascrêem no princípiode afinidade entreos seres humanos etodos os outros seres

vivos na Terra.”

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Economia de baixo carbono:IHU ON-LINE – COMO REPENSAR A POLÍTI-CA ECONÔMICA BRASILEIRA A PARTIR DA QUES-TÃO AMBIENTAL?Ricardo Abramovay – O país tem hoje umasituação privilegiada que pode usar de for-ma inteligente ou desperdiçar. Este privilé-gio exprime-se no fato de que a transiçãopara uma economia de baixo carbono – ca-paz de compatibilizar seu crescimento com apreservação dos serviços ecossistêmicosbásicos – pode ser levada adiante de formamuito menos traumática que na maioria dospaíses com a importância econômica do Bra-sil. A matriz energética brasileira é dependentede combustíveis fósseis em pouco mais de50% (embora a presença das termelétricasesteja aumentando de forma preocupante).A média mundial é superior a 85% e a dospaíses mais ricos do planeta ultrapassa 90%.

O Brasil pode continuardesempenhando papelde destaque na oferta decommodities ao mesmotempo em que transitapara uma economia debaixo carbono baseadano conhecimento e não nadestruição da natureza.por Ricardo Abramovay

A redução no desmatamento da Amazôniaaumenta a probabilidade de que os compro-missos internacionais quanto à emissão degases de efeito estufa sejam cumpridos.

O fundamental, então, é que estas vanta-gens sejam utilizadas para fazer da socieda-de brasileira um exemplo internacional narelação entre economia e ecossistemas. Issose traduz por três elementos básicos.

Em primeiro lugar, é preciso que, da mes-ma forma que está ocorrendo na União Eu-ropeia, no Japão, na China e nos EUA, ainovação industrial tenha por vetor funda-mental a preocupação em reduzir ao mínimoo uso de materiais e energia por unidade deproduto. Isso exige rastreamento mais apro-fundado não só das emissões de gases de

efeito estufa, mas dos impactos da produ-ção material sobre a biodiversidade e, demaneira geral, sobre os materiais consumi-dos pela indústria. Além da chamada pega-da de carbono, é fundamental rastrear apegada de água e de todos os materiaisusados na produção.

O segundo elemento refere-se à Amazônia:não é possível que ela continue sendo enca-rada estrategicamente como o local de ondese extraem minérios, onde se produz energiae como o paraíso das commodities. É verda-de que melhoram, nos últimos anos, as con-dições de exploração de energia, minérios ecommodities. Mas ainda estamos a anos-luzda recomendação de Bertha Becker e CarlosNobre, no documento de 2008 da AcademiaBrasileira de Ciências, de construção de uma

O DESAFIO BRASILEIRO

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economia baseada no conhecimentoda natureza, no uso sustentável da flo-resta em pé. Estamos assim desperdi-çando uma riqueza nacional fantásticae, mais que isso, a oportunidade dedesenvolver um padrão de uso dosrecursos produtivos que pode serexemplar em termos internacionais.

O terceiro elemento refere-se ao pró-prio padrão de consumo atual. A con-trapartida da redução da pobreza e dadesigualdade é que deixa ainda maispatente a insustentabilidade do padrãode consumo que marca a sociedade bra-sileira. Quem mora em São Paulo perce-be que a aspiração e o verdadeiro cultoà propriedade de um automóvel indivi-dual, sua transformação não numa utili-dade, mas num valor é apenas um exem-plo de que aumento da renda não con-duz necessariamente a aumento do bem-es-tar. Isso não significa que a renda dos maispobres deva parar de crescer. Significa queos padrões de consumo atuais tão concen-trados em produtos alimentares de má quali-dade, num padrão de mobilidade urbana in-sustentável e em formas de moradia apoia-das em imenso desperdício, devem ser dis-cutidos e modificados. O Plano Brasileiro deAção para Produção e Consumo Sustentá-veis – PPCS, atualmente em consulta públi-ca, é um avanço importante nesta direção.

IHU – A PRESIDENTE DILMA ROUSSEFF PRO-METEU ERRADICAR A MISÉRIA E REDUZIR A POBRE-ZA A APENAS 4% DA POPULAÇÃO ATÉ 2014.O PAÍS TEM CONDIÇÕES DE CONTINUAR REDU-ZINDO A POBREZA, CONSIDERANDO O ATUAL

MODELO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO?R.A. – Há duas dimensões importantes nes-ta pergunta. A primeira é que o sucessoem cada passo adicional na luta contra apobreza é mais difícil que o passo anterior.Os que se encontram em situação de misé-ria absoluta são indivíduos e famílias – namaior parte dos casos, famílias monopa-rentais dirigidas por mulheres, com frequ-ência por mulheres relativamente idosas –distantes de redes básicas de solidarieda-de capazes de suprir suas necessidades emmomentos mais críticos e de abrir horizon-tes de mudança de vida em termos de em-prego ou oportunidade de geração de ren-da. Se a ideia é realmente zerar a misériaabsoluta, um caminho importante é a for-mação de equipes de agentes de desen-volvimento capacitados a dialogar comestas famílias e, sobretudo, a lhes abrir con-

tatos e oportunidades que permitam recu-perar sua auto-estima e ampliar o horizontesocial em que vivem. Os custos de forma-ção de uma rede de agentes de desenvolvi-mento seriam certamente compensados pelaredução na demanda por atendimento deurgência por parte destas famílias.

A segunda dimensão fundamental está nanecessidade de se avançar muito mais na lutacontra a desigualdade. Isso não dependeestritamente de política econômica e sim dedecisões que se referem à disponibilidade deassistência de qualidade às crianças desde aprimeira infância e à qualidade do ensino pú-blico. Mais que de renda, o Brasil é um paísem que ainda há uma profunda desigualdadede expectativas entre os filhos dos ricos e osque vêm de famílias pobres. O passo maisimportante para extirpar a miséria absoluta écriar uma sólida rede de proteção à infância euma política consistente de aumento na qua-lidade do ensino público e que permita quetodos tenham a aspiração de cursar as me-lhores universidades e ingressar nos melho-res postos do mercado de trabalho. Não sepode deixar de mencionar também as diferen-ças brutais na qualidade dos serviços de saú-de de que desfrutam ricos e pobres no Brasil.Isso é um elemento que não apenas desper-diça vidas, mas que corrói o sentimento míni-mo de solidariedade que deve marcar umasociedade democrática.

IHU – A ESTRATÉGIA DE MANTER O BRASIL

COMO O CELEIRO DO MUNDO ESTÁ NA CON-TRAMÃO DA TERCEIRA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL

BASEADA NA BAIXA EMISSÃO DE CARBONO?

R.A. – O Brasil pode continuar desem-penhando papel de destaque na ofertade commodities, ao mesmo tempo emque transita para uma economia de bai-xo carbono baseada no conhecimento,não na destruição da natureza. Os seg-mentos mais esclarecidos do agronegó-cio já se deram conta disso e não é poroutra razão que as mesas redondas dasoja, dos biocombustíveis e da pecuá-ria avançaram tanto. A produção brasi-leira de commodities sairá fortalecida deuma decisão em que os próprios empre-sários endossem uma política de des-matamento zero em todos os biomas dopaís e não só na Amazônia. Não é pos-sível imaginar que seja necessário per-sistir no desmatamento da caatingacomo base para a produção de gessoou de ferro gusa. O desmatamento é aexpressão do capitalismo brasileiro da

primeira metade do século XX, que, entre-tanto, ainda tem uma força extraordinária.Um dos grandes desafios dos próximosanos é o fortalecimento de coalizões em-presariais que façam da preservação dosserviços ecossistêmicos básicos uma dasfontes fundamentais de inovação tecnoló-gica e de ganhos econômicos. Mas, paraisso, é fundamental sinalizar que aumentoda produtividade e produção de qualidadenão combinam com devastação.

IHU – A PARTIR DA DESCOBERTA DE RESERVAS DO

PRÉ-SAL, QUAL DEVE SER A POSIÇÃO DO BRASIL

FRENTE À QUESTÃO ENERGÉTICA E AMBIENTAL?R.A. – O ponto de partida para esta respostaé a constatação da extraordinária eficiênciaenergética do petróleo. Thomas Homer-Dixone Nick Garrison, em Carbon Shift - How theTwin Crisis of Oil Depletion and ClimateChange Will Define the Future (RandomHouse, Canada) não hesitam em afirmar que apopulação mundial quadruplicou no últimoséculo graças ao petróleo. “Convertemos pe-tróleo em comida e comida em bilhões depessoas”, dizem eles. Três colheres de petró-leo cru contêm tanta energia quanto oito ho-ras de trabalho humano. No último século aquantidade de energia por hectare nas terrasagrícolas aumentou cerca de 80 vezes. É ób-vio que há inúmeras consequências negati-vas no uso do petróleo, que vão da poluiçãoe das emissões de gases de efeito estufa até opróprio poder das companhias petrolíferas.Mas a verdade é que se trata de uma fonte deenergia com eficiência impressionante e daqual a humanidade vai continuar dependenteao menos durante todo o século XXI.

O típico padrão de consumoda sociedade brasileira torna

patente nossainsustentabilidade.”

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Ricardo Abramovay émestre em Ciências Po-líticas pela Universida-de de São Paulo (USP),doutor em CiênciasEconômicas pela Uni-versidade de Campinas(Unicamp). Coordena-dor do Núcleo de Eco-nomia Socioambiental

Só que com o próprio esgotamentodo petróleo a eficiência econômicana extração vai sendo reduzida: em1930, o retorno energético do inves-timento em petróleo era de um para100. Ou seja, cada unidade de ener-gia gasta para extrair petróleo tradu-zia-se em cem unidades de energiaobtidas. Hoje, a proporção caiu deum para 17, a profundidade médiada extração subiu de 1000 para 2000metros e o tamanho médio de umnovo campo diminuiu de 20 milhõespara um milhão de barris. Estes cus-tos vão aumentar ainda mais comodecorrência do acidente de Macon-do, o poço da BP que explodiu noGolfo do México. Em reportagem noValor Econômico (17/11/2010), Sér-gio Gabrielli, presidente da Petro-bras, afirma que a indústria de pe-tróleo tem deficiências no sistemade segurança da exploração em águas pro-fundas. Corrigir estas deficiências significaaumentar os custos da exploração.

A este inevitável aumento no preço do pe-tróleo acrescenta-se, é claro, a necessáriacobrança pelas consequências destrutivasdas emissões de gases de efeito. Ainda maisse forem levados em conta os trabalhos domais importante especialista da NASA noassunto, James Hansen, de que não bastaestancar as emissões, é necessário reduziro nível de concentração de gases de efeitoestufa na atmosfera se quisermos legar anossos filhos ecossistemas mais ou menospróximos ao que conhecemos. O resultadoé que o petróleo ficará mais caro em funçãode sua escassez, de seus crescentes cus-tos de exploração e dos riscos a que estaexploração se associa. Além disso, o usodo petróleo deverá ser taxado por seus im-pactos negativos sobre a biosfera. Claro quehaverá um imenso esforço de captação decarbono, mas isso só vai contribuir para en-carecer as emissões, já que não se seques-tra carbono gratuitamente.

O grande problema é que, apesar de tudoisso, nada indica, por enquanto, que as ener-gias alternativas poderão substituir o pe-tróleo como fonte de crescimento para aeconomia mundial. Uma conclusão possí-vel desta constatação é que este crescimen-to terá que ser contido, sobretudo para ospaíses mais ricos do planeta cujas necessi-dades básicas já foram atingidas e que jápossuem a infraestrutura necessária a uma

vida social digna. O que chama a atenção éque a ideia de que deve haver limites aocrescimento econômico, repudiada comoquase folclórica no início da década passa-da, ganha um prestígio crescente nos cír-culos de negócios e entre alguns dos maisimportantes economistas contemporâneos.

IHU – O PETRÓLEO DO PRÉ-SAL PODE FI-NANCIAR A TRANSIÇÃO DO BRASIL PARA UMA

ECONOMIA COM MENOR EMISSÃO DE CARBO-NO? COMO?R.A. – Mesmo que do ponto de vista inter-nacional o desafio estratégico esteja na re-dução das emissões de gases de efeito estu-fa, seria insensato não organizar a explora-ção do pré-sal, tendo em vista o inevitávelaumento da demanda mundial por petróleo.O importante é que parte significativa dosrecursos do pré-sal seja dirigida para acele-rar a transição do Brasil para uma economiade baixo carbono, de maneira que os usuári-os dos resultados da exploração do pré-salrespondam pelo pagamento dos direitos deemissão ligados a seu uso.

É fundamental que se ampliem os investimen-tos em ciência e tecnologia ligadas ao conhe-cimento dos mais importantes biomas do paíspara que o uso sustentável da biodiversida-de, a economia da floresta em pé, a economiado conhecimento da natureza possam ganharescala e influir sobre o próprio padrão de cres-cimento da economia brasileira.

IHU – QUE HERANÇAS O GOVERNO LULA

DEIXA PARA O ATUAL PRESIDÊNCIA?

R.A. – A contribuição mais impor-tante do governo Lula é de natu-reza institucional e se exprime emtrês realizações decisivas. A pri-meira refere-se à independência daPolícia Federal. É uma instituiçãorespeitada e que leva adiante suasinvestigações de forma totalmen-te legal e profissional. O resultadoé um avanço inédito na luta con-tra a corrupção em todos os ní-veis e por todo o país. Onde háeventuais abusos de autoridade,o país dispõe de mecanismos cla-ros para coibir. A segunda refere-se ao Ministério Público: de orga-nização meio folclórica e radicalói-de tornou-se hoje uma instituiçãocoesa atuando em áreas que vãoda corrupção ao meio ambiente, eatraindo para si alguns dos melho-res jovens talentos. O terceiro ele-

mento importante refere-se ao próprio fun-cionalismo. O aumento na quantidade degestores públicos melhorou de forma im-pressionante a qualidade da máquina esta-tal. Dizer que nos últimos anos ampliaram-se os gastos com pessoal é um equívoco,pois não é esta a origem dos problemas dofinanciamento do Estado brasileiro e nãoleva em conta que gestores bem formadose bem pagos fortalecem justamente o cará-ter republicano do Estado. Quando seacrescentam a estes elementos institucio-nais o avanço na luta contra a pobreza e adesigualdade o resultado é que o país estáem condições excepcionalmente favoráveispara enfrentar seu mais importante desafioeconômico: mudar a qualidade de seu cres-cimento como base para aprofundar a lutacontra a pobreza e a desigualdade. ■

(NESSA), atua no Programa de pesquisa Dinâ-micas Territoriais Rurais do Centro Latino-ame-ricano para el Deserrollo Rural (RIMISP), doChile, e do International Development Resear-ch Center (IDRC), do Canadá. Entrevista con-cedida à IHU On-Line, publicação do InstitutoHumanitas Unisinos – IHU, da Universidadedo Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), em SãoLeopoldo, RS, em 22/11/2010.

”“ Seria insensato não explorar o

pré-sal em vista do aumento dedemanda mundial por petróleo.

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Em 2011, o Parque Indígena do Xinguestá fazendo 50 anos. Algo profundo

mudou na minha percepção de mundo en-quanto conhecia o parque e sua história du-rante a produção do filme “Xingu”. Sem dúvi-da, é um dos maiores patrimônios do Brasil - enós, brasileiros, não temos a menor ideia doque ele representa e do que está protegido ali.Criado em 1961, é a primeira reserva de grandesproporções no Brasil. Abriga povos de culturariquíssima e filosofia milenar, que vivem emequilíbrio, preservando seu modo de vida, suadignidade, sua cultura e vasta sabedoria, assi-milando só o que vale a pena do “mundo defora”, sempre em sintonia com a natureza exu-berante. Um verdadeiro santuário social, ambi-ental e histórico no coração do Brasil.

Mas não estamos falando só de preservaçãodo passado e da natureza. O que está sendoprotegido ali é o futuro. Não o futuro vistocom os óculos velhos, sujos e antiquadosque enxergam o progresso da mesma maneiracomo enxergavam nossos bisavós na Revo-lução Industrial, mas o futuro do século 21.

Esse talvez seja o maior patrimônio do Brasilhoje. Mais valioso que todo o petróleo, soja,

O Xingu do século 21

por Caio Hamburguer

Carlos Império Hamburger é diretor de cine-ma e televisão. Atualmente finaliza o filme“Xingu”, sobre a criação do Parque Indígena.Artigo publicado em Folha de S. Paulo (6/02/2011) e socializado por Gilvander Moreira, freiCarmelita, no www.ecodebate.com.br

carne, ferro que tiramos do nosso solo, outodo automóvel, motocicleta, geladeira quefabricamos. O que está protegido ali é umnovo paradigma de como o ser humano podee deve viver. Não estou dizendo que preci-samos morar em ocas, dormir em redes, to-mar banho no rio e andar nus. Falo de algomais profundo. Algo novo para nós, ditoscivilizados, que nascemos e fomos criadoscomo os donos do planeta. Arrogantes eprepotentes, nos transformamos no maioragente destruidor do nosso próprio habitat.Um exército furioso de destruição. Um vírusque se multiplica e ataca, transformando edestruindo tudo o que encontra em seu ca-minho na presunção de que estamos cons-truindo um mundo melhor, mais seguro, maisconfortável, mais rentável.

No Xingu, progresso tem outro significa-do. No Xingu, homens e mulheres não vi-vem como donos do mundo, não foram cri-ados com essa arrogância. Vivem como parteda cadeia de vida do planeta, e essa cadeiaé interligada e interdependente. O “progres-so” e o bem-estar dos homens estão liga-dos ao equilíbrio dessa cadeia. Para os ín-dios, homem e natureza evoluem juntos.

GOLPE BAIXOMas a megausina de Belo Monte quer repre-sar o rio Xingu. O rio que é a alma e a base davida das comunidades indígenas da região.Um golpe baixo, em nome do progresso. Pro-gresso com os velhos parâmetros dos sécu-los 19 e 20, que tem levado o mundo ao co-lapso social e ambiental. É isso que quere-mos? Se nossos dirigentes e a sociedadecomo um todo se interessassem em enten-der a filosofia, a cultura e a inteligência dospovos indígenas, abortariam qualquer pro-jeto que os ameaçasse. E poderíamos inau-gurar novo paradigma de progresso.

O progresso do equilíbrio. Seríamos a van-guarda mundial do século 21. Essa é a de-manda. Essa é nossa chance. Sejamos co-rajosos, ousados, visionários. Como foramos que lutaram pela criação do Parque doXingu há 50 anos. ■

AMEAÇADO

No Xingu, homens emulheres não são ar-rogantes donos domundo. São parte dacadeia interligada e in-terdependente da vidaplanetária. Para o ín-dio, homem e nature-za evoluem juntos.

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por José Eli da Veiga

Num manifesto ecopragmático, o ecólogo americano StewartBrand postula a renovação da política através de uma correnteque encaminhe soluções práticas aos grandes desafios atuais:população, clima e biodiversidade.

Os frustrantes resultados do projeto político dos verdes decorrem deapego umbilical às iniciais reações

aos impactos ambientais do produtivismoe do consumismo das sociedades contem-porâneas. Ficaram presos a sentimentalis-mos que não se traduzem em políticas ca-pazes de galvanizar as amplas bases soci-ais que até agora apoiaram a decadente so-cialdemocracia. Precisam com urgência daajuda de uma corrente irmã que venha arenovar a vida política por assumir a postu-ra pragmática intrínseca aos engenheiros.Uma corrente que encaminhe soluções prá-ticas a grandes desafios – como o popula-cional, o climático, e o da biodiversidade –com sólidos alicerces nos avanços científi-cos, principalmente em três questões: a ge-nética, a nuclear e a urbana.

Foi essa a conclusão a que chegou o sep-tuagenário ecólogo americano StewartBrand após longuíssima e abnegada mili-tância verde. Esteve com a vanguarda dacontracultura antes de lançar o legendário

À IDEOLOGIA

Whole Earth Catalog, em 1968, que rece-beu o National Book Award, em 1972. A eleadicionou a pioneira revista CoEvolutionQuarterly, a partir de 1974. Ambos duraramaté um claro ponto de mutação em meadosdos anos 1980, a partir do qual Brand pas-sou a se empenhar na formulação de cená-rios futuristas, criando a Global BusinessNetwork, parte do Monitor Group, e maistarde a The Long Now Foundation, da qualpermanece presidente.

No entanto, o fato biográfico indispensá-vel ao entendimento dessa trajetória foi,com certeza, sua experiência, entre 1975 e1983, de assessor direto do governadordemocrata da Califórnia Jerry Brown, queacaba de voltar ao posto. Foi dessa colabo-ração que saiu o exitoso programa de efici-ência energética, que hoje permite a umcaliforniano consumir muito menos energiaque os demais americanos, com metade dasemissões per capita de gases de efeito es-tufa. Mesmo com um aumento da renda percapita de 80% em três décadas, a demanda

de energia californiana não se alterou, en-quanto aumentava 50% em outros estados.

Na assessoria de Jerry Brown, uma das prin-cipais funções de Brand foi organizar diálo-gos do governador com expressivos inte-lectuais das mais diversas especialidades.Em 1977, por exemplo, eles ouviram de Ja-mes Watson, um dos pais da descoberta daestrutura do DNA, uma confissão de arre-pendimento sobre a célebre conferência degeneticistas de Fevereiro de 1975, em Asilo-mar, da qual havia sido um dos coordenado-res. Ele já percebera que haviam sido exage-radas as restrições propostas nessa confe-rência, que logo depois foram adotadas pormuitas instituições de saúde, e que, naqueleexato momento, estavam sendo debatidaspela assembleia legislativa da Califórnia.

Talvez seja por isso que a questão dos trans-gênicos apareça no “manifesto” de StewartBrand como uma das mais impiedosas críti-cas que os verdes já tiveram oportunidadede receber. Começa dizendo que a oposição

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José Eli da Veiga – Professor da pós-graduaçãodo Instituto de Relações Internacionais da USP(IRI/USP) e do mestrado profissional em susten-tabilidade do Instituto de Pesquisas Ecológicas(IPÊ). Autor dos livros Sustentabilidade – A legiti-mação de um novo valor; Mundo em Transe – doAquecimento Global ao Ecodesenvolvimento; Eco-nomia Socioambiental; Meio ambiente & Desen-volvimento; A Emergência Socioambiental, entreoutros. Esta resenha do livro Whole Earth Disci-pline: An ecopragmatist manifesto (New York:Viking-Penguin & Atlantic, 2009) foi publicada ori-ginalmente em www.pagina22.com.br – junho de2011. Os artigos do Prof. José Eli da Veiga estãodisponíveis em www.zeeli.pro.br

do movimento ambientalista aos chamadosOGM (Organismos Geneticamente Modifi-cados) atrapalhou o combate à fome, a con-servação ecossistêmica e o progresso da ci-ência, além de negar aos próprios pratican-tes da agroecologia uma ferramenta crucial.Termina por desqualificar os temores dosserviços de inteligência sobre os riscos de aengenharia genética vir a ser usada por ter-roristas, depois de desafiar os leitores a umacomparação entre as consequências daspolíticas opostas adotadas nos EUA e naEuropa sobre os cultivos de alimentos trans-gênicos. Tudo tão recheado de fatos e refe-rências à literatura científica, que fica difícilimaginar o que poderá ser uma resposta àaltura por parte dos que continuam a ter re-jeição radical à engenharia genética.

Foi bem mais recente a conversão de Brand àsegunda grande tese que o colocou em rotade colisão com os verdes: que o uso da ener-gia nuclear para gerar eletricidade será funda-mental na transição ao baixo carbono. Ele dizque resistiu a admitir essa ideia até 2002, quan-do visitou o local destinado à estocagem dolixo atômico americano: The Yucca MountainRepository, um projeto iniciado em 1978, emmontanhas que estão a menos de 200 km deLas Vegas. Todavia, praticamente toda a suaargumentação favorável à energia nuclear vemde um livro ainda mais recente: Power to Savethe World: The Truth about Nuclear Energy,publicado em 2007 por Gwyneth Cravens, ex-editora da revista New Yorker, que fez partedo grupo de ativistas verdes que, em 1980,conseguiu fechar a usina nuclear Shoreham,em Long Island.

Essa conversão de militantes verdes ao nucle-ar se apoia em dois argumentos básicos: “car-ga de base” e “pegada” (baseload e footprint).A “carga de base” corresponde à “energiafirme na base do sistema”, ou montante míni-mo de energia garantido, consistente, perma-nente, contínuo e confiável que as usinas degeração elétrica devem prover para atender asdemandas de seus milhões de clientes. Temorigem nas três fontes tradicionais – a fóssil, ahídrica e a nuclear – pois as novas – eólica esolar – são intermitentes, fazendo com que sópossam ser complementares.

Em termos do que entendem por “pegada”,uma usina nuclear de mil megawatts precisade menos de um quilômetro quadrado. Segerados por eólica, esses mil megawatts exi-giriam 600 vezes mais área. Por solar, 150 ve-zes mais. Tão ou mais significativa é a dife-

rença de volume entre o lixo atômico e o lixodo carvão. O primeiro caberia numa latinhade refrigerante se a referência fosse todo oconsumo de eletricidade do tempo de vidade um indivíduo que só usasse nuclear.

Comparativamente, o carvão atingiria 69 tone-ladas de lixo sólido, mais 77 toneladas de emis-sões de dióxido de carbono (CO2). Sem contaras cinzas e os gases, grande fonte de radioati-vidade, cheia de metais pesados, como chum-bo, arsênico, e o mais tóxico mercúrio. Estima-se que a cada ano a poluição do carvão cause30 mil mortes nos EUA e 350 mil na China.

Pode-se discordar, lembrando que o aumen-to da eficiência é que permitirá a redução daintensidade energética (quantidade de ener-gia por dólar de PIB), primeiro mandamentoda mitigação do aquecimento global. Toda-via, por mais que seja crucial, não se mostrasuficiente para substituir as geradoras elé-tricas que precisam ser fechadas, e não geraenergia para a tremenda demanda de consu-midores emergentes da China, Índia, e emvários países da África e da América Latina.O que coloca um sério problema de escolhaentre as fontes de energia disponíveis.

É por isso que muitos dos que se dedicam àquestão climática acabam por se render aoargumento do menor dos males (the lesser oftwo evils) e por preferir considerar todas aspossibilidades (take nothing off the table).Segundo levantamento citado por Brand(apud Cravens), teriam se manifestado a fa-

vor da opção nuclear 89% dos cientistas emgeral, 95% dos que estão em pesquisas ener-géticas, e 100% dos que investigam ques-tões nucleares e de radiação.

Na terceira questão enfatizada no livro – adas cidades –, os verdes não são propria-mente acusados de erro. Brand só os repro-va por ainda não terem percebido o imensopotencial que o planejamento urbano ofere-ce para o desenvolvimento sustentável.Acha que deve surgir uma nova profissão –ecólogos urbanos – capaz de levar as cida-des a cuidar de suas infraestruturas naturaiscom o mesmo nível de sofisticação que cons-truíram suas infraestruturas artificiais.

Para fazer esse triplo desafio à ideologia ver-de, Stewart Brand se esmera em mostrar queos alicerces de sua argumentação vieramda melhor literatura científica, com inúme-ros destaques para as revistas Nature e Sci-ence. Criou até mesmo um site específicopara disponibilizar e atualizar notas de ro-dapé e referências bibliográficas que teriamtornado a leitura do livro bem menos ami-gável: www.sbnotes.com

É justamente por ter tanto cuidado em semostrar cientificamente correto que surpre-ende a adesão do autor à hipótese de que oplaneta Terra seja um organismo vivo, po-pularizada pelo químico James Lovelock epela microbiologista Lynn Margulis com ape-lo ao nome da deusa grega Gaia. Essa hipó-tese é incompatível com a teoria neodarwi-nista da evolução que ele assume com clare-za desde as primeiras páginas. Uma incoe-rência que deveria ter sido explicada ao lei-tor, mas que nem por isso chega a tirar ointeresse e a importância desse pragmático“manifesto” para o avanço do pensamentosocioambiental. Quem sabe, também para asuperação das principais incongruênciasintelectuais dos partidos verdes. ■

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Prevendo um planeta mais secopor Alex Prud’Homme

Na esteira das alteraçõesambientais, os climatolo-gistas anunciam um flage-lo em instalação – a seca–, desastre que se arrastaporque seus efeitos nãosão sentidos de imediato.Para prevenir uma emer-gência desse tipo, o autoralerta que precisamos re-definir como pensamos,valorizamos e consumi-mos a água.

SECA: O PRÓXIMO PROBLEMA

Enchentes, tornados, terremotos, tsunamise outros fenômenos meteorológicos extre-mos deixaram uma trilha de destruição noprimeiro semestre de 2011. Mas tudo issopode ter sido apenas o começo de um anonotável pelo mau tempo.

Na região sul dos EUA, 14 Estados estãoagora “assando” – desde o Arizona, queestá combatendo o maior incêndio de suahistória, até a Flórida, onde incêndios des-truíram cerca de 81 mil hectares até agora. Omais grave é que, diferente de terremotos efenômenos que se deslocam rapidamente,como furacões, as secas podem tornar-se acondição permanente em algumas regiões.Os climatologistas descrevem a seca como“um desastre que se arrasta”, porque seusefeitos não são sentidos de imediato. En-quanto isso, a expectativa é que a demandamundial por água cresça em dois terços até2025, e as Nações Unidas temem uma “cri-se iminente de escassez de água”.

A grande aridificação de 2011 começou nooutono (do hemisfério norte) passado; emmuitos Estados dos EUA, a temperatura tempassado dos 37°C por dias a fio. Um sistemade alta pressão ficou estacionado sobre o meio

do país, bloqueando a chegada de ar mais friovindo do norte. O calor provocou 138 mortesem 2010, mais que os furacões, as enchentese os tornados, e ressecou a vegetação de cer-rado, tornando-a vulnerável a relâmpagos edescuidos humanos. Cerca de 40 mil incêndi-os este ano já devastaram 2,3 milhões de hec-tares em todo os EUA, e o calor forte de agos-to provavelmente deixará a situação pior an-tes que haja alguma melhora.

Richard Seagar, que analisou registros histó-ricos e projeções de modelos climáticos parao sudoeste dos EUA para o ObservatórioTerrestre Lamont-Doherty, na UniversidadeColumbia, afirmou: “Não é possível chamarisso de estiagem porque implicaria umamodificação temporária. Os modelos apon-tam para uma aridificação progressiva. Nãodizemos que ‘o Saara está passando por umaseca’. É um deserto. Se os modelos estiveremcorretos, o sudoeste dos EUA vai enfrentarum processo de ressecamento permanente.”

ÁGUA: CADA DIA MAIS ESCASSA NO MUNDO

O aumento da população vem intensifican-do a pressão sobre as fontes de água. Hámais pessoas do que nunca no planeta, eem muitos lugares a água vem sendo con-sumida em ritmos insustentáveis.

Mudanças culturais contribuem para exer-cer efeitos sutis e de longo alcance sobreas fontes de água. Em 2008, pela primeiravez, havia mais pessoas vivendo em cida-des do que em comunidades rurais em todoo planeta, e a água vem se urbanizando. Ealgumas das maiores cidades do mundo –Melbourne, Barcelona e Cidade do México– já sofreram emergências por falta d’água.

O ressecamento adicional pode levar a novostipos de desastres. Considere-se o caso dePerth, na Austrália: sua população passou de1,7 milhão de habitantes, ao mesmo tempo emque a precipitação diminuiu. Os planejadoresurbanos temem que, se não forem tomadasmedidas drásticas, Perth possa se tornar aprimeira “cidade fantasma” do mundo – umametrópole moderna abandonada por falta deágua. Destinos semelhantes talvez aguardemas cidades americanas em pleno crescimentosituadas em regiões desérticas: Las Vegas,Phoenix ou Los Angeles.

PROCURA-SE FONTE À PROVA DE ESTIAGEM

Nossa resposta tradicional ao ressecamen-to tem sido a de construir infraestrutura hí-drica: barragens, tubulações de água, aque-dutos, diques. Muitos defendem a cons-trução de barragens ainda maiores e proje-

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tos de encanamento de grande envergadu-ra, incluindo um que propõe a captura daságuas de inundações do Mississippi e seudesvio para o oeste ressecado.

Hoje, porém, acredita-se amplamente que osprojetos de desvio hídrico são caros, inefici-entes e ambientalmente destrutivos. Os ad-ministradores de recursos hídricos estão àprocura de uma fonte de água que seja à pro-va de estiagens. O controle climático, ou se-meadura de nuvens, é uma ideia atrativa.

Quando químicos descobriram que gelo secojogado dentro de nuvens produzia neve, e quenuvens semeadas com iodeto de prata produ-ziam chuva, eles se maravilharam, achandopossível acabar com as estiagens. Sob condi-ções perfeitas, o controle climático pode ele-var a precipitação entre 10% e 15%. A Chinaafirma que entre 1999 e 2006 produziu 36 bi-lhões de toneladas métricas de chuva por ano.Mas críticos, entre os quais o Conselho Nacio-nal de Pesquisas dos EUA, questionam a efi-cácia do controle climático. Embora as evidên-cias sugiram que ele funciona até certo ponto,é pouco provável que possa gerar uma fonteimportante de água no futuro próximo.

O oceano é uma fonte mais promissora. Háséculos as pessoas vêm sonhando em con-verter a água do mar em fonte ilimitada deágua doce. Até 2008, mais de 13 mil usinasde dessalinização em todo o mundo produ-ziram bilhões de galões de água por dia.Mas a água dessalinizada tem custo alto e éambientalmente controversa.

A água residual, ou de esgoto, oferece umafonte interessante, embora esteticamentequestionável, de água potável. Os defen-sores descrevem a água de esgoto recicla-da como sendo “do chuveiro às flores”;para seus detratores, esse esquema vem aser “da privada à torneira”. Os planos paraa reciclagem de água de esgoto vêm ga-nhando aceitação lentamente. Windhoek,na Namíbia – um dos lugares mais secos doplaneta – depende exclusivamente de águatratada para suas reservas de água potável.

Em El Paso, no Texas, 40% da água que che-ga às torneiras são de esgoto reciclada.Fairfax, na Virgínia, recebe 5% da água dareciclagem de esgoto. Cingapura é um exem-plo notável: nenhum outro país usa águacom tanta parcimônia. Nos anos 1950, Cin-gapura enfrentou o racionamento de água,mas na década de 1960 construiu um siste-

■ A vida de um milhão de crianças desnutridas está em risco devido à seca queafeta a Somália e que está se agravando em outros quatro países vizinhos, naregião conhecida como Chifre da África, principalmente no Quênia, Etiópia, Ugan-da e Djibuti.

■ “Temos dois milhões de crianças desnutridas (nessa região) e metade delas estãoem condições que ameaçam suas vidas. Isso significa um aumento de 50% emrelação aos números de 2009”, informa Marixie Mercado, porta-voz do Unicef.

■ Segundo a Unicef, em alguns acampamentos de atendimento humanitário, a taxade desnutrição entre as crianças somalis é de pelo menos 45%, enquanto a demortalidade superou o patamar de emergência, com quatro crianças mortas diaria-mente para cada 10 mil no caso específico de um acampamento situado na Etiópia.

■ As últimas avaliações do Programa Mundial de Alimentação (PMA), da ONU,indicam que 10 milhões de pessoas nos países afetados pela seca requerem assis-tência alimentar emergencial.

■ No Quênia, as chuvas não caíram no norte durante a temporada habitual - entreabril e junho -, o que agravou a crise. “Estima-se que o número de pessoas afeta-das ali suba para 3,5 milhões no mês de agosto deste ano”, ressaltou a porta-voz.Na Etiópia, cerca de 3,5 milhões de pessoas afetadas pela seca dependem exclusi-vamente da ajuda humanitária internacional para sobreviver.

Fonte: ONU (UNICEF e PMA)

ma de fornecimento dos mais sofisticadosno mundo. Hoje 40% da água consumidaem Cingapura vem da Malásia, enquanto25% a 30% é fornecida pela dessalinizaçãoe a reciclagem de águas residuais; o restan-te vem de fontes que incluem a coleta emgrande escala de água da chuva. A deman-da é limitada por tecnologias eficientes eimpostos sobre o fornecimento.

O mais importante de tudo é que a água dopaís é administrada por uma autoridade hí-drica politicamente autônoma, sofisticadae bem financiada. Graças a isso, o consumode água per capita em Cingapura caiu de165 litros por dia em 2003 para 154 em 2011.

Alex Prud’Homme – Jornalista americano e au-tor do livro The Ripple Effect – The Fate of Waterin this Twenty-first Century (editado por Nan Gra-ham e publicado por Scribner, em Junho 2011), queaborda a gravíssima questão da crise hídrica mun-dial. Este artigo foi publicado originalmente no TheNew York Times e no jornal Folha de S. Paulo e noIHU-Online (www.ihu.unisinos.br), em 25/7/2011.

ÁFRICA: SECA PÕE EM RISCO UM MILHÃO DE CRIANÇAS

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Os EUA são um país maior e mais complexo.Poderia adotar medidas básicas como insta-lar medidores de água inteligentes, identifi-car vazamentos, coletar a água da chuva ereciclar esgotos em grande escala. Os rela-tos do Novo México, Texas, Louisiana, Ge-órgia e Flórida mostram que continuar comosempre foi feito não é uma opção. ■

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A diminuição dosgrandes predado-res vem provocan-do, desde temposimemoriais, mu-danças dramáti-cas na cadeia ali-mentar dos ecos-sistemas terrestrescom reflexos nadegradação dosolo, da água, davegetação e da at-mosfera.

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por Drs. Ellen K. Pikitche James A. Estes

Oestudo Trophic Downgrading of Pla-net Earth (Redução Trófica no Plane-

ta Terra), publicado na revista Science, afir-ma que a perda de grandes consumidoresnos ecossistemas é certamente a mais graveintervenção humana sobre a natureza. Estarevisão assinada por um grupo de 24 cientis-tas lança luz sobre os padrões e os impactosda predação e do herbivorismo na constru-ção e na dinâmica dos ecossistemas.

“Ao pesquisar os ecossistemas , os cientis-tas e gestores de recursos têm em geral seconcentrado apenas numa parte de umaequação muito complexa. As evidênciasindicam que os consumidores de ponta dacadeia alimentar influenciam maciçamen-te a estrutura, a função e a biodiversidadedos ecossistemas naturais”, revela o Dr.James Estes, um dos autores do estudo.

A lista dos grandes consumidores incluifelinos, lobos, bisões, tubarões, baleias etodos os animais geralmente grandes ede longa vida, não viáveis para estudos eexperiências em laboratório. Por isso, asconsequências do desaparecimento ourareificação de tais indivíduos são de di-

fícil apreciação. Mas, agora, graças à re-visão de um conjunto de evidências per-tinentes à eliminação dos grandes con-sumidores da cadeia alimentar natural evi-dencia-se que a consequente reduçãotrófica desta perda é capaz de provocarreações em cascata nos ecossistemasmundiais, especialmente quando essaperda é exacerbada por fatores como prá-ticas de uso do solo pelos humanos, mu-danças climáticas, perda de habitat e po-luição. Entre os efeitos negativos que aperda generalizada dos grandes animaisjá provocou na biosfera, no clima, na bio-diversidade e na vegetação, os pesquisa-dores apontam, por exemplo, que:

• A redução de leões e leopardos das regi-ões subsaarianas levou ao aumento da po-pulação de babuínos, fato que exponencioua transmissão de parasitas intestinais des-tes para os humanos, já que os primatasforam forçados a procurar alimento nas cer-canias dos assentamentos humanos. • Quando os grandes ungulados se recupera-ram de uma devastadora epidemia de pestebovina no Serengeti, África, a herbivoria au-

mentou, decretando o declínio na freqüênciade incêndios nas matas da região. Na Austrá-lia e no nordeste dos EUA, a frequência deincêndios florestais naturais aumentou des-de o declínio dos megaherbívoros, no finaldo Pleistoceno e início do Holoceno.

• No século 20, a indústria baleeira resultouna perda de grande contingente de cetáce-os consumidores de plâncton que seqües-tram carbono (CO2). O resultado da dizima-ção é que nada menos de 105 milhões detoneladas de CO2 – que teriam sido absor-vidos pelos cetáceos e sepultados no fun-do do mar com suas fezes – foram transferi-dos para a atmosfera, contribuindo para asmudanças climáticas.

REDUÇÃO TRÓFICA NO PLEISTOCENO

Uma nova análise da extinção dos mamutes eoutros mamíferos de grande porte, há mais de10.000 anos, sugere poderem eles ter sido ví-timas do mesmo tipo de ruptura da cadeiaalimentar em cascata dos ecossistemas queos autores do estudo Trophic Downgradingof Planet Earth alegam ser a causa do atualdeclínio global de predadores (lobos, pumas,tubarões...). Em ambos os casos, esses even-

vitais para o ecossistema

GRANDES PREDADORES:

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Fontes consutadas: Dr. Ellen K. Pikitch (dire-tora sênior do Institute for Ocean ConservationScience – www.oceanconservationscience.org), Dr.James A. Estes (especialista em ecologia na Uni-versity of California, em Santa Cruz), Stony BrookUniversity, Paleontology & Archaeology (http://esciencenews.com/) e Oregon State University.

tos foram iniciados pela ação humana nosecossistemas. Só que, no passado, a raiz doproblema não foi a perda de um predador-chave, mas a adição de outro: os caçadoreshumanos armados com lanças.

Num artigo publicado na revista BioSci-ence, pesquisadores propõem que estaextinção em massa foi causada pelos se-res humanos recém-chegados, quedesestabilizaram o equilíbrio da cadeia ali-mentar (trófico) ao competir com os gran-des predadores, como o tigre-de-dente-de-sabre (smilodon). O rompimento doequilíbrio que vigiu por milhares de anos– além de mudanças climáticas – possi-velmente explicam a perda de dois terçosdos grandes mamíferos da América doNorte. “Há décadas os cientistas vêm de-batendo as causas dessa extinção emmassa, e as duas teorias de maior con-senso apontam para a pressão exercidapela chegada do homem-caçador e asmudanças climáticas”, informa WilliamRipple, professor de ecossistemas flores-tais e sociais da Ore-gon State Universi-ty. “Acreditamos que o ser humano podeter sido um fator de deperdição, mas nãoexclusivamente em função da caça. Elefoi o gatilho do mecanismo de desequilí-brio do ecossistema”, explica Ripple.

No Pleistoceno tardio, os grandes preda-dores e ampla gama de mamíferos (mamu-tes, mastodontes, preguiças, camelos, ca-valos e várias espécies de bisão) domina-vam a América do Norte num delicado equi-líbrio de forças. As evidências paleontoló-gicas indicam não ter havido grave escas-sez de alimentos causada por mudanças am-bientais há 10.000 a 15.000 anos. Havia,portanto, alimento em abundânca para osherbívoros e o sistema estava em equilíbrio,embora dominado por predadores.

Mas a chegada dos caçadores humanos re-presentou para os carnívoros um novo con-corrente para a mesma presa. “Por seremonívoros quando necessário, os humanospuderam subsistir com alimentos de ori-gem vegetal. Pensamos que isso pode terdesencadeado um colapso sequencial nãosó junto aos herbívoros de grande porte,mas, em última análise, também em seuspredadores. É importante ressaltar que oshumanos contavam com defesas contra apredação – fogo, armas e vida em grupo.Por isso foram capazes de sobreviver”,observa Van Blaire Valkenburgh, especia-

lista em Paleobiologia de carnívoros, naUCLA, e co-autor do estudo.

Em estudos recentes no Parque Nacionalde Yellowstone, os cientistas da Ohio StateUniversity e de outras instituições têm anali-sado a ruptura das cadeias alimentares,muitas vezes causadas pela perda ou intro-dução de um único grande predador numdado ecossistema. A eliminação dos lobosem Yellowstone, por exemplo, provocou umasuperpopulação de alces, que levou a ge-neralizados e desastrosos sobrepastoreio,danos aos ecossistemas hídricos, morte len-ta de espécimes florestais, além de efeitosnegativos em todo o ambiente. Mas a partirda reintrodução dos lobos em Yellowstone,os estudos mostram que o processo têmcomeçado a se inverter.

“A evidências comprovam que importan-tes rupturas de equilíbrio nos ecossiste-mas – e seus efeitos cascata – podem sercausadas tanto pela subtração como pelaadição de um predador importante. No

caso dos mamutes e dos tigres-de-dente-de-sabre, os problemas podem ter come-çado pela adição de um predador: o serhumano”, argumenta Ripple

A perda de espécies na América do Nortedurante o Pleistoceno tardio foi marcante –cerca de 80% das 51 espécies de grandesherbívoros foram extintas, juntamente commais de 60% de grandes carnívoros. Pes-quisas anteriores documentaram o aumen-to das populações de mamutes, o que evi-dencia fartura de alimento adequado,inviabilizando a hipótese de redução dehabitat induzida por fatores climáticos.

Cascatas tróficas iniciadas por seres huma-nos estão amplamente registradas. Na Amé-rica do Norte, elas podem ter começado coma chegada dos primeiros humanos, e hojecontinua com a eliminação de lobos, pumase outros predadores. A caça às baleias noséculo passado pode ter levado orcas pre-dadoras a voltar sua atenção para outraspresas, como focas e lontras marinhas. E oresultante declínio populacional das lontrasprovocou a explosão de ouriços do mar e ocolapso dos ecossistemas florestais de al-gas kelp. Para Van Valkenburgh, “é impor-tante compreendermos como os ecossiste-mas terrestres do Pleistoceno foram estru-turados para gerenciarmos a preservaçãoe a restauração dos ecossistemas atuais.”

Portanto, a trágica redução em cascata deespécies pela exploração humana damegafauna marinha que agora ocorre podeser um repeteco da cascata reducionistamotivada pela ação antrópica na megafau-na terrestre há mais de 10.000 anos. Emboraeste dado seja preocupante, não é tardedemais para, desta vez, alterarmos o cursodos eventos se quisermos sustentar osecossistemas do planeta. “A partir de ago-ra devemos ter em mente que significati-vas alterações do ecossistema ocorremquando os grandes predadores e herbívo-ros são eliminados do topo da cadeia ali-mentar. Portanto, os esforços para gerir econservar a natureza devem incluir essesanimais”, alerta a Dr. Pikitch. ■

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causa anomalias em fetos

por Lucia Graves

A substância química central do Roundup – o herbicida mais usado naagricultura e em jardins do planeta – está no banco dos réus após aliberação, pela Earth Open Source, do relatório “Roundup and birthdefects: Is the public being kept in the dark?”, que aponta os gravesriscos do glifosato ao ser humano e exige a revisão urgente das normasregulatórias referentes a seu uso.

Há décadas os analistas argumentam que oglifosato – o ingrediente ativo do Roundup

e de outros herbicidas de uso mundial – repre-senta uma séria ameaça à saúde pública. No en-tanto, as agências reguladores do setor agrícolatêm sistematicamente ignorado tal consideração.

Uma ampla revisão dos dados existentes divul-gado este mês pela Earth Open Source (EOS) –organização aberta a todo tipo de informaçãoque promova a produção sustentável de alimen-tos – sugere que os agentes reguladores do setorindustrial e agrícola da Europa há anos estão

Roundup

cientes de que o glifosato (originalmente intro-duzido no mercado pela empresa de biotecnolo-gia americana Monsanto, em 1976) causa defei-tos em embriões de cobaias de laboratório.

Fundada em 2009, a Earth Open Source (EOS) éuma organização sem fins lucrativos, constituí-da no Reino Unido, mas de escopointernacional. Seus três diretores, especializadosem negócios, tecnologia e engenharia genética, eum punhado de jovens voluntários trabalhamgraciosamente. Em parceria com cientistas e pes-quisadores internacionais, o grupo chegou à atu-

al conclusão a respeito do Roundup a partir deestudos realizados em escala mundial, inclusiveArgentina, Brasil, França e Estados Unidos.

O estudo da Earth Open Source (EOS) é apenas omais recente relatório a questionar a segurança doglifosato, herbicida no topo do ranking de utiliza-ção nos EUA. Os dados numéricos exatos refe-rentes ao volume consumido são difíceis de en-contrar devido ao fato de o Departamento de Agri-cultura dos EUA ter parado de atualizar seu ban-co de dados sobre uso de pesticidas em 2008. AAgência de Proteção Ambiental americana estima

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que o mercado agrícola tenha utilizado de 81,6 a84 milhões de quilos de glifosato entre 2006 e2007, enquanto o mercado não-agrícola utilizoude 3,6 a 5 milhões de quilos entre 2005 e 2007,segundo o Pesticide Industry Sales & Usage Re-port for 2006-2007 (www.epa.gov/opp00001/pestsales/), publicado em fevereiro de 2011.

A EOS também relata que, já em 1993, a indústriade herbicidas, inclusive a Monsanto, sabia quedoses baixas e médias do glifosato provoca ano-malias gravíssimas, tal como dilatação do coraçãoem coelhos. O relatório sugere ainda que, desde2002, os órgãos reguladores da Comissão Euro-peia tinham conhecimento das malformações pro-vocadas pelo glifosato no desenvolvimento decobaias de laboratório. Mesmo assim, o relatóriofinal de avaliação do glifosato publicado peloComitê de Saúde e a Divisão de Consumo, em2002, aprovou o uso do herbicida na Europa paraum período de 10 anos.

No ano passado, relatório do Escritório FederalAlemão para a Proteção do Consumidor e da Se-gurança Alimentar (BLV) – agência governamen-tal encarregada da análise do glifosato – relatou àComissão Europeia que não havia evidência de ocomposto provocar defeitos de nascimento. Aagência chegou a tal conclusão apesar de quasemeia dúzia de estudos sobre o glifosato aponta-rem para as malformações fetais em cobaias delaboratório, bem como um estudo independente,de 2007, ter relatado que o Roundup provocaefeitos adversos no sistema reprodutivo das criasmacho de uma espécie de rato. Os agentes regula-dores alemães se recusaram a considerar este dadoao alegarem só terem tomado ciência do relatórioda EOS na semana passada. Os agentes regulado-res enfatizaram que suas considerações basearam-se em pesquisa pública e literatura revisada.

Embora a Comissão Europeia tenha original-mente planejado uma revisão do glifosato para2012, ano passado decidiu não fazê-lo até2015. E, segundo o relatório, também não serárealizada uma revisão química sob padrões maisrigorosos e atuais até 2030.

A Comissão Europeia relatou ao jornal The Huf-fington Post que não iria comentar sobre se játinha, desde 2002, conhecimento de estudos quedemonstram a toxicidade do glifosato. Mas in-formou que a comissão tomou conhecimento doestudo da EOS e o discutiu com os Estados mem-bros. “A Alemanha concluiu que o atual estudonão altera a avaliação de segurança do glifosa-to. Esta visão é compartilhada por todos os ou-tros Estados membros”, sentenciou em e-mailao HuffPost um funcionário da Comissão.

John Fagan, bioquímico, biólogo celular e mole-cular, e um dos fundadores do EOS, reconheceuque o relatório de seu grupo não evidencia novaspesquisas de laboratório. Para ele, o objetivo doalerta é levar cientistas e pesquisadores a compi-lar e avaliar as provas existentes e criticar a res-

posta das agências reguladoras. “O objetivo destetrabalho foi reunir e avaliar criticamente todasas evidências em torno da segurança do glifosa-to, e também considerar como as agências regu-ladoras, em particular na Europa, consideramas evidências”, esclarece Fagan.

Por seu turno, a EOS afirma que a aprovação doherbicida pelas agências governamentais foi oni-presente e problemática. “Nosso exame das pro-vas nos leva à conclusão de que a aprovação emcurso do glifosato Roundup é profundamente fa-lha e não confiável”, escreveram os autores dorelatório. ”Ainda por cima aprendemos com es-pecialistas familiarizados com avaliações e apro-vações de pesticidas que o caso do glifosato nãoé incomum. Os especialistas consultados afirmamque as aprovações de numerosos pesticidas seBaseiam em dados e avaliações de risco cientifi-camente falhos, se não mais”, “Esta é mais umarazão pela qual a Comissão deve rever urgente-mente o glifosato e outros pesticidas segundo osmais rigorosos padrões de teste atuais”, infor-mam os autores do relatório.

Janice Person, porta-voz da Monsanto, informouem comunicado que o relatório da EOS não apre-senta novas descobertas. “Com base em nossaanálise inicial, o relatório da EOS não parececonter nenhuma nova evidência toxicológica arespeito do glifosato. As autoridades regulado-ras e especialistas independentes espalhados pelomundo concordam que o glifosato não causa efei-tos adversos de reprodução em animais adultosou defeitos de nascença nas crias desses adultosexpostos ao glifosato, mesmo em doses muito su-periores às atuais exposições ambientais ou ocu-pacionais”, disse Person.

Enquanto o Roundup tem sido associado a defor-midades em uma série de animais de laboratório, oseu impacto em humanos permanece obscuro. Umestudo laboratorial realizado na França, em 2005,evidenciou que o Roundup e o glifosato causarama morte de células da placenta humana. Outro es-tudo, conduzido em 2009, descobriu que o Round-up causou, em 24 horas, a morte de células embri-onárias, placentárias e umbilicais humanas. Nãoobstante, os pesquisadores têm realizado poucosestudos nesse seguimento.

“Obviamente há um limite para o que é apropri-ado em termos de testes de veneno em seres hu-manos”, informa Jeffrey Smith, diretor executi-vo do Institute for Responsible Technology, queadvoga contra os alimentos geneticamentemodificados. ”Mas se olharmos para a linha deconvergência de evidências, ela aponta para umproblema grave. E se olharmos os estudos dealimentação animal com culturas geneticamentemodificadas pelo Roundup há um tema consis-tente de distúrbios reprodutivos, cuja causa ain-da ignoramos pelo fato de ainda não terem sidorealizados estudos de acompanhamento . Faz-senecessário mais investigação independente paraavaliar a toxicidade do Roundup e do glifosato,já que as evidências acumuladas são suficientespara acender o sinal vermelho.”

Autoridades já criticaram a Monsanto no pas-sado em função do Roundup-soft.. Em 1996, aProcuradoria Estado de Nova York Geral pro-cessou Monsanto por nomear o Roundup como“ambientalmente amigável” e “seguro como osal de mesa”. Embora não admitindo qualquerirregularidade, a Monsanto concordou em pararde usar tais termos para fins promocionais epagou ao estado de Nova York 250 mil dólarespara encerrar o caso.

As agências reguladoras americanas afirmam es-tar cientes das preocupações em torno doglifosato. A Agência de Proteção Ambiental(EPA), que reavalia a segurança e eficácia detodos os pesticidas em um ciclo de 15 anos viaprocesso de revisão de registro, está atualmenteanalisando o composto. “A EPA iniciou o pro-cesso de revisão do registro do glifosato emjulho de 2009. Isso irá determinar se nossasavaliações anteriores deste produto químicoprecisam ser revistas com base nos resultadosdesta revisão. A EPA emitiu uma solicitação àempresa [Monsanto] para que ela envie à agên-cia, até setembro de 2010, dados referentes àsaúde humana e à ecotoxicidade”, afirma a EPAao HuffPost em declaração escrita.

A EPA também afirma que irá rever uma “amplagama de informações e de dados coletados junto apesquisadores independentes”, incluindo a EarthOpen Source. O departamento de Programas dePesticidas da agência responsável pela revisão es-tabeleceu o prazo de 2015 para determinar se asmodificações de registro precisam ser feitas ou seo herbicida deve continuar a ser vendido ou tirado

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do mercado. Embora as escaramuças sobre a regu-lamentação do glifosato esteja colocando em cam-po as agências reguladoras dos EUA e de outrospaíses, a Argentina está na vanguarda da batalha.

O MODELO ARGENTINO

O relatório “Roundup and birth defects: Is thepublic being kept in the dark?”, da Earth OpenSource vem a público anos após cientistas e opi-nião pública argentinos terem morado baterias noglifosato sob o argumento de o composto ter pro-vocado problemas de saúde e danos ambientais.

Os agricultores argentinos usam o herbicida prin-cipalmente na cultura de soja geneticamentemodificada (Roundup Ready), que cobre quase50 milhões de acres ou metade da área de terracultivada do país. Em 2009, os agricultores pul-verizaram a área plantada com estimados 200milhões de litros de glifosato.

O governo argentino ajudou a tirar o país da reces-são da década de 1990 em parte pela promoção doplantio de soja geneticamente modificada. Apesarde ter sido para os agricultores pobres uma espéciede milagre, vários anos após o “milagre” os habi-tantes das proximidades das grandes plantações desoja modificada foram os primeiros a relatar pro-blemas de saúde, com altas taxas de câncer e denascimentos de crianças com defeitos congênitos,bem como perdas de colheitas e de gado devido aofato de a pulverização do herbicida ter alcançadotoda a zona rural.

Esses relatórios ganharam ainda maior força de-pois que Andrés Carrasco, cientista do governoargentino, realizar o “Glyphosate-Based Herbi-cides Produce Teratogenic Effects on Vertebra-tes by Impairing Retinoic Acid Signaling”, em2009. Publicado na revista Chemical Researchin Toxicology, em 2010, o estudo concluiu que oglifosato, em dosagens bem menores do que autilizada na pulverização agrícola, provocavamalformação em sapos e em embriões de gali-nha. Também evidenciou que as malformaçõesem sapo e em embriões de galinha pelo herbicidaRoundup – e seu ingrediente ativo, o glifosato –eram semelhantes aos defeitos congênitos emhumanos detectados nas regiões produtoras desoja geneticamente modificada. “Os resultadosde laboratório são compatíveis com as malfor-mações observadas em humanos expostos aoglifosato durante a gravidez”, escreveu Carras-co, diretor do Laboratório de Embriologia Mole-cular da Universidade de Buenos Aires. ”Suspeitoque a classificação de toxicidade do glifosato émuito baixa. Em muitos casos, o glifosato podeser um poderoso veneno”, concluiu Carrasco.Mesmo com tais provas, a Argentina não em-preendeu nenhuma reforma federal e não discu-tiu publicamente a pesquisa, disse Carrasco aoHuffPost, exceto para montar uma “defesa acir-rada da Monsanto e de seus parceiros”.

O Ministro da Ciência e Tecnologia passou a dis-tanciar o governo do estudo, afirmando pela mídia

que o estudo não fora encomendado pelo governoe não tinha sido revisado por pares científicos.Ignacio Duelo, porta-voz do Ministério da Ciênciae Tecnologia do Conselho Nacional de Investiga-ção Científica e Técnica (Conicet) disse em decla-ração oficial ao HuffPost que, apesar de Carrascoser um dos investigadores, o Conicet não atestouou validou a pesquisa. Duelo informou estar o Mi-nistério da Ciência analisando o relatório Carrascocomo parte de um estudo dos possíveis efeitosnocivos do glifosato. Os investigadores, acrescen-tou o ministro, ainda não foram capazes de “che-gar a uma conclusão definitiva sobre os efeitos doglifosato sobre a saúde humana, já que mais estu-dos são recomendáveis, bem como mais dadossão necessários”.

BANIMENTOS REGIONAIS

Após Carrasco anunciar suas descobertas, em2009, o Ministério da Defesa proibiu o plantiode soja resistente ao glifosato geneticamentemodificada nas terras que arrenda para os agri-cultores, e um grupo de advogados ambientaisentraram com ação na Corte Suprema de Argen-tina para implementar a proibição nacional so-bre o uso de glifosato, incluindo o Roundup, daMonsanto. Mas a proibição nunca foi adotada.“Caso aprovada, a proibição significaria que nãode poderia mais praticar a agricultura na Argen-tina”, declarou na época Guillermo Cal, diretorexecutivo da CASAFE, associação argentina dasempresas de fertilizantes.

Em março de 2010, um tribunal regional da pro-víncia de Santa Fé proibiu a pulverização de her-bicidas glifosatados perto de áreas povoadas. Ummês depois, o governo da província de Chacoemitiu um relatório sobre as estatísticas de saúde

de La Leonesa. O relatório, publicado no jornalesquerdista argentino Página 12, mostrou que de2000 a 2009, após a expansão de culturas geneti-camente modificadas de soja e de arroz na região,a taxa de câncer infantil triplicou em La Leonesa,e a taxa de crianças nascidas com defeitos congê-nitos foi quase quatro vezes maior do que a veri-ficada em toda a província.

MAIS QUESTIONAMENTOS

Ao regressar aos EUA, Don Huber, professoremérito de fitopatologia da Universidade Pur-due, descobriu que as plantações geneticamentemodificadas usadas em conjunto com Roundupencerram uma bactéria capaz de causar abortosespontâneos em animais. Depois de estudar asbactérias, Huber enviou em fevereiro ao Secretá-rio de Agricultura, Tom Vilsack, a advertência deque os “patógenos parecem afetar significati-vamente a saúde das plantas, animais e muitoprovavelmente dos seres humanos”.

Segundo Huber, a bactéria é particularmente pre-valente em culturas de milho e soja atingidas porpragas, fato que motivou Huber a solicitar a Vil-sack a desregulamentação dos cultivos RoundupReady. Críticos como Huber são particularmentecautelosos em relação a essas culturas, pois oscientistas as alteraram geneticamente para torná-las imunes ao Roundup e, assim, permitir aosagricultores a livre pulverização do herbicida emum campo para matar as ervas daninhas e permi-tir o crescimento da colheita..A Monsanto não é a única empresa a produzirglifosato. A China vende glifosato para a Argen-tina a um preço muito baixo, disse Carrasco, e hámais de cem formulações comerciais nomercado. Mas é na Roundup, da Monsanto, quese concentra a maioria dos críticos, em parteporque ela domina o mercado.

O crescimento na adoção de culturas geneticamen-te modificadas explodiu desde sua introdução, em1996. A Monsanto estima que, em 2010, 89 porcento de lavouras de soja domésticas eram Round-up Ready. E a partir de 2010, segundo o Departa-mento de Agricultura, havia 77,4 milhões de hecta-res de soja Roundup Ready plantados. Em suacarta ao Departamento de Agricultura, Huber tam-bém comentou sobre o herbicida, informando queas bactérias que o preocupam parecem estar relaci-onadas ao uso do glifosato – ingrediente chave daRoundup Ready. “Já foi bem documentado que oglifosato promove patógenos de solo, sendo o com-posto também relacionado ao aumento de mais de40 doenças de plantas. O glifosato desmobiliza asdefesas de plantas ao quelar nutrientes vitais ereduz a biodisponibilidade de nutrientes na ali-mentação, que por sua vez pode causar distúrbiosem animais”, relatou Huber.

Huber informa que o Departamento de Agricul-tura escreveu-lhe no início de maio e que desdeentão manteve vários contatos com a agência. Mashá pouca evidência de que os agentes governa-

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Lucia Graves – Articulista política no The Huf-fington Post (http://www.huffingtonpost.com). E-mail: [email protected] O artigo origi-nal “Roundup: Birth Defects Caused By World’sTop-Selling Weedkiller, Scientists Say” foi publi-cado no Hufpost em 26/06/2011.

mentais tenham qualquer intenção de promoveruma “investigação no âmbito de várias agênci-as” como Huber solicitara. Parte do problemapode ser devido ao fato que o USDA supervisio-na culturas geneticamente modificadas, enquantoa EPA supervisiona os herbicidas, criando assimuma brecha regulatória potencial para produtoscomo Roundup, que têm de passar pelo crivo dedois organismos para completar o sistema de cer-tificação. Quando consultado, funcionários daUSDA enfatizam que não cabe a eles regular pes-ticidas ou herbicidas, recusando-se igualmente acomentar publicamente a carta de Huber.

Um porta-voz chegou a admitir a seus cientistas oestudo do glifosato. ”A pesquisa com glifosatoempreendida pelo Serviço de Pesquisa Agrícolado USDA começou logo após a descoberta de suaatividade herbicida, em meados dos anos 1970.Todas as pesquisas têm sido abertas ao público emuitas já passaram pelo processo tradicional derevisão por pares”, afirma o USDA em comuni-cado. Mesmo reconhecendo que sua pesquisa estálonge de ser conclusiva, Huber julga que as agênci-as reguladoras devem buscar respostas imediata-mente. “Há muita pesquisa que ainda precisa serfeita. Mas não podemos nos dar ao luxo de espe-rar de três a cinco anos para os documentos pas-sarem por revisões por pares”.

Enquanto as alegações de Huber irritam tanto omundo da agricultura como da blogosfera, ele temalimentado os céticos ao se recusar a tornar suapesquisa pública ou a identificar seus pares depesquisa que, segundo Huber, poderiam sofrer re-taliação profissional significativa dos centros aca-dêmicos, que recebem financiamento para pesqui-sa da indústria da biotecnologia. Na Universidadede Purdue, seis dos ex-colaboradores de Huber ma-nifestamente se distanciaram das evidências ex-postas, incentivando produtores rurais e o agrone-gócio a “ouvir a opinião de acadêmicos universi-tários antes alterar as práticas de produção agrí-cola baseados em afirmações sensacionalistas”.

Desde que introduziu o produto químico no mun-do, na década de 1970, a Monsanto obteve lucrolíquido de bilhões de dólares com seu herbicida best-seller, mesmo tendo enfrentado forte competiçãodesde que sua patente expirou em 2000, a partir dequando iniciou a reformulação de sua estratégia.

Em longo e-mail, Person, porta-voz da Mon-santo, respondeu aos críticos, sugerindo queos benefícios econômicos e ambientais doRoundup estavam sendo esquecidos: “Os au-tores do relatório referem-se à toxicidade doglifosato a partir de um conjunto selecionadode trabalhos científicos, mas ignoram muitosos dados abrangente que estabelecem a segu-rança do produto. As agências reguladoras detodo o mundo concluíram que o glifosato não étóxico para o sistema reprodutivo ou teratogê-nico (causador de defeitos de nascimento) combase em uma análise em profundidade dos da-dos disponíveis.

Os articulistas do Earth Open Source contes-tam a decisão da Comissão Europeia de priori-zar a revisão dos compostos de outros pestici-das à luz dos novos regulamentos da UE, citan-do novamente os estudos falhos como justifica-tiva. Enquanto o glifosato e todos os ingredien-tes de outros pesticidas estiverem sendo revis-tos, a Comissão decidiu que o glifosato adequa-damente recai em uma categoria que não exigeatenção imediata”, conclui Person.

“Os dados estavam à disposição, mas os agen-tes reguladores preferiram discorrer sobre asalegações, resultando disso algo que conside-ramos realmente questionável”, diz John Fa-gan, do Earth Open Source.

A INDÚSTRIA ENCURRALADA?Embora a Agência de Proteção Ambiental dosEUA (EPA) afirme sua disposição em avaliar maisevidências dos riscos que o glifosato possa trazerà saúde humana como parte do programa de revi-são de registro do produto, a agência não estárealizando estudos por conta própria. Em vezdisso, utiliza os dados fornecidos por terceiros –muitos oriundos da indústria de produtos quími-cos agrícolas que a agência se propõe a regular.

“A EPA assegura que cada pesticida registradocontinua a cumprir os mais elevados padrões desegurança a fim de se proteger a saúde humana eo meio ambiente”, informou a agência em comuni-cado ao HuffPost. ”Essas normas se tornarammais rigorosas ao longo dos anos, à medida queaumentou nossa capacidade de avaliar os efeitospotenciais de pesticidas foi sendo ampliado. A Agên-cia colocou o glifosato em processo de revisão deregistro. A revisão de registro garante que emfunção da capacidade de avaliar os riscos a partirde novas informações, a Agência considera comcuidado as novas informações para garantir queos pesticidas não representem riscos para o serhumano e o ambiente.”

Integrantes da força-tarefa de 19 membros, osgigantes do agronegócio, incluindo Monsanto,Dow Chemical, Syngenta e BASF, fornecerão gran-de parte dos dados que a EPA está buscando. Masa EPA tem enfatizado que a força-tarefa é apenas

“uma das numerosas e variadas terceiros fontescom que a EPA contará para seu processo derevisão de registro”. A EPA não é o único agenteregulador que depende fortemente de dados for-necidos pela própria indústria agroquímica.

“A regulamentação de pesticidas tem sido signi-ficativamente a favor dos interesses dos fabri-cantes, nos quais o padrão “de análises não éconfiável e os resultados adversos são tipica-mente deformados ou negados”, afirma JeffreySmith, do Institute for Responsible Technology. “Os agentes reguladores tendem a usar os da-dos da empresa em vez recorrer a fontes inde-pendentes, e os dados empresariais que temosencontrado são manipulado de forma inadequa-da para forçar a conclusão de segurança.”

“Inúmeras vezes temos visto cientistas serem de-mitidos, despojados de responsabilidades, excluí-dos de bolsas e financiamentos de pesquisa, ame-açados, amordaçados e transferidos como resul-tado da pressão exercida sobre eles pela indústriade biotecnologia”, acrescenta Jeffrey Smith.

Tais ações têm mesmo chegado à grande violêcia,observa Smith. Em agosto passado, quando Car-rasco e sua equipe de pesquisadores foram daruma palestra em La Leonesa, os pesquisadoresforam interceptados por um grupo de cerca deuma centena de pessoas. O ataque levou duaspessoas ao hospital e deixou Carrasco e um cole-ga encolhido dentro de um carro. Testemunhasdisseram que a multidão enfurecida tinha ligaçõescom os poderosos interesses econômicos da agro-indústria local, e que a polícia fez pouco esforçopara sustar o espancamento, segundo o grupo dedireitos humanos Anistia Internacional.

Fagan disse ao HuffPost que entre os biólogosque não estão em dívida com a indústria químicaou biotecnológica, há forte reconhecimento deque a pesquisa realizada por Carrasco é credível.“Na qualidade de cientista, uma das razões queme levaram a empreender essa pesquisa na lite-ratura foi a necessidade de me questionar a res-peito da verdadeira realidade da situação atu-al”, diz Fagan. “Ter realizado uma completa re-visão da literatura sobre a questão, eu me sintomuito confortável em apoiar as conclusões doProfessor Carrasco e as conclusões mais am-plas a que chegamos em nosso relatório.

Não podemos imaginar como os agentes regula-dores podem ter chegado à conclusão que toma-ram caso tivessem mantido um olhar científicoequilibrado, até mesmo nos dados fornecidospela indústria química.” ■

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