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Rádio no Recôncavo da Bahia – do alto falante às transmissões radiofônicas (um estudo de caso em Cachoeira e São Félix) Alene da Sillva LINS¹ 1. Professora MSc do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia; orientadora do Projeto Memória do Rádio no Recôncavo – pelo Programa Permanência UFRB MEC/SESu; Cachoeira e São Félix, respectivamente a 110 e 120 km da capital, só tiveram emissoras no final da década de 90 (Cachoeira) ou ainda operam no sistema de alto-falante (São Félix). A decadência econômica, vivida pelas cidades do interior do Recôncavo, explica em parte a falta de investimento na radiodifusão local no período áureo do rádio. Mas o circuito fechado (sistemas de alto-falantes) teve e ainda têm função estratégica na comunicação e informação para as duas cidades, já que elas não possuem cobertura de emissoras de TV. O rádio é muito valorizado nas duas cidades, têm grande audiência e participação de ouvintes. Este artigo é resultado do Projeto de Pesquisa ‘Memória do Rádio no Recôncavo’, com utilização da metodologia da História Oral em entrevistas com moradores antigos, alguns radialistas aposentados, além de visitas às rádios atuais e ao estúdio do sistema de alto-falante; o resultado foram depoimentos ricos sobre a linguagem de rádio nos sistemas de circuito fechado e a programação que deixou um saudosismo nas lembranças dos depoentes. Palavras-chave: Radiodifusão; Circuito Fechado de Rádio; História Oral; Cachoeira e São Félix.

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  • Rdio no Recncavo da Bahia do alto falante s transmisses

    radiofnicas (um estudo de caso em Cachoeira e So Flix) Alene da Sillva LINS

    1. Professora MSc do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Recncavo da Bahia; orientadora do Projeto

    Memria do Rdio no Recncavo pelo Programa Permanncia UFRB MEC/SESu;

    Cachoeira e So Flix, respectivamente a 110 e 120 km da capital, s tiveram emissoras

    no final da dcada de 90 (Cachoeira) ou ainda operam no sistema de alto-falante (So

    Flix). A decadncia econmica, vivida pelas cidades do interior do Recncavo, explica

    em parte a falta de investimento na radiodifuso local no perodo ureo do rdio.

    Mas o circuito fechado (sistemas de alto-falantes) teve e ainda tm funo estratgica na

    comunicao e informao para as duas cidades, j que elas no possuem cobertura de

    emissoras de TV.

    O rdio muito valorizado nas duas cidades, tm grande audincia e participao de

    ouvintes. Este artigo resultado do Projeto de Pesquisa Memria do Rdio no

    Recncavo, com utilizao da metodologia da Histria Oral em entrevistas com

    moradores antigos, alguns radialistas aposentados, alm de visitas s rdios atuais e ao

    estdio do sistema de alto-falante; o resultado foram depoimentos ricos sobre a

    linguagem de rdio nos sistemas de circuito fechado e a programao que deixou um

    saudosismo nas lembranas dos depoentes.

    Palavras-chave: Radiodifuso; Circuito Fechado de Rdio; Histria Oral;

    Cachoeira e So Flix.

  • Introduo

    No Brasil, a utilizao de alto-falantes na transmisso da linguagem de rdio (emisso

    em circuito fechado), comeou no dia 7 de setembro de 1922, na comemorao do

    Centenrio da Independncia. A instalao foi feita pela Companhia Telefnica

    Brasileira. (COSTA & NOLETO, 1997). Pouca gente tinha aparelho de rdio e o

    circuito fechado foi uma maneira de difuso bastante democrtica, adotada para fazer

    as ondas do rdio viajarem para mais pessoas. Mais de oitenta anos depois, com a

    facilidade de compra e evoluo do aparelho, que se tornou porttil, como explicar a

    sobrevivncia do circuito fechado em algumas cidades, como nica forma de

    transmisso local da linguagem de rdio?

    So Flix, no interior da Bahia, situada no Recncavo Baiano, a 120 km da capital, no

    tem uma emissora, apenas um sistema de alto-falantes, que ainda hoje o meio mais

    utilizado pela populao para mandar recados e divulgar produtos.

    Cachoeira, a cidade vizinha, ganhou a primeira emissora em 1998.

    A Bahia tem emissoras de rdio desde maro de 1924, quando Oscar Carrascosa,

    Agenor Miranda, Caio Moura e Gustavo Lopes fundaram a Rdio Sociedade da Bahia.

    A Rdio Sociedade PRA-4 tinha programao variada com radionovelas, radioteatros,

    programas de auditrio, de calouros, audies de artistas internacionais, nacionais e

    locais, debates e conferncias e era referncia no estado.

    A Rdio Excelsior ZYD-8, segunda emissora de rdio da Bahia, fundada em 1940

    pertencia a Igreja Catlica e era dirigida por um religioso. Por ser de orientao

    catlica e pouco ligada a assuntos de cunho poltico, a programao dessa rdio tinha

    um jornalismo pouco assduo.

    A Rdio Cultura ZYN-20 pertencia ao paulista Jos Ribeiro Rocha. A ZYN-20 era

    tambm conhecida como, a caulinha, por ter nascido em 1950, dez anos aps a

    segunda emissora de rdio do estado, a Excelsior, sendo, portanto, a terceira da regio.

    Tinha programao diversa, do radiojornalismo ao programa esportivo, alm de

    programas de auditrio como, por exemplo, As Grandes Atraes Musicais, sob o

    comando de Jorge Santos (PAULAFREITAS, 2004).

  • Dessas trs emissoras de Salvador, a que possua maior potncia era a Rdio Sociedade

    com a fora de 50.000 watts. Era a emissora dos baianos, rdio mais ouvida na

    capital e tambm nas pequenas cidades do Recncavo. Todos os depoentes desta

    pesquisa, com mais de 50 anos, lembram de ouvirem a Sociedade.

    Cachoeira e So Flix, conhecidas por sua diversidade e tradio cultural, trazem na

    memria de seu povo histrias de lutas e conquistas. As cidades tiveram forte

    imprensa, principalmente no perodo em que o transporte no interior da Bahia era pelo

    Rio Paraguau. Mas o interior do Recncavo foi esquecido econmica e socialmente

    aps a mudana da capital do Brasil para o Rio de Janeiro, com o declnio do acar e

    da desvalorizao do preo da terra e da desativao do transporte martimo e posterior

    abandono do Porto de So Roque do Paraguau, com o crescimento das vias terrestres

    (BRANDO, 1999).

    As cidades de Cachoeira e So Flix no tiveram a pujana radiofnica que se

    observou em outras regies da Bahia. No projeto Memria do Ouvinte de Rdio (um

    estudo de caso em Cachoeira e So Flix), investigou-se quais as primeiras emissoras

    de rdio em sistemas de radiodifuso ou circuito fechado (alto-falantes), nestas duas

    cidades e como o rdio era valorizado pelos ouvintes da poca de implantao do

    veculo no Brasil. Utilizou-se a estratgia metodolgica da Histria Oral (ALBERTI,

    1990) nas entrevistas com idosos, radialistas antigos e profissionais de rdio que esto

    na ativa.

    A Radiodifuso, os sistemas de circuito fechado e a linguagem de rdio em

    Cachoeira e So Flix

    (...) A Rdio Sociedade, foi a primeira que eu lembro de ouvi (...) minha

    famlia era muito humilde, eu era mulecote quando tive esse contato com o rdio.

    Mais tarde aqui em Cachoeira, tinham os servios de alto-falantes, era uma coisa

    mgica, todo mundo no horrio do seu programa ideal tinha que pregar os ouvidos no

    rdio e s saa no final. Era mgico porque a populao mais humilde, que era quem

    mais ouvia o servio, participava diretamente da programao. Os programas eram

    interativos e as pessoas podiam mandar recados, mandar mensagens. E os locutores

    faziam muito sucesso. Alguns chegaram a ir para o Rio de Janeiro. Foi uma poca

    mgica, Cachoeira vivia o progresso. uma pena que o tempo passe e as coisas boas

    acabem ficando para traz.

  • (Edson Salgado Almeida, 77 anos, aposentado, morador de Cachoeira).

    O primeiro servio de alto-falante foi implantado nos anos 1940. Segundo o morador

    de Cachoeira, Sr. Adilson Nascimento, hoje com 78 anos, radialista aposentado, o

    servio se chamava Vozes do Norte e inicialmente funcionou na rua 13 de Maio,

    centro de Cachoeira. Pouco tempo depois foi inaugurada Vozes de Cachoeira para

    fazer concorrncia com o servio j existente.

    De acordo com o relato do morador de Cachoeira Salustiano de Arajo, farmacutico

    aposentado, ex-prefeito da cidade, o alto-falante era muito apreciado, tinha extrema

    importncia na manuteno da populao informada e funcionava tambm como forma

    de entretenimento.

    Naquele tempo chamvamos cornetas os alto-falantes e do estdio a gente

    tocava e o pessoal ficava na praa brincando o carnaval porque naquela poca

    Cachoeira tinha carnaval,

    (Adilson Nascimento, 78 anos, radialista aposentado, morador de Cachoeira)

    Segundo Sr. Adilson, os alto-falantes eram instalados atravs de fios de ao e muitas

    caixas de som, espalhadas pela maior parte da cidade, que transmitiam a programao

    que acontecia no estdio. Eram noticiados aniversrios, casamentos, falecimentos,

    noivados, batizados e o que mais se quisesse anunciar (trecho do depoimento dele).

    O servio DPR-1 Vozes da Primavera (Diviso de Publicidade e Radiodifuso Vozes

    da Primavera) foi o de maior popularidade. Seu fundador, Elias Cardoso, era um

    mecnico apaixonado por msica. No por acaso, o nome do seu servio de alto-

    falante herdou o nome de uma msica que ele apreciava muito, Vozes da Primavera

    de John Strauss.

    O estdio era na cidade da Cachoeira, porm as transmisses eram feitas tambm para

    So Flix. L se chamava DPR-2 Vozes da Primavera. A fiao passava toda pela

    ponte centenria D. Pedro II, que liga as duas cidades, e muitas vezes a transmisso era

    feita em cadeia, ou seja, um radialista que estivesse em So Flix falava ao vivo de

    l; isso dava a impresso de ser realmente uma rdio, segundo Adilson Nascimento.

    Vozes da Primavera tinha uma programao diversificada para agradar a todos os seus

    ouvintes:

  • O dono do servio, Elias Cardoso, tambm criou um sistema de brincadeiras

    de auditrio, A tarde Nossa, que eu animava. A gente fazia com que as crianas

    fossem no cinema tambm, fazia no auditrio do cinema e pra toda a cidade. Ele teve

    uma idia tambm de criar o programa de calouros nos bairros

    (Adilson Nascimento, 78 anos, radialista aposentado, morador de Cachoeira)

    Outro programa que fazia bastante sucesso era Algum passou por aqui, no qual o

    artista que visitava a regio cantava ao vivo no estdio.

    Segundo os entrevistados, um programa de grande preferncia e audincia era o de

    calouros que percorria os bairros da cidade e de onde o programa era transmitido para

    o restante da cidade, provando que a proximidade era o maior atrativo.

    O rdio o jornal de quem no sabe ler; o mestre de quem no pode ir

    escola, o divertimento gratuito do pobre; o animador de novas esperanas; o

    consolador do enfermo; o guia dos sos, desde que o realizem com esprito altrusta e

    elevado (TAVARES, 1999, insero do CD).

    Os programas eram interativos e prendiam a ateno da populao que j vivia

    intensamente a alegria do rdio, segundo o aposentado Heraldo de Oliveira, 77 anos,

    morador de Cachoeira.

    O proprietrio do servio de alto-falantes possua uma discoteca com vrias relquias

    da msica nacional e internacional. Segundo os jornais da poca, o servio perdeu

    muito pblico com a chegada do rdio porttil (aparelho) em Cachoeira, e mais ainda

    com a posterior chegada da televiso na dcada de 80.

    Mesmo enfrentando dificuldades, Elias manteve o servio que desempenhou um papel

    social muito importante, poca em que a maior parte da populao no tinha acesso ao

    rdio e a televiso: A popularizao do rdio e da televiso foi aos poucos fazendo com que esse

    veculo de comunicao que j prestou relevantes servios comunidade fosse ficando

    de lado. (COSTA, 1991).

    Fundada em 25 de abril de 1990, a agncia RN Publicidade, localizada na cidade de

    So Flix, , atualmente o sistema de alto-falante e nica rdio da cidade. Reginaldo

    Nascimento, radialista, publicitrio e assessor de comunicao, declarou que desde

  • 1985 queria fundar uma rdio, mas houve uma resistncia por parte da prefeitura, pois

    achava que teria fins polticos.

    O mini-estdio do servio de alto-falante de Reginaldo composto por um

    computador, um microfone, uma mesa de som com oito canais, um toca CD com cinco

    pratos e um amplificador delta que sustenta a rdio. So ao todo doze caixas de som

    distribudas pelas principais ruas e praas da cidade: Praa do Iguatemi, rua JJ Seabra,

    na rua Paulino Gil, na Praa Ruy Barbosa, Praa do Relgio, Av. Salvador Pinto e

    Praa Antnio Almeida Maia.

    O estabelecimento comeou com uma vitrola de disco de vinil, que tocava msicas de

    vrios ritmos, desde MPB lambada. Para se pedir uma msica, os ouvintes precisam

    se deslocar at o mini-estdio, porque no tem linha telefnica que possibilite esse tipo

    de servio. O custo alto para colocar uma linha telefnica, destacou Reginaldo

    Nascimento em seu depoimento.

    A RN Publicidade patrocinada por anunciantes (a maioria comerciante). Os

    comerciais so pagos por chamadas, mas quando o tipo de nota de utilidade pblica

    como, por exemplo, nota de falecimento, no cobrada taxa de custo.

    Reginaldo considera o servio de alto-falante de grande utilidade para os 13 mil

    habitantes de So Flix.

    Em Cachoeira, a primeira emissora com transmissor s foi ao ar no ano de 1998, 75

    anos depois de implantada a primeira de rdio em Salvador, a 110km de distncia.

    A pioneira Rdio Magnfica uma rdio comunitria vinculada parquia e s obteve

    sua licena temporria em 1998. O prazo para a licena da rdio comunitria se

    esgotou no ano de 2000, mas ela continuou operando de forma pirata, at que houve

    uma denncia annima, que provocou o fechamento da primeira rdio com

    transmissor. (...) os tcnicos da ANATEL, chegaram no meio programao dizendo que a

    emissora estava ilegal. Eu estava no ar. Eles desligaram os equipamentos. Depois

    fizeram outra denncia, disseram que nos reabrimos a rdio. Os tcnicos da ANATEL

    voltaram e dessa vez lacraram tudo e levaram todos os aparelhos.

    (Ivanildo Paulo, ex-locutor da rdio, morador de Cachoeira)

  • No cabe neste trabalho julgar as aes da Anatel, mas percebeu-se a tristeza na fala do

    depoente, na gravao efetuada. A Anatel tem fechado muitas rdios comunitrias e est

    seguindo a Lei:

    Em 20 de fevereiro de 1998, com a Lei n 9.612, as rdios comunitrias

    passaram a ter existncia legal. Operando em freqncia modulada k, com transmissores

    de baixa potencia (at 25 watts) e antenas no superiores a 30 metros de altura. Estas

    emissoras devem atender a comunidade onde esto instaladas, difundindo idias,

    elementos culturais tradies e hbitos locais, alm de estimular o lazer, a integrao e o

    convvio, prestando ainda servios de utilidade pblica. (FERRARETO, 2001, p.50)

    Mas esta tem sido uma prtica questionada pelos estudiosos, porque impede a

    democratizao da comunicao. Essa uma questo polmica que no ser

    aprofundada neste trabalho. Mas a rdio Magnfica s voltou a funcionar aps trs

    anos. Trs longos anos sem uma nica rdio na cidade de Cachoeira.

    A licena para o funcionamento definitivo veio em 16 de abril de 2003, sendo as

    transmisses retomadas em 16 de junho do mesmo ano. Ela funciona at os dias atuais

    e tem uma programao voltada para utilidade pblica.

    A Lei 9.612/98 estabelece que uma rdio comunitria objetiva oportunizar a difuso de

    idias, elementos culturais que englobam as tradies e hbitos sociais da comunidade

    em que est inserida; estimular a formao e integrao da comunidade, com atividades

    de lazer, cultura e convvio social, alm de possibilitar ao cidado o exerccio do

    direito de expresso da forma mais acessvel possvel.

    A primeira rdio comercial em Cachoeira, a Paraguau FM, foi fundada em 25 de maio

    de 2003 e conta atualmente com seis locutores. A emissora cobre 26 cidades, incluindo

    municpios do Recncavo, Feira de Santana e Territrio do Sisal e Regio

    Metropolitana de Salvador. Alm de notcias locais e regionais, a rdio divulga

    notcias nacionais.

    A Rdio Paraguau FM pertence ao grupo do empresrio e ex-deputado federal Pedro

    Irujo. Atinge a vrios municpios da regio com uma potncia de 5 (cinco) watts e

    funciona 24hs.

    Existem oito emissoras de rdio pertencente ao grupo Pedro Irujo: a Itapoan FM, em

    Salvador, que pertence a Luiz Pedro, filho de Pedro Irujo; a Nordeste FM e a Suba

  • AM, em Feira de Santana; na cidade de Ipia tem a Rdio Educadora AM; em

    Jacobina a Rdio Serrana FM e a Rdio Clube Rio do Ouro AM; a Rdio Dias Dvila

    FM, na cidade de Dias Dvila, regio Metropolitana de Salvador e a Paraguau FM

    em Cachoeira. Em Santo Amaro ser inaugurada mais uma emissora do grupo ainda

    em 2008. As principais notcias das cidades onde esto as emissoras, circulam por

    todas elas, atravs de fax, email e telefone, o que forma uma rede de notcias, ainda

    que no institucionalizada, pois os radiojornais dessas emissoras no so transmitidos

    de forma interligada.

    A rdio Paraguau FM comeou sem programas de notcias, mas em pouco tempo

    houve uma interatividade com o pblico, atravs de ligaes, participaes ao vivo e

    promoes e as notcias locais passaram a ter importncia fundamental para

    manuteno da audincia. Os locutores entrevistados disseram que ela tem o objetivo

    de informao e cultura para a populao.

    Apesar desse descompasso temporal entre as implantaes das rdios em Salvador e

    em Cachoeira e So Flix, to prximas fisicamente, mas to distintas na utilizao

    dos mcm, a linguagem de rdio foi muito exercitada e criativa nas cidades. O Rdio

    teve vida e voz para a populao por conta da iniciativa de pioneiros que utilizaram

    sistemas de alto-falante.

    Se analisarmos o conceito de radiodifuso: a palavra portuguesa equivalente inglesa Broadcasting, que significa algo

    como semear aos quatro ventos. Embora utilizado como tal, no pode ser considerada

    exatamente um sinnimo de rdio, mas sim de emisso de sinais por meio de ondas

    eletromagnticas. (FERRARETO, 2001, p.22)

    Veremos que Cachoeira e So Flix demoraram muito para ter radiodifuso gerada nas

    prprias cidades. Mas apesar disso a linguagem de rdio foi exercitada com uma

    programao bem variada pelo servio de alto-faltante, o circuito fechado de rdio.

    Relatos de moradores idosos, reportagens da poca e documentos extrados de

    arquivos pblicos reafirmam a fora da linguagem radiofnica nas cidades do

    Recncavo.A linguagem radiofnica engloba o uso da voz humana, da msica, dos efeitos

    sonoros e do silncio, que atuam isoladamente ou combinados entre si de diversas

    formas. Cada um destes elementos contribui, com caractersticas prprias, para o todo

    da mensagem. Os trs ltimos trabalham em grande parte o inconsciente do ouvinte,

  • enquanto o discurso oral visa o consciente. A trilha sonora pode acentuar ou reduzir

    determinados aspectos dramticos contidos na voz do comunicador, ressaltados por

    vezes pelo silencio. Neste quadro, o efeito compensa a ausncia da imagem,

    reproduzindo sons prprios de elementos que servem com pano de fundo, de um trovo

    em meio a uma tempestade aos trinados de pssaros para representar o inicio de uma

    primavera. (FERRARETO, 2001, p.26)

    A memria do ouvinte

    No na histria aprendida, na histria vivida que se apia nossa

    memria (Maurice Halbwachs)

    Os relatos dos ouvintes com mais de 70 anos, em Cachoeira e So Flix, resultaram em

    depoimentos sobre os fatos histricos e registros, a partir da rdio transmisso,

    enquanto veculo de comunicao. As entrevistas foram semi-estruturadas, mas

    permitiu-se que os depoentes fizessem uma viagem ao passado e muito da memria

    afetiva sobre o rdio se revelou nas lembranas.

    Destacamos a lembrana da primeira vez que alguns entrevistados ouviram um rdio

    ou tiveram conscincia da importncia de um registro histrico a partir do rdio:

    Em 54, quando Getlio morreu, minha casa j tinha rdio e eu no gostava

    (ela falava da morte de Getlio). No gostava porque toda hora falava da morte de

    Getlio, colocava aquelas msicas tristes, colocaram fita preta na ponte, nos postes, a

    cidade ficou de luto, tinha gente que dava ataque, chorava, levava uma semana de

    desespero, e os alto-falantes tambm, tinha a Voz da Primavera. Esse alto-falante levou

    mais uns quinze dias tocando msica clssica, msica fnebre, a, eu tinha medo,

    pavor.

    (Jiuclia da Silva, 59 anos, professora, mora em So Flix).

    (...) que eu me lembre, eu devia ter l pros 21 anos, mais ou menos. Era uma

    vitrola de corda, eu tinha que ir assistir a programao na casa dos amigos ou

    vizinhos. Seu Aderbal foi quem me vendeu o rdio, era usado, mas funcionava muito

    bem. Tinha que dar corda, seno o bicho no funcionava. Mas meus parentes tiveram

    antes. Eu que era quebrado, num tinha dinheiro, s depois de trabalhar que eu tive o

    meu rdio.

    (Edson Salgado Almeida, 77 anos, aposentado, mora em Cachoeira).

  • (...) Lembro como era o rdio. Primeiro eu ouvi na casa dos outros, eu vi

    aquele negcio enorme falando sozinho. Fique encantado. Depois meus pais tiveram o

    rdio, um dos grandes, e eu comprei um rdio ABC canarinho antigrico, quando

    tinha meus 16 e j trabalhava, era empregado, da comecei a ouvir a rdio sociedade de

    Bahia, foi a primeira rdio. Foi da que eu comecei, depois chegaram as FM. Eu t a

    at hoje. Sou apaixonado pelo rdio. Eu no cheguei a ouvir o rdio na casa das

    pessoas de maior condio financeira, eu era muito preso (em casa). O rdio tinha um

    custo muito grande naquela poca. O rdio hoje em dia um meio de comunicao

    mais vivel, a televiso tem que ficar em casa.

    (Aldo Pereira de Lima, 71 anos, policial aposentado, mora em Cachoeira)

    Brincadeiras de rua foram deixadas de lado, visitas casa do vizinho tinham horrio

    certo, o rdio mudava o comportamento.

    (...) tinha o almoo com msica, dia de domingo. A tocava Quando

    Setembro Vier, Carinhoso, aquelas msicas antigas daquela novela que tinha o cravo

    e a rosa. (...) A o pessoal dizia: vamos para casa de D. Nieta (av), que j t na hora

    do almoo com msica. E a almoo com msica comeava 11h, terminava 12h, e dizia

    assim: almoce com msica. E a todo mundo ia.

    (Jiuclia da Silva, 59 anos, professora, mora em So Flix).

    (...) eu acompanhei muito as novelas quando comecei a vir cidade, juntava

    todo mundo na casa de quem tinha o rdio pra poder assistir as novelas. Tinha um

    programa de forr, que era bem cedinho, mas eu no lembro quem apresentava. Era na

    rdio Sociedade, que era o meu preferido, era maravilhoso, eu s lamento pela pobreza

    em que minha famlia vivia, mas foi uma poca importante.

    (Valdomiro Nascimento, 70 anos, tratorista, mora em Cachoeira).

    A expectativa para ouvir as programaes era muito grande e, maior ainda era a

    curiosidade em saber quem estava do outro lado, quem era que proporcionava aqueles

    momentos nicos para cada uma dessas pessoas.A gente imaginava n! Mas nem sempre era a mesma coisa. A gente pensa

    que a pessoa forte por causa da voz potente e nem sempre assim, a pessoa

    franzina.

    (Jiuclia da Silva, 59 anos, professora, mora em So Flix).

  • (...) o grande comunicador, Nilton Spindola Cardoso, acompanhei ele no

    rdio e depois eu ainda trabalhei com ele, na festa de So Pedro, em So Francisco do

    Iguape. Fiz sua segurana.

    (Aldo Pereira de Lima, 71 anos, policial aposentado, mora em Cachoeira).

    (...) Um dos programas que eu mais acompanhei foi o Vamos acordar da

    rdio Sociedade (...) Era que nem o Jornal Nacional hoje em dia pra mim. Eu s saa de

    casa depois de ouvir o programa, depois repassava as notcias com os amigos.

    (Edson Salgado Almeida, 77 anos, aposentado, mora em Cachoeira).

    ... Ento era assim, ns assistamos novela das cinco na rdia Celso. Eu

    colocava o p no cho, pegava no fio para fazer o fio terra para assistir a novela, porque

    a novela era boa. Era um lambari, o Pescador. E tinha um caso de amor nessa novela.

    Esse lambari, ele amava uma moa e todo namorado que essa moa tinha, aparecia

    morto e ningum descobria quem era.(...) E ningum achava, ningum descobria quem

    era e depois esse ltimo noivo, que a moa teve, comeou a perguntar a falar e, quando

    ele ia namorar com ela, lambari estava sempre por perto (...) E ai eu ficava todo dia

    querendo saber quem foi quem matou, porque agora a gente ainda tem umas pistas das

    novelas, por causa da televiso, mas no rdio era difcil.

    (Jiuclia da Silva, 59 anos, professora, mora em So Flix).

    Consideraes finais

    A pesquisa sobre o rdio nas cidades do Recncavo ainda est em andamento, mas at

    o momento conclui-se que o rdio permanece como o principal meio de obter

    informaes e como porta-voz da populao nas duas cidades estudadas. Percebe-se

    que a memria resgatada ainda pequena, diante do perodo em que no se registrou a

    histria do rdio na regio. Entrevistar mais idosos, principalmente aqueles que

    tiveram participao efetiva na poltica, sade e educao, ser interessante para saber

    a dimenso que o rdio tinha em situaes de mobilizao da comunidade.

    Por sua caracterstica de oralidade, que faz uso de uma linguagem coloquial

    desprovida de formalidade, muito prxima utilizada nas situaes presenciais, e por

    ser o meio que mais facilmente permite a participao do ouvinte na sua programao,

    o rdio propicia uma interao entre seus atores (comunicadores e ouvintes) no

    encontrada nos demais veculos de comunicao. Nas cidades estudadas essa interao

  • ainda mais presente, pela falta de uma emissora de TV. A divulgao do que

    acontece nas duas cidades feita apenas pelo rdio para maior parte da populao, que

    no tem acesso a jornal.

    Precisamos ainda mapear os hbitos de consumo atuais frente s novas tecnologias e

    traar o perfil da programao e da linguagem utilizada pelas emissoras de Cachoeira e

    pelo servio de alto-falante de So Flix. Esse material ser utilizado para produo de

    publicao sobre o sistema de radiodifuso ou de rdio circuito fechado para subsidiar a

    disciplina de radiojornalismo e realidade regional.

    Agradecimentos

    Nossos agradecimentos aos bolsistas do Programa de Permanncia do MEC/SESu,

    Elton Vitor Coutinho, Jadson Ribeiro, Maiane Matos e Marlene de Lima, pela

    dedicao ao Projeto; aos entrevistados que cederam tempo e memrias e aos

    radialistas de So Flix e Cachoeira.

    Referncias bibliogrficas

    ALBERTI, Verena. Histria Oral - A experincia do CPDOC. Rio de Janeiro:

    Fundao Getlio Vargas, 1990, 197 p.

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    SANTOS, Aurelina Sena dos.

    SANTOS, Ismael Melquiades dos.

    SILVA, Jiuclia da.