rafael cavalheiro antero · no debate a respeito da eficácia da lei que trata da repatriação de...

42
7 Campo Grande 2017 RAFAEL CAVALHEIRO ANTERO LEI DE REPATRIAÇÃO DE RECURSOS E SEUS ASPECTOS OBSCUROS

Upload: others

Post on 05-Aug-2020

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: RAFAEL CAVALHEIRO ANTERO · no debate a respeito da eficácia da lei que trata da repatriação de recursos que estão mantidos no exterior. No ano-base de 2016, o Banco Central do

7

Campo Grande 2017

Campo Grande 2017

RAFAEL CAVALHEIRO ANTERO

LEI DE REPATRIAÇÃO DE RECURSOS E SEUS ASPECTOS

OBSCUROS

Page 2: RAFAEL CAVALHEIRO ANTERO · no debate a respeito da eficácia da lei que trata da repatriação de recursos que estão mantidos no exterior. No ano-base de 2016, o Banco Central do

Campo Grande 2017

LEI DE REPATRIAÇÃO DE RECURSOS: UMA OPORTUNIDADE PARA REAVER DINHEIRO OU UMA

OPORTUNIDADE PARA LAVAR DINHEIRO SUJO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Centro Universitário Anhanguera de Campo Grande, como requisito parcial para a obtenção do título de graduado em Direito.

Orientadora: Giovana Zaninelli

RAFAEL CAVALHEIRO ANTERO

Page 3: RAFAEL CAVALHEIRO ANTERO · no debate a respeito da eficácia da lei que trata da repatriação de recursos que estão mantidos no exterior. No ano-base de 2016, o Banco Central do

RAFAEL CAVALHEIRO ANTERO

LEI DE REPATRIAÇÃO DE RECURSOS E SEUS ASPECTOS

OBSCUROS:

UMA OPORTUNIDADE PARA REAVER DINHEIRO OU UMA OPORTUNIDADE PARA LAVAR DINHEIRO SUJO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Centro Educacional Anhanguera, como requisito parcial para a obtenção do título de graduado em Direito.

BANCA EXAMINADORA

Prof(ª). Titulação Nome do Professor(a)

Prof(ª). Titulação Nome do Professor(a)

Prof(ª). Titulação Nome do Professor(a)

Campo Grande, de de 2017

Page 4: RAFAEL CAVALHEIRO ANTERO · no debate a respeito da eficácia da lei que trata da repatriação de recursos que estão mantidos no exterior. No ano-base de 2016, o Banco Central do

Dedico este trabalho primeiramente, à

Deus, por me acompanhar neste caminho;

à minha família pelo apoio e carinho, em

especial à minha noiva pela companhia e

cooperação que sempre me proporcionou.

Page 5: RAFAEL CAVALHEIRO ANTERO · no debate a respeito da eficácia da lei que trata da repatriação de recursos que estão mantidos no exterior. No ano-base de 2016, o Banco Central do

ANTERO, Rafael Cavalheiro. Lei de Repatriação de Recursos: Uma oportunidade para reaver dinheiro ou uma oportunidade para lavar dinheiro sujo. 2017. 41 folhas. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Centro Universitário Anhanguera de Campo Grande, Campo Grande, 2017.

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo principal o estudo da Lei de nº 13.254/2016 que trata do Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT) como medida de incentivo à legalização e repatriação de capitais mantidos no exterior durante os últimos anos. Busca-se apontar o pretenso objetivo social e jurídico que embasam tal lei, tendo por base uma abordagem ao Direito Penal Econômico no cenário político-criminal contemporâneo. Levam-se em conta os motivos que levaram a sociedade a cometerem o crime de evasão de divisas, analisando os critérios de separação entre dinheiro lícito e o ilícito e os reflexos penais, econômicos e tributários apontado pela lei.

Palavras-Chave: RERCT; Lei nº 13.254/2016; Direito Penal Econômico; Evasão de Divisas; Lavagem de Dinheiro; Repatriação de Recursos;

Page 6: RAFAEL CAVALHEIRO ANTERO · no debate a respeito da eficácia da lei que trata da repatriação de recursos que estão mantidos no exterior. No ano-base de 2016, o Banco Central do

ANTERO, Rafael Cavalheiro. Resource Repatriation Law: An opportunity to get money back or an opportunity to launder dirty money. 2017. 41 papers sheets. Course Completion Work (Graduation in Law) - Centro Universitário Anhanguera of Campo Grande, Campo Grande, 2017.

ABSTRACT

This study has as main objective the study of Law no. 13.254/2016 that deals with the Special Regime of Exchange and Tax Regularization (SRETR) as a measure to encourage the legalization and repatriation of capital held abroad during the last years. It aims to point out the alleged social and legal objective that underlies such a law, based on an approach to the Economic Criminal Law in the contemporary political-criminal scenario. Account is a taken of the reasons that led the company to commit the crime of foreign exchange evasion, analyzing the criteria of separation between legal and illicit money and the penal, economic and tax repercussions indicated by the law.

Keywords: RERCT; Law nº 13.254/2016; Economic Criminal Law; Currency Evasion; Money laundry; Repatriation of Resources;

Page 7: RAFAEL CAVALHEIRO ANTERO · no debate a respeito da eficácia da lei que trata da repatriação de recursos que estão mantidos no exterior. No ano-base de 2016, o Banco Central do

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 07

1.ASPECTOS HISTÓRICOS DO CRIME DE EVASÃO DE DIVISAS ...................... 09

1.1 LEI DO COLARINHO BRANCO E O CRIME DE EVASÃO DE DIVISAS ............ 11

1.2 LAVAGEM DE DINHEIRO E SONEGAÇÃO FISCAL .......................................... 12

2. PERSPECTIVA INTERNACIONAL ...................................................................... 16

2.1 PANORAMAS INTERNACIONAL DOS MECANISMOS DE COMBATE A LAVAGEM DE DINHEIRO......................................................................................... 18

2.1.1 Comitê De Basiléia ........................................................................................... 18

2.1.2 Grupo De Ação Financeira Sobre Lavagem De Dinheiro - GAFI ..................... 19

2.1.3 Unidade Financeira De Inteligência - FIU ......................................................... 19

2.1.4 Grupo Egmont .................................................................................................. 20

2.1.5 Estratégia Nacional De Combate À Lavagem De Dinheiro – ENCLA .............. 20

2.1.6 Departamento De Recuperação De Ativos E Cooperação Jurídica Internacional - COAF .....................................................................................................................21

2.1.7 Conselho De Controle De Atividades Financeiras ............................................ 23

3. CONSTITUCIONALIDADE DO RERCT................................................................ 25

3.1 PROJETOS DE LEI ORIUNDOS DO SENADO .................................................. 25

3.2 ATO DE DECLARAÇÃO DE ORIGEM E LICITUDE DOS RECURSOS ............. 28

3.3 ANISTIA PENAL DAS INFRAÇÕES TRIBUTÁRIAS ........................................... 30

3.4 AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE EM FACE DO RERCT ......................... 33

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 37

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 40

Page 8: RAFAEL CAVALHEIRO ANTERO · no debate a respeito da eficácia da lei que trata da repatriação de recursos que estão mantidos no exterior. No ano-base de 2016, o Banco Central do

7

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos a mídia nacional tem noticiado, em vários momentos,

inúmeros casos de corrupção incluindo uma extensa lista com executivos,

empresários e políticos envolvidos na Operação Lava Jato. Isso certamente culminou

no debate a respeito da eficácia da lei que trata da repatriação de recursos que estão

mantidos no exterior.

No ano-base de 2016, o Banco Central do Brasil apurou um montante de US$

388,2 bilhões em ativos brasileiros declarados no exterior1, entretanto, os dados

oficiais servem apenas de estimativas frente à verdadeira “cifra-negra” mantida fora

do país. Na maioria dos casos, os detentores dessas cifras ficam entre a licitude e a

ilicitude, manifestando dúvidas acerca da eficácia da Lei 13.254/2016.

Vale lembrar que, o Regime Especial de Regularização Cambial (RERCT),

conhecido também como a Lei de Repatriação de Dinheiro, sem sombra de dúvidas

não é um instituto tido como novo em um ordenamento jurídico, sendo propostas

aplicações semelhantes em outros países como Portugal, Argentina, Itália, Alemanha,

México, Suíça e Estados Unidos. Todos com o objetivo de incentivar o compliance

fiscal, aumentando assim, a base arrecadatória do Estado.

Entretanto, esse é um tema que adquire as mais tortuosas sinuosidades,

provocando simpatias e antipatias de diversos meios deixando claro, ser este o ponto

de maior conflito: a medida é uma ótima oportunidade para o Estado arrecadar

recursos para os cofres públicos, ou uma ótima oportunidade para criar mecanismos

para que o dinheiro ilícito, obtido com crimes praticados contra a Administração

Pública, finde retornando ao Brasil sem a devida responsabilização penal disponível

na legislação em vigor.

Este, em síntese, é o propósito do presente trabalho, que aborda o tema sob a

perspectiva do Direito Penal Econômico, com o intuito de realizar uma análise jurídica

da Lei nº 13.254/2016, bem como a eficácia pretendida pelo legislador.

Para isso, o estudo parte de uma breve investida de cunho criminológico e

sociológico ao contexto histórico que levam os brasileiros à prática do crime de evasão

de divisas, insertos na lei nº 7.492/1986 que trata dos crimes contra o Sistema

Financeiro Nacional, retratando o fenômeno white-collar crimes (crimes do colarinho

1 Disponível em seu inteiro teor no site http://www4.bcb.gov.br/rex/CBE/Port/ResultadoCBE2016p.pdf

Page 9: RAFAEL CAVALHEIRO ANTERO · no debate a respeito da eficácia da lei que trata da repatriação de recursos que estão mantidos no exterior. No ano-base de 2016, o Banco Central do

8

branco) batizado por EDWIN SUTHERLAND, buscando, se não aperfeiçoar

definitivamente o contexto histórico, ao menos delimitar, dentre as mais destacadas

doutrinas, o seu conceito. Para isso, ainda neste capítulo, alguns temas não podem

ser menosprezados, tais como o crime de lavagem de dinheiro inserto na lei nº

12.683/2002 e o crime de sonegação fiscal previsto na lei nº 8.137/1990.

Mais adiante, com o escopo de tornar ainda mais clara a discussão, analisamos

temas que julgamos ser de alto prestígio quando se trata da diferenciação entre

dinheiro lícito e ilícito. Apresentamos um paralelo de tratados e convenções

interestatais, bem como a criação de órgãos internacionais e nacionais que visam a

promoção e cooperação jurídica para o combate ao crime de lavagem de dinheiro.

Após essa análise superficial dos tópicos anteriores, indagamos no terceiro

capítulo os reflexos penais, tributários e econômicos à luz da nova lei de repatriação

de dinheiro.

Eis os principais temas que pretende-se abordar na presente monografia,

pautada pela observância de um método de investigação científica, dissociada de uma

abordagem político-criminal contemporânea dos assuntos que objetiva tratar.

Page 10: RAFAEL CAVALHEIRO ANTERO · no debate a respeito da eficácia da lei que trata da repatriação de recursos que estão mantidos no exterior. No ano-base de 2016, o Banco Central do

9

1 ASPECTOS HISTÓRICOS DO CRIME DE EVASÃO DE DIVISAS

Muito a ver com o período de instabilidade econômica que assolava o Brasil em

meados dos anos 80 e 90, período que ficou conhecido como a “década perdida”,

muitos optaram por remeter seu próprio dinheiro ao exterior de forma irregular com o

intuito de obterem maiores benefícios de diferentes naturezas, como a isenção fiscal

ou até mesmo a realização de lucros em percentuais acima do apresentado pelo

Sistema Financeiro Nacional.

Na visão de Cerqueira2, o atrito árabe-israelense ocorrido no ano de 1973 fez

com que o preço do petróleo aumentasse em mais de trezentos por cento entre os

meses de outubro de 1973 e janeiro do ano de 1974 e, assim, condicionando o

comportamento da economia internacional entre 1973 e 1978.

Adiante, em 1979, a economia mundial sofre um novo período conturbado por conta

das incertezas quanto à oferta do produto, interligadas as altas taxas de juros

internacionais.

Em contrapartida, para acabar com os efeitos da crise, o governo brasileiro, ao

invés de empregar medidas econômicas excessivas, escolheu custear grandes

investimentos nos setores de transportes, bens de capital, siderurgia, petroquímica e

etc.

No entanto, não mais dispondo de poupança interna, o então governo buscou

captar recursos no mercado financeiro internacional aumentando, ainda mais, a dívida

externa do Brasil. Além disso, vários foram os fatores que, em conjunto, contribuíram

para a conhecida “crise do mercado financeiro internacional”, dentre eles está o fiasco

da reunião do então Fundo Monetário Internacional, no ano de 1982, do qual se

almejava a criação de um fundo emergencial no valor de US$ 25 bilhões e que

infelizmente não vingou.

No mês de setembro do ano de 1972, período que ficou conhecido como

“setembro negro”, os recursos externos que ingressavam no Brasil, de um momento

para o outro, cessaram com um influxo de US$ 1,5 bilhão por mês em média. Com

isso, o mercado financeiro viu-se pagando dívida antiga com dinheiro novo. Com o

2 CERQUEIRA, Ceres Aires. Dívida externa brasileira. 2. ed. Brasília: Banco Central do Brasil, 2003, p. 19-25.

Page 11: RAFAEL CAVALHEIRO ANTERO · no debate a respeito da eficácia da lei que trata da repatriação de recursos que estão mantidos no exterior. No ano-base de 2016, o Banco Central do

10

tempo, o ingresso desses recursos passou a ser negativo, tornando obrigatoriamente

inviável a continuidade dos pagamentos feitos ao exterior.

Já nos anos 80, período que ficou conhecido como a “década perdida”, o país

já não mais ordenava de tratamento médico mais especializado, como por exemplo,

o transplante de medula óssea, de rins, de fígado, cirurgias cardíacas de alto grau,

tratamento voltado ao câncer etc. O Brasil estava, enfim, afundado na insuficiência

financeira em todos os setores essenciais à manutenção da sociedade em geral.

Em meados de 1985, na era Sarney, ocorreu a transição do regime de ditadura

militar para o regime cível e, um ano depois, deu-se o início a nova era do Plano

Cruzado, a qual cingia planos econômicos tidos como heterodoxos. Adiante, mais

precisamente em abril de 1987, o Brasil decretou moratória no sentido literal da

palavra, ou seja, afirmou que não pagaria mais as dívidas externas, incluindo os juros.

Entre os anos de 1985 e 1987 grandes bancos optaram pelas liquidações

extrajudiciais e entre eles estava o Auxiliar de São Paulo, o Sul Brasileiro e o COMIND

– Comércio e Indústria de São Paulo, causando confusão acerca da estabilidade

econômica nacional, motivo pelo qual muitos brasileiros optaram pela realização da

fuga de seus capitais, representando um verdadeiro atentado a economia nacional.

Com isso, o então Procurador-Geral da República José Paulo Sepúlveda

Pertence, atendendo a preocupação da sociedade em torno da grande quantidade de

fraudes que se chocavam contra o Sistema Financeiro Nacional, apresentou ao

Congresso Nacional o PL nº 273/83, sendo promulgado então, no dia 16 de junho de

1986 a Lei de nº 7.492/19863, lei que ficou conhecida com a lei do colarinho branco e

que teve como objetivo refrear condutas tidas com ofensivas a estrutura jurídica e

econômica fundamental para o pleno desenvolvimento nacional, composta pelas

instituições e pelo patrimônio das pessoas que investem seus recursos financeiros.

Nesse sentido, explica Pereira:

“(...) foi criada a Lei 7.492/86, com o intuito de punir os crimes contra o sistema financeiro e são denominados de “crimes do colarinho branco” que destacam condutas consideradas prejudiciais ao eficaz funcionamento do sistema financeiro Nacional”.

3 Disponível em seu inteiro teor no site: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7492.htm

Page 12: RAFAEL CAVALHEIRO ANTERO · no debate a respeito da eficácia da lei que trata da repatriação de recursos que estão mantidos no exterior. No ano-base de 2016, o Banco Central do

11

Dado o contexto histórico de forma breve sobre os motivos que levaram a

população a cometerem o crime de evasão de divisas, será dado um maior

aprofundamento sobre o tema, definindo inicialmente a expressão “white-collar

crimes” e alguns crimes previstos na lei.

1.1 LEI DO COLARINHO BRANCO E O CRIME DE EVASÃO DE DIVISAS

A expressão conhecida como “colarinho branco” foi atribuída pelo sociólogo

EdwingHardin Sutherland, em meados de 1940, por meio de um artigo intitulado de

“White collarcriminality” que definia os delitos de ordem financeira praticados por

pessoas que gozavam de um privilegiado “status”, visando a obtenção de lucro em

grande escala, sem o emprego da violência e por meio da aplicação das mais diversas

fraudes, senão vejamos:4

“Esse conceito pode não ser definitivo, mas tem o objetivo de chamar a atenção para

os crimes que não estão dentro, de forma geral, no âmbito da ciência da criminologia.

White collarscriminality pode ser explicado como um crime cometido por uma pessoa

de respeito e status social elevado no exercício de sua ocupação”.

Insta ressaltar que Sutherland, realmente acreditava que a conduta do

criminoso era retratada por meio das relações interpessoais com outros agentes

criminosos com traços de Autoridade, ou seja, uma pessoa respeitável e com um

elevado “status” social de Estado, que comete os crimes sem a necessidade da

violência e, por fim, rendem lucros vultosos.

Dentre os crimes previstos na lei do colarinho branco, encontra-se o crime de

evasão de divisas, que estabelece a obrigatoriedade de se informar à autoridade

responsável os bens depositados em contas bancárias fora do país:5

“Art. 22. Efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de divisas do País:

4 SUTHERLAND, Edwing Hardin. White collars criminality. 1940. Disponível em: http://cooley.libarts.wsu.edu/criminology/documents/sutherland.pdf 5 Disponível em seu inteiro teor no site: https://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/110242/lei-do-colarinho-branco-lei-7492-86#art-22

Page 13: RAFAEL CAVALHEIRO ANTERO · no debate a respeito da eficácia da lei que trata da repatriação de recursos que estão mantidos no exterior. No ano-base de 2016, o Banco Central do

12

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, a qualquer título, promove, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantiver depósitos não declarados à repartição federal competente”.

Em outras linhas, trata-se de um crime onde o agente criminoso envia divisas

para outro país sem a devida declaração à repartição federal competente.

Celso Sanchez Vilardi, Flávia Rahal Bresser Pereira e Theodomiro Dias Neto

(2014, p. 98)6 ao lecionar sobre o tema, entendem que “A imputação de um crime de

evasão de divisas pressupõe que o objeto do ilícito seja visto no recorte político

econômico da proteção requerida, qual seja, a política cambial do Estado”.

Portanto, apontada a devida importância da ordem econômica para o sucesso

do desenvolvimento nacional, insta demonstrar o bem jurídico tutelado pretendido pelo

legislador. Quis este, proteger a perfeita execução da política monetária, atendendo

os anseios da sociedade e, por fim, dificultando a prática do crime de lavagem de

dinheiro que, por sua vez, tornou-se crime a partir do ano de 1998, com a promulgação

da lei nº 9.613/98.

1.2 LAVAGEM DE DINHEIRO E SONEGAÇÃO FISCAL

O crime de lavagem de dinheiro foi introduzido no Brasil pela Lei 9.613/98,

sendo posteriormente modificada de forma significativa em vários dos seus artigos

com a nova Lei nº 12.683/12. Sua principal mudança foi com relação ao rol taxativo

dos denominados crimes antecedentes necessários, a partir de então, a lei passou a

considerar qualquer conduta delituosa, inclusive as contravenções penais, como

condição válida para a distinção do crime de lavagem de dinheiro.

Mas antes disso, para a melhor compreensão do crime em comento, se faz

necessário apresentar o seu conceito, bem como suas fases.

De acordo com o próprio texto da lei 12.683/2012, o crime consiste em ocultar

ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação, ou

propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de

infração penal7.

6 VILARDI, Celson Sanchez; PEREIRA, Flávia Rahal Bresser; NETO, Theodoro dias. Direito Penal Econômico: Crimes Financeiros e Correlatos. Série Gvlaw. São Paulo: Saraiva, 2014. 7 Disponível em seu inteiro teor no site: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12683.htm

Page 14: RAFAEL CAVALHEIRO ANTERO · no debate a respeito da eficácia da lei que trata da repatriação de recursos que estão mantidos no exterior. No ano-base de 2016, o Banco Central do

13

A efeito, o crime de lavagem de dinheiro pode ser considerado por um

combinado de operações financeiras ou comerciais que visam a reintegração na

economia, de bens, recursos e valores ilícitos. É por meio deste processo que esses

fundos oriundos de atividades ilegais, passam a incorporar a economia com aspecto

de dinheiro lícito. (BADARÓ E BOTTINI, 2014)

Neste mesmo sentido, o Conselho de Atividades Financeiras – COAF (1999,

p.3) conceitua lavagem de dinheiro como sendo “um conjunto de ações comerciais ou

financeiras, que buscam a incorporação na economia de cada país dos recursos, bens

e serviços que se originam ou estão ligados a atos ilícitos”.

Compartilhando da mesma ideia, BARROS (2012, apud LIMA; 2015, p.288)

Lavagem é o método pelo qual uma ou mais pessoas, ou uma ou mais organizações

criminosas, processam os ganhos financeiros ou patrimoniais obtidos com

determinadas atividades ilícitas. Sendo assim, lavagem de capitais consiste na

operação financeira ou transação comercial que visa ocultar ou dissimular a

incorporação, transitória ou permanente, na economia ou no sistema financeiro do

país, de bens, direitos ou valores que, direta ou indiretamente, são resultado de outros

crimes, e a cujo produto ilícito se pretende dar lícita aparência.

Assim, compreende-se que o crime de lavagem de dinheiro é a maneira como

as organizações criminosas, ou, pessoas conectadas às condutas ilegais,

transformam em lícitos ganhos patrimoniais ou financeiros oriundos das atividades

tidas como ilícitas. Traduz, essas operações nas operações financeiras ou comerciais

que visam embuçar ou ocultar no sistema financeiro ou econômico nacional de forma

permanente ou passageira as vantagens obtidas de forma ilícita, como direitos, bens

e valores, objetivando transparecer feição lícita dos produtos de crimes.8

Adiante, serão tomadas notas das divisões de fases que a maior parte da

doutrina concorda e compõem o crime de lavagem de dinheiro, quais sejam: a

ocultação, a dissimulação e a integração de recursos.

8 BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: comentários à Lei nº. 9.613/1998, com alterações da Lei nº. 12.683/2012. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012,

Page 15: RAFAEL CAVALHEIRO ANTERO · no debate a respeito da eficácia da lei que trata da repatriação de recursos que estão mantidos no exterior. No ano-base de 2016, o Banco Central do

14

Em síntese, o processo de lavagem de dinheiro obtidos ilicitamente pelas

organizações criminosas consiste em ocultar a procedência delituosa dos valores ou

bens e retorná-los à econômica com o aspecto de lícito, acima de qualquer suspeita

sobretudo.

A primeira etapa de um processo tradicional de lavagem de dinheiro é o da

ocultação que, nas palavras de William Teixeira de Oliveira, é a primeira modificação

que tem como principal objetivo dar uma menor visibilidade ao bem ou valor sujo.

Nesta etapa, o agente criminoso tem o objetivo de transformar a quantia de valores

ou bens ilícitos, em quantias manejáveis e de pouca visualização se utilizando do

sistema financeiro, mercado de jóias, bancos, da bolsa de valores e etc.9

A segunda etapa compreende a dissimulação. Para Rodolfo Tigre Maia, uma

vez o capital oculto, a próxima etapa é fazê-lo ter a aparência de legítimo, disfarçar a

origem ilícita e dificultar sua reconstrução pelos órgãos estatais de repressão e

controle da trilha de papel (paper trail).10

Celso Sanchez Vilardi (2004, p. 18) explica que a dissimulação tem o mesmo

sentido que “encobrimento dos próprios desígnios” e “ocultar com astúcia”, ainda

afirma que:

“Pode ser explicada como o meio pelo qual se dá ao valor, bem ou direito a aparência

de legal, que lhe permite retornar ao sistema financeiro. Só pode acontecer por meios

de fraute, aptos a produzir o resultado finalístico: a aparência de legalidade do valor,

bem ou direito, procedente de um dos crimes anteriores.”

Sendo assim, percebe-se que os ativos ilícitos são derramados em diversas

contas, em diversas empresas e em vários outros países, dando a preferência às

igrejas, hotéis e etc., com o objetivo de maquiar o rastro contábil dos lucros advindos

do crime antecedente.

Por fim, a última etapa da lavagem de dinheiro é a da integração. Como propõe

a própria expressão, a integração ocorre quando os lucros e os bens são inseridos

9 Cf. CERVINI, Raul; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de Lavagem de Capitais: comentários à Lei 9.613/98, p. 320. 10 MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de Dinheiro: Lavagem de ativos provenientes de crime, p. 38-39.

Page 16: RAFAEL CAVALHEIRO ANTERO · no debate a respeito da eficácia da lei que trata da repatriação de recursos que estão mantidos no exterior. No ano-base de 2016, o Banco Central do

15

novamente na economia legal sem levantar quaisquer suspeitas, ou dar-lhes então,

aparência de lícito.

André Luiz Callegari compreende a integração como uma etapa em que o

capital ilicitamente obtido já esteja com a aparência lícita que se pretendia. Com isso,

o dinheiro pode ser usado no sistema financeiro e econômico se portando como

dinheiro obtido licitamente. Consumada essa etapa de maquiar, quem lava os bens,

valores ou direitos necessitam proporcionar uma razão legítima para sua riqueza,

então, a etapa da integração introduz na economia os produtos “lavados”, de modo

que pareçam como investimentos normais, investimentos de poupança ou créditos.11

Outro delito em que o contribuinte que possui bens mantidos no exterior de

forma indevida pode incorrer, é o de sonegação fiscal.

Os crimes de sonegação fiscal estão abarcados pela Lei 8.137/1990 que trata

dos chamados crimes contra a ordem tributária. Para Alexandre de Moraes e

Gianpaolo Poggio Smanio, o crime de sonegação fiscal corresponde a ocultação

dolosa, mediante fraude, astúcia ou habilidade, do reconhecimento de tributo devido

ao Poder Estatal.12

Importante ressaltar que a lei não traz em seu bojo a conceituação explícita do

que é o crime de sonegação fiscal, porém adotou como regra para compreender o

conceito do crime em apreço, a supressão ou redução de tributos ou contribuição

social ou acessório e, logo após enumerando, de modo taxativo, quais as modalidades

de conduta que podem ensejar a tal redução ou supressão, concebendo

genericamente o que seja a sonegação fiscal.13

Sendo assim, basicamente, esses são os conceitos dos crimes de evasão de

divisas, lavagem de dinheiro e sonegação fiscal, que estão intimamente relacionados

a RERCT e servirão para uma maior compreensão acerca dos desdobramentos

penais, tributários e econômicos que permeiam a eficácia da referida lei.

11 CALLEGARI, André Luiz. Problemas pontuais da lei de lavagem de dinheiro. Revista Brasileira de Ciências Criminais, Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 8, n. 31, p-183-200, julho-setembro/2000, p. 186. 12 ANDREUCCI, Antônio Ricardo. Legislação Penal Especial, 7ª edição – São Paulo. Editora Saraiva, 2010. 13 ANDREUCCI, Antônio Ricardo. Legislação Penal Especial, 7ª edição – São Paulo. Editora Saraiva, 2010.

Page 17: RAFAEL CAVALHEIRO ANTERO · no debate a respeito da eficácia da lei que trata da repatriação de recursos que estão mantidos no exterior. No ano-base de 2016, o Banco Central do

16

2 PERSPECTIVA INTERNACIONAL

Diante as fortes turbulências políticas e econômicas vivenciadas pelo País

entre as décadas de 1980 e 1990, o Congresso Nacional sempre manifestou a

importância da edição de normas que viabilizassem a regularização dos capitais lícitos

que haviam sido remetidos ao exterior de forma irregular ao exterior. Para o Estado,

nada mais justo e útil do que criar mecanismos de reintegração desses recursos

remetidos para fora do País, possibilitando a regularização dos capitais oriundos de

atividades lícitas e, assim, contribuindo para a base arrecadatória da União.

De acordo com o Professor Hamilton Dias de Souza, vários países passaram

por situações parecidas e desenvolveram soluções legislativas para resgatar a fuga

de capitais lícitos remetidos para fora de suas nações.14 A Organização de

Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), realizou um estudo que divulga

que 47 países dispõem de programas que regulam a matéria, entre eles está a

Alemanha, o Reino Unido, a Itália, os Estados Unidos, Portugal, Espanha, África do

Sul, México e etc. Além disso, o estudo verifica que a realização do repatriamento de

bens mantidos no exterior é favorável para cada nação.

Insta ressaltar que os resultados não foram iguais para todos os países. Países

como a Alemanha e Estados Unidos, aplicaram alíquotas relativamente altas e menos

atrativas aos contribuintes e o resultado foi a baixa efetividade em relação ao dinheiro

almejado e o capital que foi realmente repatriado. Em contrapartida, países como a

Itália e México, obtiveram grande êxito quando aplicadas alíquotas pequenas e mais

atrativas, o que fez com que a repatriação alcançasse números excelentes.

Na realidade, a alíquota depende de uma conveniência política para ser

definida, isso aliada a intenção do legislador, qual seja: repatriar a maior quantidade

de capitais mantidos no exterior, aumentando a base arrecadatória tributária com

montantes que superaram as expectativas e, sendo assim, tornando parte do sistema

de forma legítima.

14 SOUZA, Hamilton Dias de. Aspectos polêmicos do RERCT. Disponível em: <http://www.

original123.com.br/assessoria/2016/03/28/aspectos-polmicos-do-rerct/> Acesso em: outubro de 2017.

Page 18: RAFAEL CAVALHEIRO ANTERO · no debate a respeito da eficácia da lei que trata da repatriação de recursos que estão mantidos no exterior. No ano-base de 2016, o Banco Central do

17

No Brasil, o expansivo aumento da atividade econômica a nível mundial, a alta

complexidade das leis e normas fiscais do país, bem como os problemas políticos ou

de ordem econômica, fez com que surgisse o fenômeno da evasão de divisas.

Em detrimento a este último, o Brasil adotou medidas consideradas

fundamentais para o processo de absorção das alternativas de combate às fraudes

fiscais internacionais, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. No ano de 2015, por

meio do Decreto Legislativo nº 146 de 26 de junho de 2015, o Brasil aderiu ao

Programa Foreign Account Tax Compliance Act (FATCA). Em linhas gerais, o FATCA

é uma lei dos Estados Unidos (EUA) que tem como principal objetivo combater a

evasão fiscal em relação a rendimentos ou outros investimentos feitos fora daquele

país.15 Após a adesão formal realizada pelo Brasil é que este viu-se regulamentado

pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB), por meio da Instrução Normativa

de nº 1571/2015.

Em outras palavras, o acordo intergovernamental permite aos Estados Unidos

da América enviar ao Brasil, de forma instintiva e automática, as informações

pertinentes às contas correntes e situação de patrimônios dos brasileiros que estão

disponíveis no sistema financeiro americano.

Antes disso, o Brasil já havia assinado outros tratados ao lado do Global Forum,

da OCDE e do G20, quais sejam: a Convenção Multilateral sobre Assistência Mútua

Administrativa em Matéria Fiscal, que tem por objetivo a troca automática ou por meio

de solicitação de informações fiscais entre os 128 países e, ainda, a Convenção

Automática Exchange of Financial Information in Tax Matters (AEOI), para a

realização de troca de informações fiscais a respeito de contas bancárias.

Com essas medidas internacionais e em conjunto com outras medidas que

serão abordadas adiante, o Brasil torna-se totalmente integralizado às ações mais

aprimoradas do novo estalão da tributação, que é o Fisco Global, ou seja, pela ruptura

com a dogmática tradicional da soberania estatal, ao possibilitar a realização de

fiscalizações, cobrança de crédito tributário, ou notificações fora do país. Em síntese,

o novo paradigma desse fisco, tem o condão de recompor a base tributária nacional,

consentindo com o aumento de arrecadação.

15 Disponível em seu inteiro teor no site: https://www.novobanco.pt/site/cms.aspx?plg=208439c7-8225-4390-8d25-8a99915db3dc

Page 19: RAFAEL CAVALHEIRO ANTERO · no debate a respeito da eficácia da lei que trata da repatriação de recursos que estão mantidos no exterior. No ano-base de 2016, o Banco Central do

18

Evidentemente, existem outros esforços em construir medidas de combate à

lavagem de dinheiro que, ao longo dos anos, vem sendo aprimoradas. Todas com o

mesmo objetivo, ou seja, visam à recuperação de ativos através da cooperação

jurídica internacional. A seguir, apresentamos um panorama desses mecanismos de

combate à lavagem de dinheiro.

2.1 PANORAMA INTERNACIONAL DOS MECANISMOS DE COMBATE A LAVAGEM

DE DINHEIRO

2.1.1. Comitê de Basiléia

No ano de 1975, houve a constituição do Comitê de Basiléia16, que nos dias

atuais é formado por autoridades de supervisão bancária e representantes dos bancos

centrais de 27 países, a saber: Argentina, África do Sul, Austrália, Brasil, Bélgica,

Canadá, Coréia do Sul, França, República Popular da China, França, Hong Kong,

Alemanha, Arábia Saudita, Índia, Itália, Indonésia, Japão, Países Baixos, México,

Rússia, Suécia, Singapura, Turquia, Reino Unido e Estados Unidos da Américo, além

da Espanha e de Luxemburgo, que não fazem parte do G-10. Entretanto, em 1988,

esse Comitê celebrou seu primeiro pacto denominado de Acordo de Basiléia I.

Importante ressaltar que o acordo se deu exatamente no mesmo ano em que a

Convenção de Viena definia que os países criminalizassem o procedimento de

lavagem de dinheiro.

O pacto tinha o objetivo de fortalecer ainda mais o sistema financeiro mundial

e o estabelecimento de normas para o equilíbrio entre as instituições financeiras, de

tal modo que todas pudessem desfrutar da livre concorrência em condições de

igualdade. O acordo estabeleceu, também, a ponderação de risco dos ativos como

meio de regular a exigência de valores para as instituições, quantia de valores que os

bancos deverão reservar para restituir perdas potenciais, contemplando a ameaça de

crédito de seus ativos.

O acordo apresentou ainda, uma declaração dos Princípios que alertava sobre

os riscos de os bancos serem usados como parte do processo de lavagem de dinheiro

16 Disponível em inteiro teor no site: https://www.bcb.gov.br/fis/supervisao/basileia.asp

Page 20: RAFAEL CAVALHEIRO ANTERO · no debate a respeito da eficácia da lei que trata da repatriação de recursos que estão mantidos no exterior. No ano-base de 2016, o Banco Central do

19

procedente de atividades criminosas. A declaração informava que a ligação dos

bancos com essas atividades ilegais, ainda que não fosse da sua vontade, poderia

acabar ferindo sua credibilidade e reputação, além de estar sujeito aos prejuízos

oriundos de fraudes de todas as espécies.

2.1.2 Grupo de Ação Financeira sobre Lavagem de Dinheiro – GAFI

No ano de 1989, os países que integram o G-7 (grupo que reúne os 7 países

mais industrializados do mundo – Canadá, Alemanha, França, Estados Unidos, Itália

Japão e Reino Unido), no domínio da Organização para a Cooperação e

Desenvolvimento Econômico - OCDE criaram o GAFI – Grupo de Ação Financeira

sobre Lavagem de Dinheiro, com o intuito de elaborar e promover planos de combate

à lavagem de dinheiro.

O compromisso inicial do GAFI era esmiuçar as técnicas utilizadas para a

lavagem de dinheiro e dispor as medidas indispensáveis para seu efetivo controle,

evitando que o uso de capitais ilícitos fosse usado para financiar as atividades tido

como criminosas17. Porém, em 1990 o GAFI divulgou um conjunto de propostas e

alternativas que visavam o combate à lavagem de dinheiro. Essas propostas,

conhecidas como as Quarenta Recomendações do GAFI, tornando-se referência em

nível mundial no que se refere a prevenção e combate à lavagem de dinheiro.

Esse grupo de ação possuí inúmeras representações em diversas regiões. São,

portanto, adequações às condições regionais. Na América do Sul, por exemplo, foi

criado no ano de 200 o Grupo de Ação Financeira da América do Sul – GAFISUD e é

formado pelo Brasil, Bolívia, Argentina, Colômbia, Chile, Equador, Paraguai, Peru e

Uruguai.

2.1.3 Unidade Financeira de Inteligência – FIU

A partir da década de 90, fomentados por iniciativas internacionais e tendo

como base as Quarenta Recomendações do GAFI, vários países idealizaram

17 Disponível em seu inteiro teor no site: http://www.coaf.fazenda.gov.br/menu/atuacao-internacional/participacao-no-gafi

Page 21: RAFAEL CAVALHEIRO ANTERO · no debate a respeito da eficácia da lei que trata da repatriação de recursos que estão mantidos no exterior. No ano-base de 2016, o Banco Central do

20

agências governamentais para o combate e prevenção à lavagem de dinheiro. Estas

agências foram qualificadas como FIU18 - Unidade Financeira de Inteligência. A FIU

no Brasil é o COAF – Conselho de Controle de Atividades Financeiras, criado pela lei

nº 9.616/98, que será tratado mais adiante.

2.1.4 Grupo de Egmont

Como aludido anteriormente em vários trechos desta obra, o interesse de

combate do crime de lavagem de dinheiro é, em síntese, a nível mundial. Com o

objetivo de estimular a troca de informações fiscais entre as FIU e dar apoio aos

programas nacionais de prevenção e combate ao crime de lavagem de dinheiro, no

ano de 1995 foi criada outra organização denominada Grupo de Egmont. O grupo

consiste na troca de conhecimento e tecnologias que abordam o assunto. Sua alcunha

se dá ao fato da sua primeira reunião ter ocorrido no Palácio Egmont-Arenberg na

Bélgica.

2.1.5 Estratégia Nacional de Combate à Lavagem de Dinheiro – ENCLA

A ENCLA foi criada em 2003 como um mecanismo de atuação e articulação

simultânea entre os órgãos do Governo, do Judiciário e do Ministério Público da União

que, de algum modo, trabalham com o tema19. No mês de novembro de 2005

aconteceu a terceira edição, em uma reunião na cidade de Vitória no Espírito Santo,

com o debate de metas indispensáveis para o combate à lavagem de dinheiro.

De fato, o governo brasileiro vem ampliando sua eficiência em combater o crime

organizado em todo o país desde a criação da lei nº 9.613/18, que tornou crime a

conduta de lavar dinheiro. As primeiras decisões neste sentido – a elaboração do

COAF e do Departamento de Combate de Ilícitos Cambiais e Financeiros no Banco

central -, em seguida diversos outros passos, a exemplo, o início das varas

18 Sigla de origem inglesa: FIU – Financial Intelligence Unit 19 Disponível em seu inteiro teor no site: http://www.coaf.fazenda.gov.br/menu/pld-ft/enccla-1

Page 22: RAFAEL CAVALHEIRO ANTERO · no debate a respeito da eficácia da lei que trata da repatriação de recursos que estão mantidos no exterior. No ano-base de 2016, o Banco Central do

21

especializadas em lavagem de dinheiro e, também, a criação do Departamento de

Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) na esfera da

Secretaria Nacional de Justiça.

No entanto, para que se obtivesse efeitos positivos no combate à lavagem de

dinheiro, foi imprescindível a interação e cooperação por parte do poder público. Nesta

visão, as autoridades do Governo, do Ministério Público e do Judiciário, responsáveis

pelo tema, organizaram-se, pela primeira vez, no mês de dezembro de 2003, na

cidade de Pirenópolis, no interior do estado de Goiás, com o intuito de criar um plano

conjunto de combate à lavagem de dinheiro.

Esses três órgãos citados integram o Gabinete de Gestão Integrada de

Prevenção e Combate à Lavagem de Dinheiro – GGI-LD, que tem como finalidade

realizar a avaliação dos objetivos definidos nas ENCLA e examinar novas ideias de

combate aos crimes contra o sistema financeiro nacional. O GGI-LD é encarregado

por manter a constante conexão dessas instituições governamentais envolvidas no

combate à lavagem de dinheiro.

2.1.6 Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional –

DRCI

O Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica

Internacional – DRCI, criado por intermédio do Decreto de nº 4.991/04, está submisso

à Secretaria Nacional de Justiça (SNJ) do Ministério da Justiça. O DRCI tem como

principais objetivos examinar cenários, identificar perigos, definir políticas eficientes

eficazes, bem como desenvolver uma cultura de combate à lavagem de dinheiro20.

Esses ofícios têm como principal finalidade a recuperação de ativos encaminhados ao

exterior de forma ilícito e de produtos de atividades criminosas, tal como as oriundas

do tráfico de drogas, o tráfico ilícito de armas, da corrupção e desvio de verbas

públicas. Ainda, o DRCI é o principal responsável pelos acordos internacionais de

20 Disponível em seu inteiro teor no site: http://www.justica.gov.br/sua-protecao/lavagem-de-dinheiro/institucional-2

Page 23: RAFAEL CAVALHEIRO ANTERO · no debate a respeito da eficácia da lei que trata da repatriação de recursos que estão mantidos no exterior. No ano-base de 2016, o Banco Central do

22

cooperação jurídica internacional, tanto na esfera penal quanto na esfera civil,

figurando como uma autoridade central no intercâmbio de informações e de pedidos

judiciais por parte do Brasil.

Encadear, agregar e propor ações de governo nas feições relacionadas com o

combate à lavagem de dinheiro, à recuperação de ativos, ao crime organizado, e à

cooperação jurídica internacional, assim como motivar a articulação dos órgãos dos

Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo, inclusive dos Ministério Público Estaduais

e Federal, no que se refere ao tema, diligenciar acordos e coordenar o cumprimento

da cooperação jurídica internacional, são uma das competências do DRCI.

Todas essas entidades governamentais e não-governamentais trazem, em

suas orientações ou normas, a identificação de indício de lavagem de dinheiro como

uma grande oportunidade de interromper o ciclo da operação que procura legalizar

recursos advindos de atividades ilícitas.

Como abordado anteriormente, o Comitê de Basiléia assentia que o sistema

financeiro tem papel fundamental a executar no combate à lavagem de dinheiro.

Compreendendo o modus operandi de lavagem, é possível garantir que os bancos

são meios naturais desse processo e, sendo assim, encontram-se no centro do

problema. Os bancos são, certamente, a comissão de frente no combate à lavagem

de dinheiro, pois, não raro, ficam frente a frente com os agentes criminosos.

Hodiernamente, muito se fala sobre a política implementada de “conhecer seu

cliente”, como forma mais adequada para distinguir a movimentação ilícita. O próprio

decreto preceitua essa tarefa, sendo ainda regulamentado belo BACEN por meio de

inúmeras circulares, todas com o fito de estabelecer que a rede bancária tenha

atenção dedicada e que invista consideráveis somas para cumprir o estabelecido.

Peter Lilley21, nos mostra ser seguidor desses princípios. Vejamos o que ele

pensa a respeito:

PORQUE VOCÊ PRECISA CONHECER O SEU CLIENTE O postulado básico de toda legislação e regulamentação sobre lavagem de dinheiro é, no mundo todo, a necessidade de identificação do cliente. Isso significa que, desde o início de qualquer relação financeira, a empresa que irá aceitar a transação deverá se convencer de que o novo cliente ou parceiro de negócios é realmente quem afirma ser, e de que não existem motivos para suspeitas de qualquer envolvimento na lavagem de dinheiro e/ou em

21 LILLEY, Peter. Lavagem de Dinheiro – Negócios ilícitos transformados em atividades legais. 2 ed. São Paulo: Futura, 2001, p.175-176.

Page 24: RAFAEL CAVALHEIRO ANTERO · no debate a respeito da eficácia da lei que trata da repatriação de recursos que estão mantidos no exterior. No ano-base de 2016, o Banco Central do

23

atividades criminosas. Sugere-se normalmente a exigência de apresentação dos documentos mais típicos, como a carteira nacional de identidade, o passaporte e a carteira de motorista, anotando-se os detalhes incluídos nesses documentos.

Lilley compartilha também com o princípio que orienta conhecer e treinar os

bancários. Ele recomenda também que sejam estabelecidas políticas eficazes por

escrito para as equipes de trabalho, bem como que haja treinamentos contínuos para

os bancários e revisões de tempo em tempo nos procedimentos.

2.1.7 O Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF e suas Funções

Dispõe a Lei 9.613/98, em seu artigo 14, a responsabilidade de criar um órgão

público especializado no combate à macrocriminalidade transnacional, tendo em vista

a grande complexidade dos crimes de lavagem de dinheiro, bem como os meios

empregados pelos lavadores.

Disciplina o artigo em comento, desta forma:

CAPÍTULO IX Do Conselho de Controle de Atividades Financeiras Art. 14. É criado, no âmbito do Ministério da Fazenda, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF, com a finalidade de disciplinar, aplicar penas administrativas, receber, examinar e identificar as ocorrências suspeitas de atividades ilícitas previstas nesta Lei, sem prejuízo da competência de outros órgãos e entidades.

De acordo com a lei, o parágrafo 1º do artigo 14, atribuiu ao COAF a

competência de regular os setores econômicos para os quais não haja órgão

regulador ou fiscalizador próprio. Nesses casos, cabe ao COAF definir as pessoas

abrangidas e os meios e critérios para envio de comunicações, bem como a expedição

das instruções para a identificação de clientes e manutenção de registros de

transações, além da aplicação de sanções previstas no artigo 12 da mesma lei22.

22 Disponível em seu inteiro teor no site: http://www.coaf.fazenda.gov.br/backup/o-conselho/competencias

Page 25: RAFAEL CAVALHEIRO ANTERO · no debate a respeito da eficácia da lei que trata da repatriação de recursos que estão mantidos no exterior. No ano-base de 2016, o Banco Central do

24

No ano de 2013, o COAF completou exatos 15 anos23 com importantíssimas

conquistas e avanços. Aumentou o objetivo de atuação e obteve recorde na

elaboração de relatórios de prevenção aos crimes de lavagem de dinheiro e

financiamento ao crime organizado. Nas palavras do então Presidente do Conselho,

Antônio Gustavo Rodrigues, “É um ambiente que incentiva a criatividade e a eficiência.

Têm-se enormes avanços para comemorar, especialmente na área de prevenção e

combate à lavagem de dinheiro”, explica.

Outras normas foram emitidas pelo COAF, regulando outros setores da

economia previstos na lei nº 9.613/98, com redação feita pela lei nº 12.683/12. A partir

do ano de 2013, passaram a valer duas outras normas do COAF, que poliram a

regulamentação dos setores de joias e loterias. Se, por um lado, amplia-se o objetivo

de atuação do Órgão, por outro, surgem novos desafios a serem afrontados.

Pode-se inferir que o atormento dito pelo Presidente do Conselho, se mostram

verdadeiros, mostrando que há muito o que se fazer no combate à lavagem de

dinheiro.

23 Disponível em seu inteiro teor no site: http://www.coaf.fazenda.gov.br/noticias/coaf-completa-15-anos-comimportantes-avancos-e-conquistas/view

Page 26: RAFAEL CAVALHEIRO ANTERO · no debate a respeito da eficácia da lei que trata da repatriação de recursos que estão mantidos no exterior. No ano-base de 2016, o Banco Central do

25

3 CONSTITUCIONALIDADE DO RERCT

Neste capítulo apresenta-se o cerne desta monografia, ou seja, o que acredita-

se ser o grande embate acerca da repatriação de capitais no Brasil e a sua

legalização, instituída pela Lei 13.254/16 que estabelece o Regime de Regularização

Cambial e Tributária no Brasil. Inicia-se por realizar um breve panorama dos mais

recentes movimentos dos projetos que tramitaram no Congresso Nacional relativos ao

tema e, em seguida, realizar uma avaliação acerca da real necessidade da aprovação

de estímulos que visam a repatriação de capitais mantidos no exterior, os objetivos

impostos pela lei de repatriação e os aspectos mais obscuros relacionados ao RERCT.

3.1 PROJETOS DE LEI ORIUNDOS DO SENADO FEDERAL

A criação de um projeto de lei que, em linhas gerais, estabelecesse uma

tributação favorecida sobre os capitais brasileiros mantidos no exterior, seja por meio

de sua legalização, ou seja pela criação de incentivos penais e tributários para o

reingresso desses recursos não é uma novidade para o País.

Fazendo uma referência a outros países, que já vivenciaram tal experiência,

obtêm-se os seguintes dados:

Na Argentina, a lei de reingresso de capitais inseriu em sua economia cerca de

18 bilhões de pesos, o que corresponde a mais de U$ 4 bilhões de dólares, por parte

da adesão de cerca de 36 mil contribuintes24. Na Itália, a estimativa é de que a

repatriação de recursos, que findou no último mês de 2009, teria contribuído para o

reingresso de cerca de 100 bilhões de euros25. No país de Portugal, em meio à crise

econômica europeia, o incentivo reduziu de 11 milhões de euros, para 9,8 milhões de

euros, conforme o demonstra o Banco de Portugal, o que fez com que o governo

português aprovasse um projeto de anistia fiscal aos bens e valores depositados em

24 Lei de repatriação de capitais injeta US$ 4,7 bi na economia argentina. Buenos Aires: Agência Ansa, 02 set. 2009. Disponível em: <http://wwo.uai.com.br/UAI/html/sessao_4/2009/09/02/em_noticia _interna,id_sessao=4&id_noticia=125751/em_noticia_interna.shtml>. Acesso em: outubro de 2017. 25 GONÇALVES, Claudinê. Anistia fiscal italiana tirou bilhões da Suíça. Lugano: swissinfo.ch, 16 dez. 2009. Disponível em: <http://www.swissinfo.ch/por/economia/Anistia_fiscal_italiana_tiroubi lhoes_da_Suica.html?cid=7906964&rss=true>. Acesso em: outubro de 2017.

Page 27: RAFAEL CAVALHEIRO ANTERO · no debate a respeito da eficácia da lei que trata da repatriação de recursos que estão mantidos no exterior. No ano-base de 2016, o Banco Central do

26

offshores, pelo período de 01 ano, com o objetivo de captar liquidez para o mercado

econômico que se encontra em crise26

Portanto, as propostas dos projetos já apresentados são bastante claras, o que

não os torna, evidentemente, isento das críticas.

Nesse interim, encaramos matérias específicas dos projetos de lei do senador

MARCELO BEZERRA CRIVELLA (PRB/RJ) números 424/2003, do senador

DELCÍDIO DO AMARAL GOMEZ (PT/MS) números 354/2009 – e na Câmara dos

Deputados – números 113/2003, proposta pelo Deputado LUCIANO DE SOUZA

CASTRO (PR/RR) e números 5.228/2005, do Deputado JOSÉ MENTOR GUILHER

MELLO NETTO (PT/SP).

Na sugestão do Deputado JOSÉ MENTOR, tanto pessoas físicas, quanto

jurídicas domiciliadas no Brasil que escolhessem pelo repatriamento ou legalização

de recursos não declarados mantidos no exterior, teriam extintas suas punibilidades

pelos delitos relacionados a esses mesmos capitais. Entretanto, existe um rol de

condutas que tornariam incapazes a aplicação da lei e que, constatadas após,

estariam sujeitas a aplicação de sanções severas, além da pena em dobro. Além

disso, existia a previsão que não haveria qualquer espécie de identificação para a

emissão do documento arrecadatório, ficando proibida a utilização ou divulgação das

informações pertinentes ao repatriamento para a formação do crédito tributário relativo

a outras contribuições ou impostos.

Na proposta do Senador DELCÍDIO DO AMARAL, essa declaração de bens e

direitos e a alternativa pela consolidação de débitos (REFIS) restaria extinta a

punibilidade dos crimes contra a ordem tributária, financeira e econômica e contra o

Sistema Financeiro Nacional, além dos crimes de descaminho, falsidade ideológica,

falsidade matéria de documentos públicos e privados e crimes contra a previdência

social.

O propósito esculpido nesse projeto, em especial, é o do encorajamento à

cidadania fiscal. Busca-se então, o fomento nas pessoas físicas e jurídicas a apoiar

um novo modelo fiscal, que abarca a regularização mediante tributação favorável, de

26 RIBEIRO, Luís Reis. Offshores: amnistia fiscal do governo terá alcance limitado e agrava a injustiça. Lisboa: ionline, 08 maio 2010. Disponível em: <http://www.ionline.pt/conteudo/58890-offshores-amnistia-fiscal-do-governo-tera-alcance-limitado-e-agrava-injustica>. Acesso em: outubro de 2017.

Page 28: RAFAEL CAVALHEIRO ANTERO · no debate a respeito da eficácia da lei que trata da repatriação de recursos que estão mantidos no exterior. No ano-base de 2016, o Banco Central do

27

situações fiscais passadas, repatriar e regularizar os capitais não declarados criados

pela atividade lícita.

Portanto, sem dúvidas, esse é um tema de grande repercussão que vem sendo

abordado há muito tempo e, ainda que não tenha definição, sobretudo frente aos

embates político-partidários, que, nada obstante, propagam a formação de duas

frentes contrárias com contornos bastante definidos.

Ainda, segundo o mais recente Projeto de Lei a respeito do tema (PL nº

298/2015), de autoria do Senador Randolfe Rodrigues (PSOL/AP), seria permitido o

repatriamento ou a manutenção dos capitais não declarados mantidos fora do país,

desde que fosse comprovada a sua origem de forma lícita, por meio de alíquota de

35% - metade a título de Imposto de Renda, e a outra a título de multa de

regularização.

A adesão ao regime, mediante a declaração e o pagamento total do imposto e

multa equivalente, antes de eventual denúncia, extinguiria a punibilidade do crime de

sonegação fiscal, além de outros crimes conexos que, eventualmente, foram

praticados com o intuito de lavar dinheiro sujo. No rol de crimes estão o de sonegação

fiscal, sonegação de contribuição previdenciária, falsidade ideológica, falsificação de

documentos públicos ou privados, operação de câmbio não autorizada e, por fim,

lavagem de dinheiro (art; 5º, incisos I a V).

O projeto de lei do Senador Randolfe Rodrigues não estabeleceu, porém, qual

a forma que seria comprovada a licitude dos recursos. Alguns aduzem que a licitude

restaria verificada pelos bancos internacionais nos quais os capitais estão

depositados. Isso por que grandes centros financeiros do mundo fazem parte do GAFI,

que constitui que as instituições financeiras devem identificar, de forma independente,

o beneficiário efetivo das transações, bem como seus clientes, obtendo informações

sobre a natureza do negócio verificando se necessário a origem dos fundos.

Entretanto, grande parte dos paraísos fiscais, não fazem parte do GAFI e,

mesmo os valores a serem repatriados tivessem origem lícita, haveria o risco ao

hipotético anistiado se esses valores tivessem sido depositados por meio de doleiros.

Isso ocorre porque, na prática, o suposto optante não saberia identificar de forma

clara, a origem de seu dinheiro depositado, pois encontra sua origem proveniente em

contas desconhecidas.

Page 29: RAFAEL CAVALHEIRO ANTERO · no debate a respeito da eficácia da lei que trata da repatriação de recursos que estão mantidos no exterior. No ano-base de 2016, o Banco Central do

28

De todo modo, ainda que mereça duras críticas, a proposta é a que melhor

retrata o assunto. Os projetos anteriores formalizavam contextos totalmente

contrários: ou a anistia penal ocorria de forma geral, o que, poderia representar a

legalização da lavagem de dinheiro, já que não haveria qualquer contenção quanto a

licitude dos capitais: ou eram estabelecidos pontos tidos como impeditivos demais,

limitando os pretensos adeptos ao regime.

A seguir, indagamos acerca da real natureza jurídica das vantagens

concedidas, com o objetivo de compreender o tema completamente, para enfim, emitir

um juízo de valor cientificamente fundamentado.

3.2 ATO DE DECLARAÇÃO DE ORIGEM E LICITUDE DOS RECURSOS

O Regime de Regularização Cambial e Tributária foi idealizado com o fito de

incrementar a base arrecadatória do combalido Governo Federal, com os holofotes

voltados à regularização apenas de recursos que tenha sua origem comprovadamente

lícitas, conforme expõe o artigo 1º, caput e do parágrafo 2º da Lei 13.254/2016:

Art. 1º É instituído o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT), para declaração voluntária de recursos, bens ou direitos de origem lícita, não declarados ou declarados com omissão ou incorreção em relação a dados essenciais, remetidos ou mantidos no exterior, ou repatriados por residentes ou domiciliados no País, conforme a legislação cambial ou tributária, nos termos e condições desta Lei. [...] § 2º Os efeitos desta Lei serão aplicados aos titulares de direito ou de fato que, voluntariamente, declararem ou retificarem a declaração incorreta referente a recursos, bens ou direitos, acompanhados de documentos e informações sobre sua identificação, titularidade ou destinação.

Se torna claro que a comprovação dos recursos e do patrimônio que se planeja

repatriar é condição imprescindível ao gozo do regime estabelecido pela referida lei.

Na Lei nº 13.254/16 ficou estipulado que os recursos que tenham a origem

lícita, devem ser oriundos de atividades permitidas ou não proibidas pela lei. Sendo

assim, são propriamente lícitos os capitais obtidos em decorrência de atividades

profissionais ou empresariais ou, até mesmo, por herança e outras fontes

consideradas regulares, sendo irrelevante o cenário em que os recursos não foram

declarados quando recebidos.

Page 30: RAFAEL CAVALHEIRO ANTERO · no debate a respeito da eficácia da lei que trata da repatriação de recursos que estão mantidos no exterior. No ano-base de 2016, o Banco Central do

29

Em contrapartida, muitos contribuintes têm o temor de aderir ao regime e não

conseguir provar que os capitais foram obtidos por meios lícitos. Entretanto, o triunfo

do regime está atrelado à percepção de segurança jurídica que o aderente terá quanto

as consequências da adesão.

A respeito do Princípio da Segurança Jurídica, Heleno Taveira Torres27

comenta:

Princípio é, portanto, por denominação, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro fundamento dele, disposição elementar que se irradia sobre diferentes normas compondo o espírito e servindo de preceito para exata compreensão e inteligência delas, exatamente porque define a racionalidade e a lógica sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico.

Partindo das alegações aqui apresentadas, infere-se que o Princípio da

Segurança Jurídica é fruto da subsistência do próprio ordenamento jurídico. Assim

sendo, só se torna possível a sua compreensão se analisado dentro da mesma ordem

jurídica, considerando seus atributos próprios e alterações constantes.

Dentre os meios de fugir dessa insegurança, a OCDE alerta que os indivíduos

busquem regularizar os ativos sejam objetivos em seus termos e nos resultados da

adesão.

O Poder Judiciário tem agido de forma firme ao certificar a observância do

Princípio da Segurança Jurídica. Não menos importante, pela avaliação dos principais

julgados que ensejaram a origem da Súmula Vinculante nº 0828, que assinala que são

inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5º do Decreto-Lei nº 1.569 do ano de

1977 e, também, os artigos 45 e 46 da Lei nº 8.212 de 1991, que dispõem da

decadência e prescrição do crédito tributário.

A Súmula retrata de forma clara o fenômeno da modulação dos efeitos da

declaração de inconstitucionalidade como questão imprescindível na importância à

27 TORRES, Heleno Taveira. Direito constitucional tributário e segurança jurídica: metódica da segurança jurídica do Sistema Constitucional Tributário. 2° ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, pg. 26 28 BRASIL, Aplicação das Súmulas do STF. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumario.asp?sumula=1209>. Acesso em: outubro de 2017.

Page 31: RAFAEL CAVALHEIRO ANTERO · no debate a respeito da eficácia da lei que trata da repatriação de recursos que estão mantidos no exterior. No ano-base de 2016, o Banco Central do

30

solução dos casos apresentados, infere-se que o STF não estabeleceu o

entendimento a respeito do conteúdo jurídico da Segurança Jurídica, nem de seu

critério de aplicação aos casos concretos.

Neste ambiente, o Supremo Tribunal Federal tem se mostrado menos rígido

frente a declaração de inconstitucionalidade, uma vez que o citado princípio

acarretaria à nulidade dos efeitos da norma desde a sua edição. O STF tem deferido

que os efeitos da decisão se operem apenas com relação a fatos verificados

posteriormente à sua prolação, promovendo uma proteção na confiança das relações

jurídicas e preservando, assim, os direitos daqueles que de boa-fé usufruíram da lei

que, até então, tinha presunção de legitimidade.

A lei retém alguns aspectos que ainda são obscuros e que desviam do Princípio

da Segurança Jurídica. O substancial deles está concatenado às situações em que o

ativo não é mais detido pelo declarante ao final do ano de 2014. Para esses cenários,

a Instrução Normativa propõe que a multa e o tributo devem ser colhidos com base

no valor presumido do ativo do mesmo período, sem esclarecer o teor desse conceito,

originado na regulamentação do RERCT e que não encontra recosto em qualquer

outra norma de Direito Tributário, nem mesmo na lei que estabeleceu o regime.

A respeito desse e alguns outros tópicos que ainda serão melhor clareados pela

Receita Federal, a percepção geral é de que existe segurança jurídica para que os

aderentes se valham do RERCT para efetivar prováveis bens mantidos no exterior

que no passado não foram declarados às autoridades brasileiras correspondentes.

3.3 ANISTIA PENAL DAS INFRAÇÕES TRIBUTÁRIAS

Frente aos temas anteriores, frisa-se que a exigência de comprovação, poderia

comprometer a eficácia do regime. Como saída à adesão ao regime, alguns

contribuintes têm proposto a alteração do domicílio fiscal para outro país. Certo é que

a alteração não elide os crimes decorrentes dos atos praticados até a mesma.

Um dos tópicos controversos se refere à probabilidade de pessoas já

condenadas por um dos crimes citados na lei, mas sem o trânsito em julgado,

consentirem com o RERCT.

Page 32: RAFAEL CAVALHEIRO ANTERO · no debate a respeito da eficácia da lei que trata da repatriação de recursos que estão mantidos no exterior. No ano-base de 2016, o Banco Central do

31

Tanto que o artigo 5°, parágrafo 2° da lei dispõe que a extinção da punibilidade

dos crimes cobertos pelo regime “somente acontecerá se o cumprimento das

condições se der antes do trânsito em julgado da decisão criminal condenatória”.

Insta salientar que o artigo 4°, parágrafo 5°, da Lei nº 13.254/16, prolonga as

interpostas pessoas à extinção da punibilidade pelas fraudes abrangidos pelo RERCT.

Neste ponto, portanto, parece que trustes e fundações também estariam sob a

proteção da anistia.

Não podem aderir ao programa os condenados por decisão definitiva pela

prática dos mesmos crimes objetos de anistias da Lei. Não existe impedimento se a

condenação for pela prática de outros delitos.

A adesão de condenados por decisões não definitivas ainda gera incertezas. O

artigo 5º, § 2º, II, da Lei 13.254/2016 permite a anistia até o trânsito em julgado da

decisão condenatória29:

§ 2º A extinção da punibilidade a que se refere o § 1º: II - somente ocorrerá se o cumprimento das condições se der antes do trânsito em julgado da decisão criminal condenatória;

A Instrução Normativa nº 1.627/16, no entanto, não permite que a adesão por

quem tiver condenação não transitada em julgado. Aqueles que não possuíam mais

ativos no exterior no dia 31 de dezembro de 2014, mas que naquele período ainda

não tinham sido alcançados pela prescrição ou decadência, também possuem direito

à anistia das infrações tributárias, penais e cambiais.

No início, investiga-se que o problema habita no corte temporal em relação aos

fatos alcançados pela nova lei justifica-se por razões de conveniência política. O

legislador não quis permitir anistia ampla, até para não incitar a fuga de valores

durante a tramitação do projeto de lei (PL 2960/2015), com vistas a ter tributação

menor, por oportunidade da sua regularização. Entretanto, antes da averiguação do

novo texto normativo, especialmente, em matéria de Direito Penal, faz-se rever as

questões de natureza constitucional e processual.

Conforme o caput do parágrafo 5º, do art. 1º, fica proibida a inclusão no referido

Regime Especial daqueles que tiverem sido condenados em ação de natureza penal,

29 BRASIL, Lei nº 13.254/2016. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/l13254.htm>. Acesso em outubro de 2017.

Page 33: RAFAEL CAVALHEIRO ANTERO · no debate a respeito da eficácia da lei que trata da repatriação de recursos que estão mantidos no exterior. No ano-base de 2016, o Banco Central do

32

sem detalhar expressamente se condenados definitivamente, ou, se por sentença

transitado em julgado ou não.

Notadamente, a norma agrupa-se no sentido da conveniência do trânsito em

julgado da sentença condenatória, a impedir a vantagem, em virtude da presunção de

inocência do contribuinte. A Carta Magna aponta que o Princípio da Presunção de

Inocência em seu rol de direitos e garantias constitucionais de forma positivada como

pode-se observar no Artigo 5º, da CF/19882330:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes. LVII - ninguém será culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;

Alexandre de Moraes31 ensina que “o Princípio da Presunção de Inocência é

um dos princípios essenciais do Estado de Direito”, como garantia processual penal,

visa à proteção da liberdade pessoal, enfatizando a necessidade de o Estado

comprovar a culpabilidade do indivíduo, que é de forma constitucional presumido

inocente, sob pena de voltar ao estado de total arbítrio estatal.

Desta maneira, é possível que erros apareçam em razão do veto presidencial

ao artigo 1º, inciso I do parágrafo 5º, o qual estabelecia de forma expressa que o

regime não se aplicaria aos sujeitos que tivessem sido condenados em ação penal

com a decisão transitada em julgado.

A interpretação como dispõe a Constituição se constitui essencialmente num

equipamento de controle, eis que seu principal objetivo é afiançar um provável grau

de constitucionalidade das normas no exercício de interpretação das leis.

Nas palavras de Gilmar Ferreira Mendes32, "a ocasião para interpretação

conforme à Constituição existe sempre que determinada disposição legal oferece

diferentes variedades de interpretação, sendo algumas delas incompatíveis com a

própria Constituição".

30 BRASIL, Constituição Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo469.htm >. Acesso em outubro de 2017. 31 MORAES; Alexandre de. Direito Constitucional. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2007 32 MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional, São Paulo, Saraiva, 1996, p. 222.

Page 34: RAFAEL CAVALHEIRO ANTERO · no debate a respeito da eficácia da lei que trata da repatriação de recursos que estão mantidos no exterior. No ano-base de 2016, o Banco Central do

33

À feição de conceito do tema, é conhecido na doutrina o entendimento de que

a interpretação conforme a Constituição não concede a criação de um sentido que

não transcorra razoavelmente do texto legal. Isto posto, não se pode desejar que,

antes de uma sentença transitada em julgado, alguém seja impedido de usufruir de

um benefício legal em razão da suposta prática de um crime, pois, do contrário, fere-

se o Princípio da Presunção de Inocência.

Com isso, pode-se arrematar que os benefícios trazidos pela Lei nº 13.254/16

não podem ser impedidos aos condenados em primeiro grau. Remanesce a aplicação

retroativa por meio do Juízo das Execuções, como estabelece o enunciado nº 611 da

jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal (STF). Em suma, pelos seus

efeitos irem para depois da sentença definitiva, o Juiz de Direito da Vara de Execução

Penal (artigo 66, I, CP e Súmula 611 do STF) poderá conhecê-la.

3.4 AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE EM FACE DO RERCT

Visando questionar os dispositivos impostos pela Lei 13.254/2016, que

implementou o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária, também

conhecida como a Lei de Repatriação de Recursos, o Partido Popular Socialista (PPS)

ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 5.496/16).

A Ação foi distribuída à então Ministra Cármen Lúcia e hoje aguarda

informações para ser apreciada posteriormente o pedido de liminar pelo plenário do

Supremo Tribunal Federal (STF).

Conforme a descrição no site do STF33, a ADI “tem por objeto declarar que uma

lei ou parte dela é inconstitucional, ou seja, contraria a Constituição Federal”. A Ação

Direita de Inconstitucionalidade é um dos instrumentos daquilo que os operadores do

direito chamam de “controle concentrado de constitucionalidade das leis”. Em outras

linhas, é a contestação direta da própria norma em tese. Uma outra forma de controle

concentrado é a Ação Declaratória de Constitucionalidade.

Argumenta-se na Ação que a adesão ao regime acarreta uma série de

benefícios como a extinção da punibilidade de crimes, redução de multa, remissão de

33 SOUZA, Hamilton Dias de. Glossário Jurídico. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/glossario/verVerbete.asp?letra=A&id=124 Acesso em outubro de 2017.

Page 35: RAFAEL CAVALHEIRO ANTERO · no debate a respeito da eficácia da lei que trata da repatriação de recursos que estão mantidos no exterior. No ano-base de 2016, o Banco Central do

34

créditos tributários e exclusão de penalidades administrativas. Na ponderação do

PPS, tais incentivos criam situações heterogêneas para os contribuintes e colocam

em perigo a eficácia de investigação e leis associadas ao combate aos crimes de

lavagem de dinheiro.

Conforme o próprio partido, o artigo 4º, parágrafo 12, inciso I da RERCT

provoca a Constituição Federal nos artigos 37 (caput), 127, 129 (inciso I) e 144. A

motivação é que o dispositivo não permite que as informações da declaração do

contribuinte sejam empregadas como único indício para investigar a lavagem de

dinheiro relativa a outros crimes antecedentes que não os de sonegação anistiados

pela própria lei.

Em síntese, a referida Ação, por si só, não apresenta embasamentos

necessários para que a suprema corte declare a lei inconstitucional, no entanto, a

discussão em torno da ADI reside em três pontos básicos. O primeiro é que a lei não

veda a persecução criminal dos crimes de lavagem de dinheiro relativas a outros

crimes anteriores que não sejam os de sonegação fiscal, anistiados pelo próprio

regime. Depois, definir a alíquota padrão de Imposto de Renda, vigente em

31/12/2014, considerando a progressividade regularmente definida. Por último,

restringir o alcance do regime entre 01/01/2010 a 31/12/2014.

Portanto, a lei coloca entre suas exigências que o contribuinte sustente pelo

período de cinco anos a documentação comprobatória para que esta fique à

disposição do fisco. Assim, é valoroso que fique clara a anistia a todos os crimes

incluídos no regime, até mesmo aqueles cuja prescrição penal é maior que cinco anos.

Cabe realçar que a ADI nº 5.496/2016 aponta ainda que o artigo 6º da lei

desacata o Princípio da Capacidade Contributiva, pois despreza qualquer aferição de

capacidade econômica por parte dos contribuintes, estabelecendo uma alíquota para

todos os valores e para todas as pessoas, e trata contribuintes em situação

semelhante de modo desigual.

O Princípio da Capacidade Contributiva é o princípio jurídico que indica a

instituição de tributos determinando a observância da capacidade do contribuinte de

recolher ao estado. Sendo assim, vale transcrever as lições de Bernardo Ribeiro34 de

34 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de Direito Tributário. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p.118

Page 36: RAFAEL CAVALHEIRO ANTERO · no debate a respeito da eficácia da lei que trata da repatriação de recursos que estão mantidos no exterior. No ano-base de 2016, o Banco Central do

35

Moraes, que assevera que “o princípio da capacidade contributiva, pelo qual cada

pessoa deve contribuir para as expensas da coletividade de acordo com a sua

capacidade contributiva ou aptidão econômica, é o que se constitui capacidade

distributiva”.

A Constituição Federal estabelece o Princípio da Capacidade Contributiva da

seguinte forma35:

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: I - impostos; II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição; III - contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.

§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. (...) Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: II - Instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;

De acordo com lei maior, o referido princípio defende o tratamento igualitário,

se o legislador considerar as diferenças dos cidadãos, tratando de forma desigual os

desiguais impondo o recolhimento de impostos observando a capacidade contributiva

de cada contribuinte em separado. O tributo é digno desde que apropriado à

capacidade econômica da pessoa que deve suportá-lo. Não basta que o imposto seja

legal, imperioso se faz que o mesmo seja legítimo.

Nota-se que a Ação Direita de Inconstitucionalidade anuncia a violação dos

Artigos 145 e 150 da Constituição. Isso porque o programa prevê que no montante

dos ativos a ser regularizado será considerado acréscimo patrimonial adquirido em

31/12/2014, submetendo o contribuinte ao pagamento da alíquota de 15% de IR, além

35 BRASIL, Constituição Federal. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo469.htm >. Acesso em outubro de 2017.

Page 37: RAFAEL CAVALHEIRO ANTERO · no debate a respeito da eficácia da lei que trata da repatriação de recursos que estão mantidos no exterior. No ano-base de 2016, o Banco Central do

36

de multa no valor de 100% sobre o valor do imposto levantado, sem cogitar qualquer

outro fator de regressividade e progressividade para motivar essa taxação, segundo

afirma o PPS.

Deste modo, o partido exige que seja concedida a medida cautelar suspender

os efeitos, sob a alegação de que o regime já foi regulamentado pela Instrução

Normativa da Receita Federal de nº 1.627/16.

De qualquer modo, caberá a suprema corte avaliar esses pontos inseridos na

ADI, explorando cuidadosamente a norma, bem como levando em conta o objetivo

vital e primordial do RERCT, que se ordena aos acordos internacionais firmados pelo

Brasil com diversos outros países. Esses acordos, vale lembrar, acenam para um

caminho sem volta, que é a inclinação mundial de combate à corrupção, da

transparência e regularização de informações.

Page 38: RAFAEL CAVALHEIRO ANTERO · no debate a respeito da eficácia da lei que trata da repatriação de recursos que estão mantidos no exterior. No ano-base de 2016, o Banco Central do

37

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho buscou realizar uma análise acerca da constitucionalidade

do Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária - RERCT, bem como os

possíveis aspectos obscuros propostos pela legalização e repatriação de capitais

mantidos no exterior. Com base nisso, a monografia foi dividida em três pontos de

abordagem distintos, iniciando pelo breve contexto histórico que levaram os brasileiros

a aplicar seus capitais fora do país, bem como a apresentação de algumas espécies

de crimes que estes sujeitos estão expostos ao praticarem tal conduta, perpassando

pelo contexto internacional, para, enfim, dissecar o projeto de lei e suas diversas linhas

de interpretação formadas pelo enclave político a respeito de sua eficácia.

Sem sombra de dúvidas, o regime surgiu como uma oportunidade para os

brasileiros legalizarem seus ativos obtidos por meios lícitos, mantidos fora do país,

sem a devida declaração frente ao Banco Central do Brasil e ao Fisco.

Por meio do estudo da constitucionalidade da lei em apreço, percebe-se que a

matéria em análise encontra-se alinhada com os parâmetros constitucionais

estabelecidos. Não havendo questão negativa referente a legitimidade da iniciativa

parlamentar, nem com relação a competência da União e do Congresso Nacional para

legislar sobre o tema.

Nesse aspecto, a extinção de punibilidade abordada pela lei no que tange os

delitos econômicos, com a finalidade de repatriar capitais lícitos é formalmente

legítima, tanto para o interesse social, quanto pelo interesse político criminal.

Em análise, objetiva-se alcançar às expectativas e anseios da sociedade, na

intenção de estimular os contribuintes, a um novo projeto de envolvimento entre este

último e o fisco, aumentando assim, a cidadania fiscal, de modo a contemplar a

situação fiscal passada do contribuinte mediante tributação favorecida com o anseio

de repatriar recursos não declarados na forma da legislação em vigor.

Não nega-se que a Economia de fato é um bem jurídico que deva ser

fortemente protegido, entretanto, não pela seara penal. O ato praticado contra a

Economia deve ser analisado de forma jurídica pelos mais variados ramos do Direito.

Com isso, visualiza-se nos processos de repatriação de capitais mantidos no

exterior, medidas que são efetivamente benéficas para o país e com objetivos claros

de propor melhorias no ambiente institucional e no desenvolvimento interno do país,

Page 39: RAFAEL CAVALHEIRO ANTERO · no debate a respeito da eficácia da lei que trata da repatriação de recursos que estão mantidos no exterior. No ano-base de 2016, o Banco Central do

38

através da retirada de barreias que, nas últimas décadas, surgiram dos reiterados

planos de estabilização monetária fracassados, partindo regras de contratos e

findando em incertezas jurídicas para os agentes econômicos.

No plano da economia, essas propostas poderão possibilitar a diminuição dos

efeitos do período de inflação que motivou investidores e poupadores a buscar a

proteção da moeda em ativos financeiros ou sistemas econômicos internacionais, bem

como diminuir a carga excessiva fiscal. Possibilitarão ainda o crescimento da base de

arrecadação tributária sobre receitas futuras.

Com isso, o regime permitirá que o Brasil se iguale aos outros países que já

usufruíram de sistemas parecidos para recuperar capitais que estivera mantido fora

de sua jurisdição ou outros sistemas econômicos, inclusive de paraísos fiscais. Com

isso, haverá uma diminuição do volume de dependência nacional em relação a moeda

estrangeira na medida que esses capitais retornarão ao Brasil, reforçando as reservas

cambiais, permitindo investimentos na área de infraestrutura, saúde, saneamento

básico entre outros.

O que de fato, parece ser impactante, é o aumento da anistia penal e do perdão

fiscal concedidos pelo processo. Adiante, entende-se que a medida seja suficiente e

necessária para estimular a repatriação de capitais, frente ao atual cenário econômico.

Dentre os crimes que aparentemente o contribuinte poderia cometer é o de

evasão de divisas, bem como o de sonegação fiscal e o crime de lavagem de dinheiro.

Com isso, os Estados devem se organizar, como vem sendo feito, com o objetivo de

implementar programas eficazes de combate a prática delitiva na sociedade.

Um dos pontos comentados contra o regime de regularização, reside na alta

complexidade das organizações criminosas, bem como os meios de comprovação do

caráter lícito imposto pela lei.

Além disso, os surgimentos de Varas Federais focadas para o combate à

lavagem de dinheiro representam uma vasta evolução para a diminuição de crimes do

gênero, bem como os acordos de cooperação jurídico-internacional, por meios de

tratados de direito internacional.

O que se vê é uma maior atenção a essa matéria, dada a potente lesão que

atinge à sociedade, sem sombra de dúvidas superior aos crimes com que se preocupa

o Direito Penal Clássico.

Page 40: RAFAEL CAVALHEIRO ANTERO · no debate a respeito da eficácia da lei que trata da repatriação de recursos que estão mantidos no exterior. No ano-base de 2016, o Banco Central do

39

Portanto, conclui-se que os projetos relativos à legalização e repatriação de

capitais, estão devidamente consonantes com a carta magna, contribuindo de forma

clara com a base de arrecadação do Estado.

É vasto e expressivo a quantidade de capitais brasileiros que se encontram

investidos no exterior de forma irregular. De tal forma, verificou-se que o Direito Penal,

por si só, não é responsável de forma satisfatória aos anseios da sociedade no que

tange a Economia, sendo legítimas as medidas despenalizadoras adotadas.

Essa é, na oportunidade, a singela contribuição desta monografia para o estudo

das ciências criminais, econômicas e tributárias no que se refere a repatriação de

recursos mantidos no exterior.

Page 41: RAFAEL CAVALHEIRO ANTERO · no debate a respeito da eficácia da lei que trata da repatriação de recursos que estão mantidos no exterior. No ano-base de 2016, o Banco Central do

40

REFERÊNCIAS

ANDREUCCI, Antônio Ricardo. Legislação Penal Especial, 7ª edição – São Paulo. Editora Saraiva, 2010.

BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro: Aspectos Penais e Processuais: Comentários à Lei 9.613/98 com alterações da Lei 12.683/12. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2 ed. 2013.

BANCO CENTRAL DO BRASIL, Recomendações de Basiléia. Disponível em: <https://www.bcb.gov.br/fis/supervisao/basileia.asp>. Acesso em outubro de 2017.

BRASIL, Aplicação das Súmulas do STF. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumario.asp?sumula=1209>. Acesso em: outubro de 2017.

BRASIL, Lei nº 13.254/2016. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/l13254.htm>. Acesso em outubro de 2017.

BRASIL, Constituição Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo469.htm>. Acesso em outubro de 2017.

CALLEGARI, André Luiz. Direito Penal Econômico e Lavagem de Dinheiro. Brasília, Série de Pesquisas do Centro de Estudos Judiciários – 9, 2002.

CERVINI, Raul; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de capitais: comentários à Lei 9.613/98. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

CONSELHO DE CONTROLE DE ATIVIDADES FINANCEIRAS – COAF. Cartilha lavagem de dinheiro: um problema mundial. Brasilia: COAF, 1999. Disponivel em: <http://www.coaf.fazenda.gov.br/menu/pld-ft/publicacoes/cartilha.pdf/view>Acesso em outubro de 2017.

CONSELHO DE CONTROLE DE ATIVIDADES FINANCEIRAS – COAF. Coaf – O que é?. Brasilia: COAF, 2015. Disponivel em: <http://www.coaf.fazenda.gov.br/portal-padrao/rss/o-que-e> Acesso em outubro de 2017.

CONSELHO DE CONTROLE DE ATIVIDADES FINANCEIRAS – COAF. Competências. Brasília: COAF, 2015. Disponível em: <http://www.coaf.fazenda.gov.br/backup/o-conselho/competencias> acesso em outubro de 2017.

MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional, São Paulo, Saraiva, 1996, p. 222.

MORAES; Alexandre de. Direito Constitucional. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2007

Page 42: RAFAEL CAVALHEIRO ANTERO · no debate a respeito da eficácia da lei que trata da repatriação de recursos que estão mantidos no exterior. No ano-base de 2016, o Banco Central do

41

MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de Direito Tributário. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p.118

OECD. UPDATE ON VOLUNTARY DISCLOUSRE PROGRAMMES: A Pathway to tax compliance. Agosto de 2015. Disponível em: <http://www.oecd.org/ctp/exchange-of-tax-information/update-on-voluntary-disclosure-programmes-a-pathwaypto-tax-compliance.htm> Acesso em outubro de 2017.

VILARDI, Celso Sanchez. O crime de lavagem de dinheiro e o início de sua execução. Revista Brasileira de Ciências Criminais, Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 47, p. 11-30, março de 2004.

LILLEY, Peter. Lavagem de Dinheiro – Negócios ilícitos transformados em atividades legais. 2 ed. São Paulo: Futura, 2001.