rauirys alencar de oliveira

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AVALIAÇÃO FISIOTERAPÊUTICA NO PRÉ E PÓS- OPERATÓRIO DE NEURÓLISE EM PACIENTES PORTADORES DE HANSENÍASE COM DANO NEURAL RAUIRYS ALENCAR DE OLIVEIRA MANAUS 2005 UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS – UEA FUNDAÇÃO DE MEDICINA TROPICAL DOAMAZONAS - FMTAM MESTRADO EM DOENÇAS TROPICAIS E INFECCIOSAS

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  • AVALIAO FISIOTERAPUTICA NO PR E PS-OPERATRIO DE NEURLISE EM PACIENTES PORTADORES

    DE HANSENASE COM DANO NEURAL

    RAUIRYS ALENCAR DE OLIVEIRA

    MANAUS

    2005

    UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS UEA FUNDAO DE MEDICINA TROPICAL DOAMAZONAS - FMTAM

    MESTRADO EM DOENAS TROPICAIS E INFECCIOSAS

  • ii

    RAUIRYS ALENCAR DE OLIVEIRA

    AVALIAO FISIOTERAPUTICA NO PR E PS-OPERATRIO DE NEURLISE EM PACIENTES PORTADORES

    DE HANSENASE COM DANO NEURAL

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps Graduao em Medicina Tropical da Universidade do Estado do Amazonas em convnio com a Fundao de Medicina Tropical do Amazonas para a obteno do grau de Mestre em Doenas Tropicais e Infecciosas.

    Orientadora: Prof Dra. Maria da Graa Souza Cunha

    Co-orientador: Prof. Dr. Sinsio Talhari

    MANAUS

    2005

  • iii

    FICHA CATALOGRFICA

    OLIVEIRA, Rauirys Alencar de.

    Avaliao Fisioteraputica no Pr e Ps-Operatrio de Neurlise em Pacientes Portadores de Hansenase com Dano Neural / Rauirys Alencar de Oliveira. Manaus: Universidade do Estado do Amazonas, 2005. 77 p.

    Dissertao (Mestrado em Doenas Tropicais e Infecciosas) Universidade do Estado do Amazonas.

    Orientao: Profa. Dra. Maria da Graa Souza Cunha

    1. hansenase; 2. Fisioterapia; 3. Neurlise; 4. Incapacidade fsica; 5. Neurite.

  • iv

    Dedicatria Dedico este trabalho a todos que buscam

    entender melhor os eventos da Hansenase com o intuito de ajudar a tantas pessoas que sofrem por esta doena em todo o mundo, principalmente nos pases em desenvolvimento, bem como aos meus pacientes que, apesar das dificuldades, esto sempre buscando melhorar suas condies de vida e de sade.

  • v

    Agradecimentos

    Agradeo: Ao ser supremo, conhecedor de todos os

    mistrios do universo pela sua bondade em nos conceber o acesso cincia e ao conhecimento; minha famlia pelo apoio, principalmente minha esposa e companheira Andra; minha orientadora, Dra. Maria da Graa Souza Cunha, pela sua dedicao e empenho em me ajudar nesta tarefa to rdua; Meu co-orientador, Dr. Sinsio Talhari, pelo auxlio;

    Aos funcionrios da Fundao Alfredo da Matta que tanto me ajudaram desde o incio de meu projeto de pesquisa at todas as suas fases de execuo, em especial equipa da Gerncia de Fisioterapia e Preveno de Incapacidades, departamento de pesquisa e departamento de epidemiologia e controle de doenas;

    minha coordenadora no Centro Universitrio Nilton Lins, Mnica Romitelli de Queiroz;

    Aos mdicos Prof. Ms. Wilson Duarte Alecrim e

    Prof. Dra. Maria das Graas Costa Alecrim que, desde o incio, acreditaram no meu trabalho;

    Ao amigo Jferson Jurema pelo grande trabalho

    que vem realizando em prol da pesquisa; Aos colegas de mestrado pelo apoio e incentivo; Universidade do Estado do Amazonas e

    Fundao de Medicina Tropical do Amazonas, bem como Coordenao e secretaria do Curso, em nome da Prof Dra. Maria das Graas Vale Barbosa e senhora Maria da Conceio dos Santos Tufic;

    Superintendncia da Zona Franca de Manaus

    pelo financiamento e incentivo do Curso.

  • vi

    RESUMO A hansenase uma doena de carter infecto-contagioso e tambm incapacitante, causada pelo Mycobacterium leprae ou bacilo de Hansen (1873), um bastonete lcool-cido resitente. O Estado do Amazonas apresentou, em 2004, um coeficiente de prevalncia de 6,74/10.000 habitantes, ocupando o 11 lugar no Brasil. Municpio de Manaus apresentou, neste mesmo ano, uma prevalncia de 5,79 casos por 10.000 habitantes, o que considerado alto pela Organizao Mundial de Sade. No mesmo ano foram detectados 918 casos novos no Estado, dentre os quais, 94,88% foram avaliados quanto ao grau de incapacidade, onde 23,06% apresentaram grau I ou II de incapacidade, trazendo prejuzos por perda de fora de trabalho e gastos governamentais com previdncia e investimentos em preveno terciria. O presente estudo teve como objetivo analisar, atravs do exame neurofuncional, a eficcia da cirurgia de neurlise em pacientes com neurite hansnica operados na Fundao Alfredo da Matta (FUAM-AM), municpio de Manaus, Estado do Amazonas. Esta cirurgia est indicada nos estados de neurite que no respondem adequadamente corticoterapia. Tratou-se de um estudo prospectivo, do tipo descritivo. Teve como universo de estudo a populao portadora de neurite hansnica do Estado do Amazonas, tratada na FUAM-AM. Foram selecionados 27 participantes os quais foram triados para cirurgia eletiva de neurlise, respeitando os critrios de incluso e excluso, no perodo de outubro de 2004 a janeiro de 2005. Ao todo foram realizadas 64 cirurgias nos pacientes selecionados durante o perodo de acompanhamento, sendo que 22 pacientes realizaram neurlise em dois nervos e 5 pacientes realizaram neurlise em 5 nervos. Os pacientes realizaram uma avaliao neurofuncional pr-operatria em cada cirurgia, compreendendo o teste de fora muscular manual, teste de sensibilidade pelos estesimetros de Semmes-Weinstein, avaliao da dor atravs de escala analgica visual e classificao do grau de incapacidade. A mesma avaliao foi repetida um ms aps a cirurgia. Os principais nervos operados foram, em ordem decrescente, medial e ulnar, fibular comum e tibial posterior. A maioria dos pacientes operados (70,3%) pertencia a faixa etria entre 20 e 40 anos de idade. A forma clnica mais comum entre os mesmos foi a virchowiana (67%), seguida da dimorfa-virchoviana (19%), tuberculide (7%) e dimorfa-tuberculide (7%). Setenta e quatro por cento dos pacientes operados encontravam-se em alta clnica e 26% ainda realizavam tratamento por poliquimioterapia. A principal queixa apresentada foi dor (55%). Entre os 64 nervos operados, 38 eram responsveis por algum grau de comprometimento de fora na musculatura correspondente sua inervao no pr-operatrio. Em relao ao grau de incapacidade, 70% apresentaram grau I e 30% apresentaram grau II. No ps-operatrio, foi relatada melhora da dor em 64% das cirurgias, 30% no apresentaram alterao e 6% apresentaram piora. Cinqenta e seis por cento dos nervos com comprometimento motor no apresentaram melhora, 32% melhoraram em at um grau e 12% apresentaram piora em at um grau. Trinta e quatro por cento dos pacientes apresentaram melhora da sensibilidade, e 66% se mostraram com quadro inalterado. Quanto ao grau de incapacidade no houve modificaes quando comparamos o pr ao ps-operatrio. De acordo com os resultados apresentados, conclumos que, pelo menos durante o perodo de acompanhamento do estudo, correspondendo a um ms de ps-operatrio, no houve evoluo significativa na funcionalidade dos segmentos correspondentes aos nervos operados, sob o ponto de vista da fora muscular. A dor, como principal queixa relatada e tambm como fator incapacitante, apresentou melhoras importantes promovendo satisfao quanto aos resultados por parte dos pacientes, bem como a melhora da sensibilidade.

    Palavras chaves: hansenase, fisioterapia, neurlise, incapacidade fsica, neurite.

  • vii

    ABSTRACT

    The Hansens disease has a infectant, contagious and disability character, and it's caused by the Mycobacterium leprae or Hansen's bacillus (1873), a small alcohol-acid resistant bacillus. The State of Amazonas presented, in 2004, a prevalence coefficient of 6,74/10.000 inhabitants, occupying the 11 place in Brazil. Municipal district of Manaus presented, on this same year, the prevalence of 5,79 cases per 10.000 inhabitants, what is considered high by the World Organization of Health. In the same year 918 new cases were detected in the State, among them, 94,88% were assessed to the degree of disability, and we found that 23,06% presented degree I or II of disability, bringing damages for manpower loss and government expenses with retirement and investments in tertiary prevention. The objective of this study is analyze, using the neurofunctional exam, the effectiveness of the decompression surgery of nerves in patients with nerve trunk due Hansen's disease, operated at Alfredo da Matta Foundation (FUAM-AM), municipal district of Manaus, State of Amazonas. This surgery is suitable in the nerve trunk states which do not reply appropriately to the use of corticoids. It was a prospective and descriptive study. Our study object was the population carried by nerve trunk due Hansen's disease of the State of Amazonas, treated in FUAM-AM. Twenty-seven participants were selected to surgery of nerve decompression, obeying the inclusion and exclusion approaches, during the period of October of 2004 to January of 2005. Sixty-four surgeries were accomplished in the patients selected during the study period, 22 patients were submitted to surgery in two nerves and 5 patients in 5 nerves. The patients were assessed with the neurofunctional exam in pr-operative period in each surgery, witch includes the manual test of muscular force, sensibility test using the Semmes-Weinstein monofilaments, pain evaluation using a analogical visual scale and classification of the disability degree. The same evaluation was repeated one month after the surgery. The main operated nerves were, in decreasing order, medial and ulnar, common fibular and posterior tibial. Most of the operated patients (70,3%) it belonged the age group between 20 and 40 years. The most common clinical form among them were lepromatous (67%), followed by the boderline-lepromatous (19%), tuberculoid (7%) and boderline-tuberculoid (7%). Seventy-four percent of the operated patients had still finished they clinical treatment and 26% were still accomplished by poliquimioterapia. The main complaint referred by the patients was pain (55%). Among the 64 operated nerves, 38 were responsible for some degree of muscle weakness in the pre-operative period. Seventy percent presented degree I and 30% presented degree II of disability. In the postoperative period, we found an improvement of the pain in 64% of the operated nerves, 30% didn't present alteration and 6% presented worsening. Fifty six percent of the nerves with muscle weakness didn't present improvement, 32% improved at least one degree and 12% presented worsening in until one degree. Thirty four percent of the patients presented improvement of the sensibility and 66% were shown unaffected. About to the degree of disability, we can't found any modifications when we compared the pre-operative to the postoperative periods. In agreement with the presented results, we concluded that, at least during the period of the study accompaniment, corresponding to one month of postoperative, there was not significant evolution in the functionality of the segments corresponding to the operated nerves, under the point of view of the muscular force. The pain, told as the main complaint and also a disability factor, presented important improvements promoting satisfaction mentioned by the patients about the results, as well as the improvement of the sensibility. Key words: Hansen's disease, physiotherapy, nerve decompression surgery, physical disability, neuritis.

  • viii

    LISTA DE ABREVIATURAS COFFITO Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional FUAM-AM Fundao Alfredo da Matta Amazonas FUNASA Fundao Nacional de Sade GECD/FUAM-AM Gerncia de Epidemiologia e Controle de Doenas da Fundao

    Alfredo da Matta OMS Organizao Mundial de Sade

  • ix

    LISTA DE FIGURAS Pg. Figura 01 Classificao espectral de Ridley e Jopling.

    10

    Figura 02 Pontos de avaliao por estesimetro e referncias topogrficas da inervao sensitiva cutnea nos membros superiores. Figura 04a regio dorsal da mo; figura 04b regio palmar.

    18

    Figura 03 Pontos de avaliao por estesimetro e referncias topogrficas da inervao sensitiva cutnea nos membros inferiores. Figura 05a - regio plantar do p; figura 05b regio dorsal do p.

    18

    Figura 04 Uma interferncia de EMG retificada e integrada, e o sinal resultante (EMG integrada) apresenta um paralelo com a mudana na fora.

    20

    Figura 05 Fascculos nervosos e suas bainhas de tecido conjuntivo. P perineuro, EP epneuro, EN endoneuro, VA vaso sanguneo, VEM vnula.

    29

    Figura 06 Procedimentos de neurlise. a) neurlise simples, b) epineurotomia, c) epineurectomia e d) neurlise intra-fascicular.

    39

    Figura 07 Incises cirrgicas. a) inciso para o nervo ulnar; b) inciso para o nervo mediano; c) inciso para o nervo tibial posterior e; d) inciso para o nervo fibular comum

    41

    Figura 08 Distribuio dos pacientes quanto ao sexo.

    50

    Figura 09 Forma clnica apresentada pelos pacientes ativos e forma tratada nos pacientes em alta, submetidos neurlise durante o perodo do estudo.

    51

    Figura 10 Situao de tratamento.

    51

    Figura 11 Forma clnica apresentada entre os pacientes ativos.

    52

    Figura 12 Forma clnica tratada entre os pacientes em alta.

    52

    Figura 13 Estado reacional.

    54

    Figura 14 Grau de Incapacidade.

    54

    Figura 15 Queixas principais relatadas pelos pacientes durante a avaliao pr-cirrgica.

    55

  • x

    Figura 16 Nervos operados.

    55

    Figura 17 Grau de dor provocado pelos nervos pr-operados entre os pacientes que referiam este sintoma como queixa principal.

    56

    Figura 18 Grau de dor provocado pelos nervos pr-operados entre os pacientes que referiam outros sintomas como queixa principal.

    57

    Figura 19 Evoluo comparativa da sensao dolorosa relatada pelos pacientes atravs da escala analgica visual de dor antes e aps a cirurgia.

    57

    Figura 20 Evoluo da dor nos pacientes operados.

    58

    Figura 21 Valores de tendncia central do grau atribudo de dor no pr e ps-operatrio.

    58

    Figura 22 Comprometimento motor no pr-operatrio. Dados referentes musculatura inervada especificamente pelo nervo comprometido.

    59

    Figura 23 Evoluo da fora muscular no ps-operatrio. Dados referentes musculatura especificamente inervada pelo nervo operado.

    60

    Figura 24 Comprometimento de fora muscular no pr-operatrio atravs da quantificao pela escala de teste manual de fora muscular.

    60

    Figura 25 Comprometimento de fora muscular no ps-operatrio atravs da quantificao pela escala de teste manual de fora muscular.

    61

    Figura 26 Evoluo da fora muscular no ps-operatrio segundo o grau de comprometimento pr-operatrio.

    61

    Figura 27 Resultados dos testes de sensibilidade por estesimetros. O dados foram analisados comparando os resultados do pr-operatrio com o ps-operatrio. Foi atribuda a classificao de melhora, piora ou quadro inalterado para os pacientes que apresentaram evoluo em pelo menos um nvel na rea de sensibilidade especfica do nervo operado.

    62

  • xi

    LISTA DE TABELAS Pg. Tabela 01 Nmero de pacientes com indicao de neurlise no

    perodo de setembro de 2004 a janeiro de 2005 e nmero de cirurgias realizadas.

    49

    Tabela 02 Nmero de nervos operados nos 27 pacientes.

    49

    Tabela 03 Faixa etria do pacientes operados.

    50

    Tabela 04 Tempo de tratamento por PQT dos ativos at o dia da ltima cirurgia (em meses).

    53

    Tabela 05 Tempo de alta at a ltima cirurgia (em meses).

    53

    Tabela 06 Estatstica descritiva da evoluo das respostas musculares correspondentes s fibras motoras dos nervos operados.

    62

  • xii

    SUMRIO

    FOLHA DE ROSTO ii DEDICATRIA iii AGRADECIMENTOS iv RESUMO v ABSTRACT vi LESTA DE ABREVIATURA vii LISTA DE FIGURAS viii LISTA DE TABELAS x 1.0 INTRODUO 01 1.1 A HANSENASE 01 1.2 EPIDEMIOLOGIA 02 1.3 IMUNOPATOGENIA 06 1.4 DIAGNSTICO CLNICO 08 1.4.1 Classificao de Madrid 1.4.2 Classificao de Ridley e Jopling 1.4.3 Classificao Operacional 1.5 PROVAS COMPLEMENTARES DE DIAGNSTICO 11 1.5.1 Prova de Histamina 1.5.2 Prova de Pilocarpina 1.5.3 Baciloscopia 1.5.4 Teste de Mitsuda 1.5.5 Histopatologia 1.6 TRATAMENTO POR POLIQUIMIOTERAPIA 15 1.7 EXAME NEUROFUNCIONAL 16 1.7.1 Teste de Sensibilidade 1.7.2 Provas de Funo Muscular 1.7.3 Avaliao da Dor 1.7.4 Avaliao do Grau de Incapacidade 1.8 ESTADOS REACIONAIS 24 1.8.1 Reao Tipo I 1.8.2 Reao Tipo II

  • xiii

    1.9 A NEURITE HANSNICA 28 1.9.1 Principais Nervos Acometidos 1.10 A CIRURGIA DE NEURLISE 37 1.10.1 Tcnicas Cirrgicas 1.11.2 A cicatrizao cirrgica

    2.0 OBJETIVOS 42 2.1 OBJETIVO GERAL 42 2.2 OBJETIVOS ESPECFICOS 42

    3.0 METODOLOGIA 43 3.1 MODELO DE ESTUDO 43 3.2 UNIVERSO DE ESTUDO 43 3.2.1 Populao de referncia 3.2.1 Populao de estudo 3.2.3 Participantes 3.3 PROCEDIMENTOS 44 3.4 EXAME NEUROFUNCIONAL 46 3.4.1 Histria da patologia 3.4.2 Inspeo e palpao dos nervos 3.4.3 Classificao do estado reacional 3.4.4 Teste de fora muscular 3.4.5 Teste de sensibilidade 3.4.6 Sintomatologia dolorosa 3.4.7 Avaliao do grau de incapacidade

    4.0 RESULTADOS 49

    5.0 DISCUSSES 64

    6.0 CONCLUSES 71

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 73

    ANEXOS

  • 1

    1.0 INTRODUO

    1.1 A Hansenase

    A hansenase uma doena de carter infecto-contagioso e incapacitante,

    transmitida pelo Mycobacterium leprae, um parasita intracelular obrigatrio com

    afinidade por clulas cutneas e clulas de nervos perifricos, levando a

    comprometimentos nestas estruturas, caracterizados principalmente por ulceraes,

    manchas hipocrmicas ou eritematosas com alterao de sensibilidade, ppulas,

    ndulos e infiltraes. Poder acometer tambm as estruturas do olho, como crnea,

    plpebra e aparelho lacrimal. Sua localizao intracelular obrigatria no sistema

    fagoctico-mononuclear imprime a caracterstica crnica da doena. Possui uma

    evoluo lenta, com incio insidioso do dano neural.

    O Mycobacterium leprae ou bacilo de Hansen (1873) um bastonete lcool-

    cido resitente quando corado pela fucsina, como no mtodo de Ziehl-Neelsen.

    Apresenta caractersticas muito semelhantes ao Mycobacterium tuberculosis,

    diferenciando deste por apresentar uma tendncia para a formao de aglomerados

    do tipo feixes ou massas compactas e arredondadas, conhecidas como glbias, que

    so unidas por uma substncia denominada glia. Ainda no foram desenvolvidas

    tcnicas eficazes de cultivo do bacilo de Hansen em laboratrio, meio artificial ou em

    cultura de clulas. Seu cultivo pode ser desenvolvido em cultura por inoculao de

    bacilos em tecidos de camundongos ou em Dasypus novemcinctus, uma espcie de

    tatu (LEVINSON e colaboradores, 1998).

    Acredita-se que a infeco adquirida principalmente pelo contato

    prolongado com pacientes que possuem formas virchowiana e dimorfa, as quais so

    consideradas contagiantes, sem tratamento (TALHARI e NEVES, 1997), que

    disseminam grandes quantidades de M. leprae nas secrees nasais. Considerando

    as vias areas superiores como a mais provvel porta de entrada do M.leprae no

    organismo, um estudo realizado por Vilani-Moreno e colaboradores (1999, p. 115-

    120), avaliou o comportamento do bacilo inoculado experimentalmente por instilao

    na via intranasal em camundongos. Os animais foram sacrificados em tempos

  • 2

    diferentes e realizado lavado broncoalveolar e anlise histopatolgica. Os resultados

    obtidos revelaram que a inoculao de M. leprae, via intranasal, em camundongos

    Suos, no levou ao desenvolvimento da doena nem a multiplicao dos bacilos.

    Contudo, os estudos no so conclusivos em relao ao comportamento do bacilo

    nas vias areas. possvel ocorrer a transmisso da doena atravs da pele

    quando h soluo de continuidade, como eroses e fissuras (TALHARI e NEVES,

    1997).

    O papel dos reservatrios naturais e a transmisso zoontica de outras

    espcies para o homem ainda permanece no muito bem esclarecido. Acredita-se

    que o solo, vegetaes, gua e artrpodes possam ser potenciais reservatrios do

    Mycobacterium leprae (DEPS, 2001).

    O bacilo possui 1,5 a 8 micra de comprimento por 0,2 a 0,5 micra de largura.

    Resiste, em temperatura ambiente, por cerca de 36 horas, ou aproximadamente 9

    dias em temperaturas entre 36,7 e 77,6% de umidade mdia. Seu tempo de

    multiplicao, no indivduo infectado, lento, podendo levar de 11 a 16 dias.

    1.2 Epidemiologia

    Desde a descoberta do agente causal da hansenase, no final do sculo XIX,

    os seus aspectos epidemiolgicos tm sido observados, embora toda a

    complexidade envolvida em seus fatores causais, predisponentes e desencadeantes

    ainda no esteja bastante clara. Alguns estudos mostram que fatores ecolgicos

    podem estar relacionados com a prevalncia da enfermidade em algumas regies

    (CAMARGO, LEMOS e OROZCO, 1994), embora ainda no possam ser conclusivos

    para estabelecer as possveis relaes entre temperatura mdia, ndices

    pluviomtricos, umidade mdia relativa do ar, altitude, entre outras variveis, e a

    prevalncia de hansenase.

    De acordo com os seus aspectos epidemiolgicos, a hansenase continua

    sendo um problema de sade pblica que necessita de aes preventivas,

    intervencionistas e de controle. De acordo com as metas estabelecidas pela

    Organizao Mundial de Sade e pelo Ministrio da Sade, a hansenase deveria

  • 3

    ser eliminada at 2005 como problema de sade pblica, apresentando prevalncia

    inferior a 1 caso por 10.000 habitantes e, apesar dos indicadores epidemiolgicos

    demonstrarem uma tendncia de queda no nmero de deteco e prevalncia,

    acreditamos que ainda no poderemos elimin-la no prazo previsto. Os dados epidemiolgicos mundiais mais recentes datam do ano de 2003.

    Naqueles anos foram detectados mais de 500 mil novos casos de hansenase,

    sendo a maior parte deles, mais de 400 mil, no Sudeste da sia, incluindo a ndia,

    pas de maior ndice de deteco e prevalncia mundial.

    Os pases que apresentam maiores prevalncias e maior nmero de deteco

    at o ano de 2003 so, em ordem decrescente, ndia e Brasil, responsveis juntos

    por 89,9% da prevalncia, seguidos do Nepal e da Tanznia. Em termos de

    coeficiente de prevalncia, o Brasil apresenta o primeiro lugar, com 4,6 casos por

    10.000 habitantes, seguido de Madagascar e Moambique com 3,4 cada um. As

    Amricas apresentaram uma prevalncia de 0,99 caso por 10.000 habitantes at o

    incio de 2004, com 51.082 casos novos registrados no ano de 2003.

    Os dados parciais do ano de 2003 mostram que o Brasil apresentou, naquele

    ano, 49.405 novos casos, com um coeficiente de deteco de 2,79 novos casos por

    10.000 habitantes. A prevalncia foi de 80.786 casos com coeficiente de 4,57 casos

    de hansenase por 10.000 habitantes.

    A regio Nordeste apresentou maior prevalncia no ano de 2003, segundo

    dados parciais fornecidos pela GECD-FUAM-AM, com 41% dos casos, seguida do

    Sudeste com 22% e Norte com 20%. No entanto, quando levamos em considerao

    o coeficiente de deteco, a regio Norte apresenta o primeiro lugar, com 11,44

    casos por 10.000 habitantes, seguida pela regio Centro-Oeste com 8,75.

    O Estado do Amazonas possui uma populao de 3.100.136 habitantes

    (DataSus, outubro de 2004) e ocupou, no ano de 2003, o 11. lugar no coeficiente de

    prevalncia e o 13 em deteco de casos de hansenase no Brasil. Segundo dados

    parciais da Gerncia de Epidemiologia e Controle de Doenas da Fundao Alfredo

    da Matta (GECD\FUAM-AM), centro de referncia para o tratamento da hansenase,

  • 4

    o Estado apresentou em 2004 uma prevalncia de 6,74/10.000 habitantes com

    2.089 pacientes em tratamento e um coeficiente de deteco de 2,96/10.000

    habitantes, sendo detectados 918 casos novos. No ano de 1988 esses ndices eram

    de 127,3/10.000 habitantes e 9,3/10.000 habitantes respectivamente. Nos ltimos

    dezesseis anos a prevalncia no Estado apresenta reduo de 68,17%, como

    resultado da implementao da poliquimioterapia e a aplicao de medidas

    administrativas recomendadas pelo Ministrio da Sade. Apesar desta reduo o

    Estado ainda vem mantendo-se com nveis altos de prevalncia (5 10 casos por

    10.000 habitantes).

    O Estado possui ao todo 62 municpios que, at o ano de 2001, 98,39% dos

    mesmos possua aes de controle da hansenase (FUAM-AM, 2004). Eram 715

    servios ambulatoriais no Estado no ano de 2002, excluindo-se os ambulatrios de

    pronto socorro, servios de diagnose e terapia, unidades mveis e de ateno

    psicossocial e outros no mesmo nvel. No total, 110 servios (15,38%) possuam

    aes de controle da hansenase, sendo 45 (40,9%) na capital Manaus e 65

    (59,1%) no interior, realizando uma cobertura populacional de 96,66% no Estado,

    sendo que no municpio de Manaus havia uma cobertura de 100% e 97,3% no

    interior (GECD/FUAM-AM, 2003). O coeficiente de prevalncia no interior do Estado

    no ano de 2004 foi 7,7/10.000 habitantes e o coeficiente de deteco foi 3,08/10.000

    habitantes, segundo dados parciais da Fundao Alfredo da Matta.

    A capital do Amazonas, Manaus, est situada margem esquerda do Rio

    Negro, abrangendo uma rea terrestre de 11.648 Km2. A populao constituda de

    1.565.709 habitantes (DataSus, maro de 2005), que no ocupam uniformemente as

    suas superfcies geogrficas, concentrando-se em ncleos perifricos com

    saneamento bsico pouco satisfatrio. De acordo com dados parciais da Gerncia

    de Epidemiologia e Controle de Doenas da Fundao Alfredo da Matta (GECD-

    FUAM-AM), Manaus apresentou em 2004 uma prevalncia de 5,79/10.000

    habitantes com um coeficiente de deteco de 2,84/10.000 habitantes. Esses nveis

    vm caindo progressivamente desde 1988 mas tem se tornado cada vez mais

    estveis nos ltimos quatro anos. Acredita-se que as medidas de preveno, de

    controle e de tratamento sejam responsveis por esta reduo.

  • 5

    O coeficiente de deteco da hansenase em menores de 15 anos

    considerado um indicador importante que determina a tendncia da doena. Esse

    coeficiente era de 3,52/10.000 habitantes no ano de 1988. Houve uma reduo de

    mais de 68% nos ltimos dezesseis anos, passando para 1,12/10.000 habitantes em

    2004, de acordo com dados parciais. No entanto, apesar da reduo, o Amazonas

    ainda apresenta-se hiperendmico ( 1,0/10.000 habitantes) de acordo com o

    grfico 06. Em 2004 foram detectados 97 novos casos em menores de 15 anos

    (GECD/FUAM-AM).

    Alm do carter infecto-contagioso, a hansenase uma doena incapacitante

    com incio insidioso do dano neural. Um dos indicadores que possibilitam avaliar o

    diagnstico precoce da hansenase o de percentual de casos com deformidades

    fsicas entre os casos novos detectados e avaliados no ano. Em 2004, dos 918

    casos detectados, 94,88% (871 pacientes) foram avaliados quanto ao grau de

    incapacidade e destes, 79,56% (693 pacientes) apresentaram grau 0 e 18,36% (178

    pacientes) apresentaram algum grau de deformidade. Destes, 4,7% (59 pacientes)

    apresentaram grau II ou III. No Estado, o percentual de casos detectados com

    deformidades nos ltimos dez anos vem mantendo-se em nveis considerados

    mdios (10 5%). Quarenta e sete pacientes (5,11) no foram avaliados quanto ao

    grau de incapacidade no ano de 2004. Os dados relativos ao ano de 2004 so

    parciais e informados pela GECD/FUAM-AM, em maro de 2004.

    Em relao proporo de casos detectados de hansenase segundo a

    classificao operacional para fins de tratamento, no ano de 2004, 50,2% dos casos

    novos detectados era do tipo paucibacilar e 48,4% multibacilar. De todos os 918

    casos detectados, 1,3% ainda no possua classificao de acordo com dados

    parciais da GECD/FUAM-AM.

    Embora a meta de eliminao da hansenase esteja mais prxima de ser

    atingida se comparada dcada anterior, os indicadores epidemiolgicos mostram

    que alguns pases, entre eles o Brasil, iro necessitar de um tempo maior. No caso

    do Estado do Amazonas, provavelmente mais 05 (cinco) anos sero necessrios

    para que seja atingida a eliminao da doena como problema de sade pblica.

    Ainda assim, os cuidados quanto ao diagnstico, preveno e tratamento das

  • 6

    incapacidades fsicas, devero nortear novas pesquisas e investimentos na rea de

    hansenase.

    1.3 Imunopatogenia

    O estudo dos mecanismos da regulao da resposta imune humana tm sido

    bastante desenvolvido nos ltimos anos, principalmente com o advento de doenas

    infecciosas importantes como a AIDS e as necessidades de elucidao dos

    mecanismos de defesa. Embora a hansenase seja uma doena infecciosa j

    conhecida por alguns anos, esta doena possui particularidades importantes no

    mecanismo de resposta do portador, sendo a base para o desenvolvimento da

    doena e de suas formas. A predominncia da doena na pele, mucosas e nervos

    perifricos bem como a diversidade de suas formas clnicas, so devidas s

    caractersticas do M. leprae e as respostas imunolgicas do indivduo contra este

    agente.

    A hansenase possui vrias formas de manifestao clnica, as quais

    possuem classificaes especficas, dentre elas a mais utilizada a de Ridley e

    Jopling (pgina 14), a qual introduz uma abordagem espectral caracterizada

    principalmente pela presena de dois plos clnicos: o tuberculide e o virchowiano.

    Entre estes dois extremos existem as manifestaes intermedirias apresentando

    caractersticas clnicas dos dois extremos. O entendimento imunolgico a base

    para o desenvolvimento e explicao de suas manifestaes clnicas. O teste de

    Mitsuda positivo em pacientes com a forma tuberculide da doena, caracterizada

    por uma resposta celular potente, presena de poucos bacilos nos exames

    histopatolgicos e nmero pequeno de leses de pele e nervos perifricos. Este

    teste, conhecido tambm como lepromino-reao, um tipo de intradermorreao

    onde uma suspenso realizada com substncias lipdicas dos bacilos e clulas em

    soluo salina fenolada, inoculada intradermicamente no indivduo suspeito. A

    presena dessa substncia poder induzir uma resposta imunolgica celular do tipo

    tardia, com manifestaes inflamatrias cutneas no local da inoculao. J nos

    paciente com a forma virchowiana possuem uma grande susceptibilidade ao M.

    leprae, apresentando uma proliferao disseminada do bacilo, em torno de 1010 por

    grama de tecido (GOULAR, PENNA e CUNHA, 2002, p. 366). O resultado desta alta

  • 7

    concentrao de bacilos o maior nmero de leses drmicas e nervosas. Estes

    indivduos possuem resposta negativa lepromino-reao, ou seja, no h uma

    resposta imunolgica celular adequada. No entanto pode-se evidenciar uma

    resposta humoral potente, com a produo de imunoglobulinas anti-M. leprae, o que

    no evidenciado nos pacientes com a forma tuberculide.

    Como mencionamos, esta doena do tipo espectral e existem formas

    clnicas intermedirias entre estes dois plos. Nos pacientes classificados como

    dimorfos, existe a progressiva reduo da resposta imune celular com conseqente

    aumento do nmero de leses cutneas e nervosas e aumento da carga bacilar nos

    tecidos, medida que partimos da forma dimorfa com caractersticas clnicas mais

    prximas da forma tuberculide, os chamados dimorfos-tuberculides, e nos

    deparamos na seqncia das formas dimorfa-dimorfa e dimorfo-virchoviana. Como

    resultado tambm encontramos resposta ao Mitsuda cada vez menores e

    baciloscopias com carga bacilar cada vez maiores.

    Na hansenase, a resposta imunolgica mediada por clulas com padro TH-

    1 possui um importante papel, pois oferece uma proteo contra o desenvolvimento

    da doena e disseminao do bacilo. Isto acontece nos indivduos Mitsuda positivos

    que representam 90% da populao (GOULART, PENNA e CUNHA, 2002) e na

    forma tuberculide.

    A resposta imunolgica do tipo humoral, ou seja, mediada por anticorpos com

    padro TH-2, est presente no plo virchowiano do espectro de Ridley e Jopling. Os

    pacientes portadores desta forma exibem altos ttulos de anticorpos especficos

    contra o antgeno presente na membrana do M. leprae, denominado do glicolipdio

    fenlico 1 (PGL-1), descrito por Brenner e Barrow em 1980, principalmente da classe

    IgM. No entanto, este mecanismo de resposta no confere proteo a estes

    indivduos, uma vez que existe a disseminao bacilar, evidenciada pela

    baciloscopia, porque a imunidade celular falha.

    A determinao dos nveis de anticorpos anti-PGL-1 pode ser realizado pelo

    mtodo de ELISA (ensaio imunoenzimtico). Est tcnica tem sido descrita como

    meio de monitorizao da resposta teraputica, servindo como marcador de recidiva

  • 8

    da doena pois existe uma correlao entre os nveis de anti-PGL-1 e ndice

    baciloscpico, indicando que o nvel deste anticorpo especfico no soro

    proporcional carga bacilar no exame histopatolgico (CUNHA, 1998).

    1.4 Diagnstico Clnico

    O diagnstico clnico realizado atravs da diferenciao das quatro formas

    clnicas da hansenase, de acordo com a classificao do Congresso de Leprologia,

    realizado em 1953, simplesmente conhecida como classificao de Madrid, sendo

    elas a indeterminda, tuberculide, virchowiana e dimorfa.

    1.4.1 Classificao de Madrid

    a) Indeterminada A forma indeterminada se caracteriza clinicamente por

    apresentar reas de hipo ou anestesia, parestesias, manchas hipocrmicas

    ou eritemato-hipocrmicas, rarefao dos pelos, podendo apresentar tambm

    diminuio da sudorese (BRASIL, 1998). As leses so planas, ou seja, no

    fazem relevo na superfcie da pele. Suas bordas so imprecisas na maioria

    delas. As manifestaes clnicas iniciais podem se caracterizar apenas por

    reas com distrbios sensitivos trmicos, sem o aparecimento de manchas.

    As manifestaes sensitivas podero progredir com comprometimento da

    sensibilidade dolorosa. Os casos indeterminados podem evoluir, quando no

    tratados, para o plo tuberculide ou virchowiana ou ainda evoluir para a

    forma dimorfa. A evoluo para o tipo tuberculide mais rpida que para as

    forma virchowiana. De acordo com Talhari e Neves (1997) as alteraes

    cutneas podero se manifestar em qualquer parte do corpo e em quantidade

    varivel. O nmero de manchas pode indicar o prognstico da doena.

    b) Tuberculide Poder evoluir partir da forma indeterminada no tratada,

    em indivduos que apresentam predominncia de resposta imunolgica do

    tipo Th1. Os testes diagnsticos revelam Mitsuda positivo com baciloscopia

    negativa. A forma tuberculide manifesta-se por placas eritematosas ou

    eritemato-hipocrmicas bem delimitadas, como reas de hipoestesia ou at

    mesmo anestesia e comprometimento nervoso (BRASIL, 1998). As leses se

  • 9

    manifestam nos locais onde j existiam manchas iniciais, possuindo uma

    tendncia de no se disseminarem. Diferencia-se, inicialmente, da forma

    indeterminada, por apresentar ppulas ou tubrculos nas regies maculares,

    que podero aumentar em nmero, formando uma leso em placa, com uma

    involuo central que aparecer no decorrer da doena. comum

    encontrarmos a presena de filetes nervosos espessados prximos leso.

    c) Virchowiana Esta forma pode evoluir partir da indeterminada no tratada,

    em indivduos sem resistncia ao M. leprae, apresentando, conforme

    mencionado na abordagem de sua imunopatogenia, uma resposta do tipo

    TH2, mediada por anticorpos anti-PGL-1. Os pacientes apresentam teste de

    Mitsuda negativo e baciloscopia positiva. Caracteriza-se por infiltraes

    acompanhadas por eritemas difusos e placas eritematosas infiltradas com

    bordas mal definidas, tubrculos e ndulos, leses das mucosas, alteraes

    de sensibilidade e madarose queda das sobrancelhas (BRASIL, 1998). As

    bordas tornam-se cada vez mais indefinidas, perdendo os limites das

    manchas com a pele normal. Algumas leses circunscritas so chamadas de

    hansenomas. Podero surgir hansenomas em vrias regies do corpo, como

    na face e nas sobrancelhas, acompanhados de madarose, acentuao dos

    sulcos faciais, dando um aspecto conhecido como facies leonina, devido

    sua semelhana fisionmica com a face leonina.

    d) Dimorfa Pode evoluir de indivduos que apresentam a forma

    indeterminada no tratados, os quais apresentam uma resposta imunolgica

    complexa, caracterizada por uma resistncia maior que os indivduos da

    forma virchowiana e menor que os tuberculides. Na forma dimorfa observa-

    se manchas eritematosas planas, com centro claro ou eritematopigmentares

    de tonalidade ferruginosa ou pardacenta. As alteraes de sensibilidade so

    freqentes (BRASIL, 1998). Podero coexistir leses caractersticas da forma

    tuberculide em algumas reas do corpo, e leses caractersticas da forma

    virchowiana em outras reas.

  • 10

    1.4.2 Classificao de Ridley e Jopling

    Este tipo de classificao mantm o conceito de polaridade da doena plo

    tuberculide (TT) e plo virchowiano (LL) e estabelece um arranjo espectral entre

    os plos, o que foi fortemente defendido partir dos conhecimentos imunolgicos,

    discutidos anteriormente na imunopatogenia.

    A forma mais simples de se entender este arranjo espectral atravs da

    representao esquemtica, a qual representa as diversas manifestaes clnicas

    (Figura 01).

    Figura 01 Classificao espectral de Ridley e Jopling. Adaptado de Talhari e Neves (1997).

    As formas intermedirias apresentam as seguintes caractersticas:

    a) Dimorfa-tuberbulide (DT) possuem baciloscopia negativa, apresentado

    entre 5 e 25 leses semelhantes forma tuberculide, o que considerado

    um grande nmero, com tendncia simetria. Um grande nmero de nervos

    podem estar comprometidos, principalmente durante os estados reacionais,

    levando deformidades graves e de evoluo rpida.

    b) Dimorfa-dimorfa (DD) apresentam baciloscopia positiva, desenvolvem um

    nmero grande de leses cutneas, normalmente maiores que 25, no

    simtricas, de bordas bem definidas e regio central involuda, o que d o

    aspecto de queijo suo. Durante os estados reacionais a doena poder

    evoluir para a forma dimorfa-tuberculide ou dimorfa-virchowiana. As

  • 11

    deformidades tm uma tendncia em serem graves, porm, o acometimento

    nervoso menor, comparado ao tipo dimorfo-tuberculide.

    c) Dimorfa-virchowiana (DV) possuem baciloscopia positiva, com o

    aparecimento de mltiplas leses com caractersticas variadas, apresentando

    placas, ndulos, infiltraes eritematosas e bordas mal definidas. As leses

    possuem uma tendncia de no serem simtricas e com o comprometimento

    de um grande nmero de filetes nervosos prximos, podendo evoluir com

    deformidades menos graves que as formas dimorfa-dimorfa e dimorfa-

    tuberculide.

    1.4.3 Classificao Operacional

    Uma classificao operacional recomendada pela Organizao Mundial da

    Sade OMS, e adotada pelo Ministrio da Sade, visando a alocao dos

    pacientes nos diferentes esquemas de tratamento, apresentando abordagens

    teraputicas diferentes. So os tipos paucibacilar, normalmente com baciloscopia

    negativa e as leses na pele geralmente no excedem a cinco e o comprometimento

    nervoso se limita a apenas um tronco. Esto enquadrados neste grupo pacientes

    indeterminados, tuberculides e dimorfo-tuberculides. O tipo multibacilar, apresenta

    baciloscopia positiva e as leses na pele excedem ao nmero de cinco,

    comprometendo mais de um tronco nervoso. Esto enquadradas neste tipo os

    dimorfo-dimorfos, dimorfo-virchowianos e virchowianos (TALHARI e NEVES, 1997).

    1.5 Provas Complementares de Diagnstico

    As provas complementares utilizadas no diagnstico da hansenase utilizadas

    pelos clnicos so: prova de histamina, prova de pilocarpina, baciloscopia, teste de

    Mitsuda e a histopatologia. Os testes sorolgicos e as tcnicas de deteco de

    bacilos por biologia molecular ainda no esto incorporados s rotinas, embora os

    mesmos talvez tenham aberto novas possibilidades para o estudo do

    comportamento epidemiolgico da hansenase (BRASIL e colaboradores, 1997, p.

    35-43).

  • 12

    1.5.1 Prova de Histamina

    Realiza-se a aplicao de uma gota de histamina diluda de 1/1000 na rea

    da mancha e outra na pele normal. Nos pontos onde foram colocadas as gotas faz-

    se uma escarificao leve, evitando sangramento, e espera-se pela reao. Em caso

    positivo, observa-se, em um primeiro momento, um eritema de poucos milmetros

    em torno do ponto de inoculao. Algum tempo depois aparece um grande halo

    eritematoso que poder medir mais que dois centmetros de dimetro. Por ltimo,

    em uma terceira fase, aparecer uma ppula. Essa seqncia de reaes

    conhecida como trplice reao de Lewis. Na pele comprometida pela hansenase

    no ir aparecer a segunda fase, ou seja, um eritema significante, pois este depende

    da integridade dos ramos nervosos superficiais (CUC e NETO, 2001). Nas regies

    da pele onde existem eritemas esta prova se torna difcil pois a percepo das

    reaes se torna prejudicada. Indivduos de pele escura tambm apresentam

    maiores dificuldades para a percepo das reaes por parte do examinador.

    1.5.2 Prova de Pilocarpina

    Quando a pilocarpina inoculada em pele normal induz a produo de

    sudorese. Em reas comprometidas pela hansenase e que envolvem

    comprometimento de ramos nervosos do sistema autnomo a produo de suor

    bastante diminuda ou at mesmo ausente. A tcnica consiste em aplicar tintura de

    iodo na superfcie da pele comprometida, injeta-se 0,1 mL de pilocarpina (cloridrato

    a 0,5%) intradermicamente e, depois de sec-la, pulveriza-se com amido. Realiza-se

    o mesmo procedimento em rea de pele normal para efeito de comparao. Na pele

    normal o suor dissolver o iodo em torno de dois minutos; o iodo se combinar com

    o amido e promover uma reao qumica, dando uma colorao violcea na rea.

    Nas reas de leso essa reao no ocorrer ou ser bem diminuda,

    permanecendo o amido inalterado (CUC e NETO, 2001).

    1.5.3 Baciloscopia

    realizada atravs da pesquisa de bacilos lcool-cido resitentes por meio da

    tcnica de Ziehl-Neelsen. uma tcnica que permite, em algumas situaes, o

  • 13

    diagnstico, assim como a classificao das formas clnicas e o acompanhamento

    teraputico adequado. A identificao das glbias permite afirmar que o agente

    etiolgico o Mycobacterium leprae, visto que esta bactria a nica a apresentar

    essa caracterstica morfolgica, distinguindo-a, inclusive, de outros tipos de

    Micobacterias.

    1.5.4 Teste de Mitsuda

    Conhecido tambm como lepromino-reao, um tipo de intradermorreao

    onde uma suspenso realizada com substncias lipdicas dos bacilos e clulas em

    soluo salina fenolada, inoculada intradermicamente no indivduo suspeito. Este

    teste no especfico para diagnosticar a Hansenase, sendo importante para

    avaliar a resposta imunolgica do indivduo. Ao nascerem todos os indivduos tm

    resposta negativa ao teste de Mitsuda, medida que se expem a algum tipo de

    micobactria, como o M. leprae ou M. tuberculosis, desenvolvem resposta positiva.

    Um parte da populao poder no apresentar reao positiva, seja por ausncia de

    exposio s micobacterias ou exposio pouco significativa, ou seja por falha da

    imunidade celular. A populao que no apresenta resistncia representa uma

    classe anrgica de indivduos. Esses indivduos so desprovidos de um fator natural

    de defesa Fator N ou seja, no tm reatividade constitucional, o que representa

    10% a 20% da populao (CUC e NETO, 2001).

    Os indivduos Mitsuda negativos teriam maior probabilidade de

    desenvolverem a doena nas formas multibacilares. Este tipo de teste tambm

    importante para acompanhamento familiar ou de comunicantes de indivduos

    hansenianos.

    1.5.5 Histopatologia

    O estudo hitopatolgico poder contribuir no diagnstico da doena como

    tambm ser til na classificao. Os dois plos da hansenase, tuberculide e

    virchowiano, desenvolvem caractersticas histopatolgicas bastante diferentes.

  • 14

    Na forma clnica tuberculide h a formao do granuloma tuberculide,

    constitudo por agregados de clulas do sistema fagoctico-mononuclear

    diferenciadas na forma epiteliide e presena de clulas gigantes multinucleadas do

    tipo Langhans no centro da leso. H tambm a presena de linfcitos,

    predominantemente linfcitos TCD4+, conferindo um halo denso contornando o

    granuloma. As alteraes estendem-se desde a derme profunda at a papilar,

    podendo tambm atingir a camada basal.

    A leso histopatolgica na forma clnica virchowiana caracterizada por um

    extenso infiltrado celular composto de histicitos, ou seja, macrfagos com a

    presena de bacilos no citoplasma. Estes histicitos apresentam uma grande

    quantidade de lipdeos em sua parede, o que confere o aspecto espumoso dessas

    clulas. Algumas vezes podem se apresentar com mltiplos vacolos. Por estas

    caractersticas morfolgicas, essas estruturas tambm so chamadas de clulas de

    Virchow. A epiderme est achatada e a zona sub-epidrmica no est envolvida. O

    infiltrado no atinge a camada basal da epiderme, ficando separado por uma faixa

    de fibras colgenas correspondente derme papilar retificada, chamada de faixa de

    Unna.

    Os grupos classificados pelas formas dimorfa tuberculide, dimorfa-dimorfa e

    dimorfa-virchowiana apresentam caractersticas histopatolgicas bastante

    complexas, alm da instabilidade clnica destas formas. A indiferenciao

    progressiva da clula macrofgica, a diminuio do nmero de linfcitos e o

    aumento do nmero de bacilos nos granulomas e ramos nervosos servem como

    base para a diferenciao na progresso da forma dimorfa-tuberculide para

    dimorfa-virchowiana.

    Na forma dimorfa-tuberculide as leses podem mostrar raros bacilos e o

    granuloma formado por clulas epiteliides circundadas perifericamente por

    linfcitos e com a presena de clulas de Langhans, muitas vezes em grande

    quantidade.

    A forma dimorfa-virchowiana se caracteriza por apresentar a faixa de Unna e

    apresentar granuloma composto por macrfagos indiferenciados que contm grande

  • 15

    nmero de bacilos em seu citoplasma e reas de infiltrao linfocitria densa, o que

    no ocorre no granuloma da forma virchowiana.

    As formas dimorfa-dimorfa geralmente tendem a evoluir clinicamente para um

    dos plos. Possuem um nmero maior de bacilos com clulas epiteliides

    difusamente espalhadas por todo o granuloma e no se encontram circundadas por

    zonas de linfcitos. Clulas gigantes e linfcitos so pouco encontrados e, quando

    encontrados, so difusos. H tambm edema intra e intercelular.

    1.6 Tratamento por Poliquimioterapia

    O tratamento realizado nos servios bsicos de sade de forma

    ambulatorial onde se administra uma associao de medicamentos, recomendado

    pela Organizao Mundial de Sade, conhecido como Poliquimioterapia, ou pela

    sigla PQT/OMS (Poliquimioterapia de acordo com a Organizao Mundial de

    Sade). O paciente em tratamento dever manter regularidade no esquema

    teraputico adotado, que inclui, alm da PQT/OMS, a preveno das deformidades

    (BRASIL, 1998).

    No ano de 1998 a Organizao Mundial de Sade padronizou o esquema de

    tratamento dos indivduos multibacilares, com a associao, para adultos, de

    Rifampicina 600 mg 01 vez ao ms, Dapsona 100 mg 01 vez ao dia e Clofazimina

    300 mg uma vez ao ms com 100 mg em dias alternados ou 50 mg uma vez ao dia.

    Durante este perodo o paciente dever fazer visitas mensais ao servio de sade

    durante o tratamento, que deve durar de 24 a 36 meses (BRASIL, 1998).

    Para os paucibacilares, o tratamento recomendado inclui Rifampicina 600 mg

    01 vez ao ms em dose supervisionada, Dapsona 100 mg 01 vez ao dia auto-

    administrada, e comparecimento mensal ao servio de sade para

    acompanhamento e administrao das doses supervisionadas, durante o perodo de

    6 at 9 meses.

  • 16

    1.7 Exame Neurofuncional

    As provas e testes aplicados na rotina para a avaliao neurofuncional,

    imprescindvel no acompanhamento fisioteraputico do paciente hanseniano,

    compreende a palpao das estruturas anatmicas envolvidas, testes de

    sensibilidade e provas de funo musculares, os quais complementam as inspees

    realizadas com o objetivo de verificar alterao trficas, morfolgicas, funcionais e

    cinesiopatolgicas. A avaliao da dor tambm constitui em um ponto importante no

    estudo funcional.

    1.7.1 Testes de sensibilidade

    Os testes de sensibilidade empregados tm como objetivo avaliar os

    possveis comprometimentos da sensibilidade protoptica ou de proteo, e

    epicrtica ou de discriminao. Assim, so verificadas rotineiramente as

    sensibilidades trmica, dolorosa e ttil.

    A sensibilidade trmica permite a discriminao do quente ou frio, enquanto a

    sensibilidade dolorosa confere proteo aos possveis danos estruturais. Estes dois

    tipos de sensibilidade so abordados juntos, pois embora os estudos sobre o

    assunto se mostrem controvertidos quanto aos mecanismos e as possveis vias,

    sabe-se hoje que ambos possuem como receptores as terminaes nervosas livres

    (MACHADO, 2002).

    Existem duas vias principais comprovadamente responsveis pela conduo

    supra-segmentar do sistema nervoso de temperatura e dor. As duas vias esto

    filogeneticamente distinguidas, de acordo com os seus graus de evoluo. A mais

    recente, chamada de via neoespino-talmica formada pelo trato espino-talmico

    lateral e a outra, considerada mais antiga filogeneticamente, formada pelo trato

    espino-reticular e as fibras reticulo-talmicas.

    O trato espino-talmico lateral conhecido como a via clssica da conduo

    de estmulos dolorosos e trmicos. Atravs deste trato chegam ao crtex cerebral os

    impulsos provenientes de receptores trmicos e dolorosos situados no tronco e nos

  • 17

    membros do lado oposto, projetados somatotopicamente. Este tipo de sensibilidade

    poder ser testado pedindo que o indivduo relate a temperatura de gua quente, de

    aproximadamente 40 C ou fria, de aproximadamente 10 C, dentro de um tubo de

    ensaio tocado levemente em sua pele. Acredita-se que esta via seja responsvel

    apenas pela sensao localizada de dor aguda, ou seja, uma dor em pontada. Esta

    sensibilidade poder ser testada atravs de um leve toque com alfinete na rea a ser

    testada. Para uma melhor discriminao, poderemos utilizar um estmulo com objeto

    rombide para que o individuo possa diferenci-lo do estmulo em alfinetada.

    O teste de sensibilidade trmica importante, principalmente no diagnstico

    precoce nas formas indeterminadas, pois, como sabemos, poder ser a nica

    alterada, podendo estar ou no acompanhada por alteraes na colorao da pele

    (TALHARI e NEVES, 1997).

    O teste da sensibilidade ttil a mais empregada como recurso auxiliar no

    diagnstico da hansenase, talvez por necessitar apenas de recursos simples e

    seguros. Para isto so empregados filamentos de nylon disponveis em conjuntos de

    diferentes presses de dobra, conhecidos como monofilamentos de Semmes-

    Weinstein, ou estesimetro. As presses de dobra variam de 0,05g a 300g,

    convencionalmente registrados por cores especficas, cada uma correspondendo a

    uma interpretao clnica especfica, resumidas no anexo VII.

    Marciano e Garbino (1994) realizaram uma pesquisa comparando os

    monofilamentos de Semmes-Weinstein e os testes de conduo nervosa por

    eletromiografia para o monitorizao da neuropatia hansnica, estudando 30 nervos,

    06 medianos e 24 ulnares, em pacientes com neuropatia hanseniana. Na avaliao

    inicial, foi detectado se os nervos avaliados apresentavam ou no alterao e nas

    avaliaes de seguimento, verificou-se a condio de melhora, piora ou estado

    funcional inalterado. Os estudos estatsticos realizados demonstraram que os testes

    apresentam a mesma eficincia na deteco de dficits funcionais neurolgicos e

    monitorao da neuropatia hanseniana.

    So registradas rotineiramente as respostas encontradas em pontos

    especficos correspondendo a determinados feixes nervosos sensitivos.

  • 18

    Nos membros superiores so testados os pontos representados

    esquematicamente na figura 02 com seus respectivos correspondentes nervosos

    sensitivos.

    a)

    b)

    Nervo radial Nervo mediano Nervo ulnar

    Figura 02 Pontos de avaliao por estesimetro e referncias topogrficas da inervao sensitiva

    cutnea nos membros superiores. Figura 04a regio dorsal da mo; figura 04b regio palmar.

    Nos membros inferiores so testados os pontos representados

    esquematicamente na figura 03 com seus respectivos correspondentes nervosos

    sensitivos.

    a)

    b)

    Ramo sural Nervo tibial posterior Ramo safeno Nervo fibular, ramo profundo

    Figura 03 - Pontos de avaliao por estesimetro e referncias topogrficas da inervao sensitiva

    cutnea nos membros inferiores. Figura 05a - regio plantar do p; figura 05b regio dorsal do p.

    1.7.2 Provas de Funo Muscular

    A prova de funo muscular tambm um recurso simples e importante na

    avaliao funcional. Poder evidenciar e quantificar alteraes musculares

  • 19

    decorrentes de leses nas vias nervosas motoras perifricas. Daniels, Williams e

    Worthingham (1987) proporam uma escala analtica que consta na aplicao de seis

    nveis de graus para a contrao muscular, verificadas atravs a aplicao de

    resistncia manual, tambm chamado de teste de fora muscular manual, tendo

    como referncia as tcnicas descritas por Daniels e Worthingham (1987), resumidas

    no anexo VI.

    Outros recursos com valores quantitativos mais precisos podero ser

    empregados para a avaliao cinesiolgica-funcional muscular, com uma melhor

    sensibilidade e especificidade. Dentre estes recursos encontram-se a dinamometria

    de apreenso, dinamometria computadorizada com celular e fora, dinamometria

    computadorizada isocintica e eletromiografia cinesiolgica de superfcie.

    A utilizao de dinammetros largamente difundida entre os fisioterapeutas

    para avaliao quantitativa da fora muscular. Para o teste so empregados

    diversos tipos de dinammetro e sob diversas condies. O mais simples o

    dinammetro confeccionado com uma mola com resistncia elstica definida, o qual

    mensura a fora muscular exercida para deformar a mola em kilograma-fora (KgF).

    O dinammetro computadorizado utiliza clulas de fora acopladas a uma

    placa conversora analgico-digital (placa CAD) a qual transmite os sinais para um

    micro-computador, onde o mesmo processar as informaes atravs de um

    software especfico. As clulas de fora devero ser adaptadas para cada teste

    muscular a ser realizado, devendo as mesmas serem posicionadas no sentido de

    resistir ao movimento.

    Uma outra forma de dinamometria computadorizada realizada atravs de

    movimentos isomtricos, ou seja, de torque constante. Este tipo de teste necessita

    de dispositivos eletrnicos que calcula a resistncia empregada pelo paciente em

    cada momento de fora, bem como a acelerao angular desenvolvida pelo mesmo,

    na inteno de manter o torque no mesmo valor durante toda a amplitude do

    movimento. Esses dispositivos eletrnicos, apesar de oferecerem valores

    quantitativos mais confiveis, necessitam de maior preparo tcnico pelo

    fisioterapeuta, alm de serem questionados em relao ao custo-benefcio, pois

  • 20

    sendo os mesmos de alta tecnologia e de custos de aquisio e manuteno

    elevados. Por essas razes talvez no rotina encontrarmos esses instrumentos na

    prtica clnica, embora possam ser teis em laboratrios de pesquisas.

    A eletromiografia cinesiolgica com eletrodos de superfcie permite um

    registro dos potenciais eltricos gerados pelos msculos em atividade espontnea

    realizando uma associao entre os sinais integrados de EMG comparados com a

    fora exercida pelo msculo. No entanto, essa associao limitada a condies

    isomtricas em que os msculos se contraem sem mudanas no comprimento total.

    Podemos representar esquematicamente essa relao atravs da figura 04. Nessas

    condies, pode haver uma relao linear ou uma curvilnea entre a EMG integrada

    e a fora de acordo com os estudo de Duchene e Goubel (1993). Isso quer dizer que

    a magnitude da EMG prov uma razovel estimativa de fora exercida pelo msculo.

    Quando o comprimento do msculo se altera, o local dos eletrodos em

    relao s fibras musculares ativas, se desloca causando uma mudana na EMG

    que no est relacionada com o impulso recebido pelo msculo proveniente do

    sistema nervoso, representado na figura 04. Isso pode ser considerado como um

    fator limitante da tcnica e por essa reao, difcil quantificar a EMG em condies

    no isomtricas, como no caso da contrao isotnica concntrica e excntrica ,

    exigidas para coleta das amostragens nos pacientes selecionados.

    Figura 04 - Uma interferncia de EMG retificada e integrada, e o sinal resultante (EMG integrada) apresenta um paralelo com a mudana na fora. (FONTE: ENOKA, R. M., Bases neuromecnicas da

    cinesiologia, So Paulo: ed. Manole, p. 161, 2000).

  • 21

    Assim com as tcnicas computadorizadas de quantificao da fora muscular,

    a eletromiografia exige maior preparo tcnico do fisioterapeuta ou da equipe de

    preveno de incapacidades. No existem registros na literatura da utilizao deste

    instrumento, com uma abordagem cinesiolgica por eletrodos de superfcie como

    forma de avaliao do comprometimento muscular na hansenase.

    Os estudos eletrofisiolgicos so importantes para a realizao de

    diagnstico diferencial, revelando alteraes importantes na velocidade de conduo

    nervosa.

    1.7.3 Avaliao da Dor

    Em relao ao estudo da dor, existem vrias formas de ser avaliar este

    sintoma e a maioria delas tenta quantificar e objetivas a resposta do paciente para

    as indagaes do avaliador. Trata-se de uma investigao bastante complexa e que

    envolve componentes sensoriais e emocionais, ou seja, o paciente poder descrever

    a intensidade da dor sob o ponto de vista sensorial, e o desagrado, fundamentado

    basicamente pelo envolvimento emocional do paciente com o dano.

    Por considerarmos a dor como um fator multidimensional e uma vez que os

    mecanismos de avaliao focalizam apenas o componente sensorial, os erros

    clnicos esto possveis de ocorrer. O estudo da dor experimentalmente focaliza-se

    na dimenso sensorial da dor e no na anlise da totalidade dos componentes

    envolvidos na dor clnica. A percepo da dor simulada por muitos fatores e de

    acordo com esses fatores poder ser til na avaliao da efetividade das

    intervenes teraputicas, como no caso da cirurgia de neurlise simples em

    pacientes com dano neural hansnico.

    A avaliao da dor inicia-se com o processo de entrevista do paciente, onde

    podemos evocar uma histria pregressa e atual com uma srie de indagaes, as

    quais no devem ser capciosas nem induzir respostas. Faz-se necessrio indagar

    da localizao, quando comeou, o que desencadeou, fatores que melhoram,

    fatores que pioram, irradiaes, entre outras perguntas de interesse objetivo.

  • 22

    Embora as informaes fornecidas pelo paciente durante da entrevista no possam

    assegurar a fidedignidade dos sintomas nem consiga claramente especificar as suas

    caractersticas, a entrevista poder guiar o examinador em sua investigao clnica.

    Outros meios de avaliao da dor incluem em esboos de simulaes da dor,

    questionrios, escalas de classificao verbais, escalas analgicas visuais e

    medidas indiretas tais como a avaliao do uso de analgsico ou os nveis relativos

    de atividade.

    Esboos da dor so representaes visuais da distribuio e da qualidade da

    dor do paciente. Os esboos da dor podem ser completados pelo examinador, pelo

    paciente ou por ambos. A evidncia sugere que as verses do paciente e do

    examinador para os esboos da dor podem ser muito diferentes. A segurana e a

    validade desses esboos no foram demonstradas por estudos metodologicamente

    aceitveis.

    Em relao aos questionrios de avaliao da dor, um modelo comumente

    usado o de McGrill. Que existe em verses mais resumida ou completa. Este

    questionrio uma ferramenta de avaliao global que usa variaes de esboos da

    dor e escalas. Utiliza expresses agrupadas na tentativa de quantificar as

    caractersticas da dor dos pacientes. Uma entrevista com fins de avaliar a dor, um

    esboo e uma escala de classificao verbal fazem parte deste questionrio.

    Melzack e colaboradores (1983) consideraram aceitvel este mtodo e sua validade

    duvidosa. Os questionrios de estados funcionais tm sido utilizados para medir a

    dor e a incapacidade associada com as condies de dor crnica. Estes

    questionrios levam ao centro da questo se a disfuno associada com a dor

    afetada pelo tratamento.

    Escalas analgicas visuais so linhas de 10 cm de comprimento e

    convencionalmente numeradas de 1 a 10. Algumas no so numeradas. Essas

    escalas variam deste muito detalhadas at bem esparsas. O paciente geralmente

    questionado a descrever a intensidade da dor no momento da avaliao. Uma

    variao neste tipo de escala a forma com classificao grfica, que possui

    expresses igualmente espaadas na linha. Essas escalas podem ser verticais ou

  • 23

    horizontais, e tanto a margem esquerda como a direita podem representar a

    intensidade mxima de dor.

    Escalas de classificao verbais usam palavras descritivas que melhor

    categorizem a dor segundo o paciente. Tanto para a escala analgica visual quanto

    para a escala de classificao verbal, a escolha das expresses ou ncoras para as

    respostas importante. Expresses como nenhuma dor ou pior dor imaginvel

    como ncoras no levam em conta a discriminao dos componentes sensoriais e

    emocionais da dor. O uso de ncoras como sem dor, dor mais intensa,

    agradvel ou extremamente desagradvel leva em conta a diferenciao que tem

    importantes implicaes clnicas e experimentais.

    Para o nosso estudo utilizamos uma escala analgica visual de dor

    com representao numrica de 1 a 10 e variaes de cor como representada no

    anexo V.

    1.7.4 Avaliao do grau de incapacidade

    O Ministrio da Sade possui um formulrio especfico para registrar as

    principais alteraes funcionais que podem ocasionar incapacidades no paciente

    portador de hansenase (anexo II). So registrados os sinais e sintomas

    encontrados, separadamente, para o lado direito e esquerdo, nos olhos, mos e ps.

    avaliado se h perda da sensibilidade na crnea, nas regies palmares e

    plantares com objetivo de determinar se o pacientes perdeu a sensibilidade

    protetora. Sua perda ou diminuio poder predispor o paciente a traumatismos. A

    perda ou diminuio isolada da sensibilidade caracteriza o grau I de incapacidade.

    Para o grau II evidenciado se o paciente possui sinais de lagoftalmo e/ou

    ectrpio, triquase, opacidade corneana, acuidade visual menor que 0,1 ou no

    conta dedos a 6 metros de distncia, presena de lceras trficas, leses

    traumticas, deformaes em garras nas mos, ps cados, contraturas nos

    tornozelos ou absoro ssea.

  • 24

    No havendo nenhuma das manifestaes clnicas descritas para o grau I ou

    II, o paciente classificado como grau 0 de incapacidade.

    1.8 Estados Reacionais

    So intercorrncias de carter agudo que podero ocorrer nos pacientes

    portadores de Hansenase. So devidas a manifestaes do sistema imunolgico e

    podem aparecer antes e durante tratamento, e aps a alta, no exigindo a suspenso ou reincio da poliquimioterapia.

    As manifestaes clnicas resultam de alteraes no balano imunolgico

    entre hospedeiro e o M.leprae, acometendo principalmente pele e nervos, muitas

    vezes levando a instalao de incapacidades. O bacilo poder estar vivo ou no. As

    reaes podem ser classificadas em 2 tipos, de acordo com Ridley-Jopling: Reao

    tipo I ou reao reversa e Reao tipo II ou eritema nodoso hansnico, acometendo

    principalmente pele e nervos, podendo tambm afetar o sistema ocular.

    Outras consideraes so feitas em relao prpria quimioterapia, infeces

    recorrentes, uso de drogas imunossupressoras, vacinaes, transfuses

    sanguneas, estados de ansiedade e estresse, gravidez e perodos menstruais

    relacionados ocorrncia de estados reacionais.

    1.8.1 Reao do tipo I

    Caracteriza-se por eritema e edema das leses ou espessamento de nervos,

    acompanhada de dor palpao. Ocorre mais freqentemente em pacientes com

    hansenase tuberculide e dimorfa tuberculide (paucibacilares) e parece estar

    relacionada com o aumento abrupto da resposta imune mediada por clulas contra

    antgenos do M. leprae. Ao exame histopatolgico pode-se verificar a expanso do

    granuloma com presena de edema e um influxo de clulas CD4+. O nmero de

    receptores para interleucina-2 (IL-2R) bem como a expresso de HLA-DR em

    clulas do infiltrado e em queratincitos na epiderme esto aumentados, o que

    caracteriza um evidente aumento na produo de interferon- (MODLIN e

    colaboradores, 1988, p. 1213-1217).

  • 25

    Yamamura e colaboradores (1992), utilizando uma tcnica de PCR,

    demonstraram que a expresso de mRNA da citocinas interleucina-1 (IL-1), fator

    de necrose tumoral- (TNF-), interleucina-2 (IL-2) e interferon- (IFN- ) est

    aumentada nas leses, demonstrando um padro tpico de resposta TH1. outras

    citocinas do padro TH2, como IL-4, IL-5 e IL-10 estavam diminudas. Atravs de

    tcnica imunohistoqumica, os autores tambm conseguiram demonstrar a presena

    de IFN- e TNF- associados enzima xido ntrico sintetase induzvel (iNOS) no

    citoplasma de macrfagos, determinando uma atividade macrofgica competente.

    Opromolla, Ura e Ghidella (1994) selecionaram 20 casos entre aqueles

    considerados reacionais com reao tipo I generalizada, com manifestaes clnicas

    e histopatolgicas semelhantes e com Mitsuda positivo, igual ou maior que 6mm. Os

    pacientes foram estudados pelos autores, abordando os pontos de vista clnico,

    baciloscpico, histopatolgico e evolutivo. As leses clnicas apresentadas pelos

    pacientes estudados se apresentavam como ppulas e placas eritematosas bem

    delimitadas e com pouco comprometimento neural. A baciloscopia foi negativa ou

    positiva fraca e a histopatologia exibia granulomas tuberculides frouxos devido ao

    edema intra e extracelular e congesto vascular. Os episdios reacionais se

    repetiram no mximo mais uma vez durante o perodo de acompanhamento, levando

    os autores a acreditarem que deveriam ser ocasionados pela multiplicao do bacilo,

    induzindo as defesas orgnicas a responderem aos antgenos que desencadeariam

    uma reao de hipersensibilidade tardia, que o surto reacional.

    Com o objetivo de descrever a poca de aparecimento da reao tipo 1 e os

    nervos acometidos, nos pacientes portadores de hansenase dimorfa-tuberculide

    (BT), durante a poliquimioterapia recomendada pelo Ministrio da Sade, Carvalho e

    colaboradores (1995) realizaram um estudo longitudinal, no perodo de 1989 a 1993,

    envolvendo 71 pacientes mostrando que 89,3 por cento dos pacientes hansenianos

    BT com reao tipo 1 apresentaram esse surto at a sexta dose de tratamento. O

    nervo ulnar foi o mais acometido nas reaes tipo 1, correspondendo a 37% dos

    casos.

  • 26

    O tratamento medicamentoso indicado pelo Ministrio da Sade a

    administrao de Prednisona via oral 1-2mg/kg/dia, com reduo a intervalos fixos,

    conforme avaliao clnica.

    1.8.2 Reao do Tipo 2

    Caracteriza por formao de ndulos eritematosos, dolorosos, em qualquer

    parte do corpo. Pode evoluir com neurite. O eritema nodoso hansnico ocorre mais

    freqentemente em indivduos multibacilares e considerada uma importante causa

    de morbidade, podendo ocasionar danos neurais, paralisias e deformidades,

    ocorrendo mesmo em indivduos em tratamento. Por se tratar de uma reao

    inflamatria sistmica, alm da pele e dos nervos perifricos, vrios outros rgos

    podero ser acometidos, dentre eles linfonodos, fgado, bao, peritnio, testculos,

    olhos, articulaes, tendes, msculos e ossos. So comuns tambm os casos de

    irite e iridiciclite. Atualmente, os episdios de eritema nodoso esto entre as

    principais causas de hospitalizao desses pacientes em muitas regies endmicas

    brasileiras (GUERRA e colaboradores, 2002, p. 389-407).

    No existe consenso entre os trabalhos desenvolvidos sobre o envolvimento

    da imunidade celular neste tipo de reao. No entanto existem indicativos do

    envolvimento do IFN- pela presena de receptores para IL-2 e para HLA-DR nas

    clulas imunocompetentes presentes nestas leses. Tambm tem sido mostrado

    que durante os episdios reacionais do tipo II h um aumento seletivo na expresso

    de mRNA para sntese de IL-6, IL-8 e IL-10, uma indicao de resposta do tipo TH-2.

    Vieira (1991) estudou 51 pacientes multibacilares com diagnstico clnico de

    hansenase LL e BL que apresentaram episdios de eritema nodoso durante a

    poliquimioterapia e no perodo de acompanhamento sem tratamento quimioterpico.

    Esses pacientes foram classificados segundo gravidade dos episdios em 3

    grupos clnicos que foram correlacionados com parmetros epidemiolgicos e

    imunolgicos. Os episdios reacionais ocorreram antes do incio do tratamento em

    15,69% dos pacientes. Os demais foram observados predominantemente no

    primeiro ano de quimioterapia. Em 52,54% o eritema nodoso foi precedido da queda

    do ndice bacteriolgico. Os autores verificaram tambm que a idade e o sexo no

  • 27

    influenciaram no aparecimento de eritema nodoso, nem na sua intensidade.

    Verificando os possveis papeis das citocinas TNF- e IL-1, todos os pacientes do

    grupo III mostraram nveis elevados de TNF- o que tambm foi observado em 50

    dos demais pacientes, sugerindo o possvel efeito destas citocinas nos sintomas

    clnicos. Atravs da anlise dos nveis de anticorpos contra antgenos neurais no

    soro de alguns pacientes, observou-se que estes anticorpos estavam presentes em

    todo espectro da hansenase. Verificou-se ainda que a maioria dos pacientes

    manteve o mesmo grau de incapacidade observado no incio do tratamento,

    enquanto que 37,25% apresentaram melhora. Os autores no estabeleceram

    correlaes entre os parmetros imunolgicos estudados e o desenvolvimento de

    leso neural.

    Foram encontradas a presena da enzima xido ntrico sintetase induzvel em

    neutrfilos e nveis sricos de TNF e IL-1. Uma pesquisa analisando culturas de

    clulas mononucleares do sangue perifrico de portadores de hansenase e de

    pessoas sadias mostrou que a prostaglandina-1 estimula a produo de TGF-,

    conferindo nveis 5 vezes maiores que os pacientes paucibacilares com reao

    reversa e 60 vezes maiores que os encontrados em pacientes tuberculides sem

    reao, indicando que o TGF- pode ter diferentes papis em hansenase, que vo

    desde a mediao de uma ao supressiva localmente associada com a presena

    de prostaglandina-1, e induzindo diferentes efeitos inflamatrios quando secretado

    sistemicamente por moncitos, atuando como uma citocina moduladora., associada

    com a resposta imune Th2 nas formas multibacilares (GOULART, PENNA e

    CUNHA, 2002) e (GOULART, 1999).

    O tratamento medicamentoso indicado pelo Ministrio da Sade a

    administrao de Talidomida via oral, 100/400 mg/dia, restringindo o uso em

    mulheres em idade frtil devido seu efeito teratognico. Nessa situao est

    indicada a prednisona via oral,1-2mg/kg/dia. A retirada tambm feita em intervalos

    fixos, aps avaliao clnica.

    Um trabalho realizado por Nery e colaboradores (1999) analisando os

    aspectos clnicos e histopatolgicos dos estados reacionais de 169 pacientes

    multibacilares submetidos poliquimioterapia, encontraram 51% de reao tipo II

  • 28

    predominando nos portadores da forma LL, 42% de reao tipo I prevalecendo em

    pacientes BB e 7% dos pacientes apresentaram neurite pura sem manifestaes

    cutneas. Os pesquisadores verificaram que os episdios reacionais so

    complicaes freqentes, ocorrendo em qualquer momento da doena. Observaram

    tambm que 77% dos pacientes com reao tipo I e 43% dos pacientes com reao

    tipo II desenvolveram manifestaes sistmicas.

    A alta por cura da hansenase se d quando o esquema de doses

    recomendadas para o tratamento se completa sem irregularidades nas suas

    administraes ou interrupes por parte do paciente. No entanto, os estados

    reacionais podero, como j mencionado, ocorrer mesmo aps a alta. Rodrigues e

    colaboradores (2000, p. 7-16) revisando os pronturios de 149 pacientes que

    completaram a poliquimioterapia, recebendo alta no perodo de 1994 a 1999 em um

    Centro de Sade, verificaram que 23% dos pacientes apresentaram reao ps-alta,

    sendo que destes 11,76% eram paucibacilares e 88,23% multibacilares, com uma

    mdia de 3 episdios entre pacientes dimorfos e 4 entre pacientes virchowianos.

    Uma vasculite necrotizante pode acometer os pacientes quando apresentam

    estados reacionais, principalmente entre os casos virchowianos ou prximos deste

    plo e tambm em indivduos com hansenase avanada e no tratados. Esta

    manifestao clnica chamada de fenmeno de Lcio. 1.9 A Neurite Hansnica

    Os nervos perifricos, envolvidos no processo de infeco pelo M. leprae,

    constituem-se de feixes de axnios dispostos paralelamente e circundados por trs

    bainhas de tecido conjuntivo: o endoneuro, o perineuro e o epineuro. O endoneuro

    separa axnios individualmente; o perineuro circunda feixes de axnios e epineuro

    envolve todo o tronco nervoso (figura 05). Os nervos perifricos recebem suprimento

    sanguneo por ramos arteriais que penetram no tronco nervoso. Dentro do nervo os

    axnios so eletricamente isolados uns dos outros pelo endoneuro e por uma bainha

    de mielina que fornecida pelas clulas de Schwann, as quais circundam

    parcialmente um grupo de axnios de pequeno dimetro ou envolvem totalmente

    uma seo de um nico axnio de grande tamanho. Os axnios de pequeno

  • 29

    dimetro, que compartilham clulas de Schwann, so designados como no-

    mielinizados ou parcialmente mielinizados, enquanto os axnios de grande dimetro

    que esto totalmente envolvidos por clulas de Schwann so designados como

    mielinizados.

    Figura 05 Fascculos nervosos e suas bainhas de tecido conjuntivo. P perineuro, EP epneuro,

    EN endoneuro, VA vaso sanguneo, VEM vnula. Adaptado de Butler, 2003.

    So geralmente mistos, ou seja, possuem axnios sensitivos, motores e

    autnomos. Os ramos sensitivos cutneos suprem a pele e os tecidos sub-cutneos,

    bem como tambm possuem axnios eferentes simpticos s glndulas sudorparas

    e arterolas; os ramos motores suprem os msculos, tenses e articulaes tambm

    possuindo axnios sensitivos proprioceptivos.

    A neurite hansnica considerada a maior causa de morbidade entre os

    pacientes portadores de hansenase, a qual responsvel pelo desenvolvimento de

    deformidades e incapacidades fsicas. Este termo aceito para definir o

    comprometimento neural devido a hansenase. O M. leprae possui uma grande

    afinidade para as clulas de Schwann e macrfagos do sistema retculoendotelial.

    Existe uma predileo do bacilo para troncos nervosos perifricos mais superficiais,

    principalmente os que esto em reas anatmicas com menor temperatura e mais

    expostos ao trauma, envolvidos por estruturas que podero comprimi-lo, como os

    canais osteoligamentares do carpo e epitrocleo-olecraniano, ou onde passam os

    nervos.

  • 30

    Acredita-se que o M. leprae possa penetrar nas clulas de Schwann por

    diferentes mecanismos. Primeiro seria uma forma direta de penetrao atravs da

    sua fagocitose nas leses drmicas pelas clulas de Schwann. Essas clulas podem

    hospedar o bacilo, favorecendo o seu desenvolvimento e multiplicao. O bacilo se

    movimentaria ao longo dos filetes nervosos seguindo o movimento axonal. Os

    macrfagos presentes nas camadas mais superficiais da derme captam inicialmente

    os bacilos que posteriormente so liberados e fagocitados pelas clulas perineurais.

    Estas, por sua vez, impregnam as clulas de Schwann. Segundo, poder ocorrer

    tambm a infiltrao de macrfagos infectados no perineuro.

    Alguns estudos tentam mostrar a relao entre o bacilo e as clulas de

    Schwann atravs de culturas destas clulas infectadas utilizando modelos in vitro de

    clulas de ratos o que permite uma grande proximidade das caractersticas

    morfofisiolgicas das clulas de Schwann humanas e suas interaes com o bacilo.

    As clulas de Schwann compreendem a maior populao de clulas nervosas

    utilizadas para cultivo de gnglios dorsais e seu nmero declina quando existem

    altas taxas de mitose fibroblstica. Desta forma so empregados agentes ativadores

    da adenosima monofosfato cclica (AMP-cclico) no enriquecimento de cultivo para

    inibir o crescimento de fibroblastos sem causar toxicidade clula de Schwann,

    permitindo a sua proliferao. A travs desta tcnica pesquisadores conseguiram

    cultivos enriquecidos destas clulas, o que permitiu anlises a partir de suas

    caractersticas morfolgicas e sua atividade imunolgica frente a protena S-100, a

    qual reguladora da concentrao de clcio intracelular, associada a filamentos

    intermdios, presente na clula de Schwann e ausente nos fibroblastos. Mueton

    Gmez (1996) obtiveram cultivos com 88% de clulas de Schwann as quais foram

    usadas em ensaios de infeco. Para tanto utilizou-se bacilos obtidos a partir de

    lepromas, material colhido de pacientes com a forma virchowiana, possibilitando os

    estudos atravs de microscopia ptica, usando a colorao de Ziehl-Neelsen,

    permitindo a quantificao do nmero de bacilos por clula infectada e a

    porcentagem de clulas infectadas.

    Talvez a via mais freqente de entrada do bacilo no nervo seja pela corrente

    sangunea via capilares intraneurais, o que facilita o transporte de microorganismos

    s estruturas nervosas. Um trauma mnimo poder aumentar a aderncia das

  • 31

    clulas endoteliais dos capilares intraneurais e tambm pode comprometer a

    barreira neuro-sangunea. As clulas de Schwann iro fagocitar o bacilo trazido para

    o nervo pela microcirculao sangunea neural.

    A sua fisiopatogenia se d tanto por uma processo inflamatrio crnico

    quanto sub-agudo, nos quais clulas epiteliides e macrfagos com bacilos em seu

    citoplasma podem estar presentes. Tambm podero ocorrer respostas inflamatrias

    do nervo frente a restos bacilares, o que a principal causa de neurites que ocorrem

    ps-alta em paciente hansenianos. De acordo com Renzo e Panciera (1987),

    poderemos ter episdios de reaes agudas com exacerbao do quadro

    inflamatrio que poder complicar o curso crnico da doena e tambm sndromes

    de compresses nervosas.

    Uma das conseqncias do processo inflamatrio a ocupao por infiltrado

    do endoneuro, perineuro e epineuro, levando a compresso tanto de fibras

    mielnicas quanto amielnicas que evoluem com um processo de fibrose,

    contribuindo para o dano neural. Essa compresso tambm causa leso isqumica

    do nervo. A compresso externa do nervo se d principalmente pelo seu

    espessamento e poder ser intermitente, parcial ou completa. Podero acometidas

    tanto fibras do sistema nervoso perifrico sensitivo, como motor e autonmico.

    O espessamento do nervo poder ocorrer uniformemente por toda a sua via

    perifrica, ou poder ser fusiforme ou em rosrio. Uma necrose do tipo caseosa

    poder ocorrer nos granulomas tuberculides dos nervos, resultando em sua

    completa destruio por abscessos. Estes abscessos contribuem para a

    compresso de fascculos nervosos. O material caseoso poder ser eliminado

    atravs de fstulas cutneas ou ao longo da bainha do nervo.

    De acordo com Talhari e Neves (1997), trs fatores podero estar envolvidos

    no processo de dano neural:

    a) A relao entre os tecidos do paciente e as formas clnicas da doena, pois as

    paralisias so muito mais precoces e intensas na forma tuberculide, onde, nestes

    casos, as leses so em pequeno nmero e o tratamento precoce prevenir as

  • 32

    graves leses nervosas. Nas formas dimorfas o acometimento nervoso

    significativo e a possibilidade de leses graves grande, principalmente na forma

    prxima ao plo tuberculide, o que proporciona cuidados na preveno de

    incapacidades. Na forma virchowiana poder ocorrer um envolvimento de maior

    quantidade de nervos. No entanto a possibilidade de paralisia menor. De acordo

    com esses postulados e compreendendo os complexos imunolgicos envolvidos nas

    duas formas polares, nos leva a crer que o dano neural tem uma ntima relao com

    a resposta imunolgica do hospedeiro, pois a resposta tipo TH1, como j

    mencionada, mais efetiva pois o nmero de nervos lesionados menor, que por

    outro lado tem a possibilidade de danos mais graves aos filetes nervosos.

    b) O espessamento das fibras nervosas aumenta os danos por compresso

    mecnica e isquemia. Quanto maior o nmero de fibras envolvidas, maior ser a

    possibilidade de comprometimento motor, principalmente acompanhado de fibrose.

    c) A distncia perpendicular entre o nervo e a superfcie cutnea teria uma influncia

    no dano neural, pois acredita-se que quanto mais prximo o nervo se encontra da

    superfcie cutnea mais susceptvel ser para traumas e mais fcil a passagem de

    bacilos existentes no infiltrado cutneo para o tecido nervoso.

    A dor o sintoma persistente e predominante podendo vir acompanhada de

    alteraes sensitivas e motoras (JOPLING, 1978) e classificada, de acordo com as

    suas manifestaes clnicas, em: I) neurite irritativa, II) neurite deficitria parcial e III)

    neurite deficitria total (Renzo e Panciera, 1987). No entanto existem casos de

    desenvolvimento de dano neural na hansenase sem manifestaes clnicas, o que

    conhecida como neurite silenciosa. Morgulis, Nbrega e Lima (1988) realizaram um

    acompanhamento de 95 pacientes hansenianos submetidos avaliao neurolgica

    completa e estudo eletroneuromiogrfico com medidas da velocidade de conduo

    nervosa motora e sensitiva, concluram que a eletromiografia apresentava alteraes

    em um nmero significativo de casos com exame neurolgico normal, mostrando

    que o dano neural poder ocorrer mesmo antes do incio das manifestaes clnicas

    neurolgicas.

  • 33

    O envolvimento do msculo estriado na lepra considerado secundrio

    leso dos nervos perifricos, mas alguns estudos relataram acometimento muscular

    primrio. A fim de verificar esta controvrsia, Wernewck, Teive e Scola (1999)

    estudaram 40 pacientes com hansenase, sendo 23 da forma virchowiana, 13 da

    tuberculide, 2 dimorfa e 2 indeterminada, atravs de estuda da neuroconduo do

    nervo fibular comum, junto com eletromiografia e bipsia do msculo tibial anterior.

    Os pesquisadores encontraram reduo de velocidade de conduo, da amplitude e

    algumas vezes ausncia de potenciais no nervo fibular comum. A eletromiografia do

    tibial anterior mostrou sinais de desnervao recente e crnica em 77,5% dos casos

    e no foi encontrada evidncia de padro "mioptico". A bipsia do msculo tibial

    anterior revelou desnervao em 45% dos casos, miopatia inflamatria intersticial

    em 30% e padro misto de aspecto mioptico e neuroptico, em 12,5%. Bacilos

    lcool-cido resistentes foram encontrados em 25% dos casos, sempre localizados

    no perimsio e endomsio. Na forma virchowiana, a reao inflamatria estava

    presente no espao intersticial. Os dados histolgicos claramente definiram a

    presena de uma entidade que os autores chamaram de "Miosite Lepromatosa

    Intersticial" sobreposta s alteraes histolgicas encontradas em desnervao.

    Alguns pacientes desenvolvem neuropatia sem o desenvolvimento de leses

    cutneas. Estas neuropatias so chamadas de neurites puras ou neurites

    hansnicas puras. Os pacientes com esta forma da doena desenvolvem sinais e

    sintomas de deteriorao nervosa perifrica, como parestesia, espessamento neural,

    dor no trajeto do nervo e fraqueza muscular. Estes casos apresentam maiores

    dificuldades para o diagnstico, principalmente nos servios onde no existem

    recursos diagnsticos complementares, com a possibilidade de realizao de estudo

    histopatolgico e eletroneuromiogrfico. A neurite pura poder estar presente em

    at 16% dos pacientes portadores de hansenase em regies endmicas, de acordo

    com Girdhar (1996, p.35-42).

    Skacel e colaboradores (2000) avaliaram 44 pacientes com sinais de

    neuropatia perifrica, acompanhados no Ambulatrio de Hansenase da Fundao

    Oswaldo Cruz por perodo que variou de 4 meses at 4 anos, com o intuito de

    confirmar ou afastar o diagnstico de neuropatia hanseniana. Analisando os sinais e

    sintomas dos pacientes encontraram hipoestesia em 41 , parestesia em 28,

  • 34

    espessamento neural em 22, dor no trajeto do nervo em 20, paresia em 20 e

    amiotrofia em 8 pacientes. Dez pacientes dos 44 tiveram o diagnstico de

    hansenase confirmado. A confirmao diagnstica se deu atravs da bipsia de

    reas hipoestsicas sem leso dermatolgica em 3 pacientes, pelo aparecimento de

    estados reacionais sendo duas reaes reversas e 4 neurites reacionais, e pelo

    aparecimento de leso cutnea no reacional caracterstica da forma dimorfa-

    lepromatosa. Os autores concluram que o acompanhamento clnico regular dos

    pacientes sem diagnstico no primeiro exame mostrou ser um mtodo que permitiu

    o diagnstico da forma neurtica pura da hansenase, quando os mtodos objetivos

    de diagnstico no confirmam de imediato a doena.

    1.9.1 Principais Nervos Acometidos

    Nos membros superiores, os principais nervos acometidos pelo M. leprae so

    o nervo ulnar, o mediano e o