rauirys alencar de oliveira
TRANSCRIPT
-
AVALIAO FISIOTERAPUTICA NO PR E PS-OPERATRIO DE NEURLISE EM PACIENTES PORTADORES
DE HANSENASE COM DANO NEURAL
RAUIRYS ALENCAR DE OLIVEIRA
MANAUS
2005
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS UEA FUNDAO DE MEDICINA TROPICAL DOAMAZONAS - FMTAM
MESTRADO EM DOENAS TROPICAIS E INFECCIOSAS
-
ii
RAUIRYS ALENCAR DE OLIVEIRA
AVALIAO FISIOTERAPUTICA NO PR E PS-OPERATRIO DE NEURLISE EM PACIENTES PORTADORES
DE HANSENASE COM DANO NEURAL
Dissertao apresentada ao Programa de Ps Graduao em Medicina Tropical da Universidade do Estado do Amazonas em convnio com a Fundao de Medicina Tropical do Amazonas para a obteno do grau de Mestre em Doenas Tropicais e Infecciosas.
Orientadora: Prof Dra. Maria da Graa Souza Cunha
Co-orientador: Prof. Dr. Sinsio Talhari
MANAUS
2005
-
iii
FICHA CATALOGRFICA
OLIVEIRA, Rauirys Alencar de.
Avaliao Fisioteraputica no Pr e Ps-Operatrio de Neurlise em Pacientes Portadores de Hansenase com Dano Neural / Rauirys Alencar de Oliveira. Manaus: Universidade do Estado do Amazonas, 2005. 77 p.
Dissertao (Mestrado em Doenas Tropicais e Infecciosas) Universidade do Estado do Amazonas.
Orientao: Profa. Dra. Maria da Graa Souza Cunha
1. hansenase; 2. Fisioterapia; 3. Neurlise; 4. Incapacidade fsica; 5. Neurite.
-
iv
Dedicatria Dedico este trabalho a todos que buscam
entender melhor os eventos da Hansenase com o intuito de ajudar a tantas pessoas que sofrem por esta doena em todo o mundo, principalmente nos pases em desenvolvimento, bem como aos meus pacientes que, apesar das dificuldades, esto sempre buscando melhorar suas condies de vida e de sade.
-
v
Agradecimentos
Agradeo: Ao ser supremo, conhecedor de todos os
mistrios do universo pela sua bondade em nos conceber o acesso cincia e ao conhecimento; minha famlia pelo apoio, principalmente minha esposa e companheira Andra; minha orientadora, Dra. Maria da Graa Souza Cunha, pela sua dedicao e empenho em me ajudar nesta tarefa to rdua; Meu co-orientador, Dr. Sinsio Talhari, pelo auxlio;
Aos funcionrios da Fundao Alfredo da Matta que tanto me ajudaram desde o incio de meu projeto de pesquisa at todas as suas fases de execuo, em especial equipa da Gerncia de Fisioterapia e Preveno de Incapacidades, departamento de pesquisa e departamento de epidemiologia e controle de doenas;
minha coordenadora no Centro Universitrio Nilton Lins, Mnica Romitelli de Queiroz;
Aos mdicos Prof. Ms. Wilson Duarte Alecrim e
Prof. Dra. Maria das Graas Costa Alecrim que, desde o incio, acreditaram no meu trabalho;
Ao amigo Jferson Jurema pelo grande trabalho
que vem realizando em prol da pesquisa; Aos colegas de mestrado pelo apoio e incentivo; Universidade do Estado do Amazonas e
Fundao de Medicina Tropical do Amazonas, bem como Coordenao e secretaria do Curso, em nome da Prof Dra. Maria das Graas Vale Barbosa e senhora Maria da Conceio dos Santos Tufic;
Superintendncia da Zona Franca de Manaus
pelo financiamento e incentivo do Curso.
-
vi
RESUMO A hansenase uma doena de carter infecto-contagioso e tambm incapacitante, causada pelo Mycobacterium leprae ou bacilo de Hansen (1873), um bastonete lcool-cido resitente. O Estado do Amazonas apresentou, em 2004, um coeficiente de prevalncia de 6,74/10.000 habitantes, ocupando o 11 lugar no Brasil. Municpio de Manaus apresentou, neste mesmo ano, uma prevalncia de 5,79 casos por 10.000 habitantes, o que considerado alto pela Organizao Mundial de Sade. No mesmo ano foram detectados 918 casos novos no Estado, dentre os quais, 94,88% foram avaliados quanto ao grau de incapacidade, onde 23,06% apresentaram grau I ou II de incapacidade, trazendo prejuzos por perda de fora de trabalho e gastos governamentais com previdncia e investimentos em preveno terciria. O presente estudo teve como objetivo analisar, atravs do exame neurofuncional, a eficcia da cirurgia de neurlise em pacientes com neurite hansnica operados na Fundao Alfredo da Matta (FUAM-AM), municpio de Manaus, Estado do Amazonas. Esta cirurgia est indicada nos estados de neurite que no respondem adequadamente corticoterapia. Tratou-se de um estudo prospectivo, do tipo descritivo. Teve como universo de estudo a populao portadora de neurite hansnica do Estado do Amazonas, tratada na FUAM-AM. Foram selecionados 27 participantes os quais foram triados para cirurgia eletiva de neurlise, respeitando os critrios de incluso e excluso, no perodo de outubro de 2004 a janeiro de 2005. Ao todo foram realizadas 64 cirurgias nos pacientes selecionados durante o perodo de acompanhamento, sendo que 22 pacientes realizaram neurlise em dois nervos e 5 pacientes realizaram neurlise em 5 nervos. Os pacientes realizaram uma avaliao neurofuncional pr-operatria em cada cirurgia, compreendendo o teste de fora muscular manual, teste de sensibilidade pelos estesimetros de Semmes-Weinstein, avaliao da dor atravs de escala analgica visual e classificao do grau de incapacidade. A mesma avaliao foi repetida um ms aps a cirurgia. Os principais nervos operados foram, em ordem decrescente, medial e ulnar, fibular comum e tibial posterior. A maioria dos pacientes operados (70,3%) pertencia a faixa etria entre 20 e 40 anos de idade. A forma clnica mais comum entre os mesmos foi a virchowiana (67%), seguida da dimorfa-virchoviana (19%), tuberculide (7%) e dimorfa-tuberculide (7%). Setenta e quatro por cento dos pacientes operados encontravam-se em alta clnica e 26% ainda realizavam tratamento por poliquimioterapia. A principal queixa apresentada foi dor (55%). Entre os 64 nervos operados, 38 eram responsveis por algum grau de comprometimento de fora na musculatura correspondente sua inervao no pr-operatrio. Em relao ao grau de incapacidade, 70% apresentaram grau I e 30% apresentaram grau II. No ps-operatrio, foi relatada melhora da dor em 64% das cirurgias, 30% no apresentaram alterao e 6% apresentaram piora. Cinqenta e seis por cento dos nervos com comprometimento motor no apresentaram melhora, 32% melhoraram em at um grau e 12% apresentaram piora em at um grau. Trinta e quatro por cento dos pacientes apresentaram melhora da sensibilidade, e 66% se mostraram com quadro inalterado. Quanto ao grau de incapacidade no houve modificaes quando comparamos o pr ao ps-operatrio. De acordo com os resultados apresentados, conclumos que, pelo menos durante o perodo de acompanhamento do estudo, correspondendo a um ms de ps-operatrio, no houve evoluo significativa na funcionalidade dos segmentos correspondentes aos nervos operados, sob o ponto de vista da fora muscular. A dor, como principal queixa relatada e tambm como fator incapacitante, apresentou melhoras importantes promovendo satisfao quanto aos resultados por parte dos pacientes, bem como a melhora da sensibilidade.
Palavras chaves: hansenase, fisioterapia, neurlise, incapacidade fsica, neurite.
-
vii
ABSTRACT
The Hansens disease has a infectant, contagious and disability character, and it's caused by the Mycobacterium leprae or Hansen's bacillus (1873), a small alcohol-acid resistant bacillus. The State of Amazonas presented, in 2004, a prevalence coefficient of 6,74/10.000 inhabitants, occupying the 11 place in Brazil. Municipal district of Manaus presented, on this same year, the prevalence of 5,79 cases per 10.000 inhabitants, what is considered high by the World Organization of Health. In the same year 918 new cases were detected in the State, among them, 94,88% were assessed to the degree of disability, and we found that 23,06% presented degree I or II of disability, bringing damages for manpower loss and government expenses with retirement and investments in tertiary prevention. The objective of this study is analyze, using the neurofunctional exam, the effectiveness of the decompression surgery of nerves in patients with nerve trunk due Hansen's disease, operated at Alfredo da Matta Foundation (FUAM-AM), municipal district of Manaus, State of Amazonas. This surgery is suitable in the nerve trunk states which do not reply appropriately to the use of corticoids. It was a prospective and descriptive study. Our study object was the population carried by nerve trunk due Hansen's disease of the State of Amazonas, treated in FUAM-AM. Twenty-seven participants were selected to surgery of nerve decompression, obeying the inclusion and exclusion approaches, during the period of October of 2004 to January of 2005. Sixty-four surgeries were accomplished in the patients selected during the study period, 22 patients were submitted to surgery in two nerves and 5 patients in 5 nerves. The patients were assessed with the neurofunctional exam in pr-operative period in each surgery, witch includes the manual test of muscular force, sensibility test using the Semmes-Weinstein monofilaments, pain evaluation using a analogical visual scale and classification of the disability degree. The same evaluation was repeated one month after the surgery. The main operated nerves were, in decreasing order, medial and ulnar, common fibular and posterior tibial. Most of the operated patients (70,3%) it belonged the age group between 20 and 40 years. The most common clinical form among them were lepromatous (67%), followed by the boderline-lepromatous (19%), tuberculoid (7%) and boderline-tuberculoid (7%). Seventy-four percent of the operated patients had still finished they clinical treatment and 26% were still accomplished by poliquimioterapia. The main complaint referred by the patients was pain (55%). Among the 64 operated nerves, 38 were responsible for some degree of muscle weakness in the pre-operative period. Seventy percent presented degree I and 30% presented degree II of disability. In the postoperative period, we found an improvement of the pain in 64% of the operated nerves, 30% didn't present alteration and 6% presented worsening. Fifty six percent of the nerves with muscle weakness didn't present improvement, 32% improved at least one degree and 12% presented worsening in until one degree. Thirty four percent of the patients presented improvement of the sensibility and 66% were shown unaffected. About to the degree of disability, we can't found any modifications when we compared the pre-operative to the postoperative periods. In agreement with the presented results, we concluded that, at least during the period of the study accompaniment, corresponding to one month of postoperative, there was not significant evolution in the functionality of the segments corresponding to the operated nerves, under the point of view of the muscular force. The pain, told as the main complaint and also a disability factor, presented important improvements promoting satisfaction mentioned by the patients about the results, as well as the improvement of the sensibility. Key words: Hansen's disease, physiotherapy, nerve decompression surgery, physical disability, neuritis.
-
viii
LISTA DE ABREVIATURAS COFFITO Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional FUAM-AM Fundao Alfredo da Matta Amazonas FUNASA Fundao Nacional de Sade GECD/FUAM-AM Gerncia de Epidemiologia e Controle de Doenas da Fundao
Alfredo da Matta OMS Organizao Mundial de Sade
-
ix
LISTA DE FIGURAS Pg. Figura 01 Classificao espectral de Ridley e Jopling.
10
Figura 02 Pontos de avaliao por estesimetro e referncias topogrficas da inervao sensitiva cutnea nos membros superiores. Figura 04a regio dorsal da mo; figura 04b regio palmar.
18
Figura 03 Pontos de avaliao por estesimetro e referncias topogrficas da inervao sensitiva cutnea nos membros inferiores. Figura 05a - regio plantar do p; figura 05b regio dorsal do p.
18
Figura 04 Uma interferncia de EMG retificada e integrada, e o sinal resultante (EMG integrada) apresenta um paralelo com a mudana na fora.
20
Figura 05 Fascculos nervosos e suas bainhas de tecido conjuntivo. P perineuro, EP epneuro, EN endoneuro, VA vaso sanguneo, VEM vnula.
29
Figura 06 Procedimentos de neurlise. a) neurlise simples, b) epineurotomia, c) epineurectomia e d) neurlise intra-fascicular.
39
Figura 07 Incises cirrgicas. a) inciso para o nervo ulnar; b) inciso para o nervo mediano; c) inciso para o nervo tibial posterior e; d) inciso para o nervo fibular comum
41
Figura 08 Distribuio dos pacientes quanto ao sexo.
50
Figura 09 Forma clnica apresentada pelos pacientes ativos e forma tratada nos pacientes em alta, submetidos neurlise durante o perodo do estudo.
51
Figura 10 Situao de tratamento.
51
Figura 11 Forma clnica apresentada entre os pacientes ativos.
52
Figura 12 Forma clnica tratada entre os pacientes em alta.
52
Figura 13 Estado reacional.
54
Figura 14 Grau de Incapacidade.
54
Figura 15 Queixas principais relatadas pelos pacientes durante a avaliao pr-cirrgica.
55
-
x
Figura 16 Nervos operados.
55
Figura 17 Grau de dor provocado pelos nervos pr-operados entre os pacientes que referiam este sintoma como queixa principal.
56
Figura 18 Grau de dor provocado pelos nervos pr-operados entre os pacientes que referiam outros sintomas como queixa principal.
57
Figura 19 Evoluo comparativa da sensao dolorosa relatada pelos pacientes atravs da escala analgica visual de dor antes e aps a cirurgia.
57
Figura 20 Evoluo da dor nos pacientes operados.
58
Figura 21 Valores de tendncia central do grau atribudo de dor no pr e ps-operatrio.
58
Figura 22 Comprometimento motor no pr-operatrio. Dados referentes musculatura inervada especificamente pelo nervo comprometido.
59
Figura 23 Evoluo da fora muscular no ps-operatrio. Dados referentes musculatura especificamente inervada pelo nervo operado.
60
Figura 24 Comprometimento de fora muscular no pr-operatrio atravs da quantificao pela escala de teste manual de fora muscular.
60
Figura 25 Comprometimento de fora muscular no ps-operatrio atravs da quantificao pela escala de teste manual de fora muscular.
61
Figura 26 Evoluo da fora muscular no ps-operatrio segundo o grau de comprometimento pr-operatrio.
61
Figura 27 Resultados dos testes de sensibilidade por estesimetros. O dados foram analisados comparando os resultados do pr-operatrio com o ps-operatrio. Foi atribuda a classificao de melhora, piora ou quadro inalterado para os pacientes que apresentaram evoluo em pelo menos um nvel na rea de sensibilidade especfica do nervo operado.
62
-
xi
LISTA DE TABELAS Pg. Tabela 01 Nmero de pacientes com indicao de neurlise no
perodo de setembro de 2004 a janeiro de 2005 e nmero de cirurgias realizadas.
49
Tabela 02 Nmero de nervos operados nos 27 pacientes.
49
Tabela 03 Faixa etria do pacientes operados.
50
Tabela 04 Tempo de tratamento por PQT dos ativos at o dia da ltima cirurgia (em meses).
53
Tabela 05 Tempo de alta at a ltima cirurgia (em meses).
53
Tabela 06 Estatstica descritiva da evoluo das respostas musculares correspondentes s fibras motoras dos nervos operados.
62
-
xii
SUMRIO
FOLHA DE ROSTO ii DEDICATRIA iii AGRADECIMENTOS iv RESUMO v ABSTRACT vi LESTA DE ABREVIATURA vii LISTA DE FIGURAS viii LISTA DE TABELAS x 1.0 INTRODUO 01 1.1 A HANSENASE 01 1.2 EPIDEMIOLOGIA 02 1.3 IMUNOPATOGENIA 06 1.4 DIAGNSTICO CLNICO 08 1.4.1 Classificao de Madrid 1.4.2 Classificao de Ridley e Jopling 1.4.3 Classificao Operacional 1.5 PROVAS COMPLEMENTARES DE DIAGNSTICO 11 1.5.1 Prova de Histamina 1.5.2 Prova de Pilocarpina 1.5.3 Baciloscopia 1.5.4 Teste de Mitsuda 1.5.5 Histopatologia 1.6 TRATAMENTO POR POLIQUIMIOTERAPIA 15 1.7 EXAME NEUROFUNCIONAL 16 1.7.1 Teste de Sensibilidade 1.7.2 Provas de Funo Muscular 1.7.3 Avaliao da Dor 1.7.4 Avaliao do Grau de Incapacidade 1.8 ESTADOS REACIONAIS 24 1.8.1 Reao Tipo I 1.8.2 Reao Tipo II
-
xiii
1.9 A NEURITE HANSNICA 28 1.9.1 Principais Nervos Acometidos 1.10 A CIRURGIA DE NEURLISE 37 1.10.1 Tcnicas Cirrgicas 1.11.2 A cicatrizao cirrgica
2.0 OBJETIVOS 42 2.1 OBJETIVO GERAL 42 2.2 OBJETIVOS ESPECFICOS 42
3.0 METODOLOGIA 43 3.1 MODELO DE ESTUDO 43 3.2 UNIVERSO DE ESTUDO 43 3.2.1 Populao de referncia 3.2.1 Populao de estudo 3.2.3 Participantes 3.3 PROCEDIMENTOS 44 3.4 EXAME NEUROFUNCIONAL 46 3.4.1 Histria da patologia 3.4.2 Inspeo e palpao dos nervos 3.4.3 Classificao do estado reacional 3.4.4 Teste de fora muscular 3.4.5 Teste de sensibilidade 3.4.6 Sintomatologia dolorosa 3.4.7 Avaliao do grau de incapacidade
4.0 RESULTADOS 49
5.0 DISCUSSES 64
6.0 CONCLUSES 71
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 73
ANEXOS
-
1
1.0 INTRODUO
1.1 A Hansenase
A hansenase uma doena de carter infecto-contagioso e incapacitante,
transmitida pelo Mycobacterium leprae, um parasita intracelular obrigatrio com
afinidade por clulas cutneas e clulas de nervos perifricos, levando a
comprometimentos nestas estruturas, caracterizados principalmente por ulceraes,
manchas hipocrmicas ou eritematosas com alterao de sensibilidade, ppulas,
ndulos e infiltraes. Poder acometer tambm as estruturas do olho, como crnea,
plpebra e aparelho lacrimal. Sua localizao intracelular obrigatria no sistema
fagoctico-mononuclear imprime a caracterstica crnica da doena. Possui uma
evoluo lenta, com incio insidioso do dano neural.
O Mycobacterium leprae ou bacilo de Hansen (1873) um bastonete lcool-
cido resitente quando corado pela fucsina, como no mtodo de Ziehl-Neelsen.
Apresenta caractersticas muito semelhantes ao Mycobacterium tuberculosis,
diferenciando deste por apresentar uma tendncia para a formao de aglomerados
do tipo feixes ou massas compactas e arredondadas, conhecidas como glbias, que
so unidas por uma substncia denominada glia. Ainda no foram desenvolvidas
tcnicas eficazes de cultivo do bacilo de Hansen em laboratrio, meio artificial ou em
cultura de clulas. Seu cultivo pode ser desenvolvido em cultura por inoculao de
bacilos em tecidos de camundongos ou em Dasypus novemcinctus, uma espcie de
tatu (LEVINSON e colaboradores, 1998).
Acredita-se que a infeco adquirida principalmente pelo contato
prolongado com pacientes que possuem formas virchowiana e dimorfa, as quais so
consideradas contagiantes, sem tratamento (TALHARI e NEVES, 1997), que
disseminam grandes quantidades de M. leprae nas secrees nasais. Considerando
as vias areas superiores como a mais provvel porta de entrada do M.leprae no
organismo, um estudo realizado por Vilani-Moreno e colaboradores (1999, p. 115-
120), avaliou o comportamento do bacilo inoculado experimentalmente por instilao
na via intranasal em camundongos. Os animais foram sacrificados em tempos
-
2
diferentes e realizado lavado broncoalveolar e anlise histopatolgica. Os resultados
obtidos revelaram que a inoculao de M. leprae, via intranasal, em camundongos
Suos, no levou ao desenvolvimento da doena nem a multiplicao dos bacilos.
Contudo, os estudos no so conclusivos em relao ao comportamento do bacilo
nas vias areas. possvel ocorrer a transmisso da doena atravs da pele
quando h soluo de continuidade, como eroses e fissuras (TALHARI e NEVES,
1997).
O papel dos reservatrios naturais e a transmisso zoontica de outras
espcies para o homem ainda permanece no muito bem esclarecido. Acredita-se
que o solo, vegetaes, gua e artrpodes possam ser potenciais reservatrios do
Mycobacterium leprae (DEPS, 2001).
O bacilo possui 1,5 a 8 micra de comprimento por 0,2 a 0,5 micra de largura.
Resiste, em temperatura ambiente, por cerca de 36 horas, ou aproximadamente 9
dias em temperaturas entre 36,7 e 77,6% de umidade mdia. Seu tempo de
multiplicao, no indivduo infectado, lento, podendo levar de 11 a 16 dias.
1.2 Epidemiologia
Desde a descoberta do agente causal da hansenase, no final do sculo XIX,
os seus aspectos epidemiolgicos tm sido observados, embora toda a
complexidade envolvida em seus fatores causais, predisponentes e desencadeantes
ainda no esteja bastante clara. Alguns estudos mostram que fatores ecolgicos
podem estar relacionados com a prevalncia da enfermidade em algumas regies
(CAMARGO, LEMOS e OROZCO, 1994), embora ainda no possam ser conclusivos
para estabelecer as possveis relaes entre temperatura mdia, ndices
pluviomtricos, umidade mdia relativa do ar, altitude, entre outras variveis, e a
prevalncia de hansenase.
De acordo com os seus aspectos epidemiolgicos, a hansenase continua
sendo um problema de sade pblica que necessita de aes preventivas,
intervencionistas e de controle. De acordo com as metas estabelecidas pela
Organizao Mundial de Sade e pelo Ministrio da Sade, a hansenase deveria
-
3
ser eliminada at 2005 como problema de sade pblica, apresentando prevalncia
inferior a 1 caso por 10.000 habitantes e, apesar dos indicadores epidemiolgicos
demonstrarem uma tendncia de queda no nmero de deteco e prevalncia,
acreditamos que ainda no poderemos elimin-la no prazo previsto. Os dados epidemiolgicos mundiais mais recentes datam do ano de 2003.
Naqueles anos foram detectados mais de 500 mil novos casos de hansenase,
sendo a maior parte deles, mais de 400 mil, no Sudeste da sia, incluindo a ndia,
pas de maior ndice de deteco e prevalncia mundial.
Os pases que apresentam maiores prevalncias e maior nmero de deteco
at o ano de 2003 so, em ordem decrescente, ndia e Brasil, responsveis juntos
por 89,9% da prevalncia, seguidos do Nepal e da Tanznia. Em termos de
coeficiente de prevalncia, o Brasil apresenta o primeiro lugar, com 4,6 casos por
10.000 habitantes, seguido de Madagascar e Moambique com 3,4 cada um. As
Amricas apresentaram uma prevalncia de 0,99 caso por 10.000 habitantes at o
incio de 2004, com 51.082 casos novos registrados no ano de 2003.
Os dados parciais do ano de 2003 mostram que o Brasil apresentou, naquele
ano, 49.405 novos casos, com um coeficiente de deteco de 2,79 novos casos por
10.000 habitantes. A prevalncia foi de 80.786 casos com coeficiente de 4,57 casos
de hansenase por 10.000 habitantes.
A regio Nordeste apresentou maior prevalncia no ano de 2003, segundo
dados parciais fornecidos pela GECD-FUAM-AM, com 41% dos casos, seguida do
Sudeste com 22% e Norte com 20%. No entanto, quando levamos em considerao
o coeficiente de deteco, a regio Norte apresenta o primeiro lugar, com 11,44
casos por 10.000 habitantes, seguida pela regio Centro-Oeste com 8,75.
O Estado do Amazonas possui uma populao de 3.100.136 habitantes
(DataSus, outubro de 2004) e ocupou, no ano de 2003, o 11. lugar no coeficiente de
prevalncia e o 13 em deteco de casos de hansenase no Brasil. Segundo dados
parciais da Gerncia de Epidemiologia e Controle de Doenas da Fundao Alfredo
da Matta (GECD\FUAM-AM), centro de referncia para o tratamento da hansenase,
-
4
o Estado apresentou em 2004 uma prevalncia de 6,74/10.000 habitantes com
2.089 pacientes em tratamento e um coeficiente de deteco de 2,96/10.000
habitantes, sendo detectados 918 casos novos. No ano de 1988 esses ndices eram
de 127,3/10.000 habitantes e 9,3/10.000 habitantes respectivamente. Nos ltimos
dezesseis anos a prevalncia no Estado apresenta reduo de 68,17%, como
resultado da implementao da poliquimioterapia e a aplicao de medidas
administrativas recomendadas pelo Ministrio da Sade. Apesar desta reduo o
Estado ainda vem mantendo-se com nveis altos de prevalncia (5 10 casos por
10.000 habitantes).
O Estado possui ao todo 62 municpios que, at o ano de 2001, 98,39% dos
mesmos possua aes de controle da hansenase (FUAM-AM, 2004). Eram 715
servios ambulatoriais no Estado no ano de 2002, excluindo-se os ambulatrios de
pronto socorro, servios de diagnose e terapia, unidades mveis e de ateno
psicossocial e outros no mesmo nvel. No total, 110 servios (15,38%) possuam
aes de controle da hansenase, sendo 45 (40,9%) na capital Manaus e 65
(59,1%) no interior, realizando uma cobertura populacional de 96,66% no Estado,
sendo que no municpio de Manaus havia uma cobertura de 100% e 97,3% no
interior (GECD/FUAM-AM, 2003). O coeficiente de prevalncia no interior do Estado
no ano de 2004 foi 7,7/10.000 habitantes e o coeficiente de deteco foi 3,08/10.000
habitantes, segundo dados parciais da Fundao Alfredo da Matta.
A capital do Amazonas, Manaus, est situada margem esquerda do Rio
Negro, abrangendo uma rea terrestre de 11.648 Km2. A populao constituda de
1.565.709 habitantes (DataSus, maro de 2005), que no ocupam uniformemente as
suas superfcies geogrficas, concentrando-se em ncleos perifricos com
saneamento bsico pouco satisfatrio. De acordo com dados parciais da Gerncia
de Epidemiologia e Controle de Doenas da Fundao Alfredo da Matta (GECD-
FUAM-AM), Manaus apresentou em 2004 uma prevalncia de 5,79/10.000
habitantes com um coeficiente de deteco de 2,84/10.000 habitantes. Esses nveis
vm caindo progressivamente desde 1988 mas tem se tornado cada vez mais
estveis nos ltimos quatro anos. Acredita-se que as medidas de preveno, de
controle e de tratamento sejam responsveis por esta reduo.
-
5
O coeficiente de deteco da hansenase em menores de 15 anos
considerado um indicador importante que determina a tendncia da doena. Esse
coeficiente era de 3,52/10.000 habitantes no ano de 1988. Houve uma reduo de
mais de 68% nos ltimos dezesseis anos, passando para 1,12/10.000 habitantes em
2004, de acordo com dados parciais. No entanto, apesar da reduo, o Amazonas
ainda apresenta-se hiperendmico ( 1,0/10.000 habitantes) de acordo com o
grfico 06. Em 2004 foram detectados 97 novos casos em menores de 15 anos
(GECD/FUAM-AM).
Alm do carter infecto-contagioso, a hansenase uma doena incapacitante
com incio insidioso do dano neural. Um dos indicadores que possibilitam avaliar o
diagnstico precoce da hansenase o de percentual de casos com deformidades
fsicas entre os casos novos detectados e avaliados no ano. Em 2004, dos 918
casos detectados, 94,88% (871 pacientes) foram avaliados quanto ao grau de
incapacidade e destes, 79,56% (693 pacientes) apresentaram grau 0 e 18,36% (178
pacientes) apresentaram algum grau de deformidade. Destes, 4,7% (59 pacientes)
apresentaram grau II ou III. No Estado, o percentual de casos detectados com
deformidades nos ltimos dez anos vem mantendo-se em nveis considerados
mdios (10 5%). Quarenta e sete pacientes (5,11) no foram avaliados quanto ao
grau de incapacidade no ano de 2004. Os dados relativos ao ano de 2004 so
parciais e informados pela GECD/FUAM-AM, em maro de 2004.
Em relao proporo de casos detectados de hansenase segundo a
classificao operacional para fins de tratamento, no ano de 2004, 50,2% dos casos
novos detectados era do tipo paucibacilar e 48,4% multibacilar. De todos os 918
casos detectados, 1,3% ainda no possua classificao de acordo com dados
parciais da GECD/FUAM-AM.
Embora a meta de eliminao da hansenase esteja mais prxima de ser
atingida se comparada dcada anterior, os indicadores epidemiolgicos mostram
que alguns pases, entre eles o Brasil, iro necessitar de um tempo maior. No caso
do Estado do Amazonas, provavelmente mais 05 (cinco) anos sero necessrios
para que seja atingida a eliminao da doena como problema de sade pblica.
Ainda assim, os cuidados quanto ao diagnstico, preveno e tratamento das
-
6
incapacidades fsicas, devero nortear novas pesquisas e investimentos na rea de
hansenase.
1.3 Imunopatogenia
O estudo dos mecanismos da regulao da resposta imune humana tm sido
bastante desenvolvido nos ltimos anos, principalmente com o advento de doenas
infecciosas importantes como a AIDS e as necessidades de elucidao dos
mecanismos de defesa. Embora a hansenase seja uma doena infecciosa j
conhecida por alguns anos, esta doena possui particularidades importantes no
mecanismo de resposta do portador, sendo a base para o desenvolvimento da
doena e de suas formas. A predominncia da doena na pele, mucosas e nervos
perifricos bem como a diversidade de suas formas clnicas, so devidas s
caractersticas do M. leprae e as respostas imunolgicas do indivduo contra este
agente.
A hansenase possui vrias formas de manifestao clnica, as quais
possuem classificaes especficas, dentre elas a mais utilizada a de Ridley e
Jopling (pgina 14), a qual introduz uma abordagem espectral caracterizada
principalmente pela presena de dois plos clnicos: o tuberculide e o virchowiano.
Entre estes dois extremos existem as manifestaes intermedirias apresentando
caractersticas clnicas dos dois extremos. O entendimento imunolgico a base
para o desenvolvimento e explicao de suas manifestaes clnicas. O teste de
Mitsuda positivo em pacientes com a forma tuberculide da doena, caracterizada
por uma resposta celular potente, presena de poucos bacilos nos exames
histopatolgicos e nmero pequeno de leses de pele e nervos perifricos. Este
teste, conhecido tambm como lepromino-reao, um tipo de intradermorreao
onde uma suspenso realizada com substncias lipdicas dos bacilos e clulas em
soluo salina fenolada, inoculada intradermicamente no indivduo suspeito. A
presena dessa substncia poder induzir uma resposta imunolgica celular do tipo
tardia, com manifestaes inflamatrias cutneas no local da inoculao. J nos
paciente com a forma virchowiana possuem uma grande susceptibilidade ao M.
leprae, apresentando uma proliferao disseminada do bacilo, em torno de 1010 por
grama de tecido (GOULAR, PENNA e CUNHA, 2002, p. 366). O resultado desta alta
-
7
concentrao de bacilos o maior nmero de leses drmicas e nervosas. Estes
indivduos possuem resposta negativa lepromino-reao, ou seja, no h uma
resposta imunolgica celular adequada. No entanto pode-se evidenciar uma
resposta humoral potente, com a produo de imunoglobulinas anti-M. leprae, o que
no evidenciado nos pacientes com a forma tuberculide.
Como mencionamos, esta doena do tipo espectral e existem formas
clnicas intermedirias entre estes dois plos. Nos pacientes classificados como
dimorfos, existe a progressiva reduo da resposta imune celular com conseqente
aumento do nmero de leses cutneas e nervosas e aumento da carga bacilar nos
tecidos, medida que partimos da forma dimorfa com caractersticas clnicas mais
prximas da forma tuberculide, os chamados dimorfos-tuberculides, e nos
deparamos na seqncia das formas dimorfa-dimorfa e dimorfo-virchoviana. Como
resultado tambm encontramos resposta ao Mitsuda cada vez menores e
baciloscopias com carga bacilar cada vez maiores.
Na hansenase, a resposta imunolgica mediada por clulas com padro TH-
1 possui um importante papel, pois oferece uma proteo contra o desenvolvimento
da doena e disseminao do bacilo. Isto acontece nos indivduos Mitsuda positivos
que representam 90% da populao (GOULART, PENNA e CUNHA, 2002) e na
forma tuberculide.
A resposta imunolgica do tipo humoral, ou seja, mediada por anticorpos com
padro TH-2, est presente no plo virchowiano do espectro de Ridley e Jopling. Os
pacientes portadores desta forma exibem altos ttulos de anticorpos especficos
contra o antgeno presente na membrana do M. leprae, denominado do glicolipdio
fenlico 1 (PGL-1), descrito por Brenner e Barrow em 1980, principalmente da classe
IgM. No entanto, este mecanismo de resposta no confere proteo a estes
indivduos, uma vez que existe a disseminao bacilar, evidenciada pela
baciloscopia, porque a imunidade celular falha.
A determinao dos nveis de anticorpos anti-PGL-1 pode ser realizado pelo
mtodo de ELISA (ensaio imunoenzimtico). Est tcnica tem sido descrita como
meio de monitorizao da resposta teraputica, servindo como marcador de recidiva
-
8
da doena pois existe uma correlao entre os nveis de anti-PGL-1 e ndice
baciloscpico, indicando que o nvel deste anticorpo especfico no soro
proporcional carga bacilar no exame histopatolgico (CUNHA, 1998).
1.4 Diagnstico Clnico
O diagnstico clnico realizado atravs da diferenciao das quatro formas
clnicas da hansenase, de acordo com a classificao do Congresso de Leprologia,
realizado em 1953, simplesmente conhecida como classificao de Madrid, sendo
elas a indeterminda, tuberculide, virchowiana e dimorfa.
1.4.1 Classificao de Madrid
a) Indeterminada A forma indeterminada se caracteriza clinicamente por
apresentar reas de hipo ou anestesia, parestesias, manchas hipocrmicas
ou eritemato-hipocrmicas, rarefao dos pelos, podendo apresentar tambm
diminuio da sudorese (BRASIL, 1998). As leses so planas, ou seja, no
fazem relevo na superfcie da pele. Suas bordas so imprecisas na maioria
delas. As manifestaes clnicas iniciais podem se caracterizar apenas por
reas com distrbios sensitivos trmicos, sem o aparecimento de manchas.
As manifestaes sensitivas podero progredir com comprometimento da
sensibilidade dolorosa. Os casos indeterminados podem evoluir, quando no
tratados, para o plo tuberculide ou virchowiana ou ainda evoluir para a
forma dimorfa. A evoluo para o tipo tuberculide mais rpida que para as
forma virchowiana. De acordo com Talhari e Neves (1997) as alteraes
cutneas podero se manifestar em qualquer parte do corpo e em quantidade
varivel. O nmero de manchas pode indicar o prognstico da doena.
b) Tuberculide Poder evoluir partir da forma indeterminada no tratada,
em indivduos que apresentam predominncia de resposta imunolgica do
tipo Th1. Os testes diagnsticos revelam Mitsuda positivo com baciloscopia
negativa. A forma tuberculide manifesta-se por placas eritematosas ou
eritemato-hipocrmicas bem delimitadas, como reas de hipoestesia ou at
mesmo anestesia e comprometimento nervoso (BRASIL, 1998). As leses se
-
9
manifestam nos locais onde j existiam manchas iniciais, possuindo uma
tendncia de no se disseminarem. Diferencia-se, inicialmente, da forma
indeterminada, por apresentar ppulas ou tubrculos nas regies maculares,
que podero aumentar em nmero, formando uma leso em placa, com uma
involuo central que aparecer no decorrer da doena. comum
encontrarmos a presena de filetes nervosos espessados prximos leso.
c) Virchowiana Esta forma pode evoluir partir da indeterminada no tratada,
em indivduos sem resistncia ao M. leprae, apresentando, conforme
mencionado na abordagem de sua imunopatogenia, uma resposta do tipo
TH2, mediada por anticorpos anti-PGL-1. Os pacientes apresentam teste de
Mitsuda negativo e baciloscopia positiva. Caracteriza-se por infiltraes
acompanhadas por eritemas difusos e placas eritematosas infiltradas com
bordas mal definidas, tubrculos e ndulos, leses das mucosas, alteraes
de sensibilidade e madarose queda das sobrancelhas (BRASIL, 1998). As
bordas tornam-se cada vez mais indefinidas, perdendo os limites das
manchas com a pele normal. Algumas leses circunscritas so chamadas de
hansenomas. Podero surgir hansenomas em vrias regies do corpo, como
na face e nas sobrancelhas, acompanhados de madarose, acentuao dos
sulcos faciais, dando um aspecto conhecido como facies leonina, devido
sua semelhana fisionmica com a face leonina.
d) Dimorfa Pode evoluir de indivduos que apresentam a forma
indeterminada no tratados, os quais apresentam uma resposta imunolgica
complexa, caracterizada por uma resistncia maior que os indivduos da
forma virchowiana e menor que os tuberculides. Na forma dimorfa observa-
se manchas eritematosas planas, com centro claro ou eritematopigmentares
de tonalidade ferruginosa ou pardacenta. As alteraes de sensibilidade so
freqentes (BRASIL, 1998). Podero coexistir leses caractersticas da forma
tuberculide em algumas reas do corpo, e leses caractersticas da forma
virchowiana em outras reas.
-
10
1.4.2 Classificao de Ridley e Jopling
Este tipo de classificao mantm o conceito de polaridade da doena plo
tuberculide (TT) e plo virchowiano (LL) e estabelece um arranjo espectral entre
os plos, o que foi fortemente defendido partir dos conhecimentos imunolgicos,
discutidos anteriormente na imunopatogenia.
A forma mais simples de se entender este arranjo espectral atravs da
representao esquemtica, a qual representa as diversas manifestaes clnicas
(Figura 01).
Figura 01 Classificao espectral de Ridley e Jopling. Adaptado de Talhari e Neves (1997).
As formas intermedirias apresentam as seguintes caractersticas:
a) Dimorfa-tuberbulide (DT) possuem baciloscopia negativa, apresentado
entre 5 e 25 leses semelhantes forma tuberculide, o que considerado
um grande nmero, com tendncia simetria. Um grande nmero de nervos
podem estar comprometidos, principalmente durante os estados reacionais,
levando deformidades graves e de evoluo rpida.
b) Dimorfa-dimorfa (DD) apresentam baciloscopia positiva, desenvolvem um
nmero grande de leses cutneas, normalmente maiores que 25, no
simtricas, de bordas bem definidas e regio central involuda, o que d o
aspecto de queijo suo. Durante os estados reacionais a doena poder
evoluir para a forma dimorfa-tuberculide ou dimorfa-virchowiana. As
-
11
deformidades tm uma tendncia em serem graves, porm, o acometimento
nervoso menor, comparado ao tipo dimorfo-tuberculide.
c) Dimorfa-virchowiana (DV) possuem baciloscopia positiva, com o
aparecimento de mltiplas leses com caractersticas variadas, apresentando
placas, ndulos, infiltraes eritematosas e bordas mal definidas. As leses
possuem uma tendncia de no serem simtricas e com o comprometimento
de um grande nmero de filetes nervosos prximos, podendo evoluir com
deformidades menos graves que as formas dimorfa-dimorfa e dimorfa-
tuberculide.
1.4.3 Classificao Operacional
Uma classificao operacional recomendada pela Organizao Mundial da
Sade OMS, e adotada pelo Ministrio da Sade, visando a alocao dos
pacientes nos diferentes esquemas de tratamento, apresentando abordagens
teraputicas diferentes. So os tipos paucibacilar, normalmente com baciloscopia
negativa e as leses na pele geralmente no excedem a cinco e o comprometimento
nervoso se limita a apenas um tronco. Esto enquadrados neste grupo pacientes
indeterminados, tuberculides e dimorfo-tuberculides. O tipo multibacilar, apresenta
baciloscopia positiva e as leses na pele excedem ao nmero de cinco,
comprometendo mais de um tronco nervoso. Esto enquadradas neste tipo os
dimorfo-dimorfos, dimorfo-virchowianos e virchowianos (TALHARI e NEVES, 1997).
1.5 Provas Complementares de Diagnstico
As provas complementares utilizadas no diagnstico da hansenase utilizadas
pelos clnicos so: prova de histamina, prova de pilocarpina, baciloscopia, teste de
Mitsuda e a histopatologia. Os testes sorolgicos e as tcnicas de deteco de
bacilos por biologia molecular ainda no esto incorporados s rotinas, embora os
mesmos talvez tenham aberto novas possibilidades para o estudo do
comportamento epidemiolgico da hansenase (BRASIL e colaboradores, 1997, p.
35-43).
-
12
1.5.1 Prova de Histamina
Realiza-se a aplicao de uma gota de histamina diluda de 1/1000 na rea
da mancha e outra na pele normal. Nos pontos onde foram colocadas as gotas faz-
se uma escarificao leve, evitando sangramento, e espera-se pela reao. Em caso
positivo, observa-se, em um primeiro momento, um eritema de poucos milmetros
em torno do ponto de inoculao. Algum tempo depois aparece um grande halo
eritematoso que poder medir mais que dois centmetros de dimetro. Por ltimo,
em uma terceira fase, aparecer uma ppula. Essa seqncia de reaes
conhecida como trplice reao de Lewis. Na pele comprometida pela hansenase
no ir aparecer a segunda fase, ou seja, um eritema significante, pois este depende
da integridade dos ramos nervosos superficiais (CUC e NETO, 2001). Nas regies
da pele onde existem eritemas esta prova se torna difcil pois a percepo das
reaes se torna prejudicada. Indivduos de pele escura tambm apresentam
maiores dificuldades para a percepo das reaes por parte do examinador.
1.5.2 Prova de Pilocarpina
Quando a pilocarpina inoculada em pele normal induz a produo de
sudorese. Em reas comprometidas pela hansenase e que envolvem
comprometimento de ramos nervosos do sistema autnomo a produo de suor
bastante diminuda ou at mesmo ausente. A tcnica consiste em aplicar tintura de
iodo na superfcie da pele comprometida, injeta-se 0,1 mL de pilocarpina (cloridrato
a 0,5%) intradermicamente e, depois de sec-la, pulveriza-se com amido. Realiza-se
o mesmo procedimento em rea de pele normal para efeito de comparao. Na pele
normal o suor dissolver o iodo em torno de dois minutos; o iodo se combinar com
o amido e promover uma reao qumica, dando uma colorao violcea na rea.
Nas reas de leso essa reao no ocorrer ou ser bem diminuda,
permanecendo o amido inalterado (CUC e NETO, 2001).
1.5.3 Baciloscopia
realizada atravs da pesquisa de bacilos lcool-cido resitentes por meio da
tcnica de Ziehl-Neelsen. uma tcnica que permite, em algumas situaes, o
-
13
diagnstico, assim como a classificao das formas clnicas e o acompanhamento
teraputico adequado. A identificao das glbias permite afirmar que o agente
etiolgico o Mycobacterium leprae, visto que esta bactria a nica a apresentar
essa caracterstica morfolgica, distinguindo-a, inclusive, de outros tipos de
Micobacterias.
1.5.4 Teste de Mitsuda
Conhecido tambm como lepromino-reao, um tipo de intradermorreao
onde uma suspenso realizada com substncias lipdicas dos bacilos e clulas em
soluo salina fenolada, inoculada intradermicamente no indivduo suspeito. Este
teste no especfico para diagnosticar a Hansenase, sendo importante para
avaliar a resposta imunolgica do indivduo. Ao nascerem todos os indivduos tm
resposta negativa ao teste de Mitsuda, medida que se expem a algum tipo de
micobactria, como o M. leprae ou M. tuberculosis, desenvolvem resposta positiva.
Um parte da populao poder no apresentar reao positiva, seja por ausncia de
exposio s micobacterias ou exposio pouco significativa, ou seja por falha da
imunidade celular. A populao que no apresenta resistncia representa uma
classe anrgica de indivduos. Esses indivduos so desprovidos de um fator natural
de defesa Fator N ou seja, no tm reatividade constitucional, o que representa
10% a 20% da populao (CUC e NETO, 2001).
Os indivduos Mitsuda negativos teriam maior probabilidade de
desenvolverem a doena nas formas multibacilares. Este tipo de teste tambm
importante para acompanhamento familiar ou de comunicantes de indivduos
hansenianos.
1.5.5 Histopatologia
O estudo hitopatolgico poder contribuir no diagnstico da doena como
tambm ser til na classificao. Os dois plos da hansenase, tuberculide e
virchowiano, desenvolvem caractersticas histopatolgicas bastante diferentes.
-
14
Na forma clnica tuberculide h a formao do granuloma tuberculide,
constitudo por agregados de clulas do sistema fagoctico-mononuclear
diferenciadas na forma epiteliide e presena de clulas gigantes multinucleadas do
tipo Langhans no centro da leso. H tambm a presena de linfcitos,
predominantemente linfcitos TCD4+, conferindo um halo denso contornando o
granuloma. As alteraes estendem-se desde a derme profunda at a papilar,
podendo tambm atingir a camada basal.
A leso histopatolgica na forma clnica virchowiana caracterizada por um
extenso infiltrado celular composto de histicitos, ou seja, macrfagos com a
presena de bacilos no citoplasma. Estes histicitos apresentam uma grande
quantidade de lipdeos em sua parede, o que confere o aspecto espumoso dessas
clulas. Algumas vezes podem se apresentar com mltiplos vacolos. Por estas
caractersticas morfolgicas, essas estruturas tambm so chamadas de clulas de
Virchow. A epiderme est achatada e a zona sub-epidrmica no est envolvida. O
infiltrado no atinge a camada basal da epiderme, ficando separado por uma faixa
de fibras colgenas correspondente derme papilar retificada, chamada de faixa de
Unna.
Os grupos classificados pelas formas dimorfa tuberculide, dimorfa-dimorfa e
dimorfa-virchowiana apresentam caractersticas histopatolgicas bastante
complexas, alm da instabilidade clnica destas formas. A indiferenciao
progressiva da clula macrofgica, a diminuio do nmero de linfcitos e o
aumento do nmero de bacilos nos granulomas e ramos nervosos servem como
base para a diferenciao na progresso da forma dimorfa-tuberculide para
dimorfa-virchowiana.
Na forma dimorfa-tuberculide as leses podem mostrar raros bacilos e o
granuloma formado por clulas epiteliides circundadas perifericamente por
linfcitos e com a presena de clulas de Langhans, muitas vezes em grande
quantidade.
A forma dimorfa-virchowiana se caracteriza por apresentar a faixa de Unna e
apresentar granuloma composto por macrfagos indiferenciados que contm grande
-
15
nmero de bacilos em seu citoplasma e reas de infiltrao linfocitria densa, o que
no ocorre no granuloma da forma virchowiana.
As formas dimorfa-dimorfa geralmente tendem a evoluir clinicamente para um
dos plos. Possuem um nmero maior de bacilos com clulas epiteliides
difusamente espalhadas por todo o granuloma e no se encontram circundadas por
zonas de linfcitos. Clulas gigantes e linfcitos so pouco encontrados e, quando
encontrados, so difusos. H tambm edema intra e intercelular.
1.6 Tratamento por Poliquimioterapia
O tratamento realizado nos servios bsicos de sade de forma
ambulatorial onde se administra uma associao de medicamentos, recomendado
pela Organizao Mundial de Sade, conhecido como Poliquimioterapia, ou pela
sigla PQT/OMS (Poliquimioterapia de acordo com a Organizao Mundial de
Sade). O paciente em tratamento dever manter regularidade no esquema
teraputico adotado, que inclui, alm da PQT/OMS, a preveno das deformidades
(BRASIL, 1998).
No ano de 1998 a Organizao Mundial de Sade padronizou o esquema de
tratamento dos indivduos multibacilares, com a associao, para adultos, de
Rifampicina 600 mg 01 vez ao ms, Dapsona 100 mg 01 vez ao dia e Clofazimina
300 mg uma vez ao ms com 100 mg em dias alternados ou 50 mg uma vez ao dia.
Durante este perodo o paciente dever fazer visitas mensais ao servio de sade
durante o tratamento, que deve durar de 24 a 36 meses (BRASIL, 1998).
Para os paucibacilares, o tratamento recomendado inclui Rifampicina 600 mg
01 vez ao ms em dose supervisionada, Dapsona 100 mg 01 vez ao dia auto-
administrada, e comparecimento mensal ao servio de sade para
acompanhamento e administrao das doses supervisionadas, durante o perodo de
6 at 9 meses.
-
16
1.7 Exame Neurofuncional
As provas e testes aplicados na rotina para a avaliao neurofuncional,
imprescindvel no acompanhamento fisioteraputico do paciente hanseniano,
compreende a palpao das estruturas anatmicas envolvidas, testes de
sensibilidade e provas de funo musculares, os quais complementam as inspees
realizadas com o objetivo de verificar alterao trficas, morfolgicas, funcionais e
cinesiopatolgicas. A avaliao da dor tambm constitui em um ponto importante no
estudo funcional.
1.7.1 Testes de sensibilidade
Os testes de sensibilidade empregados tm como objetivo avaliar os
possveis comprometimentos da sensibilidade protoptica ou de proteo, e
epicrtica ou de discriminao. Assim, so verificadas rotineiramente as
sensibilidades trmica, dolorosa e ttil.
A sensibilidade trmica permite a discriminao do quente ou frio, enquanto a
sensibilidade dolorosa confere proteo aos possveis danos estruturais. Estes dois
tipos de sensibilidade so abordados juntos, pois embora os estudos sobre o
assunto se mostrem controvertidos quanto aos mecanismos e as possveis vias,
sabe-se hoje que ambos possuem como receptores as terminaes nervosas livres
(MACHADO, 2002).
Existem duas vias principais comprovadamente responsveis pela conduo
supra-segmentar do sistema nervoso de temperatura e dor. As duas vias esto
filogeneticamente distinguidas, de acordo com os seus graus de evoluo. A mais
recente, chamada de via neoespino-talmica formada pelo trato espino-talmico
lateral e a outra, considerada mais antiga filogeneticamente, formada pelo trato
espino-reticular e as fibras reticulo-talmicas.
O trato espino-talmico lateral conhecido como a via clssica da conduo
de estmulos dolorosos e trmicos. Atravs deste trato chegam ao crtex cerebral os
impulsos provenientes de receptores trmicos e dolorosos situados no tronco e nos
-
17
membros do lado oposto, projetados somatotopicamente. Este tipo de sensibilidade
poder ser testado pedindo que o indivduo relate a temperatura de gua quente, de
aproximadamente 40 C ou fria, de aproximadamente 10 C, dentro de um tubo de
ensaio tocado levemente em sua pele. Acredita-se que esta via seja responsvel
apenas pela sensao localizada de dor aguda, ou seja, uma dor em pontada. Esta
sensibilidade poder ser testada atravs de um leve toque com alfinete na rea a ser
testada. Para uma melhor discriminao, poderemos utilizar um estmulo com objeto
rombide para que o individuo possa diferenci-lo do estmulo em alfinetada.
O teste de sensibilidade trmica importante, principalmente no diagnstico
precoce nas formas indeterminadas, pois, como sabemos, poder ser a nica
alterada, podendo estar ou no acompanhada por alteraes na colorao da pele
(TALHARI e NEVES, 1997).
O teste da sensibilidade ttil a mais empregada como recurso auxiliar no
diagnstico da hansenase, talvez por necessitar apenas de recursos simples e
seguros. Para isto so empregados filamentos de nylon disponveis em conjuntos de
diferentes presses de dobra, conhecidos como monofilamentos de Semmes-
Weinstein, ou estesimetro. As presses de dobra variam de 0,05g a 300g,
convencionalmente registrados por cores especficas, cada uma correspondendo a
uma interpretao clnica especfica, resumidas no anexo VII.
Marciano e Garbino (1994) realizaram uma pesquisa comparando os
monofilamentos de Semmes-Weinstein e os testes de conduo nervosa por
eletromiografia para o monitorizao da neuropatia hansnica, estudando 30 nervos,
06 medianos e 24 ulnares, em pacientes com neuropatia hanseniana. Na avaliao
inicial, foi detectado se os nervos avaliados apresentavam ou no alterao e nas
avaliaes de seguimento, verificou-se a condio de melhora, piora ou estado
funcional inalterado. Os estudos estatsticos realizados demonstraram que os testes
apresentam a mesma eficincia na deteco de dficits funcionais neurolgicos e
monitorao da neuropatia hanseniana.
So registradas rotineiramente as respostas encontradas em pontos
especficos correspondendo a determinados feixes nervosos sensitivos.
-
18
Nos membros superiores so testados os pontos representados
esquematicamente na figura 02 com seus respectivos correspondentes nervosos
sensitivos.
a)
b)
Nervo radial Nervo mediano Nervo ulnar
Figura 02 Pontos de avaliao por estesimetro e referncias topogrficas da inervao sensitiva
cutnea nos membros superiores. Figura 04a regio dorsal da mo; figura 04b regio palmar.
Nos membros inferiores so testados os pontos representados
esquematicamente na figura 03 com seus respectivos correspondentes nervosos
sensitivos.
a)
b)
Ramo sural Nervo tibial posterior Ramo safeno Nervo fibular, ramo profundo
Figura 03 - Pontos de avaliao por estesimetro e referncias topogrficas da inervao sensitiva
cutnea nos membros inferiores. Figura 05a - regio plantar do p; figura 05b regio dorsal do p.
1.7.2 Provas de Funo Muscular
A prova de funo muscular tambm um recurso simples e importante na
avaliao funcional. Poder evidenciar e quantificar alteraes musculares
-
19
decorrentes de leses nas vias nervosas motoras perifricas. Daniels, Williams e
Worthingham (1987) proporam uma escala analtica que consta na aplicao de seis
nveis de graus para a contrao muscular, verificadas atravs a aplicao de
resistncia manual, tambm chamado de teste de fora muscular manual, tendo
como referncia as tcnicas descritas por Daniels e Worthingham (1987), resumidas
no anexo VI.
Outros recursos com valores quantitativos mais precisos podero ser
empregados para a avaliao cinesiolgica-funcional muscular, com uma melhor
sensibilidade e especificidade. Dentre estes recursos encontram-se a dinamometria
de apreenso, dinamometria computadorizada com celular e fora, dinamometria
computadorizada isocintica e eletromiografia cinesiolgica de superfcie.
A utilizao de dinammetros largamente difundida entre os fisioterapeutas
para avaliao quantitativa da fora muscular. Para o teste so empregados
diversos tipos de dinammetro e sob diversas condies. O mais simples o
dinammetro confeccionado com uma mola com resistncia elstica definida, o qual
mensura a fora muscular exercida para deformar a mola em kilograma-fora (KgF).
O dinammetro computadorizado utiliza clulas de fora acopladas a uma
placa conversora analgico-digital (placa CAD) a qual transmite os sinais para um
micro-computador, onde o mesmo processar as informaes atravs de um
software especfico. As clulas de fora devero ser adaptadas para cada teste
muscular a ser realizado, devendo as mesmas serem posicionadas no sentido de
resistir ao movimento.
Uma outra forma de dinamometria computadorizada realizada atravs de
movimentos isomtricos, ou seja, de torque constante. Este tipo de teste necessita
de dispositivos eletrnicos que calcula a resistncia empregada pelo paciente em
cada momento de fora, bem como a acelerao angular desenvolvida pelo mesmo,
na inteno de manter o torque no mesmo valor durante toda a amplitude do
movimento. Esses dispositivos eletrnicos, apesar de oferecerem valores
quantitativos mais confiveis, necessitam de maior preparo tcnico pelo
fisioterapeuta, alm de serem questionados em relao ao custo-benefcio, pois
-
20
sendo os mesmos de alta tecnologia e de custos de aquisio e manuteno
elevados. Por essas razes talvez no rotina encontrarmos esses instrumentos na
prtica clnica, embora possam ser teis em laboratrios de pesquisas.
A eletromiografia cinesiolgica com eletrodos de superfcie permite um
registro dos potenciais eltricos gerados pelos msculos em atividade espontnea
realizando uma associao entre os sinais integrados de EMG comparados com a
fora exercida pelo msculo. No entanto, essa associao limitada a condies
isomtricas em que os msculos se contraem sem mudanas no comprimento total.
Podemos representar esquematicamente essa relao atravs da figura 04. Nessas
condies, pode haver uma relao linear ou uma curvilnea entre a EMG integrada
e a fora de acordo com os estudo de Duchene e Goubel (1993). Isso quer dizer que
a magnitude da EMG prov uma razovel estimativa de fora exercida pelo msculo.
Quando o comprimento do msculo se altera, o local dos eletrodos em
relao s fibras musculares ativas, se desloca causando uma mudana na EMG
que no est relacionada com o impulso recebido pelo msculo proveniente do
sistema nervoso, representado na figura 04. Isso pode ser considerado como um
fator limitante da tcnica e por essa reao, difcil quantificar a EMG em condies
no isomtricas, como no caso da contrao isotnica concntrica e excntrica ,
exigidas para coleta das amostragens nos pacientes selecionados.
Figura 04 - Uma interferncia de EMG retificada e integrada, e o sinal resultante (EMG integrada) apresenta um paralelo com a mudana na fora. (FONTE: ENOKA, R. M., Bases neuromecnicas da
cinesiologia, So Paulo: ed. Manole, p. 161, 2000).
-
21
Assim com as tcnicas computadorizadas de quantificao da fora muscular,
a eletromiografia exige maior preparo tcnico do fisioterapeuta ou da equipe de
preveno de incapacidades. No existem registros na literatura da utilizao deste
instrumento, com uma abordagem cinesiolgica por eletrodos de superfcie como
forma de avaliao do comprometimento muscular na hansenase.
Os estudos eletrofisiolgicos so importantes para a realizao de
diagnstico diferencial, revelando alteraes importantes na velocidade de conduo
nervosa.
1.7.3 Avaliao da Dor
Em relao ao estudo da dor, existem vrias formas de ser avaliar este
sintoma e a maioria delas tenta quantificar e objetivas a resposta do paciente para
as indagaes do avaliador. Trata-se de uma investigao bastante complexa e que
envolve componentes sensoriais e emocionais, ou seja, o paciente poder descrever
a intensidade da dor sob o ponto de vista sensorial, e o desagrado, fundamentado
basicamente pelo envolvimento emocional do paciente com o dano.
Por considerarmos a dor como um fator multidimensional e uma vez que os
mecanismos de avaliao focalizam apenas o componente sensorial, os erros
clnicos esto possveis de ocorrer. O estudo da dor experimentalmente focaliza-se
na dimenso sensorial da dor e no na anlise da totalidade dos componentes
envolvidos na dor clnica. A percepo da dor simulada por muitos fatores e de
acordo com esses fatores poder ser til na avaliao da efetividade das
intervenes teraputicas, como no caso da cirurgia de neurlise simples em
pacientes com dano neural hansnico.
A avaliao da dor inicia-se com o processo de entrevista do paciente, onde
podemos evocar uma histria pregressa e atual com uma srie de indagaes, as
quais no devem ser capciosas nem induzir respostas. Faz-se necessrio indagar
da localizao, quando comeou, o que desencadeou, fatores que melhoram,
fatores que pioram, irradiaes, entre outras perguntas de interesse objetivo.
-
22
Embora as informaes fornecidas pelo paciente durante da entrevista no possam
assegurar a fidedignidade dos sintomas nem consiga claramente especificar as suas
caractersticas, a entrevista poder guiar o examinador em sua investigao clnica.
Outros meios de avaliao da dor incluem em esboos de simulaes da dor,
questionrios, escalas de classificao verbais, escalas analgicas visuais e
medidas indiretas tais como a avaliao do uso de analgsico ou os nveis relativos
de atividade.
Esboos da dor so representaes visuais da distribuio e da qualidade da
dor do paciente. Os esboos da dor podem ser completados pelo examinador, pelo
paciente ou por ambos. A evidncia sugere que as verses do paciente e do
examinador para os esboos da dor podem ser muito diferentes. A segurana e a
validade desses esboos no foram demonstradas por estudos metodologicamente
aceitveis.
Em relao aos questionrios de avaliao da dor, um modelo comumente
usado o de McGrill. Que existe em verses mais resumida ou completa. Este
questionrio uma ferramenta de avaliao global que usa variaes de esboos da
dor e escalas. Utiliza expresses agrupadas na tentativa de quantificar as
caractersticas da dor dos pacientes. Uma entrevista com fins de avaliar a dor, um
esboo e uma escala de classificao verbal fazem parte deste questionrio.
Melzack e colaboradores (1983) consideraram aceitvel este mtodo e sua validade
duvidosa. Os questionrios de estados funcionais tm sido utilizados para medir a
dor e a incapacidade associada com as condies de dor crnica. Estes
questionrios levam ao centro da questo se a disfuno associada com a dor
afetada pelo tratamento.
Escalas analgicas visuais so linhas de 10 cm de comprimento e
convencionalmente numeradas de 1 a 10. Algumas no so numeradas. Essas
escalas variam deste muito detalhadas at bem esparsas. O paciente geralmente
questionado a descrever a intensidade da dor no momento da avaliao. Uma
variao neste tipo de escala a forma com classificao grfica, que possui
expresses igualmente espaadas na linha. Essas escalas podem ser verticais ou
-
23
horizontais, e tanto a margem esquerda como a direita podem representar a
intensidade mxima de dor.
Escalas de classificao verbais usam palavras descritivas que melhor
categorizem a dor segundo o paciente. Tanto para a escala analgica visual quanto
para a escala de classificao verbal, a escolha das expresses ou ncoras para as
respostas importante. Expresses como nenhuma dor ou pior dor imaginvel
como ncoras no levam em conta a discriminao dos componentes sensoriais e
emocionais da dor. O uso de ncoras como sem dor, dor mais intensa,
agradvel ou extremamente desagradvel leva em conta a diferenciao que tem
importantes implicaes clnicas e experimentais.
Para o nosso estudo utilizamos uma escala analgica visual de dor
com representao numrica de 1 a 10 e variaes de cor como representada no
anexo V.
1.7.4 Avaliao do grau de incapacidade
O Ministrio da Sade possui um formulrio especfico para registrar as
principais alteraes funcionais que podem ocasionar incapacidades no paciente
portador de hansenase (anexo II). So registrados os sinais e sintomas
encontrados, separadamente, para o lado direito e esquerdo, nos olhos, mos e ps.
avaliado se h perda da sensibilidade na crnea, nas regies palmares e
plantares com objetivo de determinar se o pacientes perdeu a sensibilidade
protetora. Sua perda ou diminuio poder predispor o paciente a traumatismos. A
perda ou diminuio isolada da sensibilidade caracteriza o grau I de incapacidade.
Para o grau II evidenciado se o paciente possui sinais de lagoftalmo e/ou
ectrpio, triquase, opacidade corneana, acuidade visual menor que 0,1 ou no
conta dedos a 6 metros de distncia, presena de lceras trficas, leses
traumticas, deformaes em garras nas mos, ps cados, contraturas nos
tornozelos ou absoro ssea.
-
24
No havendo nenhuma das manifestaes clnicas descritas para o grau I ou
II, o paciente classificado como grau 0 de incapacidade.
1.8 Estados Reacionais
So intercorrncias de carter agudo que podero ocorrer nos pacientes
portadores de Hansenase. So devidas a manifestaes do sistema imunolgico e
podem aparecer antes e durante tratamento, e aps a alta, no exigindo a suspenso ou reincio da poliquimioterapia.
As manifestaes clnicas resultam de alteraes no balano imunolgico
entre hospedeiro e o M.leprae, acometendo principalmente pele e nervos, muitas
vezes levando a instalao de incapacidades. O bacilo poder estar vivo ou no. As
reaes podem ser classificadas em 2 tipos, de acordo com Ridley-Jopling: Reao
tipo I ou reao reversa e Reao tipo II ou eritema nodoso hansnico, acometendo
principalmente pele e nervos, podendo tambm afetar o sistema ocular.
Outras consideraes so feitas em relao prpria quimioterapia, infeces
recorrentes, uso de drogas imunossupressoras, vacinaes, transfuses
sanguneas, estados de ansiedade e estresse, gravidez e perodos menstruais
relacionados ocorrncia de estados reacionais.
1.8.1 Reao do tipo I
Caracteriza-se por eritema e edema das leses ou espessamento de nervos,
acompanhada de dor palpao. Ocorre mais freqentemente em pacientes com
hansenase tuberculide e dimorfa tuberculide (paucibacilares) e parece estar
relacionada com o aumento abrupto da resposta imune mediada por clulas contra
antgenos do M. leprae. Ao exame histopatolgico pode-se verificar a expanso do
granuloma com presena de edema e um influxo de clulas CD4+. O nmero de
receptores para interleucina-2 (IL-2R) bem como a expresso de HLA-DR em
clulas do infiltrado e em queratincitos na epiderme esto aumentados, o que
caracteriza um evidente aumento na produo de interferon- (MODLIN e
colaboradores, 1988, p. 1213-1217).
-
25
Yamamura e colaboradores (1992), utilizando uma tcnica de PCR,
demonstraram que a expresso de mRNA da citocinas interleucina-1 (IL-1), fator
de necrose tumoral- (TNF-), interleucina-2 (IL-2) e interferon- (IFN- ) est
aumentada nas leses, demonstrando um padro tpico de resposta TH1. outras
citocinas do padro TH2, como IL-4, IL-5 e IL-10 estavam diminudas. Atravs de
tcnica imunohistoqumica, os autores tambm conseguiram demonstrar a presena
de IFN- e TNF- associados enzima xido ntrico sintetase induzvel (iNOS) no
citoplasma de macrfagos, determinando uma atividade macrofgica competente.
Opromolla, Ura e Ghidella (1994) selecionaram 20 casos entre aqueles
considerados reacionais com reao tipo I generalizada, com manifestaes clnicas
e histopatolgicas semelhantes e com Mitsuda positivo, igual ou maior que 6mm. Os
pacientes foram estudados pelos autores, abordando os pontos de vista clnico,
baciloscpico, histopatolgico e evolutivo. As leses clnicas apresentadas pelos
pacientes estudados se apresentavam como ppulas e placas eritematosas bem
delimitadas e com pouco comprometimento neural. A baciloscopia foi negativa ou
positiva fraca e a histopatologia exibia granulomas tuberculides frouxos devido ao
edema intra e extracelular e congesto vascular. Os episdios reacionais se
repetiram no mximo mais uma vez durante o perodo de acompanhamento, levando
os autores a acreditarem que deveriam ser ocasionados pela multiplicao do bacilo,
induzindo as defesas orgnicas a responderem aos antgenos que desencadeariam
uma reao de hipersensibilidade tardia, que o surto reacional.
Com o objetivo de descrever a poca de aparecimento da reao tipo 1 e os
nervos acometidos, nos pacientes portadores de hansenase dimorfa-tuberculide
(BT), durante a poliquimioterapia recomendada pelo Ministrio da Sade, Carvalho e
colaboradores (1995) realizaram um estudo longitudinal, no perodo de 1989 a 1993,
envolvendo 71 pacientes mostrando que 89,3 por cento dos pacientes hansenianos
BT com reao tipo 1 apresentaram esse surto at a sexta dose de tratamento. O
nervo ulnar foi o mais acometido nas reaes tipo 1, correspondendo a 37% dos
casos.
-
26
O tratamento medicamentoso indicado pelo Ministrio da Sade a
administrao de Prednisona via oral 1-2mg/kg/dia, com reduo a intervalos fixos,
conforme avaliao clnica.
1.8.2 Reao do Tipo 2
Caracteriza por formao de ndulos eritematosos, dolorosos, em qualquer
parte do corpo. Pode evoluir com neurite. O eritema nodoso hansnico ocorre mais
freqentemente em indivduos multibacilares e considerada uma importante causa
de morbidade, podendo ocasionar danos neurais, paralisias e deformidades,
ocorrendo mesmo em indivduos em tratamento. Por se tratar de uma reao
inflamatria sistmica, alm da pele e dos nervos perifricos, vrios outros rgos
podero ser acometidos, dentre eles linfonodos, fgado, bao, peritnio, testculos,
olhos, articulaes, tendes, msculos e ossos. So comuns tambm os casos de
irite e iridiciclite. Atualmente, os episdios de eritema nodoso esto entre as
principais causas de hospitalizao desses pacientes em muitas regies endmicas
brasileiras (GUERRA e colaboradores, 2002, p. 389-407).
No existe consenso entre os trabalhos desenvolvidos sobre o envolvimento
da imunidade celular neste tipo de reao. No entanto existem indicativos do
envolvimento do IFN- pela presena de receptores para IL-2 e para HLA-DR nas
clulas imunocompetentes presentes nestas leses. Tambm tem sido mostrado
que durante os episdios reacionais do tipo II h um aumento seletivo na expresso
de mRNA para sntese de IL-6, IL-8 e IL-10, uma indicao de resposta do tipo TH-2.
Vieira (1991) estudou 51 pacientes multibacilares com diagnstico clnico de
hansenase LL e BL que apresentaram episdios de eritema nodoso durante a
poliquimioterapia e no perodo de acompanhamento sem tratamento quimioterpico.
Esses pacientes foram classificados segundo gravidade dos episdios em 3
grupos clnicos que foram correlacionados com parmetros epidemiolgicos e
imunolgicos. Os episdios reacionais ocorreram antes do incio do tratamento em
15,69% dos pacientes. Os demais foram observados predominantemente no
primeiro ano de quimioterapia. Em 52,54% o eritema nodoso foi precedido da queda
do ndice bacteriolgico. Os autores verificaram tambm que a idade e o sexo no
-
27
influenciaram no aparecimento de eritema nodoso, nem na sua intensidade.
Verificando os possveis papeis das citocinas TNF- e IL-1, todos os pacientes do
grupo III mostraram nveis elevados de TNF- o que tambm foi observado em 50
dos demais pacientes, sugerindo o possvel efeito destas citocinas nos sintomas
clnicos. Atravs da anlise dos nveis de anticorpos contra antgenos neurais no
soro de alguns pacientes, observou-se que estes anticorpos estavam presentes em
todo espectro da hansenase. Verificou-se ainda que a maioria dos pacientes
manteve o mesmo grau de incapacidade observado no incio do tratamento,
enquanto que 37,25% apresentaram melhora. Os autores no estabeleceram
correlaes entre os parmetros imunolgicos estudados e o desenvolvimento de
leso neural.
Foram encontradas a presena da enzima xido ntrico sintetase induzvel em
neutrfilos e nveis sricos de TNF e IL-1. Uma pesquisa analisando culturas de
clulas mononucleares do sangue perifrico de portadores de hansenase e de
pessoas sadias mostrou que a prostaglandina-1 estimula a produo de TGF-,
conferindo nveis 5 vezes maiores que os pacientes paucibacilares com reao
reversa e 60 vezes maiores que os encontrados em pacientes tuberculides sem
reao, indicando que o TGF- pode ter diferentes papis em hansenase, que vo
desde a mediao de uma ao supressiva localmente associada com a presena
de prostaglandina-1, e induzindo diferentes efeitos inflamatrios quando secretado
sistemicamente por moncitos, atuando como uma citocina moduladora., associada
com a resposta imune Th2 nas formas multibacilares (GOULART, PENNA e
CUNHA, 2002) e (GOULART, 1999).
O tratamento medicamentoso indicado pelo Ministrio da Sade a
administrao de Talidomida via oral, 100/400 mg/dia, restringindo o uso em
mulheres em idade frtil devido seu efeito teratognico. Nessa situao est
indicada a prednisona via oral,1-2mg/kg/dia. A retirada tambm feita em intervalos
fixos, aps avaliao clnica.
Um trabalho realizado por Nery e colaboradores (1999) analisando os
aspectos clnicos e histopatolgicos dos estados reacionais de 169 pacientes
multibacilares submetidos poliquimioterapia, encontraram 51% de reao tipo II
-
28
predominando nos portadores da forma LL, 42% de reao tipo I prevalecendo em
pacientes BB e 7% dos pacientes apresentaram neurite pura sem manifestaes
cutneas. Os pesquisadores verificaram que os episdios reacionais so
complicaes freqentes, ocorrendo em qualquer momento da doena. Observaram
tambm que 77% dos pacientes com reao tipo I e 43% dos pacientes com reao
tipo II desenvolveram manifestaes sistmicas.
A alta por cura da hansenase se d quando o esquema de doses
recomendadas para o tratamento se completa sem irregularidades nas suas
administraes ou interrupes por parte do paciente. No entanto, os estados
reacionais podero, como j mencionado, ocorrer mesmo aps a alta. Rodrigues e
colaboradores (2000, p. 7-16) revisando os pronturios de 149 pacientes que
completaram a poliquimioterapia, recebendo alta no perodo de 1994 a 1999 em um
Centro de Sade, verificaram que 23% dos pacientes apresentaram reao ps-alta,
sendo que destes 11,76% eram paucibacilares e 88,23% multibacilares, com uma
mdia de 3 episdios entre pacientes dimorfos e 4 entre pacientes virchowianos.
Uma vasculite necrotizante pode acometer os pacientes quando apresentam
estados reacionais, principalmente entre os casos virchowianos ou prximos deste
plo e tambm em indivduos com hansenase avanada e no tratados. Esta
manifestao clnica chamada de fenmeno de Lcio. 1.9 A Neurite Hansnica
Os nervos perifricos, envolvidos no processo de infeco pelo M. leprae,
constituem-se de feixes de axnios dispostos paralelamente e circundados por trs
bainhas de tecido conjuntivo: o endoneuro, o perineuro e o epineuro. O endoneuro
separa axnios individualmente; o perineuro circunda feixes de axnios e epineuro
envolve todo o tronco nervoso (figura 05). Os nervos perifricos recebem suprimento
sanguneo por ramos arteriais que penetram no tronco nervoso. Dentro do nervo os
axnios so eletricamente isolados uns dos outros pelo endoneuro e por uma bainha
de mielina que fornecida pelas clulas de Schwann, as quais circundam
parcialmente um grupo de axnios de pequeno dimetro ou envolvem totalmente
uma seo de um nico axnio de grande tamanho. Os axnios de pequeno
-
29
dimetro, que compartilham clulas de Schwann, so designados como no-
mielinizados ou parcialmente mielinizados, enquanto os axnios de grande dimetro
que esto totalmente envolvidos por clulas de Schwann so designados como
mielinizados.
Figura 05 Fascculos nervosos e suas bainhas de tecido conjuntivo. P perineuro, EP epneuro,
EN endoneuro, VA vaso sanguneo, VEM vnula. Adaptado de Butler, 2003.
So geralmente mistos, ou seja, possuem axnios sensitivos, motores e
autnomos. Os ramos sensitivos cutneos suprem a pele e os tecidos sub-cutneos,
bem como tambm possuem axnios eferentes simpticos s glndulas sudorparas
e arterolas; os ramos motores suprem os msculos, tenses e articulaes tambm
possuindo axnios sensitivos proprioceptivos.
A neurite hansnica considerada a maior causa de morbidade entre os
pacientes portadores de hansenase, a qual responsvel pelo desenvolvimento de
deformidades e incapacidades fsicas. Este termo aceito para definir o
comprometimento neural devido a hansenase. O M. leprae possui uma grande
afinidade para as clulas de Schwann e macrfagos do sistema retculoendotelial.
Existe uma predileo do bacilo para troncos nervosos perifricos mais superficiais,
principalmente os que esto em reas anatmicas com menor temperatura e mais
expostos ao trauma, envolvidos por estruturas que podero comprimi-lo, como os
canais osteoligamentares do carpo e epitrocleo-olecraniano, ou onde passam os
nervos.
-
30
Acredita-se que o M. leprae possa penetrar nas clulas de Schwann por
diferentes mecanismos. Primeiro seria uma forma direta de penetrao atravs da
sua fagocitose nas leses drmicas pelas clulas de Schwann. Essas clulas podem
hospedar o bacilo, favorecendo o seu desenvolvimento e multiplicao. O bacilo se
movimentaria ao longo dos filetes nervosos seguindo o movimento axonal. Os
macrfagos presentes nas camadas mais superficiais da derme captam inicialmente
os bacilos que posteriormente so liberados e fagocitados pelas clulas perineurais.
Estas, por sua vez, impregnam as clulas de Schwann. Segundo, poder ocorrer
tambm a infiltrao de macrfagos infectados no perineuro.
Alguns estudos tentam mostrar a relao entre o bacilo e as clulas de
Schwann atravs de culturas destas clulas infectadas utilizando modelos in vitro de
clulas de ratos o que permite uma grande proximidade das caractersticas
morfofisiolgicas das clulas de Schwann humanas e suas interaes com o bacilo.
As clulas de Schwann compreendem a maior populao de clulas nervosas
utilizadas para cultivo de gnglios dorsais e seu nmero declina quando existem
altas taxas de mitose fibroblstica. Desta forma so empregados agentes ativadores
da adenosima monofosfato cclica (AMP-cclico) no enriquecimento de cultivo para
inibir o crescimento de fibroblastos sem causar toxicidade clula de Schwann,
permitindo a sua proliferao. A travs desta tcnica pesquisadores conseguiram
cultivos enriquecidos destas clulas, o que permitiu anlises a partir de suas
caractersticas morfolgicas e sua atividade imunolgica frente a protena S-100, a
qual reguladora da concentrao de clcio intracelular, associada a filamentos
intermdios, presente na clula de Schwann e ausente nos fibroblastos. Mueton
Gmez (1996) obtiveram cultivos com 88% de clulas de Schwann as quais foram
usadas em ensaios de infeco. Para tanto utilizou-se bacilos obtidos a partir de
lepromas, material colhido de pacientes com a forma virchowiana, possibilitando os
estudos atravs de microscopia ptica, usando a colorao de Ziehl-Neelsen,
permitindo a quantificao do nmero de bacilos por clula infectada e a
porcentagem de clulas infectadas.
Talvez a via mais freqente de entrada do bacilo no nervo seja pela corrente
sangunea via capilares intraneurais, o que facilita o transporte de microorganismos
s estruturas nervosas. Um trauma mnimo poder aumentar a aderncia das
-
31
clulas endoteliais dos capilares intraneurais e tambm pode comprometer a
barreira neuro-sangunea. As clulas de Schwann iro fagocitar o bacilo trazido para
o nervo pela microcirculao sangunea neural.
A sua fisiopatogenia se d tanto por uma processo inflamatrio crnico
quanto sub-agudo, nos quais clulas epiteliides e macrfagos com bacilos em seu
citoplasma podem estar presentes. Tambm podero ocorrer respostas inflamatrias
do nervo frente a restos bacilares, o que a principal causa de neurites que ocorrem
ps-alta em paciente hansenianos. De acordo com Renzo e Panciera (1987),
poderemos ter episdios de reaes agudas com exacerbao do quadro
inflamatrio que poder complicar o curso crnico da doena e tambm sndromes
de compresses nervosas.
Uma das conseqncias do processo inflamatrio a ocupao por infiltrado
do endoneuro, perineuro e epineuro, levando a compresso tanto de fibras
mielnicas quanto amielnicas que evoluem com um processo de fibrose,
contribuindo para o dano neural. Essa compresso tambm causa leso isqumica
do nervo. A compresso externa do nervo se d principalmente pelo seu
espessamento e poder ser intermitente, parcial ou completa. Podero acometidas
tanto fibras do sistema nervoso perifrico sensitivo, como motor e autonmico.
O espessamento do nervo poder ocorrer uniformemente por toda a sua via
perifrica, ou poder ser fusiforme ou em rosrio. Uma necrose do tipo caseosa
poder ocorrer nos granulomas tuberculides dos nervos, resultando em sua
completa destruio por abscessos. Estes abscessos contribuem para a
compresso de fascculos nervosos. O material caseoso poder ser eliminado
atravs de fstulas cutneas ou ao longo da bainha do nervo.
De acordo com Talhari e Neves (1997), trs fatores podero estar envolvidos
no processo de dano neural:
a) A relao entre os tecidos do paciente e as formas clnicas da doena, pois as
paralisias so muito mais precoces e intensas na forma tuberculide, onde, nestes
casos, as leses so em pequeno nmero e o tratamento precoce prevenir as
-
32
graves leses nervosas. Nas formas dimorfas o acometimento nervoso
significativo e a possibilidade de leses graves grande, principalmente na forma
prxima ao plo tuberculide, o que proporciona cuidados na preveno de
incapacidades. Na forma virchowiana poder ocorrer um envolvimento de maior
quantidade de nervos. No entanto a possibilidade de paralisia menor. De acordo
com esses postulados e compreendendo os complexos imunolgicos envolvidos nas
duas formas polares, nos leva a crer que o dano neural tem uma ntima relao com
a resposta imunolgica do hospedeiro, pois a resposta tipo TH1, como j
mencionada, mais efetiva pois o nmero de nervos lesionados menor, que por
outro lado tem a possibilidade de danos mais graves aos filetes nervosos.
b) O espessamento das fibras nervosas aumenta os danos por compresso
mecnica e isquemia. Quanto maior o nmero de fibras envolvidas, maior ser a
possibilidade de comprometimento motor, principalmente acompanhado de fibrose.
c) A distncia perpendicular entre o nervo e a superfcie cutnea teria uma influncia
no dano neural, pois acredita-se que quanto mais prximo o nervo se encontra da
superfcie cutnea mais susceptvel ser para traumas e mais fcil a passagem de
bacilos existentes no infiltrado cutneo para o tecido nervoso.
A dor o sintoma persistente e predominante podendo vir acompanhada de
alteraes sensitivas e motoras (JOPLING, 1978) e classificada, de acordo com as
suas manifestaes clnicas, em: I) neurite irritativa, II) neurite deficitria parcial e III)
neurite deficitria total (Renzo e Panciera, 1987). No entanto existem casos de
desenvolvimento de dano neural na hansenase sem manifestaes clnicas, o que
conhecida como neurite silenciosa. Morgulis, Nbrega e Lima (1988) realizaram um
acompanhamento de 95 pacientes hansenianos submetidos avaliao neurolgica
completa e estudo eletroneuromiogrfico com medidas da velocidade de conduo
nervosa motora e sensitiva, concluram que a eletromiografia apresentava alteraes
em um nmero significativo de casos com exame neurolgico normal, mostrando
que o dano neural poder ocorrer mesmo antes do incio das manifestaes clnicas
neurolgicas.
-
33
O envolvimento do msculo estriado na lepra considerado secundrio
leso dos nervos perifricos, mas alguns estudos relataram acometimento muscular
primrio. A fim de verificar esta controvrsia, Wernewck, Teive e Scola (1999)
estudaram 40 pacientes com hansenase, sendo 23 da forma virchowiana, 13 da
tuberculide, 2 dimorfa e 2 indeterminada, atravs de estuda da neuroconduo do
nervo fibular comum, junto com eletromiografia e bipsia do msculo tibial anterior.
Os pesquisadores encontraram reduo de velocidade de conduo, da amplitude e
algumas vezes ausncia de potenciais no nervo fibular comum. A eletromiografia do
tibial anterior mostrou sinais de desnervao recente e crnica em 77,5% dos casos
e no foi encontrada evidncia de padro "mioptico". A bipsia do msculo tibial
anterior revelou desnervao em 45% dos casos, miopatia inflamatria intersticial
em 30% e padro misto de aspecto mioptico e neuroptico, em 12,5%. Bacilos
lcool-cido resistentes foram encontrados em 25% dos casos, sempre localizados
no perimsio e endomsio. Na forma virchowiana, a reao inflamatria estava
presente no espao intersticial. Os dados histolgicos claramente definiram a
presena de uma entidade que os autores chamaram de "Miosite Lepromatosa
Intersticial" sobreposta s alteraes histolgicas encontradas em desnervao.
Alguns pacientes desenvolvem neuropatia sem o desenvolvimento de leses
cutneas. Estas neuropatias so chamadas de neurites puras ou neurites
hansnicas puras. Os pacientes com esta forma da doena desenvolvem sinais e
sintomas de deteriorao nervosa perifrica, como parestesia, espessamento neural,
dor no trajeto do nervo e fraqueza muscular. Estes casos apresentam maiores
dificuldades para o diagnstico, principalmente nos servios onde no existem
recursos diagnsticos complementares, com a possibilidade de realizao de estudo
histopatolgico e eletroneuromiogrfico. A neurite pura poder estar presente em
at 16% dos pacientes portadores de hansenase em regies endmicas, de acordo
com Girdhar (1996, p.35-42).
Skacel e colaboradores (2000) avaliaram 44 pacientes com sinais de
neuropatia perifrica, acompanhados no Ambulatrio de Hansenase da Fundao
Oswaldo Cruz por perodo que variou de 4 meses at 4 anos, com o intuito de
confirmar ou afastar o diagnstico de neuropatia hanseniana. Analisando os sinais e
sintomas dos pacientes encontraram hipoestesia em 41 , parestesia em 28,
-
34
espessamento neural em 22, dor no trajeto do nervo em 20, paresia em 20 e
amiotrofia em 8 pacientes. Dez pacientes dos 44 tiveram o diagnstico de
hansenase confirmado. A confirmao diagnstica se deu atravs da bipsia de
reas hipoestsicas sem leso dermatolgica em 3 pacientes, pelo aparecimento de
estados reacionais sendo duas reaes reversas e 4 neurites reacionais, e pelo
aparecimento de leso cutnea no reacional caracterstica da forma dimorfa-
lepromatosa. Os autores concluram que o acompanhamento clnico regular dos
pacientes sem diagnstico no primeiro exame mostrou ser um mtodo que permitiu
o diagnstico da forma neurtica pura da hansenase, quando os mtodos objetivos
de diagnstico no confirmam de imediato a doena.
1.9.1 Principais Nervos Acometidos
Nos membros superiores, os principais nervos acometidos pelo M. leprae so
o nervo ulnar, o mediano e o