radiojornalismo

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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXVII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Foz do Iguaçu, PR – 2 a 5/9/2014 O radiojornalismo em um cenário de convergência midiática e tecnológica 1 Gabriel Collares Barbosa 2 Universidade Federal do Rio de Janeiro Resumo O presente trabalho discute as práticas do radiojornalismo num cenário de convergência midiática e tecnológica. A política de empresas de comunicação tradicionais que apostam no simulcasting AM e FM, a interação com o público através de novas plataformas e a adoção do padrão digital também são apresentados. Há um breve histórico do rádio informativo como gênero, dos formatos noticiosos e, dentro dessa perspectiva de categorização, dados ilustrativos sobre a Bandnews FM do Rio de Janeiro. Palavras-chave: gênero jornalístico; radiojornalismo; convergência; all-news; Bandnews O rádio completou oficialmente em 2012, noventa anos de vida no Brasil. Rumo ao centenário, o veículo mostra que está vivo, com relevância e importância dentre os meios de comunicação hodiernos, demonstrando o quão fundamental é no cotidiano do cidadão. Seja prestando serviço, (in)formando através de drops ou reportagens especiais, entretendo, fazendo companhia…enfim, um veículo que não apenas se adaptou às novas tecnologias, num cenário de convergência midiática, como desenvolveu novas linguagens para atender o público. Alguns autores destacam o aspecto dialógico que os meios de comunicação tradicionais oferecem ao público através dos avanços da tecnologia digital: “A convergência da mídia é entendida mais do que uma mudança tecnológica. É um processo cultural a considerar que o fluxo de conteúdo que perpassa múltiplos suportes e mercados midiáticos e os consumidores migram de um comportamento de espectadores passivos para uma cultura mais participativa” (BIANCO, Nelia R. Del., 2012, p. 17). O rádio é um veículo de comunicação com portabilidade e eficiência comprovadas, podendo ser ouvido, por exemplo, por intermédio de celulares, smartphones, computadores, tablets, smartvs, automóveis, radinhos de pilha. Acreditamos que a permanência da radiodifusão passa pela interatividade inerente ao seu modus operandi bem como pela 1 Trabalho apresentado no DT 4, Comunicação Audiovisual, GP Rádio e Mídia Sonora, XIV Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicação, evento componente do XXXVII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Professor doutor, nível Associado II da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coordenador do projeto de iniciação artística e cultural webradio Audioativo.com. Contato: [email protected] 1

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Estudo rádio e convergência.

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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da ComunicaçãoXXXVII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Foz do Iguaçu, PR – 2 a 5/9/2014

O radiojornalismo em um cenário de convergência midiática e tecnológica1

Gabriel Collares Barbosa2

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Resumo

O presente trabalho discute as práticas do radiojornalismo num cenário de convergência midiática e tecnológica. A política de empresas de comunicação tradicionais que apostam no simulcasting AM e FM, a interação com o público através de novas plataformas e a adoção do padrão digital também são apresentados. Há um breve histórico do rádio informativo como gênero, dos formatos noticiosos e, dentro dessa perspectiva de categorização, dados ilustrativos sobre a Bandnews FM do Rio de Janeiro.

Palavras-chave: gênero jornalístico; radiojornalismo; convergência; all-news; Bandnews

O rádio completou oficialmente em 2012, noventa anos de vida no Brasil. Rumo ao

centenário, o veículo mostra que está vivo, com relevância e importância dentre os meios de

comunicação hodiernos, demonstrando o quão fundamental é no cotidiano do cidadão. Seja

prestando serviço, (in)formando através de drops ou reportagens especiais, entretendo,

fazendo companhia…enfim, um veículo que não apenas se adaptou às novas tecnologias,

num cenário de convergência midiática, como desenvolveu novas linguagens para atender o

público. Alguns autores destacam o aspecto dialógico que os meios de comunicação

tradicionais oferecem ao público através dos avanços da tecnologia digital:

“A convergência da mídia é entendida mais do que uma mudança tecnológica. É umprocesso cultural a considerar que o fluxo de conteúdo que perpassa múltiplos suportes e mercados midiáticos e os consumidores migram de um comportamento de espectadores passivos para uma cultura mais participativa” (BIANCO, Nelia R. Del., 2012, p. 17).

O rádio é um veículo de comunicação com portabilidade e eficiência comprovadas,

podendo ser ouvido, por exemplo, por intermédio de celulares, smartphones, computadores,

tablets, smartvs, automóveis, radinhos de pilha. Acreditamos que a permanência da

radiodifusão passa pela interatividade inerente ao seu modus operandi bem como pela

1 Trabalho apresentado no DT 4, Comunicação Audiovisual, GP Rádio e Mídia Sonora, XIV Encontro dos Grupos dePesquisas em Comunicação, evento componente do XXXVII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.2 Professor doutor, nível Associado II da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coordenadordo projeto de iniciação artística e cultural webradio Audioativo.com. Contato: [email protected]

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capacidade de adaptação, sobretudo em tempos de novas plataformas de transmissão e

recepção. No jogo de nomeação que se estabelece com a convergência digital, demarcar o

que é ou não radiofônico também se mostra oportuno:

Circunscrever o rádio às ondas eletromagnéticas é condená-lo a um papel cada vez mais secundário, diante do crescimento da internet comercial e do processo de convergência de mídias. No início do século 21, escuta-se rádio em ondas médias, tropicais e curtas ou em frequência modulada, mas também na TV por assinatura, via cabo, micro-ondas ou satélite, em serviços digitais abertos e por assinatura, e viainternet, de múltiplas formas. (KISCHINHEVSKY, 2012, p. 48)

Salientamos que o objetivo geral do presente artigo é refletir acerca da evolução

histórica de uma dada linguagem radiofônica, dentro do gênero do radiojornalismo, para um

cenário em construção onde várias linguagens se apresentam para dialogar com o rádio,

possibilitando aí outros modos de produção, apuração, compartilhamento e feedback.

Para contribuir na discussão sobre os formatos noticiosos do all-news, talk-and-

news e all-talk no radiojornalismo brasileiro, dentro dessa perspectiva de convergência,

apresentaremos algumas informações ilustrativas em subcapítulo específico sobre a

emissora de rádio do grupo Bandeirantes, mais precisamente a BandNews Fm do Rio de

Janeiro. Esclarecemos que a escolha se deveu por dois motivos de ordem prática, não

configurando opção metodológica específica. Em primeiro lugar, a BandNews Fm do Rio

de Janeiro firmou, neste ano de 2014, um projeto de cooperação com a Escola de

Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, através do projeto de iniciação

artística e cultural intitulado Audioativo.com, para operacionalização de programas de

estágio, produção de material compartilhado na webradio da UFRJ e visitas à emissora. O

segundo motivo é que o autor deste artigo tem orientado trabalhos de conclusão de curso

que, por sua vez, têm utilizado as emissoras Bandnews FM e CBN-Rio como estudos de

caso, o que resulta em interessante e relativamente extenso material de pesquisa. Ainda com

relação à metodologia, optamos nesse momento pela compilação bibliográfica e

hemerográfica sobre o tema, com a ressalva de que a presente pesquisa se ampliará através

de observação in loco para percepção do modo de produção das emissoras do gênero talk-

and-news da cidade do Rio de Janeiro, entrevistas com profissionais do rádio e articulação

com a linha de pesquisa do recém-criado Mestrado Profissional em “Criação e Produção de

Conteúdos Digitais”, subárea de Meios Digitais, do Programa de Pós-Graduação em

Tecnologias e Linguagens da Comunicação (PPGTLCom-UFRJ).

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Uma sucinta história do radiojornalismo brasileiro

Foi em 1922 que Edgar Roquette-Pinto, junto com cientista Henrique Morize,

procurou convencer o governo a adquirir equipamentos para dar início à radiofusão

nacional. Naquele mesmo ano ocorrera o célebre evento em comemoração ao centenário da

independência, com os aparelhos radiofônicos cedidos pela Westinghouse e Western

Electric. A história oficial registra o dia 20 de abril de 1923 como a data de inauguração da

Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. Em linhas gerais a programação consistia em noticiário

e música erudita, sendo que o primeiro “jornal falado” da história do país foi intitulado de

“Jornal da Manhã”. Era possível acompanhar ainda aulas de português, história, geografia,

palestras sobre temas gerais, além das discussões que surgiam das notícias dos periódicos.

Interessante notar que Roquette-Pinto era o responsável pela locução e comentários

noticiosos do dia, atividades que o faziam recorrer aos jornais impressos para uma leitura

ipsis litteris. Com um indefectível lápis vermelho, segundo reza a lenda, ele assinalava as

manchetes mais importantes, num exercício de seleção e hierarquização do noticiário. Não

havia equipe de repórteres na emissora.

Um ano depois surgia no Rio de Janeiro a Rádio Clube, criada com moldes

semelhantes à Sociedade: as classes mais abastadas social e economicamente sustentavam a

emissora com o pagamento mensal para uso dos aparelhos receptores; havia ainda doações

de discos e contribuição financeira para incremento tecnológico. A propaganda ainda era

proibida e o decreto-lei de número 16.657, de 15/11/1924, determinava que o governo

“reservava para si o direito de permitir a difusão rádio-telephonica (broad-casting) de

annuncios e reclames commerciais”). Existiu por um período um acordo de cavalheiros

entre a Rádio Sociedade e a Rádio-Clube do Rio de Janeiro, de modo que elas transmitiam

em dias e horários diferentes (uma às segundas, quartas e sextas e a outra às terças, quintas

e sábados).

As emissoras3 que surgiram na década de 1920 procuravam atingir um público mais

vasto, irradiando alguns programas em praças públicas com altos-falantes, de modo a

divulgar as peças radiofônicas. A autorização da veiculação de publicidade, através do

decreto número 21.111, de março de 1932, possibilitou aumento substancial de arrecadação

das emissoras para contratação de elencos, tecnologia, infraestrutura como estúdios,

auditórios e discoteca.

3Os transmissores e receptores foram ficando mais baratos ao longo dos anos 30, aumentando a “cadeia radiofônica”. Mesmo assim, nem todos conseguiam ter um exemplar em casa, o que fez surgir o curioso fenômeno do “rádio vizinho”. Virou praxe também que comerciantes mais abastados, para atrair clientela, comprassem aparelhos receptores.

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Com o tempo, o radiojornalismo começou a ganhar força e se espalhou por outras

emissoras. Com a transmissão das informações de forma célere o rádio noticioso se

impunha, já que os “jornais impressos não tinham a agilidade e o alcance que começaram a

ser requeridos pela nova realidade. O rádio passava a ser encarado como meio

essencialmente informativo” (ORTRIWANO, 1991, p. 72). Ainda de acordo com a autora

supracitada, o radiojornalismo surge em termos editoriais em 1932, na Rádio Record, na

época da Revolução Constitucionalista, em São Paulo: “A emissora fazia fortes conotações

de parcialidade. (…) Era a primeira vez que o rádio era usado como instrumento de

mobilização popular” (ORTRIWANO, 1991, p. 70).

Um dos principais radiojornais da era de ouro do rádio foi, indubitavelmente, o

“Repórter Esso4” que, por sua vez, contribuiu no traçado de uma estrutura narrativa singular

para o meio. As emissoras como um todo passam a investir em estruturas próprias de

cobertura e redação noticiosas - a Rádio Nacional do Rio de Janeiro, por exemplo, criou a

seção de Jornais Falados e Reportagens. Heron Domingues elaborou ali um dos primeiros

manuais de redação e estilo, intitulado “Técnica e Execução do Radiojornalismo”, de 1949:

“Quando um noticiário bem lido varre um compartimento, os homens param de conversar para prestar atenção. E ganham novo respeito pela voz que os faz calar sem uma ordem especial. Também esse é outro motivo pelo qual uma notícia tem que ser bem feita: ela tem que valer a atenção do ouvinte; não pode decepcioná-lo. (DOMINGUES, Heron APUD MOREIRA, 2011, p. 29)

Já o “Grande Jornal Falado Tupi”, do conglomerado de Assis Chateaubriand,

estreou em São Paulo, em 1942, com a proposta de ser um jornal falado de integração

nacional, para ser ouvido em todo o interior do país, ao focar em informações de interesse

popular e na valorização dos municípios.

Se nos primórdios do radiojornalismo, a prática era a do “gillete-press”, com o

passar do tempo, houve um aperfeiçoamento da estrutura narrativa tendo em vista as

especificidades do suporte midiático. Assim, entraram as escaladas, efeitos de sonoplastia,

notícias agrupadas em blocos, reportagem de rua, entre outros.

Com o advento da televisão, que engatinharia por pelo menos uma década, algumas

emissoras buscaram na prestação de serviço e nas notícias de utilidade pública estratégias

para fazer frente a um veículo de grande apelo. A programação da manhã, por exemplo, das

4 O programa “testemunha ocular da história” estreou às 12h55m do dia 28 de agosto de 1941, na Rádio Nacional. Era patrocinado pela Esso Brasileira de Petróleo e contava com os serviços noticiosos da United Press Internacional, além de equipe local. Foi veiculado também na Rádio Record, de São Paulo, Inconfidência, de Belo Horizonte, Farroupilha, de Porto Alegre e Rádio Clube de Pernambuco, de Recife.

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6h às 10h, ficou para o “horário nobre”, lembrando que até o surgimento da TV, a maior

audiência do rádio se concentrava à noite.

Klöckner e Bragança (2001, p. 56) procuram distinguir prestação de serviço e

notícias de utilidade pública. O primeiro termo guarda relação com a necessidade social e

não precisa, obrigatoriamente, ser veiculado de modo imediato, a exemplo das orientações

para preenchimento das fichas para declaração de pessoa física do Imposto de Renda. Já o

segundo termo tem relação com as notícias que precisam ser veiculadas no calor dos

acontecimentos, a exemplo de pedidos de doação de sangue, falta de luz ou água, orientação

sobre o trânsito, entre outras.

A evolução tecnológica contribuiu para que o rádio se mantivesse presente na vida

dos ouvintes, embora tenha sofrido o baque com a aposta feita pelo governo militar de 1964

na televisão como principal veículo de comunicação de massa. Com relação as inovações,

podemos citar a chegada do gravador magnético de som, o transistor, a freqüência

modulada5, a transmissão via satélite (que viria depois de algumas décadas), entre outros.

Em São Paulo, nos meados dos anos de 1950, a Bandeirantes investiu em uma programação

24 horas nos sete dias da semana, focando no jornalismo. O formato era o de passar notícias

e outras informações a cada vinte minutos, baseado no modelo argentino de rádio. Foi na

Bandeirantes também que, anos mais tarde, o jornalístico matutino, o “Primeira Hora”,

seria transmitido para 25 emissoras. A Panamericana, também paulistana, que em 1965

passou a se chamar Jovem Pan, tornou-se referência em prestação de serviços e jornalismo.

O rádio AM começou a se expandir em programações unificadas ainda na década de 1970.

Uma das primeiras emissoras a utilizar a programação em rede foi a Jovem Pan, com o

“Jornal de Integração Nacional”. Nos anos 1980, por exemplo, o Brasil segue a tendência

da segmentação de públicos, com emissoras, nos grandes centros urbanos, especializadas

em determinados tipos de programação – jornalismo, esportes, rock nacional e outros

gêneros musicais. Na postura de modulação em FM, houve uma concentração de rádios de

programação musical. Grupos de rádio em FM passaram a transmitir programação para

todo o Brasil formando as redes. Muitas somaram o prefixo “sat” aos seus nomes fantasia.

A rádio Jornal do Brasil AM, a partir de 1980, foi a pioneira na adoção do modelo

all news, já consagrado em países como os EUA. A emissora já tinha tradição no

5A popularização da FM se tornou possível, a partir dos anos 1970, graças a uma portaria do Ministério das Comunicações, de 27/04/1973, que fornecia incentivos à indústria dos eletrônicos para a produção de dispositivos transmissores e receptores de ondas hertzianas. Na realidade tratava-se, acompanhado do apoio à formação das redes de televisão, de uma estratégia de esvaziamento do rádio, como defendido pelo autor no 3º Encontro Regional Sudeste de História da Mídia, da Rede Alfredo de Carvalho, GT História da Mídia Sonora, com o artigo “rádio informativo no período da ditadura militar de 64”.

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radiojornalismo carioca (nos anos 1970 adotara o slogan “música e informação”, que se

mantém até hoje). Seis anos após, a rádio JB acabou com o projeto. Apesar de experiências

bem-sucedidas, como a cobertura para as eleições para governador em 1982, a audiência e o

apoio publicitário foram retirados ano após ano:

“Com profissionais médios com quem a gente trabalha, esse tipo de rádio jamais daria certo, porque é preciso uma capacidade de trabalho e de improviso muito grande e de pessoas com habilidade de microfone se revezando no trabalho diário. Um investimento profissional muito grande para manter a rádio no ar nas horas que não fossem de pique no noticiário, porque o all news deve se manter no ar independente de informações. Além disso um investimento técnico e isso a JB AM nunca teve, como carros equipados com bons transmissores e telefones diretos no estúdio para que os repórteres pudessem se alternar no ar, ao vivo.” (DRUMMONDapud MOREIRA, 1987, p. 115)

O que se viu no dial carioca desde a virada do milênio foi a consolidação do FM

dentro do segmento rádio em detrimento do AM, cada vez mais visto como um modelo

datado, ainda mais depois do lançamento de tocadores de música portáteis de high fidelity e,

sobretudo, da fuga incessante de anunciantes para outras mídias. Um caminho encontrado

por algumas empresas de radiodifusão foi o simulcasting, ou seja, a transmissão da

programação tanto em AM quanto em FM. De acordo com Hal Kneller, em vez de resgatar

o sistema de amplitude modulada, o simulcasting contribuiu para agravar a situação das

emissoras que operavam canais distintos em AM e FM, numa espécie de canibalização da

audiência. Segundo ele, quando simplesmente se duplica a programação em duas bandas, os

ouvintes preferirão sempre a qualidade do FM, com a consequente desmobilização das

equipes de trabalho. A pesquisadora Nelia Bianco destaca:

“A saída sugerida pelos radiodifusores é utilizar os canais 5 e 6 das Tvs analógicas que serão desocupados totalmente em 2016, quando terminar o simulcast da TV digital, para aumentar a disponibilidade de canais FM e transferir para o AM esse novo ambiente. Na prática, cada emissora de rádio AM receberá um canal na nova faixa de FM” (BIANCO, 2012, p. 34)

Contudo, é inegável que haverá ao menos duas perdas sensíveis com a migração

supracitada. A primeira se refere ao perfil do público-alvo e, a segunda, ao menor alcance

da postura de modulação em FM. Mas, como fez ao longo de quase um século, o rádio

brasileiro se adaptará ao novo cenário. Com perdas e ganhos.

All news, all talk e talk and news

As emissoras do gênero all news têm conteúdo voltado para a veiculação de

notícias, sobretudo hard news; as all talk adotam o modelo de programação no qual

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predominam entrevistas, debates, enquetes, mesa redonda e conversas com os ouvintes; o

sistema talk and news configura um modelo híbrido. O aparecimento das all news está

diretamente ligado ao processo de segmentação pelo qual o rádio passou na década de 80. A

busca de empresas era por oferecer programação para um destinatário definido, atraindo

assim anunciantes que se adequassem a este determinado tipo de audiência. Não é à toa que

a proposta foi burilada e vimos surgir, na segunda década do terceiro milênio, emissoras

patrocinadas6.

"As rádios customizadas são excelentes meios de agregar valor, pois é o ouvinte queprocura o conteúdo feito pela marca, espontaneamente", explica Marcos Henrique Bedendo, professor de Gestão de Marcas da ESPM”. (Folha de São Paulo, 04/03/12)

A Central Brasileira de Notícia entrou no ar em outubro de 1991 com o slogan “A

rádio que toca notícia”, criado pela agência DM9, do publicitário Nizan Guanaes. A

emissora ocupou no Rio de Janeiro o dial da Eldorado AM e em São Paulo, o da Excelsior

AM, mas ainda não transmitia em rede. A partir de 1995 a rádio passou a operar em

simulcasting, AM e FM, em São Paulo. Já no Rio isso só aconteceu em 2005, numa

estratégia para aumentar a “audiência que até então era de 25 mil ouvintes por minuto”

(TAVARES, 2006, p. 50).

Atualmente, tanto CBN como Bandnews operam em sistema de rede, com a cabeça

em São Paulo. De acordo com o jornalista Milton Jung, “a cabeça de rede define a linha

editorial. As afiliadas têm o compromisso de enviar boletins e participar da programação”.

A título de registro histórico, cumpre lembrar que a transmissão nesse tipo de sistema (FM)

foi facilitada, em 1989, quando o governo federal criou a Radiosat, graças ao lançamento de

dois satélites anos antes.

Dentre as principais características dos sistemas all news podemos citar a prestação

de serviços, o tipo de programação adotada, seja linear ou em fluxo, a ancoragem e a

participação dos ouvintes na proposição de pautas.

“O pressuposto de encontrar um público determinado a uma hora determinada é abandonado em função de uma nova estratégia: trata-se agora de reconhecer que as disponibilidades temporais do público são heterogêneas, abrindo mão da expectativa exagerada quanto à sua permanência e substituindo-a pela expectativa de frequência, com a fragmentação do tempo de consumo. A nova estratégia obedece a uma lei de mercado que caracteriza cada vez mais a oferta radiofônica com base na sua utilidade instantânea”. (MEDITSCH, 2001, p. 199)

6Também chamadas de customizadas, atuam em nichos específicos do mercado, como a Mitsubishi FM, a Bradesco Esportes, a Sulamérica Trânsito FM, rádio Disney, OI FM entre outras.

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A partir deste pensamento é possível compreender a mecânica da atualização das

informações na CBN com resumo de notícias a cada 30 minutos (a síntese noticiosa

“Repórter CBN”) ou a proposta de um jornal completo em 20 minutos da Bandnews. Ao

reconhecer a heterogeneidade da disponibilidade do público, e utilizando a nova lógica de

mercado, com a instantaneidade do rádio, essas emissoras all news oferecem aos ouvintes a

possibilidade de ficarem atualizados, mesmo que ouvindo apenas pouco tempo da

programação. A proposta de linearidade da programação é substituída pela rotação:

“Ela continua a seguir de forma linear, mas não em linha reta, e sim “espiralada”. Terminando o primeiro anel, um outro nasce imediatamente e reproduz o mesmo movimento, numa espiral que se alonga ao infinito” (MEDITSCH, 2001, pg. 202).

A proposta de fluxo na programação leva à repetição das notícias que são lidas, o

que é comum no dia a dia das all news. Afinal, a rádio não apresentará somente

informações novas o tempo todo. Para o bom funcionamento do sistema em fluxo é

necessária a abundância da produção.

Mas, voltando ao tema, importante destacar outro elemento vital nas transmissões

radiofônicas das rádios noticiosas: o som, o “único recurso à produção de sentido e único

recurso material responsável pelo impacto da notícia” (FERRÃO NETO, 1997, p. 4). Sobre

esse aspecto, aproveitar o som significa também usar a sonoridade das palavras a favor da

notícia. O texto radiofônico tem de aproximar o ouvinte da informação, daí o uso de

palavras de fácil entendimento, mais próximas da oralidade coloquial. O profissional que

trabalha no rádio tem muitas vezes pouco tempo para apurar, gravar, redigir e editar

matérias. E é fundamental que seja rigoroso na apuração, criterioso e atento com a seleção

lexical, bem como na edição dos trechos das sonoras. Alguns jornalistas apoiam-se, para as

transmissões, em textos lidos previamente e “costuram” a notícia no momento em que estão

no ar, ao vivo, como se fosse uma conversa improvisada entre âncora e repórter ou

comentarista.

O tom da voz e as vinhetas dos programas também ajudam o ouvinte a identificar o

programa e a emissora em que está sintonizado. A trilha sonora é usada no radiojornalismo

com “função fática e gramatical pois pontua parágrafos e define quando termina ou começa

um assunto” (SILVA NETO, 2006, p. 6). Além da voz, o silêncio e outros sons, portanto,

também compõem a notícia.

Nas emissoras com a proposta all news, a prestação de serviços e as notícias de

utilidade pública são itens obrigatórios na programação, tanto em AM como em FM.

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“Quando há uma catástrofe qualquer, uma crise qualquer, a primeira coisa que você faz é ligar o rádio. E também, quando falta luz, é o radinho de pilha que você liga. Todo mundo corre pro radinho. E os próprios ouvintes telefonam para dar alguma informação” (SAROLDI apud BARBOSA, 2004, p. 136).

Durante o período do blecaute que atingiu parte significativa do país no dia 10 de

novembro de 2009, o rádio confirmou sua importância na prestação de serviços à população

que não tinha acesso sobre o que acontecia naquela noite. Em coluna semanal, o jornalista

Artur Xexéo publicou:

“O momento de maior crise durante o apagão foi o de procurar, às escuras, duas pilhas AA que fizessem a traquitana funcionar. Mais uma vez, a tarefa foi cumprida pelo integrante mais esperto da família. E...fez-se o som! A partir daí passei a noite acompanhado do reconfortante som do noticiário de rádio sobre os problemas na Itaipu Binacional, em Furnas e, melhor ainda, acompanhei a luz voltando ao Paraguai, a São Paulo, ao Leblon... a grande invenção do século XX é o rádio de pilha” (O GLOBO: 2009, 26)

Tal fato nos faz lembrar que foi o jornalista Reinaldo Jardim o responsável pelo

programa Serviço de Utilidade Pública, na Rádio Jornal do Brasil AM, em 1959. O

objetivo era resgatar o contato direto com o ouvinte, o que, pouco a pouco, algumas rádios

também fizeram ao criarem quadros sobre meteorologia, trânsito e ofertas de emprego. Esse

diálogo com o ouvinte é levado tão a sério que gerou até um bordão no programa “CBN

Esporte Clube”, da rede CBN. Juca Kfouri, então apresentador, recebeu um recado de uma

ouvinte no dia seguinte à estreia do programa. A ouvinte, Dona Nadir, ligou para a redação

e reclamou: “Avise a esse rapaz que rádio é prestação de serviço e que se ele não informa as

horas eu esqueço de tomar o meu remédio”. O apresentador lembrou de informar as horas e

deu o recado: “Oito e meia da noite, Dona Nadir, é hora de seu remédio”. A ouvinte deixou

novo recado, agradecendo.

De acordo com pesquisa do Ibope, realizada a pedido do Secretaria de

Comunicação Social, da Presidência da República, e divulgada em março de 2014, “61%

dos brasileiros ouvem rádio e 50% dizem confiar sempre ou muitas vezes nas informações

passadas por essa mídia” (O Globo, 08/03/2014, p. 28). Audiência, interatividade, criatividade

e credibilidade são conceitos almejados pelas emissoras comerciais e as estratégias para

atingir esses fins, variam. Para tentar ilustrar como isso se dá, buscaremos uma emissora

como exemplo, que longe de figurar como paradigmático, serve ao menos para descrever o

modus operandi da mesma e as estratégias utilizadas no cenário de convergência midiática

e tecnológica.

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BandNews 94,9 FM

Oito redações compõem a rede da autointitulada all news Band FM: Rio de Janeiro,

São Paulo, Curitiba, Porto Alegre, Salvador, Fortaleza, Belo Horizonte e Brasília. O slogan

da rádio é “em 20 minutos tudo pode mudar”, porque a programação é composta por blocos

locais e nacionais, estes veiculados pela redação de São Paulo, que se revezam de 20 em 20

minutos na maior parte do dia. Há exceções, na praça fluminense, para quatro jornais

diários, nos dias de semana: O Jornal BandNews Notícias da Manhã e as três edições do

Jornal BandNews Rio. Esses noticiários vão ao ar apenas no estado do Rio de Janeiro.

A grade de programação, com a seleção de conteúdos, substitui a clássica ideia de

linearidade pela proposta de rotação e repetição:

“A lógica do agendamento de compromisso com hora marcada (o pegue agora ou largue para sempre) é substituída pela lógica da disponibilização permanente do enunciado sem começo nem fim (o pegue quando quiser), cedendo ao pólo da recepção o poder de determinar os limites temporais da comunicação”. (MEDITSCH; BETTI, 2008, p. 5)

De acordo com diretor de jornalismo do grupo Band, Rodolfo Schneider, o público

ouvinte da rádio é formado majoritariamente por pessoas das classes A e B em uma faixa

etária considerada jovem, entre 20 e 49 anos.

“A gente tem público amplo, às vezes meninos de 10 anos têm o costume de escutar a rádio com o pai, ou idosos. Você tem, às vezes, gente da classe E que gosta do jeito que o Boechat se comunica. Mas, de público-alvo, a gente tem um público jovem ‘AB’ e mais homens do que mulheres. E não tem jeito, você tem que ter um público-alvo, porque se você pensar que atinge todo mundo e tem um foco muito amplo, você acaba não atingindo ninguém”. (KUSCHNIR, 2014, p. 21)

Para produzir o conteúdo para as programações local e de rede, a redação da rádio

carioca conta com 30 funcionários. Há uma chefe de redação, dois chefes de reportagem,

um em cada turno, dezesseis repórteres e onze estagiários. Os chefes atuam como âncoras,

editores e até produtores, além de operadores da mesa de áudio. A maioria dos repórteres

também está apta a fazer todas essas funções e normalmente as realiza durante os plantões,

quando o efetivo é reduzido. O acúmulo de funções dentro da redação, portanto, é presente

no dia a dia dos profissionais da rádio, uma tendência cujo crescimento é observado nos

veículos de comunicação em geral desde a década de 1990, com todos os bônus e ônus

dessa política de contenção de despesas. Uma das ocupações dos estagiários, e

eventualmente de repórteres e até da chefia, é atender aos telefonemas de ouvintes, que têm

função estratégica na BandNews FM, tanto para manter a interatividade como para utilizar o

ouvinte como fonte. “Há uma percepção nossa de que ninguém é melhor do que o ouvinte

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para descrever as coisas da cidade. Muitas vezes o repórter apura com fontes oficiais, mas

não estava lá vivenciando. Por que não o próprio ouvinte falar?!” (KUSCHNIR, 2014, p.

34).

O telefone, porém, não é a única tecnologia que une os ouvintes à redação. Existem

contas de e-mail e de mídias sociais, como Facebook, Twitter e WhatsApp que também

servem de canal direto entre o público e os repórteres. Existe um convite por parte do

âncora para que o ouvinte participe e todos os endereços e números são repetidos pelo

menos de hora em hora durante os blocos regionais.

Um estudo do departamento de marketing do grupo Band, de 2013, apontou que os

ouvintes de classes mais baixas tendem a usar mais o telefone para se comunicar com a

redação da empresa, enquanto os de classes altas utilizam a internet (RIBEIRO, 2012, p.

15). A praça do Rio de Janeiro é conhecida por ser a que tem maior participação dos

ouvintes da Bandnews. São cerca de quatrocentas ligações diárias, além de mensagens pelas

mídias sociais. A chefe de redação Mariana Procópio se orgulha do dado e afirma que as

ligações servem também para moldar a programação local da rádio.

Oitenta por cento das mensagens que recebemos são em torno dereclamações de prestação de serviço onde o poder público não dá conta: éfaltando água, faltando luz, médico faltando no posto de saúde, buraco narua. Então, se 80% das ligações que eu recebo são disso, eu acredito que éisso que meu ouvinte quer. Essa questão passa não só pela busca daaudiência, mas também pelo cumprimento do papel social que é do rádio edo jornalismo em si. (KUSCHNIR, 2014, p. 29)

O foco na prestação de serviços, porém, vale para a programação local mais do que

para a geral, ou seja, para cerca de metade do total de notícias diárias. Por mais que não

haja diferença entre repórteres de editorias separadas, por exemplo, serviços e notícias

locais, apenas as notícias locais viram matérias nacionais. Portanto, existe uma diferença de

conteúdo dos noticiários locais e dos noticiários de rede. Todas as praças são obrigadas a

enviar, por dia, pelo menos três boletins de até 2 minutos e 15 segundos, com no mínimo

uma entrevista editada compondo a matéria. O padrão serve para unir as diferentes matérias

de praças e mostra a relação forte entre as sedes e deixa claro que são todas parte da mesma

empresa, a BandNews FM.

Além da oralidade e do áudio que serviram e servem de baliza para o rádio

tradicional, a BandNews FM procura dialogar com o ouvinte através das telas, seja

disponibilizando uma câmera fixa no estúdio para que se possa acompanhar a transmissão e

os bastidores de um programa radiofônico, seja veiculando material exclusivo em site.

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Aplicativos específicos para aparelhos móveis, como smartphones, são disponibilizados de

modo gratuito para sistemas operacionais IOS, Android ou Apple. Através deles é possível

acompanhar ao vivo a programação. Já no site das emissoras, o público escolhe a

transmissão on demand, quando se baixa para o computador pessoal um arquivo de áudio

para que se possa ouvi-lo no momento mais oportuno, ou via streaming, em tempo real.

Outro aspecto que pode ser observado no cotidiano da emissora, é a apropriação de termos

relacionados aos softwares ou comuns às redes sociais. Deste modo, o âncora mais

identificado com a proposta da emissora, Ricardo Boechat, solicita que o ouvinte entre em

contato com ele “enviando um whatsapp”, “mandando um torpedo”, “compartilhando um

tweet”. Durante a programação é possível receber a orientação do âncora sobre a utilização

de determinada hashtag. E a produção fica atenta também para o que é discutido nas redes

sociais, tais como os assuntos que figuram no trending topics ou a repercussão de algo

postado ali. Um dos senões, sobre os riscos decorrentes da prática de generalizar o uso de

expressões típicas da internet ou das redes sociais, é acabar por afastar o receptor incapaz

de decodificar aquele código, justamente por uma questão de repertório vocabular.

Dispositivos móveis celulares e os aplicativos de redes sociais.

Com as novas tecnologias, o rádio “revolucionou a relação cotidiana do indivíduo

com a notícia, imprimindo uma nova velocidade e significação aos acontecimentos”

(CALABRE, 2002, p. 9). As emissoras de rádio têm sabido “conversar” com as telas,

incorporando ao seu modo de produção outras plataformas digitais, E é cada vez maior a

contribuição do ouvinte na programação jornalística das emissoras, atuando como eixo

importante para a produção de matérias. O ouvinte assume papel de co-emissor: ele

compartilha a maneira como colaborou com a produção do programa em redes sociais; atua

como fonte de informação, dentro da proposta do jornalismo colaborativo, quando não

empresta uma vivência pessoal como mote para abordagens jornalísticas do tipo

testemunhais. Enfim, ao lado de interações mais tradicionais como ligações, e-mails com

sugestões, cartas à redação, espaço “fale conosco” dos sites, vimos tornarem-se parte da

programação os comentários em redes sociais como twitter (@bandnewsfmrio) ou facebook

(pt-br.facebook.com/bandnewsfmrio), o recurso do endereçamento de mensagem através do

@, uso de hashtags com assuntos de interesse, aplicativos de comunicação direta como o

WhatsApp... e tudo isso comentado no ar e utilizado como fonte ou mecanismo de interação

do novo rádio. A retroalimentação se tornou uma necessidade, operacional e

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mercadológica, sobretudo para as emissoras que adotaram o formato do talk-and-news,

onde é necessário se desdobrar para cobrir as vinte e quatro horas de programação. Não que

nas demais mídias, como a televisão ou o impresso isso não seja possível, mas devido ao

imediatismo premente, a participação dos ouvintes é recorrente.

A indústria do rádio tem acompanhado também o desenvolvimento de outro gênero:

as rádio web que, por sua vez, permitem que cada pessoa monte sua própria programação,

criando uma rádio virtual, e democratizando a informação. Para Heródoto Barbeiro e Paulo

Rodolfo de Lima (2001, p. 38), o rádio deve ser cada vez mais “formativo” do que apenas

“informativo”, priorizando qualidade e não a quantidade. O futuro das emissões

radiofônicas também está ligada a adoção do padrão digital7 que vai possibilitar maior

qualidade nas transmissões e maior quantidade de emissoras. De acordo com a Anatel, entre

os aspectos básicos para que um sistema seja adequado à realidade do Brasil estão: permitir

o simulcasting, operar de maneira satisfatória em ondas curtas, médias, tropicais e FM,

cobertura digital igual à analógica, porém com menor potência irradiada, transmissão de

dados auxiliares, sistema de ondas curtas, médias e tropicais com qualidade superior a atual,

em modo estéreo, compatível com FM. Porém, como salienta Nelia Bianco, pairam no ar

algumas incertezas quanto às benesses advindas com a implantação do rádio digital bem

como questionamentos relacionados aos custos e cobertura:

“O impasse traz incertezas quanto ao futuro: 37% dos radiodifusores brasileiros nãotem planos para a rádio digital porque aguardam definições técnicos sobre o padrão.No entanto, há uma grande expectativa quanto aos benefícios da mudança tecnológica. Esperam que com a digitalização se consiga melhoria da qualidade de som (36%), incremento da oferta de produtos adicionais (16%), aumento da audiência (13%) e o tão desejado crescimento do faturamento (10%). Por outro lado, poucos enxergam na tecnologia potencial para conquistar ouvintes diferenciados do perfil atual (9,58%) ou acreditam na melhoria da gestão do negócio rádio (7%)”. (BIANCO; ESCH, 2010, p. 33)

Considerações finais

O rádio no Brasil passou de uma simples leitura dos jornais impressos para o

desenvolvimento de uma linguagem onde a convergência tecnológica e midiática se

impuseram. No sistema em redes, o público estabelece ainda nova relação com as empresas

jornalísticas que, por sua vez, procuram se mostrar mais engajadas e preocupadas em criar

laços de colaboração/afetividade via mecanismos de conexão mediada, sejam microbloggs,

aplicativos específicos, redes sociais ou outros quaisquer. A práxis da reportagem em rádio

7 O rádio digital funciona através de um sistema que digitaliza os sinais analógicos de aúdio antes de sua transmissão para os receptores. Dois dos sistemas, dentre vários possíveis, são o Iboc, testado pela Abert e Universidade Mackenzie, e o DRM, testado pela Radiobrás e UNB.

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também precisa ser melhor cartografada, em termos teórico-metodológicos, nesse horizonte

de transformações políticas, econômicas e culturais sob os auspícios dos grupos de

pesquisa. Estes, por sua vez, poderão lançar seus olhares sob o rádio (in)formativo não

apenas sob o enfoque do suporte midiático mas sim da (re)definição dos gêneros

jornalísticos e dos novos modos de produção e recepção.

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