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Ano 29 - N” 46 - Santa Maria - maio de 2007 Ciano Amarelo Magenta Preto Palavras transformam a cidade A Feira do Livro de Santa Maria estÆ de volta 50 anos da publicaªo de On The Road pÆg. 9 Blues internacional em Santa Maria pÆg. 12 Conhea o Cesma CafØ pÆg. 4

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Ano 29 - Nº 46 - Santa Maria - maio de 2007

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Palavras transformam a cidadeA Feira do Livro de Santa Maria está de volta

50 anos dapublicação deOn The Road

pág. 9

Bluesinternacional

em Santa Mariapág. 12

Conheçao Cesma

Cafépág. 4

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Joél AbílioAdivo Paim Filho � Analista de cenários estratégicos � mat.: 0931

Inicio dos anos 60, Cruz Alta. Ele,jovem líder estudantil, vindo da então(a meu ver) lendária e distante SantaMaria. Auditório do Ginásio Cristo Re-dentor, dos maristas, lotado. Uma lufa-da de novos ângulos e perspectivas.Mais velho, mas parecendo tão jovemquanto os seus ouvintes, era Joél AbílioPinto dos Santos, chamando-nos a res-ponsabilidades e reflexões, inespera-das para a velocidade do pensamentocruz-altense de então.

Fim daquela década, nos reencon-tramos em Santa Maria, na Faculdade deDireito de Santa Maria, também dosmaristas. Já era professor de História edeixava entrever uma grande paixão peloseu magistério. Aliás, foi nele que centrousua vida, coroando-o com o Mestrado emIntegração Latino-Americana.

Ah! Com certeza, inquietos e in-telectualmente curiosos que éramos,ambos, muitos assuntos terão havidoem que nossas opiniões foram diver-gentes, com cordialidade, mas diver-gentes. Isto, porém, nunca impediu atroca de idéias e até críticas, pessoal-mente apresentadas.

Não tenho dúvida, Joél Abíliosempre foi sincero em suas lutas. Jamaisfoi inautêntico em suas bandeiras, nem

foi motivado pela vaidade ou pelo po-der. Esta, a autenticidade, uma caracte-rística que o acompanhou sempre, da-quela palestra-debate do meu tempo deginásio até às vésperas da sua passagem.

Sim, ele marcou um períodoconstrutivo da nossa UFSM, com reper-cussões na vida e no desenvolvimentocultural da comunidade.

Sua marca na minha biografia fi-cou quando, no início do último de-zembro, à mesa de um Café, no centroda cidade, sem aviso prévio, no meiode uma conversa, com outro amigo,que testemunhou o acontecido, semdar chance para maiores perguntas, JoélAbílio me declarou: �Olha, se algumavez na minha vida eu te fiz alguma coi-sa, eu estou te pedindo perdão!�. Cla-ro que lhe asseverei �estás perdoado,e espero que a recíproca também sejaverdadeira�. Ele respondeu �então estábem assim� e mudou o rumo da con-versa. Ainda não me refiz disto; desco-nheço ao que ele se referia.

Agora, com Joél Abílio nos rei-nos espirituais, na única e verdadeiraimortalidade, aqui fica um exemplo depessoa, autêntico nos seus valores,iluminador de possíveis rumos para odesenvolvimento santa-mariense.

Rascunho2

Opinião Cesma

CESMAPresidente: Athos Ronaldo Miralha da CunhaVice-Presidente: Luiz Alberto Brizola CassolSecretário Geral: Luiz Geraldo Cervi

Conselho de AdministraçãoAguinaldo Médici Severino, Francele Pedroso Cocco, Gilvan OdivalVeiga Dockhorn, Humberto Gabbi Zanatta, Ivan Zolin, LeonardoRetamoso Palma, Paulo Alberto Lovatto e Sione Gomes

Conselho FiscalAlessandra Giovanella, Alexandre Maccari Ferreira, CláudioFernando Lucca da Cunha, Diomar Adelmo Konrad, LucianoFaustinoni e Paulo Vianna Lopes

Equipe OperacionalAuri Palmeira, Antônio Gomes Filho, Belveni Trindade,Carina Oliveira dos Santos, Décio Squarcieri, Eliane deSouza, Gilmar Sartori, Homero Pivotto Jr., Iria OliveiraKasper, Jaber Rodrigues, Karina Oliveira dos Santos,Marcelo da Silva, Paulo Henrique Teixeira, Rodrigo BarbozaFontana, Rosiclea Pezzi, Soraya Lopes, Thaís Bittencourt,Télcio Brezolin e Usielita dos Anjos Nogueira.

RascunhoJornalista Responsável: Homero Pivotto Jr. - MTb 11858

Coordenação Editorial: Paulo Henrique Teixeira

Colaboradores: Elias Monteiro, Adivo Pain Filho, Marcelo deAndrade Brum, Leonardo Retamoso Palma, Fabiano Dallmeyer,Paulo Henrique Teixeira, Francele Pedroso Cocco,Marcelo Canellas, Calixto Bento.

Ilustração Capa: Elias Monteiro

Tiragem: 2000 exemplares

Distribuição Gratuita

Rua Professor Braga, 55Fone: (55) 3221.9165 - www.cesma.com.br

OS TEXTOS ASSINADOS SÃO DERESPONSABILIDADE EXCLUSIVA DE SEUS AUTORES.

Opinião Rascunho

A palavra está na praçaA feira do livro de Santa Maria

credencia-se como o principal eventoliterário da cidade cultura e um dos maisimportantes do estado.

O livro está na praça à sombra dafrondosa seringueira e ao alcance dasmãos ávidas por leitura e olhos ansiosospelo saber. Os amantes dos livros nãoconcebem mais uma feira que não sejana praça, que não seja no mês do ani-versário da cidade e que não seja dopovo. Não há boicote que nos faça per-der essa aquarela literária.

Há algo de estudante, de ferroviá-rio e de gente nessa feira do livro. Nessatradição de cultuarmos nossos eternosferrinhos, e que a cidade amavelmentepresta reverência, os livros, por vezes, ho-menageiam os ferrovi-ários nos seus títulos:Apito do trem, Trem dosonze e o mais recenteO maquinista daltôni-co e tantos outros que,por certo, virão.

Santa Maria não é mais ferroviá-ria, mas pretende ser literária porque car-rega no seu âmago o espírito, a perse-verança e a luta dos velhos ferrinhos. Euma máquina na avenida, coincidente-mente vizinha da biblioteca pública, ho-menageia todos os trabalhadores dessecoração do Rio Grande.

A Cesma e a feira do livro têm amesma origem: os estudantes universitá-rios de Santa Maria da década de 70. Se aCesma foi fundada por estudantes noDiretório Acadêmico da Agronomia em1978, a feira do livro teve a sua primeiraformatação no curso de Comunicação So-cial da UFSM, lá no distante ano de 1973.

A Feira do Livro de Santa Maria éa segunda feira mais antiga do país em

Quer participar do Rascunho?Qualquer associado da Cesma pode colaborar com o Rascunho. Bas-

ta entrar em contato conosco. As edições, geralmente, são temáticas. Por issoé bom se informar com antecedência caso tenha interesse em publicar seutexto. Converse com a gente!

Você pode fazer contato via email pelo [email protected] ou ligarpara o 3221-9145.

ambiente aberto, perdendo apenas paraa feira de Porto Alegre e ficando à fren-te da feira de Brasília.

Alguns dados da nossa festa literá-ria são interessantes, pois a venda de li-vros contempla uma progressão geomé-trica. Em 1995 foram vendidos 3.200 li-vros; em 1998 esse número passa para6.800; em 2002 para 14.000; em 2005 para27.600 e em 2006 foram fornecidos 35.200livros. Ou seja, um aumento de mais dedez vezes com relação ao ano de 1995.

A feira do livro nos enche de satis-fação porque a Cesma é partícipe e en-volvida diretamente em sua organização.O livro é a nossa matéria, uma das razõespara a nossa forte paixão cooperativista,e a feira um evento que nos mobiliza e

apaixona mais ainda.Nesse ano em que ce-lebramos o forneci-mento de um milhãode livros aos coopera-dos, a Cesma tambémse associa à feira como

uma das organizadoras permanentes. As-sim, continuaremos com a nossa tarefade difundir a leitura, o saber e a literatu-ra. E isso é motivo de regozijo dos seusatuais 35.950 associados.

Temos como desejo e convicçãoque eventos que celebram a arte literáriaterão a nossa dedicação e apoio. Hoje,temos eventos que são dedicados ao livroe protagonizados pela Cesma: Bloomsday,Blausday e logo teremos um monumen-to ao livro que é o Banco de leitura deJoyce. Não podemos deixar de lembrar oslançamentos de livros que ocorrem du-rante o ano nas dependências da Cesma.

Enfim, os livros estão na praça enós estaremos lá porque livro na praça,sem gente, não tem graça.

Não há boicote quenos faça perder essaaquarela literária.

Continuamos sem saber ondeestão os corpos, quem matou,

como morreram,e semresponsabilizar os culpados

No dia 15 de abril, os jornais Correio Braziliensee O Estado de Minas publicaram matérias divulgandotrechos de uma obra sigilosa, produzida pelo Centrode Informações do Exército (o CIE, serviço secreto),há 19 anos, a pedido do então Ministro de Exército,Leônidas Pires Gonçalves. Uma cópia dessa obra foiobtida pela reportagem do Correio/Estado de Minas.Desse que passou a ser referido como �O livro secretodo Exército�, 40 páginas já circulavam na internet, pos-tadas num site que reúne militares e civis de extremadireita. Sabe-se agora que são 966 páginas no total.

No âmbito do que foi batizado de �Projeto Orvil�(da palavra livro, ao contrário) em 1986, foi concebidocomo uma reposta aos relatosde tortura e assassinato de pre-sos políticos ocorridos durantea ditadura e que em 1985 ha-viam sido publicados no livroBrasil: Nunca Mais. Concluí-da em 1988, essa versão acabounão sendo publicado como eraa idéia inicial, Leônidas Pires Gonçalves voltara atrás.Uma pequena tiragem semi-artesanal passou a circularentre militares da reserva. �O livro secreto do Exército�é a versão dos militares para a luta armada. Nele, maisde 1.700 pessoas perseguidas e reprimidas pela ditadu-ra são citadas, há a descrição do dia-a-dia de dezenas deorganizações de esquerda, provando que o Exército temas informações que por 30 anos negou possuir.

Como escreveu C. Glok no jornal Extra Classe,do SINPRO/RS, no número de abril, �Enquanto isso,ano após ano, comemora-se �descaradamente� nos quar-téis a chamada �revolução democrática� de 1964, ape-lido cínico dado pelos militares ao �golpe�, que, nodia 31 de março, completou 43 anos�.

Cabe lembrar que os arquivos militares conti-nuam inacessíveis e a falta de empenho do Governona abertura de todos os arquivos é mais que evidente.Quando os arquivos da Abin, ou seja, todos os arqui-vos dos extintos SNI-Serviços Nacionais de Informa-ção, do CSN - Conselho de Segurança Nacional e daCGI - Comissão Geral de Investigação, foram abertos,depois do Decreto Presidencial nº 5.584, de novem-bro de 2005, segundo várias denúncias que circularamna imprensa, eles haviam sido �limpos�.

Enquanto o Chile, o Uruguai e a Argentina de-ram passos importantes na responsabilização dos pra-ticantes dos crimes de tortura, assassinatos e desapare-

cimentos de pessoas, cometi-dos durante os regimes ditato-riais naqueles países, comobem lembrou Suzana Lisboa (es-posa do primeiro desapareci-do, Luiz Eurico, que teve ocorpo localizado, no cemitériode Perus, em São Paulo, em

agosto de 1979): �Continuamos com as mesmas reivin-dicações da época da ditadura: saber onde estão oscorpos, quem matou, como morreram, e responsabili-zar os culpados� (também publicado no jornal ExtraClasse).

Segundo a reportagem dos jornais CorreioBraziliense e O Estado de Minas, pelo menos em 23casos, fica evidente que as informações sobre as condi-ções em que morreram e/ou desapareceram centenasde pessoas, não eram tão desconhecidas assim peloExército e pela ditadura civil-militar no Brasil (1964-1985, oficialmente), ainda que seja corrente a idéia deque foram cuidadosos em não deixar impressões digi-tais em acontecimentos importantes.

Abertura dos arquivos

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Rascunho 3

Começarei lembrando o início doartigo XIII da Declaração de Direitos doHomem e do Cidadão, de 1793, que diz:�Sendo todo homem presumidamenteinocente até que tenha sido declaradoculpado, ...�. Ainda, lembrarei que o Es-tado de Direito e a democracia, em gran-de medida, apóiam-se nessa suposição,nessa presunção da inocência, e não nasuposição, na presunção da má-fé do ci-dadão. Vale a pena repetir então: �Todocidadão é inocente até prova em contrá-rio�. É tão caro esse princípio para oDireito que, em caso de acusação for-mal, a ele articulam-se aquele que dizque �Cabe ao acusador o ônus da prova�e aquele outro que diz �in dubio pro reu�[Na dúvida, a favor do réu]. Os três nãosão apenas meros detalhes no Direito,longe disso.

Atualmente, do mesmo modo,não deveria passar por ser apenas umdetalhe, que com cada vez maior inten-sidade, e justamente em nome da �de-fesa� da democracia, do Estado de Di-reito, e em apelo à �liberdade de im-prensa�, as editorias e redações de boaparte das grandes empresas jornalísticase da mídia corporativa em geral, passa-ram a se arvorar o direito de julgar, emais que isso, condenar ou promovercondenações antes mesmo de qualquerjulgamento, esquecendo completamen-te da suposição da inocência do cida-dão. Um impulso repressivo, profunda-mente antidemocrático parece estar sedisseminando facilmente, e nesse con-texto, muitos jornalistas acabam porcumprir um papel regressivo, militampelo abuso, ao ajudarem a promoveresse impulso.

Espera-se dos jornalistas e dequem publica e/ou fala em meios decomunicação social e de informação,e que assinam matérias informativas oude opinião, abonando-as, uma infor-mação responsável, em sintonia com odireito público à informação de quali-dade. Assim como na leitura de um ar-tigo de jornal presumimos inicialmen-te e de boa-fé que esse direito públicoà informação é efetivamente uma pre-missa e uma meta dos jornalistas epublicistas em geral, e que também deboa-fé eles tenham convicção, acredi-tem ou, no mínimo, imaginem ter qua-lidade a informação que veiculam (mes-mo que cheguemos a discordar total-mente de suas opiniões e posicio-namentos). Esperamos também que nãonos tratem pressupondo má-fé, presu-mindo má-fé do cidadão, do leitor ouaudiência. Tratando-se de matéria con-troversa, espera-se do jornalista oupublicista em geral, cuidado redo-brado.

Duas máximas atuais e,cada vez mais, vigentes:

�só é possível resistir criando� e�a melhor defesa da criação, é o compartilhamento�

Leonardo Retamoso Palma � mat.: 09458

Em Santa Maria, está se tornandouma prática, em sintonia com esse im-pulso repressivo referido e com amilitância jornalística e publicista emprol do esquecimento da presunção deinocência do cidadão, nas matériasdedicadas aos temas �direitos de autor�e �propriedade intelectual�, a insisten-te cassação dessa presunção de inocên-cia do cidadão e leitor (aí o esqueci-mento é na verdade substituído pelainversão!) e a promoção da crimi-nalização prévia (dissuasão, ame-drontamento, intimidação, vale dizer,presumindo sim a má-fé do cidadão!)das práticas sociais disseminadas e emfase constituinte, aptas a inaugurar, pro-duzir, fundar, criar direitos ou mesmomodificar leis inadequadas eanacrônicas (aquelas emdissintonia com osavanços sociais eque acabamimpedindo amaximiza-ção social,cultural,e c o n ô -m i c a ,e t c . ,b l o -quean -do a so-c i e d a d eem seusdesejáveisdesenvolv i -mentos).

Vejamos, érobustamente co-nhecida por seus efeitose combatida (ou pelo menos essaé uma agenda comum, tornada comum)a prática econômica do monopólio1,prática essa tendencialmente catastrófi-ca para a sociedade (e a tendência daprática monopolista é normalmente oabuso). Vai daí todo o debate, sempreatual, sobre protecionismo, sobre a for-mação de cartéis e oligopólios, e a ne-cessidade de sua regulação e combate,e os muitos acordos internacionais fir-mados ou intentados, sempre envoltosem muita polêmica.

É justamente de um claro com-promisso com o monopólio (marque-mos isso com uma acento forte!) e coma censura (algo que é o avesso dareivindicada �liberdade de imprensa� eda �liberdade de expressão�, e que paranós deveria ser de triste memória), quetem impulso a criação do �exclusivodireito de cópia� ou copyright (o con-trole do que se imprime), que está nasorigens do instituto jurídico �direitoautoral� ou �direito de autor�.

Coincidindo com a própria difu-são da imprensa e da tecnologia quepermitia a proliferação de cópias (as má-quinas que fizeram possível a reprodu-ção em série e a replicação dos impres-sos), a história do copyright começacomo estabelecimento de um filtro quevisava coibir a livre difusão de idéias,cerceando exatamente a �liberdade deimprensa� e a �liberdade de expressão�,dando a uma casta privilegiada [Sta-tioners, editores-tipógrafos-livreiros,nomeados pelo rei, em 1556] o mono-pólio das tecnologias de impressão eatribuindo a ela a função da censura aserviço do poder absoluto, isso pro voltado século XVI, na Inglaterra2.

Censura prévia e restrição doacesso aos meios de produção

da cultura, através domonopólio, uma

origem curiosa.Com o tempo,

o �direito deautor� legi-t imou-secomo ga-rantia dosdire i tosmorais epatrimo-niais doautor so-bre a obra

criada. Emsua transfor-

mação históri-ca e pela práti-

ca de sua aplica-ção, ao entrar na com-

posição do direito de�propriedade intelectual�3, en-

contra-se distorcido em proteção do ti-tular (normalmente uma empresacorporativa, privada, que se beneficiadisso economicamente) e não do cria-dor ou da promoção da atividade cria-tiva, mas antes, volta-se para coibir e cer-cear a criação cultural proliferante. Aose associar �direito de autor� e proprie-dade, a tendência e a justificativa do mo-nopólio privado.

Os problemas são inúmeros. Avelha indústria cultural entrou e está emcrise há tempos. E muito por estar as-sentada em conceitos e concepções ana-crônicas. Somos ao mesmo tempo con-

1 Valeria, e muito, a leitura de um texto pouco comentado e muito atual, de Karl Marx, cuja ediçãomais recente ocorreu na Italia em 2002: Discorso sul libero scambio, edição de Alberto Burgioe Luigi Cavallaro, pela editora italiana Derive Approdi. O discurso é de 9 de janeiro de 1848 e foifeito na sede da �Association Démocratique� de Bruxelas, da qual Marx era vice-presidente. Pelaatualidade, causaria surpresa para muitos, tal como causou na época.

2 A pesquisa sobre isso está fartamente disseminada na internet e é de fácil recuperação nostrabalhos do coletivo de narradores italianos Wu Ming, como em http://www.wumingfoundation.com/

3 A �propriedade intelectual� compreende os �direitos de autor� e os que lhe são conexos, mais a�propriedade industrial� (marcas, patentes, desenho industrial, etc.) e os �direitos de personalidade�.

temporâneos do movimento punk e pós-punk, e isso significa dizer que a máxi-ma punk do faça vocês mesmo encon-tra-se disseminada por toda a socieda-de, mesmo em lugares que nem imagi-nam possuir algo dessa herança �maldi-ta�. Somos também contemporâneos dacultura hacker, de sua generosidade epaixão pelo compartilhamento, das prá-ticas conectivas das redes de todos osmatizes, não apenas da rede mundial decomputadores, é bom lembrar. A crise daempresa corporativa foi acompanhadapelos experimentos de construção edesenvolvimento das empresas colabo-rativas (conexão entre resistência sociale alternativas de produção econômica,composição de forças e alianças libera-doras), como é o caso das voltadas paraos projetos de Software Livre, para pe-gar o exemplo em maior evidência.

A crise das grandes gravadoras foio ambiente onde os músicos voltaramaos intensos circuitos de encontro comseus públicos, e talvez nunca como hojetenha existido tanta produção, tantacriação, tantas bandas, tantos artistas ematividade em todas as áreas, tanta inicia-tiva artística e cultural. E é porque cir-cula a produção cultural e artística, quehá matéria-prima suficiente para nutrirtoda essa turbulência, tanta afirmação devida, tanta expressão. A denominadasociedade de controle é em grandemedida expressão do esforço titânicodo velho mundo em crise de legitimi-dade e de sobrevivência desdobrandotoda sua violência para tentar colocarsob controle toda a produção de rique-za já fora da medida e do controle, tãoexuberante e indefinível, e assim, tãodifícil de parasitar e explorar.

De modo compulsivo, insistente-mente, o denominado �direito de autor�entra em conflito com o direto de acessoao conhecimento, à informação e à cul-tura, transformando-se em abuso de di-reito. Não há, ainda, legislação adequadaque dê conta de solucionar esse conflito.Está em aberto o debate, desencorajar aspessoas da participação nele, parece seralgo nada desejável. Amedrontá-las e pas-sar a falsa idéia de que isso é matériavencida, algo bastante complicado. Cas-sar a presunção de inocência, condenan-do a todos, antes do debate e do julga-mento da questão, uma lástima.

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Rascunho4

Crônica:

LIVRO E TRÊS EM UMMarcelo Canellas � mat. 03792

Era no tempo da rifa. E o que a gente podia rifar era um aparelhotrês em um. Sabe o que é? Três em um: toca disco (de vinil, bem entendi-do), toca fitas e rádio. Supimpa. Corria pela loteria federal. É isso mes-mo, caros contemporâneos do ipod e do mp3; foi um três em um quefinanciou a feira do livro de 1985. Uma faixa amarfanhada escrita assim:�esmola cultural para salvar a feira� era estendida de uma calçada aoutra, na Acampamento, para tentar amolecer o coração duro dos leito-res motorizados da cidade. Mas nossos pedágios improvisados rendiammais xingamentos do que proventos. E era uma carreira danada quandoa Brigada aparecia. Na entrada do campus, em Camobi, dava mais. Estu-dante, né? O sujeito ajudava com uns trocados, já pensando no descontode 30 por cento que teria lá adiante quando fosse comprar um compên-dio. Baita negócio. E assim aumentávamos um pouquinho o caixa. Aícomeçava a trabalheira. Implorávamos à reitoria da UFSM para que nosliberasse algum recurso. Conseguíamos, no máximo, o seu Valdir. Pranós acabava sendo melhor do que um saco de dinheiro, porque juntocom o seu Valdir - servidor público, motorista e figuraça - vinha o cami-nhão-baú da universidade. A faculdade de Comunicação Social liberavao telefone da coordenação para que negociássemos as encomendas porconsignação com as editoras e distribuidoras de Porto Alegre. Depois detudo acertado, marcávamos a data para a coleta das encomendas epartíamos às cinco da manhã para a capital, no caminhão do seu Valdir.Geralmente iam com ele dois estudantes de jornalismo. Nesse longín-quo ano de 1985, fomos eu o Marcos Kirst, hoje um talentoso jornalistaradicado em Caxias do Sul. O Kirst era cultíssimo e espirituoso. Umgrande companheiro de viagem. Mas tinha um defeito terrível: conse-guia ser ainda mais fraco e mais magro do que eu. Isso até que era bom,levando em conta o espaço acanhado da cabine do caminhão-baú, masera péssimo como credencial para estivar caixas e caixas de livros, tarefaque nos ocuparia o dia inteiro. Chegávamos de volta a Santa Maria, jábem tarde da noite, completamente moídos. Várias outras equipes deestudantes de jornalismo, de relações públicas e de publicidade cuida-vam das outras providências, que iam desde fazer contato com escrito-res, até buscar as barracas de madeira e zinco que a fábrica de refrige-rantes Vontobel nos emprestava em troca do direito de fazer propagan-da de graça. Nós mesmos que montávamos tudo, catalogávamos o ma-terial, vendíamos os livros, organizávamos as sessões de autógrafos ecoordenávamos os debates. Depois caíamos mortos. E felizes. Um pu-nhado de estudantes de comunicação tinha conseguido, com meia dú-zia de barracas, encher a praça Saldanha Marinho. Manter a feira vivaera uma questão de princípio. É claro que hoje a exigência é outra. Afeira do livro de Santa Maria é muito maior, mais bonita e mais organiza-da. Tem amparo da prefeitura e sua estrutura se profissionalizou. Mas ahistória épica de resistência - que começou com a geração dos pionei-ros, os estudantes de jornalismo dos anos de 1970, e que continuoudepois com a minha geração - é um patrimônio cultural de que nenhumaoutra cidade do interior do Rio Grande Sul dispõe. A vocação da feira écrescer. Temos traquejo e conhecimento. Nos faltam políticas públicasmais ambiciosas. É correto, justo e necessário apoiar a profícua produ-ção literária dos escritores santa-marienses. Mas temos que nosuniversalizar mais, convidar mais autores de outros estados, fazer dafeira não só um evento comercial, mas um grande fórum de discussõessobre a cultura brasileira, por que não? Não entendo como nossos em-presários e nossos políticos não conseguem enxergar o potencial dafeira do livro para transformar-se numa festa de repercussão nacional.Temos estofo pra isso. O que falta é dinheiro. Só não me falem em rifa!Onde é que se vai arranjar um aparelho três em um?

Desde 16 de novembrode 2005 a Cooperativa dos Estu-dantes de Santa Maria Ltda estácom sua casa nova. E própria!Com isso, vieram diversas melho-rias e novidades, sempre procu-rando atender o associado comoele merece. O aumento no acer-vo de livros, mais funcionários àdisposição e a própria arquite-tura do prédio, concebida pen-sando no bem estar do coope-rado, são exemplos de mudan-ças positivas que vieram com atroca de endereço. Porém, umdos atrativos mais interessantesdessa nova estrutura só come-çou a funcionar em 16 de de-zembro de 2006, exatos um anoe um mês após a inauguraçãoda nova sede. O Cesma Caféfunciona no primeiro andar, di-ariamente das 16h às 20h. Se-gundo o gerente da Cooperati-va, Télcio Brezolin, o local foipensado para servir de pontode encontro. �Além de ser-vir como espaço para aspessoas se encontra-rem, queríamos pro-porcionar um am-biente agradável. Aidéia era ter um dife-rencial. Por isso coloca-mos o café aonde as expo-sições são realizadas, para quealém do contato com os livros, apessoa interagisse com outros ti-pos de arte enquanto aprecia umbom cafézinho. Quem passar porali também pode encontrar re-vistas bem interessantes, comoEntre Livros, Bravo, Cult, Cine-ma e Paisá�.

São oferecidos mais de 20tipos diferentes de cafés, entrequentes e gelados. �Nosso objeti-vo é sempre aprimorar o cardá-pio, trazendo mais variedade equalidade, sempre com preçoacessível. Afinal, somos uma co-operativa, e nosso objetivo mai-or não é o lucro, mas sim fazercom que nosso associado sinta-se satisfeito�, explica Télcio.

Vai um cafezinho aí?Uma das maiores preocu-

pações, desde a concepção ini-cial em se criar um café, era ofe-recer um produto de qualidade.Depois de muito pesquisar quempudesse oferecer uma boa ma-téria prima, a Cesma encontrouuma Cooperativa de Cafeiculto-res da região de Franca, na gran-de São Paulo. �Nosso grão é

100% arábica, uma variedadede café cultivada principalmen-te na América do Sul e AméricaCentral. Essa espécie é de melhorqualidade e contém o mais re-quintado aroma e os mais inten-sos sabores. Em algumas outrascafeterias ela é misturada coma espécie robusta, que possui umtrato mais rude e pode ser culti-vado em altitudes mais baixas.Não possui sabores variados e re-finados como o arábica, e seuteor de cafeína é o dobro�, des-taca a barista Usielita dos Anjos,que foi enviada pela Cesma atéa capital paulista para realizar trei-

namento no Sindicato da Indús-tria de Café (Sindicafé). Usielitaressalta ainda que o cuidado nopreparo é essencial para alcan-çar o sabor desejado.

Além do alto nível dosgrãos utilizados e do cuidado nopreparo, outro aspecto que cha-ma a atenção é o ambiente doCesma Café. O clima calmo e sos-segado tem despertado a aten-ção das pessoas. �Os mais vari-ados tipos de pessoas passam poraqui todos os dias. São associa-dos, não sócios, estudantes, pro-fissionais das mais diversas áre-as, enfim...Mas todos eles aca-bam gostando da tranqüilida-de que encontram aqui, coisarara em outros locais do ramoem Santa Maria. Aqui o pessoalusa para se encontrar, conver-sar e até fazer reunião.�, contaa barista.

E se você acha que o cafémais pedido ainda é o fa-

moso espresso � com�s� porque designaa bebida criada pe-los italianos, umpedido feito paraa ocasião; diferen-

te de �expresso�que quer dizer rápi-

do �, está redonda-mente enganado. Um dos

mais consumidos durante o ve-rão foi o Ice Capuccino, umaversão gelada desse preparoque leva leite, canela e choco-late como diferencial.

Com a chegada do inver-no o movimento deve aumen-tar, já que com o frio costuma-se tomar mais café. Os preçosvariam de R$ 1,50, o mais bara-to, até R$ 6,00 o mais caro. Paraa segunda quinzena de maio ocardápio deve ser incremen-tado com duas novas sugestões:mocaccino e capuccino orien-tal. É importante ressaltar queo Cesma Café é aberto ao pú-blico em geral, não só para as-sociados da cooperativa.

Como tirar um bom café!Em primeiro lugar a qualidade

do grão que forma o blend (mistura)tem que ser criteriosa, ou seja, os grãostêm que ser 100% arábicos. Cultivadosacima de 800 metros de altitude sobtemperatura amena de 15ºC a 22ºC.

A torra tem que ser média (corde chocolate), o ponto de moagem é amédia, diferente do tradicional que usa a moagem fina.

Na preparação da xícara perfeita, utilizamos 7g a 8g de pópara 50 ml de água, compactando sob pressão de 20 kg. A extraçãodeve ser de 20 a 30s dependendo do moinho. Temos como resulta-do, um café de creme espesso, e aroma e sabor intenso.

Para reconhecer um bom espresso:• Observamos que o creme deve ser espesso e persistente (resistir de 1

a 2 min), marcando e aderindo as paredes das xícaras. A cor deveráser homogenia (cor de chocolate ou marrom tigrada). O creme émuito importante, pois é ele que preserva o aroma da bebida.

• O sabor da bebida deve ser harmonioso entre o máximo de doçu-ra, o mínimo de amargor e moderada acidez. A bebida tem queser encorpada, ou seja, sentida quando a língua toca o céu daboca (viscosidade e oleosidade).

• O sabor que permanece na boca após a degustação, é o saborresidual (aftertaste), que deve ser prazeroso e adocicado.

Alexander Café

Xícaras personalizadas para o Cesma Café

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Nº 21 - maio 2007

Como já é de costume, o Ras-cunho traz nas próximas páginas umaentrevista pra lá de descontraída comos patronos da Feira do Livro desteano. Sentados tranqüilamente em umuma mesa no Cesma Café, no início danoite de 10 de abril de 2007, eles con-versaram com a equipe do Rascunho� Athos Ronaldo Miralha da Cunha, Leo-nardo Palma, Paulo Henrique Teixeirae Homero Pivotto Jr. A Feira adulta trazcomo tutor o professor de história,

Prado Veppo, Humberto Gabbi Zanattae Orlando Fonseca. Ao lado de PedroBrum Santos, organizou Prado Veppo:obra completa. Já o padrinho da FeiraInfantil é Elias Ramires Monteiro, 44anos, nascido em Alegrete. Graduadoem Comunicação Visual pela UFSM,desenha histórias em quadrinhos des-de os 6 anos de idade. Durante umadécada foi chargista do Jornal A Razão.Foi também Diretor de Arte em agên-cias de propaganda por vários anos.Como cartunista, tem participações eprêmios em vários Salões de Humor.Foi co-editor da revista Garganta do

Descontraindocom os patronos

da Feira do Livro 2007

Vitor Otávio Fernandes Biasoli. Nasci-do em Pelotas, em 1955, viveu por umbom tempo em Porto Alegre, onde cur-sou História na UFRGS, Mestrado emletras na PUC e foi professor da redeestadual. Atualmente, é coordenadordo departamento de História da Uni-versidade Federal de Santa Maria(UFSM). Além disso, escreve crônicaspara os jornais A Razão e O Jornal deUruguaiana. Na década de 90, fez li-vros de poemas e crônicas junto com

Diabo. Hoje em dia, assina a charge doDiário de Santa Maria. Como ilustradorde livros infantis, atua desde a décadade 80. Em 2003, publicou seu primeirotrabalho dirigido às crianças � Fábulasde Elias. Recentemente fez uma incur-são no cinema de animação desenhan-do os cenários do premiado �Leonel Pé-de-Vento� e prepara para esta edição daFeira mais uma obra dedicada aos pe-quenos leitores. Como pensam? Comotrabalham? Como buscam inspirações?Qual reação ao saber que eram ospatronos da Feira do Livro 2007? Des-cubra lendo esse divertido bate-papo!

Elias Monteiro, Padrinho da Feira Infantil

Vitor Biasoli patrono da Feira do Livro 2007

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Rascunho � Em algum mo-mento vocês disseram que aFeira é um lugar onde as pes-soas vão para se encontrar.Ela é um espaço do fluxo ale-atório e o encontro é secun-dário, ou ela é o grande lo-cal do encontro com o livro,com as outras pessoas, etc.?Qual seria a característicamais forte: o passeio, paraacompanhar o movimentoaleatório das pessoas ou oencontro com conhecidos e,por vezes, desconhecidos?Vítor � Eu acho que para mui-

ta gente é o lugar de encontro. É um lugar aonde sevai, a princípio, para falar de livros. Claro, que no meiodisso tudo fala-se de tudo; e às vezes só se fala dessetudo, menos de livros. (risos) Teve um tempo em quea Feira era o lugar de eu rever vários amigos. A Feirade POA ainda é assim. Encontro colegas, escritores,gente conhecida. Vou lá fazer a passagem pelos balaiose sempre encontro alguém.Elias � A Feira daqui para mim é isso. Eu não sei se éporque eu tive uma filha pequena, quando ela cresceu játive um filho e com a função do trabalho eu acabo nãovendo muito os amigos, apesar de ser uma cidade peque-na. Então, na Feira, eu tenho contato com velhos amigose o prazer de rever gente que vem de fora para o evento.Essa é a uma das melhores coisas da Feira: rever pessoas,conversar. Tem gente que eu só vejo nesta ocasião.Rascunho � Durante a realização da Feira vocêspassam todos os dias por ali? Rola a aquela visitinhadiária ou não chega a tanto?Vítor � Dá para dizer que sim. Se não é todo dia é umsim e outro não. Eu freqüento bastante.Elias � Eu vou menos do que gostaria. Também por-que eu estou sempre com uma criança e aproveito parapassear por ali com meu filho.Rascunho � Com relação às crianças, a Feira con-segue atingir esse público? O que vocês acham dis-so? Há um efeito positivo sobre esse público?Vítor � Eu acho que sim. É difícil chamar as criançaspara um livro, principalmente as que têm acesso àinternet e milhares de canais de televisão. Mas existemobras muito bonitas. Há alguns anos tinham aqueleslivros maravilhosos, caríssimos, que tu abres e salta umtigre ou alguma coisa assim. Hoje tu tens isso em to-dos os estandes. Quando eu vou visitar escolas do en-sino fundamental sempre passo na biblioteca e perce-bo que tem uma �livrarada� tremenda, com tudo que étipo de livro que se possa imaginar. Até mesmo as es-colas públicas, que dão aquela impressão de estaremmenos preparadas. Os livros estão lá, só precisa elesdescobrirem na Feira, verem na mão de alguém co-nhecido, ouvirem um professor falando...Elias � Isso que o Vítor falava sobre o acabamento e oatrativo que os livros oferecem hoje, os infantis princi-palmente, é uma coisa incrível. Eu estava vendo algumaseditoras em Porto Alegre, cujos livros possuem um aca-bamento impressionante. Daí eu fico desesperado por-que o trabalho que eu vou lançar esse ano é extrema-mente modesto, pois eu não tenho patrocínios. E eufico vendo as obras dessas grandes empresas em que tudoo que autor quis e mais um pouco estão ali; tudo que elesugeriu está ali; as últimas soluções gráficas, efeitos e ino-vações. É tudo com um requinte impressionante. O caraestá contando a história da erva-mate e dali a pouco temuma cuia recortada, com bomba e tudo.Vítor � Nós somos fascinados por livros, vamos semanal-mente à livrarias, na feira estamos sempre batendo cartão,mas tem uma coisa que eu sinto e acho que outros leitorestambém: tu não dá conta de baixar a pilha e isso acabasendo quase assustador. Eu dou minhas caminhadas poraí e faz parte do meu roteiro ir às livrarias e revistarias. Àsvezes já entro sem dinheiro algum para não ter perigo decomprar mais uma publicação. E tu sempre acaba achandoalgo que desejaria comprar, isso estrangula em determina-do momento. Aí eu volto àquilo que falei anteriormente,que é ter uma disciplina de não pegar muitos livros se nãovai conseguir lê-los. Nesse meio tempo, entre um e outro,

é bom não adquirir mais nada.Rascunho � Será que não acabamos transformandoa prática da leitura em um ato muito solitário? Existemlugares em que o livro circula mais, ao invés de fica-rem guardados, a gente acumulado-os, sem serem pas-sados adiante. Ao mesmo tempo isso acaba en-contrando uma carência de interlocutores para cer-tas leituras que nos fascinaram, pois a gente faz dissoum ato que não precisa de um convívio social....Vítor � Eu sempre tive um grupo de amigos que sãoleitores, então a gente se empresta livros. Nesse verão,por exemplo, quase todos lemos um livro do Mario VargasLlosa. Por isso concordo com o que tu disseste, pois aleitura precisa de interlocutores. O leitor que lê sozinhoacaba se fechando e isso vira um inferno. Isso reforça aidéia da Feira, de compartilhar e conversar sobre livros.Rascunho � Uma narrativa longa faz parte dosplanos de vocês?Vítor � Faz sim! A maioria dos meus contos são curtos.Até hoje, de narrativa longa, só fiz uma novela juvenil,que foi �Jorge encontra Liliam�. Fiz aquele conto�Whisky sem Gelo�, que é quase uma novela. Escrevium faroeste também, mas não é longo. Essa perguntame faz lembrar que eu tenho 51 anos e ainda não es-crevi o livro que eu queria.Rascunho � Bom, então talvez fosse uma boa idéiaescrevê-lo de uma vez...(Risos)Vítor � Recém estou com meu livro de contos.Rascunho � Elias, uma narrativa longa pra ti se-ria muito difícil?Elias � É um sonho que eu tenho, mas organizado dojeito que eu sou não vou prometer. Um grande sonhopara mim é fazer uma narrativa longa em quadrinhos.Um livro daqueles com lombada e tudo mais, que tuachas que vai ter texto dentro e quando vê é quadrinhos,semelhante ao Maus, de Art Spiegelman, que ganhou oprêmio Pulitzer de jornalismo, em 1992. Um orgulhopara todos os apreciadores do gênero. Lembrei de umacoisa bem interessante agora: em 1985, quando meu car-taz foi selecionado como a arte oficial da Feira, eu fuipago em livros. Recordo que peguei um livro enorme, �ABalada do Mar Salgado�, do Hugo Pratt, e desde entãoeu tenho vontade de lançar uma obra nesses moldes aquina Feira. Porque eu comecei fazendo esse tipo de ilustra-ção em casa, mas não se vive de quadrinhos no interiordo estado, logo eu fui para onde admitem quem gostade desenhar, que são as agências de propaganda. Voltan-do ao assunto do acabamento dos livros infantis da atua-lidade... me toca muito a idéia de ver esse tipo de publi-cação como algo acessível paraquem faz � portanto, vou fazersó o que as minhas posses per-mitem � e para o público. Podeser até um livro preto & branco,desde que bem feitinho. Me fas-cina o desafio de criar um con-teúdo sedutor, que possa com-pensar o acabamento.Rascunho � Quais persona-lidades do cartum te atraem?Elias � Quando eu era novo eugostava muito do Ziraldo, por-que costumava acompanhar o tra-balho dele que se chamava SuperMãe; e tinha também o persona-gem Jeremias, que eu adorava otraço. Fui influenciado por ele,inclusive. Quando conheci oSantiago, há pouco tempo, eledisse que eu era cria do Ziraldoe aquilo me doeu porque hojenão gosto tanto do traço dele.Eu queria ter o meu traço!Rascunho � Vítor, qual cro-nista tu admiras?Vítor � Vou ter que dizer o ób-vio, que é o Rubem Braga. Eusou leitor de crônicas há muitotempo, e eu gostava muito doSérgio Costa Franco, na décadade 70. Ele foi referência duran-

te muito tempo, talvez até pelo fato de ele ser historia-dor também. Li recentemente uma antologia basicamen-te de cronistas do RJ e SP, organizada por HumbertoWerneck. Essa obra tem crônicas que ele retira da internet,bem legais. Re-li há pouco, também, as crônicas de guer-ra do Rubem Braga. Li muito a Rachel de Queiroz, quefoi uma coisa excelente, pois os textos dela sãoatemporais, não são simples peças de jornais.Rascunho � Alguns nomes aqui do sul, sem citaro Veríssimo?Vítor � Leio muito o Coimbra, a Cláudia Laitano, oJuremir Machado � que quando não é bom é no míni-mo provocativo.Rascunho � E a Lya Luft?Vítor � Eu sou fã dos romances dela, mas não consigoler o que ela escreve na Veja.Rascunho � Para fechar, a pergunta mais clichê,mas que não poderia faltar: qual foi a sensação deserem nomeados como patronos dessa edição daFeira do Livro de Santa Maria?Vítor � Dá um susto, uma espécie de medo no início,pelo fato da responsabilidade. Nos damos conta quetem gente levando a sério nossa obra. O Elias já é umprofissional da área. Eu amo escrever, mas não vivo dis-so. Faço isso roubando tempo de outra atividade. Háanos que eu venho tentando investir mais nisso, medisciplinar, dar mais tempo... Acho que uma homena-gem como essa reforça isso e me dá forças para ser maisatento e cuidadoso com meu material. Passado o susto,percebo que tenho leitores e que tenho que levar issoum pouco mais a sério. A gente falava que o ato daleitura é solitário, mas esquecemos que o escrever éainda mais, logo, o sujeito tem que se organizar.Elias � É preciso uma concentração pessoal para ler epara produzir. Eu trabalhei com pintura recentementeno curso de desenho e plástica, já que depois de velhovoltei a estudar, e não adianta: tu precisa sentir aquilo,pensar naquilo e se entregar. Assim como é com a pintu-ra é com a produção literária. Quando fiquei sabendoque era patrono da Feira Infantil eu não sabia se era dig-no dessa homenagem. Por quê? Por que eu tenho umlivro e não vou me iludir que apenas um livro dirigido àscrianças tenha sido responsável por isso, senão eu seriaum gênio. Mas aí, exatamente por não ser assim, que eume sinto orgulhoso. Eu fico envaidecido, como ilustra-dor, não autor infantil, por ter sido convidado. De certomodo parece uma homenagem, talvez a primeira em setratando de patronos, dirigida a um desenhista. Esse é ogrande barato que tem sido para mim! Ironicamente omeu livro para essa Feira tem quase só texto...(Risos)

Momento descontraído: Vitor (esq.) e Elias (dir.) em entrevista ao Rascunho

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d i c a s d e l i v r o sRascunho 9

Normalmente este espaçode dicas de livros aponta indica-ções de leitura de várias publica-ções, vindas de um convidado oumesmo da equipe que toca o jor-nal. Nesta edição em especial, atéporque temos provocado novoscolaboradores a se apresentarem,cedemos espaço para apenas duassugestões que aportaram naeditoria. Marcelo de AndradeBrum se antecipa e abre a extensae bem vinda série de textos e en-saios alusivos aos cinqüenta anosda primeira publicação do manu-al dos mochileiros, dos filhos des-garrados da geração beat, daque-les que têm o pé na estrada � Onthe Road, Viking Press � 1957. Nacontramão das auto-estradasamericanas, temos a provocativareferência do nosso conselhei-ro cooperativo Leonardo Palma,que traz uma importante refle-xão sobre o momento vivido �As revoluções do capitalismo, doitaliano Maurizio Lazzarato, pu-blicado ano passado pela Civili-zação Brasileira. Então é isso, te-mos duas sugestões de interes-ses distintos, tão variadas comoa estante de livros da CESMA.Apareça por lá e certifique-se.

Jack 50 anos � On The RoadMarcelo de Andrade � mat.: 06610

Para provocar o debate da política no Império...Leonardo Retamoso Palma � mat.: 09458

Ao completarem-se 50 anos da publica-ção de On The Road (1957), romance de JackKerouac, cumpre analisar alguns aspectos quegarantem a atualidade deste texto como refe-rência da contracultura e expressão de um modode pensar alternativo em relação ao imposto peloestablishment.

É indiscutível que a odisséia de SalParadise e Dean Moriarty (protagonistas da narra-tiva) pelas estradas da América deve ser considera-da com uma das principais origens da revoluçãocultural e comportamental ocorrida nas décadasde sessenta e setenta do século passado, culmi-nando com o surgimento do movimento Hippie.Porém, essa narrativa de aventuras de estrada com-porta a análises mais específicas e que a relacio-nam com importantes áreas do saber como, porexemplo, a lingüística, a psicanálise e a histórianão-oficial. A abordagem da obra integrada a essesramos do saber resgata a criatividade, a seriedade ea criticidade da narrativa, permitindo observar quea mesma não constitui apenas um libelo con-tracultural restrito a determinado contexto ideo-lógico, político, histórico.

No que se refere à linguagem, Kerouacé um autor bastante revolucionário no contex-to literário norte-americano por introduzir as-pectos da fala na literatura e porque retoma prin-cípios estéticos do surrealismo como o fluxo deconsciência. Isso caracteriza o surgimento deuma nova literatura, liberta do academicismo edos padrões europeus tradicionais.

Os aspectos da fala presentes no textose referem às expressões lingüísticas e a gíriautilizadas por negros, vagabundos e boêmios, oque confere oralidade ao texto literário. O atode narrar se constitui em uma subversão do es-quema tradicional de construção da narrativa.

As personagens e seus falares represen-tam o lado escuro do American way of life com-posto por minorias raciais, outsiders, músicosde jazz e blues e aventureiros. Kerouac, atravésdesta fala marginal constrói uma demonstraçãode que é possível viver além das convenções edos artificialismos comportamentais, de que oshomens excluídos da sociedade capitalista pelosistema ou pelo seu próprio modo de viver tam-bém são americanos.

Outra característica importante observa-da na linguagem é a disposição e a relação daspalavras no texto. As longas frases repletas desubstantivos e adjetivos estabelecem uma sinta-xe caótica que permite ao narrador expressar suaimaginação e pensamentos de maneira livre e es-pontânea em um prosa sem claras limitações cro-nológicas e espaciais; em que o presente e o pas-

sado, a realidade e os desejos, anseios e reminis-cências se confundem na divagação de quem nar-ra. Essa desordem sintática caracteriza a escrita emfluxo de consciência que resulta em um textoque lembra a associação livre de idéias sem osnexos sintáticos de um texto convencional. Esseestilo narrativo que privilegia o livre fluir dos pen-samentos expressa a atitude patética do narradordiante de sua própria existência na qual constataque viver é um desejo perpétuo de busca, quenão pode ser representado por um discurso artifi-cialmente organizado e nem preenchi-do pelo modo de viver deuma sociedade rigidamen-te hierarquizada.

On The Road podeser lido de duas maneiras:como a narrativa das aven-turas de Sal Paradise e DeanMoriarty pelas estradas ame-ricanas ou como a viagem dodesejo em busca do inaudito,uma espécie de retorno aoútero ou uma tentativa de fugada morte. Considerando a pos-sibilidade desta segunda leitu-ra, a obra admite o enfoque dacrítica psicanalítica.

Nesse contexto, é rele-vante considerar o desejo donarrador de descobrir o significa-do de estar no mundo. �A estradaé a vida�, como afirma Sal Paradise.Portanto, existir é percorrer essaestrada, levando na bagagem emo-ções reminiscências e expectativas.A aventura do desejo é sem fim nesta estrada-vida e quando o viajante pára é diante de mira-gens, não do que verdadeiramente busca. O de-sejar não admite atalhos, é um penetrar atrevidoem veredas insólitas e perigosas em busca de umespelho que traduza o homem no mundo.

O consumismo e a hipocrisia da socie-dade sacralizados pela excitação produzida pelamídia, geram uma ilusão de completude; provo-cando o conformismo e o surgimento de estere-ótipos, a robotização do humano. A atitude beat,de beatitude, insurgiu-se contra este estado decoisas, resgatando o valor da vida enquanto bus-ca e experiência individual. �Todo homem é o

que quer e chega onde quer�. É uma reaçãocontra massificação

On The Road ultrapassa a miragem pro-pagandística americana e o narrador busca o aves-so do país que se revela na voz do blues, namúsica do jazz e na produção literária criativa eimaginativa dos outsiders. O país e o povo ame-ricano são redescobertos e reinventados no atode narrar, que se configura na obra como uminventário de todos os elementos constitutivos

da gênese de uma nacionalidade.Porém, o desejo e o narrar não sedetém apenas nesta reinvenção daAmérica e dos americanos. A via-gem é mais visceral, conduzindoo narrador a fazer uma escolha:ser presa da morte ou buscar oimponderável, o inaudito.

A morte é simbolizada, nanarrativa, pelo cavaleiro amorta-lhado, figura onírica, que perse-gue o narrador ao longo da via-gem nas entrelinhas da aven-tura. Esta figura representa odefinitivo, a impossibilidade deverbalizar, o ponto final. Já abusca pelo imponderável é oque move o narrador, o queo afasta da morte e pode serdefinido como o impossívela ser atingido, o que estáalém da compreensão e daspalavras. O imponderávelé vislumbrado nas imagens

presentes em uma narrativa prolixa efluente. O desejo do imponderável é o oposto damorte, é contrário a inércia; uma garantia de vida edistância ao narrador em relação ao tempo em quelhe sobrevirão os andrajos da velhice. Conduz auma indagação perpétua, cuja única resposta pos-sível é a perplexidade renovada em relação a vida eao mundo.

Sob o enfoque do desejo, a narrativa ex-pressa o momento de tensão existente entre oimponderável e a morte, experimentado pelohomem que narra a história nas entrelinhas davida, no ócio da rotina.

On The Road foi escrito e publicado emum momento histórico bastante complexo, ca-racterizado pela repressão ao comunismo pro-

movida pelo senador Joseph Mccarthy atravésdo movimento denominado Macarthismo, e tam-bém pela tensão entre capitalistas e comunis-tas provocada pela guerra fria. O próprio termobeat foi deturpado pela imprensa americana,associado a militantes comunistas o que origi-nou a criação do termo beatnik, uma curruptelade beat fazendo uma alusão ao lançamento dosatélite russo Sputnik I em outubro de 1957.

A prosa e a poesia produzida pelos beatsneste contexto histórico moralista e repressorsurge como uma insurreição contra o materialis-mo e consumismo da sociedade americana do pós-guerra. É também um testemunho artístico dasdesilusões vivenciadas pela parte marginalizadadesta sociedade. É a contracultura apresentadaem sua forma mais pura e plena, sem a máquinapromocional da mídia diluindo sua integridade.

Renovando a prosa e a poesia nos aspec-tos formais e temáticos, os escritores da beatgeneration também trouxeram de volta à vida �ainda que na dimensão artística � a porção margina-lizada da sociedade americana, foram porta-vozesdos oprimidos e excluídos. A prosa beat inclui es-ses segmentos sociais estigmatizados como cons-titutivos da sociedade embora não façam parte dopadrão wasp (branco, de origem anglo-saxônica eprotestante) nem partilhem do ideal self-made-man(trabalhar para buscar conforto e riqueza), princípi-os ideológicos que nortearam a vida americana apartir do fim da segunda guerra mundial.

Em On The Road, os músicos negrossão retratados como deuses e os índios comopais da nação, encontram seu lugar na mitolo-gia e na história do país. Kerouac privilegia emsua narrativa aspectos da história não-oficial,resgatando a importância sócio-cultural e a cida-dania de grupos socialmente marginalizados.

Nesta perspectiva, a estrada vislumbra-da em On The Road é um instrumento de revi-são histórica e de redescobertas étnicas e cultu-rais. A lendária rota 66 que atravessa os EstadosUnidos de leste a oeste, foi percorrida nova-mente em busca do que foi encoberto pela mar-cha dos pioneiros brancos, em busca do som dasvozes caladas pela opressão.

Como se percebe On The Road é umtexto rico em significações e inovações. Utili-zando princípios da lingüística, da psicanálise edo estudo da história apenas procurou-se anali-sar alguns aspectos importantes dessa obra. Maseste texto é capaz de oportunizar muitas outrasdescobertas na medida em que a vida é estrada eo homem é busca... Sempre! Por isso: Jack 50anos On The Road!Contato: http://marcelodeandradebrum.blogspot.com/

1 E que traduz o título da edição francesa Les révolutions du capitalisme (a edição italiana tem por título La politica dell�eventoe na Argentina e na Espanha, com robustos acréscimos, o livro recebeu como títulos Políticas del acontecimiento e Por umapolítica menor: Acontecimiento y política en las sociedades de control, respectivamente.

2 Carl Schmitt (1888-1985), jurista alemão, filiado ao Partido Nazista, que segundo Giorgio Agamben, estabeleceu a conti-güidade essencial entre �estado de exceção� [Ausnahmezustand, que seria melhor traduzido por �Estado de emergência�]e soberania, sendo a definição schmittiana da soberania uma das bases do paradigma que a doutrina Bush da �guerra aoterrorismo� logra atualizar em seus aspectos mais nefastos.

No final de 2006, o filósofo e sociólogo italianoMaurizio Lazzarato, radicado há muito na França, publicouno Brasil As revoluções do capitalismo, na coleção �Apolítica no Império� da editora Civilação Brasileira. Certa-mente um título provocativo1, para uma obra inovadoraque investe forte contra a tradição política ocidental e suaidealização da �totalidade� (em detrimento da mul-tiplicidade) e suas ilusões com a �universalidade� (em de-trimento da singularidade); idealizações e ilusões essasque são as do pensamento binário (que pressupõe e apontapara o �uno�; que aspira ao �todo� e ao �universal�) eainda majoritário, à direita e à esquerda do espectro políti-co (fascismos, liberalismos, marxismos, etc.).

O que Lazzarato se propõe como desafio é pensaruma política da multiplicidade e da singularidade (da prolife-ração de ações assimétricas das minorias, para abater o capi-talismo) para as lutas do século XXI, em sintonia com a atualproliferação das resistências em escala planetária e com asinovações das lutas e da produção contemporâneas. Comoele mesmo nos diz: �É justamente o desenvolvimento daação assimétrica que faz explodir a relação amigo/inimigo(o que desesperava Schmitt2). E é sempre o desenvolvimen-to diferencial da cooperação que rompe a má dialéticacom o capitalismo (o que desespera os marxistas).� (p. 262).

Para tanto, além da imersão na própria dinâmicade algumas lutas e experimentos ético-estético-políti-cos atuais, como é o caso dos intermitentes do espetá-culo (entre os trabalhadores da cultura, no âmbito daCIP-idf - Coordination des intermittents et précairesd�Île-de-France, onde coordena uma importante �pes-quisa-ação� sobre o estatuto dos trabalhadores e profis-

sionais do espetáculo e do mundo das artes, além deoutros trabalhadores precários), e de uma ampla gamade outros movimentos pós-68 e pós-socialistas naFrança e na Europa, Lazzarato dialoga criativamentecom a contribuição de pensadores do porte deDeleuze, Guattari, Foucault, Bakhtin, Bergson,Leibniz, Bruno Latour e, principalmente, com a deum dos precursores na crítica do positivismo, o soci-ólogo heterodoxo francês Gabriel Tarde [de quem te-mos A opinião e as massas, pela Martins Fontes (SãoPaulo, 2005) e Monadologia e sociologia, pela Vozes(Petrópolis, 2003)].

A grande transformação que Lazzarato estu-da e tenta descrever (e praticar) é a da produção demundos, onde compreende que um acontecimentonão é a solução de problemas, mas a abertura depossíveis... e é a emergência da multiplicidade (pro-dução proliferante de diferenças, acontecimentos,singularizações, etc.) que está na origem das crisesda representação, da sociedade salarial, da economia,do direito, do Estado e do poder, sobre o que ele diz,fazendo uma aposta: �Pode ser que estejamos viven-do uma situação inédita...�

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Um pouco mais longe (mas nem tanto)

New Weird America. É isso?Wagner Calixto

Nova York é a cena: colabora-ção entre os músicos, criatividade e am-bigüidade sexual regem um concertodiverso (quase indigesto), um blocomaciço de raro bom gosto (estético in-clusive). Estava ciscando de site em site,era tudo muito novo, com seu cheiroplástico, em embalagens impecáveis.

Até que o monótono vídeoclip,

onde algumas garotas girando em frentea câmera ao som de uma música vindado fundo do poço Chamber Pop1, apon-ta para o que eu vou ouvir nos próximosanos.Ouvia Antony and the Johnsons ,voz que eu já conhecia em uma versãosurpreendente de �Perfect Day�2 de seupadrinho musical e amigo Lou Reed. Fuidesfiando vários novelos.

�I Am a bird now�, segundo dis-co da banda liderada por AntonyHegarty, artista performático, criador depersonagens, maquiagens borradas, pe-rucas diversas e frases escritas pelo cor-po (herança de sua maior influência,Boy George, Que canta �You are mysister�), logo começa o piano delicadoe a voz potente e feminina cantando�Hope There�s Someone�. O disco éuma sucessão de belos arranjos e letrasfantásticas. Lou Reed participa recitan-do na introdução de �Fistfull of Love�.Outras participações são reservadas adois membros ativos dessa fase (pra nãodizer �movimento�) da �Nova AmericaEsquisita� atual: Rufus Wainwright (nacanção �What Can I Do?�) e DevendraBanhart. (na canção �Spiralling�).

Antony participa de praticamen-

Conheci Rufus Wainwright através doaclamado �Poses�, antes mesmo de ouvi-lono disco de Antony. Folk, intenso, rechea-do de confissões e lembranças de um rapazque foi violentado aos 14 anos enquanto es-perava a vinda de um �messias gay�.

Os filhos de Loudon Wainwright III,cantor folk dos anos 70, (Martha Wain-wright, sua irmã, toca violão e canta no dis-co todo. Além disso, tem um disco homôni-mo excelente!) recebem bem como herançaa belíssima �One Man Guy�, que interpre-tam de forma brilhante.

�Poses� é seu 3º disco tendo partici-pado também de trilhas, como para o filme �O Segredo de Brokeback Mountain�.

Devendra Banhart é um neo-hippie de visual indiano que ao vivoé acostumado a travestir suas cançõesfolk´s e contemplativas (que ele can-ta em espanhol, inglês e portuguêsarcaico) em roquinhos que eu achopouco interessante agora. Paro aqui.Mas se você acha válido estar muitoabaixo do peso, assistir a movimenta-ção por trás de um balcão, dependu-rar um diploma medíocre na paredeque lhe garantia apenas moradia e ser popular entre homem, mulheres etransgêneros, tentando provar pra todo mundo que você não liga para bensmateriais, ok, é por aqui. Pra mim, acho que não.

Neste meio tempo as irmãsCasady, Sierra e Bianca exploraram orap entre arranjos de cordas, violõesfolk (sim você achar que tudo que temtimbre metálico é folk...neste caso émesmo. Acreditem) e instrumentospouco usuais como cornetas infantise beat box3.

Era o Cocorosie, união da vozesganiçada de Bianca, quase irritantee infantil, com o canto lírico e perfei-tamente afinado de Sierra. No mais sãoinstrumentais criativos apresentados aovivo com instrumentos originais e beatBox, simples e eficaz.

A estréia em �La Maison deMon Rêve� é surpreendente (ouça�By your side�), o disco seguinte��Noah�s Ark�� com as participaçõesde Antony Hegarty (em �BeautifulBoyz�) e Devendra Banhart (em�Brazilian Sun�) segue atrilha tênue que leva aotrip hop. Inquieto e lin-do. Nesse meio tempo adupla se apresenta no Bra-sil sem grande alarde.

Em 2007 com o lan-çamento de �The Adven-tures of Ghosthorse andStillborn� a dupla fechamuito bem o cerco a so-noridade orgânica/vis-ceral, os vocais se dividemcompletamente entre avoz rasgada de Bianca eaveludada de Sierra, o re-sultado é a máxima liber-dade criativa possível.�Werewolf� fez dois ven-

1 Chamber pop � �Pop de câmara�. Bandas de rock com instrumentos pouco usuais em tom orquestral.2 �The Raven� do Lou Reed � CD trilha sonora para espetáculo teatral de Lou Reed inspirado em

Edgar Allan Poe.3 Beat Box � Tipo de percussão/bateria/acompanhamento feito com a boca imitando o timbre de

vários instrumentos, as vezes simultaneamente.4 Produtor Iuguslavo Mitar Subotic responsável por 3 entre 4 bons discos produzidos no Brasil nos

anos 90.

te tudo daqui pra frente, atuando emalguns filmes, em trilhas e emprestan-do sua voz a vários discos (dentre eleso esperado �Volta� da Björk.

dedores de cachorro quente, na Ave-nida Rio Branco sentarem na calçada,numa quarta-feira, e chorar toda umatarde.

Na sua passagem no Brasil,apresentadas ao Los Hermanos oúnico comentário que fizeram foi:�Não gostamos de nada tradicional.Baixo, guitarra e bateria não nos inte-ressam�. Ainda bem.

Tenho explorado essas sonori-dades com timbres marcantes e criati-vos, vindos de instrumentos musicaisora patéticos, como apitos e pandei-ros coloridos, ora tradicionais comopiano e banjo. Mais que isso o WierdAmerica é livre do jeito americanode fazer música e do rolo compressorda industria fonográfica.

As moças têm bigode e os rapa-zes usam saia.

- Uma brasileira perdida em Lon-dres, Cibelle Cavalli, a musa inspiradorade Suba4 arrasta Devendra para uma gra-vação pra lá de despojada de �London,London� de Caetano Veloso em seu dis-co homônimo. O resultado é engraça-do, com cara de enlatado. Mas a voz deCibelle é belíssima.

- Ouça Joan asPolice Woman (An-tony canta �I Defy�)em seu debut �RealLife�. Flertando bas-tante com o soul, am-parado por bons mo-mentos de metais ecordas no melhor es-tilo Motown.

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d i c a s d e f i l m e sRascunho 11

Betty BlueUm cult movie, assim pode ser considerado este filme que foi um

dos mais procurados e cultuados do final da década de 80. Porém ele nãoera apenas cult pela dificuldade de achá-lo, mas principalmente porque équase impossível ficar indiferente a ele.

Aborda a relação intensa entre o pacato Zorg (Jean-Hugues Anglade)e a atormentada Betty (Béatrice Dalle), e de como o amor pode tornar-seuma obsessão. O amor embora lindo, muitas vezes é doentio. Betty nodecorrer do filme dá inúmeras demonstrações disso.

Aplausos também para a excelente trilha sonora, que esquentoumuitos casais, tão loucamente apaixonados quanto Zorg e Betty.

Ao decidirmos trabalhar com VHS nocineclube durante os meses de março e abril nãoimaginávamos o tamanho da confusão arranja-da. Cada escolha excluía uma porção de outraspossibilidades e a sensação de estarmos sempreem falta, nos acompanha desde então, assimresolvemos sugerir que o videocassete continuefuncionando por mais um mês.

Os filmes escolhidos pra essa edição doRascunho, talvez já possam ser encontrados emDVD, em algumas locadoras da cidade, mas es-sas fitas foram àquelas vistas por muitos de nós,lá no inicio da locadora da CESMA. Então apro-veite o frio que insiste em não chegar, arranje-se na sala e boa sessão.

Testemunha ocularEm tempos de crises éticas, invasões de priva-

cidade e de vidas e situações cada vez mais públicas,o trabalho do repórter fotográfico passou a ter visi-bilidade maior. Mas afinal, o que caracteriza um bomrepórter fotográfico? Agilidade, bom faro, bons con-tatos, sorte? Na verdade, uma soma satisfatória detudo isso mais uma boa dose de determinação e prin-cipalmente, outra maior de responsabilidade. Estase outras questões aparecem seqüencialmente em Tes-temunha ocular, filme de Howard Franklin, com JoePesci como protagonista. Pesci é a testemunha ocu-lar, o fotógrafo Bernzy que se depara com as cenasde crime e de vítimas da Nova York de 1942, comoquem tem novos cenários e modelos para serem tra-balhados. Sempre brigando com os detetives parachegar ao local do crime antes de todos, Bernzy éodiado e desprezado. Ele que poderia ser uma peça-chave na busca de soluções para os crimes, passa aser ignorado. O reconhecimento pretendido chegapelas sensuais formas de uma mulher (BárbaraHershey), completando os ingredientes característi-cos de um romance policial noir. Se fosse rodadoem P&B, teríamos um clássico do estilo. Destaca-seainda a produção, ambientação de época, figurino,interpretação, direção de cena e de fotografia. Tes-temunha ocular consta em várias listas que fazem arelação entre cinema e jornalismo.

Roteiro & Direção: Howard Franklin

Ano: 1992

Duração: 98 min

Uma simples formalidadeUna pura formalità

Giusseppe Tornatore roteirizou e dirigiu fabulo-samente uma dupla de astros do cinema: GerardDepardieu & Roman Polanski. Suspeito de um crime edelegado se deparam num denso jogo psicológico, den-tro de uma noite chuvosa e interminável. A excelenteinterpretação dos atores amarra a trama até o final. Osuspeito escritor Onoff (Depardieu) teria realmente co-metido o crime? Estaria o delegado (Polanski) apenascumprindo uma simples formalidade? O delegado, parainfelicidade do escritor, se apresenta como um grandefã de seu trabalho. Conhecedor da obra e da vida doescritor, o delegado começa a suspeitar do comporta-mento contraditório e denunciador do antes ídolo, ago-ra praticamente criminoso. O mestre Tornatore demons-tra como é possível fazer um filme de suspense com bai-xo orçamento. Uma ótima idéia complementada por umroteiro bem amarrado possibilita isso.

Roteiro & Direção:Giusseppe Tornatore

Ano: 1995

Duração: 107 min

Minha vida de cachorroMy life as a dog

Minha vida de cachorro é um desses filmes tocantes capazes defascinar de uma só vez o público e a crítica. É por isso mesmo que ele éconsiderado um clássico do cinema. Com duas indicações para o Oscar88 (como Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Direção), foi internacio-nalmente aplaudido e premiado em diversos festivais. Baseado no ro-mance homônimo do escritor Reidor Jonsson, ele trata da passagem dainfância para a adolescência de Ingemar, um garoto que, além das dificul-dades inerentes a esta transição, pertence a uma família desestruturadana Suécia dos anos 50. Ele se vê obrigado a ir morar com tios numapequena vila. O que inicialmente parece ser o maior de seus problemastransforma-se em uma saída, pois esse novo lar é o lugar ideal para ummenino como Ingemar. Protagonizado pelo estreante Anton Glanzelius,que de forma singela e emocionante, nos sensibiliza e nos remete àinfância, talvez escondida, mas porvezes celebrada.

Roteiro & Direção:Lasse Hallström

Ano: 1985

Duração: 100 min

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Rascunho12

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O rei da florestadesembarca na terra santa

Homero Pivotto Jr. - mat.: 15159

Para abrir a noite tivemosos locais da Red House, que fa-zem a divulgação de seu maisnovo trabalho: Blues Machine,lançado em abril deste ano noauditório da CESMA. Com umshow competente e preciso, des-filaram canções do registro maisrecente, algumas do anterior �One More drink, One More night� e alguns standards blueseiros.Pouco antes das 23h os santa-marienses encerraram sua apre-sentação deixando a platéia bemaquecida para a atração internacional. Aliás, quente estava também oambiente: lotado, com pouca ventilação e, talvez, com a lotação nolimite. Dezenas de pessoas se aglomeravam nos corredores, tentandoachar a melhor maneira de assistir ao espetáculo. Quem não haviareservado mesa dentro do bar teve duas opções: ficar em pé peloscantos, com uma boa dose de paciência e disposição para agüentar ocalor e o trânsito de quem por ali circulava; ou ir para o lado de forada casa, aonde foram disponibilizados telões. Por volta das 23h30minsobe ao palco o grande nome da noite. Visivelmente tranqüilo, EddieC. Campbell exibiu simpatia do início ao fim, tentando se comunicar,e tocando com muita vontade. Nitidamente faceiro com a reação dopúblico, Eddie mostrou que é um dos grandes expoentes, ainda ematividade, da safra blueseira setentista. Porém, suas referências reme-tem a nomes que despontaram na década de 50, como Muddy Waters,Little John Taylor e Koko Taylor. Campbell trouxe à Santa Maria umjeito diferente de tocar blues, afastando-se do estilo guitar hero, comuma sonoridade mais simplista e primitiva. Sua banda de apoio, àsvezes, parecia não conseguir acompanhá-lo. O tecladista TiagoD´Andrea se mostrava cansado, a harmônica de Gaspo e o baixo deEverton estavam sempre atentos ao andamento ditado pelo sessentão,ao contrário das batidas um pouco perdidas do hermano argentinoAdrian Flores, na bateria. Nada que tirasse o brilho do espetáculo.Como um bom anfitrião, ele parecia não se importar com o calor e,entre caras e caretas características dos bluesmen, fez a alegria dospresentes debulhando a guitarra velha e judiada que o acompanha hámuitos anos. Eddie C. fez um breve apanhado de sua carreira e aindaexecutou clássicos de Muddy Waters e Jimmy Reed, entre outros. Suaempatia com o público aumentava a cada canção. Durante aproxima-damente 20min Eddie brincou com sua guitarra provando que tam-bém é um exímio showman. Olhando para o instrumento como sefosse um integrante da banda, Eddie o colocava deitado no chão etocava com os pés; ainda com os pés e a Jazzmaster segurada deponta cabeça, ele dava pequenos chutes nas cordas. Mr. Campbellainda tocou com a boca, com a língua e, pasmem, com a bunda! Sim,o senhor norte americano esfregou a fender cor-de-rosa no traseiroarrancando aplausos da massa que o apreciava. Após o show, sempreatencioso e bem disposto, o músico recebeu todos que foram conver-sar ou tirar fotos com ele. Um evento que serviu, entre outras coisas,para demonstrar o potencial do público santa-mariense para eventosdesse tipo, coisa que o Cesma In Blues também vem fazendo duranteseus cinco anos de existência. Com o sucesso dessa primeira edição,a rádio Itapema e o bar Rota 1 prometem mais nomes de peso embreve para o projeto Rota Blues. Em maio teremos Fernando Noronhae, para julho, quem desembarca por aqui é Phil Guy, irmão da lendaBuddy Guy. Para novembro, novamente no Avenida Tênis Clube, estáconfirmado o sexto Cesma In Blues. Aguardem!

Apesar dos 37ºC que marcavam os termô-metros em Santa Maria, a temperatura parecia maisamena que há pouco tempo atrás, quando aindaera verão. O sol intenso na tarde de 18 de abrilserviu mesmo para abrilhantar os preparativos deum grande dia. Ou melhor, uma grande noite.Noite em que um dos autênticos representantesda cena blues de Chigago (EUA) passava pelo co-ração do Rio Grande do Sul. Eddie C. Campbellé um senhor com sessenta e oito anos de idadeque dedicou boa parte de sua vida ao estilo. Digo,à música, como ele mesmo prefere, já que trata oblues, o rock, a surf music e até a soul music comosendo farinha do mesmo saco. Eddie nasceu noMississipi, mas foi em Chicago que deu início asua carreira, fazendo várias apresentações nos idosdos anos 50. Começou a lançar discos na décadade 70 (destaque para �King of the Jungle�, álbumde estréia em 1977; e �Let´s Pick It!�, de 1984), ejá tocou com artistas de seminal importância, comoWillie Dixon, Otis Rush, Mighty Joe Young, OscarColeman e Magic Sam. Passou dez anos na Euro-pa e voltou aos EUA em 1992. Uma figura queretrata bem sua trajetória e a cultura de onde veio:negro, alto, com voz rouca e forte; um rosto até

que bem tratado pelos anos de trabalho noturno euma bengala que o ajuda a caminhar, mas que nãofaz a mínima falta quando empunha sua guitarraFender JazzMaster cor-de-rosa, fabricada em 1954.Sereno e com uma simplicidade quase exageradapara uma criatura que já tocou ao lado de LittleWalter, Howlin´ Wolf, Muddy Waters, Jimmy Reed,Little John Taylor e Koko Taylor, ele se mostrouum artista convicto de que o blues e o rock´n´rollsão basicamente a mesma coisa, dando exemplospráticos para comprovar sua teoria. Enquanto osmúsicos escalados para acompanhá-lo � o argenti-no Adrian Flores (bateira) e os porto-alegrenses:Gaspo Gaspodinni (harmônica), Everton Velásquez(baixo) e Tiago D�Andrea (teclado) � caminha-vam impacientes de um lado a outro querendoretornar ao Hotel para descansar após duas apre-sentações no estado - Novo Hamburgo (09/04) eCaxias do Sul (10/04) -, Eddie C. Campbell con-versou com o Rascunho. Depois da passagem desom no Rota 1, sentado em uma mesa bem emfrente ao palco onde pisaria à noite, Eddie bateuum papo descontraído e se mostrou, diferente-mente de sua banda, nada cansado e pronto paramais uma celebração blueseira.

O show

Rascunho � É sua primeira vez aqui no Brasil?Eddie � Não. Já estive aqui umas três ou quatro vezes,não recordo muito bem. Mas essa é minha primeiravez em Santa Maria.Rascunho � E aqui pelo sul do país, já havia to-cado alguma vez?Eddie � Na verdade, fizemos alguns shows antes des-se. Eu toquei em Novo Hamburgo e Caxias antes dechegar aqui.Rascunho � E como foram esses shows?Eddie � Muito altos!!! (risos)Rascunho � O que você acha do público brasi-leiro, das pessoas que apreciam seu som por aqui?Eddie � Fico muito feliz que elas gostem. É uma ale-gria ver as pessoas virem até aqui assistir ao meu show.Na última noite tínhamos inúmeros músicos vendo nos-sa apresentação. Eram guitarristas, gaitistas e tecladistas.Porém não tínhamos um teclado disponível.Rascunho � Rolou uma jam session no final daapresentação?Eddie � Sim, fizemos uma jam ao final do set.Rascunho � Na hora da passagem de som, mepareceu que você tem uma certa influência de surfmusic, certo?Eddie � Minha influência é minha irmã, que foi meuprimeiro contato com o blues. Ela me ensinou a to-car guitarra. Ela não leva os créditos, mas foi ela quem

me ensinou guitarra. Sou motoqueiro, costumava lutarpor dinheiro... que são coisas que também me influen-ciaram. Eu toquei com diversas lendas do Blues: MuddyWaters, Howlin´ Wolf, Little Water, Jimmy Red, WillieDixon e Koko Taylor.Rascunho � Você gosta de tocar blues até os diasde hoje?Eddie � Sim... bem... você chama de blues, mas eu nãovejo como blues. Eu vejo como música. Isso pode tervárias formas, é como se você dissesse que Mick Jager éRock ou Hard Rock, no entanto é blues, ...(imitando osom de guitarra de �Miss You�, dos Rolling Stones)...viu?É blues! Não é nada além de blues, mas se você nãosabe chama de alguma outra coisa. É como em: Get up,get on up (faz com a boca a melodia do clássico �SexMachine�, de James Brown)! É só a harmonia de umacorde de blues!Rascunho � Você tem alguma preferência entre oblues e o rock´n´roll?Eddie � É tudo a mesma coisa! Agora eu pergunto paravocê: Chuck Berry é rock ou blues? Você diria que eletoca o quê? (breve silêncio...)Rascunho � Acho que um pouco de cada.Eddie � E Mick Jagger?Rascunho � Creio que seja rock.Eddie � Porque Chuck Berry é blues e Mick Jagger éRock?

Rascunho � Não sei como explicar...Eddie � E Little Richard, o que é? Melhor, Carl Perkins,ele copiava Little Richard e diziam que ele eraRock´n´Roll. Carl tocava a mesma coisa que Richarde diziam que este era blues e aquele rock. O que vocême diz?Rascunho � Não sei o que dizer...Eddie � (Risos, ou melhor, gargalhadas)...Entende oque quero dizer? Os brancos tocam rock e os negrostocam blues! É isso que você está dizendo agora?Rascunho � Se dei a entender isso, não era mi-nha intenção.Eddie � Não era a sua idéia, mas é a maneira que osistema te guia! Percebe o que quero dizer? Porquefiz comparações com pessoas que tocam a mesma coi-sa, porém alguns são brancos e outros negros.Rascunho � Gostaria de conversar mais, mas suaequipe está impaciente!Eddie � Estou dando uma entrevista! (Grita para aequipe) Eu dirijo uma motocicleta e as pessoas di-zem que sou louco. Eu concordo que sou um poucomaluco, só um pouquinho! Porém, já fui muito lou-co! Eu não saberia como falar com você agora, ficariaapenas balbuciando coisas sem sentido.Rascunho � Ok, Eddie! Muito obrigado!Eddie � Gostei da conversa. Espero você para o showà noite!

Eddie C. Campbell (esq.) e Gaspo Gaspodinni (dir.) em ação

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